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 os CONTOS DE FADAS: SU S ORIGENS HISTO -  RICO-CULTURAIS E IMPLfcAÇOES PSICOPEDAGÓ- GICAS P R CRIANÇAS EM ID DE PRÉ ESCOLAR / M RI BEATRIZ FACCIOLLA PAIVA

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  os CONTOS DE FADAS: SU S ORIGENS HISTO -

 

RICO-CULTURAIS

E IMPLfcAÇOES PSICOPEDAGÓ-

GICAS

P R

CRIANÇAS

EM ID DE PRÉ ESCOLAR

/

M RI BEATRIZ

FACCIOLLA PAIVA

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 OS CONTOS DE FADAS: SUAS ORIGENS HIST6

RICO-CULTURAIS E IMPLICAÇOES

PSICOPEDAG6-

GICAS PARA CRIANÇAS M IDADE PRE-ESCOLAR

Orientadora:

Angela

Valadares

Dutra

de

Souza Campos

Dissertação

submetida

como requi

s to parcial para a

obtenção

do

grau

de

mestre

em

Educação

Rio de

Janeiro

Fundação

Getúlio Vargas

Inst i tuto

de Estudos Avançados em Educação

Departamento de Psicologia

da Educação

1990

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Ao

Va.n [

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  GR DECIMENTOS

- A professora Angela

Valadares Dutra de Souza

Campos

me

orientou

por

dois

anos

e

meio

em

reconhecimento

seu

trabalho junto

a

nós

alunos do IESAE.

que

pelo

- A

Daniel Keller

pelo seu

apoio

e carinho

durante

os momen

tos dif íce is .

-

  o anal is ta junguiano Carlos Alberto Bernardi que

nos deu

um

precioso

auxíl io

na

formulação

deste trabalho

assumin

do o

papel de co-orientador.

- A suiça Elisa Hilty por nos receber em sua casa em Win -

ter thur

dando-nos

uma entrevis ta e presenteando-nos com

seu l ivro o

que

me ajudou muito no esclarecimento

de a l-

guns

tópicos desta

disser tação.

-

Estendo

meus

agradecimentos ã

C PES

que pela concessão

de

uma Bolsa de estudos

me

poss ib i l i tou a

realização

do Cur

so

de

Mestrado no IESAE.

IV

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INDICE

págs.

INTRODUÇÃO

1

CAPITULO 1

SOBRE AS

ORIGENS

DOS CONTOS DE FADAS

1.1

A

relação exis tente entre

o

mito

e o conto de

fadas

7

1.2

As

fontes

possíveis

que deram

origem aos

con

-

tos

de

fadas

14

1.3 Num país dis tan te

no tempo

em que os desejos

ainda se

realizavam

17

1.4 O

legado da

cul tura

ce l t a 19

1.5 Perraul t

os

Grimm

Andersen

e Cascudo

22

CAPITULO

2

O

SIGNIFICADO PSICOL6GICO

DOS CONTOS DE FADAS . .

31

2.1 O

s ignif icado

do

simbólico

31

2.2

Os

simbolismos

presentes nos

contos

ret ratam

~

ramas p S lQ U C O S •••• •• •• ••••• •••••••••

38

2.3 Analisando dois contos: desvendando alguns s ~

t idos

5

CAPITULO

3

O

CONTO DE

FADA PARA

CRIANÇAS

58

3.1 Por

que

re la tar contos de

fadas

para crianças?

58

3.2 As

cr í t i cas

negat ivas

endereçadas

aos contos . .

65

3.3

O

mecanismo de projeção

e

int rojeção de

MeIa -

nie

Klein

7

v

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Pags.

CAP TULO

4

"A

VOCAÇÃO

PEDAGÓGICA DOS

CONTOS E

FADAS PARA A

CRIANÇA EM IDADE

P R ~ E S C O L A R

80

4.1 Caracterizando

a

criança em idade pré esco

lar 8

4.2 Quais as

funções dos

contos

de

fadas

no

con

texto

pre escolar? 90

4.3

Considerações Finais

100

B IBL IOGRAF IA

106

VI

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RESUMO

Esta

disser tação

tem como

objet ivo principal elu

cidar as

implicações

de se re la ta r

contos

de fadas às crian

ças

em idade pré-escolar ,

destacando-se

suas origens histó

r ico-cul turais

e a sua

função psicopedagógica.

om

subsidios

obtidos

em obras

de

alguns

autores

da

área

de

his tór ia , l i te ra tura , f i losof ia , psicologia e p ~

dagogia,

foi

fe i ta

uma análise

considerando-se

alguns

tópi

cos, dentre

os

quais

a

possibil idade de serem

os

contos mi

tos transformados, cuja evolução

ou

construção da

narrat iva

tem uma

carac te r í s t ica análoga aos r i tos inic iá t icos das

so

ciedades

consideradas

primitivas

ou

pré- le t radas . Neste

sentido,

trazem em

seu

bojo

a nossa herança

cul tura l .

Além disso, possuem função psicopedagógica, que p o ~

s ib i l i ta à

criança em idade

pré-escolar iden t i f icar -se com

a imagem arquetípica do herói

ou

heroina, na medida

em

que

estes passam por

provações,

e

adotar

uma

postura

posi t iva

frente às

mesmas.

Argumentou-se,

ainda,

quanto

às

c r i t i c a s

de

que

~

tas

narrat ivas

têm

sido alvo,

como

por

exemplo, a

sua cru

eldade ,

a visão

de

mundo

deturpada

e

i r rea l

que elas r ~

moveriam

de

acordo

com alguns

autores que privi legiam

o ra

cionalismo, e o papel degradante e

passivo dest inado

a aI

gumas

personagens femininas de algumas his tór ias .

Conclui-se

o

t rabalho avaliando-se

o

papel

doscon

tos

de

fadas no

contexto pré-escolar ,

e

de que forma

a

x p ~

r iência

de re la tá - los às crianças

pode ser enriquecedora do

VII

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ponto de vis ta pedagógico.

Apoiando-se na abordagem

junguiana

t ra ta se de

um trabalho de

pesquisa e anál ise teórica

que

visa

ampliar

esclarecer em como ju s t i f i ca r o papel

dos

contos de fadas

n educação pré-escolar levando-se em

conta

suas

funções

psicopedagógicas e o seu caráter

social izante

na medida em

que

criança

tem acesso valores sócio-cul turais que pre

domin r m e ainda repercutem nas relações sociais contempo

raneas.

VIII

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SUMM RY

he main aim of

th is

essay

is to c la r i fy

the im-

pl ica t ions

of t e l l ing

fairy

ta les

to children at preschool

age, outstanding the i r his to r ica l -cu l

tura l origins

and their

psychopedagogical

function.

Based on

the data

obtained

in the

work of several

authors in the

f ieIs of

his tory , l i t e ra tu re

psychology

and

pedagogy, an analysis was made

philosophy,

on

some

topics, such

as

the poss ib i l i ty that the ta les are t rans-

formed

myths, the evolution or construction of the narrative

of which have analogous character is t ics to the in i t i a t ion

ri tes

of the socie t ies considered as "pr imit ive"

or prele,

tered. In th is sense,

they

bring in the i r

core our

cultural

inheritance.

Furthermore, they acquire a

psychopedagogical

function, since

they give the

chi ldren

a t preschool

age

the

chance

to

ident i fy themsel

ves wi th the

achetypical image

of the

hero or heroine, as they

undergo

the i r

ordeals ,

and

to

adopt

a posi t ive

at t i tude

to

cope

with

them.

he cr i t ic isms that these ta les have been suffering,

as thei r "cruel ty" , the "misrepresented

and

unreal" vision

of

the

world that they would promote as per

some authors

that

favor

the

rat ionalism,

and the

"degrading and submis

sive" role given to some

female

characters

of

some s tor ies

were also

discussed.

This essay ends by evaluating the

part

that fa i ry

X

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ta les

play

at the preschool

context and

ow thc experience

of te l l ing them to the children can

be

enriching in the

pedagogical point

of

view.

Based on the jungian

approach i t

is

research

nd theoret ical analysis

which

aims to

improve elucidate

as well as jus t i fy the role of the fairy

ta les in

preschool

education considering the i r psychopedagogical

nd

their

socia l iz ing

character once the chi ld

functions

gets

in

touch with socia l cu l tural values which prevailed nd

s t i l l

have

echo in the contemporary

social

re la t ionships .

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ZUS MMENF SSUNG

Die

vorl

iegende

Dissertation

richtet

ihren Schwerpunkt

auf die Abhandl ung

der

Impl ikat ionen, die beim Marchenerúihlen

an Kindern

im

Vorschulalter entstehen.Kulturgeschichtliche

Ursprünge und psychopadagogische Funktionen

werden

be-

sonders hervorgehoben.

Mit Zuhilfenahme der Werke

einiger

Autoren aus

den

Bereichen der

Geschichte,

Literatur,

Philosophie, Psycholo-

gie und Padagogie

wurde eine Analyse ers te l l t ,

die

ver-

schiedene Themen in Betracht

zieht ,

wie z.B. die Moglich-

kei t , dass Marchen

t ransformier te

Mythen seien, deren Ent-

wicklung

oder Erzahlkonstruktion

analoge

Merkmale zu

Ini-

t ia t ionsr i ten sogenannt primit iver

ode

r

vor-schri f t l i

cher Gesellschaften vorweisen.

In diesem Sinne überbrin-

gen

Marchen

in

ihrem

Innern unsere

kul ture l le Erbschaft.

Im weiteren besitzen Mã rchen eine psychopadagogische

Funktion, die

den Kindern im Vorschulal

ter

errnoglicht, sich

m i

t

dem archetypischen Bild des Helden oder

der

Heldin

zu

ident i f iz ieren,

Soweit

diese

durch Prüfungen

gehen

und

gegenüber Prüfungen eine

posit ive Haltung einnehmen.

Weiter

argumentieren

wir gegen einige Krit iken,

die auf Marchen abzielen. Einige ,Autoren, d i ~ eine v e r s t n d e s m ~

sige Haltung bevorzugen, kr i t i s ie ren , um nur einige B e i

spiele zu

nennen,

die Grausamkei t , die Forderung eines

Bildes

einer

ents te l l t en und

unwirklichen

Welt, oder

die

XI

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  würdelose und passive

Rolle,

die in einigen Marchen e i-

nigen weiblichen Figuren

zugeschrieben

werden.

Abschliessend bewerten wir

die

Rolle der Marchen

im vorschulal ter l ichen Zusammenhang

und

zeigen

auf , in w ~

cher Form die Erfahrung des Marchenerzahlens an Kindem

vom

padagogischen

Standpunkt aus eine Bereicherung

sein

kann.

Die

vorliegende Forschungsarbei t

und

theoretische

Analyse s tü tz t sich auf

Grundsatze der

jungianischen

s y c h ~

logie. Sie

versucht,

die Thematik zu

erweitern

und

Punkte aufzuklaren, sowie die

Rolle

des Marchens

einige

in der

Vorschulerziehung zu rechtfert igen, indem sie seine psy-

chopadagogischen Funktionen und seinen

sozial is ierenden

Charakter in Rechnung s te l l t Das Kind hat

über

das

archen

Zugang zu

vorherrschenden

gesel lschaf tskul turel len

Werten,

die in den sozialen

Beziehungen

von

heute

Wiederhall finden

XII

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INTRODUÇJ\O

A

opçao

pelo

Curso

de

Mestrado em

Psicologia

da

hlucaç;lo surgiu

l par t i r

dl

algumas experiências pessoais, tan

to

na

i rea

da

psicologia

como na

da Educação.

Foi cursando

a

discip l ina Mitos,

contos

de

fadas,

ar te , folclore e l i t e ra tura : sua pesquisa, que vimos

despe:

tar um

interesse

maior a

respei to

dos contos de fadas. Nes

sas

aulas,

1

íamos

e

di

scut

íamos

a

função

dos

mi

tos

e dos con

tos do

ponto

de

vis ta

da

psicologia anal í t ica (ou junguia

-

na), atendo-nos

principalmente

ao seu caráter terapêutico,

ao

recorrermos

a

uma

le i tura dos

signif icados

das imagens si .

bólicas

que estas histór ias proporcionam, já

que estas nos

fornecem também recursos in terpreta t ivos .

Em

outro

momento,

tivemos

oportunidade de t raba -

lhar

na

area

de educação

pré-escolar , estabelecendo

um con

ta to

quase

diário com

as

crianças na faixa

de

dois

anos

e

meio a seis anos. Durante este período, fomos

percebendo,

com

a

prát ica , que dentre as atividades que as crianças de

senvolviam

havia

uma

em especial

que

propiciava u

clima

g r ~

dável

na sala

de

aula, de muita t roca e envolvimento. Era

o momento

em que as crianças

ouviam os

contos de fadas, que

chamávamos

de his tór ias de

boca ,

vis to que

elas

só pode

-

riam ouvir e usar a imaginação, já que para aquelas histó

r ias nao havia i lustrações a serem mostradas.

Durante

es ta at ividade

percebíamos que,

dependen

do

da sua histór ia pessoal, ou

mesmo

de

acordo

com a sua

n ~

cessidade

momentânea,

algumas

cr ianças realmente ident i f ica

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2

vam-se

e projetavam-se

em

algumas

figuras centrais

ou em

aI

gum

si tuação

a l i presente.

Dentro

deste quadro, as meninas identif icavam-se

com as personagens femininas e os meninos com as masculinas,

podendo i s to

ser

observado

a

par t i r das brincadeiras

ou a t i

vidades

em

que as crianças exercitavam

a

representação, co-

mo as gráf icas

(pintura,

desenho)

e

os jogos dramáticos.

Houve,

por exemplo, o

caso de

um

criança que se

sensibil izou

muito

com a his tór ia

de

Joãozinho e Maria ,di

zendo-nos

com ar t r istonho que nunca mais queria vol ta r p ~

ra a

escola .

Pudemos

presumir que

a

idéia de abandono su

gerida pela

his tór ia (quando

o

pai

de

Joãozinho

e

Maria os

abandona na f lores ta porque não t inha condições econômicas

de

sustentá- los ,

não só havia sido assimilada

pela

cr iança,

como

também ela ident i f icou-se

com os personagens centra is

já que seus pais eram médicos, trabalhavam

o

dia

todo

e

dis

punham

de pouco tempo

para se

dedicar

aos

f i lhos .

Esta hipótese pôde

ser confirmada

quando entrevis

amos o casal , e

apos

conversarmos e

deliberarmos

sobre

qual

o

encaminhamento

mais

proveitoso

para

ambas

as

partes,

p u ~

mos cons ta t a r com o

passar

do tempo, que a criança mostrou se

muito mais

descontraída

e alegre no seu dia-a-diana

escola.

A par t i r

desta vivência

e

que

se

foi instaurando

a

vontade de pesquisar mais sobre as implicações

de se

rela

tar contos de

fada às cr ianças, e de buscar nos

vários

auto

res, de

diversas

áreas , subsídios teór icos que

vieram

nos

respaldar

na rea l ização

desta

disser tação.

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3

E importante ressa l ta r

que

alguns

autores ,

como

os

fo lc lor is tas Vladimir Propp e Luís da Câmara Cascudo,uti

lizaram

os

termos

conto

maravilhoso

e

conto

de

encanta

-

mento ,

respectivamente,

para

designar o

que conhecemos

por

conto de fadas , por acreditarem ser

es te termo último nao

apropriado, já que

não se

refere

a

his tór ias

cujos

enredos

giram apenas

em

torno de

fadas. No entanto,

continuamos

a

adotar a denominação

conto

de fadas por acharmos que esta

é a

mais

conhecida

pelo

público em

geral (incluindo-se

o

in

fant i l .

Com relação

às

abordagens que nos subsidiaram no

campo da psicologia , buscamos referências tanto na escola

psicanal í t ica IBruno Bettelheim, (1988), Melanie

Klein

(in

Segal, 1975) I,

como na junguiana

IMarie

Louise Von Franz

(1981,

1 9 8 5 ~ 1985Q

1986),

Hans Dieckmann (1986), entre

~

t ros l ,

sendo

que

es ta

última

ocupou

um espaço maior e mere-

ceu

um

destaque mais s ignif icat ivo

de

nossa

parte .

Não

p r ~

tendemos,

com i s to , desmerecer

a psicanál ise

freudiana,

que

esta

const i tu i

um

marco que impulsionou

um maior conhe

cimento da

natureza

humana,

do ponto de

vis ta

psíquico. lém

disto, suas

formulações

teóricas e metodológicas suscitaram

o aparecimento de outras abordagens, incluindo-se a í a jun-

guiana.

Reconhecemos

no

entanto, que ambas apóiam-se

em

visões

de mundo diferentes.

Baseando-se nestas

colocações,

cabe aqui expor

em l inhas gerais

algumas contr ibuições que

a psicanálise

nos

propiciou.

A teor ia ps icanal í t ica sem dúvida dedicou-se mais

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4

à psicologia

in fant i l

haja vis ta

as formulações de

Freud e

seus seguidores acerca dos desejos e

conf l i tos

edipianos ~

rante

a

infância ,

assim

como

as

de

Melanie

Klein,

a

respei-

to das relações objeta is para se

compreender a

atividade

psicológica deflagrada

a

par t i r

do relacionamento html no

com

os

objetos

ou pessoas

(no caso,

a

relação mãe-criança)que

atraem

a sua atenção e/ou

necessidades.

Jung, por

sua vez, não

se dedicou

muito a discor-

rer

em

suas

obras,

sobre

a

infância;

mas,

a

despeito

disso,

compartilhamos

em

grande parte a

forma

ou a

perspect iva que

ele elaborou a

respei to

do

inconsciente, cujos

conteúdos além

de

serem encarados

corno

potencialmente cr ia t ivos

também

p ~

dem

extrapolar

a

experiência pessoal.

Ele

considerava

as

imagens

onlrlcas,

por exemplo,

corno

a

melhor

expressão de

conteúdos inconscientes,

e reco

mendava

que,

num

primeiro

momento, ouvíssemos o que o i n o n ~

ciente

tem a nos dizer ; ou seja para compreender o s igni f l

cado do sonho,

faz-se necessário

ater-se primordialmente a

imagem onÍrica. A imagem representar ia a

si tuação

t a l qual

ela

é,

e não

suje i ta

às

deformações

atr ibuídas ao

inconsci-

ente. A interpretação ser ia

requerida,

nesse caso,

de

for-

m

a tornar a imagem or igina l

mais signif ica t iva .

Esta visão, em

nosso

entender,

também

proporcionou

urn extensão

maior

acerca do s ignif icado da natureza humana

pois

ao se

ampliar o conteúdo

simbólico

de

um sonho

leva-se

em

conta

o

contexto

pessoal ,

podendo-se

abarcar

também o

co

le t ivo, relacionando-o com simbolismos míticos, his tór icos

cul tura is ( incluindo-se

a í ternas arquetípicos

desenvolvidos

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5

nos contos de

fadas).

Portanto, Jung nao conseguiu referendar por muito

tempo a

visão

psicanal í t ica

que

apregoava

uma in terpretação

exclusivamente sexual da motivação, daí uma das causas

do

rom

pimento entre

ele

e Freud.

om relação aos contos

de

fadas, os psicanal i s tas

freudianos

preocupam-se em

mostrar que

t ipo

de

material re

primido ou

inconsciente

encontra-se

subjacente

a essas his

tór ias .

Os junguianos,

por sua

vez,

acredi tam que nestas

Ú. ..

timas

são

representados os

t ipos

humanos

básicos,

que espe

lham os

t ra je tos

do desenvolvimento psíquico. Expressariam,

portanto, um modelo de comportamento arquetípico em conso -

nância

com o ego, como

iremos

mostrar no desenvolvimento des

te

trabalho.

Entendendo

que o pensamento junguiano priv i legia

uma postura menos dogmática e por vezes polêmica, e

que

nos

encontramos em re la t iva

s intonia

com as

idéias

e conceitos

desenvolvidos por esta escola, é que optamos por empreender

u ô

discussão mais ampla a respei to dos contos de

fadas

d e ~

tro

da

perspectiva anteriormente

citada,

embora

esta

seja

~

locada em relação

com

outros

pontos de

vista

ou abordagem.

Neste

sentido, examinamos

também as colocações

de

Piaget (1978 ,1978E),

Bettelheim

1988), do historiador das

rel igiões Mircea

Eliade 1972),

do f i lósofo

Gilbert Durand

s .d . ) , da

psicóloga

e

escr i tora Jacqueline Held

1980), en

t re

outros.

Por

fim,

estamos

cientes de que, ao

versarmos e

~

senvolvermos esta temática

de acordo

com as

perspectivas

por

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6

nós apontadas e relevadas

estaremos

sem dúvida relegando

ou

t ras idéias

ou

visões

a

respeito

do tema

em questão.

Cabe

esclarecer

que

estamos

pondo

em pauta

algumas

ver soes

den

t re várias haja vist a tamanha amplitude já alcançada pe

la investigação e pensamento humanos além daquelas ainda inex

pIoradas.

Entretanto apesar

de

termos plena convicção

o

l

mite do nosso

alcance

enquanto pesquisadores esperamos que

este

t rabalho

venha

contr ibuir

para

ampliar ainda

mais a

noção que

as

pessoas

possam te r acerca das implicações

de

se

rel t r

contos de fadas

à criança em idade

pré-escolar .

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C PITULO

I

SOBRE S ORIGENS DOS CONTOS DE

F D

1.1 A relação

exis tente

entre o

mito

e o conto de fadas

Durante a

fase de pesquisa,

analisamos extenso ma

te r ia l

acerca das

analogias

e

diferenças

existentes

entre os

mitos

e os contos de fadas.

s divergências ocorrem

no

sentido

de o conto

ter-se

transformado

num

mito

dessacralizado,

ou se ja o

herói ou

a

heroína não

agem

em

nome

da

i ra dos deuses

e nem situam-se

num mundo governado

por

estes . A

despeito de

os

heróis

ou

heroínas serem

punidos ou não pelos seus atos,

o

conto lan

ça-nos

em um mundo de confrontação

com

algo inusi tado, e a

solução

ou

t ransposição

do mesmo exigirá

que

os

protagonis

tas passem a adotar uma nova at i tude o que

implicará uma

transformação de s i

mesmos ou uma

relação

diferente

para

com

a

vida.

Mircea Eliade

1977) levanta algumas questões acer

ca

deste

assunto, dentre as

quais está o contraste

entre

o

pessimismo dos

mitos

e o

otimismo

dos

contos, pois

neste

úl

timo

geralmente

o desfecho é f e l i z

ao

passo que

na

nar ra t i

va

mítica

o herói ,

na

maioria das

vezes, tem

um fim

trágico.

Além disso,

outro

fa tor

que os

diferencia

r e l a t i -

vamente

é o

fato de nos contos ser

mais

improvável

eviden -

ciar

a cul

tura na qual

se

originaram,

o

que nao ocorre no ca

so dos mitos, sendo possível ident i f ica r no

mito de ~ d i p o p o r

exemplo,

elementos

da

cul tura

grega.

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8

De

certa

manej

ra , os

contos

de fadas

sao

também

in

fluenciados

pela cjvi l ização

em que

surgiram,

mas sem

dúvi

da

torna-se

um

desafio

ident i f icá- los

no tempo e no

espaço,

que

há poucos regist ros

neste

sent ido.

interessante

notar

que nos contos de fadas o tem

po e o

país não são evidentes, pois geralmente

eles começam

com:

Era uma

vez,

num

castelo

no meio

de uma

f lores ta . . .

Num cer to país . . .

ou Numa

época

em

que os animais

ainda fa

lavam . . .

Apesar

de não se comprovar

o espaço e o tempo

da

narrat iva, os contos iniciam a sua

histór ia num

ambiente fa

miliar onde se

insere

perfei tamente o

homem

comum.

João

e

Maria

desenrola-se em torno

de

um fa to real e corr iqueiro

para nós: o pai é pobre e se pergunta como poderá cuidar dos

f i lhos. Rapunzel

também

começa num ambiente

famil iar co

mum,

onde

os

pais desejavam ter

f i lhos e a par t i r

daí

de

senvolve-se toda

a

trama.

claro que

no decorrer

da his tór ia

os

elementos

mágicos

vão

surgindo, mas não se pode

compará-los

com

os

elementos

sagrados

e

sobrenaturais presentes

nos

mitos,

cujos

acontecimentos re la tados se dão

presumidamente

num tempo pr2:.

mordial. m

exemplo desta

idéia refere-se

aos

mitos cosmo

gônicos, em

que se

percebe a ten ta t iva de buscar exp l i ca

ções '

sejam

simbólicas ou

sagradas,

da

criação

ou produção

de algo.

a

narrat iva de uma

cr iação .

Segundo

Mircea Eliade,

o mito

ensina

ao homem ar

caico as his tór ias

primordiais que

o

consti tuíram

exis ten -

cialmente . (Eliade,

1972,

p. 16).

Histór ias estas que são

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9

fruto

da emoçao e

da

necessidade do

homem de compreender

o

que acontecia

sua vol ta , levando-o

a buscar

na re l ig ios i -

dade

os

elementos

que

lhe

proporcionariam

um

controle

maior,

em

termos

racionais , dos

efei tos da natureza sobre s i mesmo,

assim como

de

seus próprios

inst intos ,

como o

de sent i r

me-

do.

Do ponto

de vis ta f i losóf ico , pode-se perceber nos

mi tos

a

famosa

indagação: de onde

eu

vim e para onde vou? Ou,

então, a busca

de respostas para as

mais

diversas manifesta

ções da

natureza, como as

estações

do

ano, as

inundações, o

aparecimento do

boto

na

mitologia

dos índios da Amazônia),

etc.

E o que seriam, então,

as

possíveis construções mi

tológicas

respaldadas pelo medo?

Paul

Diel

á ~ n o s

o

seu

depoimento a

este respeito:

o

homem p r im i t i vo

. • • ) nunca

se ra

comple tamen te

seguro

de le

mesmo

( e i s aqu i

a p r ime i r a

razão

de

seu temor . . •

)

Não é

mais

que um

temor

on to lóg i co ao

qual e s t a

l i g ado i n s ~

paravelmente como se verá ,

o

medo m e taf í s i c o .

o

medo on-

to lóg ico

nasce ra

a magia e

do medo

meta f í s i co

a r e l i g i o s i ~

de.

Pelo

f a to

de que

as

duas formas

de

medo

( an te

o

ambien

te e o

mis t é r i o )

são

i n s epa r ave i s ,

a

magia

e a

r e l i g i o s i d a

de se encont ram l i g ada s en t r e s i

) Diel, 1959, p. 59).

o medo do

desconhecido,

a

perplexidade frente

às

várias manifestações naturais ,

sejam

elas

externas,

como já

foi descri to , e até mesmo in ternas .

Como explicar s e n t i m e ~

tos

por vezes

arrasadores

que

nos assolam?

