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Título: OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS À APRENDIZAGEM DO
CONCEITO DE FUNÇÃO
Área Temática: Educação em Ciências Naturais e Matemática
Autor: JOSÉ ANÁLIO DE OLIVEIRA TRINDADE (1)
Instituição: Universidade Federal de Santa Catarina - Pós-Graduação em
Educação do Centro de Ciências da Educação
Introdução: a aprendizagem do conceito de função
O conceito de função é considerado um dos mais importantes de toda
Matemática, não só pelo seu papel central e unificador nesta área do
conhecimento, como também pela sua aplicação a outros ramos do
conhecimento humano. Neste sentido, seu aprendizado é um dos objetivos
mais importantes a ser alcançado na Educação Matemática dos estudantes.
Dada a importância dos alunos atingirem o entendimento do conceito de
função, é necessário conhecer como se processa sua aprendizagem, identificar
e analisar os principais problemas com os quais os alunos se deparam ao
estudar funções e detectar quais as principais dificuldades e obstáculos à
aprendizagem desse conceito.
O conceito de função é um bom exemplo do processo lento e gradual do
desenvolvimento de certas idéias matemáticas. Este conceito levou séculos
para chegar de noções vagas e inexatas até às formas nas quais o
apresentamos hoje aos nossos alunos, baseado na idéia elementar de par
ordenado e no estabelecimento de relações entre conjuntos. As definições de
função mais utilizadas no ensino atual e nos livros didáticos, são as definiçõesde Dirichlet (1837) e de Bourbaki (1939), que na maioria, são fundidas numa só
definição, conhecida como definição de Dirichlet-Bourbaki. Esta definição,
extremamente abstrata, de função, só foi aceita pela comunidade matemática
na segunda metade do século XX e levou, pelo menos, 300 anos para
amadurecer.
Para a maioria dos professores de Matemática de segundo grau e para
os autores dos livros didáticos adotados, o conceito de função é tido como umconceito simples, não havendo muitos obstáculos ou dificuldades à sua
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aprendizagem conforme os resultados de investigação de Mendes (1994) e
Schwarz (1995). Mas a situação é bem outra, o conceito de função é um
conceito difícil de ser assimilado, conforme veremos ao longo deste artigo.
Com o movimento da Matemática Moderna, o ensino de funções foi
impregnado pelo formalismo bourbakiano, o que acabou por negligenciar as
razões que, realmente, determinaram o surgimento do conceito de função, a
saber: a necessidade de analisar fenômenos; descrever regularidades;
interpretar interdependências e generalizar (Caraça, 1975). O formal “par
ordenado”, definição de função de Bourbaki, é uma definição, extremamente
abstrata, especialmente como uma primeira introdução para estudantes pré-
universitários, conforme assinalam muitos pesquisadores em Educação
Matemática (Sfard, 1992).
As pesquisas realizadas sobre o processo ensino-aprendizagem de
funções em diversos países, entre eles França, Inglaterra, Israel, Polônia e
Estados Unidos como as pesquisas de Freudenthal (1973), Janvier (1978),
Bergeron & Herscovics (1992), Herscovics (1992, 1989), Vinner (1989), Even
(1990), apontam que a aprendizagem de funções é um processo evolutivo,
lento e gradual devido a sua complexidade. Muitas são as dificuldades
apresentadas pelos estudantes de 1º e 2º graus no aprendizado de funções,
entre elas: a) a inabilidade de construir associações entre as diferentes
representações de funções: fórmulas, gráficos, diagramas, tabelas, expressão
verbal das relações; b) diferenciar entre gráficos de funções contínuas e
discretas; c) reconhecer funções não lineares; d) compreender o conceito de
variável; e) ser capaz de perceber que uma mesma função pode ser
representada por duas fórmulas que se diferenciam apenas pelos nomes de
suas varáveis; f) interpretar gráficos; g) manipular símbolos relativos a funções,tais como: f(x), x→y, cos(x+t), etc. Estes são alguns dos problemas levantados,
e que estão relacionados aos alunos. Por outro lado, ao ensinar funções,
muitos professores não fazem um “jogo de quadros” (2) de maneira adequada,
não propiciam a “dialética ferramenta-objeto” (3). Os obstáculos
epistemológicos e didáticos não são levados em consideração e parece que o
aluno não participa da construção deste conceito. Para Leonor Leal (1990),
uma das principais causas das dificuldades de aprendizagem do conceito defunção é a falta de uma preparação dos alunos para a construção deste
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conceito, ao longo dos primeiros sete anos de escolaridade. A questão
pedagógica é como vencer a todas estas dificuldades em classe.
