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1 CAPÍTULO I 1. Breve Histórico Podemos afirmar que o direito nasceu no momento em que as pessoas começaram a se organizar em sociedade, sob a forma de costumes que foram se tornando obrigatórios. Para coordenar essas atividades típicas da interação humana, foi necessário um mínimo de ordem e direção, ou seja, de regras de conduta. Sem estas regras seria impossível que fluísse o convívio entre os homens e proporcionar-lhes harmonia em suas relações. Os primórdios das manifestações de existência de um “ordenamento jurídico”, na forma mais simples que se pode conceber, ocorrem no campo do Direito Penal, por meio da função punitiva. A pena, que surgiu originariamente como um direito de vingança, era aplicada sem observar se a culpabilidade ou a proporcionalidade entre a ofensa e a reparação, distinções imprescindíveis à ideia atual de justiça. Com a evolução do Direito Penal passa-se a avaliar aspectos rígidos para a conceituação do que seria o Crime. Crime é uma ação (ou omissão) típica, antijurídica e culpável, existindo diversas excludentes e regras para cada um dos campos citados. Por sua vez, a Imputabilidade Penal é analisada no campo da “culpabilidade”, sendo esta a possibilidade de se considerar alguém culpado pela prática de uma infração penal. Este aspecto não integra o elemento do tipo penal, é apenas um pressuposto para que seja possível a imposição de uma pena. Vale dizer, por mais que a conduta descrita no tipo penal seja realizada, a culpabilidade analisa se será possível imputar uma sanção ao infrator. Diz-se que o indivíduo é imputável quando tem capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. Quando o indivíduo não possui tal discernimento, por diferentes motivos, equivale dizer que é um Inimputável. 2. Critérios de aferição da Inimputabilidade Penal O Código Penal Brasileiro não define expressamente o que vem a ser imputabilidade, mas o seu conceito pode ser extraído indiretamente de seus artigos, a partir da verificação dos casos em que esta não se identifica. Nas Palavras de Daniel Raizman: “A chamada inimputabilidade que reflete a incapacidade da pessoa para ser sujeito de imputação pela falta de compreensão da ilicitude, e, como se verá, quando,

1 CAPÍTULO Icomportamento humano. Daí entender-se que o menor não deve considerar-se um imputável".2 Isto se dá, pois por fatores anatômicos explicados pela medicina, o menor

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Page 1: 1 CAPÍTULO Icomportamento humano. Daí entender-se que o menor não deve considerar-se um imputável".2 Isto se dá, pois por fatores anatômicos explicados pela medicina, o menor

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CAPÍTULO I

1. Breve Histórico

Podemos afirmar que o direito nasceu no momento em que as pessoas começaram a se

organizar em sociedade, sob a forma de costumes que foram se tornando obrigatórios. Para

coordenar essas atividades típicas da interação humana, foi necessário um mínimo de ordem e

direção, ou seja, de regras de conduta. Sem estas regras seria impossível que fluísse o

convívio entre os homens e proporcionar-lhes harmonia em suas relações.

Os primórdios das manifestações de existência de um “ordenamento jurídico”, na

forma mais simples que se pode conceber, ocorrem no campo do Direito Penal, por meio da

função punitiva. A pena, que surgiu originariamente como um direito de vingança, era

aplicada sem observar se a culpabilidade ou a proporcionalidade entre a ofensa e a reparação,

distinções imprescindíveis à ideia atual de justiça.

Com a evolução do Direito Penal passa-se a avaliar aspectos rígidos para a

conceituação do que seria o Crime. Crime é uma ação (ou omissão) típica, antijurídica e

culpável, existindo diversas excludentes e regras para cada um dos campos citados.

Por sua vez, a Imputabilidade Penal é analisada no campo da “culpabilidade”, sendo

esta a possibilidade de se considerar alguém culpado pela prática de uma infração penal. Este

aspecto não integra o elemento do tipo penal, é apenas um pressuposto para que seja possível

a imposição de uma pena. Vale dizer, por mais que a conduta descrita no tipo penal seja

realizada, a culpabilidade analisa se será possível imputar uma sanção ao infrator.

Diz-se que o indivíduo é imputável quando tem capacidade de entender o caráter

ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. Quando o indivíduo não

possui tal discernimento, por diferentes motivos, equivale dizer que é um Inimputável.

2. Critérios de aferição da Inimputabilidade Penal

O Código Penal Brasileiro não define expressamente o que vem a ser imputabilidade,

mas o seu conceito pode ser extraído indiretamente de seus artigos, a partir da verificação dos casos em que esta não se identifica. Nas Palavras de Daniel Raizman:

“A chamada inimputabilidade que reflete a incapacidade da pessoa para ser sujeito de imputação pela falta de compreensão da ilicitude, e, como se verá, quando,

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existindo a compreensão, não pode atuar em conformidade com esta".1

Desta feita, é possível extrair três sistemas para a aferição da Inimputabilidade Penal.

São eles:

I – Sistema Biológico – É baseada na simples presença de causa mental deficiente.

