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AUTO DA BARCA DO INFERNOCena do FidalgoO primeiro a chegar ao porto um Fidalgo que vem acompanhado por um Pajem, que lhe leva o manto e uma cadeira. O Diabo, mal v o Fidalgo, diz-lhe para entrar na sua barca. Este dirige a palavra ao Diabo, perguntando-lhe para onde ia aquela barca. O Diabo responde que o seu destino o Inferno e o Fidalgo diz que aquela barca horrvel. O Diabo no gosta da provocao e diz-lhe que aquela barca a ideal para to nobre senhor. O Fidalgo, admirado, diz ao Diabo que deixou quem rezasse por ele, portanto, o inferno no ser a sua paragem, mas acaba por saber que o seu pai tambm j seguiu o mesmo destino. O Fidalgo resolve dirigir-se barca do Anjo. Diz-lhe que aquela a barca que procura, mas impedido de entrar devido sua tirania, pois no havia ali espao para todas os pecados que cometera em vida. Desolado, o Fidalgo vai para a barca do Inferno. Porm, antes de entrar, pede ao Diabo que o deixe tornar a ver a sua amada, que se queria matar por ele. O Diabo diz-lhe que a mulher que ele tanto amava j estava com outro e que tudo que ela lhe escrevia era mentira Tambm a sua esposa dava j graas a Deus e chorava de alegria por ele ter morrido, o melhor era, portanto, embarcar, pois ainda viria mais gente. Quadro-anlisePersonagem tipoFidalgo representa uma classe social, a Nobreza, e os seus vcios, tirania, vaidade, arrogncia e presuno.

Smbolos cnicos- pajem: demonstra o desprezo da nobreza pelos mais pobres- manto: simboliza a sua vaidade- cadeira: simboliza a presuno dos nobres que se julgavam muito importantes e poderosos

Argumentos de acusao- ter levado uma vida de prazeres, sem se importar com ningum (v. 47 e 48 / v. 56 e 57 / v. 65)- ter sido tirano para com o povo (v. 82 / v. 100 e 101)- ser muito vaidoso e presunoso (v. 86 e 87 / v. 99)- desprezava o povo (v. 102 a 105)

Argumentos de defesa- A Barca do Inferno desagradvel: cortio (v. 31)- tem algum na terra a rezar por ele (v. 43 e 44)- fidalgo de solar e por isso deve entrar na Barca do Cu (v. 80)- nobre e importante

Movimentos cnicosBarca do Diabo - Barca do Paraso - Barca do Inferno

Destino final e motivoInferno levou uma vida de desprezo pelos outros, de vaidade e de imoralidade

Tipos de cmicode situao - quando trata o Diabo por Senhora (v. 29)- quando quer voltar terra pela amante e pela mulher e o diabo lhe diz que a amante j est com outro e a mulher chora a sua morte por fingimento (v. 145-147 / v. 157 e 159)de linguagem utilizao de insultos com palavras vulgares "giricons" (v.71)

Recursos expressivosVai pera a ilha perdida (v. 27) - Eufemismo dizer de forma suave algo desagradvelOh! Que mar to de prata! (v. 107) - Metfora - comparao sem uso de conjuno comparativa (como)Embarqua vossa doura, que c nos entenderemos (v. 122 e 123) - Ironia uso de palavras ou expresses com um sentido oposto ao significado literal

Crtica- os nobres viviam como queriam (vida de luxria e desprezo pelo povo)- pensavam que bastava a sua posio social, rezar e ir missa para ir para o Cu

Cena do OnzeneiroDepois do Fidalgo entrar, vem um Onzeneiro (homem que empresta dinheiro a juros elevados; agiota) que pergunta ao Diabo para onde vai aquela barca. O Diabo diz-lhe para entrar e pergunta-lhe o que o levou a demorar tanto. O Onzeneiro queixa-se de que morreu de forma imprevista, enquanto andava a recolher o dinheiro, e que nem dinheiro traz para pagar ao barqueiro. No querendo entrar na barca do Diabo, resolve dirigir-se barca do Anjo, a quem pergunta se pode embarcar. O Anjo diz-lhe que no entrar naquela barca por ter sido ganancioso e vir carregado com um bolso (saco) to cheio (de dinheiro e pecados) e ele tenta defender-se, jurando que leva o seu saco vazio. Vendo que no consegue ali entrar, volta barca do Diabo e pede para regressar ao mundo dos vivos para ir buscar dinheiro, j que pensa que o Anjo no o ter deixado entrar pelo facto de o bolso ir vazio. Acaba por entrar na barca do Inferno.