Muitos desses aspectos relacionados às dificuldades dos alunos na
aprendizagem de funções podem ser compreendidos na perspectiva dos
obstáculos epistemológicos, que a seguir abordaremos.
A partir da perspectiva epistemológica bachelardiana, consideraremos
os obstáculos epistemológicos relativos à apropriação do conceito de função,
que na literatura de pesquisa sobre a aprendizagem deste conceito têm se
mostrado de fundamental importância no processo de formação dos saberes
dos educandos, e na elaboração de modelos de intervenção didática para o
processo ensino-aprendizagem de funções.
Obstáculos epistemológicos à aprendizagem
A noção de “obstáculo epistemológico” foi introduzida e analisada pelo
filósofo da Ciência e epistemólogo Gaston Bachelard em seu livro La formation
de L’esprit scientifique , como sendo “retardos e perturbações que se incrustam
no próprio ato de conhecer, (...) uma resistência do pensamento ao
pensamento” (Bachelard, apud Japiassú, 1976, p. 171).
A noção de obstáculo epistemológico abrange tanto aspectos do
desenvolvimento histórico do pensamento científico como da prática
educacional (Bachelard, 1983). Ao estudar o conceito de obstáculo
epistemológico no âmbito da história da ciência, Bachelard percebeu que
alguns conhecimentos chegam mesmo a impedir o progresso do saber.
Na prática educacional, os obstáculos epistemológicos se propõem
como “obstáculos pedagógicos” , são barreiras à apropriação do conhecimentocientífico, uma vez que obstruem a atividade racional do aluno. Bachelard
critica o desconhecimento ou o não-reconhecimento, pelos professores, da
existência desses obstáculos para a formação do pensamento científico, já que
os mesmos não podem ser negligenciados na vida educativa.
Brousseau (1976) foi o primeiro a transferir para a Matemática a noção
de obstáculo epistemológico de Bachelard (1938), assinalando que um
obstáculo se caracteriza por um conhecimento, uma concepção, e não por umadificuldade ou uma falta de conhecimento, que produz respostas adaptadas
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num certo contexto e, fora dele, produz respostas falsas. Assim, cada
conhecimento é suscetível de ser um obstáculo à aquisição de novos
conhecimentos. Os obstáculos se manifestam pela incompreensão de certos
problemas ou pela impossibilidade de resolvê-los com eficácia, ou pelos erros
que, para serem superados, deveriam conduzir ao estabelecimento de um novo
conhecimento.
A superação dos obstáculos pressupõe uma “psicanálise dos erros
iniciais” - “erros epistemológicos”- que são concepções que os educandos têm
acerca de uma idéia, de uma informação ou do objeto de estudo.
Várias pesquisas em didática da Matemática (Brousseau, 1976;
Vergnaud, 1988; Artigue, 1990; Sierpinska, 1985; Glaeser, 1981) e das
Ciências (Viennot, 1989; Johsua, 1989; Giordan, 1989) têm reconhecido a
importância pedagógica da noção de obstáculo epistemológico noprocesso de
formação dos saberes do estudante e na elaboração de modelos de
intervenção didática, visando suscitar a uma evolução desses conhecimentos.
