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8 | NOVO JORNAL | Natal, sexta-feira,19 de fevereiro de 2010 Geral Editor: Carlos Prado E-mail: [email protected] Fone: 84 3201.2443 | 84 3221.3438 Rayanne Azevedo, do Novo Jornal O ESTUDANTE LEONARDO Silva, 12 anos, é a primeira pessoa no Rio Grande do Norte a passar por uma cirurgia inovadora no ramo da otorrinolaringologia. Na sexta-feira, 12, o médico otorri- nolaringologista Rodolpho Penna Lima Júnior realizou uma opera- ção inédita no estado, que deverá restituir boa parte da audição do garoto. Ele nasceu sem as orelhas, mas possui o sistema auditivo in- terno perfeito e escuta apenas através das vibrações ósseas. Graças ao aparelho auditivo de fixação óssea, conhecido como BAHA (Bone Ancorated Hearing Aid), pessoas como Leonardo, ou pacientes com surdez grave em apenas um ouvido, dispõem de uma alternativa relativamente se- gura e bem mais eficaz de reabili- tar a audição. O implante do BAHA detecta vibrações de sons e as re- passa através dos ossos da cabe- ça. O aparelho é colocado atrás da orelha, ficando acoplado no cou- ro cabeludo, e pode ser removido conforme o desejo do paciente. É discreto – mede 2x1 cm – e se co- necta diretamente com os ossos do crânio através de um parafuso de titânio transcutâneo, o que signifi- ca que as vibrações são percebidas com uma eficiência muito maior do que os aparelhos no mercado. O doutor Penna Lima explica que o ser humano é capaz de ou- vir de duas maneiras – através das vias aéreas do canal auditivo e das vibrações ósseas. Em uma pessoa normal, ambas as funções se com- plementam. No caso de Leonar- do, não há entrada para o som. De acordo com a freqüência emitida, os ossos dentro do crânio vibram com maior ou menor intensidade e o cócleo – que é um dos elementos constituintes do aparelho auditivo – converte essas vibrações em impul- so nervoso, fazendo com que ele es- cute, ainda que com certa limitação. Quando nasceu, Leonardo possuía apenas 50% da capacidade auditiva e a cada ano ela diminuía. Apesar disso, ele aprendeu a falar aos dois anos de idade e leva uma vida relativamente normal. “Ele ouve com dificuldade porque as vibrações, que precisam atravessar ainda a cabeça até o osso, chegam com menor intensidade ao cócleo”, afirma Penna Lima. As soluções oferecidas pela medicina para ca- sos como o de Leonardo, até então, eram restritas. Podia-se usar um diadema especial equipado com um receptor de vibrações de som, mas a necessidade de ter o apare- lho fortemente afixado à cabeça torna o uso incômodo. A eficácia também não é tão alta porque a tecnologia não fica em contato di- reto com os ossos do crânio. Outra solução seria abrir um canal auditivo. O procedimento, contudo, é considerado muito ar- riscado e pode comprometer di- versas funções nervosas e o ma- xilar. “Não dá para fazer isso em segurança porque é como entrar em um quarto escuro onde você desconhece a disposição da mobí- lia”, compara. Segundo Penna Lima, quando a tecnologia do implante BAHA chegou ao Brasil, há pouco mais de um ano em meio, ele enxergou uma alternativa para o problema de Leonardo. O maior obstáculo, contudo, era o alto custo do im- plante: algo em torno de R$ 38 mil, um valor altíssimo para ser pago pela mãe do paciente, a doméstica Rejane Paixão da Silva, 37. O SUS também não cobre o tratamento. “Não houve mais de 20 cirurgias de implante de BAHA no Brasil. É uma tecnologia nova que ainda não consta nos procedimentos do SUS”, afirma Penna Lima. Com o apoio dos médicos, Re- jane entrou com um processo na Justiça para tentar ganhar a cober- tura integral do procedimento pelo SUS, cirurgia e implante