Este tipo de sistema não está atrelado às indagações psicológicas do aspecto volitivo

da imputabilidade, de modo que não se avalia a capacidade de autodeterminação ou

lucidez do agente.

II – Sistema Psicológico – Não se atrela à presença de doença mental ou

desenvolvimento mental incompleto preexistente. O foco se dá no entendimento do

indivíduo, de modo que este seja completamente incapaz de compreender a ilicitude

de sua conduta ou determinar-se de acordo com ela.

III – Sistema Biopsicológico – É o critério adotado pelo sistema normativo Brasileiro,

onde, para ser inimputável, não basta a pré-existência de doença ou do

desenvolvimento mental incompleto. Exige-se, também, que ao tempo da ação ou

omissão, o agente não tenha sido capaz de compreender o fato criminoso, ou, caso o

fosse, não conseguiu controlar o impulso delitivo em razão deste fator. É o que

podemos observar a partir da leitura do art. 26 do CP:

"Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”

¹ RAIZMAN, Daniel Andrés. Direito Penal 1. 4ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva. 2011, p. 136.

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Como exceção a este critério, aos menores de 18 anos não é necessária à incapacidade

de entender ou querer cometer o fato ilícito. Torna-los inimputáveis foi meramente uma

presunção jurídica absoluta (juris et de jure) de inimputabilidade, sem qualquer

questionamento sobre a real incapacidade de entender ou querer o fato praticado.

Desta forma, os jovens deveriam ter um tratamento diferenciado, respeitando suas

características, não podendo estar sujeitos a penas criminais uma vez que não são capazes de

avaliar as consequências de seus atos. Não seria razoável exigir do adolescente, pessoa ainda

em formação, o mesmo discernimento de um adulto, com discernimento e maturidade total de

seus atos. Nas palavras de José Frederico Marques:

"O menor, pelo seu desenvolvimento mental ainda incompleto, não possui a maturidade suficiente para dirigir sua conduta com poder de autodeterminação em que se descubram, em pleno desenvolvimento, os fatores intelectivos e volitivos que devem nortear o comportamento humano. Daí entender-se que o menor não deve considerar-se um imputável".2

Isto se dá, pois por fatores anatômicos explicados pela medicina, o menor de 18 anos

não tem sua personalidade já formada, ou seja, ainda não alcançou a maturidade de caráter.

Foi instituído que este indivíduo ainda não atingiu o grau de desenvolvimento físico-mental

para poder compreender o significado ético social de suas ações, faltando-lhe o discernimento

para distinguir o que é certo e o que é errado.

A parte do cérebro responsável pela capacidade de tomada de decisões lógicas é o

Córtex Pré-frontal. Neste viés, escreve André Frazão Helene, Neurocientista da USP:

"Diferentes estudos indicam que comportamentos tipicamente humanos, como a tomada de decisão lógica e capacidade de articulação de estratégias, são funções relacionadas ao córtex pré-frontal. Se observarmos seu desenvolvimento, veremos que há um aumento do volume dessa área durante a adolescência, mostrando que ele não está totalmente formado até então. Também parece haver uma estruturação fina da conectividade dos neurônios. Por essa razão, se pode dizer que adolescentes têm um padrão diferente de atribuições de valores para a tomada de decisões, quando comparado a adultos, em função das diferenças neurobiológicas".3

² MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. Campinas: Bookseller, 1997, p. 222. 3 BARRETO, Paloma. Jornal da Ciência/SBPC, ed. 737. A Ciência e a Redução da Idade Penal, São Paulo, maio, 2013. Disponível em: < http://www.ecodebate.com.br/2013/05/24/a-ciencia-e-a-reducao-da-idade-penal/>. Acesso em 02 nov. 2015.

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Desta forma, a imputabilidade do menor não é aferida com base no fato de o mesmo

entender ou desejar o ato ilícito, e sim em um critério pré-fixado de formação pessoal do

agente, levando em consideração à condição peculiar do jovem como pessoas em

desenvolvimento.

Ao definir esta regra, o Brasil optou por um caminho determinado na definição da

capacidade, o de presumir que todos os jovens abaixo de 18 são inimputáveis penalmente.

Por esta diferença com os demais agentes inimputáveis, que necessitam a real

incapacidade de entender o caráter ilícito ou se determinar diante dele, abre-se uma margem

para questionar se este critério pré-estabelecido não acarretaria na impunidade do jovem

infrator.

É neste contexto que surge a PEC 171-A/2005 e sua proposta de redução da

maioridade penal para 16 anos de idade.

2.1. A Inimputabilidade Penal no Brasil

A idade mínima de 18 anos para imputabilidade penal foi disposta pelo Código Penal

em 1940 e foi posteriormente incluída na Constituição Federal de 1988, no Art. 228. Pela

leitura do art. 27 do Diploma Penal extraímos que são inimputáveis os menores de 18 anos,

nos quais o desenvolvimento incompleto presume a incapacidade de entendimento e vontade.

"Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)".