Muitas são as interpretações e aproximações feitas a respeito dessa
idéia e das possíveis formas de intervenção para a sua superação. Na literatura
de pesquisa sobre obstáculos epistemológicos, a questão do tratamento
didático dos obstáculos é também muito discutida, não havendo uma
abordagem universal para tratá-los. A escolha das situações didáticas para o
seu enfrentamento vão depender do tipo e da resistência do obstáculo a ser
enfrentado. Uma das estratégias apontada pelos pesquisadores na literatura e
que permanece sendo utilizada para se lidar com os obstáculos é o conflito
sócio-cognitivo (Brousseau,1988).
Trindade (1996) argumenta que a dialogicidade tradutora (Delizoicov,
1991) pode se constituir numa dinâmica de trabalho para se lidar com osobstáculos visto que ela oferece a possibilidade de se promover tanto a catarse
quanto a psicanálise dos erros iniciais que Snyders, fundamentando-se em
Bachelard, propõe como meio de se superar os obstáculos epistemológicos.
Para esta superação é preciso, como salienta Delizoicov, problematizar esse
conhecimento já construído pelo aluno, estabelecer a dúvida, o conflito, aguçar
as contradições, localizar as limitações desse conhecimento quando
confrontado com o conhecimento científico, com a finalidade de propiciar umdistanciamento crítico do educando do seu conhecimento prevalente e enfim,
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propiciar a alternativa de apreensão do conhecimento científico. Várias são as
estratégias ou técnicas de ensino que podem ser empregadas para o
desenvolvimento desta dinâmica de trabalho fundamentada numa concepção
problematizadora e dialógica de educação, cabe ao educador escolher aquelas
que melhor se adeqüem ao assunto em estudo.
Sierpinska (1992) centra seu trabalho dentro dessa perspectiva teórica
dos obstáculos epistemológicos. A partir de uma análise epistemológica e
histórica do desenvolvimento do conceito de função e de seu trabalho com
estudantes na Polônia (Sierpinska, 1989), ela identifica a existência de
dezesseis obstáculos epistemológicos a serem vencidos pelos estudantes no
ensino de funções. Dessa análise, ela deduz ainda, dezenove ações para
superá-los e ir além deles, a essas ações ela dá o nome de “atos de
entendimento”. Sierpinska (1992) define ato de entendimento como um reforço
a uma nova forma de conhecer alguma coisa, uma ação a ser empreendida
para que essa nova forma de conhecer ganhe significado.
Segundo esta perspectiva, a aprendizagem ocorre nas grandes e
profundas mudanças cognitivas. Mudanças essas marcadas por atos de
entendimento cruciais para um dado conceito. Esses atos freqüentemente
consistem numa ruptura com uma certa forma de conhecer, em superar um
obstáculo, e não num suave desenvolvimento de velhas formas de conhecer
dentro de novas formas de conhecer (Sierpinska, 1992).
Na seqüência, explicitaremos alguns dos obstáculos epistemológicos
relativos a funções, seus atos de entendimento e sugestões de atuação
docente que podem contribuir para um ensino-aprendizagem de funções nessa
perspectiva. Em particular, analisaremos aqueles relativos à construção do
conceito de função pelos alunos de primeiro e segundo graus. A intenção não éesgotar o assunto, mas sim explorar situações, em muitos casos já efetivadas
na prática educativa, que possam contribuir para a apropriação do conceito de
função.
Embora todos os obstáculos epistemológicos relativos a funções
identificados por Sierpinska (1992) sejam importantes, para o contexto desse
trabalho, chamamos a atenção para aqueles que em nossa compreensão são
fundamentais para o desenvolvimento das noções primeiras do conceito defunção: Matemática não se refere a problemas práticos e somente relações
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descritíveis por fórmula analítica são dignas de receberem o nome de funções .
Nossa opção se justifica porque acreditamos que a apropriação do conceito de
função não se funda, à priori, sobre a aprendizagem da sua definição, mas
repousa essencialmente sobre o domínio de atividades que permitam aos
alunos desenvolverem e/ou adquirirem as noções ligadas a este conceito,
como de correspondência, variável, dependência, regularidade e
generalização, básicas para o aprendizado de funções e sobre o domínio dos
diferentes registros de representação de função.
