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WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR 1 FUNCIONALISMO PENAL PAULA NAVES BRIGAGÃO: Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Privado. Aprovada no Concurso Público para o cargo de Notários e Registradores no Estado de Minas Gerais. Mestranda em Direito das Relações Internacionais pela Universidad de La Empresa. Atuou como Juíza leiga perante o XXIV Juizado Especial Cível da Comarca da capital do Estado do Rio de Janeiro. Atuou como Conciliadora na XXXIII Vara Cível da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro. Estagiou na Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro e na Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro, aprovada em concurso público. Escritora na área jurídica. Sumário: Capítulo I: O Funcionalismo no Direito Penal Brasileiro; Capítulo II: Teoria da Imputação Objetiva;

 · O alemão Claus Roxin enfatiza em seus estudos um funcionalismo utilitário. Seus estudos pautaram-se na Política Criminal, ... significativa a bens jurídicos relevantes não

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FUNCIONALISMO PENAL

PAULA NAVES BRIGAGÃO: Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Privado. Aprovada no Concurso Público para o cargo de Notários e Registradores no Estado de Minas Gerais.

Mestranda em Direito das Relações Internacionais pela Universidad de La Empresa. Atuou como Juíza leiga perante o XXIV Juizado Especial Cível da Comarca da capital do Estado do Rio de Janeiro. Atuou como Conciliadora na XXXIII Vara Cível da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro. Estagiou na Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro e na Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro, aprovada em concurso público. Escritora na área jurídica.

Sumário: Capítulo I: O Funcionalismo no Direito Penal Brasileiro; Capítulo II: Teoria da Imputação Objetiva;

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Prefácio NOSSA AMIZADE PODERIA TER OFUSCADO MINHA VISÃO CRÍTICA, TORNANDO-A COMPLASCENTE COM QUAISQUER LINHAS QUE VOCE ESCREVEU.

MAS A CLAREZA E A OBJETIVIDADE DE SUAS LIÇÕES (POIS SÃO EXATAMENTE ISTO - LIÇÕES) TORNARAM INÓCUA TAL COMPLASCÊNCIA, POIS A SUA LINGUAGEM COLOQUIAL, PRECISA, CONSTRUIU UM LIVRO MAIS DO QUE NECESSÁRIO PARA AQUELES QUE PROCURAM A ATUALIZAÇÃO NOS ESTUDOS JURÍDICOS, MAS UM LIVRO QUE, POR SER RICO EM COMENTÁRIOS DOUTRINÁRIOS, JULGADOS RELEVANTES E EXAUSTIVAS CORREÇÕES DE CASOS CONCRETOS (OS QUAIS ATUALMENTE SÃO COMPROVADAMENTE O MÉTODO MAIS EFICAZ PARA O APRENDIZADO DO DIREITO), CONSEGUE SER ÚNICO, A COROAR COM LOUVOR ESTE COMEÇO DE VOCES NA ÁRDUA ESTRADA DA EXTENSA BIBLIOGRAFIA JURÍDICA.

OBRIGADA PELA PRESENTE OBRA QUE OFERECE A TODOS QUE AMAM A CIÊNCIA JURÍDICA.

MARIA ALICE DA FONSECA LOPES.

(SERVIDORA PÙBLICA E ESPECIALISTA EM DIREITO PRIVADO)

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Agradecimentos:

Aos leitores, ferramenta e razão de ser de nosso trabalho.

Aos meus pais, in memorian, pelo amor cativo que brotaram em mim: “Ninguém morre enquanto permanece vivo no coração de alguém” (Alírio Campos).

Aos Mestres, Cláudia Márcia Gonçalves Vidal e Marcus Quaresma Ferraz, por despertarem em mim o amor pela Ciência Penal.

À Clarinha, minha afilhadinha. Com amor! Paula Naves Brigagão.

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Notas sobre a Autora.

Dra. Paula Naves Brigagão – Aprovada em

Concurso público para o Cargo de Notários e

Registradores no Estado de Minas Gerais.

Mestrado em Direito das Relações

internacionais pela Universidad de la Empresa –

Montevideo - UY.

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Capítulo I: O Funcionalismo no Direito Penal Brasileiro.

(Sumário: 1.1) (Noções Básicas sobre os três tipos de Funcionalismo Penal; 1.2) Desenvolvimento; 1.3) Reflexões históricas das escolas penais no contexto jurídico; 1.4) (1.4) As premissas básicas da teoria do Funcionalismo Penal; 1.5) A teoria funcionalista bifurcada; 1.6) A teoria funcionalista bifurcada; 1.7) Fenômenos históricos; 1.8) Conclusões.

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1.1) Noções básicas sobre os três tipos de Funcionalismo Penal:

Neste primeiro tópico de nosso trabalho

fornecemos aos leitores o passeio pela floresta.

Nos tópicos seguintes, esmiuçamos com mais

profundidade os temas aqui versados. Trata-se

da singela descoberta das árvores.

Preocupa-se o funcionalismo penal com o

verdadeiro sentido e alcance do Direito Penal no

cenário jurídico-mundial. Sua função se reveste

da própria ontologia conceitual desse ramo do

Direito.

O Funcionalismo Moderado ( também

conhecido como Funcionalismo Teleológico) é

criação do gênio alemão Claus Roxin. O

Funcionalismo Radical (também conhecido

como Funcionalismo Sistêmico ou Normativista)

é filho único do sociólogo Günter Jakobs. O

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Funcionalismo Reducionista, também conhecido

como Limitado, é fruto dos estudos do penalista

argentino Eugênio Zaffaroni. Um mesmo

instituto (TEORIA DO FUNCIONALISMO

PENAL) revisitado sobre três óticas distintas,

cada qual com as devidas e sensíveis

peculiaridades. Em nosso estudo daremos uma

ênfase maior ao Funcionalismo Radical e ao

Funcionalismo Moderado, pois, estes, o alicerce

da teoria da qual a terceira espécie é quase uma

simbiose.

O alemão Claus Roxin enfatiza em seus

estudos um funcionalismo utilitário. Seus

estudos pautaram-se na Política Criminal,

concentrando-se na pesquisa da função do

Direito Penal propriamente dita, para o qual

essa consiste em normatizar o contexto social;

em outras palavras, pautar a vida em sociedade

administrando-a: O Direito Penal funcionando

como veículo de controle da coletividade, tal

como a catraca de ônibus regulando o fluxo de

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passageiros por ele adentra. A Política Criminal

é reflexa da sociologia, desaguando-se ao que

hoje, hodiernamente, se conhece como o Direito

Penal Mínimo que estrutura-se nos Direitos e

Garantias Constitucionais do Indivíduo no

cenário político-social. Não foi por acaso que o

professor alemão se destacou como idealizador

da Teoria da Imputação Objetiva (que

tecnicamente falando seria mais bem

denominada de Teoria da Não Imputação, da

qual falaremos no capítulo seguinte!).

Importante se faz esclarecer ao leitor que

a expressão latina obiter dictum vem crescendo

e aparecendo nos precedentes judiciais,

sobretudo no âmbito do SUPREMO TRIBUNAL

FEDERAL. Denota, entre outras coisas, uma

técnica de argumento persuasivo.

O seu significado é, pois, “de passagem”,

“referência passageira”, “para argumentar”.

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O obiter dictum atitude de órgão

jurisdicional (órgão colegiado ou órgão

individualizado) dispensável à solução do tema

submetido à apreciação do Poder Judiciário.

Trata-se de um argumento de reforço. Não é o

pilar de uma da fundamentação, mas, sim,

periférico, jamais interferindo na estrutura do

julgado. Dessa maneira, não virá acoplado na

parte dispositiva de uma decisão.

Por tal razão, essa manifestação não

vincula os casos subseqüentes. (cf. Patrícia

Perrone Campos Mello, Precedentes, Renovar,

2008, p. 126). No mesmo sentido: José Rogério

Cruz e Tucci, Precedente judicial como fonte do

direito, Revista dos Tribunais, p. 177.

Tal explicação acima se fez necessária

para que o leitor compreendesse que a Teoria

do Funcionalismo Penal não conta, ainda, com a

autenticidade dogmático-normativa, sendo

citada de forma lateral apenas como um

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complemento de um raciocínio e não a sua

razão de ser. Há ementas da Corte Maior que,

inclusive, nem citam diretamente a Teoria do

Funcionalismo Penal, sendo esta extraída por

dedução. Assim, a título ilustrativo, citamos a

seguinte ementa:

Relator (a): Min. CELSO DE MELLO Julgamento: 15/12/2009 Órgão Julgador: Segunda Turma

Publicação

DJe-027 DIVULG 11-02-2010 PUBLIC 12-02-

2010

EMENT VOL-02389-03 PP-00514

Ementa E M E N T A: PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL - CONSEQÜENTE

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DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL - DELITO DE DESCAMINHO (CP, ART. 334, "CAPUT", SEGUNDA PARTE) - TRIBUTOS ADUANEIROS SUPOSTAMENTE DEVIDOS NO VALOR DE R$ 8.135,12 - DOUTRINA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF - PEDIDO DEFERIDO. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL. - O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a

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mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público. O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: "DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR". - O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se

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exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AO DELITO DE DESCAMINHO. - O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social. Aplicabilidade do postulado da insignificância ao delito de descaminho (CP, art. 334), considerado, para tanto, o inexpressivo valor do tributo sobre comércio exterior supostamente não recolhido. Precedentes.

Decisão

A Turma, à unanimidade, deferiu o pedido de

habeas corpus, nos termos do voto do Relator.

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Ausente, justificadamente, neste julgamento, o

Senhor Ministro Joaquim Barbosa. 2ª Turma,

15.12.2009.

Indexação

- VIDE EMENTA E INDEXAÇÃO PARCIAL:

DETERMINAÇÃO, EXTINÇÃO DO PROCESSO,

AUSÊNCIA, TIPICIDADE MATERIAL,

CONDUTA.

Legislação

LEG-FED DEL-002848/ANO-1940

ART-00334 "CAPUT"

CP-1940 CÓDIGO PENAL

Observação

- Acórdãos citados: HC 83526, HC 84687, HC

87478, HC 88393, HC

92438, HC 92463, HC 92740, HC 93482, HC

95749, HC 96151,

RE 536486, RE 550761, AI 559904 QO; RTJ

129/187, RTJ 178/310,

RTJ 192/963.

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- Veja Resp 1111467 do STJ.

Número de páginas: 19.

Análise: 25/02/2010, ACG.

Revisão: 01/03/2010, MMR.

Acórdãos no mesmo sentido

HC 100180

JULG-10-11-2009 UF-PR TURMA-02

MIN-CELSO DE MELLO N.PÁG-018

DJe-027 DIVULG 11-02-2010 PUBLIC 12-

02-2010

EMENT VOL-02389-03 PP-00496.

Após detalhada leitura do inteiro teor do

acórdão essa Autora concluiu que o Supremo

Tribunal Federal, de maneira lateral, valeu-se do

raciocínio do Funcionalismo Moderado

defendido por Claus Roxin, que, dentre as suas

diversas facetas, abarca o princípio da

insignificância ou bagatela, sobretudo no que

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tange aos delitos de contrabando ou

descaminho.

Observe atentamente o leitor o fato de

que a nossa Corte Maior não decretou

expressamente que o Brasil adotou o

Funcionalismo Moderado, de Roxin. O Ministro

Eros Grau apenas demonstrou não desconhecer

a Teoria do Funcionalismo Penal. Para sermos

fiéis reproduzimos o teor de seu voto condutor:

“O postulado da insignificância e a função

do Direito Penal: De Minimis, Não curat praetor.

O sistema jurídico há de considerar a

relevantíssima circunstância de que a privação

da liberdade e a restrição de direitos do

indivíduo somente se justificam quando

estritamente necessárias à própria proteção das

pessoas, da sociedade e de outros bens

jurídicos que lhes sejam essenciais,

notadamente casos em que os valores

penalmente tutelados se exponham a dano,

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efetivo ou potencial, impregnado de expressiva

lesividade".

O Superior Tribunal de Justiça, quanto

ao tema, avançou um pouco mais. Não que a

Corte Superior se posicionasse pela adoção da

Teoria do Funcionalismo Penal, mas já não a

ignora. Ela funciona quase como um palavrão

pouco falado, porém não desconhecido das

mentes brilhantes. Da ementa já se visualiza a

Teoria Funcionalista, como se nota:

Processo

HC 84798 / GO

HABEAS CORPUS

2007/0135347-0

Relator (a)

Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA (1128)

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Órgão Julgador

T5 - QUINTA TURMA

Data do Julgamento

06/10/2009

Data da Publicação/Fonte

DJe 03/11/2009

Ementa PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS

CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA

PREVIDENCIÁRIA E SONEGAÇÃO

PREVIDENCIÁRIA. PAGAMENTO INTEGRAL

DO DÉBITO. EFEITOS PENAIS REGIDOS

PELO ART. 9º, § 2º, DA LEI 10.684/2003.

EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. INÉPCIA DA

DENÚNCIA. PACIENTES GESTORES E

ADMINISTRADORES DA EMPRESA. ORDEM

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PARCIALMENTE CONCEDIDA.

1. Com a edição da Lei 10.684/2003, deu-se

nova disciplina aos efeitos penais do pagamento

do tributo, nos casos dos crimes previstos nos

arts. 1º e 2º da Lei 8.137, de 27 de dezembro de

1990, e 168-A e 337-A do Código Penal.

2. Comprovado o pagamento integral dos

débitos oriundos da falta de recolhimento de

contribuições sociais, ainda que efetuado

posteriormente ao recebimento da denúncia,

extingue-se a punibilidade, nos termos do 9º, §

2º, da Lei 10.684/03.

3. Não se pode ter por inepta a denúncia que

descreve fatos penalmente típicos e aponta,

mesmo que de forma geral, as condutas dos

pacientes, o resultado, a subsunção, o nexo

causal (teorias :causalista e finalista) e o nexo

de imputação (teorias funcionalista (e

constitucionalista), oferecendo condições para o

pleno exercício do direito de defesa, máxime se

tratando de crime societário onde a

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jurisprudência tem abrandado a exigência de

uma descrição pormenorizada das condutas.

4. Ordem parcialmente concedida para

determinar o trancamento da ação penal,

exclusivamente, em relação ao crime de

apropriação indébita previdenciária.

O Ministro Arnaldo Esteves Lima, no inteiro teor

do acórdão em que funcionou como relator

expressou seu conhecimento amplo pelas

teorias do crime (causalista, finalista e

funcionalista), embora não houvesse se

inclinado por nenhuma delas. Para sermos fiéis

ao seu raciocínio reproduzimos o inteiro teor de

seu voto: “Em outras palavras, não se pode ter

por inepta a denúncia que descreve fatos

penalmente típicos e aponta, mesmo que de

forma genérica, as condutas dos pacientes, o

resultado, a subsunção, o nexo causal (teorias

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causalista e finalista) e o nexo de imputação

(teorias funcionalista e constitucionalista),

oferecendo condições para o pleno exercício do

direito de defesa, máxime em se tratando de

crime societário onde a jurisprudência tem

abrandado a exigência de uma descrição

pormenorizada de condutas”.

Conseqüência maior de tais bases

filosóficas de Direitos e Garantias mesclados

com o contexto social surge como fenômeno

elucidativo na atualidade o instituto da co-

culpabilidade. Segundo o conceito de co-

culpabilidade, é necessário considerar-se a

convergência entre o comportamento reprovável

do autor e a diversidade de possibilidades de

realização que se vivencia entre as diversas

pessoas que vivem em sociedade, de forma que

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o juízo de censura ou de reprovação não poderá

ignorar a miséria ou a dificuldade de ganhar-se

o sustento próprio necessário para si e para os

seus.

Assim, exemplo concreto badalado na

mídia televisiva constata caso verídico em que

Fulana de tal, empregada doméstica que obtém

condições mínimas para a própria subsistência

através de sua labuta, mantém sua filha única,

Cicrana de tal, com três anos de idade,

acorrentada pelo pé na própria cama do

"barraco" onde reside, diante da circunstância

de não ter nenhum familiar ou vizinho com quem

possa deixá-Ia enquanto trabalha, até porque se

a mantivesse solta, esta escaparia para fora da

casa, correndo então riscos diante do lugar

perigoso onde tal residência se localiza. Trata-

se da aplicação prática de aplicação do instituto

da co-culpabilidade na ótica do Funcionalismo

Penal Moderado, idealizado por Roxin.

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Como base empírica para a construção

de sua Teoria Roxin foi beber nas fontes da

Criminologia na Escola Positiva Italiana que teve

como um dos maiores expoentes o médico

Cesare Lombroso que desenvolveu boa parte de

seus estudos tão-somente no conceito

ontológico de crime. Conhecido mundialmente

por sua obra: “O criminoso nato”. O crime era

visualizado como um fator genético, tal como se

tem no raciocínio basilar do Direito de Seqüela,

pilar dos Direitos Reais: “a lepra adere ao

corpo”. No conceito de crime este é a lepra da

alma, ou seja, uma doença que o indivíduo

possui uma carga genética que o acompanha

por toda a sua trajetória de vida. A

personalidade criminosa é a seqüela que o

sujeito traz e que perfaz a sua carga genética. O

sujeito já nasceu com as características

delinqüentes, já veio ao mundo mau: O homem

mau.

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Posteriormente, surgiu a Escola

Francesa, com a finalidade de atenuar os

rigores da escola Positiva Italiana. Apregoava

que o crime perpetrado pelo criminoso poderia

ser comparado como um micróbio/ um vírus que

se alastra pelo organismo havendo uma pré-

disposição para que indivíduo venha a delinqüir

em sua vida, desde que encontre o ambiente e o

momento mais oportuno. Conjuga fatores

endógenos e fatores exógenos para a

perpetração da prática delituosa. O professor

Roxin, influenciado por essas duas escolas

supracitadas conclui o seu raciocínio: É a

própria Sociedade que se autogoverna.

Transportando tais premissas para os

dias atuais, a título exemplificativo, na ótica de

Roxin, se o jogo do bicho é prática socialmente

aceita não há sentido em se criminalizá-la, visto

que conta com o aval social: é a vida social que

dita o alicerce do Direito Penal e não o contrário.

A crítica feita por essa autora no que concerne a

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teoria alemã é a de que a sociedade é mutável e

atrelar à mesma o conceito de crime é trazer

para o seu bojo insegurança jurídica, no que

haveria subtração de garantias ao próprio sujeito

de direitos: o cidadão – no que perderia o

sentido a essência da teoria estudada que

abarca o Direito Penal Mínimo como pilar.