Quadro-anlisePersonagem tipoOnzeneiro representa uma classe social, a burguesia, e a ganncia pelo dinheiro.

Smbolos cnicos- bolso: simboliza a ganncia e a ambio pela riqueza

Argumentos de acusao- leva um bolso cheio de dinheiro (v. 217 e 218)- tem o corao cheio de pecados, cheio de amor pelo dinheiro (v. 219, 222 e 223)- foi sempre ajudado por Satans (v. 236 e 237)

Argumentos de defesa- morreu de repente, no trouxe dinheiro para o barqueiro (v. 190 e 191)- jura ter o bolso vazio (v.219)- Deixou os seus bens na terra (v. 220 e 221)- o Anjo no o deixa entrar porque no traz dinheiro (v. 228 a 231)

Movimentos cnicosBarca do Diabo - Barca do Paraso - Barca do Inferno

Destino final e motivoInferno - leva o corao cheio de pecados, cheio de amor pelo dinheiro e o bolso representa esse dinheiro

Tipos de cmicode carcter - quando tenta voltar terra para ir buscar dinheiro, julgando que o livra de ir para o Inferno (V. 226 e 227)de situao - quando o Diabo ameaa o Fidalgo (v.244 a 247)de linguagem utilizao de palavras vulgares "borregada" (v.230)

Recursos expressivosme deu Saturno quebranto (v. 187) - Eufemismo Pera a infernal comarca (v. 205) - EufemismoOra mui m' espanto / no vos livrar o dinheiro (v. 188 e 189) - IroniaOh! que gentil recear (v. 194) - Ironia

CrticaCriticam-se as pessoas que s pensam em dinheiro e que julgam que o dinheiro pode comprar e resolver tudo.

Cena do ParvoDepois do Onzeneiro, aproxima-se do cais um Parvo, que pergunta se aquela barca a dos tolos. O Diabo afirma que aquela a sua barca. Entretanto, o Parvo percebe que aquela Barca vai para o Inferno dirige uma srie de insultos ao Diabo. De seguida, vai para a barca da Glria. O Anjo diz-lhe que se ele quiser, poder entrar, pois durante a sua vida os erros que cometeu no foram por malcia.Quadro-anlisePersonagem e tipoJoane, o Parvo representa uma personagem do povo, simples de esprito.

Smbolos cnicosNo tem ( uma personagem muito simples)

Argumentos de acusaoNo h argumentos de acusao

Argumentos de defesaOs seus pecados foram cometidos sem malcia (v. 299 a 303)

Movimentos cnicosBarca do Diabo - Barca do Paraso

Destino final e motivoParaso uma pessoa simples, que viveu sem maldade

Tipos de cmicode situao - insultos ao Diabo (v. 268 a 295)de linguagem utilizao de insultos, palavres e palavras vulgares, em quase toda a conversa com o Diabo (v.256, 258, 259, 269 a 295)de carcter - quando pergunta se deve entrar na barca "de pulo ou de vo" (v. 251)

Recursos expressivosao porto de Lucifer (v. 264) - Eufemismo

CrticaPretende-se salientar que as pessoas simples so mais merecedoras do Paraso.

Cena do SapateiroUm Sapateiro, com o seu avental e carregado de formas, a personagem seguinte. Dirige-se barcaa do Diabo. Este fica espantado com a carga que o Sapateiro traz (de pecados e formas). O Sapateiro diz ao Diabo que no entrar ali, pois enquanto viveu sempre se confessou, foi missa e rezou pelos mortos. O Diabo desmascara-o e diz-lhe que no vale a pena continuar a utilizar aquele tipo de argumentos, acusando-o de praticar religio sem f, quando, ainda por cima, roubava os seus clientes. O Sapateiro, incrdulo, dirige-se barca da Glria, mas o Anjo diz-lhe que a carga (de formas e pecados) que traz no caber na sua barca, que ele viveu como pecador, a roubar publicamente e que a Barca do Inferno o nico destino para ele. Vendo que no consegue o pretendido, o Sapateiro dirige-se barca do Inferno, onde entra.