Tomando como ponto de partida o contexto socioeconômico atual e da onda de

violência que assola o Brasil, pode, num primeiro momento, soar razoável a redução da

maioridade penal visando afastar a impunidade.

O cenário de violência que vive o País, principalmente pela repercussão nos meios de

comunicação onde a violência juvenil é vista como uma ameaça à segurança da sociedade,

trás consigo um aumento drástico de reprovação social e sentimento de busca por justiça.

Assim, vemos cada vez mais presente discussões no congresso nacional no sentido de

endurecimento da legislação penal.

Todavia, engana-se o homem comum ao pensar que inimputabilidade e impunidade se

confundem. Os menores de idade, considerados inimputáveis, não podem sofrer sanções de

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acordo com a Legislação Penal, mas isso não significa dizer que não sofrem qualquer tipo de

punição. Como se pode observar na própria lei penal, estes menores estão sujeitos à legislação

especial, qual seja, o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Acredita-se que não seria adequado impor a mesma pena aplicada a um adulto, a um

jovem que cuja personalidade ainda se encontra em processo de formação. As medidas

socioeducativas, previstas no ECA como resposta aos jovens que cometam algum ato

infracional, visam moldar a personalidade do jovem infrator, oferecendo-o assistência, estudo,

formação e, acima de tudo, possibilidade de uma vida digna.

3. ECA: Ato Infracional e Medidas Sócio Educativas

Anteriormente à criação do ECA, o Direito da Criança e do Adolescente era abarcado

pelos diversos ramos do direitos no qual se inseria, sendo meramente um “braço” do Direito

Civil e Penal. Entretanto, a partir de 1990 conquistou a autonomia com o referido Diploma

Legal, sendo notadamente reconhecida a necessidade de condensar os Direitos dos Menores e

regula-los com suas devidas especificações, com o fulcro de constituir um futuro melhor,

dando às crianças condições de uma vida digna através de medidas socioeducativas.

A criação do ECA no Brasil seguiu uma ideia de Política de Direito Penal Juvenil, por

força de Tratados Internacionais dos quais o Brasil é signatário, como por exemplo, as Regras

de Beijing.4

O menor em conflito com a lei está sujeito a sanções, porém, não comete crime, e sim

Ato Infracional, que nada mais é do que um fato típico e antijurídico análogo a um crime ou

uma contravenção penal previsto na legislação penal.

Com procedimento próprio, o ECA respeita o Princípio da Legalidade ao estabelecer

como Ato Infracional aquilo que encontra sua definição nos tipos penais. Diversamente do

Direito Penal, a legislação especial tem o condão de aplicar Medidas Socioeducativa, que não

são penas propriamente ditas, mas sim oportunidades de inserção em processos educativos

visando a construção ou reconstrução de projetos de vida desatrelados da prática de atos

infracionais e, simultaneamente, na inclusão social plena.

As Medidas Socioeducativas5 são as consequências do ato infracional quando

praticados pelos adolescentes (exclusividade deste) e tem o caráter de sanção. Assim como a

4 Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de Menores, adotadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua resolução 40/33, de 29 de Novembro de 1985. 5 “Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:

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pena propriamente dita, tais medidas tem uma teoria mista de sua aplicabilidade, visto que ao

mesmo tempo em que pretende inserir a retribuição, que seria um castigo pelo mal causado,

prega a prevenção, que seria a sócioeducação.

Estas medidas vão desde sanções mais leves, como a advertência, obrigação de

reparar o dano6 ou prestação de serviços à comunidade, a medidas mais graves, como regime

de semi-liberdade e a internação.

Inclusive, a internação é uma medida privativa de liberdade. A internação é a prisão

do adolescente infrator em entidade exclusiva para adolescentes respeitando a condição

peculiar de pessoa em desenvolvimento, onde permanecerá por no máximo três anos, de modo

que sua liberdade é retirada. Porém, esta sanção deve ser aplicada em caráter excepcional,

apenas quando não houver outra medida cabível a ser aplicada, devendo respeitar a

proporcionalidade em relação à ofensa cometida.

Contudo, tendo em vista que se deve respeitar a condição de pessoa em

desenvolvimento do adolescente, não pode ser tratada como mero encarceramento, devendo

promover medidas de prevenção, visando educar e resgatar o jovem infrator da

marginalidade.

A internação é a sanção mais grave prevista no ECA, de modo que deve ser aplicada

norteada pelo princípio da proporcionalidade. Como vemos no art. 122 do ECA, a mesma só

pode ser aplicada em três hipóteses:

"Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando: I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.”

I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semi-liberdade; VI - internação em estabelecimento educacional;” VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. 6 Faz-se um adendo à esta medida socioeducativa, pois uma vez que a mesma tem função de pena, deve ser pessoal, sendo dever o próprio adolescente reparar o dano. Não se confunde com a reparação civil, onde serão chamados à participar os pais ou responsáveis do menor, devendo-se excluir o que já foi pago à título da medida socioeducativa, pois é vedado o enriquecimento ilícito.