A crença de que a Matemática não está preocupada com problemas
práticos é o primeiro obstáculo que nós e nossos alunos devemos vencer para
a construção do conceito de função (Sierpinska, 1992). Este é também, em
nossa opinião, o primeiro obstáculo que devemos vencer na construção de
muitos dos conceitos matemáticos, não só para a construção do conceito de
função. Pensar a Matemática como independente do universo físico e do
mundo da experiência, independente mesmo de todas as realizações possíveis
de um universo, é comportarmo-nos como Platão, que em sua República
negou a verdade desses fatos. É preciso superar, portanto, a perspectiva, de
que “a lógica, a matemática, no sentido mais estrito, são ciências formais:
ciências que se limitam exclusivamente a operar com símbolos - independem
das significações dos símbolos, e portanto da referência a qualquer matéria”
(Lorenzen, 1974, p. 98).
Para vencer esse obstáculo, especificamente no caso de funções,
Sierpinska (1992) coloca como condição necessária a observância de dois atos
de entendimento: a identificação de mudanças observadas em redor do mundo
como um problema prático para ser resolvido e a identificação de regularidades
nas relações entre mudanças como um meio de lidar com as mudanças. Estessão, segundo ela, os primeiros e mais fundamentais atos para entender função,
os quais estão, intimamente, ligados às razões que determinaram o surgimento
deste conceito, tais como: a necessidade de analisar fenômenos, descrever
regularidades, interpretar interdependências e generalizar (Caraça, 1975).
A determinação deste obstáculo epistemológico, tem algumas
implicações importantes para o ensino de funções. Entre elas, a de que antes
de introduzirmos a definição e exemplos de funções elementares, deveríamosdespertar nos alunos o interesse por variabilidade e pela busca de
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regularidades. Isto é, devemos resgatar no ensino desse tópico a concepção
de função como instrumento matemático necessário à análise de fenômenos
de variação. Trata-se de voltar e dar à função seus componentes de variação,
dependência e correspondência. Neste sentido, funções deveriam aparecer
primeiro como modelos de relações, como elas aparecem na história, como
ferramentas para descrição e previsão.
A crença, ainda hoje presente no ensino de funções, de que somente
relações que possam ser descritas por fórmulas analíticas merecem o nome de
função é um obstáculo relativo ao papel da álgebra na Matemática e reflete a
tendência dos matemáticos dos séculos XVII e XVIII, que ao adquirirem uma
vasta experiência em descrever relações no campo das expressões analíticas
tornaram estas expressões mais importantes que as próprias relações. Nessa
época, o encantamento com a álgebra e, conseqüentemente, com a expressão
analítica de função, levou a crença, ainda hoje presente no ensino de funções,
de que somente relações que possam ser descritas por fórmulas analíticas
merecem o nome de função. Além disso, às vezes, há uma confusão entre a
função e o instrumento analítico para descrever sua lei.
Assim, identificar funções com expressões analíticas é um obstáculo
histórico causado pelo foco de atenção na pesquisa de instrumentos para
descrever relações funcionais. E, da mesma forma que Sierpinska (1992), nós
encontramos na prática pedagógica formas degeneradas desse obstáculo em
nossos alunos. Conforme os resultados de investigação de Mendes (1994),
para a maioria dos alunos, uma situação dada representa uma função se ela
pode ser expressa por uma fórmula explícita, de preferência uma expressão
analítica. Para esses alunos, da mesma forma que para os matemáticos do
século XVIII, função se restringe, na verdade, a expressões analíticas.Várias são as formas de representar funções, as mais conhecidas e
utilizadas, pelo menos na escola, são tabelas, gráficos e fórmula analítica. A
consciência das limitações de cada uma das representações e o fato que elas
representam uma limitação e o mesmo conceito geral são condições
fundamentais de entendimento de funções (Sierpinska, 1992). A habilidade
para interpretar um gráfico ou tabela não é fácil de adquirir (cf. Janvier, 1978 e
Artigue, 1992). Igualmente, não é fácil estabelecer conexões entre asdiferentes representações de uma função e adquirir a habilidade de transitar
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entre estas representações (cf. Duval, 1988). Segundo Sierpinska (1992), é no
decurso do aprendizado dessas habilidades que os atos fundamentais de
entendimento deste conceito encontram condições favoráveis para ocorrer.