O medo, a

pai

-

xão,

o ódio, a

inveja , etc .

Cabe

aqui lembrar

que

nos tem-

pos antigos

não

exis t ia

a

ciência

como

ela

é const i tuída ho

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10

je

e

muito

menos a psicologia ,

um corpo de conhecimento

que

adquiriu

um

cará ter

empírico

e se disseminou na sociedade a

par t i r

das

obras

de

Freud.

Os ins t in tos

as intenções e a necessidade de bus

car

soluções

para a

complexidade

do mundo

eram

e ainda

sao

embora

em

menor grau

proj etados

na re l ig ião nos deuses

ou,

mais especificamente, no pensamento mágico, fatores es tes

caracter ís t icos do

pensamento mítico explorado pela s o c i e d ~

de

quando

esta iniciou

o

seu

processo

de

estruturação

e

or

ganização.

Com relação aos

contos de

fadas,

como

foi

dito,

exis te a

hipótese

de

serem

eles mitos dessacra1izados,

pois

segundo alguns autores têm uma t radição oral o que

fac i l i

tou

sua

migração de uma região a outra . Portanto, estavam

su je i tos a

sofrerem

mutações,

adaptando-se

à cultura local

assim como

recebendo

as

influências

da

ordem judaico-cr is tã .

Mesmo

assim, alguns contos mantiveram suas

raízes

na cul tu

ra popular,

preservando

elementos inerentes às re l ig iões

di

tas pagas.

Contudo,

como

apresentamos

no

início

deste

ca

pÍtulo, existem ainda

fatores que colocam

o

mito

e o conto

em

sintonia.

Dentre alguns, podemos c i ta r

a

linguagem

e as

imagens

que

se fazem

presentes

nas

duas

narra t ivas . mbos

são

dotados

de uma

linguagem

simbólica,

is to

de

uma l in

guagem que dá margem a

uma ou mais

interpretações ,

vários

sen

t idos

ou

signif icados.

Do ponto

de

vis ta

da

psicologia

junguiana, esta lin

guagem simbólica pode t m b ~ m

re fe r i r -se

a

padrões

arquetÍp i

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cos, conceito

este

que

Jung

desenvolveu

e

reformulou algu

-

mas

vezes ao longo

de

sua 0bra.

e

acordo

com

Jolande

Jacobi

( s .d . ) ,

é

importante

ressal tar a

diferença que

há entre a

noção de

arquétipo e de

imagem arquetípica.

o

arquétipo em s i

é

imperceptível , um princípio

or

denador

cujos

elementos provenientes

do

inconsciente coleti .

vo (compostos de

conteúdos universais ,

t ranspessoais) e s t r ~

turam e coordenam o

funcionamento

da

psique.

E uma espécie

de

padrão

básico

subjacente que

se

revela La

psique indivi-

dual ou colet iva, com

base na

experiência de vida daquele i ~

divíduo

ou daquela colet ividade.

importan

te ressaltar

que

esta capacidade de organização

é

herdada, enquanto

o

o n t e ~

do ou

as

imagens arquetípicas

sofreill

as

inf luências

do meio.

Citando

Andrew

S a m u e ~ s

( é p e r f e i t amen te s en s a to

argumentar

que , em

bora o conteúdo

não

s e j a herdado ,

forma

e padrão o são ; o con

c e i t o de

a r q u é t i p o

s a t i s f a z

e s t e

c r i t é r i o .

o

arquét ipo

é v i ~

to corno um conce i to puramente fo rma l , um arcabouço então pre

enchido com

imagens , i d é i a s ,

ternas,

e t c . A

forma

ou p ad rão

a r q u e t í p i co

é

h e rd ad o ,

mas

o

con teúdo

é

v a r i a v e l ,

s u j e i t o

a

mudanças h i s t ó r i c a s e a m b i e n t a i s (Samuels, 1989, p.

43).

Jo1ande

Jacobi (s .d . ) , ajuda-nos a

compreender

m ~

1hor esta af irmativa, dizendo-nos

que

o

arquétipo

materno ,

por exemplo, está

prenhe

de todos os aspectos e variações

que

um símbolo pode

apresentar ,

seja

a goela de uma bale ia ,

o

seio

da

igre ja ,

a

caverna

acolhedora,

a

fada

boa

ou

a

bru

xa (podendo simbolizar

aspectos

posi t ivos

e

negativos

da mãe

vivenciados através

dos

contos de fadas), e

até

mesmo a nos

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12

sa mae pessoal .

Ou seja, os modelos arquetípicos básicos

ou

núcleos

estruturantes

são

universa is ,

sao

comuns a

todos

os

povos,a

todos os indivíduos,

e

persistem com

o

passar

do

tempo.

No

entanto, a

relação

do

indivíduo

com o

arquétipo tende

a

ser

estabelecida

através de imagens,

estas suje i tas

as

var ia-

çoes

individuais e

cul tura is .

Portanto, existem símbolos nas suas formas arque-

t ípicas fundamentais que quanto mais profundas ou arcaicos,

mais coletivos

e

universais

serão, ao

passo que

estando eles

mais

próximos da

camada

consciente,

mais

específ icos

e s in-

guIares

serão, perdendo

o

seu

cará ter universal .

o

tentarmos expl ic i ta r

mais claramente a noçao

de

arquétipo

e

sua

diferenciação

da

idéia

de

imagem arquet íp i

ca,

buscamos

argumentos para

demonstrar

a

identidade que há

entre mito e contos

de

fadas cujos motivos

básicos

têm

or i -

gem

nas

camadas

profundas do

inconsciente,

comuns

à

psique

de todos

os humanos.

Mircea Eliade (1972) ajuda-nos

a

entender melhor

esta afirmativa:

Certamente os

mesmos a rque t ipos , ou

s e j a , as mes

mas

f i gu ra s

ou

s i t u ações

exemplares , reaparecem i n i f e r e n t ~

mente nos mitos , nas sagas e nos con tos (Eliade,

1972

p.I71).

importante esclarecer

que

o

conceito de

arquéti.

po, para Eliade

tem

signif icado diferente daquele definido

por Jung:

para

ele , arquétipos são modelos ou protót ipos de

comportamento. Nesta citação acima, o

autor

deveria es tar

se

referindo ao

herói

como

um modelo arquetípico r e p r e s e n t ~

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13

do

em

ambas as narrat ivas .

Se, por

um lado,

contos e

mitos lidam

com padrões

arquetÍpicos,

como o

arquétipo

do

herói

que

lu ta

se

sacr i-

f ica na busca de algo novo, da salvação ou recuperaçao do que

foi perdido, expressões

t ípicas

do arquétipo da transforma

çao

que exigem mudanças decis ivas e expansão

da

consciência,

existem

autores

que defendem a idéia

de

que os contos

de

~

das são muito menos

influenciados

pela civi l ização

em

que

surgiram devido

ã

sua

es t ru tura

mais

elementar.

Como já

foi exposto,

é d i f í c i l prec isar a cultura

e a tempora1idade

dos contos de fadas, pois estes parecem

nos

conduzir

para

uma real idade

incomum, para

um

mundo

onde

tudo

é

possível embora preservem elementos

extraídos

da rea

1idade

t r iv ia l

aos

seres

humanos: famíl ia ,

pobreza,

abando

no, desejos a pr incíp io

di f íce i s de

serem realizados, etc .

Percebe-se nos contos a composição de dois mundos

que se inter-relacionam:

o mundo mágico e o mundo

real que

se

assemelha

ao cot idiano

do homem comum.

s

f iguras

do

mundo m;gieo são entes

que

nunca

vimos,

mas

imaginamos

como

são: as bruxas,

mulheres

e

homens

sábios,

anões,

gigantes

e animais

que falam.

Acontecem

mi

lagres

e t ransformações,

f iguras

que

voltam

a viver , a

Bela

Adormecida

que dorme cem anos e

continua boni

ta e jovem, etc.

Raramente

o

conto

se

in ic ia no

mundo

mágico ,

mas sim

no

cotidiano

do mundo

de cá,

até que

surge

o

elemento

mágico que

nos

transporta

para

o

outro

mundo.

Mas

se para Bette1heim

(1988)

os heróis

míticos

oferecem excelentes

imagens

para

o

desenvolvimento do s u p ~

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14

ego,

que

representam aspectos divinos

humanamente

impra

t icáveis, para Von Franz 1 9 8 S ~ )

os

mitos, por estarem mais

inseridos

na

civi l ização

e

retratarem

de

forma

mais

proemi

nente as

inf luências

da

rel igiosidade de

uma

determinada cu1

tura, dif ici lmente poderão ser estudados sem

se

conhecer a

fundo

o seu

legado cul tura l .

Neste sent ido,

o

conto de

fadas,

por

te r uma

es

t rutura mais elementar,

por ter

uma linguagem simples

e, p o ~

tanto, ser

mais

facilmente

compreendido

visto

que

até

hoje

faz sucesso

junto

ao

público

in fant i l ) ,

pôde

migrar melhor

de

uma

região

ã outra,

pois

reduzido aos seus elementos es-

t ru turais

básicos,

faz sentido

para

qualquer um.

1.2

s

fontes possíveis que deram origem aos contos

de fadas

Além

desta idéia de que os

contos de fadas sao re

manescentes

modificados dos mitos, existem outras

hipóteses

defendidas por fo lc lor is tas , mitólogos,

psicólogos,

que

a p ~

rentemente

se contradizem. Mas se formos

anal isá- las

aten-

tamente, percebe-se que uma nao exclui a outra.

A

psicóloga

junguiana

Marie

Louise

Von

Franz

s u g ~

re que as formas mais or igina is dos contos de fadas sao as

sagas

locais e

as his tór ias parapsicológicas, his tór ias mi-

raculosas

que acontecem devido

a

invasões

do

inconsciente

coletivo sob

a forma

de

alucinações

em forma

de v ig í l i a :

Es tas co i sa s a inda acontecem;

os

camponeses su í

experenc iam-nas

cons tantemente

e

e l a s

formam

a

base

das cren

ças f o l c l ó r i c a s .

Quando

alguma

co i sa

e s t r anha

acon tece , e l a

ê

cochichada e

co r r e ,

como correm

os boa tos ; en t ão ,

sob c o ~

dições

f avo r áve i s

o f a to emerge enr iquec ido de r e p r e s en t a

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15

. .. -  

oes a r q u e t l p l c a s Ja eX l s t en t e s

e p r o g r e s s l v a m e n t e t r a n s f o r

ma-se num

con to Von Franz,

1981, p.

133).

outra

hipótese levantada pelo

fo lc lor i s ta

sovi

ético V Propp,

mencionado

por

Eliade

(1972), que se

refere

a

uma origem

r i tua1Ís t ica

dos

contos populares, ou seja ,e1e

vê nos contos a reminiscência

dos

r i tos totêmicos

de in ic ia

ção,

pois

se reduz a um enredo in ic ia tór io

( lutas

contra o

monstro, obstáculos aparentemente insuperáveis , enigmas a

se

rem desvendados, o casamento, e tc . ) .

Eliade faz

um

comentário sobre i s to :

Embora em

quase

todos os con tos h a j a o happyeYl.d

seu conteúdo propr iamen te d i t o r e f e r e - s e a uma realidade t e r

r ive lmen te s é r i a ; a i n i c i a ç ã o , ou a

passagem

a t r a v é s

de

uma

morte ou

r e s s u r r e i ç ã o

s i m b ó l i c a s ,

da i g n o r â n c i a e da ima tu

r i dade pa ra

a

i dade

e s p i r i t u a l

do

a d u l t o

(Eliade,1972,p.173).

Von Franz (1981), como

mencionamos prel iminar

mente, nao compartilha

desta

idéia , pois

acredi ta

que a ba-

se nao é o r i tua l mas

uma

experiência arquet ípica.

Segundo

a sua tese , os

r i tua is

apareciam nas

sociedades

primit ivas

quando um ou

mais integrantes

da t r ibo compartilhavam as suas

VI soes

e

os

seus sonhos

com o

resto

da

t r ibo .

Ao

serem

en-

cenados

para todos ,es tes sonhos

surt iam um efe i to

profundo

naquelas pessoas, chegando mesmo a

t e r

um caráter curat ivo.

Estas

encenações passaram, então, a

serem

fe i t as repet idas

vezes,

passando

a fazer

parte

do r i tua l

daquela

t r ibo .

Esta é

uma

explicação plausível , i s to é , a de que

o

r i tua l

pode

ser imanente ao inconsciente colet ivo, lembran

do

que

es te

termo, definido por Jung, corresponde às cama -

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16

das

mais

profundas

do

inconsciente, aos

fundamentos

est rutu

ra is

da psique comuns a

todos

os

homens.

Estas

colocações,

do

nosso ponto

de

vis ta

sao

i -

gualmente válidas , levando-se em conta os seus mentores. b

viamente Mircea

Eliade (1972),

busca anal i sar dados dando-lhe

um

perf i l antropológico, e

Marie Louise

Von Franz 1981), sem

dúvida, privi legia

uma interpretação

psicológica, em sinto-

nia com a escola da

qual faz

parte que

pressupoe

uma dinâ

mica

psíquica

regida pelos

arquét ipos.

~ d i f í c i l

t raçar um

l imite claro entre o enredo i

nicia tór io e o

conto de fadas, pois

este último desvenda-nos

algumas passagens protagonizadas pelos seus heróis ou heroÍ

nas, que

sugerem

a mesma mensagem

implíci ta

nos r i tua i s ou

seja, as

perdas

inevitáveis para se chegar ã maturidade,

a

capacidade que teremos de possuir representados pelo perso

nagem principal de t ranspor as "provas" e sofrer as t rans -

formações que a vida nos exige.

Mas, se

indagarmos

o que

há de

comum entre a

e x p ~

r iência

arquetÍpica compartilhada

e o

r i tua l em s i c h e g a r ~

mos

ã

conclusão

que

é a

representação

afet iva

que

aglut ina

os homens,

já que

tanto o r i tua l como a experiência arquet

pica são

submetidos

ou

desencadeados

através de um apelo a

fet ivo, seja e le

consciente

ou

inconsciente.

Portanto,

podemos concluir que o

conto

de fadas tem

uma natureza

psicológica que

se

assemelha

ã es t ru tura dos

n ~

t o ~

de

~ n ~ e ~ a ç ã o

e

se

diferencia

de

par te

dos

mitos

,por

ter

uma estrutura mais elementar e

um

material

consciente

cultu

ralmente muito menos específ ico que aquele encontrado nos mi

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17

tos.

Inúmeras versoes dos contos e

motivos semelhantes

en-

contrados sobre a mesma

temática,

nos mais diferentes paÍ -

ses,

não

nos

levam

a

afirmar

qual

a

sua

matriz

cu1tura1,mas

sim o seu caráter mais universal do que os mitos.

1.3

Num

país dis tan te no tempo

em

que

os desejos ainda

se

realizavam . . .

Marie

Louise

Von Franz (1981) faz

um histórico,

com

base

em

pesquisas, dos

primeiros

contos que foram regis t ra -

dos, e

descobriu

indícios de que estes surgiram na forma es

cri ta

juntamente com

o

aparecimento

da

mesma ou

seja há

3.000

anos.

Além

deste

regis t ro existem outros na

Antigüida-

de -

por

exemplo,

o

conto

A m o ~

e

P ~ i q u e ~

foi

escr i to

por

Apuleius,

famos9 escr i tor

e

f i lósofo. Segundo

a

autora,

-

 

interessante

notar

como o

tema da mulher

que redime o

seu

amado

da

forma animal, que aparece neste conto,

constitui um

padrão, ou seja encontram-se

motivos

semelhantes

em

vários

países

da

Europa,

assim

como no Brasi l ,

na

histór ia

O PrÍn

cipe

Lagartão

da

coletânea

de

Luís

da

Câmara

Cascudo.

Pelos

escr i tos de

Platão, soube-se

que

as

mulhe

-

res

mais velhas

contavam

às

crianças his tór ias simbólicas,

e,

desde

então, os contos de fadas passaram

a

es tar vincula

dos à educação de crianças .

Entretanto,

até os

séculos

XVII e

XVIII, os con-

tos costumavam ser a principal

forma

de

entretenimento para

as populações agrícolas

na

época de inverno.

Contar

contos

de

fadas, diz

Von Franz,

tornou-se uma espécie de ocupação

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18

cspir i tual cssencia1.

Chegou-sl'

mesmo a dizer quc elcs rc-

prC'scntavam

a

f i losof ia du

rollu

dc f jar

Von

Franz,

198] ,

p.

18) .

Segundo essa autora ,

com o

advento

do

Crist ianis-

mo

o

neo-paganismo

começou nu

Alemanha

corno

urna reaçao aos

ensinamentos cr is tãos ,

o

que levou Von Franz

a

defender ain

da a idéia de

que existem alguns

contos

que retratam urna o ~

pensação

do

inconsciente frente ã supremacia da consciência

cr is tã na

época.

Sem querer entrar a fundo no mérito

desta

questão,

pois e um

assunto

bastante

amplo e exigir ia mais

dados

de nos

sa parte , nos referiremos apenas

a

alguns pontos que exempli

ficam

a

afirmação descr i ta acima.

Observam-se,

em

alguns

contos,

elementos

in t r ínse

cos

ao

paganismo:

gigantes, fadas,

bruxas,

animais que

fa -

Iam,

personagens

mitológicos em

geral

(sereias,

homem

com ca

beça

de animal,

e tc . ) .

Elementos,

sem

dúvida,

simbólicos,

mas também uti l izados e explorados

pelas

re l ig iões

que

nao

se

enquadram na t radição judaico-cr is tã

e, portanto, suje i

tas

a

perseguição

e

dizimação,

como

nos

mostra

a História ,

em destaque

na

Idade Média, quando se assavam

as

chamadas

bruxas nas

fogueiras.

Outra questão que

nos

parece relevante é o fato

de

os contos até então

propagados

oralmente

pelo

povo

antes

do século XVII,

passarem

a t e r na f igura dos

Irmãos

Grimm u

de

seus

principais

compiladores.

Corno nos re la ta Von Franz:

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19

Os I rmãos Grimm esc rev e ram os

co n t o s l i t e ra lmen '

t e ,

corno eram

con tados p e l a s p es s o as das

redondezas ,mas

m e ~

mo e l e s não r e s i s t i r a m algumas

v ezes

a

m i s t u r a r um pouco as

v e r s õ es

Von

Franz,

1981,

p.

1 9 ) .

Vê-se, então, a par t i r desta

última

colocação,

que as reproduções dos Irmãos Grimm não eram

assim

tão l i t e

rais como deduz a

autora.

] .4 . O legado da

cultura

cel ta

o fazermos

o levantamento bibl iográfico sobre o

tema

em

questão,

não

poderíamos

deixar de considerar

as p ~

quisas real izadas no campo da l i te ra tura ,

em

especial d a q u ~

la denominada l i t e ra tura infant i l , destinada às crianças.

Deparamo-nos com um estudo s ignif icat ivo real izado por Nelly

Novaes

Coelho

(1987)

sobre

a etiologia

dos

contos

de

fadas,

E

interessante notar

que Nelly

Novaes

Coelho

faz

uma dist inção entre contos de fadas

e o

conto

maravilhoso.

Segundo a

autora, os contos

de fadas,

com

ou sem fadas,

de

senvolvem

seus argumentos dentro

de

uma

magia feérica (re is ,

rainhas,

príncipes,

fadas,

bruxas,

gigantes, tempo

e

espaço

fora da real idade conhecida,

etc . )

e têm como eixo

gerador

uma

problemática existencial expressada através

de

provas e

obstáculos que precisam ser vencidos, como

um

verdadeiro r i

tual

in ic iá t ico,

para que o

herói

alcance

sua

auto-rea l iza

ção exis tencia l ,

seja

pelo encontro

de seu

verdadeiro e u s ~

ja pelo encontro com a princesa, que encarna o

ideal

a ser

alcançado.

Nelly Novaes Coelho nos aponta, ainda, que os con

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20

tos de fadas

são

de origem ce l ta , cujos vest ígios mais remo

tos provêm de séculos antes de Cristo e, a

par t i r

da

Idade

Média, foram

assimilados

por

textos

de

fontes

européias,

f i

cando-nos praticamente impossível a tarefa de

resgatá-los

na sua

forma

pura ,

t a l o amálgama

de fontes

que

se fun-

diam

nas narrat ivas recolhidas.

o

entanto,

ressa l ta a

autora:

Foi no s e io do

povo c e l t a

que nasce ram as f adas .

Os c e l t a s provavelmente vie ram da Ásia , e foram impe l idos a

emigrar para a G ál i a ,

P e n í n s u l a

I b e r i c a ,

I l h a s

B r i t â n i c a s ,

Alemanha, a te que nos secu los 11 d .C. e I d .C.

foram c o m p l ~

tamente

submet idos

pe los

romanos

) .

Na v ida comum eram

s imples e

l e a i s ,

e da í a sua

con t ínua

fusão com o u t r o s

po

vos , e enorme p u lv e r i zação de sua c u l t u r a p e l a Europa ) .

Eles eram e s p í r i t o - n a t u r a l i s t a s , i s t o e , de i f i cavam

todas

as

mani f e s t ações

da

n a t u re z a .

Suas

d iv indades

a g r á r i a s

eram

femininas , por

s e r a a g r i c u l t u r a , e n t r e e l e s , t a r e f a

das mu

l h e re s .

Renderam

c u l t o

aos

a n i m a i s ,

ass im como às armas ,

a

t r i b u i n d o - l h e s poderes mágicos (Coelho,

1987,

p. 39).

Além de animistas, o seu

espír i to

de re l igiosida

de

difundiu-se entre todos

os

povos devido a organização da

casta

sacerdotal

dos druidas. Etimologicamente, diz a

auto-

ra,

druida

provém

da

palavra

cél t i ca

d ~ u ,

que quer

dizer

e a ~ v a l h o ( já que exerciam suas mister iosas funções no

bos

que),

ou ainda outra

signif icação

resul tante da decomposi

ção

d ~ u (prefixo indo-europeu que s ignif ica e o m p l e ~ a m e n ~ e a

6unda e

vi

(que s ignif ica e a n h e e e ~ .

C o ~

a crescerte cr is t ianização proveniente de Ro-

ma,

os

r i tua i s considerados pagãos mesclaram-se com a ordem

cris tã , e toda a atmosfera mágica cel to-bretã

(donde

deri -

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21

vavam

as

lendas do

Rei

Arthur)

ficou

entregue

às

bnunas e

ao

esquecimento,

e

por que não

dizer ,

de acordo com

a termino

logia

psicológica apresentada,

foi

reconduzida

ao

inconsci

ente de

onde

emergem

os nossos

sonhos e imagens arquetípi -

caso

Quanto aos contos

de

fadas, designados por Nelly

Novaes

Coelho,

como contos

maravilhosos, são compreendidos

como

narrat ivas

que

com ou sem a

presença

de

fadas, se de

senvolvem

no

cotidiano mágico (animais falantes, gênios

e

~

endes, etc . ,

e têm como

eixo

gerador

uma

problemática

so-

cial (ou l igada ã vida prá t ica concreta) , mas que

aponta p ~

ra vivências simbólicas, como o confronto

de tendências

opos-

tas a l i

representadas

nas mais

variadas

f iguras: lobos, bru

xas, fadas, pássaros, personagens mitológicos, etc.

Enquanto

os contos de

fadas foram

engendrados

pe-

los

povos europeus,

e posteriormente

disseminados

pelos I r -

mãos Grimm,

Perraul t ,

como

por exemplo, A Bela

e a Fera ,

Rapunzel , A

Bela

Adormecida ,

e tc . ,

os contos

maravilho-

sos originaram-se nas

nar ra t ivas

orienta is ,

e segundo Nelly

Novaes

Coelho,

enfatizam

a

parte mater ial ,

ét ica

e

sensorial

do

ser

humano, como por exemplo: As Mil e Uma

Noites , O

Gato

de Botas , Aladim e a Lâmpada Maravilhosa ,

etc .

Portanto, a

autora nos

abre uma

perspectiva

que

vem,

em

par te ,

corroborar

e até

ampliar

nossas colocações,

is to

-

, de que os contos de

fadas tiveram a

sua dissemina

-

çao

nos povos

considerados pagãos,

profundamente

rel igiosos

e providos

de uma

cultura enriquecedora, a

nível

ar t ís t ico e

espi r i tua l .

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No

~ n t a n t o

O

considerarmos

~ s t u p o s s i b i l i d a d ~

u ~ s t a c a u a

pela autora

a

respei to

da

sua

herança

cel to

c o n ~

tatamos

que

o homem

desde

os

prim6rdios

da

sua

c u l t u r a p r ~

o c u p a - s ~

em

buscar

respostas

para os

enigmas da vida e da

criaç50,

e na impossibil idade

ou

isento de

condições

para

fa

zê-Io objetivamente,

proje ta-o ou elabora-o na rel igião

e no

mistério; projeções

e elaborações

que refletem,numa 6tica

psicol6gica,

o

seu estado de indiferenciação

com

os fenôme

nos

não-explicáveis,

ou

de

to ta l

comunhão

com

conteúdos

ar-

quetÍpicos

expressados

na sua

forma

simb6lica.

1.5

Perraul t ,

os

Grimm Andersen e Cascudo

Até aqui buscamos

expor

sobre quais

as origens

dos

contos de fadas, quais as

fontes possíveis que geraram

os

contos até estes serem coletados

e

editados pelos c o m p i l a d ~

res

bastante

conhecidos

do público em

geral , especialmente,

Perrault

e

os

Grimm.

Os

contes

de fadas, devido ao seu cará ter popular

e

por serem

disseminados oralmente,

detonam

nos

pesquisado

res,

até

hoje,

questionamentos

e

suposições

acerca

da

sua

et io logia mas o

que

não podemos

perder

de vis ta é o

seu ca

rá ter

coletivo.

Ao

migrarem

de

uma região

a

outra , de

boca

em

boca,

sofreram adaptações de

acordo

com

a

cul tura local

os contos

coletados

por

Luis da Câmara Cascudo,

aqui

no Bra

s i l possuem,

em

sua maioria, elementos da nossa

c u l t u r a c ~

mo

veremos

mais

adiante) .

Faremos

agora uma

rápida análise

do

contexto his-

t6rico

em

que viveram alguns destes

compiladores:

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  3

Foi no

século

XVII que o francês

Charles Perrault

adaptou os

contos

e

lendas

que coletou junto ao

povo,

preo

cupando-se

em

re t ra ta r

o

popular

de

forma

i rônica

e

morali-

zante.

Segundo

Ligia Cademastori (1987), Perraul t ,

de

ori

gem burguesa, desprezava

o povo e as

superst ições populares,

revelando o modelo educativo imposto a ele e a sua epoca, ~

t ravés

de

nar ra t ivas

fáceis

de

serem re t idas pelo público

infant i l ,

não

deixando de re f le t i r , entretanto,

as

tensões

e

soluções

sonhadas

pelos camponeses

vítimas da repressão do

governo absolut i s ta

de

Luís

XIV.