Já o Funcionalismo Radical derivado de

Günter Jakobs possui ótica distinta no que toca

a função do Direito Penal que para o estudioso

subsume-se na própria vigência da norma;

dando-se primazia a norma face ao bem jurídico

tutelado por ela. Por tal raciocínio, protegendo-

se a norma, por via reflexa, protege-se o bem

jurídico; mas, se necessário sacrificar esse em

favor daquela tal não denotaria afronta ao

sistema. Aliás, Jakobs formou a sua teoria sob a

influência da Teoria Sistêmica, elaborada por

Niklas Luhmann. Sob essa perspectiva a

vigência da Norma autoriza a vigência do

próprio Estado.

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È a transportação para o Direito Penal

dos pensamentos colhidos por Maquiavel em

sua obra: “O Príncipe”, esmiuçada sob a

assertiva de que os fins justificam os meios e o

Estado tudo pode para combater o seu inimigo.

Mais importante que determinar uma pena é

segregar, por isso o manicômio com prisões

perpétuas eram o reverso da moeda do

Funcionalismo Penal Radical. Não há que se

falar em extinção da punibilidade de medida de

segurança, tendo em vista que não é pena, é

juízo de penculosidade. A pena atualmente tem

natureza distinta da medida de segurança, que

só pode ser aplicada ao inimputável e ao semi-

imputável, em substituição à pena (sistema

vicariante).

Vale ressaltar que a base filosófica

utilizada pelo sociólogo Jakobs busca a sua

origem na teoria do contratualismo que se

subsume nas seguintes premissas: Hobbes e

Rousseau são os maiores expoentes da teoria

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contratualista. O ser humano se cansa da lei do

mais forte e firma um pacto social para que uma

entidade superior a ele mesmo regule a vida de

todos, representando-o. Eis que surge o Estado

Civil, com normas a serem observadas e

obedecidas. Aquele cidadão que ousasse

desrespeitar o pacto social não era mais digno

de estabelecer uma relação jurídica com os

seus semelhantes. Estava, pois, fora do sistema

e representava, por si só, a figura do inimigo do

mesmo. Eis o Direito Penal do autor

sobrepondo-se ao Direito Penal do Fato.

Em oposição ao Direito Penal do Fato,

temos o torturante Direito Penal do Autor, sendo

este aquele em que o sujeito responde pelo que

ele é, consubstanciando um real atentado ao

princípio da dignidade da pessoa humana, bem

como, inegável burla ao princípio da lesividade

(ou ofensividade), pois de acordo com o último,

não há crime sem lesão ou perigo concreto de

lesão a um bem jurídico relevante, sendo que

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uma das funções do referido princípio é proibir a

incriminação de simples estados ou condições

existenciais, de maneira que o Direito Penal só

pode ser um direito penal da ação, e não um

direito penal do autor, como de alguma maneira

se pretendeu.

Eugenio Raul Zaffaroni e Pierangeli

ensinam que:

Um direito que reconheça, mas que

também respeite a autonomia moral da

pessoa, jamais pode penalizar o ser de

uma pessoa, mas somente o seu agir, já

que o próprio direito é uma ordem

reguladora de conduta humana. Não se

pode penalizar um homem por ser como

escolheu ser, sem que isso violente a sua

esfera de autodeterminação.

(ZAFFARONI, Eugênio Raúl;

PIERANGELI, José Henrique. Manual de

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Direito Penal Brasileiro. 7. ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2008. v.1, p.107.).

Faz-se necessário enfatizar que qualquer

pretensão de um Direito Penal do Autor é

contrária a Constituição Federal, assim como

aos Tratados Internacionais sobre Direitos

Humanos subscritos pelo Brasil. E, em assim

sendo, jamais há de se admitir o abjeto Direito

Penal do Autor, com nítido conteúdo de Direito

Penal do Inimigo.

O crime era a forma mais grave de se

burlar o pacto social. A conseqüência de

tais concepções deságua no surgimento

de dois tipos de Direito Penal: O Direito

Penal do Cidadão versus o Direito Penal

do Inimigo. Assim, o delinqüente -

cidadão não visa a premeditadamente

violar mediata ou imediatamente o pacto

social. Esse não é seu móvel, apesar de

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configurada a prática de seus crimes. E,

em assim sendo, a ele é aplicado o

Direito Penal do Cidadão, que é opulento

em garantias fundamentais coroadas sob

o manto do princípio do contraditório. Tal

direito é lastreado sob a base da

culpabilidade do agente e sua dignidade

como pessoa humana. Ao revés, o

delinqüente – inimigo pratica o crime com

o intuito deliberado de quebrar o pacto

social, sendo indiferente ao mesmo. O

exemplo mais elucidativo que pode ser

citado na atualidade como Direito Penal

do Inimigo é o terrorista do Estado. E,

aqui, como coroamento da aplicação

concreta do Direito Penal do Inimigo no

cenário Internacional citamos a prisão de

Guantánamo.

Criada no ano de 1942, inicialmente

fundamentada para servir de Prisão aos

cidadãos estadunidenses de origem japonesa, a

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prisão de Guatânamo é, na atualidade, motivo

de críticas e discussões na área do Direito Penal

Internacional, ao argumento de serem mantidos

privados de liberdade indivíduos acusados de

crimes que não são considerados pela

Organização das Nações Unidas (ONU) crimes

de guerra. È importante trazer a baila ao leitor a

informação de que a ilha de Guatânamo está

incrustada em território cubano, fato este, por si

só, gerador de muita controvérsia no que toca a

soberania dos Estados Unidos da América

naquela região. Os prisioneiros de Guantânamo

são, pois, interrogados por comissões militares

especiais a fim de estabelecer se eles são, de

fato, considerados inimigos. As técnicas de

interrogatório são as mais cruéis imaginadas

pela mente humana. A Organização das Nações

Unidas (ONU) apresenta um relatório

solicitando, pois, de plano, o fechamento da

prisão de Guantânamo com fundamento no uso

de técnicas de interrogatório semelhantes a

tortura.

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Vale destacar a informação de que um

dos prisioneiros de Guantánamo tenta o

suicídio. Um mês depois, três prisioneiros

morrem em um aparente suicídio coletivo.

Outros prisioneiros iniciam greve de fome, mas

são alimentados à força pelos guardas. A

Suprema Corte determina, pois, que o sistema

de comissões militares para os detidos viola as

leis estadunidenses e a Convenção de Genebra.

Infelizmente, existem numerosos

exemplos na história da humanidade de

violações do Direito Internacional Humanitário

em conflitos em várias partes do mundo não

somente em Cuba. As pessoas civis encontram

se em número cada vez maior entre as vítimas

das hostilidades. No entanto, há que se frisar

que existem casos importantes em que, graças

ao Direito Internacional Humanitário, foi possível

uma proteção de pessoas civis, prisioneiros,

doentes e feridos, bem como restrições no uso

de armas bárbaras. Dada as circunstâncias de

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trauma extremo inerentes à aplicação do Direito

Internacional Humanitário, ela far-se-á sempre

com pesadas dificuldades.

A despeito de Guantánamo representar

um campo minado moral e socialmente e, pois,

um buraco negro legal que a política externa

estadunidense precisa lidar, a construção de um

poder inteligente no tratamento desta temática

deve se pautar na conjugação de um

pragmatismo multilateral - que se baseia em

idéias políticas, princípios e valores que tenham

conexão com aqueles compartilhados pela

sociedade internacional. Em meados de 2007

documentos extraídos do FBI , obtidos durante

um processo iniciado pela União Americana

pelas Liberdades Civis, nos dão conta de que

ocorreram nada menos que vinte e seis

incidentes de possível abuso por parte dos

guardas de Guantânamo - que incluem, dentre

outras práticas, expor os prisioneiros a

temperaturas extremas, desrespeitar o Alcorão e

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34

atos de humilhação realizados por guardas do

sexo feminino ocorriam aos olhos de todos

numa verdadeira barbárie e massacre humano

ao inimigo do sistema.

Não é aceitável que se viole o Direito

Internacional, banalizando-o; que se exerça

tortura, que se abram prisões secretas e que se

façam desaparecer prisioneiros. Nos Estado

democrático de Direito, os detidos são

apresentados à Justiça e têm o direito a

defender-se com razoabilidade que denota o

aspecto material do princípio da ampla defesa,

na ótica esposada pelo Supremo Tribunal

Federal. Andou mal a Administração Bush

quando cometeu estes abusos, como mal

estiveram os que, pelo aplauso conivente ou

pelo silêncio envergonhado, foram medita ou

imediatamente cúmplices.

Assim, visando, pois, o resgate dos

princípios estabelecidos pelo DIH no dia 22 de

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35

janeiro de 2009, já sob o mandato de Barack

Obama, o presidente estadunidense assinou o

decreto que ordena o fechamento do centro de

detenção de Guantánamo e proíbe os abusos

durante interrogatórios, exigindo respeito à

Convenção de Genebra: "O centro de detenção

de Guantánamo objeto desta ordem será

fechado o mais rápido possível e, no mais

tardar, no prazo de um ano a partir da data da

ordem", sendo este um compromisso político

de campanha mais sutil a ser cumprido pelo

atual presidente Obama. ( grifos nossos).

A prisão de guantánamo denota nada

mais nada menos que a punição àqueles que

descumpriram o pacto social; bem como os

ataques terroristas ocorridos em 11 de setmbro

de 2002 às torres gêmeas americanas e, por

falar nelas, na prisão de guantáno estão

concentrados afegãos e iraquianos - acusados

de ligação aos grupos Taliban e Al-Qaeda, em

área excluída ao controle internacional no que

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36

concerne às condições de detenção dos

mesmos.

Dessa forma, se o sujeito é tido por

inimigo do Estado a ele é aplicado o Direito

Penal do Inimigo, sem garantias ou com

supressao quase total delas. O princípio sob o

qual assenta as raízes do Direito Penal do

Inimigo é o princípio da periculosidade – embora

não em sua integralidade - e não o princípio da

culpabilidade no que tange à aplicação da pena.

Vige, pois, o Direito Penal do Autor e não o

Direito Penal do Fato. Jakobs busca conciliar os

dois princípios rotulando o cidadão de imputável

perigoso que, em outras palavras significa que o

fim maior não não é a pena e sim e

recrutamento, o isolamento do cidadão-perigo.

Trata-se até mesmo da idéia de uma

segregação perpétua.

Como é sabido, no moderno Direito Penal

vem se tentando flexibilizar o sistema de pena,

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37

dando ao Juiz, quando de sua aplicação, maior

possibilidade de exercitar um poder

discricionário para encontrar o valor mais

adequado para cada caso, sempre com

observância dos princípios constitucionais e aos

limites estabelecidos na lei penal. Não se

leciona o amplo poder dos Juízes existente

antes do Iluminismo, como também não se

defende o critério rígido defendido por

Montesquieu.

Adota-se um critério intermediário,

devendo o Juiz observar a culpabilidade cio

agente e outros requisitos para escolher, dentre

as opções que lhe foram ofertadas pelo

Legislador, aquela que melhor se adéqua ao

caso concreto. Em síntese, para que se permita

à perfeita individualização da pena, deve-se

possibilitar ao magistrado um leque de opções

para o “calibramento da pena justa”, tanto

quantitativa quanto qualitativamente.

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38

Faz-se necessária, pois, a crítica ao

Direito Penal do Inimigo tendo em vista que a

expressão “ inimigo” denota um conceito jurídico

indeterminável, além de inseguro. Quem pode

ser considerado inimigo? Jesus Cristo foi

crucificado e coroado de espinhos porque ao

tentar salvar a humanidade do pecado foi

considerado inimigo daqueles que detinham o

poder e teminham perdê-lo para o Rei dos “reis”.

Trata-se, pois, de expressão que deturpa o

próprio princípio da legalidade criando tipos

abertos por demais.

Não vamos muito longe: Nos dias atuais

os mendigos das grandes metrópoles são tidos

pelos governantes e pela população em geral

inimigos do Estado. Ateiam-se fogo no Indío

Pataxó devido ao fato de o mesmo, como

mendigo, causar a jovens de classe média de

Brasília poluição visual. Todavia, a Justiça

afirma, com vêemencia, que atear fogo sobre o

corpo humano não configura a intenção de

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39

matar ( dolo eventual); mas ganha o valor de

apenas uma brincadeira, quase nos convendo

das atrocidades mundanas. O valor à vida

condicionado ao valor econômico, bem jurídico

que ganha primazia sobre a vida humana digna.

E isso nada mais é que um retrocesso às

garantias fundamentais conquistadas às duras

penas pelo Constituinte Brasileiro de 1988, fruto

de uma sociedade oprimida pelas mazelas da

ditadura, que gritava por democracia. Trata-se,

pois, da aplicação do Direito Penal do Autor -

que em palavras singelas - significa a punição

do agente pelo que ele é e não pelo que ele fez.

A finalidade do Constitucionalismo é

limitar o poder do Estado pelo direito; enquanto

que a Democracia ( governo do povo) preocupa-

se não propriamente com a limitação do poder,

mas com a origem dele. A democracia

preocupa-se que seja o povo a exercer o poder.

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40

Sobre a Democracia, pode-se dizer que,

na primeira fase do Constitucionalismo Moderno

(séc. XVIII), os revolucionários trouxeram da

Grécia a idéia de Democracia. Havia apenas um

“problema”: Na Grécia, a Democracia era direta,

ou seja, as pessoas se reuniam em praça

pública e deliberavam sobre assuntos de

interesse público; o que era possível devido ao

tamanho populacional das Cidades-Estado

(muito menores do que os Estados que temos

hoje). Para adaptar a Democracia ao

crescimento dos Estados, criou-se a

Democracia Representativa, que “pegou

emprestado” do Direito Privado um conceito,

que é o contrato de mandato. Por uma ficção, se

entendeu que, no momento da eleição, os

eleitos são representantes do povo. Com o

princípio democrático constrói-se a idéia de

vedação ao retrocesso como princípio.

Ensina-nos o Mestre dos Mestres JJ.

Gomes Canotilho: ““a idéia aqui expressa

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41

também tem sido designada como proibição de

contra-revolução social ou da evolução

reacionária. Com isto quer dizer-se que os

direitos sociais e econômicos (ex: direito dos

trabalhadores, direito à assistência, direito à

educação), uma vez obtido um determinado

grau de realização, passam a constituir,

simultaneamente, uma garantia institucional e

um direito subjectivo. (...) O princípio da

proibição do retrocesso social pode formular-se

assim: o núcleo essencial dos direitos social já

realizado e efectivado através de medidas

legislativas (...) deve considerar-se

constitucionalmente garantido sendo

inconstitucionais quaisquer medidas estaduais

que, sem a criação de outros esquemas

alternativos ou compensatórios, se traduzam na

prática numa anulação pura e simples desse

núcleo essencial. “A liberdade de conformação

do legislador e inerente auto-reversibilidade têm

como limite o núcleo essencial já realizado”.

(Canotilho, José Joaquim Gomes. Direito

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42

Constitucional e Teoria da Constituição. 2ªed.

1998).

O mesmo raciocínio de Inimigo do

Estado veste-se como uma luva no que tange

aos negros, antes escravos dos seus patrões,

hoje ainda escravos dos preconceitos sociais. A

protagonista global é negra, mas perde

audiência para os olhos verdes da paralítica. As

ações afirmativas tentam resgatar a dignidade

perdida, corrigir as injustiças históricas; mas são

bombardeadas pelos próprios negros, os

maiores preconceituosos de sua raça.

Há, ainda, e como não deixar de

comentar, a figura do imigrante clandestino.

Mais um inimigo do sistema. Humilhações,

ameaças e chantagens fazem parte de seu

cotidiano.A imigração clandestina é o efeito

colateral de imigrar ilegalmente, isto é, sem a

autorização dos governantes para onde se

deseja imigrar.bate o recorde com esse tipo de

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43

imigração com este tipo de imigração os

Estados Unidos da América em que imigrantes

mexicanos colam em risco a própria vida pelo

perigoso deserto do Texas e tentam, com ou

sem êxito, atravessar pela fronteira para morar

principalmente na Califórnia.

Por fim, vale destacar que o Direito Penal

do Inimigo corresponde a terceira velocidade do

Direito Penal Brasileiro. Idealizada por Silva

Sanches a terceira velocidade do Direito Penal

apregoa que utiliza-se da pena privativa de

liberdade acoplada a flexibilização das garantias

materias e processuais.

Assim: “A "primeira velocidade" do

Direito Penal, segundo o autor, se daria no

âmbito do por assim dizer clássico Direito Penal,

das penas privativas de liberdade, que precisa

ser cercado de garantias. No entanto, vislumbra

o autor a "segunda velocidade" do Direito Penal,

aí agrupando os delitos não punidos com a

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44

privação da liberdade, mas com penas

restritivas de direitos, que o autor chama de

"Direito Penal reparador", em relação ao qual

seriam admitidas flexibilizações das clássicas

garantias do Direito Penal, na proporção da

gravidade de sua sanção. Definido o que seriam

as "duas velocidades" do Direito Penal, que

poderiam coexistir perfeitamente, ainda admite

Silva Sánchez uma "terceira velocidade" do

Direito Penal, que combinaria o Direito Penal da

prisão com a flexibilização de garantias (a

"primeira" e a "segunda" "velocidades" do Direito

Penal, na classificação do autor), em caráter

excepcional, para enfrentar fenômenos de

criminalidade capazes de desestruturar o Estado

de Direito”. (JESUS, Damásio E. de. Direito

penal do inimigo. Breves considerações. Jus

Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1653, 10 jan.

2008.

Essa tendência pode ser detectada em

algumas recentes leis brasileiras, como a Lei

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45

dos Crimes Hediondos, Lei n. 8.072, de 1990,

que, por exemplo, aumentou consideravelmente

a pena de vários delitos, estabeleceu o

cumprimento da pena em regime inicialmente

fechado com lapso temporal mais rigoroso para

a progressão de regime e suprimiu (com recente

reforma) algumas prerrogativas processuais

(exemplo: a liberdade provisória.

Por fim, o Funcionalismo Reducionista.

A função do Direito Penal visa à redução da

violência de estado de policia. O crime é, pois,

composto de fato típico, antijurídico e culpável.

