Upload
cris-vasques
View
245
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 1/121
os CONTOS DE FADAS: SU S ORIGENS HISTO -
RICO-CULTURAIS
E IMPLfcAÇOES PSICOPEDAGÓ-
GICAS
P R
CRIANÇAS
EM ID DE PRÉ ESCOLAR
/
M RI BEATRIZ
FACCIOLLA PAIVA
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 2/121
OS CONTOS DE FADAS: SUAS ORIGENS HIST6
RICO-CULTURAIS E IMPLICAÇOES
PSICOPEDAG6-
GICAS PARA CRIANÇAS M IDADE PRE-ESCOLAR
Orientadora:
Angela
Valadares
Dutra
de
Souza Campos
Dissertação
submetida
como requi
s to parcial para a
obtenção
do
grau
de
mestre
em
Educação
Rio de
Janeiro
Fundação
Getúlio Vargas
Inst i tuto
de Estudos Avançados em Educação
Departamento de Psicologia
da Educação
1990
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 3/121
Ao
Va.n [
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 4/121
GR DECIMENTOS
- A professora Angela
Valadares Dutra de Souza
Campos
me
orientou
por
dois
anos
e
meio
em
reconhecimento
seu
trabalho junto
a
nós
alunos do IESAE.
que
pelo
- A
Daniel Keller
pelo seu
apoio
e carinho
durante
os momen
tos dif íce is .
-
o anal is ta junguiano Carlos Alberto Bernardi que
nos deu
um
precioso
auxíl io
na
formulação
deste trabalho
assumin
do o
papel de co-orientador.
- A suiça Elisa Hilty por nos receber em sua casa em Win -
ter thur
dando-nos
uma entrevis ta e presenteando-nos com
seu l ivro o
que
me ajudou muito no esclarecimento
de a l-
guns
tópicos desta
disser tação.
-
Estendo
meus
agradecimentos ã
C PES
que pela concessão
de
uma Bolsa de estudos
me
poss ib i l i tou a
realização
do Cur
so
de
Mestrado no IESAE.
IV
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 5/121
INDICE
págs.
INTRODUÇÃO
1
CAPITULO 1
SOBRE AS
ORIGENS
DOS CONTOS DE FADAS
1.1
A
relação exis tente entre
o
mito
e o conto de
fadas
7
1.2
As
fontes
possíveis
que deram
origem aos
con
-
tos
de
fadas
14
1.3 Num país dis tan te
no tempo
em que os desejos
ainda se
realizavam
17
1.4 O
legado da
cul tura
ce l t a 19
1.5 Perraul t
os
Grimm
Andersen
e Cascudo
22
CAPITULO
2
O
SIGNIFICADO PSICOL6GICO
DOS CONTOS DE FADAS . .
31
2.1 O
s ignif icado
do
simbólico
31
2.2
Os
simbolismos
presentes nos
contos
ret ratam
~
ramas p S lQ U C O S •••• •• •• ••••• •••••••••
38
2.3 Analisando dois contos: desvendando alguns s ~
t idos
5
CAPITULO
3
O
CONTO DE
FADA PARA
CRIANÇAS
58
3.1 Por
que
re la tar contos de
fadas
para crianças?
58
3.2 As
cr í t i cas
negat ivas
endereçadas
aos contos . .
65
3.3
O
mecanismo de projeção
e
int rojeção de
MeIa -
nie
Klein
7
v
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 6/121
Pags.
CAP TULO
4
"A
VOCAÇÃO
PEDAGÓGICA DOS
CONTOS E
FADAS PARA A
CRIANÇA EM IDADE
P R ~ E S C O L A R
80
4.1 Caracterizando
a
criança em idade pré esco
lar 8
4.2 Quais as
funções dos
contos
de
fadas
no
con
texto
pre escolar? 90
4.3
Considerações Finais
100
B IBL IOGRAF IA
106
VI
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 7/121
RESUMO
Esta
disser tação
tem como
objet ivo principal elu
cidar as
implicações
de se re la ta r
contos
de fadas às crian
ças
em idade pré-escolar ,
destacando-se
suas origens histó
r ico-cul turais
e a sua
função psicopedagógica.
om
subsidios
obtidos
em obras
de
alguns
autores
da
área
de
his tór ia , l i te ra tura , f i losof ia , psicologia e p ~
dagogia,
foi
fe i ta
uma análise
considerando-se
alguns
tópi
cos, dentre
os
quais
a
possibil idade de serem
os
contos mi
tos transformados, cuja evolução
ou
construção da
narrat iva
tem uma
carac te r í s t ica análoga aos r i tos inic iá t icos das
so
ciedades
consideradas
primitivas
ou
pré- le t radas . Neste
sentido,
trazem em
seu
bojo
a nossa herança
cul tura l .
Além disso, possuem função psicopedagógica, que p o ~
s ib i l i ta à
criança em idade
pré-escolar iden t i f icar -se com
a imagem arquetípica do herói
ou
heroina, na medida
em
que
estes passam por
provações,
e
adotar
uma
postura
posi t iva
frente às
mesmas.
Argumentou-se,
ainda,
quanto
às
c r i t i c a s
de
que
~
tas
narrat ivas
têm
sido alvo,
como
por
exemplo, a
sua cru
eldade ,
a visão
de
mundo
deturpada
e
i r rea l
que elas r ~
moveriam
de
acordo
com alguns
autores que privi legiam
o ra
cionalismo, e o papel degradante e
passivo dest inado
a aI
gumas
personagens femininas de algumas his tór ias .
Conclui-se
o
t rabalho avaliando-se
o
papel
doscon
tos
de
fadas no
contexto pré-escolar ,
e
de que forma
a
x p ~
r iência
de re la tá - los às crianças
pode ser enriquecedora do
VII
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 8/121
ponto de vis ta pedagógico.
Apoiando-se na abordagem
junguiana
t ra ta se de
um trabalho de
pesquisa e anál ise teórica
que
visa
ampliar
esclarecer em como ju s t i f i ca r o papel
dos
contos de fadas
n educação pré-escolar levando-se em
conta
suas
funções
psicopedagógicas e o seu caráter
social izante
na medida em
que
criança
tem acesso valores sócio-cul turais que pre
domin r m e ainda repercutem nas relações sociais contempo
raneas.
VIII
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 9/121
SUMM RY
he main aim of
th is
essay
is to c la r i fy
the im-
pl ica t ions
of t e l l ing
fairy
ta les
to children at preschool
age, outstanding the i r his to r ica l -cu l
tura l origins
and their
psychopedagogical
function.
Based on
the data
obtained
in the
work of several
authors in the
f ieIs of
his tory , l i t e ra tu re
psychology
and
pedagogy, an analysis was made
philosophy,
on
some
topics, such
as
the poss ib i l i ty that the ta les are t rans-
formed
myths, the evolution or construction of the narrative
of which have analogous character is t ics to the in i t i a t ion
ri tes
of the socie t ies considered as "pr imit ive"
or prele,
tered. In th is sense,
they
bring in the i r
core our
cultural
inheritance.
Furthermore, they acquire a
psychopedagogical
function, since
they give the
chi ldren
a t preschool
age
the
chance
to
ident i fy themsel
ves wi th the
achetypical image
of the
hero or heroine, as they
undergo
the i r
ordeals ,
and
to
adopt
a posi t ive
at t i tude
to
cope
with
them.
he cr i t ic isms that these ta les have been suffering,
as thei r "cruel ty" , the "misrepresented
and
unreal" vision
of
the
world that they would promote as per
some authors
that
favor
the
rat ionalism,
and the
"degrading and submis
sive" role given to some
female
characters
of
some s tor ies
were also
discussed.
This essay ends by evaluating the
part
that fa i ry
X
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 10/121
ta les
play
at the preschool
context and
ow thc experience
of te l l ing them to the children can
be
enriching in the
pedagogical point
of
view.
Based on the jungian
approach i t
is
research
nd theoret ical analysis
which
aims to
improve elucidate
as well as jus t i fy the role of the fairy
ta les in
preschool
education considering the i r psychopedagogical
nd
their
socia l iz ing
character once the chi ld
functions
gets
in
touch with socia l cu l tural values which prevailed nd
s t i l l
have
echo in the contemporary
social
re la t ionships .
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 11/121
ZUS MMENF SSUNG
Die
vorl
iegende
Dissertation
richtet
ihren Schwerpunkt
auf die Abhandl ung
der
Impl ikat ionen, die beim Marchenerúihlen
an Kindern
im
Vorschulalter entstehen.Kulturgeschichtliche
Ursprünge und psychopadagogische Funktionen
werden
be-
sonders hervorgehoben.
Mit Zuhilfenahme der Werke
einiger
Autoren aus
den
Bereichen der
Geschichte,
Literatur,
Philosophie, Psycholo-
gie und Padagogie
wurde eine Analyse ers te l l t ,
die
ver-
schiedene Themen in Betracht
zieht ,
wie z.B. die Moglich-
kei t , dass Marchen
t ransformier te
Mythen seien, deren Ent-
wicklung
oder Erzahlkonstruktion
analoge
Merkmale zu
Ini-
t ia t ionsr i ten sogenannt primit iver
ode
r
vor-schri f t l i
cher Gesellschaften vorweisen.
In diesem Sinne überbrin-
gen
Marchen
in
ihrem
Innern unsere
kul ture l le Erbschaft.
Im weiteren besitzen Mã rchen eine psychopadagogische
Funktion, die
den Kindern im Vorschulal
ter
errnoglicht, sich
m i
t
dem archetypischen Bild des Helden oder
der
Heldin
zu
ident i f iz ieren,
Soweit
diese
durch Prüfungen
gehen
und
gegenüber Prüfungen eine
posit ive Haltung einnehmen.
Weiter
argumentieren
wir gegen einige Krit iken,
die auf Marchen abzielen. Einige ,Autoren, d i ~ eine v e r s t n d e s m ~
sige Haltung bevorzugen, kr i t i s ie ren , um nur einige B e i
spiele zu
nennen,
die Grausamkei t , die Forderung eines
Bildes
einer
ents te l l t en und
unwirklichen
Welt, oder
die
XI
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 12/121
würdelose und passive
Rolle,
die in einigen Marchen e i-
nigen weiblichen Figuren
zugeschrieben
werden.
Abschliessend bewerten wir
die
Rolle der Marchen
im vorschulal ter l ichen Zusammenhang
und
zeigen
auf , in w ~
cher Form die Erfahrung des Marchenerzahlens an Kindem
vom
padagogischen
Standpunkt aus eine Bereicherung
sein
kann.
Die
vorliegende Forschungsarbei t
und
theoretische
Analyse s tü tz t sich auf
Grundsatze der
jungianischen
s y c h ~
logie. Sie
versucht,
die Thematik zu
erweitern
und
Punkte aufzuklaren, sowie die
Rolle
des Marchens
einige
in der
Vorschulerziehung zu rechtfert igen, indem sie seine psy-
chopadagogischen Funktionen und seinen
sozial is ierenden
Charakter in Rechnung s te l l t Das Kind hat
über
das
archen
Zugang zu
vorherrschenden
gesel lschaf tskul turel len
Werten,
die in den sozialen
Beziehungen
von
heute
Wiederhall finden
XII
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 13/121
INTRODUÇJ\O
A
opçao
pelo
Curso
de
Mestrado em
Psicologia
da
hlucaç;lo surgiu
l par t i r
dl
algumas experiências pessoais, tan
to
na
i rea
da
psicologia
como na
da Educação.
Foi cursando
a
discip l ina Mitos,
contos
de
fadas,
ar te , folclore e l i t e ra tura : sua pesquisa, que vimos
despe:
tar um
interesse
maior a
respei to
dos contos de fadas. Nes
sas
aulas,
1
íamos
e
di
scut
íamos
a
função
dos
mi
tos
e dos con
tos do
ponto
de
vis ta
da
psicologia anal í t ica (ou junguia
-
na), atendo-nos
principalmente
ao seu caráter terapêutico,
ao
recorrermos
a
uma
le i tura dos
signif icados
das imagens si .
bólicas
que estas histór ias proporcionam, já
que estas nos
fornecem também recursos in terpreta t ivos .
Em
outro
momento,
tivemos
oportunidade de t raba -
lhar
na
area
de educação
pré-escolar , estabelecendo
um con
ta to
quase
diário com
as
crianças na faixa
de
dois
anos
e
meio a seis anos. Durante este período, fomos
percebendo,
com
a
prát ica , que dentre as atividades que as crianças de
senvolviam
havia
uma
em especial
que
propiciava u
clima
g r ~
dável
na sala
de
aula, de muita t roca e envolvimento. Era
o momento
em que as crianças
ouviam os
contos de fadas, que
chamávamos
de his tór ias de
boca ,
vis to que
elas
só pode
-
riam ouvir e usar a imaginação, já que para aquelas histó
r ias nao havia i lustrações a serem mostradas.
Durante
es ta at ividade
percebíamos que,
dependen
do
da sua histór ia pessoal, ou
mesmo
de
acordo
com a sua
n ~
cessidade
momentânea,
algumas
cr ianças realmente ident i f ica
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 14/121
2
vam-se
e projetavam-se
em
algumas
figuras centrais
ou em
aI
gum
si tuação
a l i presente.
Dentro
deste quadro, as meninas identif icavam-se
com as personagens femininas e os meninos com as masculinas,
podendo i s to
ser
observado
a
par t i r das brincadeiras
ou a t i
vidades
em
que as crianças exercitavam
a
representação, co-
mo as gráf icas
(pintura,
desenho)
e
os jogos dramáticos.
Houve,
por exemplo, o
caso de
um
criança que se
sensibil izou
muito
com a his tór ia
de
Joãozinho e Maria ,di
zendo-nos
com ar t r istonho que nunca mais queria vol ta r p ~
ra a
escola .
Pudemos
presumir que
a
idéia de abandono su
gerida pela
his tór ia (quando
o
pai
de
Joãozinho
e
Maria os
abandona na f lores ta porque não t inha condições econômicas
de
sustentá- los ,
não só havia sido assimilada
pela
cr iança,
como
também ela ident i f icou-se
com os personagens centra is
já que seus pais eram médicos, trabalhavam
o
dia
todo
e
dis
punham
de pouco tempo
para se
dedicar
aos
f i lhos .
Esta hipótese pôde
ser confirmada
quando entrevis
amos o casal , e
apos
conversarmos e
deliberarmos
sobre
qual
o
encaminhamento
mais
proveitoso
para
ambas
as
partes,
p u ~
mos cons ta t a r com o
passar
do tempo, que a criança mostrou se
muito mais
descontraída
e alegre no seu dia-a-diana
escola.
A par t i r
desta vivência
e
que
se
foi instaurando
a
vontade de pesquisar mais sobre as implicações
de se
rela
tar contos de
fada às cr ianças, e de buscar nos
vários
auto
res, de
diversas
áreas , subsídios teór icos que
vieram
nos
respaldar
na rea l ização
desta
disser tação.
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 15/121
3
E importante ressa l ta r
que
alguns
autores ,
como
os
fo lc lor is tas Vladimir Propp e Luís da Câmara Cascudo,uti
lizaram
os
termos
conto
maravilhoso
e
conto
de
encanta
-
mento ,
respectivamente,
para
designar o
que conhecemos
por
conto de fadas , por acreditarem ser
es te termo último nao
apropriado, já que
não se
refere
a
his tór ias
cujos
enredos
giram apenas
em
torno de
fadas. No entanto,
continuamos
a
adotar a denominação
conto
de fadas por acharmos que esta
é a
mais
conhecida
pelo
público em
geral (incluindo-se
o
in
fant i l .
Com relação
às
abordagens que nos subsidiaram no
campo da psicologia , buscamos referências tanto na escola
psicanal í t ica IBruno Bettelheim, (1988), Melanie
Klein
(in
Segal, 1975) I,
como na junguiana
IMarie
Louise Von Franz
(1981,
1 9 8 5 ~ 1985Q
1986),
Hans Dieckmann (1986), entre
~
t ros l ,
sendo
que
es ta
última
ocupou
um espaço maior e mere-
ceu
um
destaque mais s ignif icat ivo
de
nossa
parte .
Não
p r ~
tendemos,
com i s to , desmerecer
a psicanál ise
freudiana,
que
esta
const i tu i
um
marco que impulsionou
um maior conhe
cimento da
natureza
humana,
do ponto de
vis ta
psíquico. lém
disto, suas
formulações
teóricas e metodológicas suscitaram
o aparecimento de outras abordagens, incluindo-se a í a jun-
guiana.
Reconhecemos
no
entanto, que ambas apóiam-se
em
visões
de mundo diferentes.
Baseando-se nestas
colocações,
cabe aqui expor
em l inhas gerais
algumas contr ibuições que
a psicanálise
nos
propiciou.
A teor ia ps icanal í t ica sem dúvida dedicou-se mais
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 16/121
4
à psicologia
in fant i l
haja vis ta
as formulações de
Freud e
seus seguidores acerca dos desejos e
conf l i tos
edipianos ~
rante
a
infância ,
assim
como
as
de
Melanie
Klein,
a
respei-
to das relações objeta is para se
compreender a
atividade
psicológica deflagrada
a
par t i r
do relacionamento html no
com
os
objetos
ou pessoas
(no caso,
a
relação mãe-criança)que
atraem
a sua atenção e/ou
necessidades.
Jung, por
sua vez, não
se dedicou
muito a discor-
rer
em
suas
obras,
sobre
a
infância;
mas,
a
despeito
disso,
compartilhamos
em
grande parte a
forma
ou a
perspect iva que
ele elaborou a
respei to
do
inconsciente, cujos
conteúdos além
de
serem encarados
corno
potencialmente cr ia t ivos
também
p ~
dem
extrapolar
a
experiência pessoal.
Ele
considerava
as
imagens
onlrlcas,
por exemplo,
corno
a
melhor
expressão de
conteúdos inconscientes,
e reco
mendava
que,
num
primeiro
momento, ouvíssemos o que o i n o n ~
ciente
tem a nos dizer ; ou seja para compreender o s igni f l
cado do sonho,
faz-se necessário
ater-se primordialmente a
imagem onÍrica. A imagem representar ia a
si tuação
t a l qual
ela
é,
e não
suje i ta
às
deformações
atr ibuídas ao
inconsci-
ente. A interpretação ser ia
requerida,
nesse caso,
de
for-
m
a tornar a imagem or igina l
mais signif ica t iva .
Esta visão, em
nosso
entender,
também
proporcionou
urn extensão
maior
acerca do s ignif icado da natureza humana
pois
ao se
ampliar o conteúdo
simbólico
de
um sonho
leva-se
em
conta
o
contexto
pessoal ,
podendo-se
abarcar
também o
co
le t ivo, relacionando-o com simbolismos míticos, his tór icos
cul tura is ( incluindo-se
a í ternas arquetípicos
desenvolvidos
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 17/121
5
nos contos de
fadas).
Portanto, Jung nao conseguiu referendar por muito
tempo a
visão
psicanal í t ica
que
apregoava
uma in terpretação
exclusivamente sexual da motivação, daí uma das causas
do
rom
pimento entre
ele
e Freud.
om relação aos contos
de
fadas, os psicanal i s tas
freudianos
preocupam-se em
mostrar que
t ipo
de
material re
primido ou
inconsciente
encontra-se
subjacente
a essas his
tór ias .
Os junguianos,
por sua
vez,
acredi tam que nestas
Ú. ..
timas
são
representados os
t ipos
humanos
básicos,
que espe
lham os
t ra je tos
do desenvolvimento psíquico. Expressariam,
portanto, um modelo de comportamento arquetípico em conso -
nância
com o ego, como
iremos
mostrar no desenvolvimento des
te
trabalho.
Entendendo
que o pensamento junguiano priv i legia
uma postura menos dogmática e por vezes polêmica, e
que
nos
encontramos em re la t iva
s intonia
com as
idéias
e conceitos
desenvolvidos por esta escola, é que optamos por empreender
u ô
discussão mais ampla a respei to dos contos de
fadas
d e ~
tro
da
perspectiva anteriormente
citada,
embora
esta
seja
~
locada em relação
com
outros
pontos de
vista
ou abordagem.
Neste
sentido, examinamos
também as colocações
de
Piaget (1978 ,1978E),
Bettelheim
1988), do historiador das
rel igiões Mircea
Eliade 1972),
do f i lósofo
Gilbert Durand
s .d . ) , da
psicóloga
e
escr i tora Jacqueline Held
1980), en
t re
outros.
Por
fim,
estamos
cientes de que, ao
versarmos e
~
senvolvermos esta temática
de acordo
com as
perspectivas
por
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 18/121
6
nós apontadas e relevadas
estaremos
sem dúvida relegando
ou
t ras idéias
ou
visões
a
respeito
do tema
em questão.
Cabe
esclarecer
que
estamos
pondo
em pauta
algumas
ver soes
den
t re várias haja vist a tamanha amplitude já alcançada pe
la investigação e pensamento humanos além daquelas ainda inex
pIoradas.
Entretanto apesar
de
termos plena convicção
o
l
mite do nosso
alcance
enquanto pesquisadores esperamos que
este
t rabalho
venha
contr ibuir
para
ampliar ainda
mais a
noção que
as
pessoas
possam te r acerca das implicações
de
se
rel t r
contos de fadas
à criança em idade
pré-escolar .
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 19/121
C PITULO
I
SOBRE S ORIGENS DOS CONTOS DE
F D
1.1 A relação
exis tente
entre o
mito
e o conto de fadas
Durante a
fase de pesquisa,
analisamos extenso ma
te r ia l
acerca das
analogias
e
diferenças
existentes
entre os
mitos
e os contos de fadas.
s divergências ocorrem
no
sentido
de o conto
ter-se
transformado
num
mito
dessacralizado,
ou se ja o
herói ou
a
heroína não
agem
em
nome
da
i ra dos deuses
e nem situam-se
num mundo governado
por
estes . A
despeito de
os
heróis
ou
heroínas serem
punidos ou não pelos seus atos,
o
conto lan
ça-nos
em um mundo de confrontação
com
algo inusi tado, e a
solução
ou
t ransposição
do mesmo exigirá
que
os
protagonis
tas passem a adotar uma nova at i tude o que
implicará uma
transformação de s i
mesmos ou uma
relação
diferente
para
com
a
vida.
Mircea Eliade
1977) levanta algumas questões acer
ca
deste
assunto, dentre as
quais está o contraste
entre
o
pessimismo dos
mitos
e o
otimismo
dos
contos, pois
neste
úl
timo
geralmente
o desfecho é f e l i z
ao
passo que
na
nar ra t i
va
mítica
o herói ,
na
maioria das
vezes, tem
um fim
trágico.
Além disso,
outro
fa tor
que os
diferencia
r e l a t i -
vamente
é o
fato de nos contos ser
mais
improvável
eviden -
ciar
a cul
tura na qual
se
originaram,
o
que nao ocorre no ca
so dos mitos, sendo possível ident i f ica r no
mito de ~ d i p o p o r
exemplo,
elementos
da
cul tura
grega.
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 20/121
8
De
certa
manej
ra , os
contos
de fadas
sao
também
in
fluenciados
pela cjvi l ização
em que
surgiram,
mas sem
dúvi
da
torna-se
um
desafio
ident i f icá- los
no tempo e no
espaço,
já
que
há poucos regist ros
neste
sent ido.
interessante
notar
que nos contos de fadas o tem
po e o
país não são evidentes, pois geralmente
eles começam
com:
Era uma
vez,
num
castelo
no meio
de uma
f lores ta . . .
Num cer to país . . .
ou Numa
época
em
que os animais
ainda fa
lavam . . .
Apesar
de não se comprovar
o espaço e o tempo
da
narrat iva, os contos iniciam a sua
histór ia num
ambiente fa
miliar onde se
insere
perfei tamente o
homem
comum.
João
e
Maria
desenrola-se em torno
de
um fa to real e corr iqueiro
para nós: o pai é pobre e se pergunta como poderá cuidar dos
f i lhos. Rapunzel
também
começa num ambiente
famil iar co
mum,
onde
os
pais desejavam ter
f i lhos e a par t i r
daí
de
senvolve-se toda
a
trama.
claro que
no decorrer
da his tór ia
os
elementos
mágicos
vão
surgindo, mas não se pode
compará-los
com
os
elementos
sagrados
e
sobrenaturais presentes
nos
mitos,
cujos
acontecimentos re la tados se dão
presumidamente
num tempo pr2:.
mordial. m
exemplo desta
idéia refere-se
aos
mitos cosmo
gônicos, em
que se
percebe a ten ta t iva de buscar exp l i ca
ções '
sejam
simbólicas ou
sagradas,
da
criação
ou produção
de algo.
a
narrat iva de uma
cr iação .
Segundo
Mircea Eliade,
o mito
ensina
ao homem ar
caico as his tór ias
primordiais que
o
consti tuíram
exis ten -
cialmente . (Eliade,
1972,
p. 16).
Histór ias estas que são
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 21/121
9
fruto
da emoçao e
da
necessidade do
homem de compreender
o
que acontecia
sua vol ta , levando-o
a buscar
na re l ig ios i -
dade
os
elementos
que
lhe
proporcionariam
um
controle
maior,
em
termos
racionais , dos
efei tos da natureza sobre s i mesmo,
assim como
de
seus próprios
inst intos ,
como o
de sent i r
me-
do.
Do ponto
de vis ta f i losóf ico , pode-se perceber nos
mi tos
a
famosa
indagação: de onde
eu
vim e para onde vou? Ou,
então, a busca
de respostas para as
mais
diversas manifesta
ções da
natureza, como as
estações
do
ano, as
inundações, o
aparecimento do
boto
na
mitologia
dos índios da Amazônia),
etc.
E o que seriam, então,
as
possíveis construções mi
tológicas
respaldadas pelo medo?
Paul
Diel
á ~ n o s
o
seu
depoimento a
este respeito:
o
homem p r im i t i vo
. • • ) nunca
se ra
comple tamen te
seguro
de le
mesmo
( e i s aqu i
a p r ime i r a
razão
de
seu temor . . •
)
Não é
mais
que um
temor
on to lóg i co ao
qual e s t a
l i g ado i n s ~
paravelmente como se verá ,
o
medo m e taf í s i c o .
o
medo on-
to lóg ico
nasce ra
a magia e
do medo
meta f í s i co
a r e l i g i o s i ~
de.
Pelo
f a to
de que
as
duas formas
de
medo
( an te
o
ambien
te e o
mis t é r i o )
são
i n s epa r ave i s ,
a
magia
e a
r e l i g i o s i d a
de se encont ram l i g ada s en t r e s i
•
) Diel, 1959, p. 59).
o medo do
desconhecido,
a
perplexidade frente
às
várias manifestações naturais ,
sejam
elas
externas,
como já
foi descri to , e até mesmo in ternas .
Como explicar s e n t i m e ~
tos
por vezes
arrasadores
que
nos assolam?
O medo, a
pai
-
xão,
o ódio, a
inveja , etc .
Cabe
aqui lembrar
que
nos tem-
pos antigos
não
exis t ia
a
ciência
como
ela
é const i tuída ho
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 22/121
10
je
e
muito
menos a psicologia ,
um corpo de conhecimento
que
adquiriu
um
cará ter
empírico
e se disseminou na sociedade a
par t i r
das
obras
de
Freud.
Os ins t in tos
as intenções e a necessidade de bus
car
soluções
para a
complexidade
do mundo
eram
e ainda
sao
embora
em
menor grau
proj etados
na re l ig ião nos deuses
ou,
mais especificamente, no pensamento mágico, fatores es tes
caracter ís t icos do
pensamento mítico explorado pela s o c i e d ~
de
quando
esta iniciou
o
seu
processo
de
estruturação
e
or
ganização.
Com relação aos
contos de
fadas,
como
já
foi
dito,
exis te a
hipótese
de
serem
eles mitos dessacra1izados,
pois
segundo alguns autores têm uma t radição oral o que
fac i l i
tou
sua
migração de uma região a outra . Portanto, estavam
su je i tos a
sofrerem
mutações,
adaptando-se
à cultura local
assim como
recebendo
as
influências
da
ordem judaico-cr is tã .