~ importante

lembrar

que, antigamente, os contos

de

fadas não

eram

destinados apenas

às

cr ianças,

mas também

a

adultos

das

classes

mais baixas da

população como

l e n h d ~

res e camponeses,

que

entretinham as mulheres que se ocupa-

vam

da roda de

f ia r .

Mas com relação

às

posições

conservadoras

de Char-

les Perraul t ,

Nelly Novaes

Coelho faz uma ressalva:

liA

na tu r eza

dos argumentos dos con tos co lh i dos por

Pe r r a u l t

pa ra

a sua

co l e t ânea (p ra t i camente

todos

cen t r ados

em mulheres i n j u s t i ç a da s ou

v í t imas ) con f i rma

sua

intenção

de

apoio causa f em in i s t a ,

da

qual

uma das l í d e r e s

e ra sua so -

b r inha ,

Mlle . Her i t i e r (Coelho,

1987, p. 18).

m exemplo

de

narrat iva na qual Perraul t r e p r e s e ~

tou magnificamente um conf l i to feminino, ocasionado pelo d ~

sejo incestuoso

de

um pai por sua

jovem

f i lha , encontra-se

em

Pele

de Asno ,

onde a

heroína, em vez

de pura e r e c ~

tada ,

se

veste de elementos da natureza, dança e

seduz.

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24

Os contos

retratam, além

de

dramas psíquicos , co-

mo

veremos

mais

adiante , narra t ivas que por

vezes

fogem

aos

padrões

de

comportamento

propagados

pelas

ins t i tu ições

re l i

giosas e burguesas,

detentoras

da normatização das regras ~

cia is . Neles era

possível

o jogo

de

sedução previs to entre

o lobo e a

menina

eJ l

"Chapeuzinho Vermelho", o

casamento

en

t re r icos e pobres

em

"Rapunzel", o "Alfaiatezinho Valente",

e a

possibi l idade de

aceitação

e

afeto

entre seres humanos

e

"cr iaturas"

que

aparentemente

causam

repulsa

em

"A

Bela

e

a Fera", entre

outras.

Os contos

proporcionam

a crianç2 e

aos

adultos a

vivência

de

elementos

mágicos e mitológicos, que nao corres

pondem a urna real idade objet iva mas sim subje t iva .

Por i sso

fica-nos

extremamente d i f í c i l e del ica-

do estabelecer l imites entre o real e o

imaginário,

já que

os contos extraíram das

fontes

mitológicas

e

onÍr icas

a

es

sência que delineou

seus

motivos

e

temáticas caracter izadas

corno simbólicas.

Podemos também buscar nos seus compiladores

fa to

res

l i t e rá r ios

e

de

natureza

pessoal ,

que

ajudaram

a compor

as suas respect ivas

obras.

E

dando curso

a

i s to

destacam-se

as publicações

dos Irmãos Grimm que no século XIX ampliam a antologia dos

contos de fadas,

recolhendo

da

memória popular as antigas na .

rat ivas com o auxí l io de duas mulheres, uma camponesa e ou-

t ra

francesa,

que

se

encarregavam

de

rechear

os

seus

l ivros

de his tór ias .

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25

Jacob

e Wi1heim tiveram

uma

formação bem divers i -

ficada, pois

além de f i lósofos e

grandes

fo1c1oris tas ,

fo

-

ram

estudiosos

da

mitologia

germânica

e da

his tór ia

do

Di-

rei to

alemão,

o que ta lvez

tenha

levado

Jacob

Grimm a dizer:

Eles

-

os con tos ) nao

foram im ag in ad o s , i nven ta

-

-

os, mas sao os r e f l e x o s das mais an t ig a s c r e n ç a s p o p u l a r e s

e a

fon te i n e s g o t á v e l dos mais puros mitos ( transcr ição

de

Laura

Sandroni

no oletim l n o ~ m a t i v o

da

FNLIJ, 1987,

p.38).

Dentre os contos

mais

conhecidos

dos Irmãos Grimm

aqui

no Brasil citamos Joãozinho e

Maria , Branca de

Neve

e

os

Sete

Anões , A

Gata Borralhe i

ra ,

'IRapunzel'

I

, 1embran

do que

se

encontram algumas versões

destes

contos

nas

cole

tâneas

de Perrau1t, que ora se

assemelham

ora divergem das

de Grimm.

Com uma

simplicidade que lhes

é caracterÍs t ica ,os

Irmãos Grimm reproduzem

nos

contos

temáticas que são iden t i

ficadas nos vários

contos

que

coletaram.

Geralmente,

um

ra

paz ou

uma

moça

nascem

numa família

pobre, sendo

ou muito

amados ou

desprezados

pelos pais ou

pelos subst i tu tos

des

tes

(a afet ividade

obedece a pólos extremos). A par t i r

daí,

surge algum

confl i to ou alguma tarefa que

leva

o

p r o t a g o n i ~

ta a

sai r

pelo

mundo ,

podendo encontrar a solidão, a an -

gústia

e a fome que fatalmente serão compensadas por alguma

intervenção mágica

ou algum

ajudante com

poderes mágicos voz

interna?) que i rá impor-lhe

tarefas que,

caso

sejam venci -

das

ou

superadas, haverá

uma recompensa, ou seja, o

casamen

to, mudança de posição social , reconhecimento

pelos

outros,

enfim, situações

que

objetivamente significam mudanças na

vi:.

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2(,

ua uo

protagonista ,

e

subjetivamente acarn ' tarão urna

t rans-

formação ue si mesmo, pois o

protagonistu

sem dúvida muua a

sua

at i tuue

perante

a

vida.

claro

que estamos

simplif icando ao

máximo,

af i -

nal os contos sugerem urna riqueza de signif icados

muito mais

ampla e profunda, e

não

seguem

todos

necessariamente

este

roteiro .

O

que queremos demonstrar é

a sua narrat iva de

fáci l compreensão

e

que,

por sua vez, usam recursos

que p ~

sar

de

não terem

similaridade com a real idade objetiva,

t r n ~

portam-nos

para o reino dos desejos e das imagens simbóli -

cas com ta l graça e vir tuosidade, que passaram a

ser

compa-

rados com

uma obra

de ar te :

o

con to de

f ad as nao p o d e r i a

t e r

seu impacto

p s l

co l õ g i co

so b re

a

c r i a n ç a

se

não

fosse p r i m e i ro

e

an t e s de

tu

do uma obra de a r t e • • . ) Como sucede

com

t o d a grande a r t e ,

o s i g n i f i c a d o mais profundo dos

co n t o s

de f ad as

se ra

d i f e -

r e n t e

p a ra

cada

pessoa

em v á r io s

momentos de

sua

vida (Bet

thelheim, 1988,

p. 20

e

21).

Mais de um século separa os

Grimm

de Perrault

e os

tempos são outros. Os folc lor is tas

alemães,

já na

era do

Romantismo,

davam

um es t i lo

mais

suave

a

suas histór ias , a-

menizando a

violência

e a

crueldade expressas

com

mais

vee-

mência

nas coletâneas de Perraul t .

Para exemplif icar , Per-

raul t publicou contos

como

Barba Azul , conhecido por seu

caráter sanguinário , assemelhando-se em muito a uma histó

r ia

de

te r ror , além

da

versão de sua autoria de Chapeuzi -

nho Vermelho , cujo f inal

termina

com o lobo

devorando

a me

nina

e a avó, em

contraste

com a

de

Grimm,

que

t raz a

figu-

ra do caçador que salva

as

duas

mulheres da barriga

do

10

-

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27

bo, despejando-o

no r io

com

a

barr iga cheia

de pedras.

Discutiremos a crueldade presente em alguns con -

tos mais adiante ,

assunto este

que

até hoje

tem gerado p o l ~

micas.

Outro

autor que se consagrou junto ao

público in

fant i l foi o

dinamarquês

Hans

Christ ian Andersen, conhecido

também por suas

poesias

e

novelas.

Andersen

viveu

no

ipice

da

era

do Romantismo

e,

portanto,

seus contos,

em

especial , estão suje i tos

a

inf lu-

ências

dos

precei tos

romãnticos,

como emotividade

exacerba-

da,

permeada

de amores idealizados e decepções amorosas que

levam os personagens a

adoecerem

e se entregarem à

desilu

-

sao f rente

à vida quase que por completo.

Contrastando com os

demais,

Andersen, reconhecido

por uma vida pessoal

altamente

atr ibulada,

o

que se ref le

-

t iu

seriamente

na sua personalidade, não buscou só nas

fon

tes populares inspiração para edi tar os seus contos, j que

alguns

foram

criados por ele mesmo,

adquirindo

uma atmosfe

ra

t r igica

e ~ p e l h n d o

em

muito a sua problemitica

pessoal.

Explicitando

os

padrões

de comportamento

exigidos

por

uma e l i t e

em

conformidade com a

moral

c r i s t ã

da

Andersen

ainda encontrava fôlego para manifestar

em

poca,

alguns

contos as

desigualdades

soctais mostrando

não

somente as in

just iças dos

poderosos,

mas a defesa

dos

dire i tos iguais ~

ra as

classes populares,

faixa social à

qual ele

também p e ~

tencia.

Foi através de Soldadinho de Chumbo ,

A

Sereia-

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28

zinha c Patinho

Feio

que reconhecemos

J des.ilusão,

a re

jejç50 e a necessidade

de

acei taç50 pelos que nos

rodeiam.

Reconhece-se

também a

cr í t i ca

social

presente

em

Roupa No

va do

Imperador , notabil izando-se ar

a frase O Rei est5

n ~ , ou seja, a fa l ta de

autentic idade

das

pessoas

da corte

frente

ã

figura

detentora de

poder

desmascarada apenas p ~

la espontaneidade

de uma criança que não se encontra na fa

se de to ta l

assimilação

e

conseqüemte

cumprimento

das

nor

mas ditadas

por

um

grupo

socia l ,

sejam

elas

l í c i t a s

ou

nao.

E,

finalmente,

o nosso

compilador

bras i le i ro , o

fo lc lor is ta Luís

da

Câmara

Cascudo, que

também, ainda que

mais recentemente que os outros (década de 30 , encontrou nos

contadores

de his tór ias

espalhados pelo

Brasil

(com desta -

que especial

ao Nordeste do

País)

alguns de seus principais

colaboradores. Outras coletâneas suas foram t i radas de vo

lumes

impressos.

Segundo

o

autor,

a proporçao

entre os

elementos in

dígenas,

africanos

e brancos no folclore

bras i le i ro

é

de

1:

3:5, ou seja, foram

os

portugueses, franceses,

holandeses e

espanhóis,

entre

outros, que

se

encarregaram

de divulgar no

Brasil a

cultura

e a narrat iva

européias,

ainda que sofres

sem

adaptações

de

acordo

com o

narrador

local .

Ao observarmos os contos descri tos no seu l ivro

C o n ~ o ~ T ~ a d i e i o n a i ~ o

B ~ a ~ i l , notaremos

que muitas versões

recolhidas por aqui

são

variações de contos portugueses,

e ~

panhóis

e

franceses,

incluindo

a í

aquelas

presentes

nos

l i -

vros

de Perrault (no Brasi l

a

versão de Bela A d o r m e c i d a g ~

nhou o nome de

A Princesa

do Sono-Sem-Fim ) e Grimm (a

ver

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  9

sao

de

Joãozinho e Maria cujo t í tu lo é idêntico) ,

entre

outros.

f importante

ressal tar que

o

autor

sempre

nos

noti

fica

da

origem

popular

de

alguns contos

e a

dificuldade

de

se

estabelecer

com precisão

a sua

fonte

orig inár ia ,

ta l

a

quantidade de publicações

de várias

nacionalidades, cujos

o

t ivos são semelhantes.

No

entanto, é possível ident i f ica r a presença dos

elementos

indígena e africano

em

O Marido da

Mãe

d'Água ,

assim como denominações

oriundas

da cul tura bras i le i ra , co-

mo

por exemplo, égua perebenta no conto A Princesa Jia ,

possivelmente

de

origem

espanhola

ou

portuguesa.

Cascudo, em

algumas

narrat ivas ,

mantém

na íntegra

o discurso do contador da his tór ia , não se atendo às

normas

gramaticais

corre tas ,

mas a

reunir

elementos

do

nosso

fol-

clore e reproduzi-los f ielmente.

Diz o autor:

A n o v e l í s t i c a , que

se

to rnou uma

das

mais

a p a l x ~

nantes a t iv ida de s de pesqu i sa c u l t u r a l do secu lo

XIX, o n s ~

grou

o

con to popu la r , t r ansmi t indo o ra l m e n t e , mostrando sua

marav i lhosa

anc ian idade

e o

t e x t o ,

j amais

uno

e

t í p i c o ,

mas

t ec ido de

e lementos v indos de

mui tas o r i g e n s , numa fusão que

se

t o r n a n ac io n a l

pe lo

nar rador

(p re sença do

ambiente

meso

l ó g i co ,

fauna , f l o r a ,

armas , v o cab u lá r io s ) e

i n t e rna c iona l

pelo

con teúdo

t emá t i co . • • •

) As

pesqu isas esc la receram que

os con tos popula re s )

p ~ r t e m

de temas p r i m i t i v o s e obe

decem

a

uma se r i a ç ã o a r t i c u l a d a de e lementos ,

de so luções

ps i c o lóg ic a s , uso de o b j e t o s , encon t ro de o b s t á c u l o s ,

comuns

e

semelhantes

(Cascudo, 1988,

p.

247).

Parece-nos que Câmara Cascudo conseguiu integrar

neste parágrafo os principais tópicos

que queríamos abordar

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30

neste capítulo. Tentamos expor levando em conta elementos

ora contraditór ios

ora

complementares

a

identidade que

entre

os mitos

e os contos de

fadas

no que concerne à ado

ção

de motivos e elementos s imilares assim como na

sua

l in

guagem simbólica. Elementos es tes

que de acordo

com a

ar-

gumentação

de

algumas

escolas

psicológicas expressam-se na

psique

colet iva ou individual

sob

a

forma de

imagens arque

t ípicas.

Formulamos

ainda

as

posições

de

Mircea

Eliade

a

cerca da origem r i tua l Í s t i ca

dos contos de fadas

e a possi

bil idade de terem

eles a

sua origem através da

disseminação

da

cul tura ce l ta hipótese

defendida por Nelly Novaes Coelho

E ressal tar íamos mais um questão: é extremamente

complexo estabelecer os l imites entre cul tural e o psicoló

gico

de

um

gênero

l i t e rá r io

ou

a r t í s t i co que

praticamente

se

alastrou

pelo mundo e

se difundiu

através

das mais diferen

tes

culturas

que

t raz

na sua

linguagem

e imagens simbóli

cas

o seu

principal agenciamento.

Sabemos que o

símbolo

se confunde com o

desenvol

vimento

de toda

a cul tura

humana assim

como inc i ta

sent i -

dos que proporcionam uma mediação com tendências inconscien

tes sejam elas cole t ivas ou individuais

que a relação

que cada

um

estabelece com o símbolo é

pessoal .

Considerando que o nosso

objetivo

é o conto

d e f a

das

que tem

um

caráter t ranscul tural e portanto ass imila

do

nas

várias

cul turas

podemos

deduzir

o

seu

caráter

uni

versal trazendo

em

seu bojo a

sua tendência de

incitar

sen

t idos

vários

e

multÍvocos

dada a

sua vocação simbólica.

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CAPITULO 2

O

SIGNIF CAJlO

PSICOLOC CO DOS CONTOS E FADA

2.1

O

Sighif i tado

do simb6lico

Antes de discorrermos especificamente sobre COIl

tos de

fadas

precisamos

si tuar-nos

a

respeito

da noçao de

símbolo e contextual izá- lo um

pouco

dentro de

uma

perspecti

va

cul tural

e a C d ~ m i c a ; e de uma forma

mais ampla ressal

t a r a função simbólica de

acordo com

algumas

correntes psi -

cológicas para

percebermos

até

que ponto

estas

considera

çoes serao re levantes

dentro

da nossa temática.

A

noção de

símbolo tem sido

explorada em várias

areas

de conhecimento

encontrando-se atualmente

páginas e

páginas

dedicadas

a

sua

definição e função no campo da

f i lo

sof ia l ingüís t ica ,

pedagogia

psicologia

ar tes , e tc .

O t rabalho desses autores nos proporcionou recolo

car a questão do símbolo

dentro

de uma visão epistemológica

voltada

para

a ampliação e a sustentação de algumas teorias

que

se

propoem

elucidar

questões

acerca

da

e x i s t ~ n c i a

huma-

na.

Gilbert Durand

s.d.) descreve em seu l ivro

A

im

gin ção

~ i m b õ l i c a

que foi

atraves

do cartesianismo e do po

si t ivismo

que

o simbolismo

foi

relegado

aos

patamares do

in

verossímil ou seja , o

racionalismo assim

como o empirismo

reducionista

acabam por inf luenciar decisivamente o

pensa

mento humano

pretendendo-se

com isso

perpetuá-los

como meto

dos

universais

ou

as

únicas vias possíveis de

se

promover

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32

o conhecimento.

Com

a

formulação

de outros métodos, o empirismo

deixou de

ser

o único

instrumental ,

e a

questão

das imagens

simbólicas em especial

passou

a

t e r reconhecimento frente

às

contribuições da psicologia e da etnologia, que demons -

traram

a

importância

das

imagens simbólicas

na cultura e no

psiquismo.

o

objeto ausente passou

a

ser considerado

a pa E.

t i r

de

sua

representação ou imagens

através

de

sonhos,

mi-

tos, poesia e contos de fadas, re-ve1ados à consciência,

reconduzindo-nos

a

um universo sensível onde se priv i legia

o inconsciente, o

sobrenatural ,

o

sagrado

e a

fantasia .

Para compreendermos

melhor

es ta idéia ,

citamos

G.

Durand, que

se baseou nas colocações

de

Paul Ricoeur:

( todo símbolo a u tê n t i c o possui

t r ê s

dimen -

sões concre ta s : e l e

é ,

ao mesmo tempo,

' cósmico '

(ou

s e j a ,

r e t i r a toda

a s ~ f igu ração do

mundo sens í ve l

que nos ro-

deia) ;

' on í r i co '

( en ra í za - se

nas l embranças , nos gestos

que

emergem em nossos sonhos

e

cons t i tuem, como

bem

mostrou

Freud,

a massa

concre ta

de nossa b i ogra f i a

mais

ín t ima) e ,

f ina l

-

mente, ' p o é t i c o ' ,

ou se ja ,

o

símbolo

também

ape la

para

l i n

guagem

(Durand,

s .d .

p. 16).

j este símbolo indizível , mas que

se

manifesta

através

da

linguagem que

o

circunda

e é

portador de vir ios

signif icados, que

nos

impele a buscar relações, que nos aju

da a construir o universo humano,

de

forma mais abrangente.

importante lembrar que

signo e

símbolo

referem-se

a

realidades

di ferentes .

Como definiu muito

bem

Cassirer ,

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33

os

s i ~ n o s

correspondem a uma parte do mundo f ís ico

e.

por-

tanto.

são operadores . enquanto os símbolos sao

uma

parte

do mundo humano

dos

sentidos e.

portanto.

são

desiW1adores .

o

autor

faz

ainda algumas considerações sobre a

linguagem:

li l inguagem

fo i

f reqüen temente

i d en t i f i c ada

com a

r azão ou

a or igem

des t a .

Razão

ê

um te rmo mui to pouco ade

quado

pa ra ab range r as formas

de

vida cu l t u r a l do homem em

toda a sua r i queza e va r i edade . Mas todas

e s t a s

formas

-

ao

s imból icas . Por t an to em

l uga r

de de f i n i r o homem como um

animal ~ a t i o n a l e dever iamos de f i n i - l o como

um animal

~ y m b o -

lic.um

(Cassirer , 1977. p. 51).

Cassirer, talvez

em resposta

aos pos i t iv i s tas

de

fende

a idéia de que o conhecimento humano é simbólico.o que

caracter iza

ao

mesmo tempo a

sua

força

e

l imitações .

E

ao

descrever a es t rutura da

linguagem,

do mito, da re l ig ião e

da,a:te,

ele requis i ta a necessidade de uma terminologia psi

cológica,

pois

se

penetra

num

mundo em que o sentimento, a

imaginação a r t í s t i ca ou mítica, assim como o pensamento, es-

tão

em jogo.

Em se

tratando

da

contribuição

da psicologia

em

re

lação

à

compreensão

dos

simbolismos presentes

nas mais

di-

versas formas de expressão é que

destacamos

as idéias de

Jung.

que redescobriu e ampliou a noção de símbolo carac -

terizando-o

também corno

mediador

entre

consciente

e incons-

ciente.

Ainda ocorrem

confusões

a

respei

to da noçao de

sÍID

bolo e arquétipo dentro

da

teor ia

junQ'uiana:

o

arquétipo

em

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34

si é essencialmente a energia psíquica, a matéria-prima

fornecida

pelo inconsciente coletivo,

que

passa

a ser

re

conhecível

através

da

manifestação

de

uma

imagem arquetípi

ca ou símbolo.

Para exemplificar

esta idéia,

podemos reconhecer

o

arquétipo

da luta do bem contra

o

mal ,

ou o

confl i to

de opostos

através

da

lu ta

ao

herói contra aquelas

forças

que

personificam

o

mal:

fome

fr io , tempestades, dragões,

bruxas, etc.

A constatação da existência, ou nao, de um signi

ficado simbólico depende

também

daquele

que o

percebe, i s -

to é, passa por

uma

avaliação subjetiva,

onde,

por

exemplo

a

figura

de um sol pode

ser , para alguns, apenas

a

x p r ~

são

de um

signo,

e

para

outros, um símbolo, ou

seja,

causa

um

efeito

que

detona

significados

por

vezes

inexplicáveis.

Existem ainda, segundo Jolande Jacobi (s.d.) ,sím

bolos

que podem

se degenerar

em signos

dependendo

do con -

texto

ou daqueles que

os

contemplam.

A

cruz, num

exemplo

dado

pela

autora

citada, pode ser apenas

o

signo

externo do

cristianismo,

enquanto

para outros

pode

simbolizar

toda

a

plenitude da

his tór ia

da Paixão.

E

finalmente,

retomando a

nossa

colocação

formu

lada anteriormente, referimo-nos ao

caráter

mediador do sím

bolo, defendido

por Jung

como o unificador dos

pares

de opos

tos,

em primeira instância do

consciente

e inconsciente. Acres

centa Jolande Jacobi:

o s ímbolo e , então , uma espec ie

de

i n s t ânc ia me-

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  5

d iad o ra e n t r e a i n c o m p a t i b i l i d a d e do

c o n s c i e n t e

e do i n co n s

c i e n t e ,

um a u t ê n t i c o

mediador e n t r e o o c u l t o e o r e v e l a d o .

E

c

on

t

in

u

a

c i t

a

n do

paI

a v r a s de J u n

{ :

E

1 e

(o

s

í

m

b o lo )

não

e

nem a b s t r a t o

e

nem c o n c re t o .

nem r a c i o n a l nem

i r r a c i o n a l .

nem

r e a l nem

irreal é

sempre ambos

(Jacobi. s .d .

90).

Esta qualidade

mediadora tem

sido

associada a uma

ponte. cuja

função é de

se

cr ia r

uma passagem

de

um

lado

pa

ra outro, dinamizando

a

psique,

unindo

pólos

antagônicos num

exercício

de

síntese para

separá-lOS em seguida,

que a

psique ohedece a

l e i s

dinimicas, da mesma forma que o fluxo

da vida.

E

cada vez

que

procuramos novas

referências,

para

abranger os vários signif icados que emergem

através

do

sím

bolo, f ica-nos

cada vez

mais evidente Que

ao desvelar

as ten

sões

contradi tórias Que lhe são inerentes. nota-se Que ele

possui um caráter d ia lé t ico: o símbolo é universal, pois trans

cende o individual , mas pode, ao mesmo tempo,

adquir i r

um

sentido relacionado especificamente com uma pessoa,

depen

dendo da relação que a mesma estabelece com aquela imagem em

especial.

Pode

ser

portador

de

um

sentido

assim

como

ser

r ico

em

numerosos sentidos.

símbolo

pode ser

ao

mesmo

tempo consciente e in

consciente, não é racional nem i r rac ional , mas as duas coi

sas simultaneamente. Ele é, por um lado, acessível à cons

ciência ou à razão, e , por outro, permanece oculto a ambas;

mas é

através

dele

que

se

t raça

a

possibil idade

de

inconsci

ente, e o consciente se

aproximarem.

Mas de que

forma torná- lo

real para nós? Signi f i

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36

cando-o,

vivenciando-o ou

até

mesmo

interpretando-o.

Esta é a proposta de Paul Ricoeur:

A i n t e rp re t ação ,

di remos,

e

o t r aba lho de pensa-

mento que c ons i s t e em d e c i f r a r o s e n t ido oc u l to

no

sen t ido

aparente , em desdobrar

os

na

s i gn i f i cação

l i t e r a l .

4 •

n1ve1S

Guardo

de s i g n i f i c a ç ã o impl icados

ass im a r e f e r ê n c i a i n i c i a l

ã

exegese , i s t o

- -

,

a i n t e rp re t ação dos

s e n t idos

ocu l tos .S im

bolo

e i n t e r p r e t a ç ã o tornam-se

conce i tos

r e l a t i v o s : há in -

t e rpre tação onde houver sen t ido

m ú l t i p l o ;

e

é

na i n t e r p r e t ~

ç

ã o

que

a p

l

r a I i d a d e

dos se

n t i

dos

t o r

na

-

s e m

a n i f e s

ta

(Ri -

coeur,

1978, p. 15).

No

entanto, apesar das

palavras de

Ricoeur, tende-

mos a o ~ t r por uma ou outra interpretação; somos

remanes

-

centes do

racionalismo,

e

se nao nos

definirmos por es ta

ou

aquela

posição, corremos

o

r isco

de

sermos rotulados

de am-

bíguos,

evasivos,

etc.

Somos quase que impelidos a organizar o universo

em categorias ,

pois

existem publicações a

respei

to dos sÍI

bolos, tanto na 'área de

psicologia

(onde se diz que isto sis.

nif ica aqui lo ) , como

nos

dicionários de símbolos , que

acabam

por re s t r ing i r

o

s ignif icante

aos seus

signif icados.

Esta é

uma

postura

por

demais

dogmática, reducio

nista, que

tem

sido muito cr i t icada tanto dentro do

próprio

círculo

da

psicologia

corno. por exemplo, pelo psicólo

go junguiano James

Hillman

quanto por f i lósofos , como

Gilbert

Durand ( s .d . ) .

o

que

devemos considerar, de

acordo c ~ m

o

psicana

l i s ta Meltzer (in Samuels. 1989) é Que deve

ocorrer

urna a t

mosfera interpre ta t iva . onde

urna interação entre os

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  7

significados

das

imagens e nao

uma tradução

da imagem em

significado.