incluso – orçado em R$ 45 mil. No final do ano passado, a causa foi ganha e só na semana passada é que Leo- nardo passou pela primeira etapa rumo à reabilitação auditiva, que consiste em implantar um parafu- so de titânio no osso do crânio. O procedimento é simples, mas requer que o paciente seja se- dado e receba uma anestesia local ou geral. Uma pequena incisão é feita alguns centímetros atrás da orelha e a pele é levantada. Quan- do o crânio fica exposto, protegi- do apenas por uma membrana, o médico fixa o parafuso e recoloca a pele por cima, abrindo um pe- queno buraco para que uma par- te do parafuso mantenha-se fora da cabeça – é ali que uma espécie de adaptador será colocado e, em cima dele, depois de transcorrido entre três e cinco meses de perío- do de cicatrização e integração do parafuso, o receptor. Com um microfone que capta e amplifica o som, fazendo com que as vibrações passem da cai- xa craniana até o ouvido interno e o cócleo, o receptor funciona como qualquer aparelho auditi- vo comum – pode ser usado na prática de esportes e é retirado quando o paciente vai dormir ou tomar banho. Para saber se o BAHA irá melhorar significativa- mente a audição do paciente, um teste é feito com uma espécie de faixa colocada ao redor da cabe- ça. Nela está o receptor. “Se o pa- ciente perceber uma melhora na audição, ele sabe que vai ter um resultado ainda melhor quando o tiver diretamente conectado ao osso”, explica Penna Lima. Ainda de acordo com o otorri- nolaringologista, os riscos da im- plantação do BAHA são pequenos. “A cicatrização do parafuso deve ser acompanhada como qualquer outro processo de cicatrização. É importante se assegurar de que o parafuso vai se integrar com o osso e que a pele não irá crescer por cima, cobrindo-o”, ressalta. Penna Lima acredita que Leonardo deve ter o receptor colocado em quatro meses. Depois disso, uma boa al- ternativa estética para a ausência de orelhas do paciente seria o uso de orelhas artificiais. “É melhor do que tentar reconstruir através de cirurgias plásticas e o resultado é melhor visivelmente”, avalia. Depois que Leonardo tiver concluído o implante de BAHA, será a vez de outras pessoas pas- sarem pela cirurgia. Penna Lima conta que já existem três pacien- tes na fila de espera e todos preten- dem fazer o procedimento através do plano de saúde. “É realmente caro, mas há perspectiva de que o custo do implante abaixe confor- me a demanda aumenta e a tecno- logia se populariza”, afirma. Rejane está muito otimista em relação à recuperação da audição do filho. “Vai ajudar nos estudos dele, porque ele não vai mais pre- cisar ter lugar marcado na frente, nem vai ficar se preocupando em ler os lábios da professora”, ponde- ra. A dificuldade auditiva de Leo- nardo já custou à mãe duas TV’s, porque o volume estava sempre tão alto que eventualmente o som estourava. “Teve uma vez que a gente esteve aqui no consultório do doutor Penna e o meu filho dis- se: ‘Doutor, eu quero minhas ore- lhas!’. Acho que agora o doutor está dando as orelhas do meu filho de volta”, comenta com alegria. | MEDICINA | Doméstica ganha, na Justiça, direito do filho realizar pelo SUS cirurgia pioneira no RN Leonardo conquista o direito de ouvir Com cirurgia inédita no RN, médico Rodolpho Penna Lima devolveu audição a Leonardo HUMBERTO SALES / NJ REPRODUÇÃO “Vai ajudar nos estudos dele, porque ele não vai mais precisar ter lugar marcado na frente, nem vai ficar se preocupando em ler os lábios da professora” Rejane Paixão Aparelho implantado junto ao crânio, leva as vibrações sonoras ao cócleo (em azul) no ouvido interno, permitindo a recuperação da audição. HUMBERTO SALES / NJ