Mesmo
assim, alguns contos mantiveram suas
raízes
na cul tu
ra popular,
preservando
elementos inerentes às re l ig iões
di
tas pagas.
Contudo,
como
já
apresentamos
no
início
deste
ca
pÍtulo, existem ainda
fatores que colocam
o
mito
e o conto
em
sintonia.
Dentre alguns, podemos c i ta r
a
linguagem
e as
imagens
que
se fazem
presentes
nas
duas
narra t ivas . mbos
são
dotados
de uma
linguagem
simbólica,
is to
de
uma l in
guagem que dá margem a
uma ou mais
interpretações ,
vários
sen
t idos
ou
signif icados.
Do ponto
de
vis ta
da
psicologia
junguiana, esta lin
guagem simbólica pode t m b ~ m
re fe r i r -se
a
padrões
arquetÍp i
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 23/121
cos, conceito
este
que
Jung
desenvolveu
e
reformulou algu
-
mas
vezes ao longo
de
sua 0bra.
e
acordo
com
Jolande
Jacobi
( s .d . ) ,
é
importante
ressal tar a
diferença que
há entre a
noção de
arquétipo e de
imagem arquetípica.
o
arquétipo em s i
é
imperceptível , um princípio
or
denador
cujos
elementos provenientes
do
inconsciente coleti .
vo (compostos de
conteúdos universais ,
t ranspessoais) e s t r ~
turam e coordenam o
funcionamento
da
psique.
E uma espécie
de
padrão
básico
subjacente que
se
revela La
psique indivi-
dual ou colet iva, com
base na
experiência de vida daquele i ~
divíduo
ou daquela colet ividade.
importan
te ressaltar
que
esta capacidade de organização
é
herdada, enquanto
o
o n t e ~
do ou
as
imagens arquetípicas
sofreill
as
inf luências
do meio.
Citando
Andrew
S a m u e ~ s
( é p e r f e i t amen te s en s a to
argumentar
que , em
bora o conteúdo
não
s e j a herdado ,
forma
e padrão o são ; o con
c e i t o de
a r q u é t i p o
s a t i s f a z
e s t e
c r i t é r i o .
o
arquét ipo
é v i ~
to corno um conce i to puramente fo rma l , um arcabouço então pre
enchido com
imagens , i d é i a s ,
ternas,
e t c . A
forma
ou p ad rão
a r q u e t í p i co
é
h e rd ad o ,
mas
o
con teúdo
é
v a r i a v e l ,
s u j e i t o
a
mudanças h i s t ó r i c a s e a m b i e n t a i s (Samuels, 1989, p.
43).
Jo1ande
Jacobi (s .d . ) , ajuda-nos a
compreender
m ~
1hor esta af irmativa, dizendo-nos
que
o
arquétipo
materno ,
por exemplo, está
prenhe
de todos os aspectos e variações
que
um símbolo pode
apresentar ,
seja
a goela de uma bale ia ,
o
seio
da
igre ja ,
a
caverna
acolhedora,
a
fada
boa
ou
a
bru
xa (podendo simbolizar
aspectos
posi t ivos
e
negativos
da mãe
vivenciados através
dos
contos de fadas), e
até
mesmo a nos
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 24/121
12
sa mae pessoal .
Ou seja, os modelos arquetípicos básicos
ou
núcleos
estruturantes
são
universa is ,
sao
comuns a
todos
os
povos,a
todos os indivíduos,
e
persistem com
o
passar
do
tempo.
No
entanto, a
relação
do
indivíduo
com o
arquétipo tende
a
ser
estabelecida
através de imagens,
estas suje i tas
as
var ia-
çoes
individuais e
cul tura is .
Portanto, existem símbolos nas suas formas arque-
t ípicas fundamentais que quanto mais profundas ou arcaicos,
mais coletivos
e
universais
serão, ao
passo que
estando eles
mais
próximos da
camada
consciente,
mais
específ icos
e s in-
guIares
serão, perdendo
o
seu
cará ter universal .
o
tentarmos expl ic i ta r
mais claramente a noçao
de
arquétipo
e
sua
diferenciação
da
idéia
de
imagem arquet íp i
ca,
buscamos
argumentos para
demonstrar
a
identidade que há
entre mito e contos
de
fadas cujos motivos
básicos
têm
or i -
gem
nas
camadas
profundas do
inconsciente,
comuns
à
psique
de todos
os humanos.
Mircea Eliade (1972) ajuda-nos
a
entender melhor
esta afirmativa:
Certamente os
mesmos a rque t ipos , ou
s e j a , as mes
mas
f i gu ra s
ou
s i t u ações
exemplares , reaparecem i n i f e r e n t ~
mente nos mitos , nas sagas e nos con tos (Eliade,
1972
p.I71).
importante esclarecer
que
o
conceito de
arquéti.
po, para Eliade
tem
signif icado diferente daquele definido
por Jung:
para
ele , arquétipos são modelos ou protót ipos de
comportamento. Nesta citação acima, o
autor
deveria es tar
se
referindo ao
herói
como
um modelo arquetípico r e p r e s e n t ~
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 25/121
13
do
em
ambas as narrat ivas .
Se, por
um lado,
contos e
mitos lidam
com padrões
arquetÍpicos,
como o
arquétipo
do
herói
que
lu ta
se
sacr i-
f ica na busca de algo novo, da salvação ou recuperaçao do que
foi perdido, expressões
t ípicas
do arquétipo da transforma
çao
que exigem mudanças decis ivas e expansão
da
consciência,
existem
autores
que defendem a idéia
de
que os contos
de
~
das são muito menos
influenciados
pela civi l ização
em
que
surgiram devido
ã
sua
es t ru tura
mais
elementar.
Como já
foi exposto,
é d i f í c i l prec isar a cultura
e a tempora1idade
dos contos de fadas, pois estes parecem
nos
conduzir
para
uma real idade
incomum, para
um
mundo
onde
tudo
é
possível embora preservem elementos
extraídos
da rea
1idade
t r iv ia l
aos
seres
humanos: famíl ia ,
pobreza,
abando
no, desejos a pr incíp io
di f íce i s de
serem realizados, etc .
Percebe-se nos contos a composição de dois mundos
que se inter-relacionam:
o mundo mágico e o mundo
real que
se
assemelha
ao cot idiano
do homem comum.
s
f iguras
do
mundo m;gieo são entes
que
nunca
vimos,
mas
imaginamos
como
são: as bruxas,
mulheres
e
homens
sábios,
anões,
gigantes
e animais
que falam.
Acontecem
mi
lagres
e t ransformações,
f iguras
que
voltam
a viver , a
Bela
Adormecida
que dorme cem anos e
continua boni
ta e jovem, etc.
Raramente
o
conto
se
in ic ia no
mundo
mágico ,
mas sim
no
cotidiano
do mundo
de cá,
até que
surge
o
elemento
mágico que
nos
transporta
para
o
outro
mundo.
Mas
se para Bette1heim
(1988)
os heróis
míticos
oferecem excelentes
imagens
para
o
desenvolvimento do s u p ~
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 26/121
14
ego,
já
que
representam aspectos divinos
humanamente
impra
t icáveis, para Von Franz 1 9 8 S ~ )
os
mitos, por estarem mais
inseridos
na
civi l ização
e
retratarem
de
forma
mais
proemi
nente as
inf luências
da
rel igiosidade de
uma
determinada cu1
tura, dif ici lmente poderão ser estudados sem
se
conhecer a
fundo
o seu
legado cul tura l .
Neste sent ido,
o
conto de
fadas,
por
te r uma
es
t rutura mais elementar,
por ter
uma linguagem simples
e, p o ~
tanto, ser
mais
facilmente
compreendido
visto
que
até
hoje
faz sucesso
junto
ao
público
in fant i l ) ,
pôde
migrar melhor
de
uma
região
ã outra,
pois
reduzido aos seus elementos es-
t ru turais
básicos,
faz sentido
para
qualquer um.
1.2
s
fontes possíveis que deram origem aos contos
de fadas
Além
desta idéia de que os
contos de fadas sao re
manescentes
modificados dos mitos, existem outras
hipóteses
defendidas por fo lc lor is tas , mitólogos,
psicólogos,
que
a p ~
rentemente
se contradizem. Mas se formos
anal isá- las
aten-
tamente, percebe-se que uma nao exclui a outra.
A
psicóloga
junguiana
Marie
Louise
Von
Franz
s u g ~
re que as formas mais or igina is dos contos de fadas sao as
sagas
locais e
as his tór ias parapsicológicas, his tór ias mi-
raculosas
que acontecem devido
a
invasões
do
inconsciente
coletivo sob
a forma
de
alucinações
em forma
de v ig í l i a :
Es tas co i sa s a inda acontecem;
os
camponeses su í
experenc iam-nas
cons tantemente
e
e l a s
formam
a
base
das cren
ças f o l c l ó r i c a s .
Quando
alguma
co i sa
e s t r anha
acon tece , e l a
ê
cochichada e
co r r e ,
como correm
os boa tos ; en t ão ,
sob c o ~
dições
f avo r áve i s
o f a to emerge enr iquec ido de r e p r e s en t a
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 27/121
15
. .. -
oes a r q u e t l p l c a s Ja eX l s t en t e s
e p r o g r e s s l v a m e n t e t r a n s f o r
ma-se num
con to Von Franz,
1981, p.
133).
Há
outra
hipótese levantada pelo
fo lc lor i s ta
sovi
ético V Propp,
mencionado
por
Eliade
(1972), que se
refere
a
uma origem
r i tua1Ís t ica
dos
contos populares, ou seja ,e1e
vê nos contos a reminiscência
dos
r i tos totêmicos
de in ic ia
ção,
pois
se reduz a um enredo in ic ia tór io
( lutas
contra o
monstro, obstáculos aparentemente insuperáveis , enigmas a
se
rem desvendados, o casamento, e tc . ) .
Eliade faz
um
comentário sobre i s to :
Embora em
quase
todos os con tos h a j a o happyeYl.d
seu conteúdo propr iamen te d i t o r e f e r e - s e a uma realidade t e r
r ive lmen te s é r i a ; a i n i c i a ç ã o , ou a
passagem
a t r a v é s
de
uma
morte ou
r e s s u r r e i ç ã o
s i m b ó l i c a s ,
da i g n o r â n c i a e da ima tu
r i dade pa ra
a
i dade
e s p i r i t u a l
do
a d u l t o
(Eliade,1972,p.173).
Von Franz (1981), como
já
mencionamos prel iminar
mente, nao compartilha
desta
idéia , pois
acredi ta
que a ba-
se nao é o r i tua l mas
uma
experiência arquet ípica.
Segundo
a sua tese , os
r i tua is
apareciam nas
sociedades
primit ivas
quando um ou
mais integrantes
da t r ibo compartilhavam as suas
VI soes
e
os
seus sonhos
com o
resto
da
t r ibo .
Ao
serem
en-
cenados
para todos ,es tes sonhos
surt iam um efe i to
profundo
naquelas pessoas, chegando mesmo a
t e r
um caráter curat ivo.
Estas
encenações passaram, então, a
serem
fe i t as repet idas
vezes,
passando
a fazer
parte
do r i tua l
daquela
t r ibo .
Esta é
uma
explicação plausível , i s to é , a de que
o
r i tua l
pode
ser imanente ao inconsciente colet ivo, lembran
do
que
es te
termo, definido por Jung, corresponde às cama -
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 28/121
16
das
mais
profundas
do
inconsciente, aos
fundamentos
est rutu
ra is
da psique comuns a
todos
os
homens.
Estas
colocações,
do
nosso ponto
de
vis ta
sao
i -
gualmente válidas , levando-se em conta os seus mentores. b
viamente Mircea
Eliade (1972),
busca anal i sar dados dando-lhe
um
perf i l antropológico, e
Marie Louise
Von Franz 1981), sem
dúvida, privi legia
uma interpretação
psicológica, em sinto-
nia com a escola da
qual faz
parte que
pressupoe
uma dinâ
mica
psíquica
regida pelos
arquét ipos.
~ d i f í c i l
t raçar um
l imite claro entre o enredo i
nicia tór io e o
conto de fadas, pois
este último desvenda-nos
algumas passagens protagonizadas pelos seus heróis ou heroÍ
nas, que
sugerem
a mesma mensagem
implíci ta
nos r i tua i s ou
seja, as
perdas
inevitáveis para se chegar ã maturidade,
a
capacidade que teremos de possuir representados pelo perso
nagem principal de t ranspor as "provas" e sofrer as t rans -
formações que a vida nos exige.
Mas, se
indagarmos
o que
há de
comum entre a
e x p ~
r iência
arquetÍpica compartilhada
e o
r i tua l em s i c h e g a r ~
mos
ã
conclusão
que
é a
representação
afet iva
que
aglut ina
os homens,
já que
tanto o r i tua l como a experiência arquet
pica são
submetidos
ou
desencadeados
através de um apelo a
fet ivo, seja e le
consciente
ou
inconsciente.
Portanto,
podemos concluir que o
conto
de fadas tem
uma natureza
psicológica que
se
assemelha
ã es t ru tura dos
n ~
t o ~
de
~ n ~ e ~ a ç ã o
e
se
diferencia
de
par te
dos
mitos
,por
ter
uma estrutura mais elementar e
um
material
consciente
cultu
ralmente muito menos específ ico que aquele encontrado nos mi
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 29/121
17
tos.
Inúmeras versoes dos contos e
motivos semelhantes
en-
contrados sobre a mesma
temática,
nos mais diferentes paÍ -
ses,
não
nos
levam
a
afirmar
qual
a
sua
matriz
cu1tura1,mas
sim o seu caráter mais universal do que os mitos.
1.3
Num
país dis tan te no tempo
em
que
os desejos ainda
se
realizavam . . .
Marie
Louise
Von Franz (1981) faz
um histórico,
com
base
em
pesquisas, dos
primeiros
contos que foram regis t ra -
dos, e
descobriu
indícios de que estes surgiram na forma es
cri ta
juntamente com
o
aparecimento
da
mesma ou
seja há
3.000
anos.
Além
deste
regis t ro existem outros na
Antigüida-
de -
por
exemplo,
o
conto
A m o ~
e
P ~ i q u e ~
foi
escr i to
por
Apuleius,
famos9 escr i tor
e
f i lósofo. Segundo
a
autora,
-
interessante
notar
como o
tema da mulher
que redime o
seu
amado
da
forma animal, que aparece neste conto,
constitui um
padrão, ou seja encontram-se
motivos
semelhantes
em
vários
países
da
Europa,
assim
como no Brasi l ,
na
histór ia
O PrÍn
cipe
Lagartão
da
coletânea
de
Luís
da
Câmara
Cascudo.
Pelos
escr i tos de
Platão, soube-se
que
as
mulhe
-
res
mais velhas
contavam
às
crianças his tór ias simbólicas,
e,
desde
então, os contos de fadas passaram
a
es tar vincula
dos à educação de crianças .
Entretanto,
até os
séculos
XVII e
XVIII, os con-
tos costumavam ser a principal
forma
de
entretenimento para
as populações agrícolas
na
época de inverno.
Contar
contos
de
fadas, diz
Von Franz,
tornou-se uma espécie de ocupação
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 30/121
18
cspir i tual cssencia1.
Chegou-sl'
mesmo a dizer quc elcs rc-
prC'scntavam
a
f i losof ia du
rollu
dc f jar
Von
Franz,
198] ,
p.
18) .
Segundo essa autora ,
com o
advento
do
Crist ianis-
mo
o
neo-paganismo
começou nu
Alemanha
corno
urna reaçao aos
ensinamentos cr is tãos ,
o
que levou Von Franz
a
defender ain
da a idéia de
que existem alguns
contos
que retratam urna o ~
pensação
do
inconsciente frente ã supremacia da consciência
cr is tã na
época.
Sem querer entrar a fundo no mérito
desta
questão,
pois e um
assunto
bastante
amplo e exigir ia mais
dados
de nos
sa parte , nos referiremos apenas
a
alguns pontos que exempli
ficam
a
afirmação descr i ta acima.
Observam-se,
em
alguns
contos,
elementos
in t r ínse
cos
ao
paganismo:
gigantes, fadas,
bruxas,
animais que
fa -
Iam,
personagens
mitológicos em
geral
(sereias,
homem
com ca
beça
de animal,
e tc . ) .
Elementos,
sem
dúvida,
simbólicos,
mas também uti l izados e explorados
pelas
re l ig iões
que
nao
se
enquadram na t radição judaico-cr is tã
e, portanto, suje i
tas
a
perseguição
e
dizimação,
como
nos
mostra
a História ,
em destaque
na
Idade Média, quando se assavam
as
chamadas
bruxas nas
fogueiras.
Outra questão que
nos
parece relevante é o fato
de
os contos até então
propagados
oralmente
pelo
povo
antes
do século XVII,
passarem
a t e r na f igura dos
Irmãos
Grimm u
de
seus
principais
compiladores.
Corno nos re la ta Von Franz:
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 31/121
19
Os I rmãos Grimm esc rev e ram os
co n t o s l i t e ra lmen '
t e ,
corno eram
con tados p e l a s p es s o as das
redondezas ,mas
m e ~
mo e l e s não r e s i s t i r a m algumas
v ezes
a
m i s t u r a r um pouco as
v e r s õ es
Von
Franz,
1981,
p.
1 9 ) .
Vê-se, então, a par t i r desta
última
colocação,
que as reproduções dos Irmãos Grimm não eram
assim
tão l i t e
rais como deduz a
autora.
] .4 . O legado da
cultura
cel ta
o fazermos
o levantamento bibl iográfico sobre o
tema
em
questão,
não
poderíamos
deixar de considerar
as p ~
quisas real izadas no campo da l i te ra tura ,
em
especial d a q u ~
la denominada l i t e ra tura infant i l , destinada às crianças.
Deparamo-nos com um estudo s ignif icat ivo real izado por Nelly
Novaes
Coelho
(1987)
sobre
a etiologia
dos
contos
de
fadas,
E
interessante notar
que Nelly
Novaes
Coelho
faz
uma dist inção entre contos de fadas
e o
conto
maravilhoso.
Segundo a
autora, os contos
de fadas,
com
ou sem fadas,
de
senvolvem
seus argumentos dentro
de
uma
magia feérica (re is ,
rainhas,
príncipes,
fadas,
bruxas,
gigantes, tempo
e
espaço
fora da real idade conhecida,
etc . )
e têm como eixo
gerador
uma
problemática existencial expressada através
de
provas e
obstáculos que precisam ser vencidos, como
um
verdadeiro r i
tual
in ic iá t ico,
para que o
herói
alcance
sua
auto-rea l iza
ção exis tencia l ,
seja
pelo encontro
de seu
verdadeiro e u s ~
ja pelo encontro com a princesa, que encarna o
ideal
a ser
alcançado.
Nelly Novaes Coelho nos aponta, ainda, que os con
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 32/121
20
tos de fadas
são
de origem ce l ta , cujos vest ígios mais remo
tos provêm de séculos antes de Cristo e, a
par t i r
da
Idade
Média, foram
assimilados
por
textos
de
fontes
européias,
f i
cando-nos praticamente impossível a tarefa de
resgatá-los
na sua
forma
pura ,
t a l o amálgama
de fontes
que
se fun-
diam
nas narrat ivas recolhidas.
o
entanto,
ressa l ta a
autora:
Foi no s e io do
povo c e l t a
que nasce ram as f adas .
Os c e l t a s provavelmente vie ram da Ásia , e foram impe l idos a
emigrar para a G ál i a ,
P e n í n s u l a
I b e r i c a ,
I l h a s
B r i t â n i c a s ,
Alemanha, a te que nos secu los 11 d .C. e I d .C.
foram c o m p l ~
tamente
submet idos
pe los
romanos
) .
Na v ida comum eram
s imples e
l e a i s ,
e da í a sua
con t ínua
fusão com o u t r o s
po
vos , e enorme p u lv e r i zação de sua c u l t u r a p e l a Europa ) .
Eles eram e s p í r i t o - n a t u r a l i s t a s , i s t o e , de i f i cavam
todas
as
mani f e s t ações
da
n a t u re z a .
Suas
d iv indades
a g r á r i a s
eram
femininas , por
s e r a a g r i c u l t u r a , e n t r e e l e s , t a r e f a
das mu
l h e re s .
Renderam
c u l t o
aos
a n i m a i s ,
ass im como às armas ,
a
t r i b u i n d o - l h e s poderes mágicos (Coelho,
1987,
p. 39).
Além de animistas, o seu
espír i to
de re l igiosida
de
difundiu-se entre todos
os
povos devido a organização da
casta
sacerdotal
dos druidas. Etimologicamente, diz a
auto-
ra,
druida
provém
da
palavra
cél t i ca
d ~ u ,
que quer
dizer
e a ~ v a l h o ( já que exerciam suas mister iosas funções no
bos
que),
ou ainda outra
signif icação
resul tante da decomposi
ção
d ~ u (prefixo indo-europeu que s ignif ica e o m p l e ~ a m e n ~ e a
6unda e
vi
(que s ignif ica e a n h e e e ~ .
C o ~
a crescerte cr is t ianização proveniente de Ro-
ma,
os
r i tua i s considerados pagãos mesclaram-se com a ordem
cris tã , e toda a atmosfera mágica cel to-bretã
(donde
deri -
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 33/121
21
vavam
as
lendas do
Rei
Arthur)
ficou
entregue
às
bnunas e
ao
esquecimento,
e
por que não
dizer ,
de acordo com
a termino
logia
psicológica apresentada,
foi
reconduzida
ao
inconsci
ente de
onde
emergem
os nossos
sonhos e imagens arquetípi -
caso
Quanto aos contos
de
fadas, designados por Nelly
Novaes
Coelho,
como contos
maravilhosos, são compreendidos
como
narrat ivas
que
com ou sem a
presença
de
fadas, se de
senvolvem
no
cotidiano mágico (animais falantes, gênios
e
~
endes, etc . ,
e têm como
eixo
gerador
uma
problemática
so-
cial (ou l igada ã vida prá t ica concreta) , mas que
aponta p ~
ra vivências simbólicas, como o confronto
de tendências
opos-
tas a l i
representadas
nas mais
variadas
f iguras: lobos, bru
xas, fadas, pássaros, personagens mitológicos, etc.
Enquanto
os contos de
fadas foram
engendrados
pe-
los
povos europeus,
e posteriormente
disseminados
pelos I r -
mãos Grimm,
Perraul t ,
como
por exemplo, A Bela
e a Fera ,
Rapunzel , A
Bela
Adormecida ,
e tc . ,
os contos
maravilho-
sos originaram-se nas
nar ra t ivas
orienta is ,
e segundo Nelly
Novaes
Coelho,
enfatizam
a
parte mater ial ,
ét ica
e
sensorial
do
ser
humano, como por exemplo: As Mil e Uma
Noites , O
Gato
de Botas , Aladim e a Lâmpada Maravilhosa ,
etc .
Portanto, a
autora nos
abre uma
perspectiva
que
vem,
em
par te ,
corroborar
e até
ampliar
nossas colocações,
is to
-
, de que os contos de
fadas tiveram a
sua dissemina
-
çao
nos povos
considerados pagãos,
profundamente
rel igiosos
e providos
de uma
cultura enriquecedora, a
nível
ar t ís t ico e
espi r i tua l .
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 34/121
No
~ n t a n t o
O
considerarmos
~ s t u p o s s i b i l i d a d ~
u ~ s t a c a u a
pela autora
a
respei to
da
sua
herança
cel to
c o n ~
tatamos
que
o homem
desde
os
prim6rdios
da
sua
c u l t u r a p r ~
o c u p a - s ~
em
buscar
respostas
para os
enigmas da vida e da
criaç50,
e na impossibil idade
ou
isento de
condições
para
fa
zê-Io objetivamente,
proje ta-o ou elabora-o na rel igião
e no
mistério; projeções
e elaborações
que refletem,numa 6tica
psicol6gica,
o
seu estado de indiferenciação
com
os fenôme
nos
não-explicáveis,
ou
de
to ta l
comunhão
com
conteúdos
ar-
quetÍpicos
expressados
na sua
forma
simb6lica.
1.5
Perraul t ,
os
Grimm Andersen e Cascudo
Até aqui buscamos
expor
sobre quais
as origens
dos
contos de fadas, quais as
fontes possíveis que geraram
os
contos até estes serem coletados
e
editados pelos c o m p i l a d ~
res
bastante
conhecidos
do público em
geral , especialmente,
Perrault
e
os
Grimm.
Os
contes
de fadas, devido ao seu cará ter popular
e
por serem
disseminados oralmente,
detonam
nos
pesquisado
res,
até
hoje,
questionamentos
e
suposições
acerca
da
sua
et io logia mas o
que
não podemos
perder
de vis ta é o
seu ca
rá ter
coletivo.
Ao
migrarem
de
uma região
a
outra , de
boca
em
boca,
sofreram adaptações de
acordo
com
a
cul tura local
os contos
coletados
por
Luis da Câmara Cascudo,
aqui
no Bra
s i l possuem,
em
sua maioria, elementos da nossa
c u l t u r a c ~
mo
veremos
mais
adiante) .
Faremos
agora uma
rápida análise
do
contexto his-
t6rico
em
que viveram alguns destes
compiladores:
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 35/121
3
Foi no
século
XVII que o francês
Charles Perrault
adaptou os
contos
e
lendas
que coletou junto ao
povo,
preo
cupando-se
em
re t ra ta r
o
popular
de
forma
i rônica
e
morali-
zante.
Segundo
Ligia Cademastori (1987), Perraul t ,
de
ori
gem burguesa, desprezava
o povo e as
superst ições populares,
revelando o modelo educativo imposto a ele e a sua epoca, ~
t ravés
de
nar ra t ivas
fáceis
de
serem re t idas pelo público
infant i l ,
não
deixando de re f le t i r , entretanto,
as
tensões
e
soluções
sonhadas
pelos camponeses
vítimas da repressão do
governo absolut i s ta
de
Luís
XIV.
~ importante
lembrar
que, antigamente, os contos
de
fadas não
eram
destinados apenas
às
cr ianças,
mas também
a
adultos
das
classes
mais baixas da
população como
l e n h d ~
res e camponeses,
que
entretinham as mulheres que se ocupa-
vam
da roda de
f ia r .
Mas com relação
às
posições
conservadoras
de Char-
les Perraul t ,
Nelly Novaes
Coelho faz uma ressalva:
liA
na tu r eza
dos argumentos dos con tos co lh i dos por
Pe r r a u l t
pa ra
a sua
co l e t ânea (p ra t i camente
todos
cen t r ados
em mulheres i n j u s t i ç a da s ou
v í t imas ) con f i rma
sua
intenção
de
apoio causa f em in i s t a ,
da
qual
uma das l í d e r e s
e ra sua so -
b r inha ,
Mlle . Her i t i e r (Coelho,
1987, p. 18).
m exemplo
de
narrat iva na qual Perraul t r e p r e s e ~
tou magnificamente um conf l i to feminino, ocasionado pelo d ~
sejo incestuoso
de
um pai por sua
jovem
f i lha , encontra-se
em
Pele
de Asno ,
onde a
heroína, em vez
de pura e r e c ~
tada ,
se
veste de elementos da natureza, dança e
seduz.
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 36/121
24
Os contos
retratam, além
de
dramas psíquicos , co-
mo
veremos
mais
adiante , narra t ivas que por
vezes
fogem
aos
padrões
de
comportamento
propagados
pelas
ins t i tu ições
re l i
giosas e burguesas,
detentoras
da normatização das regras ~
cia is . Neles era
possível
o jogo
de
sedução previs to entre
o lobo e a
menina
eJ l
"Chapeuzinho Vermelho", o
casamento
en
t re r icos e pobres
em
"Rapunzel", o "Alfaiatezinho Valente",
e a
possibi l idade de
aceitação
e
afeto
entre seres humanos
e
"cr iaturas"
que
aparentemente
causam
repulsa
em
"A
Bela
e
a Fera", entre
outras.