A

psicologia

vem-nos

mostrar

que o

símbolo é con

cebido

como uma síntese equil ibradora, oferecendo

soluções

-

paziguadoras

para uma

das tarefas

mais complexas,

que

e o

autoconhecimento, ou a revelação de alguns aspectos da nos

sa

personalidade

que, sem o instrumental psicológico, seriam

ignorados

do

ponto

de

vis ta

da

sua apreensão nos

vários

nÍ-

veis,

e

nao apenas racionalmente.

Citando

uma frase de

Jung

destacada do

l ivro

de

~

lande

Jacobi s .d . ) , . . .

é

a capacidade de t e r

consciência

que torna o homem

mais humano .

Consciência es ta que

vai

exigir que, através das diversas interações que formos

efe

tuando

entre

o

símbolo

e

os

signif icados,

busquemos

r e l a -

ções que impliquem

a

adoção

de uma

linguagem

que

produza um

efeito esclarecedor. que motive

a

t ransposição daquele s ig-

nificado antes inintelegÍvel , inconsciente.

para uma

esfera

real ,

possível,

promovendo. assim. uma

ampliação da

consci

 

ência e a possibi l idade de

um maior conhecimento de

s i e do

mundo.

o símbolo.

como

já foi

descr i to .

tem

a

capacidade

de detonar inúmeras interações , in terpretações . devido

à

sua

multivocidade.

No

entanto,

o homem

necessi ta

de valores para

c o n ~

t ru i r o seu mundo in te r ior . Valores es tes

que

sao

produzi-

dos na relação com o

próprio símbolo

(bom/mau;

esperto/bo

-

bo;

feio/bonito;

etc . ) presente nas

imagens

encarnadas

pe

los personagens

dos con tos . Na

construção

do nosso numdo in-

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38

tc r ior

sclccionamos

os valores c hicrarqujzamo-los de acor_

do

com

os

nossos jn te resscs part icularcs ( cul t l nd s .

Se quisermos, portanto,

vivenciar

e

compreender

a

linguagem simbólica

prcsente nos

contos de fadas,teremos tam

bém que

decodif icá- la ,

pois

assim poderemos fazer as in tera

ções possíveis entre os vários s ignif icados que

emanam

des

te

universo

simbólico que

compõe

estas his tór ias .

E como em toda linguagem simbólica, um pouoo de

mistér io, entretanto, sempre

permanecerá,

considerando

que

esta linguagem também é uma par te

inerente

ao mundo humano

de significação o qual nunca apreenderemos inteiramente.

2.2 Os simbolismos presentes nos contos retratam

dramas ps í -

quicos

Desde que foi

concebida

a identidade que há

entre

as

imagens simbólicas ou

arquetípicas

presentes nos sonhos,

nos mitos

e

nos

contos de

fadas,

proporcionada

em especial

pela psicologia,

estas

imagens

ou motivos, como

definem

a l-

guns,

têm

sido exploradas

e

analisadas

nas

diversas p u b 1 i c ~

çoes

que encontramos

sobre o assunto, entre as

quais

se

e ~

tacam as de

Bette1heim

1988),

Marie

Louise Von Franz

1 9 8 5 ~ ,

1985E. 1986),

Hans

Dieckmann

1986),

que se

;aproftmdaram mais

sobre

esta temática

introduzida por

Freud

ou Jung.

O principal assunto destas

investigações refere-se

à exis tência de analogias surpreendentes entre as imagens

arquetípicas

encontradas

nos

contos de

fadas

e aquelas en

contradas

no inconsciente durante a terapia de cunho ana1í-

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39

co,

ou seja , da

escola junguiana, encontrando-se a í

a

s i m b ~

l ização

do

processo

psíquico, re la t ivo

-

 

individuação

processu

de

Jesenvolvimellto

psíquico

com

vis tas

amplia

-

çao da

consciência cuja

tendência é

real izar

potencial ida

des

inatas

do i n d i v í d u ~ , ã maturidade e ao desenvolvimento.

o psicanal is ta

Bettelheim l988)

nâo

diverge

muito

desta

idéia ,

acreditando que o conto de

fadas

tem

fins

tera

pêuticos, pois contém projeções

de fenômenos internos

p s i c ~

lógicos

do ser humano,

sob

a

forma

simbólica,

na

busca

de

respostas às suas

indagações

e de resolução de confl i tos in

ternos.

o que

dist ingue as

duas escolas

é

que

para a

psi

canal í t ica ,

os contos passaram,

através dos

tempos,

a t r a n ~

mit i r signif icados

manifestos

e

encobertos, assim

como a

atividade onír ica na concepção freudiana, enquanto

para

os

adeptos

de Jung

os contos espe

lham a eS Lrutura bãsicá da psique

,cujas ra1zes

se

encontram na

psique cole t iva .

Tanto

a psicanál ise como a

psicologia analíticacon

cordali1

que

os

contos

de

fadas têm

um es t ru tura

semelhante

ã

dos

sonhos.

Freud

t inha

percebido

que

os

contos

nao

são fundamentalmente dis t in tos

dos sonhos,

e que

falam um

linguagem simbólica idêntica.

Marie Louise

VonFranz

1 9 8 S ~ 1 , por sua vez, diz

que

os contos de fadas parecem exercer , no âmbito de

um

po

vo, um função

semelhante

ã

dos

sonhos para

o indivíduOI

eles

cunfirmam, curam, compensam e

cr i t icam

a a t i

tude

coletiva p r ~

dominante, assim

como

os sonhos

o

fazem

com

relação ã a t i tu

de de

um indivíduo.

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40

Ela

acredita

que

apesar

de

haver nos

contos mui

tos

motivos

re l ig iosos , e les jamais

foram

suprimidos

ou ab-

sorvidos

por qualquer

ensinamento

rel igioso

vigente,

pois

atuaram como compensaçao onfr ica para o qual podiam

ser v ~

t idas

aquelas necessidades

psicológicas que não fossem suf i

cientemente respeitadas na at i tude

consciente

colet iva.

Todos são unânimes em

apontar

que os contos

o f r ~

cem modelos para a

vida,

modelos estes que encontram na f i

gura

do

herói

ou da

heroína

um exemplo a ser observado.

Para Bettelheim,

o

her6i

t raz

em s i um apelo

posi

t ivo

proporcionando que

a cr iança se ident i f ique com es te

lado. O

autor

acredi ta que é importante prover a

criança m ~

derna com imagens de heróis que

part i ram

para o mundo sozi-

nhos e que, apesar de ignorarem o

desfecho desta

sua

t ra je

tór ia encontram lugares

seguros

no mundo

seguindo

seus ca

minhas

com

uma profunda confiança in te r ior .

Para

Marie Louise Von

Franz (1986), os heróis dos

contos

de

fadas nao são

muito humanos,

pois

suportam

todos

os sofrimentos, nao vacilam ante o

perigo,

até

atingirem

seus

objetivos.

Neste

sentido, os

heróis ou

heroínas

diz

ainda

a

autora.-

representam modelos

para um funcionamento

do ego

em

harmonia

com a to ta l idade da psique

com

inconsciente e

consciente) ,

sendo, além dis to um modelo

e padrão arquet í -

pico para

o

t ipo correto

de comportamento.

Não obstante, existem contos em que a

f igura p r ~

cipal , ou

herói

como

definimos,

não passa

de

um

tolo, ou

é

colocado nesta condição por

outros personagens

da

his tó

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4

r ia fugindo ao senso

comum de

que

o herói tem que ser es -

perto

e

audaz.

Neste

caso, o cha mado tolo

,necessi ta

de

uma

ajuda

mágica,

ou

de

algum

animal

pres ta t ivo .

Encontramos

outro

exemplo

na

personagem

aparente

mente

monstruosa

da his tó r ia da

Bela

e a

Fera ,

,onde

a

fera

a princípio

pune

e

amedronta

o

pai

de

Bela

por este

ter- lhe roubado uma rosa

do jardim, mas

mostra-se

so l íc i to

e

amoroso com

a Bela, o

que proporcionou que esta

úJtima

pas

sasse

a amá-lo também quebrando o

fei

t iço que o havia trans

formado

em

fera.

Vê-se, então, que quando

Von

Franz refere-se

ao

herói como

um

modelo

de comportamento correto ,

não

s igni

fica

o

correto

na concepção

convencional

da palavra.

Signi

f ica antes de

tudo um t ipo

de comportamento específ ico que

naquela

his tór ia ou contexto

dará

cer to , ou

se ja

a f igu

ra central a t ing i rá seus

objetivos

mesmo que a

pr incípio

~

ja

considerada

to la

ou

até usando

certos

t ipos de es t ra ta

gemas de cer to modo condenáveis, mas,

se

participarmos

trama com o

osso

sentimento, sentlremos ser esse o modo

se

creto

de

enfrentar

a

vida.

Portanto,

esta

caracterização de

correto pode não

se

aplicar

ao senso

comum a

categorias produzidas

social -

mente, mas obedece sobretudo a mecanismos

inst int ivos

ou afe

t ivos

que

nos

levam a t e r a

sensação

de que a ação do herói

é a correta naquela

situação

específ ica

da his tór ia .

Podemos, en

tão, di zer

que

es ta a t i

tude

do

herói ou

da heroína

f rente

a uma

determinada

s i tuação

Ce

a í pode en

t ra r a questão ét ica a

qual

os contos também sugerem, que dis

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42

cutiremos mais adiante) nao se submete apenas aos ~ t o r s ou

normas

sociais

permitidas ou

acei táveis

mas

sobretudo

por

aquela

ati tude

que

está

de

acordo

com

a

totalidade

da

p r s ~

nalidade psicológica.

Totalidade

esta

que, ao

abarcar

con

te6dos conscientes e inconscientes,

produz

inevitavelmente

uma relação dialé t ica constante entre o mundo inter ior e

o

exterior , entre aquilo que é subjet ivo e o que se refere

realidade objet iva das

relações

socia is .

a

mesma

forma

que é necessário tornar-se ciente

da sociedade em

que vivemos,

inclusive para

transforma-la,

existem

as exigências

internas que,

caso

não sejam ouvidas,

produzem sofrimentos e ansiedades, podendo-se chegar a s i

tuações

extremas,

como neuroses,

ou,

em maior grau, a

p s i ~

ses.

Dentro deste

quadro,

i n s r ~ s

também a própria

estrutura dos contos de fadas, já que as figuras

centrais

al i colocadas

(herói

ou heroína) representam modelos para tun

funcionamento

do

ego numa relação dia lé t ica

com

a estrutura

global

da

personalidade.

Para

darmos

curso ao signif icado

psicológico

pre

sente nos

contos,

nos

quais

alguns

destacamos,deveríamos

concomitantemente pôr em discussão toda a

simbologia

prese .

te nos contos, e para se

t i ra r

conclusões acerca dos signi-

ficados nos quais os

símbolos

evocam,

teremos

que recorrer

a

um

instrumental que, como já expomos,

tem

sido alvo de aI

gumas cr í t i cas : a

interpretação.

E preciso deixar claro que o

signif icado

que cada

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43

um

extrai

de cada conto ou motivo poderá ser diferente

de

pessoa

para pessoa.

No

entanto, corno já enfatizamos, os

padrões

arquetÍpicos

explorados

nos

contos

podem

t e r

um

ca

rá ter coletivo, pois

focalizam

questões

que

transcendem

a

esfera

individual , corno maturação, o processo

de

desenvol

vimento psíquico

do ser humano,

que

implica sa i r pelo mug

do

e enfrentar

perigos, vislumbrando

o alcance de algo maior

que, portanto,

exig irá

mudanças tanto externas

corno

in te r

nas,

etc .

O

conto

propõe

também a

f igura

do

herói

ou

de

um

fator ajudante (animal,

magia, velhinha)

que l ida com

s i

-

tuações imprevisíveis

ou

tarefas di f íce i s ,

que

exigirão urna

sintonização seja com o mundo

interno,

seja

com o externo

num processo dialé t ico) para optar pelo caminho que

visa

urna maior real ização nos

vários

níveis.

Além

disso,

não

é

redundante

recolocar

que

os con-

tos foram

engendrados

dentro

de

uma esfera

colet iva, ou

se

j

a, um número

inimaginável

de

pessoas colaboraram,

antes que

tivessem sido fixados

pela escr i ta ,

na forma conhecida por

nós.

Os

contos, como á

expomos,

uti l izam-se de imagens si

bólicas ou arquetÍpicas

imanentes

da psique colet iva ,e têm

como

base

a

experiência

de

vida

da

coletividade.

Citando

Marie

Louise

Von Franz:

Jamais se pode af i rmar que um con to de fada r e

p re s en t a o

processo de i nd iv iduação p ~

he,

poi s

e l e não re

p re sen t a , nem

pode r e p r e s en t a r

t a l co i s a .

O

processo

de in

div iduação ,

p ~ d e 6 - i . . n - i . . : t - i . . o n e r ~ . é a lgo que só pode ocorrer

num

se r

humano

e

que

sempre

tem

uma

forma

ún ica .

No

en t an -

t o ,

a despe i t o

de c o n s t i t u i r even to

ún ico ,

num único ser

hu

mano, ex i s tem ce r t o s aspec tos t í p i co s co inc iden t e s que se

repetem e se assemelham em todo processo de i nd iv iduação .

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44

Por

I SSO , pode-se d ize r que t a i s con to s r e f l e t em

f a s e s

típ

cas do p roces so de

i n d i v i duação

de mui ta

gen t e , e

que t a i s

f a ses

t í p i c a s são

r e s s a l t a d a s

de

aco rdo com a

at i tude da

cons

c i ênc i a

nac i ona l

co l e t i v a do

povo

ao

qual

e l a s

sao

r e l a t a

das

Von

Franz, 1 9 8 5 ~ p. 273, 274 ) .

Jung

tem-nos alertado,

em

algumas

de suas

obras,

para

nao

confundirmos individuação com

individualismo.

lndi

vidualismo, segundo diz o autor , s ignif ica

acentuar

e dar

ênfase deliberada a supostas peculiar idades, em oposição a

considerações e obrigações colet ivas ,

enquanto

individuação

e

um

processo

de diferenciação

que tem por meta o desenvol-

vimento

da

personalidade individual ,

que não

leva

ao i so la-

mento,

mas a

um

relacionamento cole t ivo

mais intenso

e

ge-

ralo Portanto,

considerar

de

forma adequada as p e c u l i r i d ~

des

individuais , acarretará um melhor rendimento socia l .

Para entendermos melhor

o

simbolismo das

imagens

presentes

nos

contos,

teremos

que relacioná-las com alguns

significados.

Não pretendemos

inscrever na função i n t e r p r ~

ta t iva um prát ica

redutora,

mas sim

esclarecedora,

amplia-

dora,

ou

seja,

que faça

algum

sentido ,

por

acreditarmos

ser

esta

um

das

funções fundamentais

da

prát ica

psicológica.

Dizemos relações possíveis ,

pois

sabemos que e ~

ta nossa exposição terá que t e r

um fim,

vis to que

o

cará ter

simbólico

em

s i imprime

a

possibil idade de

se

ext ra i r signi

ficados

inesgotáveis, o que ex ig i r ia que

lhes

dedicássemos

inúmeras páginas.

Portanto,

nos limitaremos a selecionar algumas

i ~

terpretações, esperando

que estas

façam sentido

para

os l e i

tores

que

nos acompanham.

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45

2.3

Analisando

dois contos:

desvendando

alguns

sentidos

Começaremos

inicialmente

com um resumo do conto

dos

Irmãos

Grimm li Rainha das Abelhas.

~ E ~ a uma

vez

d o i ~ 6 i l h o ~ do ~ e i que p a ~ t i ~ a m

pe-

lo

mundo

em

b u ~ c a de a v e n t u ~ a ~ c a Z ~ a m na vida de 6 a ~ ~ a e

nunca

m a i ~ v o l t a ~ a m .

O m a i ~ moço que e ~ a chamado de João

Bobo

~ a i u

ã p ~ o c u ~ a

d e l e ~

m a ~ quando 6inalmente encon

t ~ o u

d o i ~ ~ Ô

6 i c a ~ a m zombando

dele c o m p a ~ a n d o - o

a

um

idiota que nunca ia

t e ~

c o n d i ç õ e ~ de ~ e d a ~ bem na vida.

No entanto ~ t ~ ê ~ p ~ o ~ ~ e g u i ~ a m caminho j u n t o ~ e

~ e d e p a ~ a ~ a m com um 6 0 ~ m i g u e i ~ 0 . O ~ d o i ~ m u i ~ v e l h o ~

que

~ i a m e ~ m a g a ~ o 6 ~ m i g u e i ~

p a ~ a

~ e d i v e ~ t i ~ vendo a ~ 6 0 ~ m i

g a ~ ~ e a p a v o ~ a ~ e m c o ~ ~ e n d o de

um lado p a ~ a o u t ~ o

m a ~

João

Bobo

i m p e d i u - o ~

de 6 a z e ~ e m i ~ t o pedindo que

a ~

d e i x a ~ ~ e m

em

paz.

M a i ~ adiante c h e g a ~ a m a um

lago

cheio de p a t o ~ na

dando

e d o i ~ m a i ~ v e l h o ~ q u e ~ i a m p e g á - l o ~ p a ~ a aMM.

João Bobo não

p e ~ m i t i u

que e l e ~ o ~ m a t a ~ ~ e m dizendo-lhu que

o ~ d e i x a ~ ~ e m

em

paz.

Finalmente c h e g a ~ a m a uma colméia que t inha tan

to mel que até e ~ c o ~ ~ i a pelo

t ~ o n c o

da

á ~ v o ~ e .

d o i ~ i ~

m ã o ~

m a i ~

v e l h o ~

q u e ~ i a m e x p u l ~ a ~

a ~

a b e l h a ~

tocando

60go

no pé da á ~ v o ~ e e m

eguida

~ o u b a ~ o mel m a ~ uma vez João

Bobo

não

deixou

d i z e n d o - l h e ~

que

d e i x a ~ ~ e m

a ~ a b e l h a ~

em

paz.

M a i ~

t a ~ d e o ~

i ~ m ã o ~

c h e g a ~ a m a um

c a ~ t e l o e

qua .

do

e n t ~ a ~ a m v i ~ a m

c a v a l o ~

de p e d ~ a n o ~

e ~ t á b u l o ~

m a ~ não v ~

~ a m nenhum ~ e ~ humano. P a ~ ~ a ~ a m p o ~ v á ~ i a ~ ~ a l a ~

até

que

6inalmente c h e g a ~ a m a uma p o ~ t a

que

t inha

t ~ ê ~

t ~ a n c a ~ e

bem no meio

t inha

uma janelinha que dava p a ~ a

o u t ~ a

~ a l a .

N e ~ ~ a

~ a l a havia um homenzinho cinzento

~ e n t a d o

diante da

m e ~ a .

C h a m a ~ a m - n o

uma

vez

d u a ~

e

ele nem

~ e

mexeu.

Quan-

do

c h a m a ~ a m a t e ~ c e i ~ a ele ~ e levantou d e ~ t ~ a n c o u a p o ~ t a

e

veio até

e l e ~ . Não

d i ~ ~ e

uma p a l a v ~ a m a ~ levou o ~ t ~ ê ~

até uma m e ~ a p o ~ t a com toda n a ~ t u ~ a e

~ i q u e z a

e d e p o i ~ que

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46

c o m e ~ a m e b e b e ~ a m

bem

m o ~ t ~ o u a cada um o ~ e u q u a ~ t o .

Na manhã ~ e g u ~ n t e o homenzinho

cinzento

a p a ~ e c e u

ez ~ i n a ~ p a ~ a o m a i ~ velho e levou-o até junto de uma lá

pide onde havia uma

i n ~ c ~ i ç ã o

na

p e d ~ a

com a l i ~ t a de

t ~ ê ~

t a ~ e 6 a ~

que p ~ e c i ~ a v a m

~ e ~ c u m p ~ i d a ~

p a ~ a que o c a ~ t e l o pu-

d e ~ ~ e 6 i c a ~ l i v ~ e

do encantamento.

A p ~ i m e i ~ a e ~ a ~ e c o l h e ~

mil p é ~ o l a ~ da 6ilha do ~ e i que e ~ t a v a m upalhadM pelo meio

do m u ~ g o e

do matinho ~ a ~ t e i ~ o do b o ~ q u e .

Tinham

q u e . . 6 ~

t ~

d a ~

~ e c o l h i d a ~

a n t e . ~

do

c a i ~

da

noite. ~ e m 6 a l t a ~

ne.nhuma.

e 6 a l t a ~ ~ e . uma ~ õ

que m

p ~ o c u ~ a v a ia v i ~ a ~ p e . d ~ a .

o

i ~ m ã o

m a i ~

velho ~ a i u

e

p ~ o c u ~ o u

o

dia

i n t e . i ~ o .

M a ~ quando chegou no 6im do dia ~ Õ tinha e n c o n t ~ a d o u m a ~

cem e exatamente.

como e ~ t a v a e . 6 c ~ i t o na

lápide 60i

t ~ a n . 6

6 o ~ m a d o em p e d ~ a .

No

o u t ~ o dia o .6e.gundo i ~ m ã o também óe.z ~ u a ten

tat iva

m a ~ também ~ Õ

achou

uma d u z e n t a ~

p é ~ o l a ~

e também

vi

~ o u p e d ~ a .

Finalmente chegou a vez de João Bobo que começou

a p ~ o c u ~ á - l a ~

no

meio do

m u ~ g o

m a ~ como e n c o n t ~ á - l a ~ e ~ a

muito dióZcil ele

~ e

~ e n t o u

numa

p e d ~ a e começou a c h o ~ a ~ .

AZ a p a ~ e c e u com um ~ é q u i t o de cinco mil ó o ~ m i g a ~ o

~ e i

d a ~

6 o ~ m i g a ~ cujo vida ele t inha

~ a l v o .

Num

i n ~ t a n t e o ~

animal

z i n h o ~ e n c o n t ~ a ~ a m

t o d a ~

a ~

p é ~ o l a ~ e 6 i z e ~ a m

um

monte com

e l a ~ num ~ o l u g a ~

A

~ e g u n d a t a ~ e 6 a e ~ a e n c o n t ~ a ~ a

chave

do q u a ~ t o

da

óilha

do

~ e i

caZda

no

6undo

do

m a ~

o

que

ele

c o n ~ e g u i u

com a ajuda d o ~ p a t o ~

que

ele t inha ~ a l v o que

m e . ~ g u l h a ~ a m

tanto

que

a c a b a ~ a m

achando a chave.

A t e ~ c e i ~ a t a ~ e ó a e ~ a a m a i ~ di6Zcil de t o d a ~ .

A ~

t ~ ê ~

ó i l h a ~

do ~ e i

t o d a ~ l i n d a ~ e

muito

p a ~ e c i d a ~ e ~ t a v a m

d o ~ m i n d o e

ele

p ~ e c i ~ a v a d e ~ c o b ~ i ~

qual

e ~ a a m a i ~ moça. A

única d i 6 e ~ e n ç a é que a n t e ~ de d o ~ m i ~

e l a ~

tinham comido

t ~ ê ~ d o c e ~ d i 6 e ~ e n t e ~ . No da

m a i ~

velha tinha a ç ú c a ~ n o da

~ e g u n d a d u a ~

g o t a ~

de x a ~ o p e e no da m a i ~ moça uma c o l h e ~

de mel.

AZ a p a ~ e c e u a ~ a i n h a d a ~

a b e l h a ~

que João Bobo t

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  7

nha

halvo. Vepoih de

p ~ o v a ~

oh lãbioh

dah

t ~ ê h

moçah,

p a ~ o u

junto

ã

boca da que t inha comido mel. lhhO m O h t ~ o u ao

6ilho

do ~ e i qual e ~ a a p ~ i n c e h c e ~ t a .

Vehha m a n e i ~ a o

encantamento he

q u e b ~ o u

e

todah

ah

pehhoah

do cahtelo

c o ~ d ~ m de heu hono, ao mehmo tempo

que todoh Oh que v i ~ a ~ a m

p e d ~ a

voltavam ã 6 o ~ m a humana. João

obo

cahou

com

a

p ~ i n c e h a

maih moça

e

maih

bonita e de

POih

que o pai

dela m o ~ ~ e u

6icou

hendo ~ e i . Oh doih i ~ m ã o h

dele

cahaJtam com

ah

iJtmãh dela his tór ia

extra ída do l ivro

Chapeuzinho VeJtmelho

e

outJtOh

contoh de

GJtimm selecionado

e

traduzido

por

Ana

Maria Machado, 1986, p. 95-8) .

Como

já tivemos a

oportunidade

de colocar antes,

o

conto in ic ia-se

no mundo

de

cá no mundo rea l , cot idia-

no,

onde

t rês i

rmãos

saem pelo mundo em busca

de

aventuras ,

i s to

é, procuram algo novo, se submetem

ao

dest ino

onde

tu

do

pode acontecer. Estão entregues

ã própria

sor te ,

ao

aca

so, onde

o

tempo,

o

lugar

e o

futuro não importam. Isto siR

nif ica

que

o

tempo

deles

chegou para

seBuir

o

caminho

e sair

do

aconchego (família) ao qual normalmente se

está habituado.

Dentre os irmãos temos

os dois

mais

velhos que

c o ~

sideravam-se mais esper tos , e o mais

moço,

o

João

Bobo, do-

tado de ingenuidade e

integridade

que o tornam capaz de

ou-

vir a

natureza.

E é com a ajuda

desta

mesma natureza, re -

presentada pelos animais, que ele

cumpre as

ta refas que lhe

sao colocadas.

Ele não é

um

herói no sentido de atuar sozinho 'na

realização

das ta refas que lhe

são

exigidas,

pois

é ajudado

o tempo

todo

por animais.

Outro detalhe é

que

nesta

his tór ia , dentre as f i -

guras

principais , o elemento feminino não

está

representado.

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  8

Decorre daí que

a

açao

principal

refere-se ao fato

de

livrar

do

encantamento

o castelo e as pessoas que

estão nele

e en

contrar

a

f i lha

mais nova

do

r e i

da

qual

depende

toda

a

he

rança do re ino.

E,

para

se

chegar a i s to ocorrem situações que

t r ~

vessam o caminho dos

t rês

irmãos, e que

se

repetem em

t rês

momentos:

deixar os animais (a natureza) em paz

e

não

fa

zer-lhes mal.

Consciência ecológica, dirão uns. Respeitar

o "cu .

so natural das coisas", dirão outr0S. Ou

o

ins t in to

fre -

qüentemente associado

à figura

do animal, que não deve ser

eliminado, mas

simplesmente observado

e ouvido, conservando-lhe

a

"vida".

Vida ins

t in t i

va, vida

mai

s s in toni zada com a psique

inconsciente. E

foi

i s to

que João

Bobo intuit ivamente, sem

sabermos o porquê,

"soube"

levar em consideração.