O mestre argentino Zaffaroni idealizou a teoria

da à tipicidade conglobante. Assim, existem,

portanto, a tipicidade formal e a tipicidade

conglobante. A tipicidade conglobante lastreia-

se na seguinte afirmativa: se existe uma norma

que autoriza, fomenta ou determina a conduta, o

que está autorizado por uma não pode estar

proibido por outra. A título de exemplo: norma

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46

que autoriza uma conduta seria a norma

encabeçada no art. 128 do Código Penal que

elenca os casos de aborto permitido pela

legislação brasileira. Norma que determina

conduta é, pois, a hipótese do estrito

cumprimento do dever legal. Assim: “O ilustre

professor de Buenos Aires, E. Raúl Zaffaroni,

autor de “En Busca de las Penas Perdidas” (ed.

Temis, Bogotá, 1990), ensina que devemos

respeitar alguns princípios elementares ou

requisitos limitadores da violência, ante a notória

irracionalidade e não funcionalidade do sistema

penal frente aos Direitos Humanos. Sendo que é

prioritário o princípio da idoneidade ética para a

administração pública e para as agências

oficiais do Estado (ver Zaffaroni, E. Raúl in

“Derecho Penal – Parte General”, Buenos Aires,

2000).

Colacionamos ao leitor a seguinte jurisprudência

do Supremo Tribunal federal sobre o tema:

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47

“RE 460880 / RS - RIO GRANDE DO SUL RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO Julgamento: 25/09/2007 Órgão Julgador: Primeira Turma

Publicação

DJe-036 DIVULG 28-02-2008 PUBLIC 29-02-

2008 EMENT VOL-02309-03 PP-00567 RTJ

VOL-00203-03 PP-01277 RMDPPP v. 4, n. 23,

2008, p.95-98

Parte(s)

RECTE. (S): LAURO SILVEIRA MACIEL

ADV.(A/S): RICARDO CUNHA MARTINS E

OUTRO (A/S) RECDO. (A/S): EDGAR

PACHECO GRAVANA ADV.(A/S): OLÍMPIO

SIMÕES PIRES RECDO. (A/S): MINISTÉRIO

PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO

SUL

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48

Ementa DOMICÍLIO - INVIOLABILIDADE NOTURNA - CRIME DE RESISTÊNCIA - AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO. A garantia constitucional do inciso XI do artigo 5º da Carta da República, a preservar a inviolabilidade do domicílio durante o período noturno, alcança também ordem judicial, não cabendo cogitar de crime de resistência.

Ressalte-se a inexigibilidade de conduta

diversa como elemento fulcral do sistema. A

essa mesma conclusão, mas por raciocínio

diverso, chega o penalista Zaffaroni, mas

valendo-se de outro caminho, qual seja o da

tipicidade conglobante. Assim, o pilar da sua

teoria é o seguinte: se existe uma norma no

ordenamento jurídico que aprova uma conduta,

o que está aprovado por uma norma não pode

estar proibido por outra. Zaffaroni, destarte,

absolveria o agente (que defendeu o domicílio)

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49

por falta de tipicidade conglobante. Nós o

absolveríamos por falta de tipicidade material

(falta do desvalor da conduta). Por um ou outro

caminho se chega, entretanto, à ausência da

tipicidade (não da antijuridicidade ou da

culpabilidade).

1.2) Desenvolvimento.

Vamos nos debruçar nesse nosso

pequeno estudo sobre o funcionalismo no

Direito Penal, que busca reconstruir a teoria do

delito, justificando nosso trabalho nas correntes

modernas sobre tal. Isso porque o funcionalismo

é um só, mas não é uníssona em doutrina

estrangeira a maneira de explicá-lo e mesmo de

visualizá-lo. Sim, o que no Brasil soa quase

como um palavrão já é na Europa um instituto

de franca aplicação.

O instituto é tema de estudos, pesquisas

e debates ao longo dos anos, sendo uma

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50

corrente com fortes adeptos alemães, espanhóis

e portugueses.

E, aqui, nós vamos esmiuçar ao leitor as

três correntes basilares sobre o tema, quais

sejam: 1ª) Teoria do Funcionalismo Radical; 2ª)

Teoria do Funcionalismo Moderado; 3ª)

Funcionalismo Limitado, nos posicionando, ao

final, sobre a mais acertada para a nossa ordem

jurídica brasileira que é de base finalista e, de

forma tímida, tem estudado superficialmente e

extraído conclusões equívocas a respeito do

funcionalismo penal.

Em terras distantes (Alemanha, Espanha

e Portugal) houve quem encontrasse um furo na

escola penal do finalismo, discordando das

idéias propostas por Welzel, pai da ciência

finalista. A ácida crítica residiu nas seguintes

premissas:

“A definição de dolo eventual e sua

delimitação da culpa consciente. Welzel resolve

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51

o problema através de considerações

meramente ontológicas, sem perguntar um

instante sequer pela valoração jurídico-penal: a

finalidade é a vontade da realização; como tal,

ela compreende não só o que autor

efetivamente almeja; como as conseqüências

(que sabe) necessárias e as que consideram

possíveis e que assume o risco de produzir.

Assim sendo, conclui Welzel que o dolo, por ser

finalidade jurídico-penalmente relevante,

finalidade esta dirigida à realização de um tipo,

abrange as conseqüências típicas cuja produção

o autor assume o risco de produzir.

O pré-jurídico não é modificado pela

valoração jurídica; a finalidade permanece

finalidade, ainda que agora seja chamada de

dolo. E aqui é surge a crítica elaborada pela

escola funcionalista. O funcionalista já formula a

sua pergunta de modo distinto. Não lhe

interessa primariamente até que ponto vai à

estrutura lógico-real da finalidade; pois ainda

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52

que tal coisa exista e seja unicamente

cognoscível, o problema que se tem à frente é

um problema jurídico, normativo, a saber: o de

quando se mostra necessária a pena por crime

doloso.

O funcionalista sabe que, quanto mais

exigir para o dolo, mais acrescenta na liberdade

dos cidadãos, à custa da proteção de bens

jurídicos; e que quanto menos exigências

formular para que haja dolo, mais protege bens

jurídicos, e mais limita a liberdade dos

cidadãos.” ( Greco, Luís, artigo intitulado “

Introdução à dogmática funcionalista do delito”,

publicado na Revista Jurídica, Porto Alegre, Jul.

2000, p. 39).

Em outras palavras: Pouco importa se o

dolo abarcará suas conseqüências típicas. O

cerne não é o tamanho da vontade em dirigir a

conduta; mas a utilidade dessa vontade para o

sistema normativo. Restringe-se, pois, o dolo

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53

para preservar-se o sistema. Busca a teoria do

funcionalismo penal, pois, responder a uma

pergunta que é milenar: Para quê serve o Direito

Penal no sistema jurídico?

E, aqui, para respondermos com base no

funcionalismo e a resposta só pode ser a de que

o Direito em geral e o Direito Penal em

particular, é instrumento que se destina a

garantir a funcionalidade e a eficácia do sistema

social e dos seus subsistemas. Fomos beber

nas águas do mestre Luís Flávio Gomes

(Gomes, Luis Flávio, Curso de Direito Penal pela

internet, PG – fato punível, in

www.estudoscriminais.com.br, em 13/02/02)

para extrairmos tal resposta precisa.

Ensina-nos Rogério Greco: “Na verdade,

pretende-se com o funcionalismo levar a efeito

uma nova sistematização jurídico-penal. Como o

próprio nome está a induzir, o funcionalismo

parte dos pressupostos político-criminais ligados

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54

diretamente às funções do Direito Penal,

principalmente no que diz respeito à chamada

teoria dos fins da pena”. (Greco, Rogério. Curso

de Direito Penal – Parte Geral. p.420.).

Arremata o seu raciocínio Luhmann:

“diante das necessidades dos sistemas, dos

subsistemas, e até das relações intra-

sistêmicas, aparece à pressão seletiva. Pode-se

afirmar que a complexidade implica

contingência, que, por sua vez implica pressão

seletiva. Quanto maior a complexidade, maior a

pressão seletiva”. (Luhmann, Niklas. El derecho

de La sociedad. México. Universidad Ibero-

americana, 2002).

Todavia, para chegarmos a ela, mais

ainda, para chegarmos às doutrinas modernas

do funcionalismo, é de bom tom que façamos

um passeio histórico pelas escolas penais, até

para compreendermos melhor a estrutura do

funcionalismo, sabermos a sua origem, seus

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55

alicerces principiológicos. “““ “““ Esse passeio

histórico irá facilitar o aprendizado sobre o tema,

sem qualquer conotação de “viagem

interplanetária”, ao contrário, o leitor se sentiria”

viajando” caso lhe fosse abruptamente

introduzido ao tema sem qualquer preparo

ontológico. Tudo soaria abstrato demais e lhe

ficaria na mente aquela sensação do “como

assim”? Ficaria o leitor desconectado do tempo

e da evolução do pensamento.

Os movimentos culturais, dentre eles o

Direito, são movimentos pendulares. Visualize o

leitor um pendulo. Num determinado momento

histórico predomina uma fonte de pensamento

Essa fonte de pensamente inspira a própria

legislação. Mas como tudo na vida: “não há mal

que dure para sempre e nem bem que nunca se

acabe”; como tudo na vida, essa fonte de

pensamento se esgota e esse mesmo pêndulo é

atraído por outra fonte de pensamento

contraposta. Segue o pêndulo para lado oposto.

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56

Nele não fica para sempre e retorna o pêndulo

atraído pela anterior fonte de pensamento. É o

velho puxando o novo nos movimentos

pendulares. Mas um velho com nova roupagem,

modificado, influenciado pelo novo. Eis a

diferença!

Fazendo a transposição do parágrafo

anterior ao Direito Penal vamos observar que no

Direito Penal, de um lado da ponta de uma

estrela, está a escola do garantismo penal (o

Direito Penal tem a sua razão de ser para a

proteção do indivíduo dentro do contexto social.

Chefiada por Ferrajoli, em seu trabalho Direito e

Razão – Ferrajoli, Luigi. Direito e Razão. Teoria

do Garantismo Penal. Tradução: Ana Paula

Zommer e outros. São Paulo, RT. 2002)) versus

( outra ponta da estrela) o Direito Penal do

Inimigo ( trata-se de corrente doutrinária que

opta por um Direito Penal protetor da sociedade.

Esta teria primazia sobre o indivíduo. Liderada

por Jakobs - Jakobs, Günter. La imputación

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57

objetiva em derecho penal. Tradução. Manuel

Cancio Meliá. Madrid: civitas, 1999.).

Günter Jakobs surgiu ao cenário mundial

como filho pródigo de Welzel, seu discípulo pós,

aquele que traçou a linha do pós finalismo

embasando o seu grande invento na teoria do

funcionalismo sistêmico radical cuja premissa

lapidar é a de que o Direito Penal existe para

desempenhar uma função, qual seja : a

proteção da norma.

Apenas de forma mediata, indireta, tutelaria

os bens jurídicos mais fundamentais. Em uma

metáfora simples: A norma seria o centro do

sistema e os bens jurídicos fundamentais

apenas assuntos perifericamente tratados por

ela. Assim como o sol ( a norma) e os planetas

satélites ( bens jurídicos fundamentais).

Os Direitos Fundamentais são direitos

subjetivos instituídos pelo ordenamento jurídico

com aplicação nas relações das pessoas com o

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58

estado e com a sociedade, preceituados ou não

na Constituição da República.

Partindo dessa lógica buscamos interpretar o

parágrafo acima nas lições do sociólogo

Habermas que em sua obra dedica um capítulo

acerca da legitimação baseada nos Direitos

Humanos. O objetivo do nosso trabalho será

mesclar os fundamentos de Jakobs e Habermas

sobre o Direito Penal do Inimigo e sua eficácia

prática e, ao mesmo tempo, complementar, em

suas contradições de sentido.

Enquanto Günter Jakobs salientava: primeiro

vamos respeitar a norma, em segundo plano os

direitos fundamentais, pois sem Ela ( norma)

esses não se sustentam - Habermas apregoa

que a Democracia nasce com os Direitos

humanos. Essa a síntese que extraímos na

lúdica função de tradutores medianos de seu

espanhol e vasto conhecimento.

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59

Assim, para que não escape dúvidas: “Voy a

utilizar el concepto de legitimación em um

sentido doblemente restringido: me voy a referir

a la legitimación de um orden político, y

exclusivamente AL orden político que representa

el Estado constitucional democrático. Quiero

recordar, em primer lugar, la propuesta de

reconstrucción del nexo interno que existe entre

la democracia y los derechos humanos que he

tratado em outro lugar”. (Habermas, La

Constelación Posnacional, capítulo V, pág. 147).

Dessa forma, a que preço a ordem jurídica

estaria assegurada? Haveria legitimidade e

democracia acaso se excluísse o inimigo

(criminoso econômico, terrorista, delinqüente

organizado, autor de delito sexual e de outras

infrações penais perigosas)?

Aprofundando-nos estudos de Günter

Jakobs, extraímos a seguinte premissa: o

indivíduo que não admite ingressar no estado de

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60

cidadania, não pode participar dos benefícios do

conceito de pessoa. Ele acrescenta em seu

raciocínio a nossa parca tradução, de maneira

enfática:

“ Son especialmente aquellos autores que

fundamentan El Estado de modo estricto

mediante um contrato los que representan el

delito em el sentido de que el delincuente

infringe el contrato, de manera que ya no

participa de los benefícios de este : a partir de

esse momento, ya no vive com los demás

dentro de una relación jurídica”. ( Jakobs

Günter, Derecho Penal – Parte General –

Fundamentos y teoria de la imputación, 2ª

edición. (Marcial Ponz, 1997).

Um indivíduo, segundo Jakobs, inimigo do

Estado, não seria detentor de direitos

fundamentais nem mesmo de forma mediata,

indireta, pois violador da norma não poderia

gozar das benesses dela.

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61

É cediço que não há nenhuma distinção

entre a capacidade de gozo ou de direito e a

capacidade de exercício ou de fato. Para efeitos

de direitos fundamentais todas as pessoas

serão titulares.

Jakobs foi precursor da teoria da prevenção

geral positiva fundamentadora que em linhas

gerais pregava os seguintes dizeres: que a

aplicação da pena evidencia que o agente do

crime não se conduziu acertadamente, servindo

de orientação aos cidadãos para o cumprimento

das normas em geral, com função nitidamente

educativa. Por isso, contraposta ao Direito Penal

Mínimo (Jakobs, Günter. La imputación objetiva

em derecho penal. Tradução. Manuel Cancio

Meliá. Madrid: civitas, 1999).

Para elucidação desse fenômeno pendular

vamos neste momento fazer nosso passeio

pelas escolas penais que lideraram o cenário

jurídico até o presente momento.

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62

(1.3) Reflexão histórica das Escolas Penais no contexto jurídico.

Há que se fazer referência a um marco

histórico delimitador de tais escolas; qual seja: A

obra dos delitos e das penas cujo precursor foi

nada menos que Cesare Bonesana, o Marques

de Beccaria. Tal obra data de 1976, data

relevante no plano filosófico-penal (nos

primórdios do garantismo penal) sendo

contemporâneas as Declarações de Direito

Americanas, bem como contemporânea ao

movimento denominado iluminismo. A simbiose

do iluminismo é a valorização do homem como

pessoa humana. Experimentou-se a concretude

na maior revolução que o homem já sentiu: a

revolução do pensamento.

Até então prevalecia a teocracia e o

Direito Penal estava trabalhando a serviço do

seu senhor maior que vestia a capa do poder.

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63

Era utilizado o Direito Penal para

instrumentalizar tal poder. Poder este que não

vinha acompanhado de garantias, mas tão-só de

ordens. Marca de tal período são os processos

da denominada Santa Inquisição. Eram

secretos, com inversão de ônus da prova para o

réu, com a possibilidade de tortura para se

extrair do réu ou acusado a confissão.

E aqui um registro digno de nota: muito

embora os pensamentos marcantes da História

aqui não são necessariamente contrapostos;

pasmem: alguns deles são convergentes e se

complementam uns aos outros na defesa social.

Outra alteração histórica do pensamento

filosófico que pode ser citação é a transmutação

de poder do rei para o povo. Nasce daí o

liberalismo, como o lema de que todo poder

emana do povo. O povo é que passa a ser o

detentor e a fonte de legitimação direta do

Poder. Citemos, por todos, Rousseau - que se

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64

valeu da teoria do contratualismo, para melhor

explicitar a fonte do poder, um poder com a face

de democrático, embora maquiada com

sombras a qualificar a sua majestosa beleza.

Buscaram-se o Deus do mundo; ou seja, o

poder de Deus (o criador) se centrou no homem

(a criatura).

Já havia alguma sinalização do

liberalismo na Magna Carta, embora esta de

democrática não tenha muito, pois que imposta

a João Sem Terra. Foi uma carta de cortesia e

maiores vantagens aos barões em face do rei, à

época João Sem Terra, que de sem terra não

tinha nada. Mas foi um documento que propiciou

os alicerces de uma liberdade menos arbitrária,

com a previsão dentre outras coisas de um

Tribunal do Júri, também do habeas corpus.

Foi um documento sem eficácia já que

suspensa pelo Papa. Foi tão restrita aos nobres

que escrita em latim. Jogou-se a semente que

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65

foi mais bem trabalhada no campo fértil do

iluminismo.

Após o iluminismo o Direito Penal evoluiu

para o que se convencionou chamar de doutrina

clássica. A concepção clássica do delito teve

como alicerce fundamental o livre-arbítrio. Livre-

arbítrio este que serve como justificativa as

penas aplicadas aos infratores do sistema. A

concepção clássica enxergava como uma

função da pena a retribuição pelo mal causado.

Mas o escopo primordial da pena era se pagar o

mal com o mal (sanção). Foi pai desta escola

Carrara. Ainda com resquícios teocráticos via na

pena uma retribuição pela ofensa perpetrada a

Deus. Em outras palavras: a pena nada mais

significa que o castigo imposto ao criminoso.

Em seqüência a escola clássica surgiu à

escola positiva, filha de Cesare Lombroso

(1876) deslocando o problema da criminalidade

para a genética humana. Adotou, pois, a idéia

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66

de um determinismo genético. Assim, o homem

nasceria delinqüente, portador de caracteres

que o impediam ao convívio pacífico em

sociedade.