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É interessante destacar que, esta sanção prevista para os adolescentes atinge a mesma

classe que já é atingida pelo Direito Penal, todavia estes não entram no sistema penitenciário

de modo a se impregnar todas as mazelas já conhecidas deste sistema. Ao invés disto, é

aplicada a medida da internação, que visa, acima de tudo, respeitar a condição especial do

adolescente educando-o para se reintegrar quando for posto em liberdade.

Frisa-se que não há que se falar em impunidade do jovem infrator, visto que a

internação é uma medida análoga à própria prisão, onde o mesmo pode, inclusive, permanecer

regido pelas sanções do ECA por até 9 anos7 (o que provavelmente seria mais tempo do que

um adulto receberia de pena por um homicídio, tendo em vista que sua pena é de reclusão de

seis a vinte anos8), visto que pode ficar em até 3 anos em Internação, indo posteriormente para

o regime de semi-liberdade por mais 3 anos, e, por fim, para o regime de liberdade assistida

por mais 3 anos, como se fosse uma progressão de regime.

Apesar de o ECA se destinar apenas à criança e o adolescente, em caráter

excepcional, afeta o jovem adulto até os 21 anos. Desta forma, se um adolescente cometer um

ato infracional próximo de completar os 18 anos de idade, continuará sofrendo as

consequências de seus atos até os 21 anos, onde sua liberação será compulsória.

3.1. Teoria do Etiquetamento (Labelling Approach)

Consagrada por Becker em seu livro “Outsiders”9, a Teoria do Etiquetamento ou

Labelling Approach vem para reforçar um ponto já muito discutido pela criminologia – A

estigmatização.

Surge a partir do estudo do fenômeno das Cifras Negras, no contexto de crimes de

colarinho branco, onde diverge o número de crimes que são efetivamente praticados e que

aparecem nas estatísticas oficiais. Nas palavras de Diego Augusto Bayer:

“Observa-se que apenas uma pequena parcela dos delitos serão investigados e levarão a um processo judicial que repercute em uma condenação criminal. Com isto, o risco de ser etiquetado, ou seja, "aparecer no claro das estatísticas", não depende da conduta, mas da situação do indivíduo na pirâmide social. Por isso o sistema penal é

7 “Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento: (...) § 4º Atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, o adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de semi-liberdade ou de liberdade assistida.” 8 Art. 121. Matar alguem: Pena - reclusão, de seis a vinte anos 9 BECKER, Howard S.. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. São Paulo: Ed. Zahar. 2008

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seletivo, pois funciona segundo os estereótipos do criminoso, os quais são confirmados pelo próprio sistema”10

Esta seletividade se expressa cada vez mais, onde condutas praticadas por

determinadas pessoas são objeto de atuação penal mais rigorosa, gerando um estigma

perpetuo na vida destes indivíduos.

Ao ser condenado ao fim de um processo penal, o indivíduo leva aquele rótulo

consigo por toda a vida – o etiquetamento como um criminoso – completamente segregado

pela sociedade, que lhe nega desde emprego até a própria inserção na sociedade,

reconhecendo nesta figura seu próprio inimigo.

Desta forma, de nada adiantaria levar jovens delinquentes ainda sem formação

criminal consolidada a presídios onde, ali sim, estariam expostos ao assedio das facções.

Parece-nos uma alternativa mais acertada construir um futuro melhor, dando condições a

criança de ter uma vida digna.

Levando em conta o fim social do ECA, que se preocupa com a condição peculiar de

pessoa em desenvolvimento do adolescente, seria uma medida mais eficaz aumentar o prazo

anteriormente comentado da Internação, prevista pelo ECA, tendo em vista que colocar o

menor infrator em Prisões de fato não atenderá aos anseios populacionais por segurança ou

reparação, tornando a redução infrutífera. Devem ser procurados meios mais eficazes de

contar a criminalidade em nosso país.

10 BAYER, Diego Augusto. Teoria do etiquetamento: a criação de esteriótipos e a exclusão social dos tipos. Disponível em http://diegobayer.jusbrasil.com.br/artigos/121943199/teoria-do-etiquetamento-a-criacao-de-esteriotipos-e-a-exclusao-social-dos-tipos. Acesso em 15 de fevereiro de 2016.

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CAPÍTULO II

1 .O Poder Constituinte

Hodiernamente, temos a ideia de Supremacia da Constituição – sendo esta a norma

fundamental de todo o ordenamento jurídico do Estado. É sabido até pelo homem comum

que, no Brasil, nenhuma norma tem mais força que a constitucional, respeitando um rígido

padrão de hierarquia.