Os contos
proporcionam
a crianç2 e
aos
adultos a
vivência
de
elementos
mágicos e mitológicos, que nao corres
pondem a urna real idade objet iva mas sim subje t iva .
Por i sso
fica-nos
extremamente d i f í c i l e del ica-
do estabelecer l imites entre o real e o
imaginário,
já que
os contos extraíram das
fontes
mitológicas
e
onÍr icas
a
es
sência que delineou
seus
motivos
e
temáticas caracter izadas
corno simbólicas.
Podemos também buscar nos seus compiladores
fa to
res
l i t e rá r ios
e
de
natureza
pessoal ,
que
ajudaram
a compor
as suas respect ivas
obras.
E
dando curso
a
i s to
destacam-se
as publicações
dos Irmãos Grimm que no século XIX ampliam a antologia dos
contos de fadas,
recolhendo
da
memória popular as antigas na .
rat ivas com o auxí l io de duas mulheres, uma camponesa e ou-
t ra
francesa,
que
se
encarregavam
de
rechear
os
seus
l ivros
de his tór ias .
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 37/121
25
Jacob
e Wi1heim tiveram
uma
formação bem divers i -
ficada, pois
além de f i lósofos e
grandes
fo1c1oris tas ,
fo
-
ram
estudiosos
da
mitologia
germânica
e da
his tór ia
do
Di-
rei to
alemão,
o que ta lvez
tenha
levado
Jacob
Grimm a dizer:
Eles
-
os con tos ) nao
foram im ag in ad o s , i nven ta
-
-
os, mas sao os r e f l e x o s das mais an t ig a s c r e n ç a s p o p u l a r e s
e a
fon te i n e s g o t á v e l dos mais puros mitos ( transcr ição
de
Laura
Sandroni
no oletim l n o ~ m a t i v o
da
FNLIJ, 1987,
p.38).
Dentre os contos
mais
conhecidos
dos Irmãos Grimm
aqui
no Brasil citamos Joãozinho e
Maria , Branca de
Neve
e
os
Sete
Anões , A
Gata Borralhe i
ra ,
'IRapunzel'
I
, 1embran
do que
se
encontram algumas versões
destes
contos
nas
cole
tâneas
de Perrau1t, que ora se
assemelham
ora divergem das
de Grimm.
Com uma
simplicidade que lhes
é caracterÍs t ica ,os
Irmãos Grimm reproduzem
nos
contos
temáticas que são iden t i
ficadas nos vários
contos
que
coletaram.
Geralmente,
um
ra
paz ou
uma
moça
nascem
numa família
pobre, sendo
ou muito
amados ou
desprezados
pelos pais ou
pelos subst i tu tos
des
tes
(a afet ividade
obedece a pólos extremos). A par t i r
daí,
surge algum
confl i to ou alguma tarefa que
leva
o
p r o t a g o n i ~
ta a
sai r
pelo
mundo ,
podendo encontrar a solidão, a an -
gústia
e a fome que fatalmente serão compensadas por alguma
intervenção mágica
ou algum
ajudante com
poderes mágicos voz
interna?) que i rá impor-lhe
tarefas que,
caso
sejam venci -
das
ou
superadas, haverá
uma recompensa, ou seja, o
casamen
to, mudança de posição social , reconhecimento
pelos
outros,
enfim, situações
que
objetivamente significam mudanças na
vi:.
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 38/121
2(,
ua uo
protagonista ,
e
subjetivamente acarn ' tarão urna
t rans-
formação ue si mesmo, pois o
protagonistu
sem dúvida muua a
sua
at i tuue
perante
a
vida.
claro
que estamos
simplif icando ao
máximo,
af i -
nal os contos sugerem urna riqueza de signif icados
muito mais
ampla e profunda, e
não
seguem
todos
necessariamente
este
roteiro .
O
que queremos demonstrar é
a sua narrat iva de
fáci l compreensão
e
que,
por sua vez, usam recursos
que p ~
sar
de
não terem
similaridade com a real idade objetiva,
t r n ~
portam-nos
para o reino dos desejos e das imagens simbóli -
cas com ta l graça e vir tuosidade, que passaram a
ser
compa-
rados com
uma obra
de ar te :
o
con to de
f ad as nao p o d e r i a
t e r
seu impacto
p s l
co l õ g i co
so b re
a
c r i a n ç a
se
não
fosse p r i m e i ro
e
an t e s de
tu
do uma obra de a r t e • • . ) Como sucede
com
t o d a grande a r t e ,
o s i g n i f i c a d o mais profundo dos
co n t o s
de f ad as
se ra
d i f e -
r e n t e
p a ra
cada
pessoa
em v á r io s
momentos de
sua
vida (Bet
thelheim, 1988,
p. 20
e
21).
Mais de um século separa os
Grimm
de Perrault
e os
tempos são outros. Os folc lor is tas
alemães,
já na
era do
Romantismo,
davam
um es t i lo
mais
suave
a
suas histór ias , a-
menizando a
violência
e a
crueldade expressas
com
mais
vee-
mência
nas coletâneas de Perraul t .
Para exemplif icar , Per-
raul t publicou contos
como
Barba Azul , conhecido por seu
caráter sanguinário , assemelhando-se em muito a uma histó
r ia
de
te r ror , além
da
versão de sua autoria de Chapeuzi -
nho Vermelho , cujo f inal
termina
com o lobo
devorando
a me
nina
e a avó, em
contraste
com a
de
Grimm,
que
t raz a
figu-
ra do caçador que salva
as
duas
mulheres da barriga
do
10
-
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 39/121
27
bo, despejando-o
no r io
com
a
barr iga cheia
de pedras.
Discutiremos a crueldade presente em alguns con -
tos mais adiante ,
assunto este
que
até hoje
tem gerado p o l ~
micas.
Outro
autor que se consagrou junto ao
público in
fant i l foi o
dinamarquês
Hans
Christ ian Andersen, conhecido
também por suas
poesias
e
novelas.
Andersen
viveu
no
ipice
da
era
do Romantismo
e,
portanto,
seus contos,
em
especial , estão suje i tos
a
inf lu-
ências
dos
precei tos
romãnticos,
como emotividade
exacerba-
da,
permeada
de amores idealizados e decepções amorosas que
levam os personagens a
adoecerem
e se entregarem à
desilu
-
sao f rente
à vida quase que por completo.
Contrastando com os
demais,
Andersen, reconhecido
por uma vida pessoal
altamente
atr ibulada,
o
que se ref le
-
t iu
seriamente
na sua personalidade, não buscou só nas
fon
tes populares inspiração para edi tar os seus contos, j que
alguns
foram
criados por ele mesmo,
adquirindo
uma atmosfe
ra
t r igica
e ~ p e l h n d o
em
muito a sua problemitica
pessoal.
Explicitando
os
padrões
de comportamento
exigidos
por
uma e l i t e
em
conformidade com a
moral
c r i s t ã
da
Andersen
ainda encontrava fôlego para manifestar
em
poca,
alguns
contos as
desigualdades
soctais mostrando
não
somente as in
just iças dos
poderosos,
mas a defesa
dos
dire i tos iguais ~
ra as
classes populares,
faixa social à
qual ele
também p e ~
tencia.
Foi através de Soldadinho de Chumbo ,
A
Sereia-
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 40/121
28
zinha c Patinho
Feio
que reconhecemos
J des.ilusão,
a re
jejç50 e a necessidade
de
acei taç50 pelos que nos
rodeiam.
Reconhece-se
também a
cr í t i ca
social
presente
em
Roupa No
va do
Imperador , notabil izando-se ar
a frase O Rei est5
n ~ , ou seja, a fa l ta de
autentic idade
das
pessoas
da corte
frente
ã
figura
detentora de
poder
desmascarada apenas p ~
la espontaneidade
de uma criança que não se encontra na fa
se de to ta l
assimilação
e
conseqüemte
cumprimento
das
nor
mas ditadas
por
um
grupo
socia l ,
sejam
elas
l í c i t a s
ou
nao.
E,
finalmente,
o nosso
compilador
bras i le i ro , o
fo lc lor is ta Luís
da
Câmara
Cascudo, que
também, ainda que
mais recentemente que os outros (década de 30 , encontrou nos
contadores
de his tór ias
espalhados pelo
Brasil
(com desta -
que especial
ao Nordeste do
País)
alguns de seus principais
colaboradores. Outras coletâneas suas foram t i radas de vo
lumes
impressos.
Segundo
o
autor,
a proporçao
entre os
elementos in
dígenas,
africanos
e brancos no folclore
bras i le i ro
é
de
1:
3:5, ou seja, foram
os
portugueses, franceses,
holandeses e
espanhóis,
entre
outros, que
se
encarregaram
de divulgar no
Brasil a
cultura
e a narrat iva
européias,
ainda que sofres
sem
adaptações
de
acordo
com o
narrador
local .
Ao observarmos os contos descri tos no seu l ivro
C o n ~ o ~ T ~ a d i e i o n a i ~ o
B ~ a ~ i l , notaremos
que muitas versões
recolhidas por aqui
são
variações de contos portugueses,
e ~
panhóis
e
franceses,
incluindo
a í
aquelas
presentes
nos
l i -
vros
de Perrault (no Brasi l
a
versão de Bela A d o r m e c i d a g ~
nhou o nome de
A Princesa
do Sono-Sem-Fim ) e Grimm (a
ver
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 41/121
9
sao
de
Joãozinho e Maria cujo t í tu lo é idêntico) ,
entre
outros.
f importante
ressal tar que
o
autor
sempre
nos
noti
fica
da
origem
popular
de
alguns contos
e a
dificuldade
de
se
estabelecer
com precisão
a sua
fonte
orig inár ia ,
ta l
a
quantidade de publicações
de várias
nacionalidades, cujos
o
t ivos são semelhantes.
No
entanto, é possível ident i f ica r a presença dos
elementos
indígena e africano
em
O Marido da
Mãe
d'Água ,
assim como denominações
oriundas
da cul tura bras i le i ra , co-
mo
por exemplo, égua perebenta no conto A Princesa Jia ,
possivelmente
de
origem
espanhola
ou
portuguesa.
Cascudo, em
algumas
narrat ivas ,
mantém
na íntegra
o discurso do contador da his tór ia , não se atendo às
normas
gramaticais
corre tas ,
mas a
reunir
elementos
do
nosso
fol-
clore e reproduzi-los f ielmente.
Diz o autor:
A n o v e l í s t i c a , que
se
to rnou uma
das
mais
a p a l x ~
nantes a t iv ida de s de pesqu i sa c u l t u r a l do secu lo
XIX, o n s ~
grou
o
con to popu la r , t r ansmi t indo o ra l m e n t e , mostrando sua
marav i lhosa
anc ian idade
e o
t e x t o ,
j amais
uno
e
t í p i c o ,
mas
t ec ido de
e lementos v indos de
mui tas o r i g e n s , numa fusão que
se
t o r n a n ac io n a l
pe lo
nar rador
(p re sença do
ambiente
meso
l ó g i co ,
fauna , f l o r a ,
armas , v o cab u lá r io s ) e
i n t e rna c iona l
pelo
con teúdo
t emá t i co . • • •
) As
pesqu isas esc la receram que
os con tos popula re s )
p ~ r t e m
de temas p r i m i t i v o s e obe
decem
a
uma se r i a ç ã o a r t i c u l a d a de e lementos ,
de so luções
ps i c o lóg ic a s , uso de o b j e t o s , encon t ro de o b s t á c u l o s ,
comuns
e
semelhantes
(Cascudo, 1988,
p.
247).
Parece-nos que Câmara Cascudo conseguiu integrar
neste parágrafo os principais tópicos
que queríamos abordar
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 42/121
30
neste capítulo. Tentamos expor levando em conta elementos
ora contraditór ios
ora
complementares
a
identidade que
há
entre
os mitos
e os contos de
fadas
no que concerne à ado
ção
de motivos e elementos s imilares assim como na
sua
l in
guagem simbólica. Elementos es tes
que de acordo
com a
ar-
gumentação
de
algumas
escolas
psicológicas expressam-se na
psique
colet iva ou individual
sob
a
forma de
imagens arque
t ípicas.
Formulamos
ainda
as
posições
de
Mircea
Eliade
a
cerca da origem r i tua l Í s t i ca
dos contos de fadas
e a possi
bil idade de terem
eles a
sua origem através da
disseminação
da
cul tura ce l ta hipótese
defendida por Nelly Novaes Coelho
E ressal tar íamos mais um questão: é extremamente
complexo estabelecer os l imites entre cul tural e o psicoló
gico
de
um
gênero
l i t e rá r io
ou
a r t í s t i co que
praticamente
se
alastrou
pelo mundo e
se difundiu
através
das mais diferen
tes
culturas
que
t raz
na sua
linguagem
e imagens simbóli
cas
o seu
principal agenciamento.
Sabemos que o
símbolo
se confunde com o
desenvol
vimento
de toda
a cul tura
humana assim
como inc i ta
sent i -
dos que proporcionam uma mediação com tendências inconscien
tes sejam elas cole t ivas ou individuais
já
que a relação
que cada
um
estabelece com o símbolo é
pessoal .
Considerando que o nosso
objetivo
é o conto
d e f a
das
que tem
um
caráter t ranscul tural e portanto ass imila
do
nas
várias
cul turas
podemos
deduzir
o
seu
caráter
uni
versal trazendo
em
seu bojo a
sua tendência de
incitar
sen
t idos
vários
e
multÍvocos
dada a
sua vocação simbólica.
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 43/121
CAPITULO 2
O
SIGNIF CAJlO
PSICOLOC CO DOS CONTOS E FADA
2.1
O
Sighif i tado
do simb6lico
Antes de discorrermos especificamente sobre COIl
tos de
fadas
precisamos
si tuar-nos
a
respeito
da noçao de
símbolo e contextual izá- lo um
pouco
dentro de
uma
perspecti
va
cul tural
e a C d ~ m i c a ; e de uma forma
mais ampla ressal
t a r a função simbólica de
acordo com
algumas
correntes psi -
cológicas para
percebermos
até
que ponto
estas
considera
çoes serao re levantes
dentro
da nossa temática.
A
noção de
símbolo tem sido
explorada em várias
areas
de conhecimento
encontrando-se atualmente
páginas e
páginas
dedicadas
a
sua
definição e função no campo da
f i lo
sof ia l ingüís t ica ,
pedagogia
psicologia
ar tes , e tc .
O t rabalho desses autores nos proporcionou recolo
car a questão do símbolo
dentro
de uma visão epistemológica
voltada
para
a ampliação e a sustentação de algumas teorias
que
se
propoem
elucidar
questões
acerca
da
e x i s t ~ n c i a
huma-
na.
Gilbert Durand
s.d.) descreve em seu l ivro
A
im
gin ção
~ i m b õ l i c a
que foi
atraves
do cartesianismo e do po
si t ivismo
que
o simbolismo
foi
relegado
aos
patamares do
in
verossímil ou seja , o
racionalismo assim
como o empirismo
reducionista
acabam por inf luenciar decisivamente o
pensa
mento humano
pretendendo-se
com isso
perpetuá-los
como meto
dos
universais
ou
as
únicas vias possíveis de
se
promover
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 44/121
32
o conhecimento.
Com
a
formulação
de outros métodos, o empirismo
deixou de
ser
o único
instrumental ,
e a
questão
das imagens
simbólicas em especial
passou
a
t e r reconhecimento frente
às
contribuições da psicologia e da etnologia, que demons -
traram
a
importância
das
imagens simbólicas
na cultura e no
psiquismo.
o
objeto ausente passou
a
ser considerado
a pa E.
t i r
de
sua
representação ou imagens
através
de
sonhos,
mi-
tos, poesia e contos de fadas, re-ve1ados à consciência,
reconduzindo-nos
a
um universo sensível onde se priv i legia
o inconsciente, o
sobrenatural ,
o
sagrado
e a
fantasia .
Para compreendermos
melhor
es ta idéia ,
citamos
G.
Durand, que
se baseou nas colocações
de
Paul Ricoeur:
( todo símbolo a u tê n t i c o possui
t r ê s
dimen -
sões concre ta s : e l e
é ,
ao mesmo tempo,
' cósmico '
(ou
s e j a ,
r e t i r a toda
a s ~ f igu ração do
mundo sens í ve l
que nos ro-
deia) ;
' on í r i co '
( en ra í za - se
nas l embranças , nos gestos
que
emergem em nossos sonhos
e
cons t i tuem, como
bem
mostrou
Freud,
a massa
concre ta
de nossa b i ogra f i a
mais
ín t ima) e ,
f ina l
-
mente, ' p o é t i c o ' ,
ou se ja ,
o
símbolo
também
ape la
para
l i n
guagem
(Durand,
s .d .
p. 16).
j este símbolo indizível , mas que
se
manifesta
através
da
linguagem que
o
circunda
e é
portador de vir ios
signif icados, que
nos
impele a buscar relações, que nos aju
da a construir o universo humano,
de
forma mais abrangente.
importante lembrar que
signo e
símbolo
referem-se
a
realidades
di ferentes .
Como definiu muito
bem
Cassirer ,
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 45/121
33
os
s i ~ n o s
correspondem a uma parte do mundo f ís ico
e.
por-
tanto.
são operadores . enquanto os símbolos sao
uma
parte
do mundo humano
dos
sentidos e.
portanto.
são
desiW1adores .
o
autor
faz
ainda algumas considerações sobre a
linguagem:
li l inguagem
fo i
f reqüen temente
i d en t i f i c ada
com a
r azão ou
a or igem
des t a .
Razão
ê
um te rmo mui to pouco ade
quado
pa ra ab range r as formas
de
vida cu l t u r a l do homem em
toda a sua r i queza e va r i edade . Mas todas
e s t a s
formas
-
ao
s imból icas . Por t an to em
l uga r
de de f i n i r o homem como um
animal ~ a t i o n a l e dever iamos de f i n i - l o como
um animal
~ y m b o -
lic.um
(Cassirer , 1977. p. 51).
Cassirer, talvez
em resposta
aos pos i t iv i s tas
de
fende
a idéia de que o conhecimento humano é simbólico.o que
caracter iza
ao
mesmo tempo a
sua
força
e
l imitações .
E
ao
descrever a es t rutura da
linguagem,
do mito, da re l ig ião e
da,a:te,
ele requis i ta a necessidade de uma terminologia psi
cológica,
pois
se
penetra
num
mundo em que o sentimento, a
imaginação a r t í s t i ca ou mítica, assim como o pensamento, es-
tão
em jogo.
Em se
tratando
da
contribuição
da psicologia
em
re
lação
à
compreensão
dos
simbolismos presentes
nas mais
di-
versas formas de expressão é que
destacamos
as idéias de
Jung.
que redescobriu e ampliou a noção de símbolo carac -
terizando-o
também corno
mediador
entre
consciente
e incons-
ciente.
Ainda ocorrem
confusões
a
respei
to da noçao de
sÍID
bolo e arquétipo dentro
da
teor ia
junQ'uiana:
o
arquétipo
em
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 46/121
34
si é essencialmente a energia psíquica, a matéria-prima
fornecida
pelo inconsciente coletivo,
que
passa
a ser
re
conhecível
através
da
manifestação
de
uma
imagem arquetípi
ca ou símbolo.
Para exemplificar
esta idéia,
podemos reconhecer
o
arquétipo
da luta do bem contra
o
mal ,
ou o
confl i to
de opostos
através
da
lu ta
ao
herói contra aquelas
forças
que
personificam
o
mal:
fome
fr io , tempestades, dragões,
bruxas, etc.
A constatação da existência, ou nao, de um signi
ficado simbólico depende
também
daquele
que o
percebe, i s -
to é, passa por
uma
avaliação subjetiva,
onde,
por
exemplo
a
figura
de um sol pode
ser , para alguns, apenas
a
x p r ~
são
de um
signo,
e
para
outros, um símbolo, ou
seja,
causa
um
efeito
que
detona
significados
por
vezes
inexplicáveis.
Existem ainda, segundo Jolande Jacobi (s.d.) ,sím
bolos
que podem
se degenerar
em signos
dependendo
do con -
texto
ou daqueles que
os
contemplam.
A
cruz, num
exemplo
dado
pela
autora
citada, pode ser apenas
o
signo
externo do
cristianismo,
enquanto
para outros
pode
simbolizar
toda
a
plenitude da
his tór ia
da Paixão.
E
finalmente,
retomando a
nossa
colocação
formu
lada anteriormente, referimo-nos ao
caráter
mediador do sím
bolo, defendido
por Jung
como o unificador dos
pares
de opos
tos,
em primeira instância do
consciente
e inconsciente. Acres
centa Jolande Jacobi:
o s ímbolo e , então , uma espec ie
de
i n s t ânc ia me-
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 47/121
5
d iad o ra e n t r e a i n c o m p a t i b i l i d a d e do
c o n s c i e n t e
e do i n co n s
c i e n t e ,
um a u t ê n t i c o
mediador e n t r e o o c u l t o e o r e v e l a d o .
E
c
on
t
in
u
a
c i t
a
n do
paI
a v r a s de J u n
{ :
E
1 e
(o
s
í
m
b o lo )
não
e
nem a b s t r a t o
e
nem c o n c re t o .
nem r a c i o n a l nem
i r r a c i o n a l .
nem
r e a l nem
irreal é
sempre ambos
(Jacobi. s .d .
90).
Esta qualidade
mediadora tem
sido
associada a uma
ponte. cuja
função é de
se
cr ia r
uma passagem
de
um
lado
pa
ra outro, dinamizando
a
psique,
unindo
pólos
antagônicos num
exercício
de
síntese para
separá-lOS em seguida,
já
que a
psique ohedece a
l e i s
dinimicas, da mesma forma que o fluxo
da vida.
E
cada vez
que
procuramos novas
referências,
para
abranger os vários signif icados que emergem
através
do
sím
bolo, f ica-nos
cada vez
mais evidente Que
ao desvelar
as ten
sões
contradi tórias Que lhe são inerentes. nota-se Que ele
possui um caráter d ia lé t ico: o símbolo é universal, pois trans
cende o individual , mas pode, ao mesmo tempo,
adquir i r
um
sentido relacionado especificamente com uma pessoa,
depen
dendo da relação que a mesma estabelece com aquela imagem em
especial.
Pode
ser
portador
de
um
sentido
assim
como
ser
r ico
em
numerosos sentidos.
símbolo
pode ser
ao
mesmo
tempo consciente e in
consciente, não é racional nem i r rac ional , mas as duas coi
sas simultaneamente. Ele é, por um lado, acessível à cons
ciência ou à razão, e , por outro, permanece oculto a ambas;
mas é
através
dele
que
se
t raça
a
possibil idade
de
inconsci
ente, e o consciente se
aproximarem.
Mas de que
forma torná- lo
real para nós? Signi f i
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 48/121
36
cando-o,
vivenciando-o ou
até
mesmo
interpretando-o.
Esta é a proposta de Paul Ricoeur:
A i n t e rp re t ação ,
di remos,
e
o t r aba lho de pensa-
mento que c ons i s t e em d e c i f r a r o s e n t ido oc u l to
no
sen t ido
aparente , em desdobrar
os
na
s i gn i f i cação
l i t e r a l .
4 •
n1ve1S
Guardo
de s i g n i f i c a ç ã o impl icados
ass im a r e f e r ê n c i a i n i c i a l
ã
exegese , i s t o
- -
,
a i n t e rp re t ação dos
s e n t idos
ocu l tos .S im
bolo
e i n t e r p r e t a ç ã o tornam-se
conce i tos
r e l a t i v o s : há in -
t e rpre tação onde houver sen t ido
m ú l t i p l o ;
e
é
na i n t e r p r e t ~
ç
ã o
que
a p
l
r a I i d a d e
dos se
n t i
dos
t o r
na
-
s e m
a n i f e s
ta
(Ri -
coeur,
1978, p. 15).
No
entanto, apesar das
palavras de
Ricoeur, tende-
mos a o ~ t r por uma ou outra interpretação; somos
remanes
-
centes do
racionalismo,
e
se nao nos
definirmos por es ta
ou
aquela
posição, corremos
o
r isco
de
sermos rotulados
de am-
bíguos,
evasivos,
etc.
Somos quase que impelidos a organizar o universo
em categorias ,
pois
existem publicações a
respei
to dos sÍI
bolos, tanto na 'área de
psicologia
(onde se diz que isto sis.
nif ica aqui lo ) , como
nos
dicionários de símbolos , que
acabam
por re s t r ing i r
o
s ignif icante
aos seus
signif icados.
Esta é
uma
postura
por
demais
dogmática, reducio
nista, que
tem
sido muito cr i t icada tanto dentro do
próprio
círculo
da
psicologia
corno. por exemplo, pelo psicólo
go junguiano James
Hillman
quanto por f i lósofos , como
Gilbert
Durand ( s .d . ) .
o
que
devemos considerar, de
acordo c ~ m
o
psicana
l i s ta Meltzer (in Samuels. 1989) é Que deve
ocorrer
urna a t
mosfera interpre ta t iva . onde
há
urna interação entre os
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 49/121
7
significados
das
imagens e nao
uma tradução
da imagem em
significado.
A
psicologia
vem-nos
mostrar
que o
símbolo é con
cebido
como uma síntese equil ibradora, oferecendo
soluções
-
paziguadoras
para uma
das tarefas
mais complexas,
que
e o
autoconhecimento, ou a revelação de alguns aspectos da nos
sa
personalidade
que, sem o instrumental psicológico, seriam
ignorados
do
ponto
de
vis ta
da
sua apreensão nos
vários
nÍ-
veis,
e
nao apenas racionalmente.
Citando
uma frase de
Jung
destacada do
l ivro
de
~
lande
Jacobi s .d . ) , . . .
é
a capacidade de t e r
consciência
que torna o homem
mais humano .
Consciência es ta que
vai
exigir que, através das diversas interações que formos
efe
tuando
entre
o
símbolo
e
os
signif icados,
busquemos
r e l a -
ções que impliquem
a
adoção
de uma
linguagem
que
produza um
efeito esclarecedor. que motive
a
t ransposição daquele s ig-
nificado antes inintelegÍvel , inconsciente.
para uma
esfera
real ,
possível,
promovendo. assim. uma
ampliação da
consci
ência e a possibi l idade de
um maior conhecimento de
s i e do
mundo.
o símbolo.
como
já foi
descr i to .
tem
a
capacidade
de detonar inúmeras interações , in terpretações . devido
à
sua
multivocidade.
No
entanto,
o homem
necessi ta
de valores para
c o n ~
t ru i r o seu mundo in te r ior . Valores es tes
que
sao
produzi-
dos na relação com o
próprio símbolo
(bom/mau;
esperto/bo
-
bo;
feio/bonito;
etc . ) presente nas
imagens
encarnadas
pe
los personagens
dos con tos . Na
construção
do nosso numdo in-
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 50/121
38
tc r ior
sclccionamos
os valores c hicrarqujzamo-los de acor_
do
com
os
nossos jn te resscs part icularcs ( cul t l nd s .
Se quisermos, portanto,
vivenciar
e
compreender
a
linguagem simbólica
prcsente nos
contos de fadas,teremos tam
bém que
decodif icá- la ,
pois
assim poderemos fazer as in tera
ções possíveis entre os vários s ignif icados que
emanam
des
te
universo
simbólico que
compõe
estas his tór ias .
E como em toda linguagem simbólica, um pouoo de
mistér io, entretanto, sempre
permanecerá,
considerando
que
esta linguagem também é uma par te
inerente
ao mundo humano
de significação o qual nunca apreenderemos inteiramente.