Cesare Lombroso se consagrou na

História com a obra: “O homem delinqüente”. Tal

escola combateu o livre-arbítrio ao argumento

de que o homem seria responsável pelos danos

que causasse pelo simples fato de viver em

sociedade. O homem seria um ser condicionado

por sua própria genética. A partir da idéia de

condicionante genética houve uma evolução de

pensamento para uma condicionante social. O

homem passaria a ser visto como um produto do

seu meio social. Houve, pois, o deslocamento

do Direito Penal para o campo da sociologia e

filosofia criminal.

E ainda possuímos resquícios dessa

escola no Código Penal vigente que leva em

consideração a personalidade do agente, bem

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67

como a sua conduta social para fins de

aplicação da pena. (art. 59, CP).

Em verdade, o que se sucedeu é que o

Direito Penal se filosofou. Kant rotulou o Direito

Penal como um produto da ordem jurídica. Eis aí

um embrião do objeto de nosso estudo; qual

seja o funcionalismo. Na ótica proposta por

Jakobs a conduta nada mais é que a ação

voluntária e consciente capaz de evitar um

resultado, desde que lhe seja juridicamente

exigível que assim o faça. Assim, de plano o

funcionalismo afasta as teorias causais e

finalistas da conduta, fruto de critérios não

jurídicos, logo, inadequados. A segurança vem

da norma. Eis aí a atualidade das lições de Kant

a nortear as teorias da moda.

Para Luhmann, a sociedade é muito mais

complexa do que a nossa racionalidade pode

conceber. (Luhmann, Niklas. El derecho de La

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68

sociedad. México. Universidad Iberoamericana,

2002.).

Por ser formalista Kant apregoou a idéia

de que o Direito Penal tinha que ser tecnicista.

Assim, o positivismo simbolizava a

condicionante social ou genética enquanto o

tecnicismo é o que convencionamos denominar

de positivismo jurídico: O Direito Penal se

limitava a ser mero intérprete da lei e aplicá-la

ao caso concreto. Consagrou-se o princípio da

legalidade na compilação dos Códigos Penais.

Acentuou o tecnicismo a bipartição do Código

Penal em parte geral e parte especial. A parte

geral regia as premissas básicas dos sistemas.

Surgia o tipo como a descrição de uma conduta.

O tipo era a coroa a enriquecer a cabeça do rei

e a propiciar maiores garantias aos indivíduos.

Após temos como marco histórico a ser

citado à deflagração da teoria do neokantismo

através da qual a concepção neoclássica do

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69

delito se baseava no fator do conhecimento; o

que deflagrou uma crise na teoria da

causalidade, visto que conhecimento é

raciocínio. Assim, a escola clássica (causal),

fundada no livre arbítrio, adotava a teoria da

conditio sine qua non. Em outras palavras:

considera-se causa aquilo sem o qual o

resultado não ocorreria da maneira como

ocorreu.

E essa ainda é a fórmula adotada pelo

nosso vigente Código Penal. Consagração

maior não pode haver do fenômeno do

tecnicismo jurídico. Mas suas bases ruíram por

apresentarem o defeito de levar a um regresso

ao infinito e nos debruçar sobre tal implica, pois,

o risco de discutirmos o sexo dos anjos. Assim,

por tal raciocínio ora desenvolvido, o mero

vendedor de armas seria responsabilizado por

um eventual delito de homicídio, o que nos

levaria a um contra-senso de um resultado

absurdo.

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70

Dessa forma, houve de sobremaneira

uma necessidade de modernização da teoria da

conditio sine qua non a fim de obter um

resultado mais justo ao infrator da norma.

Assim, fez-se necessário um estudo mais

apurado sobre a temática e sobre tal surgiram

duas vertentes a tentar solucionar a

problemática: a primeira vertente teve o mérito

de trabalhar o dolo e a culpa, que antes residiam

na culpabilidade, deslocando-os para o tipo

penal.

E, aqui, houve o aparecimento de outra

teoria denominada finalista. O sistema finalista

do delito teve como lastro as contribuições

filosóficas de Hans Welzel que apregoava que

só seria imputável a conduta revestida de dolo

ou culpa.

Toda ação seria dirigida a um fim, até

mesmo a ação culposa. Assim, a título

ilustrativo, se uma pessoa imprime velocidade

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71

maior em seu veículo com o intuito de chegar

mais cedo em sua casa para não perder a

partida de futebol, esse mero intuito está a

denotar a finalidade do agente, ainda que

extrajurídica.

Boa parte dos juristas brasileiros

sustentam a teoria que encampa o finalismo.

Mas veja: no exemplo que acabamos de citar,

um acidente automotor lastreado na culpa. Note

o leitor o seguinte: o finalismo, por mais que se

esforçasse não conseguiu solucionar o

problema da culpa em que o desvalor está na

conduta e não no resultado final. Essa tal

finalidade extrajurídica só serve para ocasionar

enorme insegurança jurídica. Isso porque o

resultado no crime culposo pode ou não ocorrer.

Assim, nós punimos uma conduta

imprudente, imperita ou negligente porque

ocorreu o resultado. O crime é o resultado

(conseqüência), mas o que nós reprovamos

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72

mesmo é a conduta (causa). E veja: quando o

ser humano age de forma negligente não tem a

vontade, o querer de praticar o delito. Não está,

pois, agindo com o fim de praticar o resultado.

A evolução da teoria causal desabrochou

na objetivação dos critérios de imputação do

resultado, do qual são filhas a teoria da

causalidade adequada e a teoria funcionalista.

Na doutrina, em seara cível, a teoria da

causalidade adequada foi relativizada pela teoria

da necessariedade. Aplica-se a teoria da

necessariedade a luz do princípio da

proporcionalidade, teoria encampada por

respeitáveis civilistas cariocas. Por tal teoria, o

dano surge como efeito necessário da conduta.

Por fim, chegamos ao objeto do nosso

estudo. Da evolução do finalismo derivou a

teoria funcionalista, também denominada de

pós-finalista. O sistema funcionalista brilhou no

cenário jurídico - albergados por duas

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73

orientações: o funcionalismo estrutural chefiado

por Parsons, também conhecido como

funcionalismo moderado e o funcionalismo

sistêmico, liderado por Luhmann, conhecido

também por funcionalismo radical.

Assim, a teoria funcionalista procurou

resolver o problema da causalidade sob o

prisma objetivo, sem prejuízo de se valer dos

critérios subjetivos em um segundo momento.

Todavia, numa fase anterior ao questionamento

de uma finalidade (dolo e culpa) o intérprete

passa por uma fase preliminar, de caráter

objetivo. Faz-se, pois, um processo de

imputação de responsabilidades lastreada em

critérios pragmáticos.

O processo de imputação consiste em

atribuir alguém a uma relação jurídica. E, aqui,

não há que se cogitar no regresso infinito que

discutia o sexo dos anjos, e sim imputar alguém

que este ligado ao resultado delituoso.

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74

E, assim, fechamos o nosso registro

histórico com a segunda grande guerra mundial

que se caracterizou, sobretudo na Europa, pelo

autoritarismo. E esse autoritarismo e,

inevitavelmente, o período pós-guerra foi

marcada pelo garantismo penal. Um resgate ao

garantismo penal. O cenário alemão se bifurcou

entre funcionalistas e finalistas. Na década de

70 se formulou a idéia do moderno

funcionalismo delineando o alicerce das

modernas teorias do Direito Penal.

(1.4) As premissas básicas da teoria do Funcionalismo Penal.

Na década de 70 surgiram doutrinadores

que desenvolveram estudos na busca do

resgate de critérios subjetivos somados ao dolo

e a culpa e passaram a visualizar o Direito Penal

como uma FUNÇÃO inserida na ordem jurídica.

Ensina-nos Rogério Greco: “Dede

aproximadamente 1970, começou-se a discutir e

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75

a se desenvolver um sistema entendido como

racional-final (ou teleológico) ou funcional do

Direito Penal. Na precisa lição de Roxin,” os

defensores desta orientação estão de acordo

em rechaçar o ponto de partida do sistema

finalista e partem da hipótese de que a formação

do sistema jurídico – penal não pode vincular-se

a realidades ontológicas prévias (ação,

causalidade, estruturas lógico-reais, etc.), senão

que única e exclusivamente pode guiar-se pelas

finalidades do Direito penal”. ( Greco, Rogério.

Curso de Direito Penal. Parte Geral. P. 420).

De enorme destaque em 1970 citamos a

publicação da obra alemã Kriminalpolitik und

Strafrechssystem, traduzia em português sob a

epígrafe: Política Criminal e Sistema Jurídico

Penal, de autoria de Claus Roxin. Tal autor

inaugurou as premissas básicas da teoria

funcionalista, também conhecida como

teleológico-racional que apregoa a idéia de

reconstrução da teoria do delito com lastro em

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76

critérios políticos criminais. Consiste a política

criminal em uma postura crítica voltada ao9

estudo do Direito Penal posto, expondo os seus

defeitos, o que se dá tanto no campo da criação

quanto da aplicação das normas penais aos

casos concretos desaguando em um

instrumento do Estado no combate à

criminalidade.

Ensina-nos Luhmann: “O estado no

sistema político possui importância evidente

para a política, mas o sistema político não

coincide com o estado. O estado é um sistema

de decisões organizadas, diferenciado no

interior do sistema político, sendo, assim, uma

organização delimitada através de limites

territoriais.” (Luhmann, Niklas. El derecho de La

sociedad. México. Universidad Iberoamericana).

A preocupação basilar de tal teoria do

funcionalismo penal é a de responder, de plano,

a pergunta: para que serve o Direito Penal?

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77

Preocupado em divulgar a decadência da teoria

finalista Roxin apontou como único caminho

viável o abandono do prisma inseguro da

vontade ganhando primazia sobre ela as

decisões valorativas político-criminais.

Ensina-nos, com proficiência, Luís Greco:

“o finalista pensa que a realidade é unívoca

(primeiro engano), e que basta conhecê-la para

resolver os problemas jurídicos (segundo

engano – falácia naturalista); o funcionalista

admite serem várias as interpretações possíveis

da realidade, de modo que o problema jurídico

só pode ser resolvido através de considerações

axiológicas, isto é, que digam respeito à eficácia

e a legitimidade da atuação do Direito Penal”.

(Greco, Luis, artigo intitulado “Introdução à

dogmática funcionalista do delito”, publicado na

Revista Jurídica, Porto Alegre, Jul. 2000, p. 39).

(1.5) A teoria funcionalista bifurcada.

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78

Visando explicitar a pronta resposta sobre

para que sirva os Direitos Penais duas

correntes, ambas funcionalistas, nos propiciam

conclusões bastantes técnicas sobre o assunto.

Mas antes de realçarmos as suas diferenças

vamos destacar aqui neste trabalho as suas

semelhanças. Trata-se da corrente funcionalista

de Jakobs e da corrente funcionalista de Claus

Roxin. Jakobs foi discípulo de Niklas Luhmann.

Na ótica de Jakobs, o Direito Penal tem como

função reafirmar os valores de determinada

ordem jurídica. Sofreu Jakobs ácidas criticas

sobre seu posicionamento ganhando até mesmo

a pecha de nazista. Isso porque sua idéia

também pode ser utilizada num regime

totalitário, embora nem sempre isso se dê.

Como reação Jakobs sinalizou não estar

apontando como o Direito Penal deve ser; mas

apenas apontando como o Direito Penal foi e é.

Oriunda de uma concepção funcionalista

extrema ou radical a ação surge na obra de

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79

Jakobs como parte da teoria da imputação, que,

por outro lado, deriva da teoria da função da

pena. Traça-se o quadro de quem deve ser

punido para a estabilidade normativa. Assim,

justifica-se a punição do agente pelo fato de ter

Agido de modo contrário à norma e

cupavelmente.

O Estado é um estado para os totalitários

como Jakobs e outro estado para os sociólogos

como Habermas. Democracia e segurança

jurídica nem sempre são parceiras e caminham

lado a lado e a célebre frase de Maquiavel de

que os fins justificam os meios nem sempre

constitui face da mesma moeda.

Tradicionalmente os Direitos Fundamentais

surgiram nas relações entre pessoas e o

Estado. Historicamente, nos reportando à

Constituição Americana, nos deparamos com a

seguinte realidade: Na Constituição Americana

os Direitos Fundamentais foram incluídos

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80

visando proteger as pessoas das arbitrariedades

do próprio ente estatal. A visão moderna do

Direito Fundamental nos mostra que eles não

devem ser aplicados apenas nas relações das

pessoas com o estado, mas também nas

relações existentes dentro da sociedade, de

pessoa para pessoa.

A questão é se para se chegar à parcela de

democracia seria legítima a renúncia do Estado

a um indivíduo seu para beneficiar o conjunto

que seria a coletividade. Haveria, pois, um

pacto, um contrato social e o indivíduo, ao

infringir as regras do contrato social, deixariam

de ser membro do Estado, pois em guerra com

ele?

E seria esse tal contrato social (preconizado

por Rousseau e citado por Jakobs) instrumento

maior de democracia? Jakobs defende que não

é contrato social que legitima o Direito Penal do

inimigo e sim o próprio individuo, de per si.

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81

No caso em comento, esse indivíduo seria o

inimigo, o malfeitor do Estado, na concepção

mais apurada de Jakobs:

“No quiero seguir la concepción de

Rousseau; pues em su separación radical entre

el ciudadano y su Derecho, por um lado, y el

injusto del enemigo, por outro, es demasiado

abstrata. Em principio, un ordenamiento jurídico

debe mantener dentro del Derecho también al

criminal, y ello por uma doble razón: por un lado,

el delincuente tiene derecho a volver a

arreglarse com la sociedad, y para ello debe

manter su status como persona, como

ciudadano, em todo caso: su situación dentro

del Derecho. Por outro, el delicuente tiene ele

deber de proceder a la repación, y también los

deberes tienen como pressupuesto la existência

de personalidad, dicho de outro modo, el

delincuente no puede despedirse

arbitrariamente de la sociedad a través de su

hecho.

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82

El derecho Penal del ciudadano es Derecho

también em lo que se refiere al criminal; este

sigue siendo persona. Pero el Derecho Penal

Del Enemigo es derecho em outro sentido.

Ciertamente, el Estado tiene derecho a

procurarse seguridad frente a indivíduos que

reinciden persistentemente em la cominación de

delitos”. Jakobs Günter, Derecho Penal – Parte

General – Fundamentos y teoria de La

imputación, 2ª edición. (Marcial Ponz, 1997).

Assim, Jakobs enfrenta o termo pessoa, não

como sujeito, mas objeto de direito. A pessoa

seria instrumento para o melhor cumprimento

das normas. Talvez nossa compreensão do

pensamento de Jakobs tenha ficado aquém do

que por ele delimitado, mas certamente aqui se

extrai o alicerce para as idéias que o filósofo

implementará acerca da teoria do funcionalismo

penal.

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83

E, aqui, os dois filósofos se aproximam

(Jakobs e Habermas) através de um terceiro

filósofo: Hobbes. Em seu texto “El Derecho

como categoria de La mediación social entre

facticidad y validez” Habermas enfatiza que no

papel de cidadão do mundo o indivíduo se

confunde com o homem em geral (tradução

nossa) e aponta Hobbes como expoente do

Direito transindividual.

Em contrapartida, Jakobs apega-se a essa

terminologia “dos demais” criticando Hobbes de

maneira ferrenha, na alusão de que o Direito

Penal do Inimigo constitui um Direito à parte dos

demais. Um Direito mais concreto, voltado para

um indivíduo em especial, indivíduo esse

qualificado como inimigo do Estado.

Na acepção mais aprofundada de Hobbes,

em casos de alta traição contra o estado, o

criminoso não deve ser castigado como súdito,

senão como inimigo.

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84

Dessa forma, o Direito Penal do Inimigo,

defendido por Jakobs se estrutura em dois

pilares fundamentais; quais sejam: a

necessidade da eleição de um inimigo e pela

oposição que faz ao Direito Penal do cidadão,

casa aonde reside todos os princípios

limitadores do poder punitivo estatais.

Habermas, todavia, legitima os poderes estatais

na soberania popular e direitos humanos. O

Direito seria inimigo do cidadão se o privasse de

seus direitos fundamentais. (tradução nossa).

É cediço que o Direito Penal do Inimigo

garante que as medidas contra o inimigo não

olham prioritariamente o passado (o que ele

fez), sim, o futuro (o que ele representa de

perigo futuro).

(1.6) Fenômenos Históricos.

Os fenômenos históricos são delimitados

da seguinte maneira: até a segunda grande

guerra mundial a doutrina penal se digladiava

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85

entre as teorias causalista e finalistas da ação.

Após a segunda guerra mundial passou-se a

discutir, sobretudo, na Europa acerca do modelo

do funcionalismo penal.

(1.7) As diversas facetas do funcionalismo penal.

Jakobs foi muito criticado, inclusive sendo

chamado de nazista. Rebateu as duras criticas

ao argumento de que o Direito Penal foi e é um

instrumento reafirmador da ordem jurídica

vigente. Então, ele serviu de fato ao nazismo

porque estes eram os valores adotados por

aquele Estado, ao seu tempo. O nazismo

também foi um estado Democrático de Direito.

Não podemos nos esquecer do fato de Hitler foi

eleito pelo povo alemão.

O Direito Penal foi e é um reafirmador do

modelo penal adotado em cada período

histórico. Reafirmou, de fato, os valores do

nazismo porque este era o modelo, a ordem

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86

jurídica imposta. Assim como serviu aos valores

da Rússia comunista. Nesse ponto Jakobs tem

razão. O Direito Penal teórica e praticamente foi

e tem sido utilizado para reafirmar os valores da

sociedade vigente. agora, esses valores podem

ser maus ou bons. Podem ser positivos ou

negativos.

È por isso que se chama a atenção de

que não basta para um Estado verdadeiramente

humanista e democrático se auto-intitulará como

um Estado Democrático de Direito. (Jakobs,

Günter, Derecho Penal – Parte General –

Fundamento e teoria de la imputación, 2ª

edición, Marcial Ponz, 1997).