| MEDICINA | Leonardo conquista o direito de ouvir · crânio através de um parafuso de titânio transcutâneo, o que signifi - ca que as vibrações são percebidas com uma efi

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8 | NOVO JORNAL | Natal, sexta-feira,19 de fevereiro de 2010

Geral Editor: Carlos PradoE-mail: [email protected]

Fone: 84 3201.2443 | 84 3221.3438

Rayanne Azevedo, do Novo Jornal

O ESTUDANTE LEONARDO Silva, 12 anos, é a primeira pessoa no Rio Grande do Norte a passar por uma cirurgia inovadora no ramo da otorrinolaringologia. Na sexta-feira, 12, o médico otorri-nolaringologista Rodolpho Penna Lima Júnior realizou uma opera-ção inédita no estado, que deverá restituir boa parte da audição do garoto. Ele nasceu sem as orelhas, mas possui o sistema auditivo in-terno perfeito e escuta apenas através das vibrações ósseas.

Graças ao aparelho auditivo de fi xação óssea, conhecido como BAHA (Bone Ancorated Hearing Aid), pessoas como Leonardo, ou pacientes com surdez grave em apenas um ouvido, dispõem de uma alternativa relativamente se-gura e bem mais efi caz de reabili-tar a audição. O implante do BAHA detecta vibrações de sons e as re-passa através dos ossos da cabe-ça. O aparelho é colocado atrás da orelha, fi cando acoplado no cou-ro cabeludo, e pode ser removido conforme o desejo do paciente. É discreto – mede 2x1 cm – e se co-necta diretamente com os ossos do crânio através de um parafuso de titânio transcutâneo, o que signifi -ca que as vibrações são percebidas com uma efi ciência muito maior do que os aparelhos no mercado.

O doutor Penna Lima explica que o ser humano é capaz de ou-vir de duas maneiras – através das vias aéreas do canal auditivo e das vibrações ósseas. Em uma pessoa normal, ambas as funções se com-plementam. No caso de Leonar-do, não há entrada para o som. De acordo com a freqüência emitida, os ossos dentro do crânio vibram com maior ou menor intensidade e o cócleo – que é um dos elementos constituintes do aparelho auditivo – converte essas vibrações em impul-so nervoso, fazendo com que ele es-cute, ainda que com certa limitação.

Quando nasceu, Leonardo possuía apenas 50% da capacidade auditiva e a cada ano ela diminuía. Apesar disso, ele aprendeu a falar aos dois anos de idade e leva uma vida relativamente normal. “Ele ouve com difi culdade porque as vibrações, que precisam atravessar ainda a cabeça até o osso, chegam com menor intensidade ao cócleo”, afi rma Penna Lima. As soluções oferecidas pela medicina para ca-sos como o de Leonardo, até então, eram restritas. Podia-se usar um diadema especial equipado com um receptor de vibrações de som, mas a necessidade de ter o apare-lho fortemente afi xado à cabeça torna o uso incômodo. A efi cácia também não é tão alta porque a tecnologia não fi ca em contato di-reto com os ossos do crânio.

Outra solução seria abrir um canal auditivo. O procedimento, contudo, é considerado muito ar-riscado e pode comprometer di-versas funções nervosas e o ma-xilar. “Não dá para fazer isso em segurança porque é como entrar em um quarto escuro onde você desconhece a disposição da mobí-lia”, compara.

Segundo Penna Lima, quando a tecnologia do implante BAHA chegou ao Brasil, há pouco mais de um ano em meio, ele enxergou uma alternativa para o problema de Leonardo. O maior obstáculo, contudo, era o alto custo do im-plante: algo em torno de R$ 38 mil, um valor altíssimo para ser pago pela mãe do paciente, a doméstica Rejane Paixão da Silva, 37. O SUS

também não cobre o tratamento. “Não houve mais de 20 cirurgias de implante de BAHA no Brasil. É uma tecnologia nova que ainda não consta nos procedimentos do SUS”, afi rma Penna Lima.