2.2 Os simbolismos presentes nos contos retratam
dramas ps í -
quicos
Desde que foi
concebida
a identidade que há
entre
as
imagens simbólicas ou
arquetípicas
presentes nos sonhos,
nos mitos
e
nos
contos de
fadas,
proporcionada
em especial
pela psicologia,
estas
imagens
ou motivos, como
definem
a l-
guns,
têm
sido exploradas
e
analisadas
nas
diversas p u b 1 i c ~
çoes
que encontramos
sobre o assunto, entre as
quais
se
e ~
tacam as de
Bette1heim
1988),
Marie
Louise Von Franz
1 9 8 5 ~ ,
1985E. 1986),
Hans
Dieckmann
1986),
que se
;aproftmdaram mais
sobre
esta temática
introduzida por
Freud
ou Jung.
O principal assunto destas
investigações refere-se
à exis tência de analogias surpreendentes entre as imagens
arquetípicas
encontradas
nos
contos de
fadas
e aquelas en
contradas
no inconsciente durante a terapia de cunho ana1í-
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 51/121
39
co,
ou seja , da
escola junguiana, encontrando-se a í
a
s i m b ~
l ização
do
processo
psíquico, re la t ivo
-
individuação
processu
de
Jesenvolvimellto
psíquico
com
vis tas
,à
amplia
-
çao da
consciência cuja
tendência é
real izar
potencial ida
des
inatas
do i n d i v í d u ~ , ã maturidade e ao desenvolvimento.
o psicanal is ta
Bettelheim l988)
nâo
diverge
muito
desta
idéia ,
acreditando que o conto de
fadas
tem
fins
tera
pêuticos, pois contém projeções
de fenômenos internos
p s i c ~
lógicos
do ser humano,
sob
a
forma
simbólica,
na
busca
de
respostas às suas
indagações
e de resolução de confl i tos in
ternos.
o que
dist ingue as
duas escolas
é
que
para a
psi
canal í t ica ,
os contos passaram,
através dos
tempos,
a t r a n ~
mit i r signif icados
manifestos
e
encobertos, assim
como a
atividade onír ica na concepção freudiana, enquanto
para
os
adeptos
de Jung
os contos espe
lham a eS Lrutura bãsicá da psique
,cujas ra1zes
se
encontram na
psique cole t iva .
Tanto
a psicanál ise como a
psicologia analíticacon
cordali1
que
os
contos
de
fadas têm
um es t ru tura
semelhante
ã
dos
sonhos.
Freud
já
t inha
percebido
que
os
contos
nao
são fundamentalmente dis t in tos
dos sonhos,
e que
falam um
linguagem simbólica idêntica.
Marie Louise
VonFranz
1 9 8 S ~ 1 , por sua vez, diz
que
os contos de fadas parecem exercer , no âmbito de
um
po
vo, um função
semelhante
ã
dos
sonhos para
o indivíduOI
eles
cunfirmam, curam, compensam e
cr i t icam
a a t i
tude
coletiva p r ~
dominante, assim
como
os sonhos
o
fazem
com
relação ã a t i tu
de de
um indivíduo.
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 52/121
40
Ela
acredita
que
apesar
de
haver nos
contos mui
tos
motivos
re l ig iosos , e les jamais
foram
suprimidos
ou ab-
sorvidos
por qualquer
ensinamento
rel igioso
vigente,
pois
atuaram como compensaçao onfr ica para o qual podiam
ser v ~
t idas
aquelas necessidades
psicológicas que não fossem suf i
cientemente respeitadas na at i tude
consciente
colet iva.
Todos são unânimes em
apontar
que os contos
o f r ~
cem modelos para a
vida,
modelos estes que encontram na f i
gura
do
herói
ou da
heroína
um exemplo a ser observado.
Para Bettelheim,
o
her6i
t raz
em s i um apelo
posi
t ivo
proporcionando que
a cr iança se ident i f ique com es te
lado. O
autor
acredi ta que é importante prover a
criança m ~
derna com imagens de heróis que
part i ram
para o mundo sozi-
nhos e que, apesar de ignorarem o
desfecho desta
sua
t ra je
tór ia encontram lugares
seguros
no mundo
seguindo
seus ca
minhas
com
uma profunda confiança in te r ior .
Para
Marie Louise Von
Franz (1986), os heróis dos
contos
de
fadas nao são
muito humanos,
pois
suportam
todos
os sofrimentos, nao vacilam ante o
perigo,
até
atingirem
seus
objetivos.
Neste
sentido, os
heróis ou
heroínas
diz
ainda
a
autora.-
representam modelos
para um funcionamento
do ego
em
harmonia
com a to ta l idade da psique
com
inconsciente e
consciente) ,
sendo, além dis to um modelo
e padrão arquet í -
pico para
o
t ipo correto
de comportamento.
Não obstante, existem contos em que a
f igura p r ~
cipal , ou
herói
como
já
definimos,
não passa
de
um
tolo, ou
é
colocado nesta condição por
outros personagens
da
his tó
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 53/121
4
r ia fugindo ao senso
comum de
que
o herói tem que ser es -
perto
e
audaz.
Neste
caso, o cha mado tolo
,necessi ta
de
uma
ajuda
mágica,
ou
de
algum
animal
pres ta t ivo .
Encontramos
outro
exemplo
na
personagem
aparente
mente
monstruosa
da his tó r ia da
Bela
e a
Fera ,
,onde
a
fera
a princípio
pune
e
amedronta
o
pai
de
Bela
por este
ter- lhe roubado uma rosa
do jardim, mas
mostra-se
so l íc i to
e
amoroso com
a Bela, o
que proporcionou que esta
úJtima
pas
sasse
a amá-lo também quebrando o
fei
t iço que o havia trans
formado
em
fera.
Vê-se, então, que quando
Von
Franz refere-se
ao
herói como
um
modelo
de comportamento correto ,
não
s igni
fica
o
correto
na concepção
convencional
da palavra.
Signi
f ica antes de
tudo um t ipo
de comportamento específ ico que
naquela
his tór ia ou contexto
dará
cer to , ou
se ja
a f igu
ra central a t ing i rá seus
objetivos
mesmo que a
pr incípio
~
ja
considerada
to la
ou
até usando
certos
t ipos de es t ra ta
gemas de cer to modo condenáveis, mas,
se
participarmos
dá
trama com o
osso
sentimento, sentlremos ser esse o modo
se
creto
de
enfrentar
a
vida.
Portanto,
esta
caracterização de
correto pode não
se
aplicar
ao senso
comum a
categorias produzidas
social -
mente, mas obedece sobretudo a mecanismos
inst int ivos
ou afe
t ivos
que
nos
levam a t e r a
sensação
de que a ação do herói
é a correta naquela
situação
específ ica
da his tór ia .
Podemos, en
tão, di zer
que
es ta a t i
tude
do
herói ou
da heroína
f rente
a uma
determinada
s i tuação
Ce
a í pode en
t ra r a questão ét ica a
qual
os contos também sugerem, que dis
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 54/121
42
cutiremos mais adiante) nao se submete apenas aos ~ t o r s ou
normas
sociais
permitidas ou
acei táveis
mas
sobretudo
por
aquela
ati tude
que
está
de
acordo
com
a
totalidade
da
p r s ~
nalidade psicológica.
Totalidade
esta
que, ao
abarcar
con
te6dos conscientes e inconscientes,
produz
inevitavelmente
uma relação dialé t ica constante entre o mundo inter ior e
o
exterior , entre aquilo que é subjet ivo e o que se refere
realidade objet iva das
relações
socia is .
a
mesma
forma
que é necessário tornar-se ciente
da sociedade em
que vivemos,
inclusive para
transforma-la,
existem
as exigências
internas que,
caso
não sejam ouvidas,
produzem sofrimentos e ansiedades, podendo-se chegar a s i
tuações
extremas,
como neuroses,
ou,
em maior grau, a
p s i ~
ses.
Dentro deste
quadro,
i n s r ~ s
também a própria
estrutura dos contos de fadas, já que as figuras
centrais
al i colocadas
(herói
ou heroína) representam modelos para tun
funcionamento
do
ego numa relação dia lé t ica
com
a estrutura
global
da
personalidade.
Para
darmos
curso ao signif icado
psicológico
pre
sente nos
contos,
nos
quais
alguns
já
destacamos,deveríamos
concomitantemente pôr em discussão toda a
simbologia
prese .
te nos contos, e para se
t i ra r
conclusões acerca dos signi-
ficados nos quais os
símbolos
evocam,
teremos
que recorrer
a
um
instrumental que, como já expomos,
tem
sido alvo de aI
gumas cr í t i cas : a
interpretação.
E preciso deixar claro que o
signif icado
que cada
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 55/121
43
um
extrai
de cada conto ou motivo poderá ser diferente
de
pessoa
para pessoa.
No
entanto, corno já enfatizamos, os
padrões
arquetÍpicos
explorados
nos
contos
podem
t e r
um
ca
rá ter coletivo, pois
focalizam
questões
que
transcendem
a
esfera
individual , corno maturação, o processo
de
desenvol
vimento psíquico
do ser humano,
que
implica sa i r pelo mug
do
e enfrentar
perigos, vislumbrando
o alcance de algo maior
que, portanto,
exig irá
mudanças tanto externas
corno
in te r
nas,
etc .
O
conto
propõe
também a
f igura
do
herói
ou
de
um
fator ajudante (animal,
magia, velhinha)
que l ida com
s i
-
tuações imprevisíveis
ou
tarefas di f íce i s ,
que
exigirão urna
sintonização seja com o mundo
interno,
seja
com o externo
num processo dialé t ico) para optar pelo caminho que
visa
urna maior real ização nos
vários
níveis.
Além
disso,
não
é
redundante
recolocar
que
os con-
tos foram
engendrados
dentro
de
uma esfera
colet iva, ou
se
j
a, um número
inimaginável
de
pessoas colaboraram,
antes que
tivessem sido fixados
pela escr i ta ,
na forma conhecida por
nós.
Os
contos, como á
expomos,
uti l izam-se de imagens si
bólicas ou arquetÍpicas
imanentes
da psique colet iva ,e têm
como
base
a
experiência
de
vida
da
coletividade.
Citando
Marie
Louise
Von Franz:
Jamais se pode af i rmar que um con to de fada r e
p re s en t a o
processo de i nd iv iduação p ~
he,
poi s
e l e não re
p re sen t a , nem
pode r e p r e s en t a r
t a l co i s a .
O
processo
de in
div iduação ,
p ~ d e 6 - i . . n - i . . : t - i . . o n e r ~ . é a lgo que só pode ocorrer
num
só
se r
humano
e
que
sempre
tem
uma
forma
ún ica .
No
en t an -
t o ,
a despe i t o
de c o n s t i t u i r even to
ún ico ,
num único ser
hu
mano, ex i s tem ce r t o s aspec tos t í p i co s co inc iden t e s que se
repetem e se assemelham em todo processo de i nd iv iduação .
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 56/121
44
Por
I SSO , pode-se d ize r que t a i s con to s r e f l e t em
f a s e s
típ
cas do p roces so de
i n d i v i duação
de mui ta
gen t e , e
que t a i s
f a ses
t í p i c a s são
r e s s a l t a d a s
de
aco rdo com a
at i tude da
cons
c i ênc i a
nac i ona l
co l e t i v a do
povo
ao
qual
e l a s
sao
r e l a t a
das
Von
Franz, 1 9 8 5 ~ p. 273, 274 ) .
Jung
tem-nos alertado,
em
algumas
de suas
obras,
para
nao
confundirmos individuação com
individualismo.
lndi
vidualismo, segundo diz o autor , s ignif ica
acentuar
e dar
ênfase deliberada a supostas peculiar idades, em oposição a
considerações e obrigações colet ivas ,
enquanto
individuação
e
um
processo
de diferenciação
que tem por meta o desenvol-
vimento
da
personalidade individual ,
que não
leva
ao i so la-
mento,
mas a
um
relacionamento cole t ivo
mais intenso
e
ge-
ralo Portanto,
considerar
de
forma adequada as p e c u l i r i d ~
des
individuais , acarretará um melhor rendimento socia l .
Para entendermos melhor
o
simbolismo das
imagens
presentes
nos
contos,
teremos
que relacioná-las com alguns
significados.
Não pretendemos
inscrever na função i n t e r p r ~
ta t iva um prát ica
redutora,
mas sim
esclarecedora,
amplia-
dora,
ou
seja,
que faça
algum
sentido ,
por
acreditarmos
ser
esta
um
das
funções fundamentais
da
prát ica
psicológica.
Dizemos relações possíveis ,
pois
sabemos que e ~
ta nossa exposição terá que t e r
um fim,
vis to que
o
cará ter
simbólico
em
s i imprime
a
possibil idade de
se
ext ra i r signi
ficados
inesgotáveis, o que ex ig i r ia que
lhes
dedicássemos
inúmeras páginas.
Portanto,
nos limitaremos a selecionar algumas
i ~
terpretações, esperando
que estas
façam sentido
para
os l e i
tores
que
nos acompanham.
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 57/121
45
2.3
Analisando
dois contos:
desvendando
alguns
sentidos
Começaremos
inicialmente
com um resumo do conto
dos
Irmãos
Grimm li Rainha das Abelhas.
~ E ~ a uma
vez
d o i ~ 6 i l h o ~ do ~ e i que p a ~ t i ~ a m
pe-
lo
mundo
em
b u ~ c a de a v e n t u ~ a ~ c a Z ~ a m na vida de 6 a ~ ~ a e
nunca
m a i ~ v o l t a ~ a m .
O m a i ~ moço que e ~ a chamado de João
Bobo
~ a i u
ã p ~ o c u ~ a
d e l e ~
m a ~ quando 6inalmente encon
t ~ o u
d o i ~ ~ Ô
6 i c a ~ a m zombando
dele c o m p a ~ a n d o - o
a
um
idiota que nunca ia
t e ~
c o n d i ç õ e ~ de ~ e d a ~ bem na vida.
No entanto ~ t ~ ê ~ p ~ o ~ ~ e g u i ~ a m caminho j u n t o ~ e
~ e d e p a ~ a ~ a m com um 6 0 ~ m i g u e i ~ 0 . O ~ d o i ~ m u i ~ v e l h o ~
que
~ i a m e ~ m a g a ~ o 6 ~ m i g u e i ~
p a ~ a
~ e d i v e ~ t i ~ vendo a ~ 6 0 ~ m i
g a ~ ~ e a p a v o ~ a ~ e m c o ~ ~ e n d o de
um lado p a ~ a o u t ~ o
m a ~
João
Bobo
i m p e d i u - o ~
de 6 a z e ~ e m i ~ t o pedindo que
a ~
d e i x a ~ ~ e m
em
paz.
M a i ~ adiante c h e g a ~ a m a um
lago
cheio de p a t o ~ na
dando
e d o i ~ m a i ~ v e l h o ~ q u e ~ i a m p e g á - l o ~ p a ~ a aMM.
João Bobo não
p e ~ m i t i u
que e l e ~ o ~ m a t a ~ ~ e m dizendo-lhu que
o ~ d e i x a ~ ~ e m
em
paz.
Finalmente c h e g a ~ a m a uma colméia que t inha tan
to mel que até e ~ c o ~ ~ i a pelo
t ~ o n c o
da
á ~ v o ~ e .
d o i ~ i ~
m ã o ~
m a i ~
v e l h o ~
q u e ~ i a m e x p u l ~ a ~
a ~
a b e l h a ~
tocando
60go
no pé da á ~ v o ~ e e m
eguida
~ o u b a ~ o mel m a ~ uma vez João
Bobo
não
deixou
d i z e n d o - l h e ~
que
d e i x a ~ ~ e m
a ~ a b e l h a ~
em
paz.
M a i ~
t a ~ d e o ~
i ~ m ã o ~
c h e g a ~ a m a um
c a ~ t e l o e
qua .
do
e n t ~ a ~ a m v i ~ a m
c a v a l o ~
de p e d ~ a n o ~
e ~ t á b u l o ~
m a ~ não v ~
~ a m nenhum ~ e ~ humano. P a ~ ~ a ~ a m p o ~ v á ~ i a ~ ~ a l a ~
até
que
6inalmente c h e g a ~ a m a uma p o ~ t a
que
t inha
t ~ ê ~
t ~ a n c a ~ e
bem no meio
t inha
uma janelinha que dava p a ~ a
o u t ~ a
~ a l a .
N e ~ ~ a
~ a l a havia um homenzinho cinzento
~ e n t a d o
diante da
m e ~ a .
C h a m a ~ a m - n o
uma
vez
d u a ~
e
ele nem
~ e
mexeu.
Quan-
do
c h a m a ~ a m a t e ~ c e i ~ a ele ~ e levantou d e ~ t ~ a n c o u a p o ~ t a
e
veio até
e l e ~ . Não
d i ~ ~ e
uma p a l a v ~ a m a ~ levou o ~ t ~ ê ~
até uma m e ~ a p o ~ t a com toda n a ~ t u ~ a e
~ i q u e z a
e d e p o i ~ que
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 58/121
46
c o m e ~ a m e b e b e ~ a m
bem
m o ~ t ~ o u a cada um o ~ e u q u a ~ t o .
Na manhã ~ e g u ~ n t e o homenzinho
cinzento
a p a ~ e c e u
ez ~ i n a ~ p a ~ a o m a i ~ velho e levou-o até junto de uma lá
pide onde havia uma
i n ~ c ~ i ç ã o
na
p e d ~ a
com a l i ~ t a de
t ~ ê ~
t a ~ e 6 a ~
que p ~ e c i ~ a v a m
~ e ~ c u m p ~ i d a ~
p a ~ a que o c a ~ t e l o pu-
d e ~ ~ e 6 i c a ~ l i v ~ e
do encantamento.
A p ~ i m e i ~ a e ~ a ~ e c o l h e ~
mil p é ~ o l a ~ da 6ilha do ~ e i que e ~ t a v a m upalhadM pelo meio
do m u ~ g o e
do matinho ~ a ~ t e i ~ o do b o ~ q u e .
Tinham
q u e . . 6 ~
t ~
d a ~
~ e c o l h i d a ~
a n t e . ~
do
c a i ~
da
noite. ~ e m 6 a l t a ~
ne.nhuma.
e 6 a l t a ~ ~ e . uma ~ õ
que m
p ~ o c u ~ a v a ia v i ~ a ~ p e . d ~ a .
o
i ~ m ã o
m a i ~
velho ~ a i u
e
p ~ o c u ~ o u
o
dia
i n t e . i ~ o .
M a ~ quando chegou no 6im do dia ~ Õ tinha e n c o n t ~ a d o u m a ~
cem e exatamente.
como e ~ t a v a e . 6 c ~ i t o na
lápide 60i
t ~ a n . 6
6 o ~ m a d o em p e d ~ a .
No
o u t ~ o dia o .6e.gundo i ~ m ã o também óe.z ~ u a ten
tat iva
m a ~ também ~ Õ
achou
uma d u z e n t a ~
p é ~ o l a ~
e também
vi
~ o u p e d ~ a .
Finalmente chegou a vez de João Bobo que começou
a p ~ o c u ~ á - l a ~
no
meio do
m u ~ g o
m a ~ como e n c o n t ~ á - l a ~ e ~ a
muito dióZcil ele
~ e
~ e n t o u
numa
p e d ~ a e começou a c h o ~ a ~ .
AZ a p a ~ e c e u com um ~ é q u i t o de cinco mil ó o ~ m i g a ~ o
~ e i
d a ~
6 o ~ m i g a ~ cujo vida ele t inha
~ a l v o .
Num
i n ~ t a n t e o ~
animal
z i n h o ~ e n c o n t ~ a ~ a m
t o d a ~
a ~
p é ~ o l a ~ e 6 i z e ~ a m
um
monte com
e l a ~ num ~ o l u g a ~
A
~ e g u n d a t a ~ e 6 a e ~ a e n c o n t ~ a ~ a
chave
do q u a ~ t o
da
óilha
do
~ e i
caZda
no
6undo
do
m a ~
o
que
ele
c o n ~ e g u i u
com a ajuda d o ~ p a t o ~
que
ele t inha ~ a l v o que
m e . ~ g u l h a ~ a m
tanto
que
a c a b a ~ a m
achando a chave.
A t e ~ c e i ~ a t a ~ e ó a e ~ a a m a i ~ di6Zcil de t o d a ~ .
A ~
t ~ ê ~
ó i l h a ~
do ~ e i
t o d a ~ l i n d a ~ e
muito
p a ~ e c i d a ~ e ~ t a v a m
d o ~ m i n d o e
ele
p ~ e c i ~ a v a d e ~ c o b ~ i ~
qual
e ~ a a m a i ~ moça. A
única d i 6 e ~ e n ç a é que a n t e ~ de d o ~ m i ~
e l a ~
tinham comido
t ~ ê ~ d o c e ~ d i 6 e ~ e n t e ~ . No da
m a i ~
velha tinha a ç ú c a ~ n o da
~ e g u n d a d u a ~
g o t a ~
de x a ~ o p e e no da m a i ~ moça uma c o l h e ~
de mel.
AZ a p a ~ e c e u a ~ a i n h a d a ~
a b e l h a ~
que João Bobo t
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 59/121
7
nha
halvo. Vepoih de
p ~ o v a ~
oh lãbioh
dah
t ~ ê h
moçah,
p a ~ o u
junto
ã
boca da que t inha comido mel. lhhO m O h t ~ o u ao
6ilho
do ~ e i qual e ~ a a p ~ i n c e h c e ~ t a .
Vehha m a n e i ~ a o
encantamento he
q u e b ~ o u
e
todah
ah
pehhoah
do cahtelo
c o ~ d ~ m de heu hono, ao mehmo tempo
que todoh Oh que v i ~ a ~ a m
p e d ~ a
voltavam ã 6 o ~ m a humana. João
obo
cahou
com
a
p ~ i n c e h a
maih moça
e
maih
bonita e de
POih
que o pai
dela m o ~ ~ e u
6icou
hendo ~ e i . Oh doih i ~ m ã o h
dele
cahaJtam com
ah
iJtmãh dela his tór ia
extra ída do l ivro
Chapeuzinho VeJtmelho
e
outJtOh
contoh de
GJtimm selecionado
e
traduzido
por
Ana
Maria Machado, 1986, p. 95-8) .
Como
já tivemos a
oportunidade
de colocar antes,
o
conto in ic ia-se
no mundo
de
cá no mundo rea l , cot idia-
no,
onde
t rês i
rmãos
saem pelo mundo em busca
de
aventuras ,
i s to
é, procuram algo novo, se submetem
ao
dest ino
onde
tu
do
pode acontecer. Estão entregues
ã própria
sor te ,
ao
aca
so, onde
o
tempo,
o
lugar
e o
futuro não importam. Isto siR
nif ica
que
o
tempo
deles
chegou para
seBuir
o
caminho
e sair
do
aconchego (família) ao qual normalmente se
está habituado.
Dentre os irmãos temos
os dois
mais
velhos que
c o ~
sideravam-se mais esper tos , e o mais
moço,
o
João
Bobo, do-
tado de ingenuidade e
integridade
que o tornam capaz de
ou-
vir a
natureza.
E é com a ajuda
desta
mesma natureza, re -
presentada pelos animais, que ele
cumpre as
ta refas que lhe
sao colocadas.
Ele não é
um
herói no sentido de atuar sozinho 'na
realização
das ta refas que lhe
são
exigidas,
pois
é ajudado
o tempo
todo
por animais.
Outro detalhe é
que
nesta
his tór ia , dentre as f i -
guras
principais , o elemento feminino não
está
representado.
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 60/121
8
Decorre daí que
a
açao
principal
refere-se ao fato
de
livrar
do
encantamento
o castelo e as pessoas que
estão nele
e en
contrar
a
f i lha
mais nova
do
r e i
da
qual
depende
toda
a
he
rança do re ino.
E,
para
se
chegar a i s to ocorrem situações que
t r ~
vessam o caminho dos
t rês
irmãos, e que
se
repetem em
t rês
momentos:
deixar os animais (a natureza) em paz
e
não
fa
zer-lhes mal.
Consciência ecológica, dirão uns. Respeitar
o "cu .
so natural das coisas", dirão outr0S. Ou
o
ins t in to
fre -
qüentemente associado
à figura
do animal, que não deve ser
eliminado, mas
simplesmente observado
e ouvido, conservando-lhe
a
"vida".
Vida ins
t in t i
va, vida
mai
s s in toni zada com a psique
inconsciente. E
foi
i s to
que João
Bobo intuit ivamente, sem
sabermos o porquê,
"soube"
levar em consideração.
Os
irmãos chegam então no
caste lo
e
nele jaziam
seres adormecidos
ou
estranhos; não havia
indícios
de
"nor
malidade",
mas cavalos pet r i f icados e uma
porta
de
t rês tran
cas onde
se podia
avis tar através de
uma janelinha,
um "ho
mem cinzento", que não fala
e
só
atende quando o chamam pe
la te rce ira
vez.
Mundo estranho es te .
Geralmente, ao sermos
t rans
portados
para
este mundo, acontecem coisas nas quais não ~
demos entender racionalmente mas
simplesmente
vivenciar , ou
deixar-se levar
pelo
ins t into
e
pela intuição,
sendo
que se
res
da
natureza
ou
sobrenaturais
o homem
cinzento)
indicam
caminhos,
impõem
tarefas que, ao serem vencidas, proporcio
nam
a
redenção
de
algo antes enfei t içado, transportando
as
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 61/121
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 62/121
50
gressar
em algum
espaço
antes
oculto, secreto. Pois bem,com
a chave, estamos de
posse
de um
instrumento
que nos
permite
desvendar
algo
secreto,
uo
vis to
ou
seja
o
lado incons
-
ciente
que
abrange todos estes
significados
que acabamos de
mencionar.
Esta
chave
pode
ser
encontrada quando os pa-
tos
mergulharam no fundo
do
mar.
O mar geralmente e asso -
ciado ao
oceano
in te r ior
é a fonte
da
vida
porque nele ha
bitam vários seres
e plantas , corno também pode
ser
o f inal
da
mesm
vida,
quando
neles somos
jogados,
não
sabendo
corno
sobreviver a ele o que requer forças e saber nadar para não
ser tragado
pelas
águas,
frente
aos fenômenos naturais intem
pestivos). Mergulhar
no fundo do mar s ignif ica ent rar
nes
te mundo
misterioso, oculto
pelas águas, o que também se as
socia
à
inconsciência.
A chave
no
fundo do mar - ou seja
aquilo que
des
venda o segredo - encontra-se dentro de
nós
mesmos, no mar
da
inconsciência. buscada por
um
pato,
o
animal que vive
na terra
e na
água, um habitante
e
mediador entre os dois
mundos,
consciente
e
inconsciente.
E, por fim, o
f i lho
mais moço acha a
f i lha
mais
mo
ça, com a aj uda da abelha que ident i f ica o
mel
na boca
da mu
lher .
O mais moço
ou
a mais moça
correspondem, de acor
do com os precei tos
psicológicos ,
a um
fase
onde
não
se
re
s is te tanto às necessidades
básicas
ins t in t ivas . Quanto mais
moço,
mais
o
ego
encontra-se
em
formação
e,
portanto, es tá
menos
cr is ta l izado
e mais
próximo
dos
ins t in tos .
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 63/121
51
o
mel tem s ignif icado de uma subst5ncia
que
tem
efei to curativo sendo
receitado
como
rem6dio,
for t i f ican -
te)
assim
como
uma
riqueza
natural ,
já
que
6
resul
tado
de
u
misterioso
processo de
elaboração
das abelhas.
Tudo isso
se
passa num cas te lo , cenário
onde se
resguardam tesouros,
armas,
re i s , rainhas, ou seja , uma
for
taleza onde
reside a riqueza e onde
as
decisões
são
tomadas
a t r a v ~ s do re i que
nele
habita .
E, finalmente, o
casamento, símbolo da
união dos
opostos
que tem sido
associada,
de acordo
com
a teor ia jun-
guiana, à individuação,
ou
seja ,
a
Íntima união
e conci l ia-
ção
interna entre
o
feminino associado aos sentimentos
e
i n ~
t intos) e
masculino
ou
o
espí r i to
e concepção
de i d ~ i a s .