Ensina-nos Rogério Greco: “Em sede de

estrutura jurídica do crime, o sistema funcional

trabalha com duas vigas mestras: a teoria da

imputação objetiva e a ampliação da

culpabilidade para a categoria de

responsabilidade. A primeira delas, nos crimes

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de resultado, passa a exigir, além da relação

material de causalidade, um nexo normativo de

causalidade, a fim de aferir se o resultado

produzido pelo agente pode, juridicamente, for a

ele imputado. A segunda coluna do

funcionalismo, ampliando o conceito de

culpabilidade para o de responsabilidade, exige,

sempre, a aferição da necessidade preventiva

(especial ou geral) da pena, sem a qual se torna

impossível a imposição desta”. (Greco, Rogério.

Curso de Direito Penal. Parte Geral. P. 421.).

A assertiva feita ao nazismo como

limitador dos direitos dos cidadãos é incompleta.

Isso porque o nazismo também foi um Estado

democrático de Direito. Hitler foi eleito e os

grandes ditadores foram, ao menos, aceitos pelo

povo. O remorso do povo alemão no que toca

ao massacre nazista consistiu justamente nesse

apoio. E era um estado de Direito porque existia

uma ordem jurídica que era serva da ordem

jurídica vigente. E o Direito Penal servia a uma

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88

ordem jurídica vigente. Jakobs simplesmente

não disse o que o Direito Penal deve ser.

Apenas o que o Direito Penal tem sido,

efetivamente. (Jakobs, Günter, Derecho Penal –

Parte General – Fundamento e teoria de La

imputación, 2ª edición, Marcial Ponz, 1997).

Jakobs fez parte de uma concepção

funcionalista conhecida como radical. Discípulo

maior de Niklas Luhmann, sociólogo alemão,

que traçou o funcionalismo sistêmico delito a

ação imputável como razão de ser maior da

pena. Na ótica de Jakobs, estabelecem-se quem

deve ser punido para a estabilidade normativa: o

agente é punido porque agiu de modo contrário

à norma e cupavelmente (Jakobs, Günter,

Derecho Penal – Parte General – Fundamento e

teoria de La imputación, 2ª edición, Marcial

Ponz, 1997).

Em outras palavras: Jakobs tentou explicar

por sua teoria que o Direito Penal possui como

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89

função precípua a reafirmação da norma,

buscando, desse modo, fortalecer as

expectativas de quem a obedece.

Em interessante pesquisa sobre o Direito

como categoria da mediação social Habermas

cria um ponto de interseção vista em ângulo de

dois círculos congênitos que veiculam institutos

como: a democracia, o Direito Penal do Inimigo

e ordenação social. Ordenação social seria o

ponto de interseção entre dois círculos

congênitos.

Assim: “O bien el orden jurídico, como

sucedia em lãs formaciones sociales

estamentales o absolutistas de transición de la

primera Modernidad, queda insero em los

contextos de um ethos que vale para la

sociedad global y sujeito a la autoridad de um

derecho suprapositivo o sagrado, o bien las

libertades subjetivas de acción han de ser

complementadas mediante derechos subjetivos

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de outro tipo – por derechos de ciudadania”

(extrações de texto de Habermas: El Derecho

como categoria de la mediación social).

Não há que se falar em ordenação social

abstraindo-se da figura do cidadão, ainda que

este seja o inimigo do Estado. A ele o Estado

dará o Direito, ainda que um Direito Inimigo:

“Se Direito Penal (verdadeiro) só pode ser o

vinculado com a Constituição Democrática de

cada Estado, urge concluir que Direito Penal do

cidadão é um pleonasmo, enquanto Direito

Penal do Inimigo é uma contradição. O Direito

Penal do Inimigo é um não Direito, que

lamentavelmente está presente em muitas

legislações Penais”. (in Direito Penal do Inimigo,

Luiz Flávio Gomes, texto publicado na internet:

www.ielf.com.br).

Há a falsa percepção de que destruindo o

inimigo a ordem social restaria mantida, sendo

este pressuposto de validade em uma

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democracia. Mas a democracia não é Direito de

um ou de alguns. Democracia é a exteriorização

do bem estar coletivo através do assentimento

de seu povo. O Direito Penal do Inimigo não

reside se esconde em uma constituição

“cidadã”. Escuda-se na ordem jurídica para nela

construir seu arbítrio.

Jakobs foi enfático ao preconizar que o

Direito Penal do cidadão mantém a vigência da

norma.

A vigência da norma é protegida à medida

que se destroem indivíduos que ofertem perigo

ao próprio Estado e fica clara a sua alusão a

bipartição do Direito em face de bipartição de

pessoas: Existiria um Direito Penal para o

cidadão (aquele que não delinqüiu), com todas

as garantias penais e processuais penais, que

seria o Direito Penal de todos os que se

conformarem com a norma imposta e, haveria,

pois, outro Direito, o Direito Penal do inimigo de

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onde o Estado estaria legitimado a atuar,

inclusive sob coação física, até chegar à guerra

aniquilando o indivíduo ameaçador de sua paz

social.

Reproduzimos, aqui, fielmente, as palavras

de Jakobs, para que não paire nenhuma dúvida

ao leitor: “Por ello, el Estado moderno vê em el

autor de um hecho – de nuevo, uso esta palabra

poco exacta – normal, a diferencia de lo que

sucede em los teóricos estrictos del

contratualismo Rousseau y Fichte, no a um

enemigo al que há de destruirse, sino a um

ciudadano, uma persona que mediante su

conduta a dañado la vigência de la norma y que

por ello es llamado – de modo coactivo, pero em

cuanto ciudadano ( y no como enemigo) – a

equilibrar el daño em la vigencia de la norma.

Esto sucede mostrando mediante la pena, es

decidir, mediante la privación de médios de

desarrollo del autor, que se mantiene la

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expectativa defraudada por el autor, tratando

ésta, por lo tanto, como válida, y a la máxima de

conducta del autor como máxima que no puede

ser norma”. Jakobs Günter, Derecho Penal –

Parte General – Fundamentos y teoria de la

imputación, 2ª edición. (Marcial Ponz, 1997).

Jakobs mistura os conceitos de democracia

com segurança jurídica, garantindo a

supremacia na vigencia da norma com o

sacrifício do individuo que a ela infringe. Nada

obsta a que haja, de fato, legalidade sem

democracia. Poder legal não se confunde com

Poder Legítimo.

A legalidade significa conformidade com a

ordem jurídica. Poder Político Legal significa o

Poder Político exercitado em conformidade com

a ordem jurídica, que é própria do Estado de

Direito. Já legitimidade significa conformidade

com o consenso popular. E em assim sendo, o

Poder Político Legítimo é aquele exercitado em

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conformidade com o consenso popular, típico de

um estado Democrático de Direito.

Claus Roxin filiou-se ao funcionalismo

moderado. Procurou dar um conteúdo a essa

idéia funcional; ou seja, o Direito Penal tem por

função reafirmar os valores da ordem jurídica.

Recuperação, punição, isso são conseqüências,

são efeitos possíveis e impossíveis no Direito

Penal. O que o Direito Penal quer dizer é que

esses valores a que a ordem jurídica consagra

devem ser respeitados sob pena de aplicação

de uma sanção mais grave, que é a sanção

Penal. Mas observe o seguinte: Roxin

acrescentou um conteúdo: a reafirmação dos

valores da ordem jurídica deve ser feita por

razões de política criminal para a reafirmação de

valores fundados na dignidade humana.

Muños Conde, analisando com acuidade

o conceito de responsabilidade introduzido por

Roxin, revela que para este último: “a

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responsabilidade penal pressupões não

somente a culpabilidade do autor, senão,

ademais, a necessidade da pena desde o ponto

de vista preventivo geral e especial.

A culpabilidade e a prevenção, ao

contrário do que sucede, por exemplo, com a

colocação de Jakobs, não se fundamenta em

uma unidade, senão que se limitam

reciprocamente; para Roxin, as necessidades

preventivas nunca podem conduzir a imposição

de uma pena a um sujeito que não é culpável.

“Mas a culpabilidade em si mesma, tampouco,

pode legitimar a imposição de uma pena, se

esta não é necessária desde o ponto de vista

preventivo.” (Muños Conde, Francisco. In:

Roxin, Claus. La evolución de La política

criminal, El derecho penal y El processo penal,

p. 13).

O núcleo fundamental do sistema

formulado por Roxin apresenta-se como a mais

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singela necessidade de que a política criminal

possa penetrar na dogmática criminalista.

(Roxin, Claus, Tratado de Derecho Penal –

Parte General, Tomo I, Civitas, 1997).

Então, perceba o leitor a diferença:

Jakobs se limita a explicar o que o Direito Penal

tem sido, reafirmando os valores de uma ordem

jurídica. Roxin vai além; reafirmar os valores é

necessário sim, mas que valores? Os valores

fundados na dignidade da pessoa humana,

acrescidos a uma política criminal. A política

criminal consiste em uma diretriz. Como toda

política consiste em um direcionamento, um

planejamento para se alcançar um resultado. E

é justamente nesse campo em que o intérprete

e aplicador da norma trabalham com a

proporcionalidade no que toca a aplicação das

penas.

Agora, Claus Roxin resolveu o problema?

Em parte sim. Formalmente ele resolveu o

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problema. Somos adeptos da teoria funcionalista

de Roxin. Os valores firmados na ordem jurídica

devem ser os fundados em um bem jurídico

ligado a dignidade humana. Mas o grande

problema da teoria de Claus Roxin é saber o

que é a dignidade humana. O que é a dignidade

humana? Nós sabemos que há muitas culturas.

O mundo, apesar da chamada

globalização da informação, recebe culturas

com valores bastante diferentes. Já se tentou,

inclusive, dizer que haveria um núcleo comum,

mas acontece que no Direito muçulmano usar

burca por imposição do Estado não viola a

dignidade humana. Isso para a cultura deles.

Assim não viola a dignidade humana usar na

praia de Ipanema um biquíni fio dental, para a

nossa cultura brasileira de um país tropical

como o é o nosso.

Já se tentou também dizer que haveria,

pois, um núcleo ocidental; o que não nos afigura

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correto. Isso porque há países que apregoam a

pena de morte como uma saída justa ao

delinqüente. Não vêem nisso nenhuma violação

a dignidade humana. E hoje, tema da moda no

Brasil, é a discussão do uso do chip no corpo

humano para fins de persecução penal ou

mesmo de execução penal quando o condenado

se encontrar em situação de liberdade

condicionada ou mesmo de regime aberto. Seria

tal instrumento violador ou não à dignidade

humana? Nossa discussão limita-se a nossa

forma de pensar, a nossa cultura.

Habermas reduziu a dignidade humana

ao pudor de autodeterminação. A pessoa maior

e capaz que tem o poder de autodeterminação

carrega consigo a dignidade humana. E aí não

importa o seu comportamento, desde que,

evidentemente, não prejudique terceiros. Assim,

quer mendigar ou ser morador de rua faz parte

do desejo que cada um assume para conduzir-

se a si mesmo no mundo. Tanto que na

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Alemanha não há que se falar em induzimento

ao suicídio. Tal conduta, se praticada na

Alemanha, será atípica face ao respeito ao livre-

arbítrio de viver ou morrer de seu povo.

Observe que cada cultura tem o seu

conceito. O diferencial brasileiro é que nossa

cultura enxerga no princípio fundamental da

dignidade humana algo além do que o mero

poder de autodeterminação. É lógico que o

poder de autodeterminação é fundamental. Mas

só isso não nos basta.

Há outros valores culturais, valores

positivos e isso nos explicam o porquê de

criminalizarmos a matança de animais, ato

ofensor de nosso sentimento. Não é o

sofrimento do animal por si mesmo, mas pelo

fato de nos atingir, de maltratar o nosso pudor. E

assim também o ato obsceno. Agride a nossa

integridade íntima, a esfera intangível da pessoa

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e o seu direito de não se ver agredido por uma

cena violenta.

Assim, a dignidade humana é um

conceito fluido. Varia de cultura para cultura. E

cultura aí não se limita o tamanho do continente.

Nós observamos diferenças culturais gritantes e

aí o Direito Penal entra em cena para reafirmar

os seus valores culturais.

A título de exemplo: na Espanha, a

tourada é considerada um símbolo esportivo

nacional. Já no Brasil a farra do boi foi coibida

nas antigas festas do folclore brasileiro. Isso por

que nós interpretamos a dignidade humana de

uma maneira distinta. Dessa forma, os valores

positivos de uma sociedade integram o conceito

de dignidade humana.

No cerne do funcionalismo está a tutela

de um bem jurídico. O bem jurídico é aquele

valor cultural ou social que a ordem jurídica

reconhece como merecedor de proteção.

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101

O funcionalismo de Claus Roxin, adotado

por nós, começa, pois, a discutir alguns

problemas graves. Se a finalidade do Direito

Penal é a de reafirmar valores fundados na

dignidade humana, então, os crimes deveriam

ser tão-somente de dano. Enquanto o bem

jurídico não for atingido O Direito Penal não

deve atuar. Acontece que essa idéia está em

contraposição com toda a legislação do planeta.

Isso porque existe do ocidente ao oriente os

crimes de perigo abstrato.

Houve uma evolução muito grande no

Direito penal quanto aos crimes. Em um

passado mais remoto se tutelavam apenas bens

jurídicos individuais. O crime de furto já então

previsto no Código de Hamurabi. Cortava-se a

mão daquele furtador de laranjas. Agora, da

segunda metade do século XX para o século

XXI a preocupação maior do Direito Penal

voltou-se para os bens coletivos e difusos.

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Assim, houve maior tutela ao meio

ambiente, a ordem econômica. Hoje tem maior

peso o meio ambiente, pois garantidor da

própria sobrevivência humana. Ninguém poderia

vislumbrar em meados do século XVIII um

direito regulador do espaço aéreo, já que os

pássaros eram os únicos animais que voavam

naquele tempo. O próprio Direito do trânsito

também não se justificava, já que o meio de

transporte eram cavalos, quando muito, os

bondes. Assim, os valores vão se modificando

no decorrer do tempo.

E em assim sendo, essa mudança de

valores passou a ampliar os crimes de perigo.

Crimes de perigo concreto, crimes de perigo

abstrato; portanto, presumidos e mais genéricos.

Hoje, inclusive, a doutrina mais abalizada vem

reconhecendo alguns crimes denominados da

precaução em que não há um perigo avaliado e

sim um risco hipotético. Assim, na lei ambiental

temos, a título de exemplo, o crime de introduzir

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espécie da fauna, que não seja da fauna

brasileira, de uma fauna estrangeira.

Não podemos mensurar se tal conduta

será benéfica ou maléfica ao meio ambiente.

Há, todavia, um risco hipotético de que venha a

perturbar a nossa fauna. Agora, nada nos

garante de que essa introdução possa ser boa.

A América não tinha cavalos. Os cavalos lá

chegaram com origem européia. E nem por isso

podemos dizer que foram maléficos ao mundo.

Já na Austrália a importação de coelhos foi uma

praga. Tudo isso é muito relativo.

Dessa forma, pelo acima exposto, o

Direito Penal se antecipa a lesão. Pode estar

inserido no perigo concreto, no perigo abstrato e

até na precaução. Na última edição da obra de

Claus Roxin, datada de 2006, ainda não

traduzida para o português, após expor todo o

conteúdo do Direito Penal em sua proteção ao

bem jurídico reconhecido pela ordem jurídica, o

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mestre acrescentou uma frase: “mas há crimes

em que não se vislumbram um bem jurídico

tutelado”.

Eis aí uma grande discussão: poderá o

Direito Penal criar um crime que seja totalmente

revestido de abstração por uma conduta que se

entenda culturalmente reprovável?”“. Eis aí uma

grande polemica e uma grande discussão a ser

travada.

Há quem sustente até no Brasil que

crimes de perigo abstrato são inconstitucionais

porque não há lesão a um bem jurídico

constitucionalmente tutelado. Isso por não haver

sequer um perigo concreto. Todavia, temos que

trabalhar com a realidade: em todas as

legislações há delitos de perigo abstrato e há

delitos de precaução.

Assim, por todo o nosso Código Penal

atual que preconiza em seu artigo 288 o crime

de quadrilha ou bando, que nada mais é que um

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crime de perigo abstrato mesclado a um delito

de precaução. Nós não punimos, em regra, no

Brasil os atos preparatórios; mas, nos Estados

Unidos da América os atos preparatórios são

punidos pelo crime de conspiração, que nada

mais é que o planejamento e preparação de

outro crime e que, muitas vezes, é até

considerado mais grave que o crime que iria ser

efetivamente praticado.

E aí enfrentamos em nossa ordem

jurídica um problema interno que é a escolha

dos bens jurídicos numa hierarquia

constitucional. Nossa constituição tratou de

assuntos desnecessários, mas até como forma

de reação aos governos militares de ditadura e

tortura que muitos de nós havíamos sofrido. Foi

uma resposta democrática, mas foi redundante

na proteção de alguns bens jurídica e até

cansativa. O fato é que ela não tem delimitada

uma hierarquia concreta de bens jurídicos. No

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afã de proteger-se demais, protegeu-se de

menos.

Não se escalou qual o bem jurídico de

maior valor. A resposta a essa singela pergunta

nos leva ao estudo da proporcionalidade.

Poderíamos até rotular a vida como o bem

jurídico de maior valor, mas pela própria

Constituição não o é, já que após a palavra vida

segue-se uma vírgula elencando a saúde, o

patrimônio, etc. Assim, o homicídio que tutela

diretamente a vida é um crime prescritível.

Todavia, são imprescritíveis os crimes de

racismo e de ação de grupos armados contra o

estado. Então perceba o leitor: o racismo é mais

grave do que o homicídio, pela própria

Constituição. Ela mesma admite a pena de

morte em crimes de guerra, preponderando à

segurança do estado sobre a vida do indivíduo.

Repisando, o funcionalismo é, pois, um

conjunto de teorias que vislumbram no Direito

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Penal a finalidade ou a função de reafirmar os

valores sociais consagrados por uma

determinada ordem jurídica (sem valoração:

Jakobs); essa mesma ordem jurídica quando

fundada na dignidade humana dentro de uma

política criminal (Roxin); ou seja, como uma

política criminal que no Brasil nós deixamos a

desejar! Nossa proporcionalidade é, pois, muito

falha. Muitas vezes os meios de comunicação

delimitam o juízo de reprovação: processa,

condena e julga. Estamos em uma fase de

transição. Vivemos um Direito Penal de

metamorfose!

Por fim, ainda nos deparamos com uma

terceira vertente da teoria do funcionalismo

penal. Trata-se do funcionalismo limitado.

