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    A DEUSA COMPE UM MITO: O JOVEM ODISSEUEM BUSCA DE VENENO (ODISSEIAI, 255-68)

    Christian Werner*Universidade de So Paulo

    ABSTRACT: This paper explores the inter- and extradiegeticalfunctions of a story about Odysseus narrated by Athena to Telemachosin Odyssey1, 255-68. It is argued that the representation of Odysseusin search of poison for his arrows need not to be thought first andforemost as a non-Homeric element or a morally disturbing action,for it may be analyzed by means of epic themes (specially by themtis-megatheme) explored not only in the Odysseybut in theIliadas

    well. Besides, this story anticipates and condenses the plot of thepoem.

    KEYWORDS: Odyssey;Iliad; theme; myth; archer.

    travs de um longo discurso no incio da Odisseia (Od. I, 253-305),1

    Atena, disfarada do tfio Mentes, finalmente consegue fazer Telmacodeixar de lado sua inrcia e ceticismo, gerados pela ausncia do pai, epassar a agir de forma intermitente e nem sempre muito decidida,

    verdade como dono de sua propriedade e legtimo representante desua gloriosa linhagem.2 Fundamental como elemento persuasivo e

    * [email protected] textos gregos daIladae da Odisseia (doravante abreviados porIl. e Od.) citadosso os seguintes:Homeri Odyssea. Recognovit Helmut van Thiel. Hildesheim: Olms,1991, eHomeri Ilias. Iterum recognovit Helmut van Thiel. Hildesheim: Olms,2010. Todas as tradues, dessas e de outras obras em lngua estrangeira, so minhas.Os trechos traduzidos da Odisseiafazem parte da minha traduo completa dopoema, ainda indita.

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    motivador a histria atravs da qual Atena/ Mentes conta comoOdisseu, em um passado distante, conseguiu obter veneno para suasflechas combinao singular nos poemas homricos de se pai:

    Ah! Se de volta casa, nas portas da frente,estivesse com elmo, escudo e duas lanas,tal como eu pela primeira vez o mirei,em nossa casa bebendo e deleitando-se,

    voltando de fira, de junto de Ilo, filho de Mermero,pois foi tambm at l sobre nau veloz, Odisseu,em busca de poo homicida para com elauntar flechas ponta-brnzea. Mas aquele no lhadeu, pois temia indignar os deuses sempre vivos;mas meu pai lha deu, pois o amava por demais.

    Assim encontrasse os pretendentes Odisseu;todos seriam destino-veloz e bodas-amargas. (Od. I, 255-266)3

    Vrios crticos, de forma mais ou menos escandalizada, rejeitaramessa histria como imprpria do heri homrico, vale dizer, pico. Arepresentao de Odisseu conteria resqucios da figura de umarquitrickster, herana autlica que o(s) autor(es) daIladae da Odisseia

    2Para discutir com mais preciso de que forma Atena, atravs dessa fala, consegue umamudana de postura por parte de Telmaco, seria necessrio examinar todo o dilogoentre a deusa e o jovem, o que fiz em outro texto, apresentado numa primeira

    verso como conferncia e a ser publicado sob o ttulo A presena do ausente: aperformance do kleosno canto I da Odisseia.3No entrarei na questo sobre a veracidade ou no da histria: para alguns, trata-se obviamente de uma mentira (cf. Louden, B. The Odyssey.Structure, narration andmeaning. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1999, p. 26) ou lembrana fictcia(cf. Danek, G.Epos und Zitat.Studien zu den Quellen der Odyssee. Wien: sterreichischen

    Akademie der Wissenschaften, 1998. p. 56-57), ao passo que, para outros, no hnenhuma razo para consider-la uma inveno (cf. de Jong, I. J. F.A narratologicalCommentary on the Odyssey. Cambridge: University Press, 2001, p. 32). Mais cuidadosa West, S. Books i-iv. In:Hainsworth, J. B.; Heubeck, A.; ______. (Org.).A Commentaryon Homers Odyssey. Oxford: University Press, 1988. v. I, p. 107; a autora apresenta amesma oposio, mas no toma partido. Rter, K.Odysseeinterpretationen.Untersuchungen

    zum ersten Buch und zur Phaiakis. Editado por K. Matthiessen. Gttingen: Vandenhoeck& Ruprecht, 1969, p. 155-56, separa as duas escalas do roteiro de Odisseu em duashistrias: a de fira, a transmitida pela tradio, e a de Anqualo, a nova, inventada(de forma semelhante, Danek, op. cit., p. 112). O estrato antigo, conhecido pelo pblico,legitimaria o novo.

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    teria(m) sido maximamente zeloso(s) em purgar, ou ento que o autorda Odisseia usaria para criar um chiaroscuro que destacaria o problemamoral da vingana de Odisseu ou a oposio entre dois modos depensamento ou ao, s um deles pico-heroico.4 Embora alguns crticosreconheam que a histria prefigure, de forma mais ou menos enftica,a vingana contra os pretendentes (funo extradiegtica)5e, alm disso,contenha um modelo de ao para Telmaco, mais particularmente, asugesto de que s atravs de um ardil poder-se-ia vencer um bandoto numeroso (funo intradiegtica),6mesmo esses crticos comumentecolocam um suposto problema moral no centro da histria.7Assim, o

    que farei aqui colocar em questo a moralizao dessa histria atravs(1) da discusso do tipo de discurso que ela implica e (2) e (3) da anlisedos temas picos que ela pressupe.8

    4Cf., por exemplo, Merkelbach, R. Untersuchungen zur Odyssee. 2. ed. Mnchen:Beck, 1969, p. 122-123, e Dirlmeier, F.Die Giftpfeile des Odysseus. Heidelberg: Carl

    Winter, 1966 (com quem concorda Hlscher, U.Die Odyssee.Epos zwischen Mrchenund Roman. Mnchen: C. H. Beck, 1988, p. 71-73). Clay , J. S. Odyssean animadversions.In: Montanari, F. (Org.). Omero tremila anni dopo. Roma: Edizioni di Storia e