Quadro-anlisePersonagem e tipoSapateiro representa uma profisso e os roubos praticados nesse ofcio

Smbolos cnicos- avental - representa a sua profisso de sapateiro- formas - representam a sua profisso e, ao mesmo tempo, os seus pecados (os roubos praticados aos seus clientes)

Argumentos de acusao- morreu excomungado (v. 322)- calou dois mil enganos (enganou os clientes) - (v. 325)- roubou, durante trinta anos, com a sua profisso (v. 326 e 327)- ia missa, mas a seguir roubava (os clientes) - (v. 334 e 335)- Levou dinheiro a mais e no devolveu (v. 338 e 339)- Vai muito carregado (de pecados) - (v. 347)- Rouba publicamente (v. 351)- est preso aos bens terrenos (v. 352)- No viveu uma vida honesta (v. 358 e 359)

Argumentos de defesa- morreu confessado e comungado (v. 314 e 322)- ouviu muitas missas (v. 332 e 333)- deu muito dinheiro Igreja e rezou pelos mortos (v. 336 e 337)- a sua carga pequena (v. 353 a 357)

Movimentos cnicosBarca do Diabo - Barca do Paraso - Barca do Inferno

Destino final e motivoInferno enganou e roubou descaradamente os seus clientes durante trinta anos

Tipos de cmicode linguagem utilizao de insultos com palavras vulgares "puta da barcagem" (v.319); "puta da badana" (v. 341); "quatro forminhas cagadas" (v. 355)

Recursos expressivos- Ironia: "Santo sapateiro honrado!" (v. 309)- Eufemismo: "o lago dos danados" (v. 313)

CrticaCriticam-se aqueles que aproveitavam a sua profisso para enganar e roubar os clientes, assim como a forma superficial como os catlicos praticavam a religio (julgavam que as rezas, missas, comunhes, tinham mais valor que praticar o bem)

Cena do FradeUm Frade entra em cena acompanhado de uma moa, trazendo numa mo um pequeno escudo e uma espada na outra, um capacete debaixo do capuz, a cantarolar uma msica e a danar. Diz ao Diabo ser pessoa importante da corte. O Diabo no lhe presta qualquer ateno e pergunta-lhe se a moa que ele traz sua e se no convento no o censuravam por isso. O Frade responde-lhe que no convento todos eram to pecadores quanto ele, mas ao tomar conscincia do rumo daquela barca tenta entender as razes que o encaminhavam para o Inferno e no para o cu, j que era um frade.O Diabo diz-lhe que o comportamento evidenciado durante toda a vida abrira caminho para esta paragem. O Frade no se conforma e resolve, juntamente com a moa, ir ao barco do Cu, onde se encontram com o Parvo, que os convence do seu destino: o inferno. O Frade dirige-se de novo barca do Inferno e a embarca com a moa que o acompanha.Quadro-anlisePersonagem e tipoFrade - representa o clero que leva uma vida pouco religiosa, mundana, sem respeitar os seus votos

Smbolos cnicosAmante (Florena) No cumpre o celibatoEspada, escudo, casco representa a guerra e as coisas mundanas;Hbito de frade representa a religio e a f.

Argumentos de acusaoO frade acusado de:- ter vivido sem temer o Inferno (cometendo pecados): (v. 387 e 388)- ter gozado dos prazeres da carne (ter namorada) (v.415)- Viver uma vida mundana (v.391)

Argumentos de defesaO frade usa, como sua defesa, o facto de:- ser homem da corte (importante): ( v.372)- ser padre (v.390)- ser namorado e dado a virtude (V. 397 e 398)- ir para o inferno no foi o acordado (V. 404)- ter rezado muitos salmos (v. 411 e 412)- ter sido muito respeitado pela bravura (V. 420)- Por saber esgrimir no deve ser queimado no Inferno (v. 453 3 454)

Movimentos cnicosbarca do inferno barca do paraso barca do inferno

Destino final e motivoVai para o Inferno, por ter vivido uma vida mundana e sem respeito pelos votos de pobreza e castidade

Tipos de cmicoCmico de situao entra a danar (v.368-370 / v. 458-460); lio de esgrima (v. 425-452)Cmico de carcter entra com uma mulher, qual se refere como sendo sua esposa e afirmando que todos os padres fazem o mesmo (v. 377 a 383)

Recursos expressivosironia: Que cousa to preciosa v. 384; devoto padre marido V. 415eufemismo: fogo ardente (Inferno) v. 387

Crtica- tal como os outros Frades no cumpriu o voto de castidade nem de pobreza- est convencido que por ser membro da Igreja tem entrada directa no Paraso- personagem tipo atravs da qual se critica o clero

Cena da Alcoviteira

A Alcoviteira, Brzida Vaz, chega ao cais relatando o que traz (coisas do seu ofcio de explorao sexual de raparigas) e afirmando que ir para o Paraso pois tinha sofrido em vida e feito muito pelas moas, mas o Diabo contesta e diz-lhe que aquela barca a que lhe est destinada. Brzida vai implorar ao Anjo que a deixe entrar na sua barca, pois ela no quer arder no fogo do inferno, dizendo que tem o mesmo mrito que o de um santo. Apesar das tentativas de seduo por parte da alcoviteira, o Anjo diz-lhe que se v embora e que no o importune mais. Triste por no poder ir para o Paraso, Brzida vai caminhando em direco ao batel do Inferno onde entra, j que era o nico meio possvel para seguir a sua viagem.