Defendido por Santiago Mir Puig, mediante o

qual, o Direito Penal fundamenta-se por sua

utilidade social e encontra a sua própria

limitação no estado democrático de Direito.

Assim, o princípio da legalidade limita a atuação

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do Estado. O princípio da razoabilidade é outro

balizador das condutas entre o Estado e o

indivíduo e entre os próprios indivíduos em suas

relações travadas em âmbito privado. (Gomes,

Luis Flávio, Curso de Direito Penal, pela

internet, PG – Fato punível, in

www.estudoscriminais.com.br, em 13/02/02.).

A grande crítica a esse limite social

advém do próprio conceito de sociedade, pois

esta é uma no Brasil e outra no oriente, assim

como os seus valores.

(1.8) Conclusões:

Não existe mais de um funcionalismo

penal. O funcionalismo penal é um só, embora

sejam diversas as formas de enxergá-lo; mas

todas levam nos levam a um ponto em comum;

qual seja: a insegurança da conduta. Para o

funcionalismo penal o sistema jurídico só

encontra segurança nele mesmo, ou seja, em

sua densidade normativa. Assim, o finalismo

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ainda prepondera sobre nosso sistema jurídico,

mas nos leva a insegurança de se enquadrar a

conduta culposa dentro do que se entende por

resultado final, querido e assumido pelo agente.

O funcionalismo de Jakobs teve o mérito

à reafirmação da norma, mas restou incompleta

em sua essência, pois a norma visa a proteger

valores. Surge Roxin delimitando os valores,

mas que valores? Nossa Constituição não nos

delimita e continuamos no limbo jurídico. Por

fim, traçar o limite social do funcionalismo já nos

geraria o conflito sócio-cultural, pois a sociedade

muda com muita versatilidade. As culturas são

diferentes e essas mesmas culturas é que vão

definir a própria sociedade.

Em assim sendo, apesar de ter sido

abraçado na Europa em grande escala o

funcionalismo penal para que possa ser aplicado

ao modelo brasileiro precisará de alguns ajustes

e o primeiro ajuste passa pela própria

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constituição da República que poderá ser

alterada via emenda constitucional elencando

em primazia, como cláusula pétrea, a vida como

bem jurídico maior. Não basta uma cláusula

pétrea trazendo a vida, pois esta já existe, mas

elencando a vida como bem maior. Isso porque

a partir do momento em que a palavra vida vem

seguida de uma vírgula já denota que ela é um

direito fundamental que pode ser relativizado.

Do contrário, o funcionalismo penal não sairá do

papel e dos estudos de uma viajante como eu.

Capítulo II: A teoria da Imputação objetiva. Sumário: 1.1) Teoria da Imputação Objetiva e seu reflexo ao Funcionalismo Penal; 1.2) Esclarecimentos sobre a Teoria da Imputação Objetiva inserta no Funcionalismo Penal; 1.3) Julgados nacionais sobre a Teoria da Imputação Objetiva inserta no Funcionalismo Penal; 1.4) Conclusões finais; 1.5) Referências bibliográficas.

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(1.1) Teoria da Imputação Objetiva e seu reflexo ao Funcionalismo Penal.

Preconizada por Roxin, o mundo jurídico vislumbrou a existência de uma teoria, qual seja: a imputação objetiva - oriunda na fundamentação do estudo da estrutura criminal em aspectos de política criminal. Estuda-se a origem e não a conseqüência do crime. Em outras palavras: antes de se pensar sistematicamente o crime, deve-se analisá-lo politicamente.

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Elaborando os seus estudos sobre a teoria da imputação objetiva acerca de sessenta anos atrás, o professor Damásio. E. Jesus extraiu as seguintes premissas: “... há imputação objetiva quando o resultado é causado materialmente por uma conduta produtora de um risco juridicamente proibido no mesmo instante em que o evento fatalmente teria ocorrido em face de outro perigo preexistente. O pai da vítima realizou uma conduta perigosa juridicamente proibida (atirar na vítima), materializando-se o risco na morte do condenado (resultado normativo), ainda que, fatalmente, o evento ocorreria em face da atuação do carrasco" (Jesus, Damásio E. de: Imputação Objetiva: O "Fugu Assassino" e o "Carrasco Frustrado". Boletim IBCCrim, Ano 7, n.º 86 – Janeiro/2000. Página 13.). Todavia, sua origem histórica remonta as bases filosóficas, de Hegel, com sua filosofia subjetivista/sociológica que tem o seu ponto de partida com o filósofo Durkheim, que profetizava que uma sociedade normal deve possuir em seu meio o crime, contando que não hajam excessos em quantidade e qualidade.

Os estudos sobre a teoria da imputação objetiva desaguaram conseqüências para a filosofia dos sistemas que foi obrigada a se aperfeiçoar e buscou como alicerce o Direito Penal funcionalista, que, dentre outras bases sustenta que, sendo o Direito uma parte do

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sistema social (subsistema de um sistema global), a adequação social passaria a ser elemento normativo do tipo.

Foi com lastro em um funcionalismo penal que se encampou à imputação objetiva, cuja aceitação não é pacífica em doutrina e jurisprudência. Migrada na Alemanha, desaguou para a Espanha, bem como para alguns países latinos americanos. Em seara brasileira, os penalistas têm receio quanto à cientificidade da teoria, havendo, pois, números julgadores e julgados favoráveis, outros, todavia, receosos.

Aduz-se que a teoria da imputação objetiva recai sobre o aspecto objetivo normativo e não naturalístico, sua principal inovação é basicamente o incremento da teoria do risco – não obstante somente imputar ao agente, fatos que concretamente contribuiu para o aumento do risco juridicamente permitido com conseqüente propósito de realização deste risco com desrespeito às leis. Assim, o risco permitido, a imputação objetiva da conduta é excluída. Observe o leitor atento que, ainda, que haverá o afastamento da imputação objetiva quando não houver correlação entre o risco ocorrido e o resultado jurídico. Trata-se de uma teoria em desenvolvimento, e que no Brasil, encontra-se vários adeptos, na linha filosófica de raciocínio

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de Roxin. Na Alemanha e também Espanha, grandes são os avanços desta concepção, que abarcaria para a população uma constante diminuição da punibilidade, não deixando de punir os culpados, mas buscando superar as dificuldades de nosso sistema penal, trazendo nova idéia do conceito final de uma ação injusta. O contraponto negativo da respectiva teoria é o de que conquanto na Alemanha exista uma boa aplicação desta teoria, e que tenha defensores como Jakobs, não devemos jamais nos esquecer da realidade jurídico-penal brasileira, onde soluções fáceis a determinados casos em um país de primeiro mundo, podem não o ser para nossa sociedade libertária.

(1.2) _ Esclarecimentos sobre a Teoria da Imputação Objetiva inserta no Funcionalismo Penal.

Surgiu para conter os excessos da teoria da conditio sine qua non no estabelecimento do nexo causal. Colocando em discussão a teoria da imputação objetiva, chamamos a atenção do autor para os seus vários desdobramentos, ou seja, não existe uma teoria de imputação objetiva voltada numa única direção, unívoca, constituindo um critério único que procure resolver todos os problemas da imputabilidade. Não há que se falar da imputação objetiva como

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uma teoria, mas, sim, como um movimento, que, como tal, deve ter suas questões remetidas à política criminal, distanciando, igualmente, da dogmática jurídico-penal:

“As raízes históricas espirituais da teoria da imputação objetiva remontam-se até a filosofia jurídica de Hegel. Dela é que Larenz, no ano de 1927, extraiu uma concepção da imputação objetiva, que logo depois foi aplicada por Honig, especificamente, na dogmática jurídico-penal. Foi a Honig (e, é claro) também a Larenz) que me referi, ao desenvolver em 1970, de princípio do risco, que desde então tem feito uma carreira repleta de sucessos”. (Claus Roxin, in Estudos de Direito penal, pág. 170).

Os crimes de perigo abstrato permaneceriam no primeiro nível de imputação. Em todo caso, à configuração concreta do tipo da tipicidade seria necessário constatar a criação de um risco juridicamente desaprovado, analisado sob a perspectiva ex ante, ou seja, sem considerar a presença ou não de um objeto típico no possível raio de alcance da conduta, o que constitui algo mais que exigir a mera perigosidade geral de uma classe de comportamentos – diferenciando-se, assim, das teses formais -, porém não implica requerer a comprovação ex post da realização do perigo, âmbito reservado para os crimes de resultado – resultado de perigo ou resultado de lesão.

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Também seria possível excluir o injusto das condutas formalmente caracterizadas como infrações de perigo abstrato a partir de critérios extranormativos relevantes para a demarcação de condutas injustas de condutas penalmente irrelevantes, como o princípio da confiança, a atuação da vítima, regulamentações comunitárias, etc. (JAKOBS, Günter. Derecho Penal – parte general, p. 224. JAKOBS, El concepto jurídico-penal de acción, em: Estudios, p. 101 e ss.. CANCIO MELIÁ, Manuel. La Teoría de la Imputación Objetiva y la Normativización del Tipo Objetivo, p. 129. Para Tório Lopez, o conceito de imputação objetiva descansa sobre a ação perigosa, ou seja, sobre as propriedades da ação que permitem considerá-la como fonte de um perigo possível. TÓRIO LOPEZ, Angel. Natureza y âmbito de la teoria de la imputación objetiva, p. 34. Parece que o professor espanhol parte das premissas erradas para concluir, corretamente, que o direito penal não deve alcançar condutas que, em concreto, não ostentem um mínimo de perigo para o bem protegido. Premissas erradas porque questões afetas ao desvalor objetiva da conduta não constituem problemas de imputação objetiva.)

Preconiza o autor Renato de Mello Jorge Silveira o que "inúmeras são, por todo o mundo, as discussões quanto à teoria da imputação objetiva. Variadas são suas formas de aplicação. Mesmo no Brasil já começam a se

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ver sentenças utilizando-a. Muito se pode aceitá-la ou não, difícil, contudo, quer parecer simplesmente entendê-la como supérflua, especulativa ou sem interesse. Mostra-se fundamental a aceitação do fato de que o Direito está qual a sociedade, em profunda mudança, requerendo, assim, novos institutos para sua proteção. Aqui, em especial, talvez resida o principal mérito da imputação objetiva. Outros tantos existem, e tampouco parecem abstratos, mas estes são mais do que suficientes para justificar toda uma aplicabilidade construtiva de uma nova imputação." (07. Os detratores da teoria da imputação objetiva. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br>. Acesso em: 30.8.2001.).

Nos moldes da teoria ora estudada, o nexo causal não pode ser concebido, exclusivamente, de acordo com a relação de causa e efeito, tendo em vista que o Direito Penal não pode ser regido por uma lei da física ou da química. Assim, além do elo naturalístico de causa e efeito, são necessários os seguintes critérios: criação de um risco proibido (A título de exemplo: uma namorada leva o namorado para jantar, na esperança de que ele engasgue e morra, o que acaba acontecendo. Não existe nexo causal, is que convidar alguém para jantar, por mais devastas que sejam as intenções, é uma conduta absolutamente normal do dia a dia, permitida,

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lícita. Pessoa alguma pode matar outrem mediante convite para jantar.

Jantar, por si só, não é meio executório, por se tratar de um comportamento social padronizado, que leva um risco permitido... (e riscos permitidos, por si só, não podem ocasionar resultados proibidos); deve, pois, o resultado estar na mesma linha de desdobramento causal da conduta, ou seja, dentro do seu âmbito de risco (A título de exemplo: um traficante de cocaína (droga) a vende para um usuário, o qual, por descuido imprudente, em uma verdadeira auto-exposição a risco, toma uma overdose e morre. A morte por uso imoderado da substância não pode ser causalmente imputada ao seu vendedor, por se tratar de uma ação a próprio risco, fora do âmbito normal de perigo provocado pela ação do traficante. Racionando , ao contrário do que estatui a conditio sine qua non, não existiria nexo causal em nenhuma das causas relativamente independentes); de, pois, o agente atuar fora do sentido de proteção da norma (quem atira contra a perna de um sujeito, prestes a se suicidar com um tiro, não pode ser considerado causador de uma ofensa à integridade corporal do suicida, pois quem age para proteger tal integridade, impedindo, pois, com sua conduta, a morte, não pode, ao mesmo tempo, e contraditoriamente, ser considerado causador desta ofensa).

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Assim, sob as diretrizes de tal teoria, toda vez que o agente realizar um comportamento socialmente padronizado, normal, socialmente adequado e esperado, desempenhando normalmente seu papel social, estará gerando um risco permitido, não se cogitando da hipótese de ser ele o causador de nenhum resultado proibido.

Para exemplificar o acima exposto, Damásio de Jesus traz o seguinte exemplo em sua obra sobre o tema: O caso cinge-se a um sujeito atirador de pedras. Ariane atira uma pedra na direção da cabeça de Bernardo, com intenção de matá-lo. O arremesso, pela forma de execução, é mortal. Cátia desvia a pedra com as mãos, vindo esta atingir Danilo, causando-lhe lesões corporais. Conclui o ilustre penalista: “Não resta dúvida de que subsiste uma tentativa de homicídio de A contra B. Quanto à responsabilidade pelas lesões corporais sofridas pela vítima D, deve-se considerar que, aplicando a teoria da causalidade material, encontram-se ligadas à conduta do interveniente: se o sujeito C não tivesse interferido, D não sofreria ferimentos. Por outro lado, deve-se ver também que não se mostra justa a incriminação de C pelos ferimentos produzidos em D. A norma não proíbe condutas que reduzem o risco de dano a

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um bem jurídico: a interferência de C diminuiu o risco à vida de B. A que título, porém, C deve ser isento de responsabilidade: atipicidade por falta de dolo, exclusão de tipicidade do fato em face de ausência de imputação objetiva ou incidência de causa de justificação? Para a teoria da imputação objetiva, trata-se de atipicidade da conduta. Se fossemos aceitar a idéia da incidência de uma causa excludente da ilicitude, seja legítima defesa ou estado de necessidade de terceiro, estaríamos acatando haver C cometido um fato típico (cumprindo o tipo objetivo), exatamente o que se pretende afastar. Daí a solução da redução do risco, afastando a tipicidade. O Direito penal não pode considerar típica a conduta do interveniente.”. (JESUS, Damásio E. de Jesus. Imputação Objetiva, Editora Saraiva 2000.)

(1.4) Julgados nacionais sobre a Teoria da Imputação Objetiva inserta no Funcionalismo Penal.

A Corte Superior, em meados de 2006 se pronunciou pela primeira vez sobre o tema ora versado. Assim, o Superior Tribunal de Justiça, em um julgado

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apenas, admitiu a sua incidência no em nosso ordenamento jurídico de tal teoria, de sorte a afastar a tipicidade do fato, tendo em vista que ainda que fosse reconhecido o nexo causal entre a conduta dos acusados e a morte da vítima, "à luz da teoria da imputação objetiva, necessária é a demonstração da criação pelos agentes de uma situação de risco não permitido, não ocorrente na hipótese" (STJ, 5ª Turma, HC 46525/MT, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 21/03/2006, DJ 10/04/2006, p. 245).

Colacionamos julgados de alguns Tribunais de Justiça de outros entes da federação (Rio Grande do Sul e Minas Gerais) sobre o tema em epígrafe: Visualize o leitor!

EMENTA: APELAÇÕES DEFENSIVAS. ART. 121, § 3, DO CÓDIGO PENAL. - Embora uma vertente da prova de conta que o equipamento (extensão) não se encontrava em boas condições e que era costume dos empregados efetuarem a troca de lâmpadas, há prova em sentido contrário. Não podemos desconsiderar que, em relação ao equipamento (extensão), há, inclusive, prova pericial. Temos, assim, que não restou comprovado extreme de dúvida, como era necessário para ensejar o édito condenatório, que o equipamento fosse

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inadequado ou que não estivesse em bom estado (em situação precária, sem a devida manutenção), nem que havia determinação para que a vítima retirasse a lâmpada da extensão ou efetuasse sua manutenção. - Além disso, não podemos olvidar que o um dos elementos do tipo culposo é a previsibilidade objetiva, conforme ressaltou, quando do julgamento do Resp 40180/MG, o eminente Ministro ADEMAR MACIEL. Do douto voto, retiramos a seguinte passagem: "Hoje, pela doutrina de WELZEL (Das deutsche Strafrecht) a denominada "teoria finalista da ação", adotada por nosso CP, a culpa integra o tipo. E um dos elementos do tipo culposo é exatamente a previsibilidade objetiva que não corresponde ao cuidado requerido ou devido. Para que o recorrido tivesse praticado uma ação típica, o acontecimento ilícito deveria estar na esfera de previsibilidade." - Assim, no caso 'sub judice', não demonstrado que o equipamento fornecido era inadequado (extensão) ou não estivesse em bom estado, mesmo que viéssemos a reconhecer que era comum ''... os empregados trocarem as lâmpadas queimadas'', não podemos desconsiderar que a troca de uma lâmpada de uso geral, afixada em uma extensão, é atividade comum e que, em tais casos, o resultado morte está fora da previsibilidade normal dos homens. - A vítima, no caso em exame, quebrou o dever objetivo de cuidado, pois se desejava trocar a lâmpada (lâmpada queimada) ou retirá-la, agiu

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com imprudência, visto que não solicitou fosse desligado o disjuntor referente ao circuito da lâmpada ou a flecha da tomada, bem como retirou as luvas, tocando ainda na parte metálica do bocal ou na rosca. - Devemos lembrar, neste passo, que ''Associada à teoria da imputação objetiva, '' - conforme deixou assentado o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (HC 46525/MT; Relator: Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Órgão Julgador: QUINTA TURMA, Data do Julgamento: 21/03/2006) - ''sustenta a doutrina que vigora o princípio da confiança... ''. Magistério de EDILSON MOUGENOT BONFIM e FERNANDO CAPEZ. - Cumpre lembrar, por fim, que '' (.) NÃO HÁ CRIME SEM RELAÇÃO DE CAUSALIDADE ENTRE A CONDUTA E O RESULTADO. URGE, ENTRETANTO, NÃO FICAR RESTRITO AO VÍNCULO MATERIAL. CASO CONTRÁRIO, CONSAGRAR-SE-Á A RESPONSABILIDADE OBJETIVA, CONSTITUCIONALMENTE REPELIDA. URGE, ADEMAIS, DISTINGUIR, PREVISÃO, OU PREVISIBILIDADE DO RESULTADO EM TESE, DO RESULTADO CONCRETO. AO DIREITO PENAL DA CULPA SÓ INTERESSA O SEGUNDO. '' (trecho da ementa do REsp 104221/SP, Relator Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO; Órgão Julgador: SEXTA TURMA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, Data do Julgamento: 19/11/1996). APELAÇÕES PROVIDAS. DECISÃO UNÂNIME. (Apelação Crime Nº