A
par t i r
do
casamento
ou
união,
o
João
Bobo
pode
exercer
a
função
de re i , em conseqüência da
morte do pai
da
moça.
Ele
a f igura de t ransição que
i rá garant i r
a
sobrevivência
do
reino
que dele depende,
segundo as sociedades antigas .
Von
Franz
nos diz:
"Em
mui tas soc iedades p r im i t i v a s ,
a
prospe r idade
de todo pa í s depende da s an idade
f í s i c a e
ps íqu i ca do r e i :
se
e l e
se to rna impoten te ou doen te , e l e tem que se r morto
e um
out ro r e i tomar
o seu
l uga r ,
um novo r e i cu ja
saúde
e
potênc ia
garantam a f e r t i l i d a d e das
mulheres
e
do gado, t a ~
to quanto a prospe r idade de toda
t r i bo
(Von Franz, 1981,p.63).
A
autora
refere-se
ao re i
como a
representação
do
conteúdo
simbólico
centra l
e
dominante
da
consciência
cole-
t iva,
sendo
compa "ado
t a m b ~ J i l ao símbolo
do
~ e . . t 6
que,
de
aco E.
do
com
a teor ia junguiana,
s ignif ica
o
centro auto-regula
-
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 64/121
5
dor du psique coletiva,
do qual depende o
bem-estar
do
indi
vrduo. Recorrendo
ã
História ,
saber.ios
que
o
rei era fre
qUentemente
associado
a
representaç50
rel igiosa
de
Deus.
De
acordo
com esta
concepção, o
rei t raz
em
si
o
princípio di
vino,
dele depende
a
sorte
do
reino,
e
dar ele dominar
urna
certa
at i tude cole t iva .
João Bobo portanto, representa a nova atitude o n ~
ciente, que
é
capaz de
entrar
em
contato com o feminino e
renovar
a
vida
consciente,
l iber tando-o
da
petr i f icação
ou
da
paral isação,
o
que é representado
pela
l ibertação
das p e ~
soas
do
cas te lo
que
haviam
virado
pedra.
Para
rea l izar
es
ta
façanha ele necessi tou
do
auxí l io
da
parte inst int ivaani
mal, ou seja é como se
ele
t ivesse que se guiar pelos pró
prios
ins t in tos
o que poss ib i l i tou que vivenciasse urna ex
periência
Íntima
bastante
profunda.
O
segundo
conto
que
vamos re la tar resumidamente
chama-se Almofadinha
de
Ouro ,
coletado por Luís
da
Câmara
Cascudo, no Rio Grande do
Norte.
importante ressa l ta r que
se
encontram neste con
to
os
mesmos
motivos
de
Pele
de
Asno ,
de
Perraul t ,
e
de
Maria Borralheira ,
da
versão de
Grimm e
Perraul t .
Os
motivos
referem-se ao
episódio do bai le
do
anel
escondido no
bolo, aos t rês
vestidos,
e tc .
o que confirma
a tese de
que
a
maioria
dos
contos
de encantamento ou de fa
das recolhidos aqui no Brasi l é proveniente da Europa, embo
ra
eles
tenham
sofrido
algumas
adaptações.
Vamos
então
ao
conto:
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 65/121
S3
f i ta uma
ve.z uma ói.tha
bonita e
gltac.io.6a óilha
ú n <
c.a
e que. te.ve. a inóe..tic.idade. de. óic.alt oltóã de. mãe.. Se.u
pai
c.a.6Ou
de. novo
c.om
uma viú.va que. t inha
uma
ói.tha óe.ia e o l t g ~
.tho.6a
e
c.ome.çou a obltigalt a e.nte.ada a óazelt tltaba.tho.6
p e 6 ~
do.6 c.omo .timpalt a c.a.6a quando o maltido e..6tava óolta viajan
do.
A moc.inha e.ntão vivia amaltgultada
pOIt
.60óltelt todo
o t ipo de. pltivaçõe..6
e
in.6u.tto.6 e de.c.idiu
então
Óugilt
daqu
.te pultgatóltio.
Ante 6
de .6ailt de c.a.6a c.ontou c.om a
ajuda
de
uma
ve.thinha
que
lhe óalou do
c.aminho
do
Itio
e lhe
plte.6ente.ou
c om
uma almoóadinha de OUItO que elta enc.antada.
Ve.ixando a
c.a.6a
a moça andou muito.6 dia.6 c.om
óo
me
e .6ede
e
enc.ontltou uma oc.upação num palâc.io vi.6to.6o Ite
.6idênc.ia
de.
um pltlnc.ipe.
vi.6to.6o.
A moça palta não de.6pelttalt .6u.6peita.6 .6ujou OitO
to
e
andava
~ ã o imunda
que
6Ó lhe deitam o .6eltviço de tltatalt
da.6
galinha.6
e
do.6
poltC.O.6
doltmindo
no
óundo
do quintal ,
num
qualttinho
e..6C.Ulto
e i.6olado do
palâc.io.
Foltam anunc.iado.6 então tltê.6 dia.6 de óe..6ta.6 o
que
oc.a.6ionou que a 6
moça.6
da c.idade
6e
pltepalta.6.6em óazendo Itou
pa.6 nova.6
de..6 e j
ando que o
pltlnc.ipe 6
e engltaça.6.6 e c om uma de
la.6 e c.a.6a.6.6e. pOIt oc.a.6ião da.6 óe.6ta.6.
Chegando o pltimeilto dia, todo.6
0.6
empltegado.6
do
p ~
lâc.io
óoltam
ve.1t
o
baile,
e
óic.ando a moça
.6ozinha,
tomou
um
banho, penteou-.6e
e
pediu ã almoóadinha de. OUItO que lhe de
6e
um ve.6tido C OIt
do
c.ampo c.om .6ua.6 ólolte.6
e
uma c.altltuagem
c.om
c.oc.heilto.6.
Apalte.c.eu o pe.dido
e
a moça ve.6tiu-.6e.
e
c.ompalte.c.eu
-
óe..6ta c.au.6ando a.6.6omblto pela .6ua 6oltmo.6ulta e
l indeza
do
tltaje.
pltlnc.ipe 6Ó dançou c.om
ela e, c.omo
lembltança do e .
c.ontlto deu-lhe um
anel.
Peltto da meia-noite. a moça
d e 6 a p ~
Itec.eu
óugindo
palta
c.a.6a
onde
tltOc.ou
de
Itoupa o
ve.6tido
e
o c.altlto .6umiltam.
No
dia .6eguinte, c.om um ve..6tido C OIt de malt c.om to
do.6
0.6 peixinho.6, ac.ontec.eu a me.6ma c.oi.6a e o
pltlnc.ipe,
en
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 66/121
S
cantado com
ela
deu-lhe u n ~ b ~ i n c o ~ e a n t e ~ d a meia-noite
a moça
d e ~ a p a ~ e c e u do baile e vóltou p a ~ a c a ~ a
6icando
~ u -
ja
e
6eia como
habitualmente
a p a ~ e c i a
a o ~
o l h o ~
de t o d o ~ .
No t e ~ c e i ~ o
dia
o
m e ~ m o ~ u c e d i d o . V e ~ t a vez
o
v e ~ t i d o
e ~ a
da c o ~
do
ceu com t o d o ~ o ~ e u ~ a ~ t ~ o ~ e o p Ú.n-
cipe p ~ e ~ e n t e o u - l h e
com um c o l a ~ e 6icou t ~ i ~ t e quando ela
d e ~ a p a ~ e c e u a n t e ~ da meia-noite.
P a ~ ~ a d o ~ o ~
t ~ ê ~ d i a ~
~ Õ ~ e
6alava na cidade da
moça
d e ~ c o n h e c i d a com t ~ ê ~ v e ~ t i d o ~ m a i ~ b o n i t o ~ do
mun
do. O p ~ l n c i p e
p ~ o c u ~ o u - a
como
um cego p ~ o c u ~ a
a luz
e
não
a
e n c o n t ~ o u em p a ~ t e alguma. E ~ t a v a tão apaixonado
que
ado
ceu
na cama, não
q u e ~ e n d o ~ e a l i m e n t a ~ .
m dia
a moça
d i ~ ~ e ã p ~ i n c e ~ a - v e l h a
mae
do p ~ l ~
cipe
que
q u e ~ i a 6 a z e ~ um bolo p a ~ a
o
p ~ l n c i p e
doente.
A ~ ~
c e ~ a
achou
g ~ a ç a
m a ~ tanto a moça pediu e
~ o g o u que
obteve
c o n ~ e n t i m e n t o . P ~ e p a ~ o u - ~ e
60i
a
cozinha
e 6ez um
bolo
d o u ~ a d o colocando d e n t ~ o
da m a ~ ~ a o
anel que
o
p ~ l n c i p e lhe
d e ~ a
de
p ~ e ~ e n t e
na
noite
do
baile.
O
p ~ l n c i p e acabou cedendo a o ~ p e d i d o ~
da
mãe p a ~ a
c o m e ~ levou um
pedaço
de bolo
ã boca
e ~ e p a ~ o u num objeto
que
a p a ~ e c i a
na
p a ~ t e ~ e ~ t a n t e
do
p ~ a t o .
Puxou
com
o
bico
da
6aca
e ~ e c o n h e c e u
o
anel.
Comeu todo o bolo
e
m e l h o ~ a ~
do, pediu o u t ~ o bolo 6eito
pela m e ~ m a
moça. A moça 6ez ou
t ~ o bolo e n e ~ t e
mandou o b ~ i n c o que o
p ~ l n c i p e achou e 6 ~
cou
Q e ~ t o de
que a moça
e ~ t a v a p o ~ p e ~ t o . Pediu o u t ~ o bolo
e
n e ~ t e
veio
o
c o l a ~ .
Então
~ e m t e ~
m a i ~
d ú v i d a ~ d i ~ ~ e
ã
~ u a mãe que
m a n d a ~ ~ e
ao
~ e u
q u a ~ t o
quem
6 i z e ~ a o ~ t ~ ê ~
bo
-
l o ~ .
A
p ~ i n Q e ~ a . o b ~ i g o u a moça a
m u d a ~
de
~ o u p a
P ~ 6 M m M ~ e
p a ~ a t i ~ a ~
o
m a u c h e i ~ o do g a l i n h e i ~ o e
d i ~ ~ e
que ~ e
a p ~ e
~ e n t a ~ ~ e
ao
~ e u 6ilho.
A moça
~ u b i u
a
e ~ c a d a com
a almo6adinha de
o ~ o
na
mao,
e
a ~ ~ i m que
bateu
na p o ~ t a pediu que lhe
a p a ~ e Q e ~ ~ e
no
c o ~ p o
o
v e ~ t i d o do t e ~ c e i ~ o dia.
Quando a
p o ~ t a ~ e ablÚU,
o p ~ l n Q i p e a ~ e Q o n h e c e u e l e v a n t o u - ~ e da cama bonzinho de
~ a ú d e
e
chamando a mãe,
m o ~ t ~ o u - l h e
a moça, que utava
m a i ~
bonita
do
que
n a ~
n o i t e ~
p a ~ ~ a d a ~ . C a ~ a ~ a m - ~ e
imediatamen-
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 67/121
55
te e 6 o ~ a m
elize at i
m o ~ t e .
Esta
história
se assemelha
muito, como já disse -
mos, a
Pele
de Asno e
Gata
Borralheira .
Iniciamos a histór ia com a f igura da madastra,que
segundo Von
Franz
representa a mae
temível,
que
bloqueia
o
desenvolvimento mais elevado do personagem
principal.
Como se
sabe, a
criança,
no in íc io de
se desenvol
vimento,
estabelece
uma
unidade
f ís ico-psicológica
com
a
mae
No decorrer
de seu desenvolvimento, in icia-se o processo de
separaçao
para
a formação de
uma
personalidade
autônoma,que
pode
ser bem
ou malsucedida para a criança. Portanto, du -
rante esta fase de desenvolvimento, a imagem que a criança
constrói acerca de sua mae será para
ela ,
conforme a si tua
ção,
posit iva
ou
negativa.
Neste
último
caso,
o
conto
mos
t ra
ã
criança como l idar com
estes sentimentos n e g a t i v o s , o ~
de,
por
exemplo, de acordo
com
o conto relatado, vemos a mo
ça buscar
na
figura
da
velhinha
o
lado acolhedor
da
mae,que
a
ajuda
e a aconselha a
sa i r pelo
mundo
na
posse de
uma a l-
mofadinha de
ouro.
Por
que um
pai
tão ausente?
Podemos
supor
que a
l igação com a mae
durante
a primeira infância é sempre mais
estrei ta:
a mãe
alimenta, cuida,
enfim ela assume mais o
la
do provedor, aspecto este
r ~ f o r ç a d o até
hoje pela sociedade.
A velhinha e a sua
almofadinha
de ouro são, por -
tanto, um
ponto
de apoio do qual a criança pode se
assegu
-
rar
para
adquirir
confiança
de que algo novo e
interessante
poderá acontecer. Ou seja, seguir o caminho do r io - bus -
car meios
para sa i r desta situação ruim, de carência, de
in
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 68/121
S6
veja,
de
cobiça,
etc .
A moça que é a
figura
central ,
aceita
o
desafio,e
ao
aceitar
t rabalhar
no
caste lo ,
vivendo
e
lidando com
a
su
je i ra
(galinheiro), se sujando inclusive, almeja passar des
percebida pelas
pessoas
que vivem no
castelo.
Torna-se fe ia
e
viver quase
completamente
na s ~
je i ra e no
esquecimento
- o
que pode representar
o
lado o b ~
curo
e
oculto
-
pode proporcionar vivenciar
o seu
o p o s t o i ~
to
é, ser bonita
e notada
por todos, inclusive pelo
lado
mas
culino.
o banho é o ponto de transição. a
possibi l ida
de de sair do mundo obscuro e
entrar
no
luminoso através
de
uma transformação. O banho , nos tempos antigos, sugeria
a
possibilidade
de
cura pelos
velhos
fe i t iceiros
da
era
paga.
Os
vestidos
aparecem
como
elementos da
natureza em
t rês
versões:
vestido cor
do campo
com suas f lores ter ra) ,
vestido
cor do mar
com todos os
seus
peixes (água),
vestido
cor
do
céu
com
todos os
seus
astros (ar),
e, por fim, o
bo
lo
dourado
que a moça oferece ao príncipe fogo).
Percebe-se
claramente que
os quatro
elementos encontrados na
natureza
encontram-se
representados na
roupagem da moça e no
bolo.
o
at ra i r
o
príncipe, ela ganha
um
anel.
Von
Franz
1981 )
fala-nos que se
um
homem
dá
um
anel
a
uma m u l h ~ r
ele
expressa,
saiba ou nao, o
desejo
de l igar-se a ela ,e de
tê- la
ao seu
lado.
O
anel,
portanto,
signif ica
um elo, re
presenta estar
unido a
alguém.
m seguida, o príncipe
presenteou-a
com um brinco
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 69/121
7
e, por fim,
deu-lhe
um
colar cuja
significação
nos remete
à
idéia
de estabelecer um vínculo, já que ornamentam e perma
necem
junto
ao
corpo
da moça.
o bolo neste caso,
logicamente, é o
alimento que
nutre
nao
só o
corpo
mas também o
espí r i to sobretudo
por
que
se encontra
no seu inter ior o símbolo
daquilo
que
une
dois personagens:
o
anel,
o brinco e o
colar.
Finalmente, desvendando-se o mistério que rondava
a moça
que
encantou o príncipe, ambos se casam, o que
s igni
fica a
união dos
princípios
feminino
e
masculino
e o f inal
da his tória ou o
fim
do
caminho.
~
Portanto,
o
prlnclplo feminino
ou
receptivo
e o
masculino ou criat ivo se unem de forma harmSnica. Isto acon-
teceu por
ter
a
f igura
central
optado
por
seguir
o
caminho
ajudada pelas forças mágicas
(almofadinha
de
ouro),
cujos
acontecimentos nao são compreendidos
racionalmente,
pois f ~
gem à lógica. o mundo
in ter ior
subjetivo, onde
se
con
frontam extremos possíveis, onde
um
pólo
pode
se transfor
mar no seu contrário: rico/pobre, fei9/bonito,sujo/lfupo,etc.
o
conto
de
fadas usa
este processo
de transforma
çao
de
um pólo
a
outro,
transportando-nos para o mundo
da
p ~ ~ e o a l m a )
l o g u ~ s a b e d o r i a ) , onde
é
possível experimentar
toda uma
riqueza de
s i m b o l i ~ m o s
que
provocam
uma modifica
ção in te r ior
representada
pelas f iguras principais
da h i s t ~
r ia .
Melhor
dizendo,
no f inal do primeiro conto, João Bobo
não é o mesmo João do
princípio
da his tória
algo
sem dúvi-
da mudou. O mesmo
ocorre com
a moça da Almofadinha de Ou
ro . . .
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 70/121
C PITULO
3
o CONTO
DE
F D S P R CRI NÇ S
3.1. Por que relatar contos de
fadas
para crianças
Dentro
deste
tópico,
temos as
posições
de
vários
autores, que argumentam
da
seguinte forma:
Segundo
Bettelheim,
os contos de fadas
oferecem
exemplos
tanto
de
soluções
temporárias,
quanto permanentes
para
dificuldades
prementes:
Es ta
e
exa tamente
a
mensagem que os contos de
fadas t ransmi tem ã c r i ança de forma múl t ip l a : que
uma l u t a
con t ra d i f i cu ldade s na v ida e i n ev i t ave l , e a pa r t e
i n t r í n
seca da
ex i s t ênc i a
humana
as que se a pessoa nao se i n -
t imida
mas
se
de f ron t a
de
modo
f i rme
com as o p r e s s ~ e s
i n e ~
peradas
e
muitas
vezes
i n j u s t a s ,
e l a
dominara
todos
os obs
t acu los
e , ao f im, emerg i ra v i t o r i o s a (Bettelheim, 1988,
p. 14).
O autor
declara ainda
que
em
contraste com as his
tór ias
fora de perigo , onde
não
se mencionam
nem
a morte
nem o envelhecimento, ou seja , os
l imites da nossa existên
cia,
os
contos
de
fadas
confrontam
a
criança
com
os
predi-
camentos
humanos básicos. Além
disso,
oferecem também no-
vas dimensões à imaginação
da
criança que ela
não
poderia
descobrir
por
s i só.
Outro
ponto colocado por
Bettelheim
é o de que
os
o n t o ~ também
nos
falam a linguagem de símbolos, como já
discorremos
no
capítulo
anter ior ,
representando
conteúdos
inconscientes
que apelam à nossa
mente consciente
e incons
ciente.
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 71/121
S9
Bettelheim afirma ainda que
os
contos proporcio
nam
ã
criança
colocar alguma ordem no
caos
interno de sua
mente de
modo
a
poder
entender-se
melhor.
Este
sentido or
denador ao
qual
ele se refere condiz com o período duran
te
a infância, onde desde o nascimento a criança participa
da vida
psíquica
de seus pais, ou seja , ocorrem-lhe fanta
sias de estar
fundida com
sua mãe,
corno
se ambas formassem
urna
unidade.
Sendo assim, não exis te
urna
nít ida diferen -
ciação
consciente
entre
sujeito
(criança)
e
objeto
(mãe).
a medida em que a criança, no curso de seu desenvolvimen
to, vai
fortalecendo o ego (ou o
eu ), dá-se
início então
o processo de diferenciação, onde ela passa a
integrar gra
dativamente, no ego consciente, aspectos
antes
indiferen -
ciados·ou inconscientes, traçando
um
percurso simbólico
que
se
assemelha em muito t ra je tór ia do
herói
nos con
tos.
o
que
ocorre
realmente
é
que o conto
tende
a ofe
recer
ã
criança, na forma de imagens simbólicas,
possibi l i
dades
t ípicas e projetos
para sair
vitoriosa desta lu ta .
Estas
imagens
simbólicas
presentes
nos contos
são
condizentes
com as estruturas perceptivas e cognitivas
da
criança em idade pré-escolar.(como veremos no próximo caPi·
tulo) , já que nesta fase ela ainda não desenvolveu plena
mente as estruturas mentais
operatórias formais.
Nesta fase, a criança
ainda não
tem formulados
os
conceitos
objetivos
de bom e
mau ,
mas
os
percebe
de
acordo
com sua
própria
experiência,
avaliando-os com o
sen
timento.
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 72/121
60
Comp]clllenLmdo ( 0111 urna ci tnção do l:ivro de Elisa
Hilty:
por iS80
que o c on t o de
f a da
ê
i m p o r t a n t e na
pduc a ç i o infantil
Ela n io en t en d e as c o i s a s e x p l i c a d a s
56 no v e r b a l
(
•
)
as
e x p l i c ç ~ e s r a c i o n a i s n ; o
a judam.
Com o
c on t o
de f ada pode - se d a r a imagem das
d i f i c u l d a d e s
da v i d a sem s o b r e c a r r e g i - I a e sem tirar a von t a de de v i v e r ,
porque o c on t o de
f ada
e sempre o t i m i s t a e a ju d a o
mais
f r a c o (Hi1ty, 1988, p. 23).
~
O
que ohservamos
nos
personagens
pr inc ipa is
dos dois contos de fadas relatados:
um
deles estava m e ç ~
do
por
um complexo de infer ior idade (João Bobo) e o outro,
pela inveja e perseguição def1agrada por sentimentos nega
t ivos
da
madrasta (a moça
da
Almofadinha de Ouro ). Ambos
sarram
pelo mundo e
viveram
urna
s ~ r i e
de
e x p e r i ~ n c i s
e t ~
refas
que
conseguiram
ser
suplantadas
ou
transfOl1TIadas
a t ra
v ~ s do auxrl io
de
ajudantes, sejam
eles
animais (como na
Rainha
das
Abelhas ) ou mágicos (a Almofadinha
de Ouro ).
A figura deste ajudante ~ importante
para
a c r i
ança pequena porque ela ~
sempre
dependente de nós e de nos
sa
ajúda, necessitando que a confortemos e a ajudemos a
en
contrar sardas.
a
mesma forma
que
nós adultos , ao
nos en
contrarmos numa si tuação de extrema
f ragi l idade ,
necessi ta
mos
de ajudantes,
sejam externos
ou internos. Ouvir a
nos-
sa voz interna, aquela
que
provém da nossa experiência,dos
nossos ins t in tos e
sentimentos,
dependendo
da
s i tuação, ou
sermos
ajudados por outras pessoas, pode-nos ser ú t i l para
encontrarmos um caminho
ou uma sarda para urna si tuação di-
f í c i l .
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 73/121
6
Citamos a opini50 de Bettelheim
(1988)
sobre o
significado
dos contos
de fadas
para
crianças
e
concorda
mos com
elas.
Marie
Louise
Von
Franz
t m b ~ m
corrobora
o
que
já
relatamos anteriormente:
Quando se
con t a h i s t ó r i a
de
f adas
pa ra as
c r i a n
ças ,
e l a s se i d en t i f j c am i ngênua e
imed ia t amen te
e captam
t oda a
a tmos fe ra
e
s en t imen to
que a
h i s t ó r i a contem. Se
a
h i s t ó r i a
do
pobre pa t i nho
e
con t ad a , t odas as c r i a n ç a s que
têm complexo de i n f e r i o r i d a d e esperam que no
f im
e l a s t am
bem
se
to rnem
uma
p r i n c e s a .
I s s o
func iona
exa t amen t e
como
deve r i a s e r : o
con to o f e r e c e
um modelo
pa ra
a v i d a , um mo
delo
v i v i f i c ado r e
enco ra j ado r
que permanece
no i n o n s i e ~
te con tendo ,
todas
as po s s i b i l i d ad e s
p o s i t i v a s
davida
Von
Franz, 1981,
p.
74).
criança pequena compreende,
nao predominante-
mente
de forma racional , mas
in tu i t iva ,
e embora estas
his
tórias
não sejam
reais ,
trazem em seu
bojo
alguma verdade.
Os fatos são envolvidos por uma atmosfera mágica e podem
se
re fe r i r
a uma
experiência
interna e
de
desenvolvimento
pessoal,
pois os contos de
fada exprimem,
a t r a v ~ s de
uma
forma imaginária e simbólica, etapas s ignif icat ivas que en
volvem
o
crescimento
e a
aquisição de uma existência inde-
pendente.
Neste
sentido,
com base naquela
i d ~ i a
desenvolvi,
da anteriormente, o conto segue uma es t ru tura
semelhante
a
um
r i
tual in ic iá t ico,
onde provas devem
ser vencidas ein
função de galgar
uma
outra etapa ou uma nova fase de exis
tência
marcada
pelo ingresso
ao mundo adulto.
Sendo
assim,
podemos afirmar que
os contos
re t ra
tam, atrav;s
de
seus personagens e acontecjmentos,
os
nos-
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 74/121
6
5 0 S próprios teJJlores e :incapacidades contra os quais t e re -
mos de lu ta r ,
assim
como os animais,
as
velhinhas
ou
os
ob
je tos
mágicos
r e p r l ~ c n t a m
as
nossas
capaddadcs
e
poss ib i-
l idades in te rnas ,
conhccidas
ou não,
que
poderemos
obter
para
superar
nossas dif jcu]dades.
o
psicólogo junguiano
IIans
Dieckmann
exemp1ifica
brilhantemente
esta id f ia
que
acabamos de
mencionar:
Toda
p es s o a
e x p e r i m e n t a ,
após
uma
e t a p a de d e
p e n d ~ n c i a
m ate rn a , a
p r i m e i r a au tonomia
e
d e s l i g a m e n t o
na
f a s e da
t e i m o s i a ; t o d a p es s o a
tambem ex p e r im en ta na p u b e r
dade
o d e s p e r t a r da
s e x u a l i d a d e
e a
n e c e s s i d a d e de r e l a c i o
namento com
o
o u t r o s ex o .
Cada
um tem a
e x p e r i ê n c i a
da
p r ~
b J em á t i ca da m e i a - i d a d e , quando a v i d a
d e c l i n a
e
d e v e r i a
ir mais em p ro fu n d id ad e do que que em s u p e r f l c i e . E cada um
v i v e n c i a a m o r t e , com o
prob lema
da
t r a n s i ç a o
p a r a
o u t r o
mundo ou
o u t r a
forma de e x i s t ~ n c i a , do q u a l
nada s a b e m o s ~
Quando en f r en t amo s t a i s s i t u a ç õ e s
novas
e m u i t a s
v ezes a n
g u s t i a n t e s ,
t en t am o s ,
em p r i m e i r o
l u g a r ,
f o r mar uma imagem
das e v e n t u a i s p o s s i b i l j d a d e s como poder i am
s e r ,
como
d o
m i n á - l a s , qua i s os
p r o b l emas a r e s o l v e r e q u a i s os
p e r i g o s
a e n f r e n t a r ( ) as s i m a compreensão de um co n to de f ad a
pode
t e r
v á r i a s
f a c e t a s ,
o
p s i c o l ó g i c o
e somente p a r t e
dos
p o s s í v e i s c ? n t e ú d o s , e em cada f a se
da
v i d a um s ímbolo p o
de
s e r
p reen ch id o por o u t r o con teúdo c o n c r e t o , a d i c i o n a l .
Ganha-se , d es s a fo rma, novo e mais ap r o f u n d ad o s e n t i d o e
a l a r g amen t o da
c o mp re e n s ã o
(Dieckmann, 1986,
p. 16). /
Algumas pessoas podem argumentar que a idéia de
um
f inal fe l iz , assim como a
promessa
de
que
a
figu:r
a
I
principal
to rnar -se-á a dona absoluta de
um re ino,
concebi
da na
maioria dos contos de fadas, produzirão
na
cr iança
um concepçao i lusór ia e
otimista
de vida.