Inicialmente, devemos conceituar o poder constituinte: é o poder que constitui e

elabora normas constitucionais, o responsável pela escolha e formalização do conteúdo das

normas constitucionais. Conforme preceitua Canotilho:

“O poder constituinte se revela sempre como uma questão de ‘poder’, de ‘força’ ou de ‘autoridade’ política que está em condições de, numa determinada situação concreta, criar, garantir ou eliminar uma Constituição entendida como lei fundamental da comunidade política”.11

Já nas palavras do ilustre Ministro Luís Roberto Barroso, “onde quer que exista um

grupo social e poder político efetivo, haverá uma força ou energia inicial que funda esse

poder, dando-lhe forma e substância, normas e instituições”.12

Dessa forma, temos que o Poder Constituinte é o poder de elaborar e impor a

vigência de uma Constituição, baseado na vontade da nação e encontrando limites apenas no

Direito Natural.

Entretanto, tendo em vista que a Constituição deve refletir a sociedade em que se

encontra inserida, e a sociedade vive em constante mudança, o poder constituinte, além de

produzir normas constitucionais e elaborar a Constituição, também é o poder que está

legitimado a alterá-la. Na primeira hipótese, diz-se originário, de primeiro grau; na segunda,

tem-se o poder reformador, derivado, de segundo grau.

2. O Poder Constituinte Originário

O Poder Constituinte Originário é aquele que cria a Constituição do Estado: Isto

pode ser feito no momento em que o Estado surge, onde o Poder Constituinte Originário lhe 11 J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 7. Ed. Coimbra. Almedina, 2003. p. 65 12 BAROSSO, Luís Roberto. Curso de direito contemporâneo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. P.117.

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dará a sua primeira constituição, ou num cenário de ruptura da ordem jurídica existente

(revoluções, derrotas em guerras ou transições políticas pacíficas), recriando a Constituição

naquele âmbito.

De fato, “trata-se do poder de elaborar e impor a vigência de uma Constituição.

Situa-se ele na confluência entre o Direito e a Política, e sua legitimidade repousa na

soberania popular13”. Resta claro que, como resposta democrática, o titular deste poder é o

povo, como um elemento constitutivo do Estado, preceituando um Estado Democrático de

Direito, encontrando limites apenas no direito natural.

Dentro de suas características, podemos citar os três pilares: é um poder inicial,

incondicionado e ilimitado. Inicial, pois instaura uma nova ordem jurídica, seja pela primeira

Constituição, ou a partir de uma ruptura da ordem jurídica anterior – criando, ou substituindo

o fundamente de validade do ordenamento jurídico. Incondicionado, pois o procedimento de

criação de uma constituição não deve ser ligado a qualquer tipo de condição previamente

regulada, ou seja, ele não é subordinado à ordem jurídica preexistente. O regimento interno,

que dita às normas pelas quais será elaborada a Constituição, é criada pelo próprio Poder

Constituinte. Por fim, é ilimitado ao passo que não há limites em sua atuação14.

Quanto à sua legitimidade, podemos dizer que esta se manifesta através da

titularidade e do exercício deste poder, devendo esta emanar do povo através de

representantes eleitos especificamente para este fim. Além disto, ainda no que concerne a

legitimidade, o conteúdo constitucional deve estar em conformidade com os anseios de seu

titular, devendo respeitar os interesses e a força social da sociedade na qual foi originada.

Cabe salientar que por tal motivo, o Poder Constituinte trás consigo a estabilidade e a

garantia de permanência, com a certeza de uma supremacia hierárquica inerente ao status da

normal constitucional.

Tal poder pode se manifestar de duas formas: através da outorga ou de uma

assembleia nacional constituinte. O primeiro se baseia em um cenário de movimento

revolucionário, com uma declaração unilateral do agente revolucionário. Já o segundo, nasce

da deliberação da representação popular.

13 BAROSSO, Luís Roberto. Curso de direito contemporâneo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. P.120. 14 Há divergência doutrinária acerca da característica da Ilimitação do Poder Constituinte Originário, onde o mesmo encontraria limitações, no mínimo, nos valores sociais e políticos da sociedade e pela própria ideia de Direito. Para os Positivistas, este poder é ilimitado pois faz parte da própria natureza do Poder, enquanto os Jusnaturalistas defendem que tal poder não é ilimitado, e sim autônomo.

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3. Poder Constituinte Reformador

Releva salientar que a sociedade está em constante mudança, onde o paradigma

social muda de acordo com esta, caracterizando novas realidades e demandas sociais; Seria

completamente irrazoável considerar chamar à tona o Poder Constituinte a partir de cada

pequena mudança no âmbito político-social do Estado. Desta forma, a própria Constituição

deve possuir mecanismos para manter sua preservação e continuidade histórica.