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70008755480, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio de Oliveira Canosa, Julgado em 29/05/2008)

EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. - O julgado não padece de qualquer vício. As matérias questionadas foram todas examinadas no acórdão embargado. - O embargante, quando do apelo, argumentou que deveria ser considerada a teoria da imputação objetiva. A conclusão do julgado, embora não agrade o embargante, que defendia a aplicação de teoria diversa, foi explicito sobre tal questão. Anote-se, então, o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça: HC 27347/RJ, Relator Ministro HAMILTON CARVALHIDO. - Este Colegiado, deve ser ressaltado, destacou passagem na lição doutrinária que mencionou (Edílson Mougenot Bonfim e Fernando Capez), no sentido de que o Código Penal ... definiu a relação de causalidade no art. 13, ratificando o anterior art. 11 (Parte Geral de 1940), ensejando já uma tradição em nosso direito ao recepcionar a teoria da conditio sine qua non. ¿ - Os embargos, por sua vez, não se prestam para responder questionários. Neste sentido: EDMS 5523/DF, Ministro Gilson Dipp, Terceira Seção

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do Superior Tribunal de Justiça; e, EDMS 4838/DF, Ministro Milton Luiz Pereira, Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça. - Cumpre lembrar, isto tão-somente em homenagem a combativa defesa, que ¿Todas as forças que concorrem para o resultado in concreto, apreciadas em conjunto ou uti singuli, equivalem-se na sua eficiência causal. Nem uma só delas pode ser abstraída, pois, de outro modo, se teria de concluir que o resultado, na sua fenomenalidade concreta, não teria ocorrido. Formam elas uma unidade infragmentável.¿, conforme lecionou o mestre Hungria. - Deve ser lembrado, neste passo, que é possível ao Juiz, segundo entendimento da Corte Especial do egrégio Superior Tribunal de Justiça, ante o princípio do livre convencimento, julgar questão levando em consideração o fundamento, a jurisprudência e os aspectos que tiver como acertados para a decisão da matéria. (EADRES 113049/DF, Relator: Min. JOSÉ DELGADO) - No que tange ao exame da matéria à luz de outro entendimento, deve se consignar que tal pretensão é inadmissível no âmbito dos embargos (Theotônio Negrão, in Código de Processo Civil, 2.ª Edição, em CD-ROM) - Verifica-se, assim, que, na realidade, o que pretende o embargante é rediscutir a matéria, extrapolando a via limitada dos embargos declaratórios - com o rejulgamento da causa e alteração do julgado -, o que acarretaria, inclusive, a nulidade desta decisão.

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Precedente do Superior Tribunal de Justiça. EMBARGOS REJEITADOS. (Embargos de Declaração Nº 70018883355, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio de Oliveira Canosa, Julgado em 09/08/2007)

EMENTA: APELAÇÃO DEFENSIVA. MAUS-TRATOS QUALIFICADO. - Não assiste razão a combativa defesa quando prega a aplicação da teoria da imputação objetiva, pois ¿¿... O sistema criminal brasileiro, como ensina a unanimidade da doutrina, adota a teoria da equivalência dos antecedentes ou da condictio sine qua non (RENÉ ARIEL DOTTI), não distinguindo entre condição e causa considerada esta como toda ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido (ANÍBAL BRUNO).¿ (trecho da ementa do HC 18206/SP, Relator: Ministro Fernando Gonçalves, Sexta Turma, Superior Tribunal de Justiça, julgado em 04/12/2001). - Lições doutrinárias de Edílson Mougenot Bonfim e Fernando Capez - Por outro lado, o ¿... crime de maus tratos, em qualquer de suas modalidades, é crime de perigo...¿, sendo que ¿O dolo, quanto ao conteúdo de perigo, pode ser direto ou eventual.¿, como ensinou o mestre Hungria. - ¿Os eventos qualificativos são preterdolosos¿ (Hungria). Resulta, daí, correta a asserção contida na R.

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sentença quando afirma que os agentes não desejavam diretamente o resultado morte. Com efeito, se assim não fossem tratar-se-ia de homicídio doloso (Hungria). O dolo, na espécie, assim, fica situado na conduta de expor a perigo a vida ou a saúde (bens jurídicos). - Devemos lembrar então que ¿Crime preterdoloso ou preterintencional¿, como explica Damásio E. De Jesus ¿É aquele em que a conduta produz um resultado mais grave que o pretendido pelo sujeito. O agente quer um minus e seu comportamento causa um majus, de maneira que se conjugam o dolo na conduta antecedente e a culpa no resultado (conseqüente). Daí falar-se que o crime preterdoloso é um misto de dolo e culpa: dolo no antecedente e culpa no conseqüente.¿ - O busílis ou o ¿xis da questão¿ (como define Aurélio), porque apresenta relação com a adequação típica, é definir se é ou não indispensável à consciência do abuso. - ¿O elemento subjetivo ou dolo específico do crime em questão¿, segundo o mestre Hungria, ¿é a vontade consciente de maltratar o sujeito passivo, de modo a expor-lhe a perigo a vida ou saúde.¿. Não diverge Cezar Roberto Bittencourt (¿Além da vontade e da consciência de praticar o fato material, ao contrário do que imaginava Euclides Custódio da Silveira, é indispensável à consciência do abuso cometido. Aliás, a ausência dessa consciência afasta o dolo, ocorrendo o conhecido erro de tipo¿, in Tratado de Direito Penal, Parte Especial, vol. 2, Editora

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Saraiva, 5ª edição, 2006, pág.331). - Devemos observar, entretanto, que ¿O dolo, quanto ao conteúdo de perigo, pode ser direto ou eventual.¿ (Hungria sublinhamos). Explica Cezar Roberto Bittencourt (obra cit., pág.332): ¿... a despeito da consciência atual da ação, dos meios e do próprio abuso é possível que a agente não queira expor a vítima a perigo, isto é, a exposição a perigo pode não ser objeto da vontade. Contudo, nessas circunstâncias, é inevitável que, pelo menos, preveja a possibilidade com o excesso que pratica, de expor a perigo a incolumidade da vítima. Nesse caso, prosseguindo na ação estará, no mínimo, assumindo o risco de colocá-la em perigo, configurando o dolo eventual. O risco de expor com a ação ou omissão está presente na consciência do agente, que, apesar disso, realiza a conduta e acaba colocando efetivamente em perigo a vida ou a saúde de outrem.¿ (grifamos) - Assim, não merece censura a R. sentença combatida. Com efeito, o douto Julgador reconheceu a presença do dolo eventual. - O ilustrado Procurador de Justiça, Dr. Eduardo Wetzel Barbosa, opina pelo desprovimento do apelo, apontando o acerto da r. decisão combatida. - Restou demonstrado, pelas palavras do próprio acusado, o dolo eventual. O risco de expor com a omissão em perigo a vida ou a saúde de outrem estava presente na consciência do agente. APELAÇÃO DESPROVIDA (Apelação Crime Nº

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70009953985, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio de Oliveira Canosa, Julgado em 30/11/2006)

Número do processo:

Relator: ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO

Relator do Acórdão: ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO

Data do Julgamento: 11/03/2008

Data da Publicação: 29/03/2008

Inteiro Teor: EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - HOMICÍDIO CULPOSO - TRÂNSITO - CONDUTA ALTERNATIVA CONFORME O DIREITO E TEORIA DO INCREMENTO DO RISCO - EXCLUSÃO DA IMPUTAÇÃO PENAL - ABSOLVIÇÃO MANTIDA. 1. A imputação objetiva serve para limitar a responsabilidade penal, constituindo-se em um mecanismo para delimitar o comportamento proibido. Ancorada em um sistema coerente de interpretação que se infere da função desempenhada pelo direito

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penal na sociedade, sua finalidade é analisar o sentido social de um comportamento, precisando se este se encontra ou não socialmente proibido e se tal proibição é relevante para o direito penal. 2. Não haverá imputação quando o resultado havido em face de uma conduta criadora de um risco juridicamente desaprovado teria com grande probabilidade ocorrida mesmo se o sujeito atuasse conforme o direito, não tendo havido incremento do risco já existente. 3. O conjunto probatório evidencia que a vítima deixou de obedecer à sinalização de "parada obrigatória", interceptando repentinamente o veículo do acusado que transitava em via preferencial. A condução do veículo acima da velocidade permitida pelo réu, não expressivamente superior, não incrementou o risco. 4. Pode-se identificar, no caso concreto, uma conduta alternativa conforme o direito que leva à exclusão do nexo de imputação no âmbito penal, não equivalente à imputação na esfera administrativa.

APELAÇÃO CRIMINAL N° 1.0344.03.009847-1/001 - COMARCA DE ITURAMA - APELANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS - APELADOS (A) (S): CICERO GOMES DA SILVA - RELATOR: EXMO. SR. DES. ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO

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ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO.

Belo Horizonte, 11 de março de 2008.

DES. ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO:

VOTO

1. RELATÓRIO

Cuida-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público contra sentença oriunda do juízo da 1ª Vara da Comarca de Iturama que absolveu o acusado, ora apelado, da prática do delito previsto no art. 302, caput, do Código de Trânsito Brasileiro.

Narram os autos que, no dia 29/01/2003, por volta das 12 horas, o ora apelado conduzia seu

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veículo automotor VW Gol Special, placa MUT-5695. Ao entrar no trevo da referida rodovia, o denunciado veio a colidir com o veículo IMP / Daewoo Espero, placa BRP-3533, de propriedade da vítima, causando nesta os ferimentos descritos no laudo de f. 54, que foram causa eficiente de sua morte. Apurou-se que o denunciado agiu com falta de cuidado objetivo necessário, isto é, com imprudência, eis que conduzia o seu veículo em velocidade superior à permitida (40 km/hora), sendo que o referido local estava devidamente sinalizado, com boas condições de visibilidade, causando a morte de Cícero Henrique Luis Arantes da Silva.

Após instrução criminal, veio sentença absolutória (f. 136/141). O douto magistrado julgou improcedente a denúncia, fundamentando a absolvição na culpa exclusiva da vítima e na não comprovação da culpa do apelado, que considerou duvidosa.

Inconformado, recorre o Ministério Público sustentando que não houve conduta culposa por parte da vítima e que não paira dúvida sobre a conduta culposa do acusado. Em suas razões, o Ministério Público afirma o valor do laudo pericial que concluiu pela condução do veículo em velocidade acima da permitida, bem como destaca que a pouca visibilidade constatada deveria ensejar maior cautela na condução.

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As contra-razões da defesa estão acostadas às f. 161/165.

Instada a se manifestar no feito, a Ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso (f. 169/171).

2. CONHECIMENTO

Conheço do recurso em face do seu ajuste legal.

3. MÉRITO

Pugna o Ministério Público pela condenação. Toda sua argumentação pode ser resumida na falta de cuidado do réu que conduzia o veículo, segundo o laudo pericial, em velocidade acima da permitida para o local. Com base nisso, aponta equívoco no julgamento que aplicou o in dubio pro reo e que reconheceu culpa exclusiva da vítima.

O único elemento probatório a sustentar a pretensão ministerial é o laudo pericial. Somente na prova técnica juntada encontramos alusão à suposta velocidade excessiva do acusado.

A perícia não pode precisar a velocidade desenvolvida pelo acusado, mas afirmou que era acima dos quarenta quilômetros por hora

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permitidos. Dada à dinâmica do acidente, a questão que se coloca é a seguinte, de fundamental relevo para a imputação penal: se o condutor acusado estivesse dirigindo dentro da velocidade permitida, o acidente teria ocorrido da mesma forma? O dirigir acima da velocidade permitida, conduta descuidada apontada na prova técnica, promoveu incremento do risco, contribuindo para o resultado ou o resultado teria ocorrido ainda que não houvesse, por parte do acusado, incremento do risco?

A resposta é imprecisa, vale dizer, não se pode afirmar a contribuição do acusado para incremento do risco. É provável que, mesmo com a velocidade limitada aos quarenta quilômetros por hora, o acidente teria ocorrido da mesma forma. Analisando sistematicamente as provas técnica e testemunhal, é possível afirmar que a velocidade desenvolvida pelo acusado não era expressivamente acima dos tais quarenta quilômetros por hora, o que contribui decisivamente para a conclusão acima.

A teoria da imputação objetiva deve ser examinada em prol do acusado.

O moderno Direito Penal que se constrói objetivando a real proteção da sociedade não mais fica preso ao rigorismo de teorias elaboradas abstratamente, optando por sua

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construção frente à situação problemática enfrentada no caso prático.

Neste diapasão, a imputação objetiva surge para amenizar o rigor da teoria da equivalência dos antecedentes causais - tão criticado pela doutrina penal - criando a categoria da imputação, constituindo-se num dado valorativo e posterior à causalidade meramente física constatada apenas no plano material.

Assim, a imputação objetiva fulcra-se no denominado princípio do risco, que é conseqüência da ponderação, própria de um Estado de Direito, entre os bens jurídicos e os interesses de liberdade individuais, segundo a medida do princípio da proporcionalidade.

Pressupõe não apenas a relação de causalidade física entre uma conduta e o resultado, mas que esta conduta tenha realizado um perigo fora do âmbito do risco permitido, criado pelo autor dentro do alcance do tipo objetivo.

Significa, portanto, que a relação de causalidade não será comprovada apenas pelo chamado processo hipotético de eliminação de Thyrén, ou seja, se, mentalmente, abstraída a conduta não mais se verificar o resultado é

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porque está demonstrado o nexo causal.

Agora é necessário, conforme dispõe Claus Roxin em sua magistral obra “La imputacion Objetiva en el Derecho Penal", tradução de Abanto Vásquez, M., Lima, 1997, a criação de um risco jurídico-penalmente relevante ou não permitido ou desaprovado, a realização do risco imputável no resultado lesivo e a infrigência ao fim de proteção do tipo penal ou alcance do tipo.

A imputação objetiva serve para limitar a responsabilidade penal, constituindo-se em um mecanismo para delimitar o comportamento proibido. Ancorada em um sistema coerente de interpretação que se infere da função desempenhada pelo direito penal na sociedade, sua finalidade é analisar o sentido social de um comportamento, precisando se este se encontra ou não socialmente proibido e se tal proibição é relevante para o direito penal.

Neste sentido, foram elaborados vários critérios negativos da imputação objetiva, ou seja, hipóteses em que não haverá a valoração da conduta como juridicamente relevante para que o resultado a ela seja imputado, entre eles, o que nos interessa para resolução do caso em tela: não haverá imputação quando o resultado havido em face de uma conduta criadora de um risco juridicamente desaprovado teria com

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grande probabilidade ocorrida mesmo se o sujeito atuasse conforme o direito, não tendo havido incremento do risco já existente.

Exemplo trabalhado pela doutrina é o seguinte: o motoqueiro, bêbado, conduz a sua motocicleta em ziguezague na frente de um caminhão. O condutor do caminhão resolve ultrapassá-lo, não observando quando da ultrapassagem a distância lateral de segurança. O motoqueiro perde o controle da moto e, numa derrapagem súbita para a esquerda, entra debaixo das rodas do caminhão, vindo a falecer. Provando-se que o resultado ocorreria da mesma forma ainda que o motorista do caminhão tivesse mantido a distância lateral regulamentar para ultrapassagem, não haverá imputação do resultado à sua conduta, pois o seu agir não incrementou o risco existente.

A hipótese dos autos, no meu entender, é exatamente essa. O conjunto probatório evidencia que a vítima deixou de obedecer à sinalização de "parada obrigatória", interceptando repentinamente o veículo do acusado que transitava em via preferencial. A condução do veículo acima da velocidade permitida e, como destacado, não expressivamente superior, não incrementou o risco.

Pode-se identificar, no caso, uma conduta

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alternativa conforme o direito que leva à exclusão do nexo de imputação no âmbito penal. Aliás, é bom destacar que o nexo de imputação nesse âmbito não é o mesmo do Direito Administrativo. A prática de uma infração administrativa, tal como o excesso de velocidade, não implica prática de uma infração penal. Ainda que reconhecida a conduta de conduzir o veículo com velocidade acima daquela permitida, é imperioso estudar o nexo existente entre tal conduta e o incremento do risco que se materializa no resultado lesivo.

Na lição de Claus Roxin: "a questão jurídica fundamental não consiste em averiguar se determinadas circunstâncias se dão, mas em estabelecer os critérios em relação aos quais queremos imputar a uma pessoa determinados resultados. A alteração de perspectiva que aqui se leva a cabo, da causalidade para a imputação, faz com que o centro de gravidade se desloque já em sede de teoria da ação, da esfera ontológica para a normativa: segundo esta, a questão de saber se é possível imputar a um homem um resultado como obra sua, depende, desde o início, dos critérios de avaliação a que submetemos os dados empíricos" (Problemas fundamentais de direito penal, Lisboa: Vega, 1986, p. 145/146).

A experiência ordinária informa, no caso concreto posto em julgamento, que, ainda que

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observada pelo condutor acusado a velocidade máxima permitida de 40 quilômetros por hora, o resultado lesivo teria ocorrido, razão pela qual o excesso de velocidade não gera imputação penal.

Sobre o tema, destaco a lição de Fernando Galvão: "o exame das questões práticas não é nada fácil e também implica a utilização de critérios estatísticos de comparação entre a conduta real e a hipotética. Polêmica é a questão sobre a qual deva ser a decisão quando não for possível comprovar se a conduta proibida criou um perigo que extrapola os limites do risco permitido. A maioria dos autores sustenta que, nesses casos, o princípio do in dúbio pro reo exclui a imputação." (Direito Penal Parte Geral. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 243/244).

4. CONCLUSÃO

Com essas considerações, nego provimento ao recurso ministerial, mantendo a absolvição do apelado.

Sem custas.

É como voto.

Votaram de acordo com o (a) Relator (a) os Desembargadores (es): MARIA CELESTE

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PORTO e HÉLCIO VALENTIM.

SÚMULA: NEGARAM PROVIMENTO.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0344.03.009847-1/001

Número do processo:

1.0045.03.001246-7/001(1)

Número CNJ:

0012467-34.2003.8.13.0045

Acórdão Indexado!