    Letteratura, retoma sua interpretao de ______.The wrath of Athena.Gods and men inthe Odyssey. Lanham: Rowman & Littlefield, 1997, p. 71-72, defendendo que o poetada Odisseiaquis manter a duplicidade de Odisseu: a Odisseiaapresenta dois Odisseusnuma tenso incompletamente resolvida. A verso sombria de Odisseu no apagada;a meno de Atena/ Mentes a meu pai nos faria perguntar que Zeus esse. Nadanos garante que o poeta no queira manter as duas imagens de Odisseu na nossafrente. Danek, op. cit., p. 56, prope que a histria revela uma oposio entre duastticas: a ao no-heroica e desleal, provavelmente presente em outras versesda vingana contra os pretendentes, e o combate heroico. Por fim, West, op. cit., p.107, menciona a piedade de Odisseu (reiterada ao longo do poema) como emoposio ao relatado na histria.5Cf. Louden, op. cit., p. 16; de Jong, op. cit., p. 32-33; e Danek, op. cit., p. 56-57.6

    Cf. van Thiel, H. Odysseen. Basel: Schwabe, 1988, p. 42.7Cf., por exemplo, formulao de Dimock, G.E. The unity of the Odyssey. Amherst:University of Massachusetts Press, 1989, p. 18.8Uso tema (e o adjetivo derivado) da forma como o define e discute Lord, A. B.The singer of tales. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1960; o conceito foiaperfeioado por John M. Foley em vrios livros e artigos, e utilizado na anlisede um livro importante para este artigo: Du, C.; Abbott, M. Iliad 10 and the poeticsof ambush.A multitext edition with essays and Commentary.Hellenic Studies 39. WashingtonD.C.: Center for Hellenic Studies, 2010.

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    Antes de discutir qual o sentido dessa breve histria, necessriocontextualiz-la brevemente no discurso em que se encontra embutida,ou melhor, na polmica em torno desse discurso que, durante muitotempo, esteve no centro da discusso filolgica envolvendo a Odisseia.9

    Se considerarmos que a filologia alem moderna iniciou com apublicao de um livro sobre Homero (Prolegomena ad Homerum, publicadopor Friedrich A. Wolf em 1795), poucas dcadas se passaram antes que aOdisseiacomeasse a ser dissecada de uma forma que se tornou bastanteprofcua durante pelo menos um sculo. Em especial a partir de AdolfKirchhoff e seu livro de 1859 (Die Homerische Odyssee), problematizou-se

    a relao entre o canto I e um suposto poema independente que antecederianossa Odisseia e que passou a ser nomeado pela crtica (chamadaanaltica ou simplesmente Anlise) como a Telemaquia, cujo ncleoseriam os cantos (I e) II a IV (e a primeira parte do canto XV).10 Oproblema central da Odisseia passou a ser a relao entre a viagem deTelmaco e o retorno de Odisseu.

    Para parte da crtica que seguiu essa linha de interpretao, oresponsvel pela verso unificada da Odisseiateria, de forma canhestra,composto o canto I como uma introduo unio entre, de um lado, asaventuras de Telmaco e, de outro, o retorno e a vingana de Odisseu.O fato de tal discusso ter sido deslocada pelos pressupostos da teoria

    oral de Milman Parry, Albert B. Lord e seus seguidores, de um lado, epelas tentativas de interpretao dos poemas como unidades literrias(os unitrios) no elimina, por completo, a relevncia dos vrios problemasassinalados por quatro ou cinco geraes da Anlise. Basta ter em vista,por exemplo, que mesmo o grande homerista (unitrio no que diz respeitoIlada) Wolfgand Schadewaldt ainda acreditava, para a Odisseia, num poemaindependente narrando as aventuras de Telmaco.11

    11111 AinosAinosAinosAinosAinos,,,,, mythosmythosmythosmythosmythos e o discurso de Atenae o discurso de Atenae o discurso de Atenae o discurso de Atenae o discurso de Atena

    Embora no nos seja indicado que tipo de discurso a histria contada

    por Atena, podemos defini-lo a partir das vrias expresses usadas na

    9Cf., por ex., Rter, op. cit.10O primeiro a propor a existncia de um poema independente sobre Telmacoque poderamos identificar na nossa Odisseiafoi Johann G. J. Hermann em Deinterpolationibus Homeri dissertatio(1832); cf. Rter, op. cit., p. 18.11Para um resumo da histria das interpretaes, cf. Rter, op. cit., p. 13-25.

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    poesia homrica referentes a prticas discursivas e poticas que, diretaou indiretamente, so associadas prpria narrativa ou aos seus limitesem relao a outros tipos de discurso. Algumas delas so aoid(canto),klos(glria, fama), kla andrn (aes gloriosas dos homens), phme(prenncio),phmis (dito, boato), mthos (discurso, histria), pos(fala),anos (histria) essa(boato, notcia),12expresses cuja traduono d conta, vale notar, da especificidade semntica do original.

    Na poesia homrica, o anos(Il. XXXIII, 652 e 795; Od. XIV, 508;XXI, 110) refere-se a um modo de discurso que envolve um elogio.13

    Ao mesmo tempo, como o caso em duas passagens (Il. XXIII, 652;

    Od. XIV, 508),14

    pode conter uma mensagem que no explicita, masest embutida em uma histria, e, portanto, deve ser decifrada pelointerlocutor, podendo ou no ser explicitada pelo falante. Do ponto de

    vista da dico homrica, trata-se, na verdade, de um tipo de mthos, oqual foi assim definido por Richard Martin: Mthos , em Homero,um ato de fala que indica autoridade, cuja performance detalhada,geralmente em pblico, com um foco na ateno total a cada detalhe.15

    12Cf. Martin, R. P. The language of heroes.Speech and performance in the Iliad. Ithaca:Cornell University Press, 1989; Ford, A.Homer: the poetry of the past. Ithaca: Cornell

    University Press, 1992; Bakker, E. Polyphemos. Colby Quarterly. Waterville, n.XXXVIII, p. 135-50, 2002. Cf. tambm, de minha autoria, o artigo mencionadosupra, n. 2, e o artigo Reputao e pressgio na assembleia homrica:polphemosemOdisseia2, 150, submetido a publicao em 2010.13Acerca da potica doanos(na poesia hexamtrica, elegaca e mlica), cf. Nagy, G.The best of the Achaeans. Concepts of the hero in archaic Greek poetry. Baltimore: JohnsHopkins University Press, 1979, p. 222-241.14Em Od.XXI, 110, embora o sentido deanospossa ser o de elogio [cf. H.-J.Mette em Snell, B. (Begrnder). Lexikon des frhgriechischen Epos. Gttingen:

    Vandenhoeck & Ruprecht, 1979. Vol. I, col. 324], o prprio Telmaco que usa otermo ao se referir ao que acabara de dizer sobre Penlope, e ele o faz em um discursoextremamente elusivo; cf. Halliwell, S. Greek laughter.A study of cultural psychology from Homer

    to early christianity. Cambridge: University Press, 2008, p. 96-97.15Cf. Martin, op. cit., p. 12. Em referncia Il.XXIII, 624-52, o narrador introduz afala de Nestor como palavras aladas (ou plumadas) (pea pterenta, v. 625), a recorrenteexpresso homrica que, segundo Martin, op. cit., p. 27-37, sinnima de mthos.