Quadro-anlisePersonagem e tipoAlcoviteira Brzida Vaz - elemento do povo que representa as mulheres que exploravam sexualmente outras mulheres

Smbolos cnicos - seiscentos virgos postios (hmenes das virgens) - trs arcas de feitios - trs armrios de mentir - jias de vestir - guarda-roupa - casa movedia - estrado de cortia - dois coxins - as moas que vendia(todos estes smbolos representavam a sua actividade de alcoviteira ligada prostituio)

Argumentos de acusaoViveu uma vida pecadora (dedicada prostituio) - v.555 e 556

Argumentos de defesa uma mrtir, que levou muitos aoites e suportou muitos tormentos - v. 509-511Arranjava meninas para os padres - v.523-526Fez muitas coisas divinas - 530-532Salvou as suas raparigas, arranjando-lhes dono - 533-540

Movimentos cnicosBarca do inferno - barca do anjo - barca do inferno

Destino final e motivoInferno - por ter levado a vida a enganar e explorar raparigas, levando-as para a prostituio.

Tipos de cmico- Cmico de linguagem: "Cuidas que trago piolhos" - v.521- Cmico de situao: tenta seduzir o Anjo, com palavrinhas doces: "barqueiro mano, meus olhos" v. 517 / "anjo de deos, minha rosa" v. 522- Cmico de carcter: Afirma ter virtudes divinas: "som apostolada, angelada e martelada e fiz cousas mui divinas" v.530-532

Recursos expressivos- Ironia: Que saboroso arrecear v 485; "viveste santa vida" v. 555- Metfora: olho de perlinhas finas v.529

CrticaAtravs desta cena Gil Vicente visava criticar a actividade da Alcoviteira, mas tambm os seus clientes, sobretudo os membros do clero que recorriam aos favores destas mulheres para arranjarem raparigas.

Cena do JudeuLogo aps o embarque de Brsida Vaz, vem um Judeu, carregando um bode (fazia parte dos rituais de sacrifcio da religio hebraica). Chegado Barca do Inferno, chama o marinheiro e pergunta-lhe a quem pertence aquela barca. O Diabo, desprezando o Judeu, questiona se o bode tambm para entrar junto com ele, que afirma que sim, mas o Diabo impede essa entrada, pois afirma que no leva caprinos para o Inferno. O Judeu resolve pagar alguns tostes ao Diabo, para que ele permita a entrada do bode. Vendo que no consegue, roga-lhe vrias pragas, apenas pelo facto do Diabo no fazer a sua vontade.O Parvo, para troar do Judeu, pergunta-lhe se ele tinha roubado a cabra. Em nenhum momento, o Judeu tenta entrar na barca do Anjo. O Diabo ordena o fim daquela discusso e ordena ao Judeu que v a reboque da Barca, com o bode pela trela.Quadro-anlise

Personagem e tipoJudeu - representa um grupo religioso

Smbolos cnicosBode Smbolo da religio judaica, pois os judeus sacrificavam gado caprino nos seus rituais religiosos.

Argumentos de acusao- Violao de sepulturas crists; v. 595 e 596- Consumo de carne em dias de jejum - v. 597 e 598- Desrespeito a Deus - v. 599- pouco asseado - v. 600

Argumentos de defesa- usa o dinheiro como forma de comprar a sua entrada numa das barcas:- v.561; v. 567-571

Movimentos cnicosBarca do Inferno

Destino final e motivoInferno - porque no era crente em Deus - vai a reboque, porque nem sequer era digno de ir com os cristos pecadores

Tipos de cmicoCmico de situao - o judeu vai a reboque na barca, sempre agarrado ao bode - v. 602 a 604Cmico de linguagem - caganeira que te venha!/M correna que te acuda! - v. 583 e 584Filho da cornuda - v. 588Furtaste a chiba, cabro - v. 589mijou nos finados - v. 595e mija na caravela! - v. 600

Recursos expressivosIronia - esta barca do barqueiro - v. 560 l te passaro / porque vo mais despejados - v. 593-594

Crtica Em termos de contexto histrico: - revela que os Cristos odiavam os Judeus - acusavam-nos de enriquecer custa de roubos de Natureza diversa - acusavam-nos de ofender a religio catlica, cometendo diversas profanaes