Relator: ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO

Relator do Acórdão: ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO

Data do Julgamento: 19/02/2008

Data da Publicação: 08/03/2008

Inteiro Teor: EMENTA: APELAÇÃO - HOMICÍDIO CULPOSO - AUSÊNCIA DO DEVER DE CUIDADO OBJETIVO - NÃO COMPROVAÇÃO -

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PRESUNÇÃO EM PREJUÍZO DO RÉU - INADMISSIBILIDADE - IMPREVISIBILIDADE - CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA - IMPUTAÇÃO OBJETIVA - PRINCÍPIO DA CONFIANÇA - AÇÕES A PRÓPRIO RISCO - ABSOLVIÇÃO DECRETADA. I - A circunstância de o réu não ter conseguido desviar o veículo da vítima que atravessou a via urbana rápida em local inadequado, não pode conduzir à presunção de que o acusado agiu com desatenção, sendo imprescindível a presença de elementos probatórios concretos do atuar sem o dever de cuidado objetivo. II - A culpa exclusiva da vítima que, atravessando em local impróprio, surpreende o condutor do veículo, afasta a configuração da culpa, seja pela ausência de imprudência, seja pela imprevisibilidade. III - Não cria um risco juridicamente desaprovado, aquele que, confiando na obediência à legislação de trânsito por parte de pedestres e demais condutores, é surpreendido pelo comportamento da vítima de atravessar em local proibido, determinando o sinistro, visto que a conduta do agente foi guiada pelo princípio da confiança que caracteriza a atuação dentro do risco permitido. IV - Não se imputa objetivamente um resultado ao agente quando há uma criação de nova relação de risco por parte da vítima ao violar seus deveres de proteção própria.

APELAÇÃO CRIMINAL N° 1.0045.03.001246-

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7/001 - COMARCA DE CAETÉ - APELANTE(S): WALTER VIANA GONÇALVES DE OLIVEIRA - APELADO (A) (S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS - RELATOR: EXMO. SR. DES. ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PROVIMENTO.

Belo Horizonte, 19 de fevereiro de 2008.

DES. ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO:

VOTO

I- RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por Walter Viana Gonçalves de Oliveira visando à reforma da sentença que o condenou a uma pena de 02

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(dois) anos de detenção, além da suspensão do direito de dirigir veículos pelo prazo de 08 meses.

Descrevem os autos que o apelante dirigia a motocicleta Honda CG - 125 placa GTL 4201 na Av. João Pinheiro altura do nº 4.126 e acabou por atingir a vítima Noraldino Caetano Fonseca que atravessa a via urbana, provocando diversos ferimentos que levaram o ofendido ao óbito.

Processado nos termos legais, o apelante foi, ao final condenado, pela sentença monocrática de fls. 79-87.

Inconformado, apresenta o acusado recurso de apelação, pugnando pela sua absolvição.

O Parquet apresentou contra-razões recursais pugnando pelo desprovimento do recurso.

A Procuradoria de Justiça, em parecer subscrito pelo Procurador Marcial Vieira de Souza, opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório

II- CONHECIMENTO

Conheço do recurso por preencher os

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pressupostos legais.

III- MÉRITO

O apelante requer sua absolvição, alegando que não agiu com imprudência, sendo o acidente culpa exclusiva da vítima.

Entendo que assiste razão à defesa.

O recorrente foi denunciado porque teria dado causa ao sinistro, sem que, contudo, tenha sido apontada na denúncia a modalidade da culpa em que tenha incorrido, sequer foi expressamente indicado em que consistiu sua violação ao dever de cuidado.

Só aqui, já se verifica importante vício na peça exordial a macular toda a ação penal.

Contudo, como a solução meritória é mais benéfica ao réu, sigo na apreciação das provas.

A sentença guerreada condenou o acusado porque o considerou desatento e dirigindo em velocidade incompatível com a via urbana pela qual trafegava.

Pois bem. Após leitura atenta e minuciosa dos autos não me convenci do acerto destes fundamentos da decisão e da certeza de prática

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de conduta criminosa por parte do réu.

Não foi produzida prova pericial e, portanto, não se pode precisar a velocidade em que dirigia o acusado.

Nenhuma testemunha ouvida em juízo aponta excesso de velocidade por parte do apelante.

A testemunha Dario dos Reis Messias não presenciou o sinistro, apenas afirmando condições climáticas e da pista no momento do evento.

Fabiane Vargas de Carvalho afirmou que o apelante estava em velocidade normal e que "o Sr. Noraldino atravessou sem olhar; que acha que o acusado não poderia evitar o acidente" - f. 66.

Ana Paula Vargas de Carvalho afirmou que "não sabe informar a velocidade do motociclista"- f. 69.

O que se extrai dos autos é que nenhuma prova foi produzida a comprovar excesso de velocidade por parte do réu, tampouco desatenção na condução do veículo automotor.

Na verdade, a condenação do acusado não está lastreada em provas concretas e, sim, na presunção de que o evento era evitável em

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decorrência das condições do local onde ocorreu, ou seja, uma via urbana movimentada e reta.

Todavia, tal presunção não é correta. Mais do que chegar à conclusão de que o acidente poderia ter sido evitado se o apelante estivesse mais atento, é necessário provar que a desatenção realmente ocorreu, seja pelo fato de o motorista estar conversando com alguém, ou ter-se distraído ouvindo rádio, ou mesmo, ter adormecido no volante.

Nenhum destes elementos probatórios concretos foram trazidos aos autos.

Lado outro, é plenamente possível que o apelante tenha sido surpreendido com a conduta da vítima de atravessar uma via rápida, em local impróprio, ou seja, fora da faixa de pedestres.

Portanto, diante da ausência de elementos probatórios mais esclarecedores, pode-se afirmar, sim, a imprevisibilidade do ocorrido, na forma como narrado pelo acusado em seu interrogatório judicial.

Noutro giro, o moderno Direito Penal que se constrói objetivando a real proteção da sociedade não mais fica preso ao rigorismo de teorias elaboradas abstratamente, optando por sua construção frente à situação problemática

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enfrentada no caso prático.

Neste diapasão, a imputação objetiva surge para amenizar o rigor da teoria da equivalência dos antecedentes causais - tão criticado pela doutrina penal - criando a categoria da imputação, constituindo-se num dado valorativo e posterior à causalidade meramente física constatada apenas no plano material.

Assim, a imputação objetiva fundamenta-se no denominado princípio do risco, que é conseqüência da ponderação, própria de um Estado de Direito, entre os bens jurídicos e os interesses de liberdade individuais, segundo a medida do princípio da proporcionalidade.

Pressupõe não apenas a relação de causalidade física entre uma conduta e o resultado, mas que esta conduta tenha realizado um perigo fora do âmbito do risco permitido, criado pelo autor dentro do alcance do tipo objetivo.

Significa, portanto, que a relação de causalidade não será comprovada apenas pelo chamado processo hipotético de eliminação de Thyrén, ou seja, se, mentalmente, abstraída a conduta não mais se verificar o resultado é porque está demonstrado o nexo causal.

Agora é necessário, conforme dispõe Claus Roxin em sua magistral obra "La imputacion

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Objetiva en el Derecho Penal", tradução de Abanto Vásquez, M., Lima, 1997, a criação de um risco jurídico-penalmente relevante ou não permitido ou desaprovado, a realização do risco imputável no resultado lesivo e a infrigência ao fim de proteção do tipo penal ou alcance do tipo.

A imputação objetiva serve para limitar a responsabilidade penal, constituindo-se em um mecanismo para delimitar o comportamento proibido. Ancorada em um sistema coerente de interpretação que se infere da função desempenhada pelo direito penal na sociedade, sua finalidade é analisar o sentido social de um comportamento, precisando se este se encontra ou não socialmente proibido e se tal proibição é relevante para o direito penal.

Neste sentido, foram elaborados vários critérios negativos da imputação objetiva, ou seja, hipóteses em que não haverá a valoração da conduta como juridicamente relevante para que o resultado a ela seja imputado, entre eles, o que nos interessa para resolução do caso em tela, o princípio da confiança.

Segundo nos ensina Fernando Galvão - Imputação Objetiva, ed. Mandamentos, p. 65 - "o princípio da confiança foi elaborado para melhor delimitar a idéia da atuação nos limites do risco permitido, sendo inicialmente desenvolvido para aplicação aos delitos de

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trânsito. Atualmente, este princípio possui aplicação mais abrangente, contemplando todos os casos de atuação conjunta, em especial nas hipóteses de divisão do trabalho."

Este princípio tem como premissa a consideração de que aquele que se comporta adequadamente pode confiar que os demais também o façam, excetuando-se as hipóteses em que existam motivos para se desconfiar que determinada pessoa irá desobedecer às normas de conduta.

Juarez Tavares, na sua excelente obra Direito Penal da Negligência (Ed. Revista dos Tribunais, 1995, p. 148) ensina que "ninguém, em princípio, deve responder por ações defeituosas de terceiros, mas, sim, até mesmo pode confiar em que atendam todos os outros aos respectivos deveres de cuidado."

Assim, pode-se concluir que o princípio da confiança autoriza a realização de condutas que criem uma situação de risco, desde que respeitado o dever de cuidado objetivo, com a consideração que as demais pessoas também obedecerão às regras.

No caso específico do trânsito de veículos, ainda segundo Galvão (Idem, p. 67) "a fórmula

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geral do princípio da confiança se expressa no sentido de que aquele que se comporta no trânsito conforme as normas regulamentadoras pode confiar que os demais também o façam, salvam quando existam indícios concretos em contrário".

Claus Roxin, exímio penalista alemão e um dos precursores da teoria da Imputação Objetiva, citado por Galvão (Idem, p. 68), assevera que, nem mesmo a violação a infração das regras de circulação impede a aplicação do princípio da confiança, desde que tal violação não tenha repercutido no sinistro.

Ora, no caso em comento, a vítima atravessou uma via de trânsito rápido em local impróprio, invadindo a pista de rolamento e surpreendendo os motoristas, como informou o acusado e como demonstra o croqui de f. 11.

Resta claro, pois que o apelante confiou que a vítima obedeceria às normas de trânsito que são direcionadas também para os pedestres e que atravessaria no local próprio, ou seja, a passarela construída para tal fim.

Não havia nenhum outro motivo para desconfiar do ofendido, razão pela qual se impõe a observância do princípio da confiança na hipótese em comento.

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Outro argumento que autoriza a absolvição do acusado, ainda no campo da teoria da imputação objetiva, é o que se convencionou chamar de ações a próprio risco.

Cláudia López Díaz, citada por Damásio de Jesus (In Imputação Objetiva), afirma que se enquadram neste grupo de casos as hipóteses em que não se configura uma organização comum de perigo na prática do delito, mas que uma determinada pessoa, no caso, a vítima, expõe-se unilateralmente ao risco. É o que se convencionou chamar de auto- exposição a risco.

Um grupo de casos apontados como de ações a próprio risco ocorre quando há uma criação de nova relação de risco por parte da vítima ao violar seus deveres de proteção própria.

In casu, com o seu incorreto posicionamento, já citado, a vítima criou uma nova situação de perigo, incrementando o anterior existente que é a travessia em vias de trânsito rápido, gerando o resultado material que não pode ser atribuído ao apelante que apenas participou, mas dentro dos limites do risco permitido.

Assim, seja pela ausência de provas da desatenção na direção de veículo automotor imputada ao apelante, seja pela inadmissibilidade de presunções in mallam

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partem, seja pela imprevisibilidade do evento lesivo, seja pela culpa exclusiva da vitima e, por fim, pela teoria da imputação objetiva e o princípio da confiança, o apelante deve ser absolvido das imputações contidas na denúncia.

IV- CONCLUSÃO

Por tais considerações, DOU PROVIMENTO AO RECURSO DO APELANTE, ABSOLVENDO-O DAS IMPUTAÇÕES CONTIDAS NA DENÚNCIA, com fulcro no art. 386, incisos III e VI do Código de Processo Penal.

É como voto.

Votaram de acordo com o (a) Relator (a) os Desembargador (es): MARIA CELESTE PORTO e HÉLCIO VALENTIM.

SÚMULA: DERAM PROVIMENTO.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0045.03.001246-7/001

Número 1.0024.01. Núm 0425601- Acórdã

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do processo:

042560-1/001(1)

ero CNJ:

97.2001.8.13.0024

o Indexado!

Relator: ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO

Relator do Acórdão: ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO

Data do Julgamento: 30/05/2006

Data da Publicação: 07/07/2006

Inteiro Teor:

1.4) Conclusões Finais:

Trata-se, pois, de uma teoria da ação, em

que pese trazer em seu bojo o incremento do

risco, essa, sem dúvida alguma, o seu maior

destaque. Em termos práticos: Logicamente, se

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aplica quando da criação de um risco não

permitido e sua configuração em confronto com

a lei vigente, ou mesmo, um aumento do risco já

existente.

Diante de todo o exposto, pode-se

concluir que a teoria da imputação objetiva

delinea seus contornos sob o aspecto objetivo

normativo e não naturalístico, destacando-se o

incremento da teoria do risco. O risco permitido

e o risco proibido são institutos que se

entrelaçam. Assim, com o risco permitido, a

imputação objetiva da conduta é excluída.

Expurga-se a imputação objetiva quando não

houver correlação entre o risco ocorrido e o

resultado jurídico.

No Brasil, encontramos discípulos da

teoria funcionalista de Roxin. Na Alemanha

houve forte crescimento da concepção, cujo

maior reflexo prático seria a diminuição da

punibilidade.

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(1.5) Referências Bibliográficas:

Welzel, Hans, O Novo Sistema Jurídico

Penal – Uma introdução à doutrina da ação

finalista, RT, 2001.

(Greco, Luís, artigo intitulado “Introdução

a DOGMÁTICA FUNCIONALISTA DO DELITO”,

publicado na revista Jurídica, Porto Alegre, Jul.

2000; p. 39).

Jakobs Günter, Derecho Penal – Parte general –

Fundamentos y teoria de La imputación, 2ª

edición. (Marcial Ponz, 1997).

Luhmann, Niklas. Elo derecho de La sociedad.

México. Universidad Ibero americana, 2002.

Mir Puig, certamente no afã de estender a incidência das considerações valorativas apropriadas pela teoria da imputação objetiva

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aos crimes de mera atividade, designa o primeiro nível de imputação como imputação objetiva em sentido estrito, enquanto o segundo nível de imputação, para nós o único que realmente aporta critérios de imputação, compreenderia a imputação objetiva em sentido amplo. MIR PUIG, Santiago. Significado e alcance da imputação objetiva em direito penal, 198.

SCHULENBURG, Johanna. Relaciones dogmáticas entre bien jurídico, estructura del delito e imputación objetiva, p. 360 SCHULENBURG, Johanna. Relaciones dogmáticas entre bien jurídico, estructura del delito e imputación objetiva, p. 355.

Antiga assistente de cátedra da Universidade de Dresde, Alemanha.

SCHULENBURG, Johanna. Relaciones dogmáticas entre bien jurídico, estructura del delito e imputación objetiva, p. 360.

O legislador alemão tratou o incêndio criminoso com maior rigor, porque não exigiu a concreta colocação em perigo dos bens jurídicos protegidos, embora tenha limitado os objetos sobre os quais incide a conduta – locais destinados à habitação. A diferença básica entre os tipos penais é que no caso alemão não é preciso que haja alguma pessoa no raio de

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eficácia da ação – alcance do incêndio, bastando à mera possibilidade de que no momento da ação alguém esteja nesses locais, tendo em vista sua finalidade – habitação.

O Código de Processo Penal em seu art. 173 dispõe que, no caso de incêndio, os peritos verificarão a causa e o lugar em que houver começado o perigo que dele tiver resultado para a vida ou para o patrimônio alheio, a extensão do dano e o seu valor e as demais circunstâncias que interessarem à elucidação do fato. Não fosse o incêndio um resultado, careceria de sentido a realização de perícia.

SCHULENBURG, Johanna. Relaciones dogmáticas entre bien jurídico, estructura del delito e imputación objetiva, p. 360.

Autênticos problemas de imputação objetiva: FRISCH, Wolfgang. Comportamiento Típico e Imputación Del Resultado, p. 65-74. Pensemos no seguinte exemplo, à luz do § 306a do StGB. Um sujeito, querendo vingar-se do vizinho, planeja incendiar sua residência. Nesse intento, aproveitando-se da saída de casa seu desafeto, espalha ao redor da casa uma quantidade razoável de produtos inflamáveis, preparando cuidadosamente o pavio, com um tecido fino envolvido em cera. Ocorre que, no momento em que ateia o fogo, algumas pessoas que passavam pelo local impedem que o pavio seja

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consumido e o incêndio não ocorre. Imobilizado pelos nobres cidadãos que impediram o incêndio, a polícia é acionada. Infelizmente, ao comparecer no local, um atrapalhado policial efetua um disparo acidental de arma de fogo, atingindo o projétil o local que havia sido alagado com combustível e o maldito incêndio acabam ocorrendo. Nesse caso, o agente deverá ser punido por tentativa. O incêndio não lhe poderá ser imputado, porque o risco criado por sua conduta já tinha sido contido. Na dimensão típica do risco original, não se inclui o incêndio por disparo acidental de arma de fogo. Portanto, sob a perspectiva ex post, o resultado incêndio não poderá ser imputado à sua conduta típica.

Já tendo espalhado os produtos inflamáveis no prédio, ateia fogo no pavio especialmente preparado, mas as chamas são prontamente contidas por algumas pessoas que passavam pelo local e o incêndio acaba não ocorrendo, sendo o detido o incendiário. Ocorre que, acionada, a polícia comparece no local e efetua a prisão do indivíduo, oportunidade em que este, tentando evadir-se do local é alvejado pelos policiais, sendo que um dos tiros atinge o edifício e ocasiona o incêndio.

ROBLES PLANAS, Ricardo. Normatividade e imputación objetiva: respuesta a la recensión de

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Feijóo Sánchez a Frisch/Robles Planas, Desvalorar e Imputar (2005), p. 12.

FRISCH, Wolfgang. Bien jurídico, derecho, estructura del delito e imputación en el contexto de la legitimación de la pena estatal, p. 330.

FRISCH, Wolfgang. Bien jurídico, derecho, estructura del delito e imputación en el contexto de la legitimación de la pena estatal, p. 328.