Por tan to ,es tas
fantas ias poderiam ser faci lmente extinguidas, j á que
se
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 75/121
6
constata
que a mesma pontuada por
fr3cassos
e
~ x t o s
que
nem sempre levam a
um
f inal fe l iz .
Entretanto,
o
conto
se
passa num universo
também
mágico,
onde só
podemos v is i t a r
com
o
nosso pensamento,
e
o mundo
que se mostra através dele
é o mundo dos
nossos so
nhos, fantasias , medos,
e
l imitações
que podem ser
vividos
ou confrontados
de acordo
com a si tuação,
quando aceitamos
os r iscos
que
eles
contêm.
ão os enfrentaremos sozinhos
mas
com
ajuda
de
alguém
ou
de uma
força
que
advém
de
nos
mesmos mesmo
que para i s to
devamos
sa t i s fazer as
-
Xlgen-
cias impostas
por estas forças
ou ajudantes.
Sendo assim,
existe
uma esperança real
que se apresenta
ã criança de que
o
reino será dela,
e
que será r.ecessário que
o
aconchego
do
la r
seja deixado
para que
ela
efetue esta
conquista
ou
esta
busca de seu próprio
reino,
no qual ela re inará .
Esta ansiedade, possivelmente provocada pelo aban
dono do l a r , da segurança inerentemente proporcionada pelo
afeto
da
família , é compensada ou subst i tu ída pela união
do príncipe
com
a princesa , do elemento
masculino
e do fe-
minino, ou seja , por
uma
relação onde o parceiro ou a par-
ceira
ideais
foram encontrados e , conseqüentemente, aquela
ansiedade in ic ia l pôde
ser
transcendida.
-
ortanto, o
f inal fe l iz sugere a
criança que
todas estas
tenta t ivas para superar o medo, vencer os desa
f ios, enfrentar forças
que personificam conteúdos
negat i
vos
ou
sombrios
podem
ser
coroadas
de
êxito,dando-Ihe
o
es
tímulo
necessário para que ela encontre
saídas f rente a es
tes obstáculos.
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 76/121
6
Ao
Jmaglnanllos, nas
dU JS
11jstóyjas
que relatamos,
o castelo no
qual J050
Robo e seus
irm50s se encontravam,
onde havia
animais
petyj f icados um
homenzinho estr3J1ho
que
ao fa lava,
e
pessoas aJoJ mecidas,
pode-se
in tu i r ou sen-
t i r
que l o tempo parou, como se o curso natura l da
vida
houvesse
parado
ou
sido interrompido,
s ina l de
que
algo não
ia
bem.
o
mesmo
podemos sen t i r
na
his tó r ia
da
Almofadi-
nha
de
Ouro ,
onde
a moça
renegada
e
maltratada pela
ma
dras ta sa i de casa
e
vai
t raba lhar
num caste lo
onde
assu-
me uma aparência
suj a e mal
chei rosa . f
corno se
através des
ta
imagem
pudéssemos perceber que
o
abandono
e o complexo
de
rejeição a
que
o
personagem
fo i submetido
adquirissem
forma, passando a fazer par te de seu cot id iano.
Aqui,
a
transformação
e a
v i v ~ n c i
do
lado
limpo
e
luminoso
eram
necessir ias
para
que ela
passasse
a ser o que realmente
era:
um
ser dese j ive l .
Neste sent ido,
o conto
de fadas l i da
com
as p o ~
ridades
no t ranscorrer
da his tó r i a ou se ja :
o
bobo vi ra
esper to ,
o
fe io se torna bonito, e tc .
Estas
nolar idades in
clicam
que
aquela at i tude
consciente in ic ia l p6de ser t rans
formada no seu
extremo oposto,
p o s s i b ~ l i t n d o
a
vivência
de experiências novas, enriquecedoras.
O mesmo se
apl iça
ao nosso dia-a-dia onde tam-
bém lidamos com si tuaç5es extremas: um
dia
estamos bem, no
outro
estamos
mal,
e
somos
quase
que
impelidos
a
conviver
com es tas si tuaç5es q ~ e nos
levam a
r e f l e t i r
e
rever posi -
çoes.
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 77/121
65
Os contos
de
fadas,
ao ret ratarem
es tas
polar i
dades, t ~ m recebido
ainda
muitas cr í t j cas
que dizem
respei
to
ã sua crueldade
ao
re la ta r
temas
como a
morte,
p e r s o n ~
gens excessivamente
maldosos,
e tc . ) .
om relação
ã
crueldade presente
nos
contos, des
tacamos a opinião de Jesualdo sobre este assunto:
Em
l i v r o s
como
os
do a rg e n t i n o
Germãn
B e rd i a l e s
e do mexicano A n t o n i o r ro b l e s , ambos a u t o r e s de
i n f a n t i l (
..•
)
li
d u ras c r í t i c a s l i t e r a t u r a
literatura
t i d a por
c l á s s i c a .
R a i a p e l o
i n c o n c e b í v e l , dizem,
que se
dêem ã
c r i ança
co n to s
como
P e l e de
A s n o ,
h i s t ó r i a de um r e i
que
enviúva
e
p r e t e n d e c a s a r - s e
com a p r ó p r i a
f i l h a ;
( .•. ) ou
a de Chapeuzinho
Vermelho,
conto
e s p a n t o s o
de um l obo que
devora a
v e l h i n h a
e a sua
n e t a
(
• • .
) Jesualdo, s ~ d p. 41,
43)
•
O
autor ainda nos
aponta que estes
c r í t i cos se
aterrorizam com t a i s coisas , mas no entanto, será que
sen-
tem o
mesmo
horror
ante
as centenas de crimes
bárbaros
que
aparecem nos
jornais?
Será
que
é necessário suprimir
ou
fa lsear
os
con
tos
de fadas,
para
oferecer ã criança
his tó r ias repletas
apenas
de
boas
intenções,
onde todos os personagens são ru
veis
e bons,? Será
que
esta at i tude não
será
fa l sear a
rea
l idade,
retratando-a
de forma
puer i l?
A psicóloga
junguiana
Vera Kast, no seu d e p o i m e ~
to
a
uma rádio
suíça
sobre contos
de
fadas,
relata-nos
que
nos anos 70 houve uma época em que censuraram o lado bru
t a l dos
contos,
até que as crianças
reagiram.
Ela acredi ta
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 78/121
66
que as crianças precisam t e r contato com es ta
crueldade,
lbdas
as
devidas
proporções (no caso, o
conto
Barba
Azul
seria
uma
cxccç50
j5
que
o
clima
de
t e r ror
exposto
na
his
t6r ia
6 excessivo). Diz
a psic610ga que
censuraram
tempo-
rarialllente os contos, mas os not ic i5r ios e
os
filmes
vio-
lentos continuaram a ser t ransmit idos.
Portanto, não é banindo o
mal
ou o
lado
mons-
truoso dos contos
de
fadas que
se
impedirá
que a
criança
tome
contato
com o lado
negativo ou sombrio
da
vida. Mesmo
porque a
cri .mça
também
carrega
dentro de s i o
seu mons
t ro , ou
suas fantas ias negat ivas,
e
caso
não
seja
estimu
lada a
[a la r
sobre
elas ,
não poderá conhecê-las e nem en
tendê-las ,
o
que
acarre tar ia
um
sentimento
de
impotência
face ~ suas piores ansiedades.
o
escondermos a face cruel exis ten te nos con-
tos da criança, estaremos t ransmit indo-lhe uma visão unila
te ra l e l imitada da vida, ou seja ,não
lhe daremos oportuni
dade de pres tar
atenção aos seus
desejos e
fantasias mais
fntimos,
aqueles oriundas
do
nosso
lado obscuro,
inconsci-
ente. o
lhe oferecermos
his t6r ias
com uma visão
de
mundo
objet iva, rac ional is ta ,
equivocada
e inadequada, não a
es
taremos
alimentando,
também com imagens e his t6r ias que
dão
algum
sentido ~ suas
emoçoes.
Segundo Hans Dieckmann,
Com b as e num c a t a l o g o t ão
macabro ,
não é
de
ad
m1rar
que
sempre
houve
e s f o r ç o s
pa ra
b a n i r
o
con to
de
f ad a
do
q u a r t o das
c r i a n ç a s ,
ou ao
menos,
quando fos se
p o ss t v e l ,
p u r i f i c a - l o da
crue ldade
pa ra
o f e r e c ê - l o às
c r i a n ç a s
em
ver
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 79/121
67
são
mais
amena. O que e
de
e s t r a n h a r e
que
t a i s
e s fo r ç o s
nunca foram coroados
de ê x i t o . Sempre f r a c a s s a r a m ,
p e lo
~
to
de que as p r ó p r i a s c r i an ças não es tavam mui to i n t e r e s s a
das
n es s as
formas
p u r i f i c a d a s ,
e
an s io samen te
l i am
o
t e x t o
a r c a i c o e c r u e l quando
conseguiam
a p o d e ra r - s e d e l e D i e c ~
mann 1986, p. 116).
E
importante
lembrar que esta crueldade
nao acon
tece
só
com
os personagen s malvados ,
e nem
só para os i ~
gênuos
e
desprevenidos,
mas também como
provação
imposta
ou
causada
pelo
próprio herói
ou
heroína
das
his tór ias .
Nas his tór ias
que relatamos,
percebemos que a moça
de Al
mofadinha de
Ouro
também esteve
suje i ta
a
situações
desa
gradáveis e até cruéis , como o tratamento que recebeu de
sua madrasta.
Resta-nos ainda a
dúvida
se esta
crueldade
real
mente
leva a
criança ã perplexidade, ou se
não
passa
de
um
temor manifestado pelos
adultos perante
o
prazer m a n i f e s t ~
do
pelas crianças
f rente ã
violência
dessas
his tór ias .
O
que
os
adultos
nao se
dão
conta é que, da mes-
m forma que as crianças observam
atos
cruéis nos contos,
elas
também contemplam os atos humanitários , como salvar
a vida de alguém, não matar os animais, etc .
importante
f r i sar que
o ser
humano,
como ser
natural , não contém
só
o
lado bom
e
protetor ,
mas também o
seu
lado
crue l ,
temível.
Tomando como
exemplo
a
nossa
real idade, a
cruel
dade
tem
sido
presenciada
por
nós
brasi le iros
quase
dia
r ia
mente. Basta sa i r pelas
ruas
ou l e r
e
ouvir as notícias
dos
jorna is .
Parece
mesmo
que ela já faz parte
do nosso
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 80/121
cotidi;lno,
e
~ vezes chegamos
mesmo a
nao
nos
m ~ d s
CUJTl e l ~
8
espantar
A
diferença que
h5
acreditem
ou
n30,
é
que nos
contos de
fadas,
e no
universo
imagin3rio dessas
his t6r ias ,
hi
r e s i s t ~ n c i contra essa crueldade,
e ~ s
vezes ela
su
plantada ou banida,
coisa que difici lJnente
tem
acontecido
na
vida
real enfrentada diariamente por n6s, bras i le i ros .
Portanto, es te aspecto cruel proclamado
por
a l -
guns ~ u t o l e s
ou pessoas
revela , queiramos ou nao, uma das
facetas
do llundo cm
que vivemos,
e
é at ravés da vivência
e
do confronto dos personagens
dos
contos com es tes
aspectos
degradantes
que
se
P l S S l biJ ta que a criança aprenda a
l idar com os
mesmos.
s
contos
têm
recebjdo
também
outras
c r i t i ca s
a
respei to
do
seu ca r i t e r inora] i zante,
onde o bem
quase sem
pre prevalece sobre
o
mal;
ou
se ja , na lu ta entre
o
persa
nagem
bonzinho
e
ingênuo
e o
outro malvado
e i n e s c r u p u l ~
50 ,
es te
último na maioria das vezes sai perdendo.
Neste
sent ido,
o conto
nos
propoe
uma d i s c u ~ s ã o
sobre os
pr incípios
é t jcos ,
já
que
levam
a uma
apreciação
de
padrões de
conduta susce t ive is de uma
qual i f icação
mani
queis ta .
s
personagens dessas his t6 r ias seguem
um
pr inçf
pio de polar ização: ou
são
boas, ou
más; nao
seguem
um
meio-termo,
ou nao sao ambivalentes,
como somos
todos na
real idade.
Para Bettelheim,
a
apresentação
das
polar izações
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 81/121
69
rl e c a r ií t e r p L r n te ã c r i :1 ç a o
II
p r e ( 11 d e r f a c i 1me n t c a d i f e
rença entre
JS
(luas
figllr:ls,a
mií c a boa,
f icando-lhe d i f í
c i I d j s t i n g
ld -
1 a s c a s o c s t
:J S
f o s sem r e p r e
S
e n t a das c o m
to
-
~ a s as r:olllplexirléldes liue
caractcr:ÍZam as
pessoas
rea is .
A 6m
d i s s o -
diz o autor - as escolhas das cr ian
ças não são hascadas no certo veJr.6lL.6 errado, mas sobre
quem
lhe
despertél
sjmpatia ou : lnt ipat ia . A
cr iança
se ident i f i
ca com
o her6i
ou
a f igura cen t ra l nao por causa de sua
bondade,
mas
porque
a
condição
do
her6i
lhe
t raz
um
p r o u ~
do apelo
posi t ivo.
Marie Louise Von Franz (198Sb), por sua
vez,
co
loca que existem
duas
coisas que ditam o comportamento
hu
mano: o c6digo ét ico cole t ivo que também se pode chamar
de superego freudiano, e a reação
moral
de cada
indivfduo.
Além deste c6digo ét ico cole t ivo que somos
obrigados
a con
s iderar
para
não nos vermos em
apuros, cada indivfduo
p o ~
sui o seu pr6prio nível ét ico e forma de
reagi r .
Algumas pessoas
já
devem t e r - se
deparado
com ou
t ras que ins is tem em acredi ta r que estão agindo
da
forma
cer ta
quando sabemos que
podem
es ta r
prejudicando
te rce i -
ros.
Cada um
sempre
tem um bom motivo para ju s t i f i ca r aqui
lo
que
para
outros s e d a um
equívoco.
Poderíamos fazer ~ m l ige i ro percurso
através
da
his t6r ia
das
re l igiões e das mitologias , que sempre
t en ta
ram,
i
sua
maneira,
expl icar a presença do mal. Foi
a t ra
vés
dos
mitos
que
o homem
ant igo
personif icou
as
forças
no
civas da natureza, assim corno o medo ou o temor
f rente
a
estas
forças
ainda incxpl icáveis do ponto de vis ta racional.
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 82/121
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 83/121
7
John Sanford lembra-nos que o diabo,
por exemplo,
é
representado na forma
de cabra
porque
as
divindades pa
gãs
das
f lores tas
apareciam
sob
esta
forma.
O
casco
cl iva
do
pode ser vis to
como o casco
de Pã,
e
seus chifres sao
como os
de
Dioniso.
Entretanto, d iz-se também
que
os
chi
fres
do
diabo
têm
sua
origem num deus cornÍfero, adorado
numa rel igião
da
natureza
da ant iga
Ingla te r ra , conhecido
como
Wicca.
Havia outras divindades cultuadas na Inglaterra
que foram combatidas com a chegada do
cris t ianismo,
como
por
exemplo, uma divindade feminina,
a benéfica deusa
da
cura e da
fe r t i l idade ,
e
um masculino
e benéfico deus cor
nÍfero. Com a deflagração de
um movimento para reprimir
a
velha re l ig ião Wicca passou para o submundo e foi en
tão que
as bruxas
com seus caldeirões e vassouras ins t ru
mentos estes l igados às
tarefas
domésticas exercidas essen
cialmente por mulheres), tornaram-se f iguras do folclore .
Com
i s to conclui-se que
as
divindades cultuadas nas
ant i
gas rel igiões
passaram a t e r as suas funções absorvidas
p ~
1
crist ianismo,
de acordo com
seu
aspecto
moral: Zeus,foi
sincret izado
com
o Deus juda ico-cr i s tão . Mas
Dioniso, por
exemplo,
deus
do
êxtase
e do ~ r z e r
i l imitado,
não teve e ~
paço após a ins t i tu ição
da
igre ja ,
da
mesma
forma
que Afro
di te ,
considerada
deusa de ~ r s e
da
união sexual .
Esses deuses e deusas negligenciados e r e je i t a
dos,
e
as funções
psicológicas
que
eles
personificam
foram
tornando-se objeto
da repressão
cr i s tã e reapareceram no
folclore e na l i t e ra tura .
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 84/121
7
Do ponto
de
vis ta da psicologia
junguiana, o
mal,
ou a
personificação
deste, tem sido
associado
a
aspectos
sombrios, negativos
da
personalidade.
Dizemos negativos
porque a sombra,
de
maneira
geral ,
é tudo aquilo que faz parte
de
uma pessoa mas que
ela desconhece. omo enfat iza Jung, a sombra é simples
mente todo
o
inconsciente .
E o
inconsciente,
como
define
a
escola
junguiana,
é
dotado
de
aspectos
cr ia t ivos
(quali
dades
do
indivíduo que
podem
se
desenvolver de acordo com
as condições externas
e internas) e aspectos
imaturos ou
inferiores (fraquezas,
complexos reprimidos,
negativos, e tc . .
sentimentos
E
importante
not i f ica r que
a sombra refere-se nao
só
a
aspectos
pessoais ,
mas também colet ivos.
Percebemos
quando um grupo
ou uma nação es tá
sendo
dominada
pela
sua
sombra
quando ocorrem manifestações rac is tas ,ou surgem
r ~
conceitos colet ivos que levam aquele
povo
a cr ia r
um
bode
expiatór io.
Neste
caso.
a sombra destrutiva
é projetada
num
ser ou num grupo
socia l ,
que representariam os
geradores
de
todos
os
males .
Neste sentido,
os
contos explicam o
mal de for
ma clara , assim
como o
desenvolvimento de forças
boas,
que
podem re fer i r - se a
aspectos individuais
e
colet ivos. omo
ressa l ta
~ a r i e
Louise
Von
Franz,
não
se percebe
nos
contos
de fadas uma
maneira
de l idar com o
mal.
Lida-se
com ele
de uma forma
ou
outra, dependendo das circunstâncias: ora
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 85/121
7
opondo-se a ele de forma resoluta , ora devendo-se aproxi-
mar dele
indiretamente, ou
mesmo
fugir
dele, o
que leva
o
personagem
central
a
vivenciar si tuações
novas
que
o
levam,
no f inal a uma
renovaçao.
-
e
qualquer maneira, nota-se que
se
ve r p r s ~
tados nos contos aspectos cont radi tór ios , que nos levam de
um
extremo a
outro.
E é
justamente
com es ta contradição
que
convivemos diariamente, quando
se
t r a ta
de
tomar posi
çoes
frente
a
determinadas
si tuações.
Neste
sent ido, assim
como
nos
contos
de
fadas,
vivemos constantemente
num confl i to é t ico: uma coisa é boa
ou má, dependendo da posição privi legiada pelo indivíduo.
Há
momentos
em
que pode ser interessante
real izar
aquilo
que o
coração
manda - privi legiou-se o sentimento.
Em
ou
t ros momentos é preciso ser r ea l i s t a objet ivo ,
pr ior i -
zando-se
a
posição
racional , ou a
função pensamento. Ou en
tão,
o
que
é
bom para alguém pode
ser mau
para outro.
Portanto, o confl i to
é t ico
ou
aquilo que
é cer
to ou errado
para um indivíduo ou
para a colet ividade, ten
de a
ser re la t iv izado
de
acordo
com
o momento.
E claro
que
se uma
pessoa
ou
um
grupo tem cons-
ciência
da sua
natureza
ou potencia l idade,
assim
como o co
nnecimento
objetivo
dos pros e contras
de
uma determinada
situação,
a possibil idade de tomar uma at i tude que lhe se
ja
benéfica é
maior.
Recapitulando, então, a par t i r da santa inquis i
ção,
aguçou-se o
conflito ét ico . onde se julgava necessário não
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 86/121
7
entrar num
confl i to
s ~ r i o com
a sombra, mas neg5-la
ou
re -
primi-la . Portanto, as noções
de mal e bem não se con
figuram
por
s i
mesmas; mas
são
re la t ivas
a
um
ponto
de
vis
ta seja
cul tura l ,
individual ou
re l igioso.
Com relação aos contos, f ica-nos di f í c i l carac-
te r izar qual é o seu
enfoque
ét ico: às vezes os persona-
gens são
levados
a
mentir para se safar de algo perigo-
5 0 ;
outros
adotam
uma
posição de
confronto e ,
por
fim, a l-
guns
podem
se
a l ia r
às
forças
consideradas
negativas
e
t ransformá-las
em posi t ivas .
Segundo Von
Franz:
E por e s sa r azão que os
con tos
de
fadas são tao
impor t an t es . Neles encon t ramos r eg ra s
de
comportamento , de
l i d a r com e s sa s co i s a s . Muito f r eqüen temen te não se t r a t a
de
um
assun to
e t i c o
muito
c l a r o ,
mas
de
como
se
encon t r a r
um
caminho de s abedo r i a
n a t u r a l
(Von Franz, 1985, p. 203).
Portanto, es ta visão
de
que
nos contos
de fadas
é passada
a mensagem
de que
se
tem que ser bonzinho para
conseguir
as coisas , é
uma anál i se
parc ia l .
Primeiramente,
não
existe
um
único
comportamento
válido para todos os cog
tos . Cada
his tór ia
se
desenrolará
de
urna
forma
e o
p r s o n ~
gem
principal agirá de acordo
com
as circunstâncias :
-
era
esperto, corajoso, ou esperará
o momento
adequado, ou agi
rá
de
maneira in tui t iva ou de
acordo com seus
sentimentos,
enfim
nao
existe
um
comportamento padronizado em todos os
contos.
o
conto de fadas diz
à
criança que
o
mal exis
te
e
que se
deve
ora confrontá- lo , ora simplesmente sucum-
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 87/121
S
bit frente a sua
presença, para
que
esta força negativa
torne-se
posit iva, nem
que
para is ' l6'sej am necessárias aI
gumas
perdas
e
provações
a
fim
de que
seja
possível
viven
ciar um processo de emancipação.
Outra
cr í t i ca que
se
faz aos
contos
refere-se
ao
papel
passivo
e degradante reservado
à mulher,
como
na
história que contamos ou mesmo
na Gata
Borralheira ,
on-
de
as
mulheres sujeitam-se a
t r a b a l h o s , ~ r ç a d o s
como se
impõe a
uma criada.
...
E claro que um adulto ou uma criança com o míni
mo de sensibil idade não ficarão
impassíveis
frente ao
t ra
tamento recebido ou imposto ao personagem, e
certamente
o
recriminarão podendo dizer , ou perguntar:
por que
o obri
gam a fazer isto?
Mas, a despeito
dos
contos
serem
extraídos de
representações
culturais delineadas há no mínimo t rês sé
culos, será que em nossos dias a mulher já se encontra
isenta de assumir o
papel
de faxineira e provedora do
lar?
Não só sabemos, mas
vivenciamos
em uma socieda-
de
ainda patr iarcal ,
que a mulher de hoje ou assume os vá
r ios papéis mãe, tarefas domésticas, esposa,
trabalhado-
ra remunerada, etc . , ou contrata alguém para
fazê-lo,
salvo
raras exceçoes.
E bom expl ici tar que
nao
compactuamos
com
este
t ipo de postura ou ati tude
machista ,
mas o que queremos
ressal tar é
que
não é o conto o principal veiculador de
uma
moral,
mas ele
simplesmente
traduz uma experiência vi
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 88/121
76
vida
pelas
sociedades desde
os
tempos antigos. claro
que
ocorreram mudanças
em
alguns setores da
sociedade
ap6s os
movimentos
feministas
de
l ibertação
da
mulher,
mas
esta
ainda vem
sendo
subjugada ao homem tanto do ponto de vis-
ta
legal (conforme
a
legis lação
de
alguns países) , como
cultural ,
ao
ser relegada
também
às tarefas domésticas.
Neste
sentido,
além
de
já
termos
explici tado
que a
criança certamente
também
julgará
determinadas
s i
tuações
e
comportamentos
considerados
avi l tantes por
a.
gumas
pessoas, cabe
ao
educador, aos
pais ou à pessoa que
veicula contos
de
fadas mediar se
necessário,
questões
que
possam
vi r
a
surgir por parte
das
crianças acerca
destes
t6picos
apontados.
3.3.
O mecanismo de projeção e
introjeção
de Melanie Klein
Dentro desta questão
acerca da polarização do
bem
e
do
mal
percebida nos contos
de
fadas, descobrimos,
através
da
teoria
de
Melanie Klein (in Segal, 1975) acer-
ca dos
mecanismos de
defesa,
subsídios para
compreender
como a
criança
l ida
com
sentimentos
negativos
e
posi t i
vos. s considerações abaixo são
baseadas no
l ivro
de
Hanna Segal (1975).
De
acordo
com
a: autora,
j
á no nascimen-to
existe
ego
suficiente para
experimentar a
ansiedade. lnicialmen-
-
e
o ego e amplamente desorganizado,
embora,
de
acordo
com toda
a
fundamentação
acerca
do
crescimento
f ís ico
e
psico16gico,
ele já possuia
desde o começo
uma
tendência
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 89/121
77
ã integração. Desde cedo o ego tem uma relação com o o ~
jeto primário o seio sendo este estágio dividido m duas
partes:
o
seio
ideal
e o
persecutório.
A
fantasia
do
obje
to
ideal
funde-se
com
as
experiências grat if icantes de
amor e
alimentação
recebidos da mãe externa
rea l
e é con
firmada
por
essas
experiências ao passo que a
fantasia
de
perseguição
mescla-se de forma semelhante com expe
riências reais de
privação
e
sofrimento
as
quais
são
atri
buidas
pelo
bebê
aos
objetos perseguidores.
A
privação
portanto
se
const i tu ir ia numa amea
ça
de aniquilação do objeto ideal e do ego resultando na
ansiedade. Neste sentido
o ego desenvolve
uma série
de
mecanismos de
defesa
sendo
provavelmente o
primeiro um
uso defensivo de introjeção e de projeção. omo medida de
defesa
o ego esforça-se
para
in t ro je tar o
bom
e
para
pro
je ta r o mau ou o bom é projetado
para
mantê-lo a
salvo
do
que é
s e n t ~ o
como uma maldade interna. Portanto
em
situações de
ansiedade
a divisão é ampliada e a
projeção
e introjeção são usadas a fim
de
manter
os
objetos perse
guidores e ideais afastados o máximo possível um dos ou-
t ros mantendo-os também sob controle.
Portanto esta ordenação
de
experiência
que ocor
re com
o
processo de
divisão
em
um
objeto
bom e
mau
rege
o
universo
das
impressões :emocionais
e
sensoriais
da
cr i -
ança e consti tui uma precondição da
condição
posterior .
Trata-se segundo a
autora
citada da base do que mais
tarde
se
torna a faculdade de discriminação
cuja
origem
é a diferenciação primitiva entre bem e mal.
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 90/121
8
Percebe-se
que
estas
fundamentações de Melanje
Klein
estão de
acordo
com Bettelheim, corno já descrevemos,
quando
ele
diz
que
a
polarização
em
figuras
más e
boas
]lOS
contos
de
fadas permite à criança compreender mais
fac i l -
mente
a
diferença entre as duas,
o
que
ser ia mais d i f fc i l
se
estas
qualidades fossem mescladas
num
mesmo
personagem,
corno acontece na vida real .
Neste
sentido,
atrav€s de
mecanismos de
proje
çao e introjeção destes aspectos bons e maus
encarnados
pelos personagens
dos contos
de fadas,
a
criança
tem a
possibil idade de
ver espelhado ou
ref le t ido
o que
se
pas
sa
em
seu psiquismo, identif icando-se ora com processos
destrut ivos
de
um
determinado
personagem, ora com os cons
t ru t ivos corno requeiram
suas
necessidades momentâneas.