Por esta razão, foi instituído o Poder Constituinte Reformador – é um poder derivado

do originário, previsto na própria constituição, que possui o poder e a legitimação para alterar

o texto constitucional ou até mesmo reforma-lo. Trata-se de uma competência regulada pela

Constituição, devendo seguir as formas e parâmetros estipulados pela Constituição Originária

para sua legítima alteração. De acordo com os ensinamentos de Marcelo Novelino, “O Poder

Constituinte Derivado é responsável pelas alterações no texto constitucional, segundo as

regras instituídas pelo Poder Constituinte Originário.”15

Ao contrário do Poder Constituinte Originário, anteriormente citado, este é um Poder

de Direito, e não um Poder Soberano. Sua principal característica é a limitação material e o

fato de ser condicionado, devendo obedecer às regras colocadas pelo poder inicial. Se não

existisse tal limitação, não encontraríamos diferença fática entre os dois poderes. Esta

limitação se refere, principalmente, aos órgãos competentes e aos procedimentos a serem

observados na alteração do texto constitucional. De acordo com os ensinamentos do Ministro

Luis Roberto Barroso:

“Sua função é a de permitir a adaptação do texto constitucional a novos ambientes políticos e sociais, preservando-lhe a força normativa e impedindo que seja derrotado pela realidade. Ao fazê-lo, no entanto, deverá assegurar a continuidade e a identidade da Constituição”16

O titular deste Poder é especificado na própria Constituição, em regra, o Parlamento

(no caso do Brasil, o Congresso Nacional). Entretanto, pode-se dizer quem em razão do “A

maiori, ad minus”, cuja tradução literal seria a máxima “quem pode mais, pode menos”, ao

15 NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 10ª ed. Salvador: JusPodivm, 2015. P 83 16 BAROSSO, Luís Roberto. Curso de direito contemporâneo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. P.169

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passo que o povo tem a titularidade para fazer a Constituição, nada impediria que a detivesse

para reforma-la.

É inegável que o Poder Constituinte inicial estipulou limites ao Poder Constituinte

Derivado, fazendo jus à sua limitação e condicionalidade. Parafraseando o ilustre Professor

Pedro Lenza:

“o originário permitiu a alteração de sua obra, mas obedecidos alguns limites como: quórum qualificado de 3/5, em cada Casa, em dois turnos de votação para aprovação das emendas (art. 60, §2º); proibição de alteração da Constituição na vigência de estado de sítio, defesa, ou intervenção federal (art. 60, §1º), um núcleo de matérias intangíveis, vale dizer, as cláusulas pétreas do art. 60, §4º da CF/88 etc.”17

É através deste Poder que existem as mudanças na Constituição, havendo a

possibilidade de adaptá-la às necessidades inesperadas. Esta alteração é feita a partir de um

procedimento específico, estabelecido previamente pelo poder originário e se manifesta na

forma de Emenda Constitucional, disciplinada pelo art. 60 da Constituição Federal.

A Emenda Constitucional é fruto do trabalho do Poder Constituinte Derivado,

constituindo uma das formas de modificação da Constituição de um Estado. É realizada

através de alterações em pequenas partes no próprio texto constitucional, a fim de mantê-la

atualizada.

Por se tratar do Poder Constituinte Reformador, deve-se obedecer a certos limites,

decorrentes do próprio sistema. No ordenamento jurídico brasileiro, sua aprovação se dá com

a apresentação de um Projeto de Emenda Constitucional – PEC, ficando a cargo de votação na

Câmara dos Deputados e no Senado Federal. A emenda depende de três quintos dos votos em

dois turnos de votação em cada uma das casas legislativas, além de prévia aprovação pela

Comissão de Constituição e Justiça – CCJ, e de uma Comissão Especial. A PEC pode alterar

um parágrafo, um tópico ou até mesmo um tema da Constituição. Conforme conceitua

Barroso:

“Emenda, no direito constitucional brasileiro, designa modificação, supressões ou acréscimos feitos ao texto constitucional, mediante o procedimento específico disciplinado na Constituição.”18

17 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. 18 BAROSSO, Luís Roberto. Curso de direito contemporâneo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. P.168

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3.1. Limitações ao Poder Constituinte Reformador

Conforme vastamente já explorado no tópico anterior, o Poder Constituinte

Reformador é condicionado, devendo respeitar determinados limites para funcionar e de fato

alterar parte da Constituição, sendo estas limitações subdivididas em:

I – Limitações Formais: Como sabemos, o processo de reforma da constituição segue

um procedimento específico e complexo. Alguns limites formais foram impostos

durante tal processo, de modo a sujeitar os atos emanados poder reformador a um

juízo de inconstitucionalidade. Com a Constituição de 1988 temos três requisitos

formais de aprovação da Emenda Constitucional: a iniciativa, onde existe um rol

taxativo presente no art. 60, cáput, da CF, explicitando os órgãos que podem exercer o

Poder Reformador - se qualquer órgão diverso destes propor uma emenda,

caracterizará inconstitucionalidade da PEC. Além disto, temos o quórum de

aprovação, do art. 60, § 2º da CF, onde será obrigatório a votação em cada casa do

Congresso Nacional, em 2 turnos, obtendo em ambos 3/5 dos votos. Por fim, temos a

promulgação da PEC, regida pelo art. 60, §3º da CF, vinculando sua promulgação

pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

II – Limitações Circunstanciais: Versa sobre determinadas situações anômalas,

decorrentes de situação atípicas ou de crise, em que o Poder Constituinte vetou a

alteração da Constituição. Decorrente da gravidade e anormalidade institucional

vigente, citadas no art. 60, §1º da CF, o texto original não pode ser alterado em casos

de Intervenção Federal, Estado de Defesa ou Estado de Sítio.