Além de poderem ser representadas de várias formas, funções são aplicadas
em diversos contextos e termos distintos são usados para as mesmas coisas.
Mas, como salienta Sierpinska (1992), uma representação não é o mesmo que
a coisa representada, e em algum ponto uma síntese de todas essas diferentes
concepções tem que ser executada dentro de uma idéia geral de função a qual
una, assim, muitos domínios da Matemática, Física e de outras Ciências.
Nesse sentido, Sierpinska (1992) assinala a necessidade de se proceder a uma
discriminação entre as diferentes formas de representar funções e as próprias
funções e a uma síntese das diferentes formas de dar funções, representar
funções e falar sobre funções.
Implicações didático-pedagógicas na construção do conceito de função
A explicitação dos obstáculos epistemológicos e atos de entendimento
relativos a funções acima, tem algumas implicações didático-pedagógicas
importantes para a construção do conceito de função. Nosso objetivo nessa
seção é sugerir algumas atividades pedagógicas que possam contribuir na
superação dos obstáculos epistemológicos e na construção do conceito de
função pelos alunos de primeiro grau.
A análise epistemológica nos permitiu perceber que a introdução do
conceito de função como conjunto de pares ordenados e como caso particular
das relações, não parece ser a melhor opção tanto no campo didático como
epistemológico. Essa forma de introduzir o conceito de função torna-o semsignificado e de difícil compreensão para os alunos. Entendemos que a melhor
maneira para a introdução desse conceito parece ser a de mostrar a sua
importância e variedade de aplicações. O conceito de função deve aparecer
primeiro como modelo de relações observadas pelos alunos, como ferramenta
para descrição e previsão, tal como foi utilizado no seu processo histórico de
construção, intimamente, ligado à necessidade dos homens de registrar
regularidades observadas nos fenômenos e de generalizar as leis ou padrões.Nesse sentido, é preciso propor aos alunos atividades que favoreçam a
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construção com significado do conceito de função. Atividades que lhes
permitam desenvolver e/ou adquirir as noções de variável, dependência,
regularidade e generalização, básicas para o aprendizado de funções.
Atividades que despertem nos alunos o interesse por variabilidade e pela busca
de regularidades e que levem os alunos a explicarem mudanças, a
encontrarem regularidades entre mudanças, a perceberem mudanças e
relações entre elas como um problema digno de uma interpretação científica.
Atividades que possibilitem aos alunos aplicar o conhecimento de funções para
explicar fenômenos, sejam eles de sua vida diária, da Física ou das outras
Ciências. Trata-se, portanto de resgatar no ensino desse tópico a concepção
de função como instrumento matemático necessário à análise de fenômenos
de variação. O uso de funções como instrumento apropriado para modelar
relações entre grandezas físicas e outras grandezas é condição sine qua non
para que os alunos entendam o conceito de função (Sierpinska, 1992). Desse
modo, estaremos contribuindo para que os atos fundamentais de
entendimento, referentes ao obstáculo epistemológico de considerar que a
Matemática nada tem a ver com problemas práticos encontre condições
favoráveis para ocorrer.