    Aps a fala de Nestor, porm, o narrador denomina seu discursoanos, mas ele o fazatravs da percepo de Aquiles por meio de um imperfeito focalizante: Assim falou;e o filho de Peleu atravessou a espessa multido de aqueus aps ouvir toda a histria(anon epklue) do filho de Neleu (v. 651-652). Acerca do focalizing imperfect,cf. Rijksbaron, A. Discourse cohesion in the proem of Hesiods Theogony. In:

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    Tais caractersticas de um anos tambm se revelam na polissemiade um epteto de Odisseu, polainos, que os lxicos costumam glosarpor muito elogiado, de grande fama e com muitas palavras, queconhece muitas histrias.16 justamente para explorar esse duplocarter do termo, que diz respeito a um discurso que, ao mesmo tempo,contm elogios e/ ou histrias com um carter encomistico, discursoesse que depende, para se efetivar por completo, da correta interpretaopor parte dos ouvintes,17que ser examinada a histria narrada de formasucinta a Telmaco por Atena.

    Aps a assembleia de deuses que inicia a ao propriamente dita

    do poema (Od. I, 26-95), Atena vai a taca disfarada do tfio Mentes,um antigo xnios, ou seja, um aliado por laos de hospitalidade, deOdisseu (v. 96-181). Nessa cena-tpica de visita,18pondo em prtica oque foi deliberado no Olimpo, a deusa convence Telmaco, o filho doheri, a proceder a uma viagem em busca de notcias do pai, o que irperfazer os eventos narrados nos cantos I a IV e o incio do canto XV. 19

    Para convencer Telmaco a empreender tal viagem, Atena/ Mentesprecisa desenvolver um longo exerccio de persuaso (Od. 1, 182-324),

    j que o jovem est longe de acreditar que o pai esteja vivo e retornara taca, e tudo o que parece acerca dele ter ouvido est em notriocontraste com o que ele mesmo sofre no presente, ao ver sua propriedade

    ser dilapidada pelos mais de cem jovens pretendentes de sua me. Nessemomento da histria, portanto, a postura de Telmaco marcada pela

    Bakker, S.; Wakker, G. (Org.).Discourse cohesion in ancient Greek. Leiden/ Boston:Brill, 2009, p. 245-47. Assim, essa passagem sugere que oanos, assim como a prece, olamento, a splica, o comando, o insulto e a narrao de memria um gnero verbalcom fundamento social (cf. Martin, op. cit., p. 44). Compare tambmIl.XXIII, 786 (onarrador chama o discurso de Antloco de mthos) e o v. 795 (Aquiles refere-se aomesmo discurso como umanos).16Cf. G. Markwald em Snell, B. (Begrnder). Lexikon des frhgriechischen Epos.Gttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 2004. Vol. III, col. 1381.17Cf. Nagy, G.Pindars Homer.The lyric possession of an epic past. London/ Baltimore:

    Johns Hopkins University Press, 1990, p. 148.18Sobre tal cena-tpica, cf. Reece , S. The strangers welcome.Oral theory and the aestheticsof Homeric hospitality scene. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1993, e de Jong,op. cit., p. 17-18.19Para alguns crticos (por ex., Louden, op. cit., p. 25-28 e 101), a visita de Atenaprefigura o papel de Odisseu em taca na segunda metade do poema, ambas sendo

    variaes de uma teoxenia.

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    passividade, e dela que Atena precisa tir-lo. Para isso, ela no apenaslhe diz o que poderia fazer, mas usa diversas imagens e relatos queevidenciam como ele poderia agir, imagens e relatos que reiteram aautoridade que a deusa exerce naquele momento sobre o mortal e que consubstanciada no seu discurso. Essa autoridade no s explicitadaquando a prpria Atena denomina sua fala mthoi (v. 271), mas tambmquando Telmaco a compara a uma figura paterna (v. 308). Alm disso,autoridade semelhante quela que, atravs de seu discurso, Atena-como-pai exerce sobre Telmaco-como-filho ela quer que o jovem, tambmpor meio de um mthos (v. 273), demonstre, no dia seguinte, sobre a

    assembleia de itacenses, ou seja, na ausncia de Odisseu e,consequentemente, de uma figura com poder de rei em taca (v. 400-1) Telmaco que dever se comportar com a autoridade de um rei-paidiante dos seus concidados:

    Vamos agora, ouve e atenta a meu discurso:amanh, aps convocar gora os heris aqueus,discurso enuncia a todos, e que deuses o testemunhem.(...)Mas eu nau veloz descerei agora,at os companheiros, que, impacientes, me aguardam;que a ti isso ocupe, e atenta a meu discurso. (Od. I, 271-73+303-5)

    22222 O arqueiroO arqueiroO arqueiroO arqueiroO arqueiro

    Voltando histria da busca do veneno, comecemos pelo que elatraz de aparentemente estranho. Em primeiro lugar, tem-se acombinao, na imagem de Odisseu construda pela deusa, das armasdo guerreiro (proto-)hoplita, de um lado, com o arco, de outro. 20Essa

    juno, embora no seja completamente inusitada em Homero,21chamaa ateno pela importncia (qualitativa mais que quantitativa: no somuitos os momentos em que Odisseu aparece como arqueiro por

    20Acerca dos modos de o heri homrico combater e da sua possvel relao coma realidade histrica, cf., por ex., van Wees, H. Homeric warfare. In: Morris, I.;Powell, B. (orgs.)A new Companion to Homer. Leiden: Brill, 1997. Outro heri quecombina os dois modos de armar-se Pris (Il. III, 15-18).21Cf. Papadopoulou, T.Heracles and Euripidean tragedy. Cambridge: University Press,2005, p. 142, e Stoevesandt, M.Homer Ilias: Gesamtkommentar.Band IV:Sechster Gesang.