III – Limitações Materiais: Sendo o centro axiológico do presente trabalho, este tipo

de limitação é de extrema importância. Versa sobre as vedações materiais, ou seja, os

temas que não podem ser modificados pelo Poder Constituinte Reformador, visando

proteger a essência da identidade original da Constituição, conservando o espírito da

Constituição.19

19 Peter Häberle, L’État constitutionnel, 2004, p.125

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Faz referência a um grupo intangível, denominados cláusulas pétreas, expresso no art.

60, §4º. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a

Forma Federativa de Estado, o Voto Direto, Secreto, Universal e Periódico, a

Separação dos Poderes e os Direitos e Garantias Individuais.

3.2. Cláusulas Pétreas

Conforme já explicitado no tópico anterior, as Cláusulas Pétreas são o núcleo

intangível da Constituição, aquilo que não pode ser deliberado com o intuito de aboli-los,

visando proteger institutos e valores imprescindíveis à preservação da identidade

constitucional exaltada pelo Poder Constituinte Originário. Tais institutos condessam as

decisões políticas essências e os valores fundamentais que justificam a sua criação.

Temos quatro espécies das supracitadas cláusulas, como pode-se extrair da simples

leitura do art. 60 §4º da CF:

“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...) § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. (...)”

Estes quatro assuntos estão excluídos da esfera de deliberação político-democrático, de

modo a se tornarem irrevogáveis, tornando inválida qualquer emenda que tenha tal pretensão,

uma vez que se forem alterados seria equivalente a estarmos de frente a uma nova

Constituição, e não mera Reforma Constitucional.

Tal fato não obsta dizer que os assuntos abordados por Cláusulas Pétreas possuem

hierarquia frente às demais – apenas possuem maior carga valorativa, obtendo um status

político.

Para fundamentar tal rigidez, nos apegamos a duas teorias: a do pré-

comprometimento, de Jon Elster e a da democracia dualista, de Bruce Ackerman. Enquanto a

primeira se baseia em assegurar conteúdos essenciais para assegurar o próprio processo

democrático através da limitação de poder e da preservação de valores e direitos

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fundamentais, a segunda se baseia em assegurar as decisões adotadas pelo povo em contextos

de grande mobilização cívica de momentos em que tais anseios não estarão tão exacerbados.

Explicitando cada uma das espécies das Cláusulas Pétreas, temos:

I – Forma Federativa de Estado: De acordo com a ADI 2.204 MC/DF, a Forma

Federativa de Estado não deve ser pautar no modelo ideal conceituado, e sim na

intenção adotada pelo legislador originário. O núcleo essencial do princípio federativo,

que é protegido pelas Cláusulas Pétreas, se refere a três elementos - as autonomias

constitucionalmente garantidas a cada ente político da federação brasileira; a

repartição de competências; e a participação na formação da vontade do ente

federativo, que se dá por representação igualitária de cada ente federado no Senado

Federal. De acordo com entendimento do STF20, os princípios da Forma Federativa de

Estado estão englobados na referida proteção, como por exemplo, o princípio da

Indissolubilidade do Pacto Federativo e da Imunidade Tributária Recíproca.

II – Voto Direto, Secreto, Universal e Periódico: É uma cláusula pétrea que vem

protegida especificamente, e não como cláusula geral, tamanha a sua importância.

Considerado a essência do direito político, sendo o símbolo essencial do regime

democrático, o sufrágio não poderia deixar de ter tamanha proteção, por ser a forma

instituída de participação ativa do povo na vida política do Estado.

III – Princípio da Separação dos Poderes: Visando a proteção das liberdades dos

particulares, o art. 2º da CF estabeleceu uma divisão das funções estatais em três

poderes. Diante disto, as funções estatais devem ser divididas e atribuídas à órgãos

diversos, através de um sistema conhecido como “freios e contrapesos”. Tal divisão

tem como finalidade a possibilidade de um poder controlar o outro, através da

fiscalização e controle recíprocos, evitando que qualquer limite seja ultrapassado, com

base na independência e harmonia entre os poderes. Ressalta-se que não é protegido

todo o conteúdo constitucional que contém os três poderes, e sim apenas contra

normas que visam afetar o núcleo de sentido do princípio. Para isto, a norma deve

afetar a concentração de funções ou esvaziar a independência orgânica dos Poderes.