Devemos propor aos alunos atividades em que eles tenham a
oportunidade de se familiarizarem com as diversas formas de representar
funções e de articulá-las de forma permanente, a fim de evitar que eles
identifiquem funções com apenas uma das suas representações, o que como
vimos, anteriormente, pode se constituir num obstáculo à aprendizagem do
conceito de função. Uma outra forma de representação de funções que deve
ser explorada com os alunos é a representação verbal (em linguagem corrente,
escrita ou oral). Os alunos devem ser estimulados a descreverem emlinguagem corrente a lei que rege um fenômeno e a apresentarem argumentos
que justifiquem a validade da lei para qualquer caso, para então representá-la
em linguagem algébrica ou geométrica. Eles devem ser levados a perceberem
e verbalizarem os objetos de mudanças, a dizerem não apenas como muda
mas o que muda. A utilização da linguagem oral e escrita auxilia a passagem
de uma forma de representação para a outra, e a explicitação das noções de
variável, dependência, regularidade e generalização. Essas noções devem sertrabalhadas ao mesmo tempo que as formas de representar funções. A
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articulação dessas diversas formas de representar funções e o emprego
constante da representação verbal para a identificação dos objetos de
mudança no estudo das mudanças são condições necessárias para que os
atos de entendimento relacionados ao obstáculo epistemológico de identificar
funções com apenas uma de suas representações ocorram.
No ensino atual de funções e nos livros didáticos em geral, funções são
identificadas com expressões analíticas, o que se constitui num obstáculo à
aprendizagem desse conceito. A apresentação do conceito de função é feita
através da sua forma analítica, a partir dela é construída a tabela
correspondente e com os dados da tabela é feita a representação gráfica no
plano cartesiano. Essa é a ordem usual de apresentação das diversas formas
de representar uma função.
É necessário reafirmar que não estamos sugerindo o abandono ao
estudo analítico das funções. Não se trata disso. Estamos negando a forma
tradicional em que as funções são apresentadas, quase que, exclusivamente,
na sua forma analítica, sem que os alunos compreendam o seu significado em
relação a situações reais. É obvio que o estudo analítico de funções continua a
ser importante, mas ele deve surgir com base em atividades, sistematicamente,
feitas a partir das representações numérica e gráfica. Dessa forma, a
expressão algébrica adquire significado próprio. Trata-se de primeiro
desenvolver o conceito intuitivo de função, para depois formalizá-lo.
As representações algébricas têm um papel essencial na construção do
conceito de função, elas não só produzem um resumo de um grande número
de dados, mas, mais importante que isso, elas conduzem a noção de uma
“regra” bem melhor do que as representações numéricas ou gráficas. Essa
regra é dada, em geral, sob a forma de uma equação que relaciona entre si asvariáveis que designam as grandezas concretas envolvidas no fenômeno
observado. As representações algébricas condensam muitas informações,
entre elas a regra e a idéia de dependência (Bergeron e Herscovics, 1982). É
preciso no entanto, que no estudo das representações algébricas de funções
essas informações sejam exploradas com os alunos e que sejam buscados
significados para os símbolos que compõem as representações. As fórmulas
da Geometria, da Física e das outras Ciências são bons exemplos derepresentações algébricas de funções onde essas e outras informações podem
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ser exploradas com significado. Essa exploração das noções de variável e de
dependência entre variáveis envolvidas numa equação poderia iniciar-se com
grande vantagem no trabalho de equações, na sexta série do primeiro grau,
onde apenas se destacam incógnitas e dados. Assim, estaremos contribuindo
para que os alunos percebam: que uma equação pode ser interpretada como
uma condição sobre uma incógnita ou como uma regra de acordo com a qual
algumas variáveis se relacionam; que existe uma diferença entre considerar
letras em equações e em funções; que esses são dois modos de pensamento
matemático diferentes: um em termos de quantidades conhecidas e
desconhecidas, o outro em termos de quantidades variáveis e constantes.
O estudo das representações gráficas de funções é, também, de
fundamental importância para o aprendizado desse conceito. Representações
gráficas são talvez a forma mais utilizada de representação de funções e a
maneira mais adequada para apresentar informações sobre linearidade,
intervalos de crescimento e decrescimento, máximos e mínimos, taxa de
variação, regularidade, continuidade. A partir desses conceitos os alunos
podem fazer previsões, interpolar e extrapolar. Aprendendo gráficos, eles se
preparam para relacionar diversos tipos de funções.