    Faszikel 2:Kommentar. Berlin: Walter de Gruyter, 2008, p. 19-20.

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    excelncia, mas eles so bastante significativos) dada na Odisseia habilidade de Odisseu com o arco em contraposio caracterizao doheri naIlada, onde nenhuma meno direta dessa habilidade ocorre.22

    Podemos nos perguntar, portanto, por que, se levarmos em conta ambosos poemas, Odisseu deixou seu arco em casa, sendo ele to potentearqueiro e seu arco, to especial.

    A anedota de Odisseu no ocupou a Anlise de modo to obsessivoquanto o restante do discurso de Atena.23Um crtico que a examinoucom certa simpatia foi Reinhold Merkelbach, autor de um dos modelosmais complexos do poema. Grosso modo, ele props um poema da

    vingana (R, de Rachegedicht, composto pelo Homero legtimo, bementendido), no qual Odisseu utilizaria apenas o arco para se livrar dospretendentes.24Esse poema seria mais antigo (que o poema A, no qualas armas hoplticas teriam sido introduzidas na vingana), refletindouma poca histrica na qual at mesmo flechas envenenadas norepresentariam uma falha moral.

    Uma resposta a essa leitura em camadas foi dada por Franz Dirlmeier,para quem o uso do arco e, em especial, a meno de flechas envenenadas,remeteria a um Odisseu pr-homrico, qui pr-grego, que estariapresente na nossa Odisseia graas ao modus operandi do poeta (comformao) oral, que simplesmente incorporaria material tradicional, sem

    se preocupar demasiadamente at que ponto esse material se adequaria

    22A exceo Il. X, 260: no meio da noite, os chefes aqueus decidem enviar umamisso at o acampamento troiano e Odisseu, desarmado e longe da sua cabana,recebe as armas de Merones; entre elas, um arco. Mesmo se levarmos em contaque Merones , mais de uma vez, apresentado como arqueiro (cf. Hainsworth, J.B. The Iliad:a Commentary. Vol. 3: Books 9-12. Cambridge: University Press, 1993,p. 179), isso no elimina necessariamente a evocao de um provvel tema tradicional,qual seja, a excelncia mpar de Odisseu na astcia, manifestada por meio de suahabilidade com o arco e, homologamente, na conduo de uma tocaia (cf. Danek,G. Studien zur Dolonie. Wien: sterreichischen Akademie der Wissenschaften, 1988,

    p. 218, n. 92, e Du e Ebbott, op. cit., p. 57). Quanto Odisseia, por um lado, Odisseumenciona que ningum, salvo Filoctetes, o superava no domnio do arco em Troia(Od. VIII, 219-21); por outro lado, -nos informado que seu notvel arco foi deixadoem taca (Od. XXI, 38-41). Dessa forma, indiretamente, a Odisseia, talvez mais que

    justificar por que to valiosa arma no foi perdida com tudo o que Odisseu trouxede Troia, assinala a sua singularidade em relao ao outro poema.23Isso ocorreu em razo de parte da crtica considerar a maior parte do canto Iderivativo, ou seja, composto por um mau poeta a partir dos cantos II-IV.24Cf. Merkelbach, op. cit., 122-123.

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    ao modo como constri sua histria e caracteriza sua personagem: aanedota comporia uma parte da biografia no-troiana, ilidico-aristocrtica de Odisseu.25Uma soluo como essa, porm, exemplificaa concluso de Jean Bollack ao equiparar a Anlise e (eu acrescentaria:certas faces d)a Teoria Oral:26seja por meio de uma mera identificaodaquilo que permanece no texto por ser tradicional (Teoria Oral) sejapela operao de um mau poeta ou um editor incompetente (Anlise),o intrprete no forneceria, de fato, uma interpretao do texto.

    Um dos argumentos de Dirlmeier baseia-se no suposto estatutonegativo do arco em Homero, em especial, naIlada.27Todavia, a tentativa

    de isolar o arco das armas ou tticas supostamente nobres usadaspelos heris homricos, em especial, ilidicos, no convincente.28Aindaque deixssemos de lado ser o arco a arma de Apolo29 e do grande ainda que ambguo heri que Hracles,30 h vrias passagens na

    25Cf. Dirlmeier, op. cit., p. 19-22.26Cf. Bollack, J. Ulysse chez les philologues. In:La Grce de personne. Paris: Seuil,1997, p. 56-59.27Cf. Dirlmeier, op. cit., p. 8-12.28Assim como o arco, a tocaia (lkhos) ou seja, o ataque de surpresa, quando se usa

    algum tipo de esconderijo, o sangue frio fundamental e se faz necessriodeterminar-se o momento correto de agir (kairs) uma ttica relativamentepouco mencionada naIlada, mas de modo algum menosprezada ou rebaixada. Para

    Edwards, A. T.Achilles in the Odyssey. Knigstein: Hain, 1985, p. 26, aIlada tende aver o lkhoscomo uma estratgia empregada pelos fracos e covardes e a op-la aoheri singular, invencvel. O texto de Edwards contm algumas generalizaesque me parecem indevidas, como a de que a tocaia de importncia estratgicainferior batalha feita de p. Haft, A. J. The city-sacker Odysseus in Iliad 2 and10. Transactions of the American Philological Association. Baltimore, n.CXX, 1990, p. 56,n. 55, assinala que as concluses de Edwards acerca da tocaia naIladaso prejudicadaspor ele conferir nfase excessiva s tocaias mais negativas do poema. Para uma novainterpretao do valor da tocaia e, consequentemente, da arma tematicamente a elaassociada, o arco , cf. Du e Ebbott, op. cit.,passim(acerca do arco, especialmentep. 57-62), em especial, a crtica utilizao de expresses como no homrico ouno heroico no tratamento do tema e de seus subtemas.29Il.I, 45 e especialmente oHino Homrico a Apolo1-9 (em Richardson, N. Three

    Homeric hymns:to Apollo, Hermes, and Aphrodite. Cambridge: University Press, 2010,p. 37 e 81-83).30Mas ambivalente tambm Aquiles! Acerca da ambivalncia de Hracles, cf.Papadopoulou,op. cit., p. 5. NaIlada, no se menciona o arco de Hracles, heri quepertence gerao anterior quela dos que lutam em Troia (Il. V, 635-39).