Os

irmãos chegam então no

caste lo

e

nele jaziam

seres adormecidos

ou

estranhos; não havia

indícios

de

"nor

malidade",

mas cavalos pet r i f icados e uma

porta

de

t rês tran

cas onde

se podia

avis tar através de

uma janelinha,

um "ho

mem cinzento", que não fala

e

atende quando o chamam pe

la te rce ira

vez.

Mundo estranho es te .

Geralmente, ao sermos

t rans

portados

para

este mundo, acontecem coisas nas quais não ~

demos entender racionalmente mas

simplesmente

vivenciar , ou

deixar-se levar

pelo

ins t into

e

pela intuição,

sendo

que se

res

da

natureza

ou

sobrenaturais

o homem

cinzento)

indicam

caminhos,

impõem

tarefas que, ao serem vencidas, proporcio

nam

a

redenção

de

algo antes enfei t içado, transportando

as

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50

gressar

em algum

espaço

antes

oculto, secreto. Pois bem,com

a chave, estamos de

posse

de um

instrumento

que nos

permite

desvendar

algo

secreto,

uo

vis to

ou

seja

o

lado incons

-

ciente

que

abrange todos estes

significados

que acabamos de

mencionar.

Esta

chave

pode

ser

encontrada quando os pa-

tos

mergulharam no fundo

do

mar.

O mar geralmente e asso -

ciado ao

oceano

in te r ior

é a fonte

da

vida

porque nele ha

bitam vários seres

e plantas , corno também pode

ser

o f inal

da

mesm

vida,

quando

neles somos

jogados,

não

sabendo

corno

sobreviver a ele o que requer forças e saber nadar para não

ser tragado

pelas

águas,

frente

aos fenômenos naturais intem

pestivos). Mergulhar

no fundo do mar s ignif ica ent rar

nes

te mundo

misterioso, oculto

pelas águas, o que também se as

socia

à

inconsciência.

A chave

no

fundo do mar - ou seja

aquilo que

des

venda o segredo - encontra-se dentro de

nós

mesmos, no mar

da

inconsciência. buscada por

um

pato,

o

animal que vive

na terra

e na

água, um habitante

e

mediador entre os dois

mundos,

consciente

e

inconsciente.

E, por fim, o

f i lho

mais moço acha a

f i lha

mais

mo

ça, com a aj uda da abelha que ident i f ica o

mel

na boca

da mu

lher .

O mais moço

ou

a mais moça

correspondem, de acor

do com os precei tos

psicológicos ,

a um

fase

onde

não

se

re

s is te tanto às necessidades

básicas

ins t in t ivas . Quanto mais

moço,

mais

o

ego

encontra-se

em

formação

e,

portanto, es tá

menos

cr is ta l izado

e mais

próximo

dos

ins t in tos .

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51

o

mel tem s ignif icado de uma subst5ncia

que

tem

efei to curativo sendo

receitado

como

rem6dio,

for t i f ican -

te)

assim

como

uma

riqueza

natural ,

que

6

resul

tado

de

u

misterioso

processo de

elaboração

das abelhas.

Tudo isso

se

passa num cas te lo , cenário

onde se

resguardam tesouros,

armas,

re i s , rainhas, ou seja , uma

for

taleza onde

reside a riqueza e onde

as

decisões

são

tomadas

a t r a v ~ s do re i que

nele

habita .

E, finalmente, o

casamento, símbolo da

união dos

opostos

que tem sido

associada,

de acordo

com

a teor ia jun-

guiana, à individuação,

ou

seja ,

a

Íntima união

e conci l ia-

ção

interna entre

o

feminino associado aos sentimentos

e

i n ~

t intos) e

masculino

ou

o

espí r i to

e concepção

de i d ~ i a s .

A

par t i r

do

casamento

ou

união,

o

João

Bobo

pode

exercer

a

função

de re i , em conseqüência da

morte do pai

da

moça.

Ele

a f igura de t ransição que

i rá garant i r

a

sobrevivência

do

reino

que dele depende,

segundo as sociedades antigas .

Von

Franz

nos diz:

"Em

mui tas soc iedades p r im i t i v a s ,

a

prospe r idade

de todo pa í s depende da s an idade

f í s i c a e

ps íqu i ca do r e i :

se

e l e

se to rna impoten te ou doen te , e l e tem que se r morto

e um

out ro r e i tomar

o seu

l uga r ,

um novo r e i cu ja

saúde

e

potênc ia

garantam a f e r t i l i d a d e das

mulheres

e

do gado, t a ~

to quanto a prospe r idade de toda

t r i bo

(Von Franz, 1981,p.63).

A

autora

refere-se

ao re i

como a

representação

do

conteúdo

simbólico

centra l

e

dominante

da

consciência

cole-

t iva,

sendo

compa "ado

t a m b ~ J i l ao símbolo

do

~ e . . t 6

que,

de

aco E.

do

com

a teor ia junguiana,

s ignif ica

o

centro auto-regula

-

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5

dor du psique coletiva,

do qual depende o

bem-estar

do

indi

vrduo. Recorrendo

ã

História ,

saber.ios

que

o

rei era fre

qUentemente

associado

a

representaç50

rel igiosa

de

Deus.

De

acordo

com esta

concepção, o

rei t raz

em

si

o

princípio di

vino,

dele depende

a

sorte

do

reino,

e

dar ele dominar

urna

certa

at i tude cole t iva .

João Bobo portanto, representa a nova atitude o n ~

ciente, que

é

capaz de

entrar

em

contato com o feminino e

renovar

a

vida

consciente,

l iber tando-o

da

petr i f icação

ou

da

paral isação,

o

que é representado

pela

l ibertação

das p e ~

soas

do

cas te lo

que

haviam

virado

pedra.

Para

rea l izar

es

ta

façanha ele necessi tou

do

auxí l io

da

parte inst int ivaani

mal, ou seja é como se

ele

t ivesse que se guiar pelos pró

prios

ins t in tos

o que poss ib i l i tou que vivenciasse urna ex

periência

Íntima

bastante

profunda.

O

segundo

conto

que

vamos re la tar resumidamente

chama-se Almofadinha

de

Ouro ,

coletado por Luís

da

Câmara

Cascudo, no Rio Grande do

Norte.

importante ressa l ta r que

se

encontram neste con

to

os

mesmos

motivos

de

Pele

de

Asno ,

de

Perraul t ,

e

de

Maria Borralheira ,

da

versão de

Grimm e

Perraul t .

Os

motivos

referem-se ao

episódio do bai le

do

anel

escondido no

bolo, aos t rês

vestidos,

e tc .

o que confirma

a tese de

que

a

maioria

dos

contos

de encantamento ou de fa

das recolhidos aqui no Brasi l é proveniente da Europa, embo

ra

eles

tenham

sofrido

algumas

adaptações.

Vamos

então

ao

conto:

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S3

f i ta uma

ve.z uma ói.tha

bonita e

gltac.io.6a óilha

ú n <

c.a

e que. te.ve. a inóe..tic.idade. de. óic.alt oltóã de. mãe.. Se.u

pai

c.a.6Ou

de. novo

c.om

uma viú.va que. t inha

uma

ói.tha óe.ia e o l t g ~

.tho.6a

e

c.ome.çou a obltigalt a e.nte.ada a óazelt tltaba.tho.6

p e 6 ~

do.6 c.omo .timpalt a c.a.6a quando o maltido e..6tava óolta viajan

do.

A moc.inha e.ntão vivia amaltgultada

pOIt

.60óltelt todo

o t ipo de. pltivaçõe..6

e

in.6u.tto.6 e de.c.idiu

então

Óugilt

daqu

.te pultgatóltio.

Ante 6

de .6ailt de c.a.6a c.ontou c.om a

ajuda

de

uma

ve.thinha

que

lhe óalou do

c.aminho

do

Itio

e lhe

plte.6ente.ou

c om

uma almoóadinha de OUItO que elta enc.antada.

Ve.ixando a

c.a.6a

a moça andou muito.6 dia.6 c.om

óo

me

e .6ede

e

enc.ontltou uma oc.upação num palâc.io vi.6to.6o Ite

.6idênc.ia

de.

um pltlnc.ipe.

vi.6to.6o.

A moça palta não de.6pelttalt .6u.6peita.6 .6ujou OitO

to

e

andava

~ ã o imunda

que

6Ó lhe deitam o .6eltviço de tltatalt

da.6

galinha.6

e

do.6

poltC.O.6

doltmindo

no

óundo

do quintal ,

num

qualttinho

e..6C.Ulto

e i.6olado do

palâc.io.

Foltam anunc.iado.6 então tltê.6 dia.6 de óe..6ta.6 o

que

oc.a.6ionou que a 6

moça.6

da c.idade

6e

pltepalta.6.6em óazendo Itou

pa.6 nova.6

de..6 e j

ando que o

pltlnc.ipe 6

e engltaça.6.6 e c om uma de

la.6 e c.a.6a.6.6e. pOIt oc.a.6ião da.6 óe.6ta.6.

Chegando o pltimeilto dia, todo.6

0.6

empltegado.6

do

p ~

lâc.io

óoltam

ve.1t

o

baile,

e

óic.ando a moça

.6ozinha,

tomou

um

banho, penteou-.6e

e

pediu ã almoóadinha de. OUItO que lhe de

6e

um ve.6tido C OIt

do

c.ampo c.om .6ua.6 ólolte.6

e

uma c.altltuagem

c.om

c.oc.heilto.6.

Apalte.c.eu o pe.dido

e

a moça ve.6tiu-.6e.

e

c.ompalte.c.eu

-

  óe..6ta c.au.6ando a.6.6omblto pela .6ua 6oltmo.6ulta e

l indeza

do

tltaje.

pltlnc.ipe 6Ó dançou c.om

ela e, c.omo

lembltança do e .

c.ontlto deu-lhe um

anel.

Peltto da meia-noite. a moça

d e 6 a p ~

Itec.eu

óugindo

palta

c.a.6a

onde

tltOc.ou

de

Itoupa o

ve.6tido

e

o c.altlto .6umiltam.

No

dia .6eguinte, c.om um ve..6tido C OIt de malt c.om to

do.6

0.6 peixinho.6, ac.ontec.eu a me.6ma c.oi.6a e o

pltlnc.ipe,

en

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S

cantado com

ela

deu-lhe u n ~ b ~ i n c o ~ e a n t e ~ d a meia-noite

a moça

d e ~ a p a ~ e c e u do baile e vóltou p a ~ a c a ~ a

6icando

~ u -

ja

e

6eia como

habitualmente

a p a ~ e c i a

a o ~

o l h o ~

de t o d o ~ .

No t e ~ c e i ~ o

dia

o

m e ~ m o ~ u c e d i d o . V e ~ t a vez

o

v e ~ t i d o

e ~ a

da c o ~

do

ceu com t o d o ~ o ~ e u ~ a ~ t ~ o ~ e o p Ú.n-

cipe p ~ e ~ e n t e o u - l h e

com um c o l a ~ e 6icou t ~ i ~ t e quando ela

d e ~ a p a ~ e c e u a n t e ~ da meia-noite.

P a ~ ~ a d o ~ o ~

t ~ ê ~ d i a ~

~ Õ ~ e

6alava na cidade da

moça

d e ~ c o n h e c i d a com t ~ ê ~ v e ~ t i d o ~ m a i ~ b o n i t o ~ do

mun

do. O p ~ l n c i p e

p ~ o c u ~ o u - a

como

um cego p ~ o c u ~ a

a luz

e

não

a

e n c o n t ~ o u em p a ~ t e alguma. E ~ t a v a tão apaixonado

que

ado

ceu

na cama, não

q u e ~ e n d o ~ e a l i m e n t a ~ .

m dia

a moça

d i ~ ~ e ã p ~ i n c e ~ a - v e l h a

mae

do p ~ l ~

cipe

que

q u e ~ i a 6 a z e ~ um bolo p a ~ a

o

p ~ l n c i p e

doente.

A ~ ~

c e ~ a

achou

g ~ a ç a

m a ~ tanto a moça pediu e

~ o g o u que

obteve

c o n ~ e n t i m e n t o . P ~ e p a ~ o u - ~ e

60i

a

cozinha

e 6ez um

bolo

d o u ~ a d o colocando d e n t ~ o

da m a ~ ~ a o

anel que

o

p ~ l n c i p e lhe

d e ~ a

de

p ~ e ~ e n t e

na

noite

do

baile.

O

p ~ l n c i p e acabou cedendo a o ~ p e d i d o ~

da

mãe p a ~ a

c o m e ~ levou um

pedaço

de bolo

ã boca

e ~ e p a ~ o u num objeto

que

a p a ~ e c i a

na

p a ~ t e ~ e ~ t a n t e

do

p ~ a t o .

Puxou

com

o

bico

da

6aca

e ~ e c o n h e c e u

o

anel.

Comeu todo o bolo

e

m e l h o ~ a ~

do, pediu o u t ~ o bolo 6eito

pela m e ~ m a

moça. A moça 6ez ou

t ~ o bolo e n e ~ t e

mandou o b ~ i n c o que o

p ~ l n c i p e achou e 6 ~

cou

Q e ~ t o de

que a moça

e ~ t a v a p o ~ p e ~ t o . Pediu o u t ~ o bolo

e

n e ~ t e

veio

o

c o l a ~ .

Então

~ e m t e ~

m a i ~

d ú v i d a ~ d i ~ ~ e

ã

~ u a mãe que

m a n d a ~ ~ e

ao

~ e u

q u a ~ t o

quem

6 i z e ~ a o ~ t ~ ê ~

bo

-

l o ~ .

A

p ~ i n Q e ~ a . o b ~ i g o u a moça a

m u d a ~

de

~ o u p a

P ~ 6 M m M ~ e

p a ~ a t i ~ a ~

o

m a u c h e i ~ o do g a l i n h e i ~ o e

d i ~ ~ e

que ~ e

a p ~ e

~ e n t a ~ ~ e

ao

~ e u 6ilho.

A moça

~ u b i u

a

e ~ c a d a com

a almo6adinha de

o ~ o

na

mao,

e

a ~ ~ i m que

bateu

na p o ~ t a pediu que lhe

a p a ~ e Q e ~ ~ e

no

c o ~ p o

o

v e ~ t i d o do t e ~ c e i ~ o dia.

Quando a

p o ~ t a ~ e ablÚU,

o p ~ l n Q i p e a ~ e Q o n h e c e u e l e v a n t o u - ~ e da cama bonzinho de

~ a ú d e

e

chamando a mãe,

m o ~ t ~ o u - l h e

a moça, que utava

m a i ~

bonita

do

que

n a ~

n o i t e ~

p a ~ ~ a d a ~ . C a ~ a ~ a m - ~ e

imediatamen-

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55

te e 6 o ~ a m

elize at i

m o ~ t e .

Esta

história

se assemelha

muito, como já disse -

mos, a

Pele

de Asno e

Gata

Borralheira .

Iniciamos a histór ia com a f igura da madastra,que

segundo Von

Franz

representa a mae

temível,

que

bloqueia

o

desenvolvimento mais elevado do personagem

principal.

Como se

sabe, a

criança,

no in íc io de

se desenvol

vimento,

estabelece

uma

unidade

f ís ico-psicológica

com

a

mae

No decorrer

de seu desenvolvimento, in icia-se o processo de

separaçao

para

a formação de

uma

personalidade

autônoma,que

pode

ser bem

ou malsucedida para a criança. Portanto, du -

rante esta fase de desenvolvimento, a imagem que a criança

constrói acerca de sua mae será para

ela ,

conforme a si tua

ção,

posit iva

ou

negativa.

Neste

último

caso,

o

conto

mos

t ra

ã

criança como l idar com

estes sentimentos n e g a t i v o s , o ~

de,

por

exemplo, de acordo

com

o conto relatado, vemos a mo

ça buscar

na

figura

da

velhinha

o

lado acolhedor

da

mae,que

a

ajuda

e a aconselha a

sa i r pelo

mundo

na

posse de

uma a l-

mofadinha de

ouro.

Por

que um

pai

tão ausente?

Podemos

supor

que a

l igação com a mae

durante

a primeira infância é sempre mais

estrei ta:

a mãe

alimenta, cuida,

enfim ela assume mais o

la

do provedor, aspecto este

r ~ f o r ç a d o até

hoje pela sociedade.

A velhinha e a sua

almofadinha

de ouro são, por -

tanto, um

ponto

de apoio do qual a criança pode se

assegu

-

rar

para

adquirir

confiança

de que algo novo e

interessante

poderá acontecer. Ou seja, seguir o caminho do r io - bus -

car meios

para sa i r desta situação ruim, de carência, de

in

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S6

veja,

de

cobiça,

etc .

A moça que é a

figura

central ,

aceita

o

desafio,e

ao

aceitar

t rabalhar

no

caste lo ,

vivendo

e

lidando com

a

su

je i ra

(galinheiro), se sujando inclusive, almeja passar des

percebida pelas

pessoas

que vivem no

castelo.

Torna-se fe ia

e

viver quase

completamente

na s ~

je i ra e no

esquecimento

- o

que pode representar

o

lado o b ~

curo

e

oculto

-

pode proporcionar vivenciar

o seu

o p o s t o i ~

to

é, ser bonita

e notada

por todos, inclusive pelo

lado

mas

culino.

o banho é o ponto de transição. a

possibi l ida

de de sair do mundo obscuro e

entrar

no

luminoso através

de

uma transformação. O banho , nos tempos antigos, sugeria

a

possibilidade

de

cura pelos

velhos

fe i t iceiros

da

era

paga.

Os

vestidos

aparecem

como

elementos da

natureza em

t rês

versões:

vestido cor

do campo

com suas f lores ter ra) ,

vestido

cor do mar

com todos os

seus

peixes (água),

vestido

cor

do

céu

com

todos os

seus

astros (ar),

e, por fim, o

bo

lo

dourado

que a moça oferece ao príncipe fogo).

Percebe-se

claramente que

os quatro

elementos encontrados na

natureza

encontram-se

representados na

roupagem da moça e no

bolo.

o

at ra i r

o

príncipe, ela ganha

um

anel.

Von

Franz

1981 )

fala-nos que se

um

homem

um

anel

a

uma m u l h ~ r

ele

expressa,

saiba ou nao, o

desejo

de l igar-se a ela ,e de

tê- la

ao seu

lado.

O

anel,

portanto,

signif ica

um elo, re

presenta estar

unido a

alguém.

m seguida, o príncipe

presenteou-a

com um brinco

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  7

e, por fim,

deu-lhe

um

colar cuja

significação

nos remete

à

idéia

de estabelecer um vínculo, já que ornamentam e perma

necem

junto

ao

corpo

da moça.

o bolo neste caso,

logicamente, é o

alimento que

nutre

nao

só o

corpo

mas também o

espí r i to sobretudo

por

que

se encontra

no seu inter ior o símbolo

daquilo

que

une

dois personagens:

o

anel,

o brinco e o

colar.

Finalmente, desvendando-se o mistério que rondava

a moça

que

encantou o príncipe, ambos se casam, o que

s igni

fica a

união dos

princípios

feminino

e

masculino

e o f inal

da his tória ou o

fim

do

caminho.

~

Portanto,

o

prlnclplo feminino

ou

receptivo

e o

masculino ou criat ivo se unem de forma harmSnica. Isto acon-

teceu por

ter

a

f igura

central

optado

por

seguir

o

caminho

ajudada pelas forças mágicas

(almofadinha

de

ouro),

cujos

acontecimentos nao são compreendidos

racionalmente,

pois f ~

gem à lógica. o mundo

in ter ior

subjetivo, onde

se

con

frontam extremos possíveis, onde

um

pólo

pode

se transfor

mar no seu contrário: rico/pobre, fei9/bonito,sujo/lfupo,etc.

o

conto

de

fadas usa

este processo

de transforma

çao

de

um pólo

a

outro,

transportando-nos para o mundo

da

p ~ ~ e o a l m a )

l o g u ~ s a b e d o r i a ) , onde

é

possível experimentar

toda uma

riqueza de

s i m b o l i ~ m o s

que

provocam

uma modifica

ção in te r ior

representada

pelas f iguras principais

da h i s t ~

r ia .

Melhor

dizendo,

no f inal do primeiro conto, João Bobo

não é o mesmo João do

princípio

da his tória

algo

sem dúvi-

da mudou. O mesmo

ocorre com

a moça da Almofadinha de Ou

ro . . .

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C PITULO

3

o CONTO

DE

F D S P R CRI NÇ S

3.1. Por que relatar contos de

fadas

para crianças

Dentro

deste

tópico,

temos as

posições

de

vários

autores, que argumentam

da

seguinte forma:

Segundo

Bettelheim,

os contos de fadas

oferecem

exemplos

tanto

de

soluções

temporárias,

quanto permanentes

para

dificuldades

prementes:

Es ta

e

exa tamente

a

mensagem que os contos de

fadas t ransmi tem ã c r i ança de forma múl t ip l a : que

uma l u t a

con t ra d i f i cu ldade s na v ida e i n ev i t ave l , e a pa r t e

i n t r í n

seca da

ex i s t ênc i a

humana

as que se a pessoa nao se i n -

t imida

mas

se

de f ron t a

de

modo

f i rme

com as o p r e s s ~ e s

i n e ~

peradas

e

muitas

vezes

i n j u s t a s ,

e l a

dominara

todos

os obs

t acu los

e , ao f im, emerg i ra v i t o r i o s a (Bettelheim, 1988,

p. 14).

O autor

declara ainda

que

em

contraste com as his

tór ias

fora de perigo , onde

não

se mencionam

nem

a morte

nem o envelhecimento, ou seja , os

l imites da nossa existên

cia,

os

contos

de

fadas

confrontam

a

criança

com

os

predi-

camentos

humanos básicos. Além

disso,

oferecem também no-

vas dimensões à imaginação

da

criança que ela

não

poderia

descobrir

por

s i só.

Outro

ponto colocado por

Bettelheim

é o de que

os

o n t o ~ também

nos

falam a linguagem de símbolos, como já

discorremos

no

capítulo

anter ior ,

representando

conteúdos

inconscientes

que apelam à nossa

mente consciente

e incons

ciente.

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S9

Bettelheim afirma ainda que

os

contos proporcio

nam

ã

criança

colocar alguma ordem no

caos

interno de sua

mente de

modo

a

poder

entender-se

melhor.

Este

sentido or

denador ao

qual

ele se refere condiz com o período duran

te

a infância, onde desde o nascimento a criança participa

da vida

psíquica

de seus pais, ou seja , ocorrem-lhe fanta

sias de estar

fundida com

sua mãe,

corno

se ambas formassem

urna

unidade.

Sendo assim, não exis te

urna

nít ida diferen -

ciação

consciente

entre

sujeito

(criança)

e

objeto

(mãe).

a medida em que a criança, no curso de seu desenvolvimen

to, vai

fortalecendo o ego (ou o

eu ), dá-se

início então

o processo de diferenciação, onde ela passa a

integrar gra

dativamente, no ego consciente, aspectos

antes

indiferen -

ciados·ou inconscientes, traçando

um

percurso simbólico

que

se

assemelha em muito t ra je tór ia do

herói

nos con

tos.

o

que

ocorre

realmente

é

que o conto

tende

a ofe

recer

ã

criança, na forma de imagens simbólicas,

possibi l i

dades

t ípicas e projetos

para sair

vitoriosa desta lu ta .

Estas

imagens

simbólicas

presentes

nos contos

são

condizentes

com as estruturas perceptivas e cognitivas

da

criança em idade pré-escolar.(como veremos no próximo caPi·

tulo) , já que nesta fase ela ainda não desenvolveu plena

mente as estruturas mentais

operatórias formais.

Nesta fase, a criança

ainda não

tem formulados

os

conceitos

objetivos

de bom e

mau ,

mas

os

percebe

de

acordo

com sua

própria

experiência,

avaliando-os com o

sen

timento.

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60

Comp]clllenLmdo ( 0111 urna ci tnção do l:ivro de Elisa

Hilty:

por iS80

que o c on t o de

f a da

ê

i m p o r t a n t e na

pduc a ç i o infantil

Ela n io en t en d e as c o i s a s e x p l i c a d a s

56 no v e r b a l

(

)

as

e x p l i c ç ~ e s r a c i o n a i s n ; o

a judam.

Com o

c on t o

de f ada pode - se d a r a imagem das

d i f i c u l d a d e s

da v i d a sem s o b r e c a r r e g i - I a e sem tirar a von t a de de v i v e r ,

porque o c on t o de

f ada

e sempre o t i m i s t a e a ju d a o

mais

f r a c o (Hi1ty, 1988, p. 23).

~

O

que ohservamos

nos

personagens

pr inc ipa is

dos dois contos de fadas relatados:

um

deles estava m e ç ~

do

por

um complexo de infer ior idade (João Bobo) e o outro,

pela inveja e perseguição def1agrada por sentimentos nega

t ivos

da

madrasta (a moça

da

Almofadinha de Ouro ). Ambos

sarram

pelo mundo e

viveram

urna

s ~ r i e

de

e x p e r i ~ n c i s

e t ~

refas

que

conseguiram

ser

suplantadas

ou

transfOl1TIadas

a t ra

v ~ s do auxrl io

de

ajudantes, sejam

eles

animais (como na

Rainha

das

Abelhas ) ou mágicos (a Almofadinha

de Ouro ).

A figura deste ajudante ~ importante

para

a c r i

ança pequena porque ela ~

sempre

dependente de nós e de nos

sa

ajúda, necessitando que a confortemos e a ajudemos a

en

contrar sardas.

a

mesma forma

que

nós adultos , ao

nos en

contrarmos numa si tuação de extrema

f ragi l idade ,

necessi ta

mos

de ajudantes,

sejam externos

ou internos. Ouvir a

nos-

sa voz interna, aquela

que

provém da nossa experiência,dos

nossos ins t in tos e

sentimentos,

dependendo

da

s i tuação, ou

sermos

ajudados por outras pessoas, pode-nos ser ú t i l para

encontrarmos um caminho

ou uma sarda para urna si tuação di-

f í c i l .

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6

Citamos a opini50 de Bettelheim

(1988)

sobre o

significado

dos contos

de fadas

para

crianças

e

concorda

mos com

elas.

Marie

Louise

Von

Franz

t m b ~ m

corrobora

o

que

relatamos anteriormente:

Quando se

con t a h i s t ó r i a

de

f adas

pa ra as

c r i a n

ças ,

e l a s se i d en t i f j c am i ngênua e

imed ia t amen te

e captam

t oda a

a tmos fe ra

e

s en t imen to

que a

h i s t ó r i a contem. Se

a

h i s t ó r i a

do

pobre pa t i nho

e

con t ad a , t odas as c r i a n ç a s que

têm complexo de i n f e r i o r i d a d e esperam que no

f im

e l a s t am

bem

se

to rnem

uma

p r i n c e s a .