Com o apoio dos médicos, Re-jane entrou com um processo na Justiça para tentar ganhar a cober-tura integral do procedimento pelo SUS, cirurgia e implante incluso – orçado em R$ 45 mil. No fi nal do ano passado, a causa foi ganha e só na semana passada é que Leo-nardo passou pela primeira etapa rumo à reabilitação auditiva, que consiste em implantar um parafu-so de titânio no osso do crânio.

O procedimento é simples, mas requer que o paciente seja se-dado e receba uma anestesia local ou geral. Uma pequena incisão é feita alguns centímetros atrás da orelha e a pele é levantada. Quan-do o crânio fi ca exposto, protegi-do apenas por uma membrana, o médico fi xa o parafuso e recoloca a pele por cima, abrindo um pe-queno buraco para que uma par-te do parafuso mantenha-se fora da cabeça – é ali que uma espécie de adaptador será colocado e, em cima dele, depois de transcorrido entre três e cinco meses de perío-do de cicatrização e integração do parafuso, o receptor.

Com um microfone que capta e amplifi ca o som, fazendo com que as vibrações passem da cai-xa craniana até o ouvido interno e o cócleo, o receptor funciona como qualquer aparelho auditi-vo comum – pode ser usado na prática de esportes e é retirado quando o paciente vai dormir ou tomar banho. Para saber se o BAHA irá melhorar signifi cativa-mente a audição do paciente, um teste é feito com uma espécie de faixa colocada ao redor da cabe-ça. Nela está o receptor. “Se o pa-ciente perceber uma melhora na audição, ele sabe que vai ter um resultado ainda melhor quando o tiver diretamente conectado ao osso”, explica Penna Lima.

Ainda de acordo com o otorri-nolaringologista, os riscos da im-plantação do BAHA são pequenos. “A cicatrização do parafuso deve ser acompanhada como qualquer outro processo de cicatrização. É importante se assegurar de que o parafuso vai se integrar com o osso

e que a pele não irá crescer por cima, cobrindo-o”, ressalta. Penna Lima acredita que Leonardo deve ter o receptor colocado em quatro meses. Depois disso, uma boa al-ternativa estética para a ausência de orelhas do paciente seria o uso de orelhas artifi ciais. “É melhor do que tentar reconstruir através de cirurgias plásticas e o resultado é melhor visivelmente”, avalia.

Depois que Leonardo tiver concluído o implante de BAHA, será a vez de outras pessoas pas-sarem pela cirurgia. Penna Lima conta que já existem três pacien-tes na fi la de espera e todos preten-dem fazer o procedimento através do plano de saúde. “É realmente caro, mas há perspectiva de que o custo do implante abaixe confor-me a demanda aumenta e a tecno-logia se populariza”, afi rma.

Rejane está muito otimista em relação à recuperação da audição do fi lho. “Vai ajudar nos estudos dele, porque ele não vai mais pre-cisar ter lugar marcado na frente, nem vai fi car se preocupando em ler os lábios da professora”, ponde-ra. A difi culdade auditiva de Leo-nardo já custou à mãe duas TV’s, porque o volume estava sempre tão alto que eventualmente o som estourava. “Teve uma vez que a gente esteve aqui no consultório do doutor Penna e o meu fi lho dis-se: ‘Doutor, eu quero minhas ore-lhas!’. Acho que agora o doutor está dando as orelhas do meu fi lho de volta”, comenta com alegria.

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Leonardo conquista o direito de ouvir

Com cirurgia inédita no RN, médico Rodolpho Penna Lima devolveu audição a Leonardo

HUMBERTO SALES / NJ

REPRODUÇÃO

“Vai ajudar nos estudos dele,

porque ele não vai mais precisar

ter lugar marcado na frente, nem

vai fi car se preocupando em

ler os lábios da professora”

Rejane Paixão

Aparelho implantado junto ao crânio, leva as vibrações sonoras ao cócleo (em azul) no ouvido interno, permitindo a recuperação da audição.

HUMBERTO SALES / NJ