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    Ilada que atestam que o uso do arco no intrinsecamente desonroso,31

    nem arcaizante nem tnico.32Por certo os heris mais varonis dopoema, como Aquiles, Diomedes, Odisseu e Ptroclo, do lado grego, eHeitor, Eneias e Sarpdon, do lado troiano, no o usam, o que, todavia,no desqualifica,a priori, a arma. Isso no significa desconsiderar que osprprios heris (de forma mais saliente que o narrador) louvem ocombate mano a mano em detrimento do combate distncia (umexemplo a fala de Diomedes no canto XI, mencionada abaixo). Boaparte dos intrpretes da Ilada, porm, defende que o poema conferemximo valor s conquistas obtidas pela fora e mnima quelas

    resultantes da astcia, com o que simplificam o texto.33

    Quanto ao lado troiano, para sublinhar a excelncia de Pndaro,diz-se que o heri ganhou seu arco de Apolo.34No acampamento aqueu,por sua vez, Teucro um grande arqueiro, e o valor dessa habilidadeno diminudo por usar outras armas.35Da mesma forma, flechadasdo troiano Pris e do grego Filoctetes sero importantes no desfecho

    31Como parece afirmar Mackie, H. Talking Trojan.Speech and community in the Iliad.Lanham: Rowman & Littlefield, 1996, p. 50: As descries de Pris e Pndarosnesses cantos (sc. V e XI) sugerem que combater com arco e flecha, da mesmaforma que fugir da lana de um inimigo, envolve evitar-se o combate mano amano. No h nada de intrinsecamente negativo no fato de um arqueiro esconder-se quando est atirando, j que a falta de uma armadura o torna particularmente

    vulnervel; cf. Stoevesandt, op. cit., p. 114.32Cf. Hunt, P. Military forces. In: Sabin, P.; van Wees, H.; Whitby, M. (Org.). TheCambridge history of Greek and Roman warfare. Cambridge: University Press, 2008. Vol.1, p. 121: Em Homero, vrios heris usam o arco, mas sua reputao era variada; idemStoevesandt, op. cit., p. 114. Mackie,op. cit., p. 51-53, nota que o modo furtivo de combateexemplificado pelo arqueiro mais comum entre troianos que aqueus.33Cf., por exemplo, a interveno dos deuses nas mortes de Ptroclo e Heitor, acorrida de carros no canto XXIII e a descrio do contingente de arqueiros deFiloctetes (Il. II, 719-20; acerca dessa passagem, cf. Latacz, J. et al.Homer Ilias:Gesamtkommentar.Band II:Zweiter Gesang. Faszikel 2:Kommentar. Mnchen: Saur, 2003,p. 233), para citar apenas algumas passagens que conferem outras nuances questo.Cf. tambm Du e Ebbott, op. cit.,passim, sobretudo p. 31-88: as autoras mostramque o arco e a tocaia fazem parte do megatema pico que a astcia.34Il. II, 827; algo semelhante dito de Teucro emIl. XV, 440.35Ao lutar com jax, ele lana suas flechas e, em seguida, se protege atrs do escudodo outro heri (Il. VIII, 266-72); a sincronia entre os dois destacada emIl. XII,387-89. Lembremo-nos, por fim, que a disputa com o arco faz parte dos jogos nofuneral de Ptroclo, ainda que seja a ltima prova (23, 850-83).

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    da guerra, o que no narrado na Ilada. A propsito, informa-se noCatlogo das Naus que o hbil manejo do arco no somente umacaracterstica de Filoctetes, mas de todo o seu contingente (Il. II, 718-20).

    Que o arco pode dar glria imortal a um heri, isso se depreendedo comentrio feito por Agammnon ao chamar um mdico para cuidarde Menelau, ferido pela flecha de Pndaro:

    Taltbio, convoca Macon o mais rpido possvel para c,o filho varonil de Asclpio, mdico impecvel,para que veja o guerreiro Menelau, filho de Atreu,

    pois com uma flecha o atingiu um bom conhecedor do arco,troiano ou lcio, e para esse h glria (klos), e para ns, aflio.(Il. IV, 193-97)36

    Por outro lado, a passagem onde mais claramente feita umacrtica ao uso do arco como arma no campo de batalha no canto XI, 37

    quando Diomedes atingido por Pris e censura seu inimigo:

    Arqueiro, ofensor, radiante com o corno, namorador,se tentasses o mano a mano com armas,no te protegeriam o arco e as flechas em massa;agora riscaste-me o tarso do p e te jactas assim.

    Ignoro-o, como se me atingisse mulher ou criana insensata;vo o projtil do varo covarde que no de nada.Diferente se vem de mim: embora toque por pouco,afiado o projtil, e de imediato deixa sem vida. (Il. XI, 385-92)

    Mesmo aqui, porm, no necessrio ler-se uma crtica genricaao arco, prpria de um suposto cdigo aristocrtico ou guerreiro. Nome parece que Pris seja criticado apenas, ou mesmo principalmente,

    36Essa passagem geralmente deixada de lado por aqueles que defendem uma

    inferioridade absoluta do arco. Para Dirlmeier, op. cit., p. 8, o acordo ser quebradopor meio de um arcoaponta para a baixeza da ao;contraDu e Ebbott, op. cit., p. 59-60.Para uma interpretao da passagem que aponta para a vileza da ao mas no domeio usado para ela cf. Rousseau, P. Lintrigue de Zeus.Europe. Paris, n. QXXXLXV,p. 132-37, 2001, que defende a homologia entre essa cena e a quebra dos laos dehospitalidade por parte de Pris quando de sua visita a Menelau em Esparta.37O termo iomroi, usado numa censura (Il. IV, 242), tem etimologia e sentidoincertos; cf. W. Beck em Snell, B. (Begrnder).Lexikon des frhgriechischen Epos.Gttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1991. Vol. 2, col. 1198.