I s s o

func iona

exa t amen t e

como

deve r i a s e r : o

con to o f e r e c e

um modelo

pa ra

a v i d a , um mo

delo

v i v i f i c ado r e

enco ra j ado r

que permanece

no i n o n s i e ~

te con tendo ,

todas

as po s s i b i l i d ad e s

p o s i t i v a s

davida

Von

Franz, 1981,

p.

74).

criança pequena compreende,

nao predominante-

mente

de forma racional , mas

in tu i t iva ,

e embora estas

his

tórias

não sejam

reais ,

trazem em seu

bojo

alguma verdade.

Os fatos são envolvidos por uma atmosfera mágica e podem

se

re fe r i r

a uma

experiência

interna e

de

desenvolvimento

pessoal,

pois os contos de

fada exprimem,

a t r a v ~ s de

uma

forma imaginária e simbólica, etapas s ignif icat ivas que en

volvem

o

crescimento

e a

aquisição de uma existência inde-

pendente.

Neste

sentido,

com base naquela

i d ~ i a

desenvolvi,

da anteriormente, o conto segue uma es t ru tura

semelhante

a

um

r i

tual in ic iá t ico,

onde provas devem

ser vencidas ein

função de galgar

uma

outra etapa ou uma nova fase de exis

tência

marcada

pelo ingresso

ao mundo adulto.

Sendo

assim,

podemos afirmar que

os contos

re t ra

tam, atrav;s

de

seus personagens e acontecjmentos,

os

nos-

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6

5 0 S próprios teJJlores e :incapacidades contra os quais t e re -

mos de lu ta r ,

assim

como os animais,

as

velhinhas

ou

os

ob

je tos

mágicos

r e p r l ~ c n t a m

as

nossas

capaddadcs

e

poss ib i-

l idades in te rnas ,

conhccidas

ou não,

que

poderemos

obter

para

superar

nossas dif jcu]dades.

o

psicólogo junguiano

IIans

Dieckmann

exemp1ifica

brilhantemente

esta id f ia

que

acabamos de

mencionar:

Toda

p es s o a

e x p e r i m e n t a ,

após

uma

e t a p a de d e

p e n d ~ n c i a

m ate rn a , a

p r i m e i r a au tonomia

e

d e s l i g a m e n t o

na

f a s e da

t e i m o s i a ; t o d a p es s o a

tambem ex p e r im en ta na p u b e r

dade

o d e s p e r t a r da

s e x u a l i d a d e

e a

n e c e s s i d a d e de r e l a c i o

namento com

o

o u t r o s ex o .

Cada

um tem a

e x p e r i ê n c i a

da

p r ~

b J em á t i ca da m e i a - i d a d e , quando a v i d a

d e c l i n a

e

d e v e r i a

ir mais em p ro fu n d id ad e do que que em s u p e r f l c i e . E cada um

v i v e n c i a a m o r t e , com o

prob lema

da

t r a n s i ç a o

p a r a

o u t r o

mundo ou

o u t r a

forma de e x i s t ~ n c i a , do q u a l

nada s a b e m o s ~

Quando en f r en t amo s t a i s s i t u a ç õ e s

novas

e m u i t a s

v ezes a n

g u s t i a n t e s ,

t en t am o s ,

em p r i m e i r o

l u g a r ,

f o r mar uma imagem

das e v e n t u a i s p o s s i b i l j d a d e s como poder i am

s e r ,

como

d o

m i n á - l a s , qua i s os

p r o b l emas a r e s o l v e r e q u a i s os

p e r i g o s

a e n f r e n t a r ( ) as s i m a compreensão de um co n to de f ad a

pode

t e r

v á r i a s

f a c e t a s ,

o

p s i c o l ó g i c o

e somente p a r t e

dos

p o s s í v e i s c ? n t e ú d o s , e em cada f a se

da

v i d a um s ímbolo p o

de

s e r

p reen ch id o por o u t r o con teúdo c o n c r e t o , a d i c i o n a l .

Ganha-se , d es s a fo rma, novo e mais ap r o f u n d ad o s e n t i d o e

a l a r g amen t o da

c o mp re e n s ã o

(Dieckmann, 1986,

p. 16). /

Algumas pessoas podem argumentar que a idéia de

um

f inal fe l iz , assim como a

promessa

de

que

a

figu:r

a

I

principal

to rnar -se-á a dona absoluta de

um re ino,

concebi

da na

maioria dos contos de fadas, produzirão

na

cr iança

um concepçao i lusór ia e

otimista

de vida.

Por tan to ,es tas

fantas ias poderiam ser faci lmente extinguidas, j á que

se

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6

constata

que a mesma pontuada por

fr3cassos

e

~ x t o s

que

nem sempre levam a

um

f inal fe l iz .

Entretanto,

o

conto

se

passa num universo

também

mágico,

onde só

podemos v is i t a r

com

o

nosso pensamento,

e

o mundo

que se mostra através dele

é o mundo dos

nossos so

nhos, fantasias , medos,

e

l imitações

que podem ser

vividos

ou confrontados

de acordo

com a si tuação,

quando aceitamos

os r iscos

que

eles

contêm.

ão os enfrentaremos sozinhos

mas

com

ajuda

de

alguém

ou

de uma

força

que

advém

de

nos

mesmos mesmo

que para i s to

devamos

sa t i s fazer as

-

Xlgen-

cias impostas

por estas forças

ou ajudantes.

Sendo assim,

existe

uma esperança real

que se apresenta

ã criança de que

o

reino será dela,

e

que será r.ecessário que

o

aconchego

do

la r

seja deixado

para que

ela

efetue esta

conquista

ou

esta

busca de seu próprio

reino,

no qual ela re inará .

Esta ansiedade, possivelmente provocada pelo aban

dono do l a r , da segurança inerentemente proporcionada pelo

afeto

da

família , é compensada ou subst i tu ída pela união

do príncipe

com

a princesa , do elemento

masculino

e do fe-

minino, ou seja , por

uma

relação onde o parceiro ou a par-

ceira

ideais

foram encontrados e , conseqüentemente, aquela

ansiedade in ic ia l pôde

ser

transcendida.

-

ortanto, o

f inal fe l iz sugere a

criança que

todas estas

tenta t ivas para superar o medo, vencer os desa

f ios, enfrentar forças

que personificam conteúdos

negat i

vos

ou

sombrios

podem

ser

coroadas

de

êxito,dando-Ihe

o

es

tímulo

necessário para que ela encontre

saídas f rente a es

tes obstáculos.

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6

Ao

Jmaglnanllos, nas

dU JS

11jstóyjas

que relatamos,

o castelo no

qual J050

Robo e seus

irm50s se encontravam,

onde havia

animais

petyj f icados um

homenzinho estr3J1ho

que

ao fa lava,

e

pessoas aJoJ mecidas,

pode-se

in tu i r ou sen-

t i r

que l o tempo parou, como se o curso natura l da

vida

houvesse

parado

ou

sido interrompido,

s ina l de

que

algo não

ia

bem.

o

mesmo

podemos sen t i r

na

his tó r ia

da

Almofadi-

nha

de

Ouro ,

onde

a moça

renegada

e

maltratada pela

ma

dras ta sa i de casa

e

vai

t raba lhar

num caste lo

onde

assu-

me uma aparência

suj a e mal

chei rosa . f

corno se

através des

ta

imagem

pudéssemos perceber que

o

abandono

e o complexo

de

rejeição a

que

o

personagem

fo i submetido

adquirissem

forma, passando a fazer par te de seu cot id iano.

Aqui,

a

transformação

e a

v i v ~ n c i

do

lado

limpo

e

luminoso

eram

necessir ias

para

que ela

passasse

a ser o que realmente

era:

um

ser dese j ive l .

Neste sent ido,

o conto

de fadas l i da

com

as p o ~

ridades

no t ranscorrer

da his tó r i a ou se ja :

o

bobo vi ra

esper to ,

o

fe io se torna bonito, e tc .

Estas

nolar idades in

clicam

que

aquela at i tude

consciente in ic ia l p6de ser t rans

formada no seu

extremo oposto,

p o s s i b ~ l i t n d o

a

vivência

de experiências novas, enriquecedoras.

O mesmo se

apl iça

ao nosso dia-a-dia onde tam-

bém lidamos com si tuaç5es extremas: um

dia

estamos bem, no

outro

estamos

mal,

e

somos

quase

que

impelidos

a

conviver

com es tas si tuaç5es q ~ e nos

levam a

r e f l e t i r

e

rever posi -

çoes.

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65

Os contos

de

fadas,

ao ret ratarem

es tas

polar i

dades, t ~ m recebido

ainda

muitas cr í t j cas

que dizem

respei

to

ã sua crueldade

ao

re la ta r

temas

como a

morte,

p e r s o n ~

gens excessivamente

maldosos,

e tc . ) .

om relação

ã

crueldade presente

nos

contos, des

tacamos a opinião de Jesualdo sobre este assunto:

Em

l i v r o s

como

os

do a rg e n t i n o

Germãn

B e rd i a l e s

e do mexicano A n t o n i o r ro b l e s , ambos a u t o r e s de

i n f a n t i l (

..•

)

li

d u ras c r í t i c a s l i t e r a t u r a

literatura

t i d a por

c l á s s i c a .

R a i a p e l o

i n c o n c e b í v e l , dizem,

que se

dêem ã

c r i ança

co n to s

como

P e l e de

A s n o ,

h i s t ó r i a de um r e i

que

enviúva

e

p r e t e n d e c a s a r - s e

com a p r ó p r i a

f i l h a ;

( .•. ) ou

a de Chapeuzinho

Vermelho,

conto

e s p a n t o s o

de um l obo que

devora a

v e l h i n h a

e a sua

n e t a

(

• • .

) Jesualdo, s ~ d p. 41,

43)

O

autor ainda nos

aponta que estes

c r í t i cos se

aterrorizam com t a i s coisas , mas no entanto, será que

sen-

tem o

mesmo

horror

ante

as centenas de crimes

bárbaros

que

aparecem nos

jornais?

Será

que

é necessário suprimir

ou

fa lsear

os

con

tos

de fadas,

para

oferecer ã criança

his tó r ias repletas

apenas

de

boas

intenções,

onde todos os personagens são ru

veis

e bons,? Será

que

esta at i tude não

será

fa l sear a

rea

l idade,

retratando-a

de forma

puer i l?

A psicóloga

junguiana

Vera Kast, no seu d e p o i m e ~

to

a

uma rádio

suíça

sobre contos

de

fadas,

relata-nos

que

nos anos 70 houve uma época em que censuraram o lado bru

t a l dos

contos,

até que as crianças

reagiram.

Ela acredi ta

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66

que as crianças precisam t e r contato com es ta

crueldade,

lbdas

as

devidas

proporções (no caso, o

conto

Barba

Azul

seria

uma

cxccç50

j5

que

o

clima

de

t e r ror

exposto

na

his

t6r ia

6 excessivo). Diz

a psic610ga que

censuraram

tempo-

rarialllente os contos, mas os not ic i5r ios e

os

filmes

vio-

lentos continuaram a ser t ransmit idos.

Portanto, não é banindo o

mal

ou o

lado

mons-

truoso dos contos

de

fadas que

se

impedirá

que a

criança

tome

contato

com o lado

negativo ou sombrio

da

vida. Mesmo

porque a

cri .mça

também

carrega

dentro de s i o

seu mons

t ro , ou

suas fantas ias negat ivas,

e

caso

não

seja

estimu

lada a

[a la r

sobre

elas ,

não poderá conhecê-las e nem en

tendê-las ,

o

que

acarre tar ia

um

sentimento

de

impotência

face ~ suas piores ansiedades.

o

escondermos a face cruel exis ten te nos con-

tos da criança, estaremos t ransmit indo-lhe uma visão unila

te ra l e l imitada da vida, ou seja ,não

lhe daremos oportuni

dade de pres tar

atenção aos seus

desejos e

fantasias mais

fntimos,

aqueles oriundas

do

nosso

lado obscuro,

inconsci-

ente. o

lhe oferecermos

his t6r ias

com uma visão

de

mundo

objet iva, rac ional is ta ,

equivocada

e inadequada, não a

es

taremos

alimentando,

também com imagens e his t6r ias que

dão

algum

sentido ~ suas

emoçoes.

Segundo Hans Dieckmann,

Com b as e num c a t a l o g o t ão

macabro ,

não é

de

ad

m1rar

que

sempre

houve

e s f o r ç o s

pa ra

b a n i r

o

con to

de

f ad a

do

q u a r t o das

c r i a n ç a s ,

ou ao

menos,

quando fos se

p o ss t v e l ,

p u r i f i c a - l o da

crue ldade

pa ra

o f e r e c ê - l o às

c r i a n ç a s

em

ver

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67

são

mais

amena. O que e

de

e s t r a n h a r e

que

t a i s

e s fo r ç o s

nunca foram coroados

de ê x i t o . Sempre f r a c a s s a r a m ,

p e lo

~

to

de que as p r ó p r i a s c r i an ças não es tavam mui to i n t e r e s s a

das

n es s as

formas

p u r i f i c a d a s ,

e

an s io samen te

l i am

o

t e x t o

a r c a i c o e c r u e l quando

conseguiam

a p o d e ra r - s e d e l e D i e c ~

mann 1986, p. 116).

E

importante

lembrar que esta crueldade

nao acon

tece

com

os personagen s malvados ,

e nem

só para os i ~

gênuos

e

desprevenidos,

mas também como

provação

imposta

ou

causada

pelo

próprio herói

ou

heroína

das

his tór ias .

Nas his tór ias

que relatamos,

percebemos que a moça

de Al

mofadinha de

Ouro

também esteve

suje i ta

a

situações

desa

gradáveis e até cruéis , como o tratamento que recebeu de

sua madrasta.

Resta-nos ainda a

dúvida

se esta

crueldade

real

mente

leva a

criança ã perplexidade, ou se

não

passa

de

um

temor manifestado pelos

adultos perante

o

prazer m a n i f e s t ~

do

pelas crianças

f rente ã

violência

dessas

his tór ias .

O

que

os

adultos

nao se

dão

conta é que, da mes-

m forma que as crianças observam

atos

cruéis nos contos,

elas

também contemplam os atos humanitários , como salvar

a vida de alguém, não matar os animais, etc .

importante

f r i sar que

o ser

humano,

como ser

natural , não contém

o

lado bom

e

protetor ,

mas também o

seu

lado

crue l ,

temível.

Tomando como

exemplo

a

nossa

real idade, a

cruel

dade

tem

sido

presenciada

por

nós

brasi le iros

quase

dia

r ia

mente. Basta sa i r pelas

ruas

ou l e r

e

ouvir as notícias

dos

jorna is .

Parece

mesmo

que ela já faz parte

do nosso

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cotidi;lno,

e

~ vezes chegamos

mesmo a

nao

nos

m ~ d s

CUJTl e l ~

8

espantar

A

diferença que

h5

acreditem

ou

n30,

é

que nos

contos de

fadas,

e no

universo

imagin3rio dessas

his t6r ias ,

hi

r e s i s t ~ n c i contra essa crueldade,

e ~ s

vezes ela

su

plantada ou banida,

coisa que difici lJnente

tem

acontecido

na

vida

real enfrentada diariamente por n6s, bras i le i ros .

Portanto, es te aspecto cruel proclamado

por

a l -

guns ~ u t o l e s

ou pessoas

revela , queiramos ou nao, uma das

facetas

do llundo cm

que vivemos,

e

é at ravés da vivência

e

do confronto dos personagens

dos

contos com es tes

aspectos

degradantes

que

se

P l S S l biJ ta que a criança aprenda a

l idar com os

mesmos.

s

contos

têm

recebjdo

também

outras

c r i t i ca s

a

respei to

do

seu ca r i t e r inora] i zante,

onde o bem

quase sem

pre prevalece sobre

o

mal;

ou

se ja , na lu ta entre

o

persa

nagem

bonzinho

e

ingênuo

e o

outro malvado

e i n e s c r u p u l ~

50 ,

es te

último na maioria das vezes sai perdendo.

Neste

sent ido,

o conto

nos

propoe

uma d i s c u ~ s ã o

sobre os

pr incípios

é t jcos ,

que

levam

a uma

apreciação

de

padrões de

conduta susce t ive is de uma

qual i f icação

mani

queis ta .

s

personagens dessas his t6 r ias seguem

um

pr inçf

pio de polar ização: ou

são

boas, ou

más; nao

seguem

um

meio-termo,

ou nao sao ambivalentes,

como somos

todos na

real idade.

Para Bettelheim,

a

apresentação

das

polar izações

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69

rl e c a r ií t e r p L r n te ã c r i :1 ç a o

II

p r e ( 11 d e r f a c i 1me n t c a d i f e

rença entre

JS

(luas

figllr:ls,a

mií c a boa,

f icando-lhe d i f í

c i I d j s t i n g

ld -

1 a s c a s o c s t

:J S

f o s sem r e p r e

S

e n t a das c o m

to

-

  ~ a s as r:olllplexirléldes liue

caractcr:ÍZam as

pessoas

rea is .

A 6m

d i s s o -

diz o autor - as escolhas das cr ian

ças não são hascadas no certo veJr.6lL.6 errado, mas sobre

quem

lhe

despertél

sjmpatia ou : lnt ipat ia . A

cr iança

se ident i f i

ca com

o her6i

ou

a f igura cen t ra l nao por causa de sua

bondade,

mas

porque

a

condição

do

her6i

lhe

t raz

um

p r o u ~

do apelo

posi t ivo.

Marie Louise Von Franz (198Sb), por sua

vez,

co

loca que existem

duas

coisas que ditam o comportamento

hu

mano: o c6digo ét ico cole t ivo que também se pode chamar

de superego freudiano, e a reação

moral

de cada

indivfduo.

Além deste c6digo ét ico cole t ivo que somos

obrigados

a con

s iderar

para

não nos vermos em

apuros, cada indivfduo

p o ~

sui o seu pr6prio nível ét ico e forma de

reagi r .

Algumas pessoas

devem t e r - se

deparado

com ou

t ras que ins is tem em acredi ta r que estão agindo

da

forma

cer ta

quando sabemos que

podem

es ta r

prejudicando

te rce i -

ros.

Cada um

sempre

tem um bom motivo para ju s t i f i ca r aqui

lo

que

para

outros s e d a um

equívoco.

Poderíamos fazer ~ m l ige i ro percurso

através

da

his t6r ia

das

re l igiões e das mitologias , que sempre

t en ta

ram,

i

sua

maneira,

expl icar a presença do mal. Foi

a t ra

vés

dos

mitos

que

o homem

ant igo

personif icou

as

forças

no

civas da natureza, assim corno o medo ou o temor

f rente

a

estas

forças

ainda incxpl icáveis do ponto de vis ta racional.

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7

John Sanford lembra-nos que o diabo,

por exemplo,

é

representado na forma

de cabra

porque

as

divindades pa

gãs

das

f lores tas

apareciam

sob

esta

forma.

O

casco

cl iva

do

pode ser vis to

como o casco

de Pã,

e

seus chifres sao

como os

de

Dioniso.

Entretanto, d iz-se também

que

os

chi

fres

do

diabo

têm

sua

origem num deus cornÍfero, adorado

numa rel igião

da

natureza

da ant iga

Ingla te r ra , conhecido

como

Wicca.

Havia outras divindades cultuadas na Inglaterra

que foram combatidas com a chegada do

cris t ianismo,

como

por

exemplo, uma divindade feminina,

a benéfica deusa

da

cura e da

fe r t i l idade ,

e

um masculino

e benéfico deus cor

nÍfero. Com a deflagração de

um movimento para reprimir

a

velha re l ig ião Wicca passou para o submundo e foi en

tão que

as bruxas

com seus caldeirões e vassouras ins t ru

mentos estes l igados às

tarefas

domésticas exercidas essen

cialmente por mulheres), tornaram-se f iguras do folclore .

Com

i s to conclui-se que

as

divindades cultuadas nas

ant i

gas rel igiões

passaram a t e r as suas funções absorvidas

p ~

1

crist ianismo,

de acordo com

seu

aspecto

moral: Zeus,foi

sincret izado

com

o Deus juda ico-cr i s tão . Mas

Dioniso, por

exemplo,

deus

do

êxtase

e do ~ r z e r

i l imitado,

não teve e ~

paço após a ins t i tu ição

da

igre ja ,

da

mesma

forma

que Afro

di te ,

considerada

deusa de ~ r s e

da

união sexual .

Esses deuses e deusas negligenciados e r e je i t a

dos,

e

as funções

psicológicas

que

eles

personificam

foram

tornando-se objeto

da repressão

cr i s tã e reapareceram no

folclore e na l i t e ra tura .

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7

Do ponto

de

vis ta da psicologia

junguiana, o

mal,

ou a

personificação

deste, tem sido

associado

a

aspectos

sombrios, negativos

da

personalidade.

Dizemos negativos

porque a sombra,

de

maneira

geral ,

é tudo aquilo que faz parte

de

uma pessoa mas que

ela desconhece. omo enfat iza Jung, a sombra é simples

mente todo

o

inconsciente .

E o

inconsciente,

como

define

a

escola

junguiana,

é

dotado

de

aspectos

cr ia t ivos

(quali

dades

do

indivíduo que

podem

se

desenvolver de acordo com

as condições externas

e internas) e aspectos

imaturos ou

inferiores (fraquezas,

complexos reprimidos,

negativos, e tc . .

sentimentos

E

importante

not i f ica r que

a sombra refere-se nao

a

aspectos

pessoais ,

mas também colet ivos.

Percebemos

quando um grupo

ou uma nação es tá

sendo

dominada

pela

sua

sombra

quando ocorrem manifestações rac is tas ,ou surgem

r ~

conceitos colet ivos que levam aquele

povo

a cr ia r

um

bode

expiatór io.

Neste

caso.

a sombra destrutiva

é projetada

num

ser ou num grupo

socia l ,

que representariam os

geradores

de

todos

os

males .

Neste sentido,

os

contos explicam o

mal de for

ma clara , assim

como o

desenvolvimento de forças

boas,

que

podem re fer i r - se a

aspectos individuais

e

colet ivos. omo

ressa l ta

~ a r i e

Louise

Von

Franz,

não

se percebe

nos

contos

de fadas uma

maneira

de l idar com o

mal.

Lida-se

com ele

de uma forma

ou

outra, dependendo das circunstâncias: ora

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7

opondo-se a ele de forma resoluta , ora devendo-se aproxi-

mar dele

indiretamente, ou

mesmo

fugir

dele, o

que leva

o

personagem

central

a

vivenciar si tuações

novas

que

o

levam,

no f inal a uma

renovaçao.

-

e

qualquer maneira, nota-se que

se

ve r p r s ~

tados nos contos aspectos cont radi tór ios , que nos levam de

um

extremo a

outro.

E é

justamente

com es ta contradição

que

convivemos diariamente, quando

se

t r a ta

de

tomar posi

çoes

frente

a

determinadas

si tuações.

Neste

sent ido, assim

como

nos

contos

de

fadas,

vivemos constantemente

num confl i to é t ico: uma coisa é boa

ou má, dependendo da posição privi legiada pelo indivíduo.

momentos

em

que pode ser interessante

real izar

aquilo

que o

coração

manda - privi legiou-se o sentimento.

Em

ou

t ros momentos é preciso ser r ea l i s t a objet ivo ,

pr ior i -

zando-se

a

posição

racional , ou a

função pensamento. Ou en

tão,

o

que

é

bom para alguém pode

ser mau

para outro.

Portanto, o confl i to

é t ico

ou

aquilo que

é cer

to ou errado

para um indivíduo ou

para a colet ividade, ten

de a

ser re la t iv izado

de

acordo

com

o momento.

E claro

que

se uma

pessoa

ou

um

grupo tem cons-

ciência

da sua

natureza

ou potencia l idade,

assim

como o co

nnecimento

objetivo

dos pros e contras

de

uma determinada

situação,

a possibil idade de tomar uma at i tude que lhe se

ja

benéfica é

maior.

Recapitulando, então, a par t i r da santa inquis i

ção,

aguçou-se o

conflito ét ico . onde se julgava necessário não

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7

entrar num

confl i to

s ~ r i o com

a sombra, mas neg5-la

ou

re -

primi-la . Portanto, as noções

de mal e bem não se con

figuram

por

s i

mesmas; mas

são

re la t ivas

a

um

ponto

de

vis

ta seja

cul tura l ,

individual ou

re l igioso.

Com relação aos contos, f ica-nos di f í c i l carac-

te r izar qual é o seu

enfoque

ét ico: às vezes os persona-

gens são

levados

a

mentir para se safar de algo perigo-

5 0 ;

outros

adotam

uma

posição de

confronto e ,

por

fim, a l-

guns

podem

se

a l ia r

às

forças

consideradas

negativas

e

t ransformá-las

em posi t ivas .

Segundo Von

Franz:

E por e s sa r azão que os

con tos

de

fadas são tao

impor t an t es . Neles encon t ramos r eg ra s

de

comportamento , de

l i d a r com e s sa s co i s a s . Muito f r eqüen temen te não se t r a t a

de

um

assun to

e t i c o

muito

c l a r o ,

mas

de

como

se

encon t r a r

um

caminho de s abedo r i a

n a t u r a l

(Von Franz, 1985, p. 203).

Portanto, es ta visão

de

que

nos contos

de fadas

é passada

a mensagem

de que

se

tem que ser bonzinho para

conseguir

as coisas , é

uma anál i se

parc ia l .

Primeiramente,

não

existe

um

único

comportamento

válido para todos os cog

tos . Cada

his tór ia

se

desenrolará

de

urna

forma

e o

p r s o n ~

gem

principal agirá de acordo

com

as circunstâncias :

-

era

esperto, corajoso, ou esperará

o momento

adequado, ou agi

de

maneira in tui t iva ou de

acordo com seus

sentimentos,

enfim

nao

existe

um

comportamento padronizado em todos os

contos.

o

conto de fadas diz

à

criança que

o

mal exis

te

e

que se

deve

ora confrontá- lo , ora simplesmente sucum-

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  S

bit frente a sua

presença, para

que

esta força negativa

torne-se

posit iva, nem

que

para is ' l6'sej am necessárias aI

gumas

perdas

e

provações

a

fim

de que

seja

possível

viven

ciar um processo de emancipação.

Outra

cr í t i ca que

se

faz aos

contos

refere-se

ao

papel

passivo

e degradante reservado

à mulher,

como

na

história que contamos ou mesmo

na Gata

Borralheira ,

on-

de

as

mulheres sujeitam-se a

t r a b a l h o s , ~ r ç a d o s

como se

impõe a

uma criada.

...

E claro que um adulto ou uma criança com o míni

mo de sensibil idade não ficarão

impassíveis

frente ao

t ra

tamento recebido ou imposto ao personagem, e

certamente

o

recriminarão podendo dizer , ou perguntar:

por que

o obri

gam a fazer isto?