Embora os gráficos estejam desde muito cedo, constantemente,
presentes na vida dos alunos. A primeira experiência sistematizada deles com
gráficos é no estudo de funções, no final do primeiro grau. Para a maioria deles
lidar com gráficos cartesianos não se constitui numa tarefa fácil, eles
encontram grandes dificuldades na construção e interpretação de gráficos. A
idéia de fazer corresponder pontos de um plano a pares de números não é
natural e precisa ser trabalhada com os alunos (Tinoco, 1995).
É fundamental propormos aos alunos atividades em que eles tenham aoportunidade de trabalhar não apenas com os gráficos das funções
padronizadas (y = ax; y = ax+b; y = ax 2 ; y = ax 3 e y = x/a ) que são estudadas
nas escolas, mas também com gráficos não padronizados, que não
correspondem a nenhuma expressão algébrica conhecida.
Além dos gráficos utilizados para representar funções matemáticas, é
importante também que os alunos trabalhem com outras formas de
representação gráfica, tais como os gráficos de setores, de barras, histogramase pirâmides, que representem situações que tenham significado para eles.
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Gráficos relacionados com assuntos da atualidade e/ou de outras disciplinas
são bons exemplos de situações a partir das quais poderia se iniciar já nas
primeiras séries do primeiro grau o trabalho de exploração de gráficos, com o
objetivo de familiarizar o aluno com a interpretação de gráficos e o conceito de
função.
Como foi sugerido, anteriormente, no trabalho com as representações
analíticas de funções, devemos também aqui, no estudo das representações
gráficas de funções, explorar as idéias de variável, dependência, regularidade e
generalização, essenciais à construção do conceito de função, ao mesmo
tempo em que os alunos se familiarizam com os diversos tipos de gráficos. A
exploração dessas idéias é de fundamental importância para a identificação
dos objetos de mudança e elas ficam cada vez mais claras à medida que os
alunos constroem e interpretam gráficos.
Como já mencionamos, a identificação de regularidades em situações
reais, em seqüências numéricas ou padrões geométricos é uma habilidade
essencial à construção do conceito de função. Nesse sentido, devemos incluir
também no estudo introdutório de funções, atividades com tabelas e
seqüências. As tabelas podem servir como um poderoso instrumento
pedagógico no estudo de seqüências funcionais, dando suporte à investigação
da dependência entre variáveis, à elaboração de hipóteses sobre o
comportamento de padrões numéricos e à sua interpretação gráfica e algébrica
(Meira, 1993).
Por meio da produção e interpretação de tabelas, os alunos podem
construir o conceito de função como uma série de operações aritméticas
realizáveis sobre quantidades dispostas horizontal e verticalmente na tabela.
Podem calcular imagens de números dados, números que têm dadas imagens,e até procurar encontrar a regra algébrica que determina a relação entre os
valores dados e as imagens desses valores. Atividades com tabelas são,
portanto de fundamental importância para o aprendizado de funções. É preciso,
no entanto, utilizá-las como material de apoio para a investigação de relações
entre quantidades e não, simplesmente, como um mero arquivo de
coordenadas a serem grafadas no plano Cartesiano (Meira, 1993).
Conforme mencionamos na seção anterior, várias são as estratégias outécnicas de ensino que podem ser empregadas para se lidar com os
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obstáculos, cabe ao educador escolher aquelas que melhor se adeqüem ao
assunto em estudo. No caso de funções, uma estratégia que pode ser utilizada
é, por exemplo, a combinação de situações-problema e modelagem
matemática (4) com o objetivo de levar o aluno a modelar uma situação-
problema por meio de funções elementares, resgatando conhecimentos do seu
cotidiano e da sua vida acadêmica. Essa estratégia já foi por nós utilizada em
projetos de formação continuada de professores de Ciências e Matemática e
na docência com alunos de primeiro grau (5). As situações-problema servem
não somente para introduzir e dar significado ao estudo de funções, mas,
principalmente, para motivar a aprendizagem e desencadear as discussões e
os questionamentos que levam à construção de conhecimentos. Além de
contribuírem para a construção do conceito de função elas podem possibilitar
aos alunos a oportunidade de compreender que a Matemática é um saber vivo
e dinâmico, coletivamente e historicamente construído.