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    pela sua ttica; o que Diomedes faz responder jactncia do outroheri (v. 380-383), de sorte que devemos levar em conta os protocolosdo gnero nekos(ofensa).38A crtica de Diomedes talvez seja tambmincitada pelo fato de Pris, que atirou de uma tocaia (v. 379), blasonarseu feito, quando a jactncia parece ser protocolo especfico do combateaberto entre dois guerreiros.39Assim, se levarmos em conta, comomostra Anthony T. Edwards,40que a emboscada geralmente no umato solo, mas executada por um grupo de elite, talvez possamos afirmarque Pris, inabilmente ou dando mostras do seu tipo de heroicidade,ou bem misture protocolos que normalmente esto separados ou bem

    os use mal.41

    Por fim, curioso que Diomedes deixe o campo de batalhapela ltima vez no poema fazendo aquilo de que Agammnon o acusano incio (Il. IV, 370-400), ou seja, falar demais. Tendo em vista, porm,que acabou de ferir Heitor, seu nekoscertamente no o desmerece.42

    Se naIlada, portanto, o arco no , em si, uma arma de covardes,na Odisseiaele o menos ainda. O que diferencia os poemas, porm, que o heri principalda Odisseia, Odisseu, na sua grande aristea, faz uso,primeiro, do arco, e depois das armas do hoplita. entrar em terrenoespeculativo sugerir-se que em outras verses da vingana do heri eleusaria somente uma ttica em detrimento da outra ou que a introduode uma ou outra (geralmente as armas hoplticas, por serem menos

    arcaicas que o arco) seria uma inveno do poeta da nossa Odisseia.Nem mesmo o fato de o nome de seu filho talvez apontar paro o usodo arco, j que Telmaco pode significar o que luta de longe, dirime aquesto, pois outra etimologia possvel o que luta longe, com o quese indicaria outro tema ligado a Odisseu, o nstosde quem esteve lutando

    38Acerca desse tipo de discurso na poesia pica, cf. Martin, op. cit., p. 66-77.39Embora Edwards, op. cit., p. 24 considere a bazfia apropriada, seu quadro sinpticosobre a tocaia nas pginas 96-97 revela que o motivo da censura como momentofinal de uma emboscada s aparece uma vez naIlada, justamente na cena em questo;na Odisseia,ele ocorre em 2 das 17 emboscadas representadas (em outras duas,porm, de forma implcita).40Cf. Edwards, op. cit., p. 23-24.41Para outras anomalias em relao jactncia de Pris, cf. Muellner, L. C. The meaningof Homeric eukhomai through its formulas. Innsbruck: Institut fr Sprachwissenschaft,1976, p. 89-91; para uma viso menos negativa de Pris, cf. Taplin, O.Homeric soundings.The shaping of the Iliad. Oxford: University Press, 1992, p. 164.42Para uma avaliao positiva desse eco, cf. Andersen, . The Diomedesgestalt in derIlias. Oslo: Universitetsvorlaget, 1978, p. 138.

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    em Troia e demorou dez anos para retornar para sua casa.43 Assim, aimagem guerreira de Odisseu composta por Atena no incio do poema,ao mesmo tempo, faz referncia ao modo como se dar a vingana contraos pretendentes de Penlope44e evoca materiais tradicionais conhecidospela audincia do poema.45

    33333 O venenoO venenoO venenoO venenoO veneno

    Resta discutir o veneno. Em primeiro lugar, nada indica que as

    flechas utilizadas por Odisseu na sua vingana contra os pretendentestivessem sido untadas com veneno. Assim, comecemos pelo eptetoque qualifica o veneno (phrmakon), homicida (androphnos), que, napoesia hexamtrica arcaica, s no usado para pessoas (ou deuses:sobretudo Heitor e Ares) na nossa passagem e no (pseudo-) hesidico

    Escudo, v. 420, para qualificar a lana de Hracles.46Alm disso, umveneno a ser usado por um heri para matar seus inimigos no temparalelo nos poemas homricos.47

    43Acerca dos nomes dos filhos que apontam para o herosmo do pai, e as possibilidadepara a etimologia de Telmaco, cf. von Kamptz, H. von.Homerische Personennamen.Sprachwissenschaftliche und historische Klassifikation. Gttingen: Vandenhoeck & Ruprecht,1982, p. 31-33; Nagy,op. cit., p. 146; e Peradotto, J.Man in the middle voice.Name andnarrative in the Odyssey. Princeton: University Press, 1990, p. 106-107.44Nesse caso, a imagem funcionaria ao modo de um duplo da vingana; acercadessa estrutura tpica da poesia oral hexamtrica, cf. Fenik, B. Studies in the Odyssey.

    Hermes Einzelschriften. Wiesbaden: Franz Steiner, v. XXX, 1974, p. 133-232, e Kelly, A.How to end an orally-derived epic poem? Transactions of the American Philological Association.Baltimore, n. CXXXVII, p. 371-402, 2007. Outro momento em que o modo da

    vingana aparece em uma escala menor durante a disputa com os jovens fecios.45Discordo, portanto, de Dirlmeier, op. cit., p. 9-10, para quem, mesmo na Odisseia,Odisseu um hoplita que basicamente no usa o arco; sua interpretao (p. 11-12)de Od. VIII, 214-33, porm, arbitrria, j que a funo da cena no apenas indicaro modo como ocorreria a vingana de Odisseu contra os pretendentes.46Cf. Hesiod. The shield;Catalogue of women;Other fragments. Edited and translated byGlenn W. Most. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 2007, p. 34.47H testemunhos literrios de Hracles usando o sangue da Hidra contra Gerio econtra os centauros, mas, nesse caso, trata-se de criaturas maravilhosas queultrapassam o universo marcadamente humano dos poemas homricos; cf. West,op. cit., p. 107.