Mas, a despeito

dos

contos

serem

extraídos de

representações

culturais delineadas há no mínimo t rês sé

culos, será que em nossos dias a mulher já se encontra

isenta de assumir o

papel

de faxineira e provedora do

lar?

Não só sabemos, mas

vivenciamos

em uma socieda-

de

ainda patr iarcal ,

que a mulher de hoje ou assume os vá

r ios papéis mãe, tarefas domésticas, esposa,

trabalhado-

ra remunerada, etc . , ou contrata alguém para

fazê-lo,

salvo

raras exceçoes.

E bom expl ici tar que

nao

compactuamos

com

este

t ipo de postura ou ati tude

machista ,

mas o que queremos

ressal tar é

que

não é o conto o principal veiculador de

uma

moral,

mas ele

simplesmente

traduz uma experiência vi

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76

vida

pelas

sociedades desde

os

tempos antigos. claro

que

ocorreram mudanças

em

alguns setores da

sociedade

ap6s os

movimentos

feministas

de

l ibertação

da

mulher,

mas

esta

ainda vem

sendo

subjugada ao homem tanto do ponto de vis-

ta

legal (conforme

a

legis lação

de

alguns países) , como

cultural ,

ao

ser relegada

também

às tarefas domésticas.

Neste

sentido,

além

de

termos

explici tado

que a

criança certamente

também

julgará

determinadas

s i

tuações

e

comportamentos

considerados

avi l tantes por

a.

gumas

pessoas, cabe

ao

educador, aos

pais ou à pessoa que

veicula contos

de

fadas mediar se

necessário,

questões

que

possam

vi r

a

surgir por parte

das

crianças acerca

destes

t6picos

apontados.

3.3.

O mecanismo de projeção e

introjeção

de Melanie Klein

Dentro desta questão

acerca da polarização do

bem

e

do

mal

percebida nos contos

de

fadas, descobrimos,

através

da

teoria

de

Melanie Klein (in Segal, 1975) acer-

ca dos

mecanismos de

defesa,

subsídios para

compreender

como a

criança

l ida

com

sentimentos

negativos

e

posi t i

vos. s considerações abaixo são

baseadas no

l ivro

de

Hanna Segal (1975).

De

acordo

com

a: autora,

j

á no nascimen-to

existe

ego

suficiente para

experimentar a

ansiedade. lnicialmen-

-

e

o ego e amplamente desorganizado,

embora,

de

acordo

com toda

a

fundamentação

acerca

do

crescimento

f ís ico

e

psico16gico,

ele já possuia

desde o começo

uma

tendência

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77

ã integração. Desde cedo o ego tem uma relação com o o ~

jeto primário o seio sendo este estágio dividido m duas

partes:

o

seio

ideal

e o

persecutório.

A

fantasia

do

obje

to

ideal

funde-se

com

as

experiências grat if icantes de

amor e

alimentação

recebidos da mãe externa

rea l

e é con

firmada

por

essas

experiências ao passo que a

fantasia

de

perseguição

mescla-se de forma semelhante com expe

riências reais de

privação

e

sofrimento

as

quais

são

atri

buidas

pelo

bebê

aos

objetos perseguidores.

A

privação

portanto

se

const i tu ir ia numa amea

ça

de aniquilação do objeto ideal e do ego resultando na

ansiedade. Neste sentido

o ego desenvolve

uma série

de

mecanismos de

defesa

sendo

provavelmente o

primeiro um

uso defensivo de introjeção e de projeção. omo medida de

defesa

o ego esforça-se

para

in t ro je tar o

bom

e

para

pro

je ta r o mau ou o bom é projetado

para

mantê-lo a

salvo

do

que é

s e n t ~ o

como uma maldade interna. Portanto

em

situações de

ansiedade

a divisão é ampliada e a

projeção

e introjeção são usadas a fim

de

manter

os

objetos perse

guidores e ideais afastados o máximo possível um dos ou-

t ros mantendo-os também sob controle.

Portanto esta ordenação

de

experiência

que ocor

re com

o

processo de

divisão

em

um

objeto

bom e

mau

rege

o

universo

das

impressões :emocionais

e

sensoriais

da

cr i -

ança e consti tui uma precondição da

condição

posterior .

Trata-se segundo a

autora

citada da base do que mais

tarde

se

torna a faculdade de discriminação

cuja

origem

é a diferenciação primitiva entre bem e mal.

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  8

Percebe-se

que

estas

fundamentações de Melanje

Klein

estão de

acordo

com Bettelheim, corno já descrevemos,

quando

ele

diz

que

a

polarização

em

figuras

más e

boas

]lOS

contos

de

fadas permite à criança compreender mais

fac i l -

mente

a

diferença entre as duas,

o

que

ser ia mais d i f fc i l

se

estas

qualidades fossem mescladas

num

mesmo

personagem,

corno acontece na vida real .

Neste

sentido,

atrav€s de

mecanismos de

proje

çao e introjeção destes aspectos bons e maus

encarnados

pelos personagens

dos contos

de fadas,

a

criança

tem a

possibil idade de

ver espelhado ou

ref le t ido

o que

se

pas

sa

em

seu psiquismo, identif icando-se ora com processos

destrut ivos

de

um

determinado

personagem, ora com os cons

t ru t ivos corno requeiram

suas

necessidades momentâneas.

Conseqüentemente,

a par t i r

de todas

estas

colo

caçoes,

dentro da perspectiva apregoada pela psicologia

ou por estudiosos

da mesma

f que

apesa r das

crf t icas

ca

bfveis

à prát ica

de se re la ta r

contos

às

cr ianças, perce

be-se

que

algumas já

caducaram

f rente

às evidências

e

às contra-argumentações

de

alguns

autores.

Outras

não

p r ~

cisam buscar nos contos as rafzes dos

males

sociais ou

exemplos

excessivamente

moralizantes que proporcionam à

educação das crianças. as estas representações

extrafdas

de realidades

subjet ivas e objet ivas nada mais são do

q ~

os

reflexos

das

próprias contradições

a

que

somos expos

tos

enquanto

seres

socia is .

E

o conf l i to

€tico

no

qual s ~

mos levados

a

considerar

e aval ia r

constantemente

de acor

do com a si tuação,

visto que ignoramos

o

que

seja o bem

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79

e o

m3] em s i mesmos.

r

também

com

es te

cunf l i to é t jco que

a

criança

se

dcp:na quando

em cont 3to

com

os contos de fadas,

o

que

impljca que

a

postura

do

contador

de

his tó r ias é

funda-

li:cntaJ para

cr ia r um

atmosfera

propfc ia ,

onde

não

sera

dado ;:nfase

nem

reforço

ao

compor1amento dos personagens

]1onzjnhos em

detrimento

daqueles considerados maus . O

jdeal é que

o narrador

se ja um mediador,

sem

qual i f icar

personagens e si tuações

de

fOllna maniqueísta, o

que

propi

c i

ar ia que as

imagens

dos

contos e seus

personagens fa -

lassem

por

S l mesmos .

-'

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A VOC ÇÃO

P E n A ~ n G J C A

DOS

CONTOS

DE F D S P R

A

CRI NÇ

M

ID DE

P R ~ - E S C O L A R

Após

discorrermos

sobre as supostas orIgens dos con

tos

de

fadas

sua herança cul tura l sua

linguagem simbólica

que proporciona

algumas

le i turas dentre elas a de espelhar

aspectos do psiquismo

buscamos ao

longo deste trabalho elu

cidar

a importância e as implicações de se

re la ta r

contos de

-

adas as

crianças.

-

altou abordar o

seu

papel dentro do

contexto

pre-

escolar

e

neste sentido temos que recorrer às considerações

até então formuladas por Piaget 1 9 7 8 ~ e E. acerca dos aspectos do

desenvolvimento i n fan t i l do ponto de vis ta

cogni t ivo-afe t i -

vo

para

situarmos melhor

esta cr iança que encontraria den-

t ro do espaço

educativo

a

possibil idade

de

desenvolver mais

eficazmente

as suas

potencia l idades.

Destacamos

a

pré-escola

e a

criança

em

idade

pre

-

escolar

por

acreditarmos

ser

mais

proeminente

na primeira

in

fância

uma

identidade maior

entre

afet ividade e cognição; ou

melhor

são aspectos complementares como sugere

Piaget

que

acompanham a

criança

no decorrer

de seu desenvolvimento

mas

que encontram

na fase

pré-concei tual ou

pré-operatór ia

uma

i n c i d ~ n c i a

maior.

~ a s

é

durante

esta

fase

que

se

configura

em

maior

grau uma n ã o - d i f e r e n c i a ç ~ o entre o mundo

f f s ico

e

o mundo

psfquico

que

segundo

Piaget

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8

~ de se e s p e r a r que con s i d e r e como VlVOS e

c on s -

c i e n t e s

um

gr ande

numero de co r po s

que

pa r a nós

ao

i n e r t e s .

es te

fenômeno

que

designaremos de anúnLómo

(Piaget , ] 9 7 8 ~ , p . 1 3 9 ) .

E

durante esta fase pré-lógica

que

a criança

dis-

poe

de

um aber tura

maior para o faz-de-conta , o mágico

j á que se encontra mais próxima da

inconsc

i ênc i

a,

visto

que

o ego, nos primórdios

de sua diferenciação,

não está plena-

mente

capacitado

para estabelecer relações lógicas ,

racio-

nais

e

objet ivas entre

o mundo

in te r ior

e o

exter ior .

Neste sentido, as crianças desta fase acabam por

se

envolver

mais

inteiramente com as

his tór ias

de

encanta

mento e

magia, ident i f icando-se

em maior

grau

com a

sua l in

guagem simbólica imaginativa, já

que

a mesma não a sobrecar

rega

intelectualmente.

A pa r t i r do momento em que a criança atinge a fa

se operatória ,

por

volta

dos

se te anos de idade,

as

est ru tu

ras lógicas atingem um maior maturação, e a par t i r daía es

cola,

a sociedade e a própria criança passam a requerer mais

o exercício das suas capacidades

lógico-racionais .

Isto não

impediria que

o conto de

fadas

pudesse ser

um

estímulo a e ~

tas cr ianças, assim como aos adultos, de

ent rar

em

contato

com

as

suas imagens r icas

que

ref le tem os aspectos

do dq

senvol

vimento

ps

íquico

as s im corno a

possibilidade

de se extrair

delas

um fonte de

a u t o c o n h ~ c i m e n t o .

Portanto, apesar de

nos

dirigirmos mais especif i

camente

i

criança

em

idade

pré-escolar ,

algumas

considera

ções

podem ser

pert inentes

também nas fases subseqtientes a ~

sim como

aos adultos que precisam

alimentar-se destas his

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82

tór ias no

sentido

de

mobilizar

a sua capacidade imaginativa,

ou mesmo de estabelecer um vínculo s ignif icat ivo com os sim

bolismos

presentes nestas

histór ias que

se

conjuminam

com

sua his tór ia

pessoal

e/ou

cul tura l .

sem dúvida,

um desafio

buscar uma referência

nos estudos de Piaget acerca do

desenvolvimento

dos aspectos

cognitivos

durante a infância, mas não menos s ignif icat ivo ,

pois, sem

dúvida,

o

autor

se voltou para as pesquisas acer

ca

da

função

do

pensamento

ou

cognit iva ,

e a emoção

não

o c ~

pou um espaço maior nos seus estudos, apesar dele

pontuar a

sua relevância.

A

despeito de

o

autor sustentar que

o afe

to e a intel igência

são

dois aspectos essenciais e

i n s e p r ~

veis ,

Piaget

procurou

acomodar

a

afet ividade

em

est ru tu -

ras semelhantes aos

seus

esquemas cognitivos , dizendo:

Cre io

que no campo a f e t i vo tambem se en con t r a r i a

o equ iva l en t e

da

l óg i ca no campo cogn i t i vo , ser i am e s t r u t u -

rações de conce i t o s s oc i a i s em forma de e sca l a s de

va lo re s

morais ( • )

(Piaget, in

Williams Varma, 1980,

p. 69).

a

verdade, a

epistemologia genética

é

uma e p i ~

temologia carente de afetos , sendo que

o

seu

mentor chega

a confessar

que se

l imitará

àquilo

no

qual

tem

experiência,

ou seja ,

as

est ru turas lógicas ,

almejando que

chegue o

dia

em

que a

sua

epistemologia

venha

a

se fundir

com a psicaná-

l i se

numa

teor ia geral .

Limi

tar-nos-emos,

então,

a

buscar, a. par t i r

de suas

pesquisas

e

formulações

a respei to do

desenvolvimento

das

estruturas

cognitivas da

cr iança,

assim

como a

relação que

esta

estabelece com

o

seu meio, materia l que

venha a nos

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83

subsidiar

a fim de elucidarmos como

se processam as

r p r s ~

tações

que

a

criança formula.

Piaget

1 9 7 8 ~ , 1 9 7 8 ~ )

tem

sustentado,

ao

longo

de

seus estudos, que

o egocentrismo (quando a criança pensa e

age de acordo com pontos de

vista

próprios, ignorando mais ou

menos os dos

outros)

é caracter izado por uma ausência de

gica ou

de

socialização do pensamento .

a

medida

em que

o

pensamento egocêntrico

se e n -

contra

em

fase de

indiferenciação,

ou

seja tanto de absor

çao

inconsciente

do

grupo

no

eu,

quanto

de ignorância

dos

p o ~

tos de vista

alheios a

criança

ainda não é dotada, inteiramen

te

de

logicidade,

assim

como

da

formulação de conceitos (es

t ruturas compostas

de

identidades e suj ei tas a

generalização),

que são em

geral

comunicáveis. Nesta fase, a criança elabo

ra

pré-conceitos

(que

estão presentes

geralmente na idade de

dois

a

quatro anos mais ou menos), que são sustentados

por

imagens que, por

sua

vez,

desempenham o

papel de s ignif ican-

te sendo

também

um

dos produtos

da função semiótica.

Neste

sent ido, esta

fase

do pensamento que Piaget

1 9 7 8 ~ )

caracter izou

de

pensamento

transdutivo

es ta r ia

su

j e i t a a

superar

o campo

perceptivo,

por meio da representa

ção , sendo

possível ã criança deformar

essa real idade re -

presentada ao sabor

de seus desejos

e

subordiná-la

ao fim a

que

visa .

Piaget mostrava-se mais interessado

em

demorts-

t ra r

a

atividade mental nas suas funções

]ógico-cognit ivas ,

daí

por

vezes

apresentar

o

período

transdutivo

da

fase

.A

pre-

operacional

como

um

período

de

t ransição para

o

pensamento

lógico,

sendo

então

aquele

carater izado

por meras

experiên-

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84

cias mentais que

prolongam

as coordenaç6es

pr5t icas

no

pla-

no representat ivo , e

que não são suje i tas

a grupamentos

gerais que

estabi l izam e

generalizam

as primeiras

conexoes

que se processam através

de intuiç6es

ar t iculadas .

o

que ta lvez escapasse a Piaget é que as emoçoes

que acompanham

as

funções cogni t ivas não estão suje i tas es

sencialmente

a um desenvolvimento

contínuo

e s u b s e q ü e n t e a ~

sim como o

pensamento

lógico.

Este es tá

em

permanente

c o n ~

trução

quando

estimulado

para

t a l

fim, enquanto as

emoçoes

sofrem constantemente o

mecanismo

que Jung denominou r e -

gressão e progressão .

Do ponto de

vis ta

energét ico,

es tes

mecanismos obe-

decem a um processo dinâmico,

donde

a

regressão inclui uma

adaptação da

psique

às

condiç6es próprias

do mundo in ter ior ,

ou

seja,

os elementos

pSJquicos

(inconscientes

ou parcial

mente conscientes) que são forçados a ul t rapassar o l imiar

da consciência. Trata-se de

conteúdos

de

cunho

in fant i l

e

sexual

em parte

i r racionais , geralmente carregados

de afeto.

A progressão, no caso,

obedece

a

um

processo contínuo

às

con

dições do mundo ambiente, e pode surgi r

de

forma comp1emen

ta r à regressão ou mesmo compensá-la, ou no sent ido

de

re

primir as tendências e exigências in ternas .

Estes mecanismos energét icos podem ocorrer

duran-

 

te

qualquer fase ou etapa ~ ~ desenvolvimento do ser humano,

já que correspondem a um acontecimento

psfquico

que,

de

ma

neira geral , possui uma

lógica

própria .

Com

base nas

for

mu1aç6es de

Jung, podemos afirmar que quando se

t ra ta

de

co .

teúdos

inconscientes temos de

avaliá-los

também de

forma

re -

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8S

la t iva , pois

obedecem

a

um sistema subjet ivo de valores, di

fÍceis

de

serem mensurados

numa

escala

absoluta e

fixada

de

maneira

geral .

Mas

apesar disso, afetividade

e in te l igência , ao

serem observadas

como funções

complementares,

têm

caracte

r í s t icas funcionais semelhantes,

embora também

divergentes,

de

acordo

com

o

ponto de vista no qual

Piaget privi legia .

Tanto o pensamento

pré-conceitual t ransdutivo

tem

o suporte de imagens, como a

at ividade

psíquica

seja ela

onf

r ica ou

em

vigí l ia adquire um signif icado

através de suas

imagens. No entanto,

para

Piaget ,

a imagem é um esboço

de

uma representação baseada em

fatores

externos,

ou

seja , a

imagem mental, i s to

é,

o símbolo é encarado como um esboço

inter ior do objeto, podendo ser

um

produto

de

in ter ior iza -

çao

da

própria

imitação.

om

esta

afirmativa,

podemos

infe

r i r

que Piaget restr inge

a

noção

de

símbolo

ou imagem a um

signif icante

que

envolve apenas o ego, em contrapart ida a

Jung,

que

define a imagem como uma expressão condensada

da

situação psíquica como

um

todo,

ou

seja ,

expressa

conteúdos

inconscientes que se encontram constelados momentaneamente

no consciente, e

que

estão sempre em relação

com

a to ta l ida

de psíquica consciente e inconsciente) ,

j que são

sempre

apreensÍveis pelo indivíduo.

Apesar desta divergência

entre

a

definição de

m ~

gem

para ambos, supõe-se

que

eles tomaram

pontos de

part ida

diferentes:

Piaget

busca

formular

o

desenvolvimento

cogni t i

vo

especialmente na

criança, part indo

essencialmente

de

um

método clínico-empírico e Jung, no caso,

baseou-se

também m

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86

fatos

empfricos, embora

procurasse condicion5-los

a

um

abor

dagem

s in t6 t ica

e h e r r n e n ~ u t i c a .

Voltando

ã questão

das imagens, res ta-nos

enten

-

der

de

que forma a

cr iança entra

em r e l a ç ~ o com

elas , j5 que

se encontra num estado de

i n d i f e r e n c i a ç ~ o entre o obje t ivo

e o

subje t ivo. importante

lembrar que embora a

cr iança

dominada pelo egocentrismo coloque as suas necessidades pe

soais

em

primeiro plano, j5

inc lu i

algumas adaptaç6es men-

t a i s , um pouco de or ientação

para

a

real idade obje t iva , se

const i tuindo

numa

fase prepara t6r ia para

o

pensamento con

-

cei tual .

Mas

na medida

em que nesta fase e g o c ~ n t r i c a p r ~ -

16gica

o

conceito um a b s t r a ç ~ o , parece que

a criança, ao

querer

conjecturar

sobre

as

coisas

de

maneira

geral , proje-

ta na real idade

externa sonhos

e e x p e r i ~ n c i a s

s u b j e t i v a s c ~

mo

por exemplo, quando a t r ibu i aos outros as suas

pr6prias

intenç6es

e

vontades,

tornando o

seu ponto

de

vis ta absolu

to, ignorando que es te subje t ivo .

Piaget nos

dá o exemplo da criança

que acredi ta

que

o

sol

a

segue

assim

como

as nuvens,

como

se

e la

pudesse

t e r

o

poder de a t ra f - Ios ,

e n ~ o que eles tenham es ta in ten-

çao.

Este

estágio

de i n d i f e r e n c i a ç ~ o entre o

su je i to ;e

o objeto tem

um

s igni f icado 'análogo ao que Levy-Brfihl

dcno-

minou

p a r t i c i p a ç ~ o mfst ica , ~ e g l l n d o o

':tual dentro

da vi -

são antropo16gica, o su je i to das

socjed:1dcs d i tas

" p d m i t i -

vas ou pré-le tradas es ta r ia nlJma r e l a ç ~ c de j n d i s t i n { ~ 3 0 com

o objeto,

estando

(;1es intimamente l igados . Jung tomou em-

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87

prestado o mesmo

termo

para se r e f e r i r a relações entre

pes-

soas

em

que o su je i to , ou

parte

dele , controla o objeto

ex

terno,

ou

a t r ibu i - lhe

s ignif icados

de

acordo

com

pontos

de

vis ta de seu mundo in terno.

Piaget também

acredi ta que

a

fase

onde

a criança

formula

pré-concei tos (onde

par tes

de um conjunto não

são

en

quadrados

num

todo) também

se const i tu i

numa fase

de

par t i -

cipação"

no sent ido

de

Levy-Brühl. Embora essas duas

concei

tual izações se

ref i ram

a

s i tuações dis t in ta s , são constata

ções que

se

assemelham,

j

que

as formas

de causal idade na

criança são

provocadas

por um

confusão

entre a real idade e

o

pensamento.

Esta

conceituação,

por

sua

vez,

também tem

um

s ig

nif icado mais ou menos

anilogo, aquele

outro

elaborado

pela

escola

ps icana l í t i ca ,

a

ident i f icação proje t iva em que

pa .

te da

personalidade é projetada no

objeto,

e

es te

últ imo

-

 

experimentado como

se

fosse o conteúdo projetado.

Estes

sent imentos de

part ic ipação,

ou

cer tos

con

teúdos internos que sao projetados nos

objetos,

sao

conse-

quencia

de

uma

fa l ta

de

c o n s c i ~ n c i a

de

sua

subje t iv idade ,

ou

seja ,

o real es t i impregnado de

aderências

do eu. A cr iança

nao pensa senao a

pa r t i r

de s i , ignorando mais

ou menos

ós

pontos de vis ta dos outros ,

acreditando

que todos pensam co-

 TIO

ela .

Segundo Piaget 1 9 7 8 ~ ) ,

ela

não descobriu a multI.

plicidade de perspect ivas e permanece

fechada na sua

como se

fosse

a

única

possível : a

criança

afirma

sem

provar ,

e

nao

tem a necessidade de convencer".

Portanto ,

durante es ta fase onde

predomina o

re -

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88

conceito que

se

ap6ia

atrav6s de

imagens, nota-se

que o p e ~

S< l lcnto

da

criança

mui

to

mai s

imaginativo

e

sobretudo mais

motriz

que

concei tual .

Esta etapa

ser ia superada, segundo Piaget , quando

a cr i ança, at ravés

da

experiência

om seu meio,

aprender

que

seus

sentimentos são subjet ivos

por

uma

sér ie

de

decepções

c

pela exis tência das res i s tênc ias dos

outros.

Por vol ta dos se te

a oi to

anos mais

ou menos,

até

os

doze,

a cr iança passar ia a desenvolver um

pensamento

que

se

enquadraria em

sis temas

e

objet ivos i n t e l ec tua i s

mais am

p]os onde passar ia a

operar

em

maior

grau o

pensamento 6

gico.

A

imaginação cr iadora

não

se

deb i l i t a com o

avanço

da

idade,

mas passar ia de um estágio

essencialmente

lúdico

e espontineo

para outro

em

que se in tegra gradualmente na

in te l igência ampliando-a.

Sendo assim,

é

durante

a

primeira inf inc ia (dos

dois aos sete

anos mais ou

menos), ou se ja na idade pré e ~

colar que

a

criança, ainda

em

fase de indi ferenciação ent re

o subjet ivo e o obje t ivo

experiência

e reconhece determina

dos

fa tores

ou

representações

tanto

do mundo

in terno

como

no

externo, através de um

pensamento

in tu i t ivo

baseada na p r ª

pria percepção e r e p r e s e n t ç ~ o por

5magens.

Não

podemos

de

forma alguma

afirmar

que

durante

es ta

etapa

o seu

pensamen

to é

totalmente

egocêntr ico- in tui t ivo

sendo

a cr iança i n c ~

paz de perceber o ponto de vis ta alheio,

ou

que ela tem urna

vi são

de

mundo

deformante .

O

que

ocorre

é

que

a

cr

ança

vaI gradualmente adquirindo, at ravés da r e l a ç ~ o

com o

meio,

ma

percepção gradual da

sua

subje t ividade

e

maior consciên

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89

cia

de s i , e

conseqüentemente

urn percepçao

mais

rea l i s ta

do

que

ocorre à sua vol ta.

que

é

necessário

pontuar

aqui

é

que

nesta

fase,

quando

a

criança

começa a dimensionar o

real

através

da re

presentação e da construção

de

imagens,

é essencial

a

cons-

t i tu ição do

espaço representat ivo,

corno por exemplo a

l in

-

guagem

corporal ,

plás t ica e

verbal

que

pode re fe r i r -se tan-

to a imagens ou s igni f icantes

individuais

corno a s i g n i f i c ~

tes

arbi t rá r ios ,

porque

adquiridos socialmente.

justamente

imaginando

a

realidade

que

teremos

também

condições de agir

sobre

ela , assim

como

de

buscar si .

nif icações para os conteúdos provenientes

do

nosso

mundo

in

te r ior .

Até

mesmo

Piaget,

que nao

se sentia

à

vontade pa

ra

t ra tar de questões re la t ivas à afet ividade, assim

corno

daquelas imagens que se formam no consciente a par t i r de

em

nações do inconsciente, tende a a t r ibui r às imagens

urn

im-

portância s ignif icat iva quando se t ra ta de l ida r com conteQ

dos

afet ivos.

Neste

sentido,

P i ~ G c t

não nega a

incompetên

cia

da

lógica

ao

expressar

aquilo

que

é

pessoal :

( ) a l inguagem co r r e n t e , p r inc ipa lmen te

adap

t ada

as

operações l óg i c a s , permanece

inadequada a desc r i ção

do ob je to i nd i v i dua l ,

i n f r a l óg i co ;

não há

neces s idade ,

por

out ro

l ado , de

re l embra r

sua pob reza

e s senc i a l quando

se

t r a

t a

de expr imi r

o

v iv ido

e a

expe r i ênc i a

pes soa l

(Piaget,

1 9 7 8 ~

p.

345).

Portanto, ao notarmos

que a

criança em

idade

p r é - e ~

colar

percebe o mundo

exterior

e o

in te r ior

essencialmente

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90

através de imagens, e

nao

de conceitos, e que esta etapa

e

fundamental para a construção

de um espaço

representat ivo

que

venha

a

contr ibuir

para

a

formação

de

r e p r e s e n t a ç õ e s s ~

jam

elas

colet ivas ou individuais, por que não favorecer

n e ~

ta fase para que a criança tenha

contato

com

as histór ias

r icas em imagens , que retratam, como já descrevemos, s i -

tuações que exprimem

dramas

psíquicos os quais ela

segura

-

mente i rá enfrentar?