Conseqüentemente,
a par t i r
de todas
estas
colo
caçoes,
dentro da perspectiva apregoada pela psicologia
ou por estudiosos
da mesma
f que
apesa r das
crf t icas
ca
bfveis
à prát ica
de se re la ta r
contos
às
cr ianças, perce
be-se
que
algumas já
caducaram
f rente
às evidências
e
às contra-argumentações
de
alguns
autores.
Outras
não
p r ~
cisam buscar nos contos as rafzes dos
males
sociais ou
exemplos
excessivamente
moralizantes que proporcionam à
educação das crianças. as estas representações
extrafdas
de realidades
subjet ivas e objet ivas nada mais são do
q ~
os
reflexos
das
próprias contradições
a
que
somos expos
tos
enquanto
seres
socia is .
E
o conf l i to
€tico
no
qual s ~
mos levados
a
considerar
e aval ia r
constantemente
de acor
do com a si tuação,
visto que ignoramos
o
que
seja o bem
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 91/121
79
e o
m3] em s i mesmos.
r
também
com
es te
cunf l i to é t jco que
a
criança
se
dcp:na quando
em cont 3to
com
os contos de fadas,
o
que
impljca que
a
postura
do
contador
de
his tó r ias é
funda-
li:cntaJ para
cr ia r um
atmosfera
propfc ia ,
onde
não
sera
dado ;:nfase
nem
reforço
ao
compor1amento dos personagens
]1onzjnhos em
detrimento
daqueles considerados maus . O
jdeal é que
o narrador
se ja um mediador,
sem
qual i f icar
personagens e si tuações
de
fOllna maniqueísta, o
que
propi
c i
ar ia que as
imagens
dos
contos e seus
personagens fa -
lassem
por
S l mesmos .
-'
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 92/121
A VOC ÇÃO
P E n A ~ n G J C A
DOS
CONTOS
DE F D S P R
A
CRI NÇ
M
ID DE
P R ~ - E S C O L A R
Após
discorrermos
sobre as supostas orIgens dos con
tos
de
fadas
sua herança cul tura l sua
linguagem simbólica
que proporciona
algumas
le i turas dentre elas a de espelhar
aspectos do psiquismo
buscamos ao
longo deste trabalho elu
cidar
a importância e as implicações de se
re la ta r
contos de
-
adas as
crianças.
-
altou abordar o
seu
papel dentro do
contexto
pre-
escolar
e
neste sentido temos que recorrer às considerações
até então formuladas por Piaget 1 9 7 8 ~ e E. acerca dos aspectos do
desenvolvimento i n fan t i l do ponto de vis ta
cogni t ivo-afe t i -
vo
para
situarmos melhor
esta cr iança que encontraria den-
t ro do espaço
educativo
a
possibil idade
de
desenvolver mais
eficazmente
as suas
potencia l idades.
Destacamos
a
pré-escola
e a
criança
em
idade
pre
-
escolar
por
acreditarmos
ser
mais
proeminente
na primeira
in
fância
uma
identidade maior
entre
afet ividade e cognição; ou
melhor
são aspectos complementares como sugere
Piaget
que
acompanham a
criança
no decorrer
de seu desenvolvimento
mas
que encontram
na fase
pré-concei tual ou
pré-operatór ia
uma
i n c i d ~ n c i a
maior.
~ a s
é
durante
esta
fase
que
se
configura
em
maior
grau uma n ã o - d i f e r e n c i a ç ~ o entre o mundo
f f s ico
e
o mundo
psfquico
que
segundo
Piaget
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 93/121
8
~ de se e s p e r a r que con s i d e r e como VlVOS e
c on s -
c i e n t e s
um
gr ande
numero de co r po s
que
pa r a nós
ao
i n e r t e s .
es te
fenômeno
que
designaremos de anúnLómo
(Piaget , ] 9 7 8 ~ , p . 1 3 9 ) .
E
durante esta fase pré-lógica
que
a criança
dis-
poe
de
um aber tura
maior para o faz-de-conta , o mágico
j á que se encontra mais próxima da
inconsc
i ênc i
a,
visto
que
o ego, nos primórdios
de sua diferenciação,
não está plena-
mente
capacitado
para estabelecer relações lógicas ,
racio-
nais
e
objet ivas entre
o mundo
in te r ior
e o
exter ior .
Neste sentido, as crianças desta fase acabam por
se
envolver
mais
inteiramente com as
his tór ias
de
encanta
mento e
magia, ident i f icando-se
em maior
grau
com a
sua l in
guagem simbólica imaginativa, já
que
a mesma não a sobrecar
rega
intelectualmente.
A pa r t i r do momento em que a criança atinge a fa
se operatória ,
por
volta
dos
se te anos de idade,
as
est ru tu
ras lógicas atingem um maior maturação, e a par t i r daía es
cola,
a sociedade e a própria criança passam a requerer mais
o exercício das suas capacidades
lógico-racionais .
Isto não
impediria que
o conto de
fadas
pudesse ser
um
estímulo a e ~
tas cr ianças, assim como aos adultos, de
ent rar
em
contato
com
as
suas imagens r icas
que
ref le tem os aspectos
do dq
senvol
vimento
ps
íquico
as s im corno a
possibilidade
de se extrair
delas
um fonte de
a u t o c o n h ~ c i m e n t o .
Portanto, apesar de
nos
dirigirmos mais especif i
camente
i
criança
em
idade
pré-escolar ,
algumas
considera
ções
podem ser
pert inentes
também nas fases subseqtientes a ~
sim como
aos adultos que precisam
alimentar-se destas his
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 94/121
82
tór ias no
sentido
de
mobilizar
a sua capacidade imaginativa,
ou mesmo de estabelecer um vínculo s ignif icat ivo com os sim
bolismos
presentes nestas
histór ias que
se
conjuminam
com
sua his tór ia
pessoal
e/ou
cul tura l .
sem dúvida,
um desafio
buscar uma referência
nos estudos de Piaget acerca do
desenvolvimento
dos aspectos
cognitivos
durante a infância, mas não menos s ignif icat ivo ,
pois, sem
dúvida,
o
autor
se voltou para as pesquisas acer
ca
da
função
do
pensamento
ou
cognit iva ,
e a emoção
não
o c ~
pou um espaço maior nos seus estudos, apesar dele
pontuar a
sua relevância.
A
despeito de
o
autor sustentar que
o afe
to e a intel igência
são
dois aspectos essenciais e
i n s e p r ~
veis ,
Piaget
procurou
acomodar
a
afet ividade
em
est ru tu -
ras semelhantes aos
seus
esquemas cognitivos , dizendo:
Cre io
que no campo a f e t i vo tambem se en con t r a r i a
o equ iva l en t e
da
l óg i ca no campo cogn i t i vo , ser i am e s t r u t u -
rações de conce i t o s s oc i a i s em forma de e sca l a s de
va lo re s
morais ( • )
(Piaget, in
Williams Varma, 1980,
p. 69).
a
verdade, a
epistemologia genética
é
uma e p i ~
temologia carente de afetos , sendo que
o
seu
mentor chega
a confessar
que se
l imitará
àquilo
no
qual
tem
experiência,
ou seja ,
as
est ru turas lógicas ,
almejando que
chegue o
dia
em
que a
sua
epistemologia
venha
a
se fundir
com a psicaná-
l i se
numa
teor ia geral .
Limi
tar-nos-emos,
então,
a
buscar, a. par t i r
de suas
pesquisas
e
formulações
a respei to do
desenvolvimento
das
estruturas
cognitivas da
cr iança,
assim
como a
relação que
esta
estabelece com
o
seu meio, materia l que
venha a nos
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 95/121
83
subsidiar
a fim de elucidarmos como
se processam as
r p r s ~
tações
que
a
criança formula.
Piaget
1 9 7 8 ~ , 1 9 7 8 ~ )
tem
sustentado,
ao
longo
de
seus estudos, que
o egocentrismo (quando a criança pensa e
age de acordo com pontos de
vista
próprios, ignorando mais ou
menos os dos
outros)
é caracter izado por uma ausência de
ló
gica ou
de
socialização do pensamento .
a
medida
em que
o
pensamento egocêntrico
se e n -
contra
em
fase de
indiferenciação,
ou
seja tanto de absor
çao
inconsciente
do
grupo
no
eu,
quanto
de ignorância
dos
p o ~
tos de vista
alheios a
criança
ainda não é dotada, inteiramen
te
de
logicidade,
assim
como
da
formulação de conceitos (es
t ruturas compostas
de
identidades e suj ei tas a
generalização),
que são em
geral
comunicáveis. Nesta fase, a criança elabo
ra
pré-conceitos
(que
estão presentes
geralmente na idade de
dois
a
quatro anos mais ou menos), que são sustentados
por
imagens que, por
sua
vez,
desempenham o
papel de s ignif ican-
te sendo
também
um
dos produtos
da função semiótica.
Neste
sent ido, esta
fase
do pensamento que Piaget
1 9 7 8 ~ )
caracter izou
de
pensamento
transdutivo
es ta r ia
su
j e i t a a
superar
o campo
perceptivo,
por meio da representa
ção , sendo
possível ã criança deformar
essa real idade re -
presentada ao sabor
de seus desejos
e
subordiná-la
ao fim a
que
visa .
Piaget mostrava-se mais interessado
em
demorts-
t ra r
a
atividade mental nas suas funções
]ógico-cognit ivas ,
daí
por
vezes
apresentar
o
período
transdutivo
da
fase
.A
pre-
operacional
como
um
período
de
t ransição para
o
pensamento
lógico,
sendo
então
aquele
carater izado
por meras
experiên-
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 96/121
84
cias mentais que
prolongam
as coordenaç6es
pr5t icas
no
pla-
no representat ivo , e
que não são suje i tas
a grupamentos
gerais que
estabi l izam e
generalizam
as primeiras
conexoes
que se processam através
de intuiç6es
ar t iculadas .
o
que ta lvez escapasse a Piaget é que as emoçoes
que acompanham
as
funções cogni t ivas não estão suje i tas es
sencialmente
a um desenvolvimento
contínuo
e s u b s e q ü e n t e a ~
sim como o
pensamento
lógico.
Este es tá
em
permanente
c o n ~
trução
quando
estimulado
para
t a l
fim, enquanto as
emoçoes
sofrem constantemente o
mecanismo
que Jung denominou r e -
gressão e progressão .
Do ponto de
vis ta
energét ico,
es tes
mecanismos obe-
decem a um processo dinâmico,
donde
a
regressão inclui uma
adaptação da
psique
às
condiç6es próprias
do mundo in ter ior ,
ou
seja,
os elementos
pSJquicos
(inconscientes
ou parcial
mente conscientes) que são forçados a ul t rapassar o l imiar
da consciência. Trata-se de
conteúdos
de
cunho
in fant i l
e
sexual
em parte
i r racionais , geralmente carregados
de afeto.
A progressão, no caso,
obedece
a
um
processo contínuo
às
con
dições do mundo ambiente, e pode surgi r
de
forma comp1emen
ta r à regressão ou mesmo compensá-la, ou no sent ido
de
re
primir as tendências e exigências in ternas .
Estes mecanismos energét icos podem ocorrer
duran-
te
qualquer fase ou etapa ~ ~ desenvolvimento do ser humano,
já que correspondem a um acontecimento
psfquico
que,
de
ma
neira geral , possui uma
lógica
própria .
Com
base nas
for
mu1aç6es de
Jung, podemos afirmar que quando se
t ra ta
de
co .
teúdos
inconscientes temos de
avaliá-los
também de
forma
re -
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 97/121
8S
la t iva , pois
obedecem
a
um sistema subjet ivo de valores, di
fÍceis
de
serem mensurados
numa
escala
absoluta e
fixada
de
maneira
geral .
Mas
apesar disso, afetividade
e in te l igência , ao
serem observadas
como funções
complementares,
têm
caracte
r í s t icas funcionais semelhantes,
embora também
divergentes,
de
acordo
com
o
ponto de vista no qual
Piaget privi legia .
Tanto o pensamento
pré-conceitual t ransdutivo
tem
o suporte de imagens, como a
at ividade
psíquica
seja ela
onf
r ica ou
em
vigí l ia adquire um signif icado
através de suas
imagens. No entanto,
para
Piaget ,
a imagem é um esboço
de
uma representação baseada em
fatores
externos,
ou
seja , a
imagem mental, i s to
é,
o símbolo é encarado como um esboço
inter ior do objeto, podendo ser
um
produto
de
in ter ior iza -
çao
da
própria
imitação.
om
esta
afirmativa,
podemos
infe
r i r
que Piaget restr inge
a
noção
de
símbolo
ou imagem a um
signif icante
que
envolve apenas o ego, em contrapart ida a
Jung,
que
define a imagem como uma expressão condensada
da
situação psíquica como
um
todo,
ou
seja ,
expressa
conteúdos
inconscientes que se encontram constelados momentaneamente
no consciente, e
que
estão sempre em relação
com
a to ta l ida
de psíquica consciente e inconsciente) ,
j que são
sempre
apreensÍveis pelo indivíduo.
Apesar desta divergência
entre
a
definição de
m ~
gem
para ambos, supõe-se
que
eles tomaram
pontos de
part ida
diferentes:
Piaget
busca
formular
o
desenvolvimento
cogni t i
vo
especialmente na
criança, part indo
essencialmente
de
um
método clínico-empírico e Jung, no caso,
baseou-se
também m
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 98/121
86
fatos
empfricos, embora
procurasse condicion5-los
a
um
abor
dagem
s in t6 t ica
e h e r r n e n ~ u t i c a .
Voltando
ã questão
das imagens, res ta-nos
enten
-
der
de
que forma a
cr iança entra
em r e l a ç ~ o com
elas , j5 que
se encontra num estado de
i n d i f e r e n c i a ç ~ o entre o obje t ivo
e o
subje t ivo. importante
lembrar que embora a
cr iança
dominada pelo egocentrismo coloque as suas necessidades pe
soais
em
primeiro plano, j5
inc lu i
algumas adaptaç6es men-
t a i s , um pouco de or ientação
para
a
real idade obje t iva , se
const i tuindo
numa
fase prepara t6r ia para
o
pensamento con
-
cei tual .
Mas
na medida
em que nesta fase e g o c ~ n t r i c a p r ~ -
16gica
o
conceito um a b s t r a ç ~ o , parece que
a criança, ao
querer
conjecturar
sobre
as
coisas
de
maneira
geral , proje-
ta na real idade
externa sonhos
e e x p e r i ~ n c i a s
s u b j e t i v a s c ~
mo
por exemplo, quando a t r ibu i aos outros as suas
pr6prias
intenç6es
e
vontades,
tornando o
seu ponto
de
vis ta absolu
to, ignorando que es te subje t ivo .
Piaget nos
dá o exemplo da criança
que acredi ta
que
o
sol
a
segue
assim
como
as nuvens,
como
se
e la
pudesse
t e r
o
poder de a t ra f - Ios ,
e n ~ o que eles tenham es ta in ten-
çao.
Este
estágio
de i n d i f e r e n c i a ç ~ o entre o
su je i to ;e
o objeto tem
um
s igni f icado 'análogo ao que Levy-Brfihl
dcno-
minou
p a r t i c i p a ç ~ o mfst ica , ~ e g l l n d o o
':tual dentro
da vi -
são antropo16gica, o su je i to das
socjed:1dcs d i tas
" p d m i t i -
vas ou pré-le tradas es ta r ia nlJma r e l a ç ~ c de j n d i s t i n { ~ 3 0 com
o objeto,
estando
(;1es intimamente l igados . Jung tomou em-
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 99/121
87
prestado o mesmo
termo
para se r e f e r i r a relações entre
pes-
soas
em
que o su je i to , ou
parte
dele , controla o objeto
ex
terno,
ou
a t r ibu i - lhe
s ignif icados
de
acordo
com
pontos
de
vis ta de seu mundo in terno.
Piaget também
acredi ta que
a
fase
onde
a criança
formula
pré-concei tos (onde
par tes
de um conjunto não
são
en
quadrados
num
todo) também
se const i tu i
numa fase
de
par t i -
cipação"
no sent ido
de
Levy-Brühl. Embora essas duas
concei
tual izações se
ref i ram
a
s i tuações dis t in ta s , são constata
ções que
se
assemelham,
j
que
as formas
de causal idade na
criança são
provocadas
por um
confusão
entre a real idade e
o
pensamento.
Esta
conceituação,
por
sua
vez,
também tem
um
s ig
nif icado mais ou menos
anilogo, aquele
outro
elaborado
pela
escola
ps icana l í t i ca ,
a
ident i f icação proje t iva em que
pa .
te da
personalidade é projetada no
objeto,
e
es te
últ imo
-
experimentado como
se
fosse o conteúdo projetado.
Estes
sent imentos de
part ic ipação,
ou
cer tos
con
teúdos internos que sao projetados nos
objetos,
sao
conse-
quencia
de
uma
fa l ta
de
c o n s c i ~ n c i a
de
sua
subje t iv idade ,
ou
seja ,
o real es t i impregnado de
aderências
do eu. A cr iança
nao pensa senao a
pa r t i r
de s i , ignorando mais
ou menos
ós
pontos de vis ta dos outros ,
acreditando
que todos pensam co-
TIO
ela .
Segundo Piaget 1 9 7 8 ~ ) ,
ela
não descobriu a multI.
plicidade de perspect ivas e permanece
fechada na sua
como se
fosse
a
única
possível : a
criança
afirma
sem
provar ,
e
nao
tem a necessidade de convencer".
Portanto ,
durante es ta fase onde
predomina o
re -
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 100/121
88
conceito que
se
ap6ia
atrav6s de
imagens, nota-se
que o p e ~
S< l lcnto
da
criança
mui
to
mai s
imaginativo
e
sobretudo mais
motriz
que
concei tual .
Esta etapa
ser ia superada, segundo Piaget , quando
a cr i ança, at ravés
da
experiência
om seu meio,
aprender
que
seus
sentimentos são subjet ivos
por
uma
sér ie
de
decepções
c
pela exis tência das res i s tênc ias dos
outros.
Por vol ta dos se te
a oi to
anos mais
ou menos,
até
os
doze,
a cr iança passar ia a desenvolver um
pensamento
que
se
enquadraria em
sis temas
e
objet ivos i n t e l ec tua i s
mais am
p]os onde passar ia a
operar
em
maior
grau o
pensamento 6
gico.
A
imaginação cr iadora
não
se
deb i l i t a com o
avanço
da
idade,
mas passar ia de um estágio
essencialmente
lúdico
e espontineo
para outro
em
que se in tegra gradualmente na
in te l igência ampliando-a.
Sendo assim,
é
durante
a
primeira inf inc ia (dos
dois aos sete
anos mais ou
menos), ou se ja na idade pré e ~
colar que
a
criança, ainda
em
fase de indi ferenciação ent re
o subjet ivo e o obje t ivo
experiência
e reconhece determina
dos
fa tores
ou
representações
tanto
do mundo
in terno
como
no
externo, através de um
pensamento
in tu i t ivo
baseada na p r ª
pria percepção e r e p r e s e n t ç ~ o por
5magens.
Não
podemos
de
forma alguma
afirmar
que
durante
es ta
etapa
o seu
pensamen
to é
totalmente
egocêntr ico- in tui t ivo
sendo
a cr iança i n c ~
paz de perceber o ponto de vis ta alheio,
ou
que ela tem urna
vi são
de
mundo
deformante .
O
que
ocorre
é
que
a
cr
ança
vaI gradualmente adquirindo, at ravés da r e l a ç ~ o
com o
meio,
ma
percepção gradual da
sua
subje t ividade
e
maior consciên
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 101/121
89
cia
de s i , e
conseqüentemente
urn percepçao
mais
rea l i s ta
do
que
ocorre à sua vol ta.
que
é
necessário
pontuar
aqui
é
que
nesta
fase,
quando
a
criança
começa a dimensionar o
real
através
da re
presentação e da construção
de
imagens,
é essencial
a
cons-
t i tu ição do
espaço representat ivo,
corno por exemplo a
l in
-
guagem
corporal ,
plás t ica e
verbal
que
pode re fe r i r -se tan-
to a imagens ou s igni f icantes
individuais
corno a s i g n i f i c ~
tes
arbi t rá r ios ,
porque
adquiridos socialmente.
justamente
imaginando
a
realidade
que
teremos
também
condições de agir
sobre
ela , assim
como
de
buscar si .
nif icações para os conteúdos provenientes
do
nosso
mundo
in
te r ior .
Até
mesmo
Piaget,
que nao
se sentia
à
vontade pa
ra
t ra tar de questões re la t ivas à afet ividade, assim
corno
daquelas imagens que se formam no consciente a par t i r de
em
nações do inconsciente, tende a a t r ibui r às imagens
urn
im-
portância s ignif icat iva quando se t ra ta de l ida r com conteQ
dos
afet ivos.
Neste
sentido,
P i ~ G c t
não nega a
incompetên
cia
da
lógica
ao
expressar
aquilo
que
é
pessoal :
( ) a l inguagem co r r e n t e , p r inc ipa lmen te
adap
t ada
as
operações l óg i c a s , permanece
inadequada a desc r i ção
do ob je to i nd i v i dua l ,
i n f r a l óg i co ;
não há
neces s idade ,
por
out ro
l ado , de
re l embra r
sua pob reza
e s senc i a l quando
se
t r a
t a
de expr imi r
o
v iv ido
e a
expe r i ênc i a
pes soa l
(Piaget,
1 9 7 8 ~
p.
345).
Portanto, ao notarmos
que a
criança em
idade
p r é - e ~
colar
percebe o mundo
exterior
e o
in te r ior
essencialmente
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 102/121
90
através de imagens, e
nao
de conceitos, e que esta etapa
e
fundamental para a construção
de um espaço
representat ivo
que
venha
a
contr ibuir
para
a
formação
de
r e p r e s e n t a ç õ e s s ~
jam
elas
colet ivas ou individuais, por que não favorecer
n e ~
ta fase para que a criança tenha
contato
com
as histór ias
r icas em imagens , que retratam, como já descrevemos, s i -
tuações que exprimem
dramas
psíquicos os quais ela
segura
-
mente i rá enfrentar?
Estas questões
apresentadas
nao
sao apenas vincu-
ladas e delineadas por exigências
tanto
internas (amadurecl
mento,
autonomia, confl i to entre sentimentos contradi tórios,
etc . como externas,
já
que
são
situações engendradas pela
sociedade, acessíveis
a todo
ser
humano
que produzem um
comunicação subliminar
do indivíduo com o seu
meio
socia l ,
visto que um convívio ou
part icipação
social mostra-se mais
f ru t í fero
na
medida em
que
nos
tornamos
cientes da socieda-
de em que
vivemos.
4.2
Quais as
funções dos contos
de fadas no
contexto pré-es-
colar?
Todos nós fomos crianças, vivemos e sabemos do fas
cínio que os brinquedos e as his tór ias de encantamento exer
ciam
sobre nós. A psicologia e a pedagogia, através de to
do o seu
instrumental,
comprovaram a importância do lúdico
e
da
imaginação como um meio
fundamental
onde se estabele
ce
um elo
de
l igação
entre
a
criança
e o mundo
de
acordo
com o
que já relatamos.
A criança, no curso de seu desenvolvimento, passa
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 103/121
9]
por
fases
em que a representação
( imitação,
jogos e brinca-
deiras)
tende
a
ser
urna
das at ividades que e]e
exerce
s igni
ficativamente.
Através
da
representação,
a
cr iança
lida
com
aspectos internos
(quando ela
os
proje ta)
e externos
(na
me
dida em que ext ra i elementos da
rea l idade) ,
no sentido de
buscar
signif icados
tanto do ponto de vis ta afe t ivo como cOR
ni t ivo.
Portanto, rea l e
imaginário
sao
duas
noçoes que se
inscrevem num
exercício dia lé t ico , já que
ambas estão
sem-
pre
presentes
no
processo
de conhecimento de s i e do mundo.
tão:
ve r so .
Jacquel ine Held dá o seu
depoimento
sobre esta q u ~
Cada
um
de nós
retir
do r e a l o seu p róp r io un1-
E Gas ton
Berge r ,
quando
f a z i a
pe squ i s a s
sobre
c a r a ~
t e r e o l og i a , pe rgun t ava : um
comerc i an t e
de
made i ra
e um
p i n
to r
ao con templar uma f l o r e s t a ao c repúscu lo , vêem a mesma
co i s a? De c e r t a mane i r a , e em resumo, produzo o
meu
próprio
r e a l .
Por i s s o mesmo, o
meu
r e a l e
f a n t á s t i c o ,
ass im
como
o
meu
f a n t á s t i c o
e r e a l (Held, 1980,
p. 26).
Is to
nos
leva a
r e f l e t i r que
o rea l e o imaginá
rIo
definem-se
dialet icamente um
se
define
pelo
outro) .
~
da um de nós re t i r a do
rea l
o seu próprio universo, ou
me-
lhor, eu
produzo
meu
próprio rea l .
Se o ImagInarIo fosse p ~
ramente
subje t ivo,
oposto
ao rea l , então corno
poderia
ele
ser comunicável?
Do ponto de
vis ta
da autora c i tada, nao existe fan
t ás t ico (no sent ido
daquilo
que é criado pela imaginação)ou
i r rea l puro, pois caso contrár io , este fantás t ico nos
apre-
sentar ia
apenas
o desconhecido, pois urna
vez que
não t e r ia
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 104/121
9
nenhum
ponto
de
contato conosco, nos permaneceria estranho.
Portanto,
exis te na criação
uma dosagem
su t i l de
conhecido
e
desconhecido.
Ainda
segundo
essa
autora,
qualquer
his t6-
r ia ,
para
ser compreensível, comunicável,
supõe um
mínimo,
pois, de referências
ao
humano
ao
natura l , ao ordinário.
Dentro destas referências que podemos reconhecer
nos contos de fadas
fundem-se vários
elementos. Alguns r ~
tos da imaginação, construídos
a par t i r
de elementos consi
derados
i r reais
(bruxas,
anões,
monstros,
e tc . .
Outros
referem-se a
uma realidade mais ou
menos presente , se inse
rem no
dia-a-dia ,
no
cotidiano
do homem comum (camponês,
l ~
nhador,
famíl ia ,
mulher
e
f i lhos,
e tc . . E, por fim,
l iga
do aos
precedentes,
um domínio reservado, que segundo
J
.Held
é um lugar bem seu, onde
ninguém
jamais entrará , um espaço
maravilhoso
onde
habitam
seres
muito amados .
Neste sentido,
na
paisagem, nos enredos
e nos
p ~
sonagens presentes
nos
contos encontram-se
elementos tanto
vinculados
à realidade
objet iva corno
aqueles
nos quais nos
identificamos tão
intimamente,
que
chegam
até a mobilizar
sensações e afetos que
carregamos
também dentro de
nos; se
r ia
aquele
domínio
reservado , corno diz a autora, mas
nao
inteiramente
inacessível .
Da mesma forma que para a criança pequena,como já
demonstrou Piaget, o mundo objet ivo e o subjet ivo tendem a
mesclar-se,
esta mesma
configuração
é observada nos contos
de
fadas,
ou
seja ,
é
um
espaço
narra t ivo
onde
o
real
e o
irna
ginário interpenetram-se,
favorecendo que a
criança
veja ali
espelhado o que
se
passa no
seu
Íntimo. Neste caso,as fron
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 105/121
93
te i ras entre real e imagin5rio
permanecem
t6nues e f luidas
por
um
certo
tempo.
na
infância que se in ic ia
o
processo
de
construção
da
personalidade,
onde
aos
poucos
a
criança
vai
tornando
consciência de s i , através das
relações
com o
meio
que
pode favorecer
ou nao
o seu desenvolvimento, levan
do
em
conta
as
suas
pptencial idades inatas .
um
processo longo, lento e, por vezes, doloro -
so,
pois
na procura de s i
mesma, e
até
sofrendo com
sua in
ferioridade
ou
submissão aos
adultos,
a
criança
muitas
ve-
zes deseja
ser
independente,
daí
proje tar-se com
prazer nas
figuras cent ra i s dos contos
de
fadas
que
enfrentam o mundo
e os outros .
as não
ser ia perturbador
para
nós adultos ,
ou educadores, vê- la imersa numa his tór ia que poderia
r f o ~
ça r sua fantasia ,
i ludindo-a na medida
em
que ela é incapaz
de
enfrentar o mundo por s i só?