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    H uma passagem na Ilada, porm, que talvez esteja ligadatematicamente ao trecho em questo. Nesse poema o herosmo de

    Aquiles e o de seu antagonista Heitor so amide apresentados comoselvagens, especialmente atravs de smiles ou do modo como eles seopem a outros heris. No canto XXII, quando ambos vo combater, oprimeiro qualificado como pelrion (enorme, assombroso: v. 92);48

    para o segundo, construdo um smile:

    Como serpente montesa na boca da toca aguarda o varo,depois de pastar drogas malignas; entra nela raiva terrvel,

    e aterrorizante seu olhar ao voltear em torno da toca assim Heitor, com mpeto inextinguvel, no recuava...(Il. XXII, 93-96)

    Embora o veneno seja representado como algo que a cobra tomade fora para si,49nesse smile sua funo principal no servir de arma,mas indicar a origem da emoo que gera o desejo de defesa da sua toca, 50

    ou melhor, a raiva que sente pelo homem que percebe como querendoatac-la. Por outro lado, a raiva homloga ao mpeto de Heitor, ouseja, o narrador, ao mencionar o veneno como razo para uma criaturafrgil como uma serpente querer enfrentar algo to maior que ela quantoum homem, expressa o desequilbrio entre Aquiles e Heitor. 51

    Se, tendo esse desequilbrio em mente, voltarmos para a histriade Odisseu, podemos pensar que a imagem do heri construda por

    Atena combina a sua fora, visvel atravs da armadura hopltica, e umacerta fragilidade, que pode apontar para sua idade e/ ou para a dificuldadeda empreitada para a qual o veneno seria necessrio. O veneno, assim,no um mero detalhe, uma desculpa para Atena/ Mentes esclarecer aTelmaco por que Odisseu teria aparecido na corte de Anqualo, pai de

    48Acerca desse adjetivo, que no tem nada de intrinsecamente negativo, mas sugerecriaturas sobre-humanas, cf. West, M. L.Indo-European poetry and myth. Oxford:University Press, 2007, p. 425-426.49Cf. Richardson, N. The Iliad:a Commentary. Cambridge: University Press, 1993.

    Vol. VI, p. 116.50Cf. Walsh, T. R.Fighting words and feuding words.Anger and the Homeric poems. Lanham:Rowman and Littlefield, 2005, p. 129.51Cf. Bergold, W.Der Zweikampf des Paris und Menelaos. Bonn: Adolf Habelt, 1977, p.27-9; de Jong, I. J. F. de.Narrators and focalizers.The presentations of the story in the Iliad.

    Amsterdam: Grner, 1987, p. 129-30.

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    Mentes, e ter permitido ao tfio formar essa memria relevante para apersuasohic et nuncde Telmaco.

    Embora o texto d a impresso de que Mentes e Odisseu tenhamidades semelhantes Mentes rei dos tfios no presente (Od. I, 181),mas, quando viu Odisseu pela primeira vez, reinava seu pai ( o que sedepreende de Od. I, 253-64) , sobretudo o contexto do discurso de

    Atena como um todo que sugere que tanto Odisseu como Mentes erammuito jovens quando pela primeira vez se viram,52 j que, ao citar afaanha do jovem Orestes (v. 296-302), Atena explicita, para o receptordo poema e para o prprio Telmaco, que ela est lanando mo do

    paradigma do guerreiro jovem para fazer com que Telmaco, porfim, decida agir como filho de seu pai.Mesmo se a juventude de Odisseu no estiver sendo evocada, o

    veneno aponta , no mnimo, para uma faanha que Odisseu teriadificuldade de executar apenas como um hoplita convencional. Essainterpretao parece ser ecoada pelos pretendentes no canto seguinte:

    Certamente Telmaco cogita nossa matana.Ou conduzir alguns protetores da arenosa Pilosou at de Esparta, pois agora anseia terrivelmente,ou pretende tambm a fira, de frtil solo,ir, para de l trazer drogas tira-vida (thumophthra phrmaka),lan-las numa nfora e perder-nos a todos. (Od. II, 325-30)

    Isso comentam os pretendentes logo aps Telmaco reafirmarsua inteno de viajar em busca de um meio de destruir os desmedidos

    jovens (v. 310-20), pois no mais uma criana ingnua (npios, v. 313).J havia ficado implcito no dilogo entre Telmaco e Atena/ Mentes nocanto I e explcito na assembleia dos itacenses no canto seguinte que adisparidade numrica entre Telmaco (e Odisseu) e os pretendentes algo que tornaria muito difcil uma medida punitiva unilateral contraeles. Em Od. II, 325-30, porm, no se trata apenas de um duplo dahistria do veneno no canto anterior, mas de uma preciso ainda maior

    de como vai ocorrer a vingana de Odisseu, a saber, durante um banquete.Nesse sentido, vale a pena comparar a histria contada por Atena

    e o seu duplo refletido na fala annima dos pretendentes com umafaanha pretrita de Odisseu narrada por Menelau a Telmaco:

    52van Thiel, op. cit., p. 42, e de Jong, op. cit.(n. 3), p. 32, assumem, sem discusso, queOdisseu era jovem.

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    Incrvel, realmente no leito de varo juzo-fortecobiaram [sc. pretendentes] deitar-se, eles prprios sendo covardes.Como quando a cerva, na moita de forte leo,os filhotes adormece, recm-nascidos lactentes,e investiga encostas e vales herbosos,pastando, e ele ento se achega de seu leitoe sobre aqueles dois ultrajante fado lana assim Odisseu sobre eles ultrajante fado lanar.Tomara, Zeus pai, Atena e Apolo,com o porte que, ento, em Lesbos bem-construda,na disputa com Filomeleides, se ergueu, lutou

    e o derrubou com fora, e se alegraram todos os aqueus,assim aos pretendentes encontrasse Odisseu:todos seriam destino-veloz e bodas-amargas. (Od. IV, 333-46)

    Esse trecho o caprichado promio da narrao do retorno deMenelau e funciona, ao mesmo tempo, como uma fala de bom augriopara Telmaco e uma sugesto, para o receptor do poema, de comopoder ocorrer a vingana de Odisseu.53 Dessa vez, no h nenhummeno astcia de Odisseu, mas apenas sua fora bruta, tanto nosmile quanto na historieta, e em ambos se acentua a estupidez ouingenuidade por parte dos adversrios do algoz. Agora a fragilidadeno est do lado de Odisseu, mas dos pretendentes.54A vinganaconfigurada nessa fala aquileica, ou seja, sem a astcia empregada

    53Alm disso, provvel (cf. Louden, op. cit., p. 17) que, atravs da figura deFilomeleides, se aluda ao tema da m hospitalidade na sua variao hospedeirodesafia hspede em uma prova mortal, com o que, de novo, se aponta para aderradeira vingana de Odisseu contra os pretendentes.54O destaque conferido fragilidade, inclusive por razes etrias, uma das razespara o trao no naturalista do smile; para uma apreciao mais simptica do smile

    que a de Schnapp-Gourbeillon, Franois.Lions, hros, masques.Les rpresentations delanimal chez Homre. Paris: Maspero, 1981, p. 60, cf. Steiner, D.Homer:Odyssey, Books

    XVII and XVIII. Cambridge: University Press, 2010, p. 92-93. A fragilidade das vtimasdo leo uma razo para no se considerar a histria resumida na sequncia umduplo do smile (ou vice-versa), como quis a Anlise (cf. van Thiel, op. cit., p. 71).