Considerações Finais
No âmbito deste trabalho fizemos uma reflexão sobre a teoria dos
obstáculos epistemológicos e sua aplicação no processo de formação do
conceito de função. A partir de considerações epistemológicas bachelardianas
procuramos conhecer como se processa a apropriação do conceito de função.
Buscamos identificar e analisar alguns dos principais problemas com os quais
os alunos se deparam ao estudar funções e detectar quais as principais
dificuldades e obstáculos à aprendizagem desse conceito com o objetivo de
propor algumas possibilidades instrucionais que possam facilitar a construção
do conceito de função pelos alunos de primeiro e segundo graus, bem comosugerir atividades pedagógicas que possam, além de contribuir na superação
dos obstáculos epistemológicos, promover o raciocínio matemático nesse
domínio. A análise anterior nos permite romper com visões simplistas acerca
do ensino e da aprendizagem do conceito de função. Ela nos permite perceber
que melhor do que atribuir os problemas e dificuldades apresentados pelos
alunos no entendimento desse conceito à sua falta de habilidade, ou à sua falta
de pré-requisitos ou ao seu desestímulo, é o próprio conceito de função que semostra ser difícil. Isto implica numa mudança de ponto de vista para o ensino
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de funções afim de superar estas dificuldades. Neste sentido, é que
argumentamos da necessidade de se propor aos alunos atividades que lhes
permitam desenvolver e/ou adquirir as noções ligadas a este conceito, como de
correspondência, variável, dependência, regularidade e generalização, básicas
para o aprendizado de funções e o domínio dos diferentes registros de
representação de funções.
Esses são alguns dos aspectos relevantes das implicações didático-
pedagógicas da epistemologia bachelardiana para a construção do conceito de
função. Obviamente, não estamos aqui prescrevendo condições suficientes
para o aprendizado de funções, mas condições necessárias para a construção
desse conceito, tendo em vista as implicações didático-pedagógicas da análise
epistemológica. Não significa também, que a observância desses pontos
esgote a abordagem de todos os aspectos referentes ao conceito de função,
muitos outros relativos a construção desse conceito devem ser buscados e
investigados pelos professores para que os alunos possam desenvolver a base
para o aprendizado de funções. No entanto, o que discutimos acima se
constitui em uma contribuição para a construção das noções primeiras de
funções.
Notas
(1) Colégio de Aplicação – UFSC – Florianópolis – SC – [email protected] em Educação pela UFSC – Florianópolis – SC(2) Segundo Douady & Glorian (1989, p.389), um quadro é constituído deobjetos de um ramo da Matemática, de relações entre objetos, de suasformulações, eventualmente diversas e das imagens mentais que o sujeitoassocia a estes objetos e relações em um dado momento. Por exemplo: quadroalgébrico, quadro geométrico, quadro numérico, etc.
(3) Para Douady (1986/87), dialética ferrament-objeto é um processo cíclicoque organiza os respectivos papéis do docente e dos alunos, durante o qual osconceitos matemáticos têm o papel ora de ferramenta para resolver umproblema ora de objeto, tomando lugar dentro da construção de um certo saberorganizado.(4) Bassanezi (1994) define modelagem matemática como um processodinâmico que consiste “(...) na arte de transformar problemas da realidade emproblemas matemáticos e resolvê-los, interpretando suas soluções nalinguagem do mundo real” (Bassanezi, 1994, p. 61).(5) Detalhes deste projeto e da utilização desta estratégia com alunos desegundo grau encontram-se em: Aproximação entre a Ciência do aluno na sala
de aula da 1ª série do 2º grau e a Ciência dos cientistas: uma discussão,
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