Estas questões

apresentadas

nao

sao apenas vincu-

ladas e delineadas por exigências

tanto

internas (amadurecl

mento,

autonomia, confl i to entre sentimentos contradi tórios,

etc . como externas,

que

são

situações engendradas pela

sociedade, acessíveis

a todo

ser

humano

que produzem um

comunicação subliminar

do indivíduo com o seu

meio

socia l ,

visto que um convívio ou

part icipação

social mostra-se mais

f ru t í fero

na

medida em

que

nos

tornamos

cientes da socieda-

de em que

vivemos.

4.2

Quais as

funções dos contos

de fadas no

contexto pré-es-

colar?

Todos nós fomos crianças, vivemos e sabemos do fas

cínio que os brinquedos e as his tór ias de encantamento exer

ciam

sobre nós. A psicologia e a pedagogia, através de to

do o seu

instrumental,

comprovaram a importância do lúdico

e

da

imaginação como um meio

fundamental

onde se estabele

ce

um elo

de

l igação

entre

a

criança

e o mundo

de

acordo

com o

que já relatamos.

A criança, no curso de seu desenvolvimento, passa

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9]

por

fases

em que a representação

( imitação,

jogos e brinca-

deiras)

tende

a

ser

urna

das at ividades que e]e

exerce

s igni

ficativamente.

Através

da

representação,

a

cr iança

lida

com

aspectos internos

(quando ela

os

proje ta)

e externos

(na

me

dida em que ext ra i elementos da

rea l idade) ,

no sentido de

buscar

signif icados

tanto do ponto de vis ta afe t ivo como cOR

ni t ivo.

Portanto, rea l e

imaginário

sao

duas

noçoes que se

inscrevem num

exercício dia lé t ico , já que

ambas estão

sem-

pre

presentes

no

processo

de conhecimento de s i e do mundo.

tão:

ve r so .

Jacquel ine Held dá o seu

depoimento

sobre esta q u ~

Cada

um

de nós

retir

do r e a l o seu p róp r io un1-

E Gas ton

Berge r ,

quando

f a z i a

pe squ i s a s

sobre

c a r a ~

t e r e o l og i a , pe rgun t ava : um

comerc i an t e

de

made i ra

e um

p i n

to r

ao con templar uma f l o r e s t a ao c repúscu lo , vêem a mesma

co i s a? De c e r t a mane i r a , e em resumo, produzo o

meu

próprio

r e a l .

Por i s s o mesmo, o

meu

r e a l e

f a n t á s t i c o ,

ass im

como

o

meu

f a n t á s t i c o

e r e a l (Held, 1980,

p. 26).

Is to

nos

leva a

r e f l e t i r que

o rea l e o imaginá

rIo

definem-se

dialet icamente um

se

define

pelo

outro) .

~

da um de nós re t i r a do

rea l

o seu próprio universo, ou

me-

lhor, eu

produzo

meu

próprio rea l .

Se o ImagInarIo fosse p ~

ramente

subje t ivo,

oposto

ao rea l , então corno

poderia

ele

ser comunicável?

Do ponto de

vis ta

da autora c i tada, nao existe fan

t ás t ico (no sent ido

daquilo

que é criado pela imaginação)ou

i r rea l puro, pois caso contrár io , este fantás t ico nos

apre-

sentar ia

apenas

o desconhecido, pois urna

vez que

não t e r ia

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9

nenhum

ponto

de

contato conosco, nos permaneceria estranho.

Portanto,

exis te na criação

uma dosagem

su t i l de

conhecido

e

desconhecido.

Ainda

segundo

essa

autora,

qualquer

his t6-

r ia ,

para

ser compreensível, comunicável,

supõe um

mínimo,

pois, de referências

ao

humano

ao

natura l , ao ordinário.

Dentro destas referências que podemos reconhecer

nos contos de fadas

fundem-se vários

elementos. Alguns r ~

tos da imaginação, construídos

a par t i r

de elementos consi

derados

i r reais

(bruxas,

anões,

monstros,

e tc . .

Outros

referem-se a

uma realidade mais ou

menos presente , se inse

rem no

dia-a-dia ,

no

cotidiano

do homem comum (camponês,

l ~

nhador,

famíl ia ,

mulher

e

f i lhos,

e tc . . E, por fim,

l iga

do aos

precedentes,

um domínio reservado, que segundo

J

.Held

é um lugar bem seu, onde

ninguém

jamais entrará , um espaço

maravilhoso

onde

habitam

seres

muito amados .

Neste sentido,

na

paisagem, nos enredos

e nos

p ~

sonagens presentes

nos

contos encontram-se

elementos tanto

vinculados

à realidade

objet iva corno

aqueles

nos quais nos

identificamos tão

intimamente,

que

chegam

até a mobilizar

sensações e afetos que

carregamos

também dentro de

nos; se

r ia

aquele

domínio

reservado , corno diz a autora, mas

nao

inteiramente

inacessível .

Da mesma forma que para a criança pequena,como já

demonstrou Piaget, o mundo objet ivo e o subjet ivo tendem a

mesclar-se,

esta mesma

configuração

é observada nos contos

de

fadas,

ou

seja ,

é

um

espaço

narra t ivo

onde

o

real

e o

irna

ginário interpenetram-se,

favorecendo que a

criança

veja ali

espelhado o que

se

passa no

seu

Íntimo. Neste caso,as fron

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93

te i ras entre real e imagin5rio

permanecem

t6nues e f luidas

por

um

certo

tempo.

na

infância que se in ic ia

o

processo

de

construção

da

personalidade,

onde

aos

poucos

a

criança

vai

tornando

consciência de s i , através das

relações

com o

meio

que

pode favorecer

ou nao

o seu desenvolvimento, levan

do

em

conta

as

suas

pptencial idades inatas .

um

processo longo, lento e, por vezes, doloro -

so,

pois

na procura de s i

mesma, e

até

sofrendo com

sua in

ferioridade

ou

submissão aos

adultos,

a

criança

muitas

ve-

zes deseja

ser

independente,

daí

proje tar-se com

prazer nas

figuras cent ra i s dos contos

de

fadas

que

enfrentam o mundo

e os outros .

as não

ser ia perturbador

para

nós adultos ,

ou educadores, vê- la imersa numa his tór ia que poderia

r f o ~

ça r sua fantasia ,

i ludindo-a na medida

em

que ela é incapaz

de

enfrentar o mundo por s i só?

Algumas

correntes pedagógicas

chegaram a

condenar

a

prát ica de

se

contar his tór ias

às

crianças .

Para

exempli..

f icar , reproduziremos as palavras de Paula Lombroso, que ~

creveu um l ivro

sobre a

Pedagogia Montessori ,

regist radas

no l ivro

de

Jesualdo:

(

)

c o n t a n d o - l h e h i s t ó r i a s , ju lgamos t r a n s p o r

t á - l a

a um

mundo f a n t á s t i c o ,

i nve ros s í m i l

no qua l

a

c r i a nç a

vê apenas uma

f i c ç ã o p o e t i c a e i m a g i n á r i a )

não

se

deve

enganar a

c r i a nç a porque mais

cedo

ou mais t a rde

o

desenga

no chega

a

sua a lma, a p o d e r a - s e d e l a

e de ixa

p a r a sempre

um

amargo

sen t im en to de dor

ou

de i nd ignação c o n t r a

a

s o c i e d a

de,

segundo

cada

i n d i v í d u o

. • •

)

sua

imag inação

(a

da

c r i a n

ça)

ê pobre

e

c u l t i v á - l a ã base de absurdos

é

um e r ro

é t i co ,

nao

menos

condenáve l

por s e r t r a d i c i ona l (Lombroso,

in

Je-

sU31do, s .d . , p.

24

e

25) .

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94

Este

t ipo

de

visão es ta r ia

de acordo

com

uma

f i lo

sofia pedagógica apregoada

até há pouco

tempo (talvez

ainda

existam

defensores

da mesma)

que

encara

a

criança

como

sub

desenvolvida, sendo

necessário

ins t ru í - la (ensiná-la a le r ,

contar , escrever) o mais rápido possível , onde não

se perde

tempo

em agradá-la

com contos, pois não ser ia sério e

rentável . Esta visão deformada do próprio

sentido

do que

é ser pedagógico acaba por pr iv i leg ia r uma l i t e ra tura sim-

pl i s ta

e

rea l i s ta

(t ipo

manual

O

que é?

e

Para

que

ser

ve? ), já

que

a

criança

nao passa de um ser vazio que de-

ve

ser

preenchido

por informações que tenham uma ut i l idade,

que

assegurem

a formação

de um

indivíduo

sér io .

De

acordo com estas

colocações,

ser ia ,

então,

pe

rigoso inves t i r nos contos de fada que

favorecem

o

exercí

-

cio

da

imaginação?

Não

ser ia perturbador ver a criança ima

ginar

gratuitamente?

Como diz

Jacqueline Held,

a

imaginação,

como a in

tel igência ou a

sensibi l idade, ou

é cul t ivada ,

ou se atro-

f ia .

Diz a autora:

Pensamos que

a

imaginação de

uma

criança

deve

ser

alimentada, que exis te - com a

condição de que

não se es ta

beleçam rece i tas - uma

pedagogia

do imaginário

que

ta l p e ~

gogia

prec isar ia

se desenvolver

( HeId, 1980,

p.

46).

Quanto

aos efei tos traumatizantes que algumas

his

tór ias

poderiam

provocar, Jacqueline

Held c i ta

Marc Soriano:

Qualquer imagem e t raumatizante na medida em que

mistura

as

angústias

de uma

criança já perturbada

C . . ) ; tor

na-se

ocasião

de pesadelo

numa

criança angustiada (Held,1980,p.93).

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9

Se por um lado

ident i f icar-se com

o

herói

dos

con

tos

de

fadas que possui profundo apelo

posi

t ivo

constitui um

fator

que

inc i ta

a

criança

a

enfrentar

os

obstáculos

que

a

vida

impõe, ser ia preocupante vê-la não se

dis tanciar da

quele,

prolongando-se

nesta

ident i f icação, o que

acarreta

r ia

um

infant i l ismo, retardando a formação de

uma

personal i

dade autônoma.

Neste sentido, nao deveríamos encarar

o

conto

de

fadas

como o

culpado por

te r

sido

a

causa

deste tipo

de com

portamento. Podemos, sim, encará-lo ,

no plano

psicológico,

como um instrumento

diagnosticador,

que prop ic ia r ia a

par

t i r destas

ident i f icações

t rabalhar as questões e conteú

dos confl i tan tes que envolvem este t ipo de at i tude por par

te da

cr iança.

O que

faz ela

optar

por

desl igar-se

da realidade

e proje tar -se indefinidamente

num

personagem?

Os

motivos

podem ser vários, mas provavelmente não

deve es tar

sendó fác i l

para ela assumir

uma

identidade pró

pr ia

e encarar a

real idade.

De

fa to

os

contos

de

fadas,

através

de

sua

l in

guagem

simbólica,

precisam

ser vistos

como

uma unidade já

que engendram em s i

o

real

e o imaginário,

ou

o

simbólico.

Adquirem

um

cará te r estimulador,

posi t ivo e

cr ia t ivo quando

proporcionam uma

integração

a nível pessoal , mas caso

es ta

unidade sej

a

rompida

e a

criança

passe

a

t e r

uma

postura

uni

l a te ra l de

desdobramento

da

personalidade,

o

caráter

s i m ~

l ico a t rof ia - se havendo o r isco

de

não apreendê-lo na sua

totalidade já

que não

es tá ocorrendo aquele jogo dialé t ico

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96

(real/ imaginário)

inerente ã at ividade

simbólica.

~

justamente o

caráter

exploratór io, mediador,un

ficador,

social izante e

de ressonância que

queremos

resga

tar ao privilegiarmos

a

função

simbólica

presente

nestas his

tór ias .

São estas carac te r í s t icas

que

Alain

Gheerbrannt

e

Jean

Chevalier

ressaltam

quando

explici tam, no seu ieionã

~ i o de ~ l m b o f o ~ a

função

e o dinamismo

dos

símbolos.

Segundo esses autores , o símbolo que surge do in-

consciente cr iador do homem e de seu

meio

preenche um fun-

ção favorável ã vida pessoal

e

socia l . Teria um

função

ex

ploratór ia

pois

os jogos

de

imagens e

as relações imagina-

das,

são um convite

a

pesquisar

o

desconhecido.

Sabemos

que

o

símbolo

tem

um faceta

desconheci

da,

ou mesmo

inconsciente,

que

nos inci ta

a

um busca

de

sua

compreensao,

através de relações aproximadas, já que

este

não é

def inível e

nem

apreendido

por completo, permanecendo

em

torno dele um atmosfera ainda mister iosa.

Ainda l igada ã função

explora tór ia ,

ser ia a

fun

çao de subst i tu to na medida em que ele exprime

o mundo

p ~

ce bido

e

vivido pe

lo

suj

e i

to em função

de

todo

o seu

psiquis-

mo.

A

outra função,

como

descrevemos anteriormente,

é

a

de mediador, pois

propicia

um

aproximação entre

incons

ciente

e

consciente, entre

o

rea l

e o

sonho,

entre

a cul tu-

ra e a

natureza.

Por

t e r um função mediadora,

o

símbolo

tem

também

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9

deste

trabalho,

re f l e t i r

sobre

as

implicações

de se

narrar

contos

de

fadas is crianças, sobretudo

no contexto p r ~ e s c ~

la r .

Como os contos

sao

histór ias

que

se apóiam

em

ima

gens simbólicas,

t a m b ~ m

tendem absorver estas

funções a t r i -

buídas

ao

símbolo,

ou se ja , de poss ib i l i t a r a

exploração

de

significados, de subs t i tu i r e

representar conteúdos psíqui-

cos,

de

possuir

um cará ter

mediador

e unificador, aproximan

do o

homem

do

seu meio social assim como

mediando

e/ou i n t ~

grando conteúdos inconscientes ã

consciência,

poss ib i l i tan-

do que

esta

última

se amplie

que

tem

uma

função de r e s s ~

nincia e, conseqüentemente, transformadora, aumentando

os

veis de consciência.

Não

poderíamos

esquecer

que

os contos

t a m b ~ m tem

uma

função socia l izante , pois transmitem uma

herança cultu-

ral a t r a v ~ s

dos

tempos,

reconectarido

a

criança de

nosso te

po a

uma realidade cul tura l longínqua

mas

que

também

perdu-

ra

a t ~ hoje, quando se t r a t a , por exemplo,

de

t raçar

e ques-

t ionar o papel da

mulher

na

sociedade

como já discutimos an

teriormente.

Ao que parece, uma função engloba ou desencadeia

a outra , e na

medida em que

as

vivenciamos na

sua

toalidade,

a atividade simbólica, t a m b ~ m presente

na

narrat iva dos con

tos de fadas,

assume

o papel de incitador de sentidos e me-

canismos de compreensão.

Poderia ser aquilo que G Durand

denomina

"equi l i

brio psicossocial .

Na

verdade, o

autor atr ibui

este sent i

do ã imaginação simbólica.

Mas

como ele

mesmo define,

esta

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99

nao

se distingue da

atividade

simbólica, pois para

ele

"a

i m ~

ginação simbólica

const i tu i a própria a t ividade dialét ica do

espÍr i

to ,

entendendo

dialé t ica

como

uma

tensão

presente

das

contradi tórias.

s

símbolos, assim como

as

metáforas poéticas, ao

animarem o espí r i to dos

homens, seriam

o hormônio da ene, .

gia espi r i tua l

uti l izando o termo empregado por

Bachelard

e Durand, ou

seja

do

pensamento

em geral .

James Hillman

(1981)

vai um pouco mais além, di

zendo que conhecer his tór ias é psicologicamente t e r p ~ u t i -

co,

se

consti tuindo

num

benefício para

a alma.

Citando o

autor:

Uma pessoa que na i n f â nc i a absorveu h i s t ó r i a s e

as

e s t ru tu rou

den t ro

de

si

usua lmente

consegue

e s t abe l e ce r

um re l ac ionamento melhor com

o

ma te r i a l

pa to log i zado

das

i m ~

gens obscenas

g ro t e s ca s

ou c rué i s

que

aparecem e spon t anea -

mente

em

sonhos

e

f an t a s i a s .

(

...

) A

p r á t i c a

me

fez

ver

que

quanto mais exper imentado e a f inado fo r o l ado

imag ina t ivo

da

pe r sona l i dade

menos ameaçador s e r á o i r r a c i ona l (

.•.

)

Nas h i s t ó r i a s essas

imagens

encont ram

seu

l eg í t imo

l u g a r F ~

zem

pa r t e

dos

mi to s

l endas

e

con tos de f a d a s

em

que surge

toda

so r t e

de

f i gu ra s

b i z a r r a s

e

comportamentos

d i s t o r c i do s

exa tamente

como nos

sonhos

(Hillman, 1981, p. 15, 16).

O aspecto psicológico

es tá

sendo ressaltado

mais

uma vez, através

das

palavras

de

Hillman. O

socia l

de

acor

do com o que vimos relatando,

es ta r ia

caracter izado, na me-

dida

em que os contos refletem alguns

elementos da nossa he

rança

cul tura l .

Segundo

o

fo lc lor is ta Vladimir

Propp,

o

conto

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100

guarda em

seu

seio

traços do paganismo mais antigo,

dos

cos

tumes e

r i tos da

antigüidade" (Propp,

1984,

p. 81).

4.3

Considerações

f in is

por estas e

outras

razoes

apontadas

que pro

pomos que a

pré-escola,

no uso de suas atr ibuições como: a

de

propiciar

o desenvolvimento

da

criança

nos seus aspectos

cognit ivo, afet ivo, social dando-lhe condições para a f o r m ~

ção de uma personalidade cada vez mais autônoma, encarando

estes aspectos de

forma

global , e nao compartimentalizada,

passe

encarar os

contos

de

fadas

como um instrumento impor-

tante

para

t ingi r as metas apontadas

anteriormente.

omo

relatamos, os contos

de

fadas

trazem em

seu

bojo elementos

que

são um espelhamento

poético

(porque

util izam-se de imagens) dos t r je tos do desenvolvimento

ps i

quico,

possuem um c rá ter social izante onde se vislumbram

questões

e elementos provenientes da nossa

herança

cul tural .

Neste

s e n t i d o ~ os contos de

fadas c o n t ~ m

fatores que

contr

buem-para a formação

da

personalidade

nos seus aspectos f ~

t ivo,

social

e mesmo

racional ,

já que

a

imaginação

mostra-se

uma

atividade precursora

da c i ~ n c i e da técnica.

Neste sentido, não estariam

os

contos

de

fadas con

templando

todos

estes obj et'ivos delineados pela pré-escola,

cumprindo

o papel de "alimentar" a criança

nos seus

aspec -

tos

cognitivos, afet ivo e social?

Desse

modo os

contos

de

fadas

representariam um

excelente

meio de

"iniciação".

Algumas t r ibos

se

uti l izam

e aLIOT

~ G E 1 1 U O V ~

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101

de r i tuais a

nossa

sociedade poderia ut i l izar os

contos

de

fadas

para

preparar

a

criança para um

futuro o

qual

ele

e ~

conhece.

Esta

iniciação

seria

mais adequada

entre

os dois

e

seis anos mais

ou menos, pois é a

fase

em que

ela pensa

e

sente

através

de

imagens,

e não de

conceitos. m torno dos

seis anos,

a

criança entra numa

fase

rea l i s ta rerdendo um

pouco o interesse pelos

contos

de fadas, pois estes já nao

lhe fornecem mais subsfdios que venham

auxi l iá- la

nas

suas

operações

lógicas .

Dizemos também

iniciação ,

pois

re

lendo

as observações de Gianni Rodari(1982) sobre a

narrat i

va dos

contos

de fadas, o autor ressal ta

as

colocações de

Vladimir

Propp, que deduz que o

conto

de

fadas

passou a

exis

t i r como

ta l

quando o r i to antigo desapareceu, permanecendo

então

em forma de

narrat iva.

Forma de narra t iva esta que vem sendo imitada e adaE.

tada nos dias de hoje através dos desenhos animados da TV,

com a diferença de que o espectador, no caso a criança, re

cebe

estas

imagens passivamente, nao as cr ia . Adquire tam

bém

uma dimensão nova através do cinema desde as

adaptações

simplistas

de Walt Disney, como aquelas que procuram retra

tá-las de forma mais poética e imaginativa

como

Histórais

sem

Fim ,

Cristal Encantado entre

outras,

sem esquecer

dos recursos audiovisuais que decoram

algumas

produções

de

Steven Spielberg

como

E. T . : o

Extra-Terrestre ,

o O

Enigma

da Pirâmide , etc .

Percebe-se

que os

vefculos de comunicação sao di

ferentes. Mas sem querer invalidar ou qual i f icar um ou -

tro, a narrat iva ocupava o

espaço

de promover uma maior r i -

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102

queza

em

termos

de a criança

ser

o

"produtor"

destas ima-

gens

que

os

contos produzem. Ela te r ia

uma

liberdade

maior

de

criá- las

ou

projetá- las

de

acordo

com

seus

interesses

e

necessidades mais íntimas. Além disso, propiciaria um con-

ta to

direto e

vivo com

o narrador,

que

poderia

ser

a miE, o

pai ,

o professor , enfim pessoas que estariam por perto e

te

riam

maiores chances

de perceber e

acompanhar todos os

efe i

tos

que

estas narrat ivas produziriam, tanto

do ponto de

v ~

ta

emocional,

como do

cognit ivo-social ,

além

de

proporcio

-

nar

um momento

onde

o

apoio,

a

segurança

e a

t roca poderiam

acontecer.

Quanto

ao narrador, selecionando também aquelas

histór ias as quais

ele

também t ivesse

prazer

em re la ta r s ~

r ia imprescindível que

ele

também est ivesse

envolvido,

dan

do voz

ã

imagem

a l i presente,

evitando dar

ã

sua

i n t r p r t ~

çâo excessiva modulaçio

de

voz,

tom

dramático ou gestos ca

regados

que

poderiam

vir

também a

influenciar os sentimen

-

tos e

reações das crianças.

o importante é contar

as

his tór ias

de forma t ran-

qüila ,

objet iva,

impessoal,

para

que

seja

proporcionado

-

 

criança um clima de segurança, que lhe

propicia

mergulhar mais

no assunto. Além

disso,

quando se usa uma

voz

diferente , . a

criança pode f icar

com

medo e estranhar o adulto

que

es tá

contando, já

que

aquela voz impostada é

diferente

da sua voz

natural .

a iminência

de

f ina l izar

este trabalho, gostaría

mos ainda de "amarrar" alguns

pontos que

foram relatados até

então.

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103

A

nossa

proposta, através deste estudo, é conhe -

cer um pouco mais a origem

dos

contos, a sua relação

com

a

cultura

pagã,

que

mesmo

após

as

influências

e

deformações

do

catolicismo

na

Idade Média,

sobreviveu

e

continuou re t ra

tando

simbolicamente

elementos rel igiosos e cul tura is de é ~

cas remotas, como

os

r i tua is

in iciát icos presentes

nas

eta

pas ou tarefas que o herói t e r ia que cumprir e superar e urna .

relação

ainda

de comunhão e respeito

aos

seres da natureza

cultuados

como

deuses nas

re l igiões di tas

pagãs).

A tradição

oral ,

além de

const i tu i r um

elemento

aglutinador

dos

grupos

sociais através

das pessoas que

se

reuniram em torno

do contador de

his tor ias , adquiriu forma

através dos vários compiladores como Perrault ,

os Grimm,An

dersen

e

Cascudo

no

Brasil , que, entre

outros,

ajudaram

a

difundir

e

ins t i tu i r

a

l i t e ra tura

in fant i l ,

onde os

contos

de

fadas

têm o seu legado

na

cultura popular .

.

s açoes

narradas

referem-se

a

uma situação

que é

concebida tanto

no

plano

imaginário

como

no

real ,

pois nos

aproxima

da problemática profunda

que

se

faz

presente,da re

lação por vezes confli tuosa

entre

desejo

e

realidade, ins

-

t into

e

cultura,

razão e emoçao.

Neste sentido, a situação imaginária no brinquedo

tem

continuidade

também

nos contos

de fadas, e é

através

da

experimentação da

linguagem simbólica que também

poss ib i i i -

ta

ã criança

exercitar os

l imites entre

real e

imaginário.

Os

contos

de

fadas

favorecem

a

representação

e a

identificação, também

por via

do herói, das

tendências

afe

t ivas a l i sintonizadas.

Concomitantemente

a

i s to ,

oferecem

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104

soluções

ou caminhos para que

estas

mesmas situações

confl i

tantes

possam

te r

um

desfecho fe l iz

dando ã criança também

um

noção

de que

situações

expostas

ao

perigo

podem

vir

a

ser

coroadas

de êxito. Esta

última alternativa

torna-se tam

bém

interessante

do ponto de

vista

psicológico, já que

cr ia

r ia um

clima de

segurança,

pois a

histór ia f inal iza-se

de

forma

t a l

que não

estariam presentes

o

fracasso

e o maIo -

gro, fatores estes que

poderiam

gerar um

certa

ansiedade e

desestímulo

frepte

a

situações

confli tantes,

caracter izadas

por

um

nível de

exigência

maior.

E

por fim,

f ica

evidenciada

também a sua vocaçao

pedagógica, pois além de

se adaptarem perfeitamente ã fase

pré-conceitual, em

que

basicamente se encontra a criança em

idade pré-escolar ,

alimentam

a

construção

do "espaço repre-

sentativo"

fundamental

nesta fase ainda

marcada

pelo pensa

mentoegocêntrico (essencialmente sustentada

por imagens),

onde a linguagem

simbólica,

ao suplantar a lógica,

expressa

mais eficazmente a experiência pessoal e as

representações

que a

criança

faz

acerca

do mundo ã

sua volta .

-

roporcionar a criança o acesso aos contos de

fa-

das, se escolhidos

com

discernimento, é

pB-Ia

a serviço

da

longa e árdua tarefa que é a

maturação.

E preenchendo-a com

imagens simbólicas que lhe daremos a oportunidade

de

reorg

nizar , tanto no plano subjetivo

como

no objet ivo, as sUas

vivências,

assim como

lhe

ofereceremos instrumentos valiosos

na produção de idéias criat ivas e na construção de histórias.

Por

todos

estes motivos e considerações, procura

mos demonstrar a importância de se invest i r no contato das

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Dissertação

apresentada aos

Srs :

ome dos

Componentes da

ar1a uC1a o 1ra o 1 va

banca

examinadora

Visto

e

permitida

a

impressão

Rio de

Janeiro

07

12

1990