Algumas
correntes pedagógicas
chegaram a
condenar
a
prát ica de
se
contar his tór ias
às
crianças .
Para
exempli..
f icar , reproduziremos as palavras de Paula Lombroso, que ~
creveu um l ivro
sobre a
Pedagogia Montessori ,
regist radas
no l ivro
de
Jesualdo:
(
)
c o n t a n d o - l h e h i s t ó r i a s , ju lgamos t r a n s p o r
t á - l a
a um
mundo f a n t á s t i c o ,
i nve ros s í m i l
no qua l
a
c r i a nç a
vê apenas uma
f i c ç ã o p o e t i c a e i m a g i n á r i a )
não
se
deve
enganar a
c r i a nç a porque mais
cedo
ou mais t a rde
o
desenga
no chega
a
sua a lma, a p o d e r a - s e d e l a
e de ixa
p a r a sempre
um
amargo
sen t im en to de dor
ou
de i nd ignação c o n t r a
a
s o c i e d a
de,
segundo
cada
i n d i v í d u o
. • •
)
sua
imag inação
(a
da
c r i a n
ça)
ê pobre
e
c u l t i v á - l a ã base de absurdos
é
um e r ro
é t i co ,
nao
menos
condenáve l
por s e r t r a d i c i ona l (Lombroso,
in
Je-
sU31do, s .d . , p.
24
e
25) .
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 106/121
94
Este
t ipo
de
visão es ta r ia
de acordo
com
uma
f i lo
sofia pedagógica apregoada
até há pouco
tempo (talvez
ainda
existam
defensores
da mesma)
que
encara
a
criança
como
sub
desenvolvida, sendo
necessário
ins t ru í - la (ensiná-la a le r ,
contar , escrever) o mais rápido possível , onde não
se perde
tempo
em agradá-la
com contos, pois não ser ia sério e
rentável . Esta visão deformada do próprio
sentido
do que
é ser pedagógico acaba por pr iv i leg ia r uma l i t e ra tura sim-
pl i s ta
e
rea l i s ta
(t ipo
manual
O
que é?
e
Para
que
ser
ve? ), já
que
a
criança
nao passa de um ser vazio que de-
ve
ser
preenchido
por informações que tenham uma ut i l idade,
que
assegurem
a formação
de um
indivíduo
sér io .
De
acordo com estas
colocações,
ser ia ,
então,
pe
rigoso inves t i r nos contos de fada que
favorecem
o
exercí
-
cio
da
imaginação?
Não
ser ia perturbador ver a criança ima
ginar
gratuitamente?
Como diz
Jacqueline Held,
a
imaginação,
como a in
tel igência ou a
sensibi l idade, ou
é cul t ivada ,
ou se atro-
f ia .
Diz a autora:
Pensamos que
a
imaginação de
uma
criança
deve
ser
alimentada, que exis te - com a
condição de que
não se es ta
beleçam rece i tas - uma
pedagogia
do imaginário
que
ta l p e ~
gogia
prec isar ia
se desenvolver
( HeId, 1980,
p.
46).
Quanto
aos efei tos traumatizantes que algumas
his
tór ias
poderiam
provocar, Jacqueline
Held c i ta
Marc Soriano:
Qualquer imagem e t raumatizante na medida em que
mistura
as
angústias
de uma
criança já perturbada
C . . ) ; tor
na-se
ocasião
de pesadelo
numa
criança angustiada (Held,1980,p.93).
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 107/121
9
Se por um lado
ident i f icar-se com
o
herói
dos
con
tos
de
fadas que possui profundo apelo
posi
t ivo
constitui um
fator
que
inc i ta
a
criança
a
enfrentar
os
obstáculos
que
a
vida
impõe, ser ia preocupante vê-la não se
dis tanciar da
quele,
prolongando-se
nesta
ident i f icação, o que
acarreta
r ia
um
infant i l ismo, retardando a formação de
uma
personal i
dade autônoma.
Neste sentido, nao deveríamos encarar
o
conto
de
fadas
como o
culpado por
te r
sido
a
causa
deste tipo
de com
portamento. Podemos, sim, encará-lo ,
no plano
psicológico,
como um instrumento
diagnosticador,
que prop ic ia r ia a
par
t i r destas
ident i f icações
t rabalhar as questões e conteú
dos confl i tan tes que envolvem este t ipo de at i tude por par
te da
cr iança.
O que
faz ela
optar
por
desl igar-se
da realidade
e proje tar -se indefinidamente
num
personagem?
Os
motivos
podem ser vários, mas provavelmente não
deve es tar
sendó fác i l
para ela assumir
uma
identidade pró
pr ia
e encarar a
real idade.
De
fa to
os
contos
de
fadas,
através
de
sua
l in
guagem
simbólica,
precisam
ser vistos
como
uma unidade já
que engendram em s i
o
real
e o imaginário,
ou
o
simbólico.
Adquirem
um
cará te r estimulador,
posi t ivo e
cr ia t ivo quando
proporcionam uma
integração
a nível pessoal , mas caso
es ta
unidade sej
a
rompida
e a
criança
passe
a
t e r
uma
postura
uni
l a te ra l de
desdobramento
da
personalidade,
o
caráter
s i m ~
l ico a t rof ia - se havendo o r isco
de
não apreendê-lo na sua
totalidade já
que não
es tá ocorrendo aquele jogo dialé t ico
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 108/121
96
(real/ imaginário)
inerente ã at ividade
simbólica.
~
justamente o
caráter
exploratór io, mediador,un
ficador,
social izante e
de ressonância que
queremos
resga
tar ao privilegiarmos
a
função
simbólica
presente
nestas his
tór ias .
São estas carac te r í s t icas
que
Alain
Gheerbrannt
e
Jean
Chevalier
ressaltam
quando
explici tam, no seu ieionã
~ i o de ~ l m b o f o ~ a
função
e o dinamismo
dos
símbolos.
Segundo esses autores , o símbolo que surge do in-
consciente cr iador do homem e de seu
meio
preenche um fun-
ção favorável ã vida pessoal
e
socia l . Teria um
função
ex
ploratór ia
pois
os jogos
de
imagens e
as relações imagina-
das,
são um convite
a
pesquisar
o
desconhecido.
Sabemos
que
o
símbolo
tem
um faceta
desconheci
da,
ou mesmo
inconsciente,
que
nos inci ta
a
um busca
de
sua
compreensao,
através de relações aproximadas, já que
este
não é
def inível e
nem
apreendido
por completo, permanecendo
em
torno dele um atmosfera ainda mister iosa.
Ainda l igada ã função
explora tór ia ,
ser ia a
fun
çao de subst i tu to na medida em que ele exprime
o mundo
p ~
ce bido
e
vivido pe
lo
suj
e i
to em função
de
todo
o seu
psiquis-
mo.
A
outra função,
como
já
descrevemos anteriormente,
é
a
de mediador, pois
propicia
um
aproximação entre
incons
ciente
e
consciente, entre
o
rea l
e o
sonho,
entre
a cul tu-
ra e a
natureza.
Por
t e r um função mediadora,
o
símbolo
tem
também
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 109/121
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 110/121
9
deste
trabalho,
re f l e t i r
sobre
as
implicações
de se
narrar
contos
de
fadas is crianças, sobretudo
no contexto p r ~ e s c ~
la r .
Como os contos
sao
histór ias
que
se apóiam
em
ima
gens simbólicas,
t a m b ~ m
tendem absorver estas
funções a t r i -
buídas
ao
símbolo,
ou se ja , de poss ib i l i t a r a
exploração
de
significados, de subs t i tu i r e
representar conteúdos psíqui-
cos,
de
possuir
um cará ter
mediador
e unificador, aproximan
do o
homem
do
seu meio social assim como
mediando
e/ou i n t ~
grando conteúdos inconscientes ã
consciência,
poss ib i l i tan-
do que
esta
última
se amplie
já
que
tem
uma
função de r e s s ~
nincia e, conseqüentemente, transformadora, aumentando
os
ní
veis de consciência.
Não
poderíamos
esquecer
que
os contos
t a m b ~ m tem
uma
função socia l izante , pois transmitem uma
herança cultu-
ral a t r a v ~ s
dos
tempos,
reconectarido
a
criança de
nosso te
po a
uma realidade cul tura l longínqua
mas
que
também
perdu-
ra
a t ~ hoje, quando se t r a t a , por exemplo,
de
t raçar
e ques-
t ionar o papel da
mulher
na
sociedade
como já discutimos an
teriormente.
Ao que parece, uma função engloba ou desencadeia
a outra , e na
medida em que
as
vivenciamos na
sua
toalidade,
a atividade simbólica, t a m b ~ m presente
na
narrat iva dos con
tos de fadas,
assume
o papel de incitador de sentidos e me-
canismos de compreensão.
Poderia ser aquilo que G Durand
denomina
"equi l i
brio psicossocial .
Na
verdade, o
autor atr ibui
este sent i
do ã imaginação simbólica.
Mas
como ele
mesmo define,
esta
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 111/121
99
nao
se distingue da
atividade
simbólica, pois para
ele
"a
i m ~
ginação simbólica
const i tu i a própria a t ividade dialét ica do
espÍr i
to ,
entendendo
dialé t ica
como
uma
tensão
presente
das
contradi tórias.
s
símbolos, assim como
as
metáforas poéticas, ao
animarem o espí r i to dos
homens, seriam
o hormônio da ene, .
gia espi r i tua l
uti l izando o termo empregado por
Bachelard
e Durand, ou
seja
do
pensamento
em geral .
James Hillman
(1981)
vai um pouco mais além, di
zendo que conhecer his tór ias é psicologicamente t e r p ~ u t i -
co,
se
consti tuindo
num
benefício para
a alma.
Citando o
autor:
Uma pessoa que na i n f â nc i a absorveu h i s t ó r i a s e
as
e s t ru tu rou
den t ro
de
si
usua lmente
consegue
e s t abe l e ce r
um re l ac ionamento melhor com
o
ma te r i a l
pa to log i zado
das
i m ~
gens obscenas
g ro t e s ca s
ou c rué i s
que
aparecem e spon t anea -
mente
em
sonhos
e
f an t a s i a s .
(
...
) A
p r á t i c a
me
fez
ver
que
quanto mais exper imentado e a f inado fo r o l ado
imag ina t ivo
da
pe r sona l i dade
menos ameaçador s e r á o i r r a c i ona l (
.•.
)
Nas h i s t ó r i a s essas
imagens
encont ram
seu
l eg í t imo
l u g a r F ~
zem
pa r t e
dos
mi to s
l endas
e
con tos de f a d a s
em
que surge
toda
so r t e
de
f i gu ra s
b i z a r r a s
e
comportamentos
d i s t o r c i do s
exa tamente
como nos
sonhos
(Hillman, 1981, p. 15, 16).
O aspecto psicológico
es tá
sendo ressaltado
mais
uma vez, através
das
palavras
de
Hillman. O
socia l
de
acor
do com o que vimos relatando,
es ta r ia
caracter izado, na me-
dida
em que os contos refletem alguns
elementos da nossa he
rança
cul tura l .
Segundo
o
fo lc lor is ta Vladimir
Propp,
o
conto
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 112/121
100
guarda em
seu
seio
traços do paganismo mais antigo,
dos
cos
tumes e
r i tos da
antigüidade" (Propp,
1984,
p. 81).
4.3
Considerações
f in is
por estas e
outras
razoes
já
apontadas
que pro
pomos que a
pré-escola,
no uso de suas atr ibuições como: a
de
propiciar
o desenvolvimento
da
criança
nos seus aspectos
cognit ivo, afet ivo, social dando-lhe condições para a f o r m ~
ção de uma personalidade cada vez mais autônoma, encarando
estes aspectos de
forma
global , e nao compartimentalizada,
passe
encarar os
contos
de
fadas
como um instrumento impor-
tante
para
t ingi r as metas apontadas
anteriormente.
omo
já
relatamos, os contos
de
fadas
trazem em
seu
bojo elementos
que
são um espelhamento
poético
(porque
util izam-se de imagens) dos t r je tos do desenvolvimento
ps i
quico,
possuem um c rá ter social izante onde se vislumbram
questões
e elementos provenientes da nossa
herança
cul tural .
Neste
s e n t i d o ~ os contos de
fadas c o n t ~ m
fatores que
contr
buem-para a formação
da
personalidade
nos seus aspectos f ~
t ivo,
social
e mesmo
racional ,
já que
a
imaginação
mostra-se
uma
atividade precursora
da c i ~ n c i e da técnica.
Neste sentido, não estariam
os
contos
de
fadas con
templando
todos
estes obj et'ivos delineados pela pré-escola,
cumprindo
o papel de "alimentar" a criança
nos seus
aspec -
tos
cognitivos, afet ivo e social?
Desse
modo os
contos
de
fadas
representariam um
excelente
meio de
"iniciação".
Algumas t r ibos
se
uti l izam
e aLIOT
~ G E 1 1 U O V ~
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 113/121
101
de r i tuais a
nossa
sociedade poderia ut i l izar os
contos
de
fadas
para
preparar
a
criança para um
futuro o
qual
ele
e ~
conhece.
Esta
iniciação
seria
mais adequada
entre
os dois
e
seis anos mais
ou menos, pois é a
fase
em que
ela pensa
e
sente
através
de
imagens,
e não de
conceitos. m torno dos
seis anos,
a
criança entra numa
fase
rea l i s ta rerdendo um
pouco o interesse pelos
contos
de fadas, pois estes já nao
lhe fornecem mais subsfdios que venham
auxi l iá- la
nas
suas
operações
lógicas .
Dizemos também
iniciação ,
pois
re
lendo
as observações de Gianni Rodari(1982) sobre a
narrat i
va dos
contos
de fadas, o autor ressal ta
as
colocações de
Vladimir
Propp, que deduz que o
conto
de
fadas
passou a
exis
t i r como
ta l
quando o r i to antigo desapareceu, permanecendo
então
em forma de
narrat iva.
Forma de narra t iva esta que vem sendo imitada e adaE.
tada nos dias de hoje através dos desenhos animados da TV,
com a diferença de que o espectador, no caso a criança, re
cebe
estas
imagens passivamente, nao as cr ia . Adquire tam
bém
uma dimensão nova através do cinema desde as
adaptações
simplistas
de Walt Disney, como aquelas que procuram retra
tá-las de forma mais poética e imaginativa
como
Histórais
sem
Fim ,
Cristal Encantado entre
outras,
sem esquecer
dos recursos audiovisuais que decoram
algumas
produções
de
Steven Spielberg
como
E. T . : o
Extra-Terrestre ,
o O
Enigma
da Pirâmide , etc .
Percebe-se
que os
vefculos de comunicação sao di
ferentes. Mas sem querer invalidar ou qual i f icar um ou -
tro, a narrat iva ocupava o
espaço
de promover uma maior r i -
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 114/121
102
queza
em
termos
de a criança
ser
o
"produtor"
destas ima-
gens
que
os
contos produzem. Ela te r ia
uma
liberdade
maior
de
criá- las
ou
projetá- las
de
acordo
com
seus
interesses
e
necessidades mais íntimas. Além disso, propiciaria um con-
ta to
direto e
vivo com
o narrador,
que
poderia
ser
a miE, o
pai ,
o professor , enfim pessoas que estariam por perto e
te
riam
maiores chances
de perceber e
acompanhar todos os
efe i
tos
que
estas narrat ivas produziriam, tanto
do ponto de
v ~
ta
emocional,
como do
cognit ivo-social ,
além
de
proporcio
-
nar
um momento
onde
o
apoio,
a
segurança
e a
t roca poderiam
acontecer.
Quanto
ao narrador, selecionando também aquelas
histór ias as quais
ele
também t ivesse
prazer
em re la ta r s ~
r ia imprescindível que
ele
também est ivesse
envolvido,
dan
do voz
ã
imagem
a l i presente,
evitando dar
ã
sua
i n t r p r t ~
çâo excessiva modulaçio
de
voz,
tom
dramático ou gestos ca
regados
que
poderiam
vir
também a
influenciar os sentimen
-
tos e
reações das crianças.
o importante é contar
as
his tór ias
de forma t ran-
qüila ,
objet iva,
impessoal,
para
que
seja
proporcionado
-
criança um clima de segurança, que lhe
propicia
mergulhar mais
no assunto. Além
disso,
quando se usa uma
voz
diferente , . a
criança pode f icar
com
medo e estranhar o adulto
que
es tá
contando, já
que
aquela voz impostada é
diferente
da sua voz
natural .
a iminência
de
f ina l izar
este trabalho, gostaría
mos ainda de "amarrar" alguns
pontos que
foram relatados até
então.
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 115/121
103
A
nossa
proposta, através deste estudo, é conhe -
cer um pouco mais a origem
dos
contos, a sua relação
com
a
cultura
pagã,
que
mesmo
após
as
influências
e
deformações
do
catolicismo
na
Idade Média,
sobreviveu
e
continuou re t ra
tando
simbolicamente
elementos rel igiosos e cul tura is de é ~
cas remotas, como
os
r i tua is
in iciát icos presentes
nas
eta
pas ou tarefas que o herói t e r ia que cumprir e superar e urna .
relação
ainda
de comunhão e respeito
aos
seres da natureza
cultuados
como
deuses nas
re l igiões di tas
pagãs).
A tradição
oral ,
além de
const i tu i r um
elemento
aglutinador
dos
grupos
sociais através
das pessoas que
se
reuniram em torno
do contador de
his tor ias , adquiriu forma
através dos vários compiladores como Perrault ,
os Grimm,An
dersen
e
Cascudo
no
Brasil , que, entre
outros,
ajudaram
a
difundir
e
ins t i tu i r
a
l i t e ra tura
in fant i l ,
onde os
contos
de
fadas
têm o seu legado
na
cultura popular .
.
s açoes
narradas
referem-se
a
uma situação
que é
concebida tanto
no
plano
imaginário
como
no
real ,
pois nos
aproxima
da problemática profunda
que
se
faz
presente,da re
lação por vezes confli tuosa
entre
desejo
e
realidade, ins
-
t into
e
cultura,
razão e emoçao.
Neste sentido, a situação imaginária no brinquedo
tem
continuidade
também
nos contos
de fadas, e é
através
da
experimentação da
linguagem simbólica que também
poss ib i i i -
ta
ã criança
exercitar os
l imites entre
real e
imaginário.
Os
contos
de
fadas
favorecem
a
representação
e a
identificação, também
por via
do herói, das
tendências
afe
t ivas a l i sintonizadas.
Concomitantemente
a
i s to ,
oferecem
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 116/121
104
soluções
ou caminhos para que
estas
mesmas situações
confl i
tantes
possam
te r
um
desfecho fe l iz
dando ã criança também
um
noção
de que
situações
expostas
ao
perigo
podem
vir
a
ser
coroadas
de êxito. Esta
última alternativa
torna-se tam
bém
interessante
do ponto de
vista
psicológico, já que
cr ia
r ia um
clima de
segurança,
pois a
histór ia f inal iza-se
de
forma
t a l
que não
estariam presentes
o
fracasso
e o maIo -
gro, fatores estes que
poderiam
gerar um
certa
ansiedade e
desestímulo
frepte
a
situações
confli tantes,
caracter izadas
por
um
nível de
exigência
maior.
E
por fim,
f ica
evidenciada
também a sua vocaçao
pedagógica, pois além de
se adaptarem perfeitamente ã fase
pré-conceitual, em
que
basicamente se encontra a criança em
idade pré-escolar ,
alimentam
a
construção
do "espaço repre-
sentativo"
fundamental
nesta fase ainda
marcada
pelo pensa
mentoegocêntrico (essencialmente sustentada
por imagens),
onde a linguagem
simbólica,
ao suplantar a lógica,
expressa
mais eficazmente a experiência pessoal e as
representações
que a
criança
faz
acerca
do mundo ã
sua volta .
-
roporcionar a criança o acesso aos contos de
fa-
das, se escolhidos
com
discernimento, é
pB-Ia
a serviço
da
longa e árdua tarefa que é a
maturação.
E preenchendo-a com
imagens simbólicas que lhe daremos a oportunidade
de
reorg
nizar , tanto no plano subjetivo
como
no objet ivo, as sUas
vivências,
assim como
lhe
ofereceremos instrumentos valiosos
na produção de idéias criat ivas e na construção de histórias.
Por
todos
estes motivos e considerações, procura
mos demonstrar a importância de se invest i r no contato das
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 117/121
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 118/121
BIBLIOGRAFIA
BETTELHEIM Bruno. A p ~ i e a n ã l i ~ e d o ~ e o n t o ~ de n a d a ~ . Rio
de Janeiro Paz e Terra 1988.
CADEMARTORI Lígia.
O que
e
i t e ~ a t u ~ a innantil? são Pau
lo Brasil iense
1987.
CASCUDO Luís da Câmara. C o n t o ~ t ~ a d i e i o n a i ~ do B ~ a ~ i l .
Belo Horizonte: I ta t ia ia São Paulo: Editora da Univer
sidade
de são Paulo 1986.
------o V i e i o n ã ~ i o do n o l e l o ~ e b ~ a ~ i l e i ~ o . Belo Horizonte:
I ta t ia ia
são Paulo:
Editora
da Universidade
de São
Pau
10 1988.
CASSIRER Ernest.
A n t ~ o p o l o g i a
n i l o ~ õ n i e a . São Paulo
Mes
t re Jou 1977.
------o Linguagem e
mito
São
Paulo
Perspectiva
1985.
CHEVALIER
Jean
CHEERBRANNT
Alain. V i e i o n ã ~ i o de
5 mbo
l o ~ .
Rio de Janeiro
José
Olympio Editora
1990.
CIRLOT Jean-Eduardo.
V i e i o n ã ~ i o
de
5 2 m b o l o ~
São Paulo
Moraes 1984.
COELHO
Nelly
Novaes. O
eonto
de n a d a ~ . São Paulo
Ática
1987.
------o
P a n o ~ a m a h i ~ t õ ~ i e o da l i t e ~ a t u ~ a innanti l juvenil
São Paulo
Quiron 1985.
DIECKMANN Hans. C o n t o ~ de n a d a ~ v i v i d o ~ . São Paulo Pau
l inas 1986.
DIEL, Paul. P ~ i e a n ã l i ~ e de la divindade México Fondo de
Cultura
Econ6mica
1 9 5 9 ~
DURAND
Gi 1
bert .
A
imaginaç ã o
~ i m b õ l i e a . são
Paulo Cultrix
e Universidade de São Paulo
s d
ELIADE
Mircea.
Mito e
~ e a l i d a d e
São
Paulo
Perspectiva
1972.
FURTH Hans
G. Piaget na
~ a l a de
aula
São Paulo Summus,
1980.
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 119/121
107
GRIMM Jacob. Chapeú.zinho VeltmeR.ho e outltO.6 c.ontO.6 de
GJtimm
Seleção e tradução de Ana
Maria
Machado Rio de Janei
ro, Nova
Fronteira, 1986.
------o
0.6
c.onto.6
de
Gltimm
são
Paulo,
Pau1inas,
1989.
HELD J
acque
1ine. imaginãltio
no
podelt.
São
Paulo Summus
1980.
HILLMAN
James.
E.6tudo.6 de p.6ic.oR.ogia
altquetZpic.a.
Rio de
Janeiro, Achiamé,
1981.
HILTY
Elisa. Wege zum
Ma.ltc.hen Eina.ugR.ein Zwe.LattgR.ein
VlteiaugR.ein. Bern, Zytg10gge
Ver1ag,
1988.
JACOBI
Jo1ande. CompR.exo altquétipo .6ZmboR.o na p.6ic.oR.o-
gia de C. G.
Jung.
São
Paulo,
Cu1trix, s d
JESUALDO A R.iteltatulta in6antiR.. São Paulo, Cu1trix, s .d .
JUNG
C.G.
A eneltgia p.6Zquic.a.
Petrópol is ,
Vozes,
1983.
------o
Aion
e.6tudo.6 .6oblte o
.6imboR.i.6mo do
Si-Me.6mo.
Pe-
trópo1is,
Vozes, 1982.
------o
Concepção
e
organização)
e
colaboradores.
O
ho-
mem e 6eu 6 .6ZmboR.o.6. Rio de Janeiro, Nova Fronteira,
s.d.
PIAGET
Jean.
6oltmaç.ão do .6ZmboR.o na c.ltia.nç.a.. Rio de Janei
ro, Zahar, 1 9 7 8 ~
------o
A
lteplte.6enta.ção
do
mundo na c.ltianç.a. Rio de Janei
ro,
Record, 1978Q.
------o
PltobR.ema..6
de
p.óic.oR.ogia.
genétic.a.
Rio
de
Janeiro,
Forense, 1973.
PROPP
V.I. Molt6oR.ogia.
do
c.onto ma.lta.viR.ho.6o. Rio de Janei
ro, Forense
Universitár ia , 1984.
RICOEUR Paul. Va. inteltpJte·tação-en.6a.io .6obJte FJteud. Rio
de Janeiro, Imago
1977.
ROCHA
Ruth.
Conto.6 de PeJtJtauR.t. Rio de
Janeiro,José
O l y ~
pio,
1988.
RODARI Gianni. GJta.mãtic.a da 6a.nta.6ia. São
Paulo,
Summus
1982.
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 120/121
108
SAMUELS Andrew. Jung e ~ p õ ~ - j u n g u i a n o ~ . Rio de Janeiro
Imago, 1989.
SAMUELS Andrew; SHORTER Bani; PLAUT F r e d V i c i o n ã ~ i o
c ~ l t i c o
de
a n ã l i ~ e
junguiana.
Rio de
Janeiro
Imago,
1988.
SANFORD John
A. Mal, o lado
~ o m b ~ i o d
~ e a l i d a d e . São
Paulo Pau1inas 1988.
SEGAL Hanna. I n t ~ o d u ç ã o ã
o b ~ a de
Melanie Klein. Rio de
Janeiro
Imago, 1975.
SILVEIRA, Nise da.
Jung vida
e
o b ~ a .
Rio de
Janeiro Jo
sé
Álvaro
Editor
/ Paz e
Terra
1975.
VARMA Ved
P. WILLIAMS Phil l ip .
Piaget p ~ i c o l o g i a e
educação. são Paulo Cultr ix 1980.
VO FRANZ Marie Louise. A i n t e ~ p ~ e t a ç ã o d o ~ c o n t o ~ de 6 ~
d a ~ . Rio de
Janeiro Achiamé
1981.
------o
A individuação d o ~ c o n t o ~ de 6 a d a ~ . São P a u 1 0 , P a ~
l inas 1985a.
------o
A
~ o m b ~ a
e o mal n o ~ c o n t o ~ de 6 a d a ~ . São Paulo
Pau1inas 1 9 8 5 ~ .
------o
O
~ i g n i 6 i c a d o p ~ i c o l õ g i c o d o ~ m o t i v o ~
de
~ e d e n ç ã o
n o ~
c o n t o ~ de
6 a d a ~ . são
Paulo Cu1trix
1986.
PUBLICAÇOES:
Boletim
Informativo da Fundação Nacional do Livro
Infan
t l e
Juvenil:
200 a n o ~ d o ~ I ~ m ã o ~ G ~ i m m , Rio
de
Ja
neiro
1987.
7/25/2019 000055319
http://slidepdf.com/reader/full/000055319 121/121
Dissertação
apresentada aos
Srs :
ome dos
Componentes da
ar1a uC1a o 1ra o 1 va
banca
examinadora
Visto
e
permitida
a
impressão
Rio de
Janeiro
07
12
1990