    Alm disso, o smile parece-me ser um dos momentos, talvez nem to raros, ondeHomero mostra-se bem-humorado ou espirituoso; esse humor homrico foi-meassinalado por Liz Irwin, que destacou o episdio de Circe e o de Odisseu diantede Nauscaa, ao ser assemelhado, pelo narrador, a um leo.

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    por Odisseu e metonimicamente sugerida pelo veneno mencionadonos cantos I e II.55

    Por fim, o ltimo elemento da viagem de Odisseu em busca doveneno que pode ser explorado a sua bipartio. No chegamos muitolonge atentando para o nome das localidades,56 embora seja possvelque elas aludam a outras histrias ligadas a Odisseu ou at mesmo aosargonautas.57 O que precisamos explicar, porm, por que Atena/ Mentesmenciona que Ilo teria negado o pedido de Odisseu.

    Em primeiro lugar, o que Mentes diz que Ilo teve medo da nmesis(indignao) divina, no que essa necessariamente viria. Que o seu

    pai tenha dado o veneno a Odisseu e nada aparentemente lhe acontea,isso indica que a ao no precisaria necessariamente ser punida, diretaou indiretamente, pelos deuses.Os fecios, que, por serem da estirpe dePoseidon, excelem na arte nutica,58 em nenhum momento titubearamno transporte do seu hspede, muito embora a histria que Odisseu lhescontou o cegamento de Polifemo e a sua prece ao pai Poseidon , aliada previso de que um dia algo terrvel aconteceria devido a uma irritaodo deus (Od. VIII, 564-71) poderia t-los tornado mais cuidadosos aomodo de Ilo ou de Elo (Od. X, 72-75). Assim, no caso da histria de

    Atena, no parece ser (a utilizao d)o veneno em si um crime passvelde punio pelos deuses, mas a transmisso de um conhecimento ou

    um favorecimento em suma, uma ddiva ou honra de origem divinado qual o rei foi o beneficirio, j que no fcil para um mortal definiros limites do uso daquilo que ele recebeu de um deus.59

    55Essa oposio temtica para a qual, de acordo com van Thiel, op. cit., p. 42, se da meno do veneno condensada em diversas frmulas naIladae na Odisseia; cf.,por ex., com truque ou s claras (Od. I, 295), referente ao modo como Telmaco,segundo Atena/ Mentes, poderia vingar-se dos pretendentes.56Cf. West, op. cit.(n. 3), p. 108; elas talvez aludam a rotas comerciais que passavampor taca no sc. VIII (cf. Malkin, I. The returns of Odysseus.Colonization and ethnicity.Berkeley: University of California Press, 1998, p. 72).57

    Cf. Malkin, op. cit., p. 128-29.58Od. VI, 266-73 e XIII, 128-30.59Vale notar que a gama de usos de nmesis bastante ampla, s vezes significando poucomais que raiva (cf. Cairns, D. L.Aids: the psychology and ethics of honour and shame in ancientGreek literature. Oxford: University Press, 1993, p. 53); diz esse mesmo autor (p. 85, n.123) sobre o uso do verbo cognato em Od. I, 263 que seu sentido ele temeu a clerados deuses, e, portanto, como um medo prospectivo de desaprovao, o verbo aproxima-se deaidesthainesse contexto;aidesthai theos, entretanto, somente achado em contextosde splica e amizade ligada hospitalidade em Homero.

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    Mais significativo que a negativa em si, porm, a oposio,sugerida pelo comportamento dos dois reis, entre (o medo da) nmesis(dos deuses) ephila(amizade), pois j no dilogo entre Atena e Zeusque abre o poema (Od. I, 44-95) Odisseu apresentado como um herique, potencialmente, pode gerar dio ou simpatia entre os deuses. Naeconomia do canto I e, na verdade, de toda a Telemaquia, especialmentenos cantos I-III, Telmaco auxiliado de perto por Atena, o que

    justamente mostra como sua linhagem tem sido amada pelosdeuses.60 Mesmo que o incio do retorno de Odisseu de Troia tenhasido tumultuado indireta ou at mesmo impossibilitado diretamente

    pela clera de Atena,61

    durante toda a Odisseiano h nenhuma dvidade que Zeus e Atena esto do lado de Odisseu. Assim, o venenofornecido pelo pai de Atena/ Mentes assinala ao receptor que a vinganade Odisseu no s ser bem sucedida,62 mas que Zeus a garantir.

    ConclusoConclusoConclusoConclusoConcluso

    Espero ter demonstrado que, de acordo com a lgica da narrativae os temas empregados na construo do pequeno episdio contadopor Atena para Telmaco, no estamos diante de uma imagem compsitade Odisseu, que deixaria entrever um estrato arcaico, pr-homrico,pr-pico ou at mesmo pr-heroico utilizado para realar a naturezaambgua do heri ou da sua ao, mas de uma composio, habilmenteembutida em um discurso maior.

    Os elementos da histria de forma alguma vo contra um supostoestatuto pico-heroico, mas assinalam temticas que so comuns e deforma alguma marginais tanto na Iladaquanto na Odisseia. Alm disso,a histria configura uma imagem que, ao mesmo tempo, motiva asaes de Telmaco e as coloca em perspectiva para o receptor. Por fim,em filigrana, ela indica para o receptor de que modo se dar a vinganade Odisseu contra os pretendentes de sua mulher.

    60Od. III, 375-79.61Cf. Clay, J. S. The wrath of Athena.Gods and men in the Odyssey. Lanham: Rowman& Littlefield, 1997, e,contra, Danek, op. cit., p. 80-89.62Cf. de Jong, op. cit. (n. 3), p. 32.

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