20 ADI 174.808 AgR, rel. Min. Maurício Corrêa (DJ 10/07/1996); ADI 939/DF, rel. Min. Sydney Sanches (15/12/1993)

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III – Direitos e Garantias Individuais: Embora já elencados no ilustre artigo 5º da

Constituição de 1988, existem Direitos e Garantias Individuais por todo o texto

constitucional. São direitos constitucionais, ligados à vida, à liberdade, à igualdade

jurídica, à segurança e à propriedade. De fato, apesar de parte da doutrina ser

contrária, acreditamos que tal cláusula pétrea englobe todos os Direitos e Garantias

Fundamentais, e não apenas os individuais. Nesse sentido, o entendimento do Ministro

Gilmar Mendes:

“Estou certo de que o constituinte de 1988, ao estabelecer que os direitos e garantias individuais constituem limites materiais à reforma constitucional, não se restringiu ao elenco do art. 5º. Todos os preceitos constitucionais que asseguram direitos e garantias e que, de alguma forma, conferem densidade à dignidade da pessoa humana – entendida esta com conteúdo essencial de todos e cada i, dos direitos fundamentais, na concepção de Maunz-Dürig – estão abarcados pelo inciso IV de art. 60 da Constituição e consistem, portanto, em barreiras conta o poder de reforma constitucional. Nesse sentido, não é preciso muito esforço hermenêutico para atestar que, nesse âmbito, estão incluídos os direitos políticos e suas garantias, expressos no Capitula IV do Título II da Constituição. O título II da Constituição condessa o que se poderia chamar de núcleo constitucional da cidadania, ao dispor os direitos fundamentais em sua tríplice configuração como direitos civis, sócias e políticos” 21

Além da brilhante argumentação exposta pelo Ministro, os juristas Vicente Paulo e

Marcelo Alexandrino afirmam, em referência à ADI 939/DF, Relator Ministro Sydney

Sanches, de 15/09/1993, que:

“O Supremo Tribunal Federal decidiu que não, entendendo que a garantia insculpida no art. 60, §4º, IV, da CF alcança um conjunto mais amplo de direitos e garantias constitucionais de caráter individual dispersos no texto da Carta Magna. Nesse sentido, considerou a Corte que é garantia individual do contribuinte, protegida com o manto de cláusula pétrea, e, portanto, inasfastável por meio de reforma, o disposto no art. 150, III, “b”, da Constituição (princípio da anterioridade tributária), entendendo que, ao pretender subtrair de sua esfera protetiva o extinto IPMF (imposto provisório sobre movimentações

21 ADI 3.685/DF. Ministro Gilmar Mendes

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financeiras), estaria a Emenda Constitucional n.º 3/1993 deparando-se com um obstáculo intransponível, contido no art. 60, §4º, IV da Constituição da República.”22

Desta forma, resta claro que o constituinte empregou a espécie pelo gênero, intentando

comtemplar todos os Direitos e Garantias Fundamentais. A intenção com esta

limitação é impor limites ao poder político, protegendo os indivíduos em face do

Estado.

Sem embargos, os Direitos Fundamentais surgem a partir do núcleo essencial do

princípio da Dignidade da Pessoa Humana, devendo este receber proteção máxima, de

modo a assegurar uma vida digna a todos os cidadãos.

4. Os Direitos Fundamentais Em 1798, surge na França o conceito de Diretos Fundamentais durante o movimento

político e cultural que originou a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Na doutrina brasileira, difere-se de Direitos humanos, conquanto este é utilizado para se

referir aos direitos consagrados por tratados e convenções internacionais, e aqueles, para se

referir a direitos inerentes ao ser humano positivados no texto constitucional.

Todas as teorias jurídicas defendem a necessidade de existência dos Direitos

Fundamentais23 como direitos básicos do Ser Humano. A título de exemplificação, para o

Jusnaturalismo, estes são direitos universais, inerentes à condição da natureza humana,

independente de sua ordem jurídica. Ou seja, são precedentes à criação das leis. Já para o

Positivismo Jurídico, os Direitos Fundamentais são decorrentes da lei, são aqueles previstos

no ordenamento jurídico. Não são universais, e sim locais, de modo que podem variar de

acordo com a legislação do País. Por fim, para os Realistas, estes direitos são fruto de uma

historicidade. Seu reconhecimento é baseado na conquista da sociedade de seus direitos

conforme o tempo – está ligada a história do homem, com as revoluções liberais.

22 Paulo, Vicente; Alexandrino, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 3ª edição Ed. Método. São Paulo, 2008 23 Muito se discute acerca da terminologia correta para citar os Direitos Fundamentais. Há quem use “direitos humanos”, “direitos humanos fundamentais”, “liberdades públicas”, “direitos dos cidadãos”, “direitos da pessoa humana”, “direitos do Homem”, etc. É preciso, porém, sedimentar uma terminologia adequada. Entendemos que todas as terminologias citadas são gêneros de “Direitos Fundamentais”, porém não se restringem à eles. Consideramos “Direitos Fundamentais” a nomenclatura mais adequada, sendo, inclusive, esta a utilizada pela própria Constituição Federal.

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Pode-se dizer que a base dos Direitos Fundamentais se funda em dois pilares: A

Dignidade Humana e o Estado de Direito. O primeiro, por ser o princípio que justifica a

existência destes Direitos – o reconhecimento de certos direitos básicos aos seres humanos

pelo simples fato de serem humanos. Nas palavras de João Trindade: “Embora não se trate de

unanimidade, a doutrina majoritária concorda que os direitos fundamentais nascem da

dignidade humana. Dessa forma, haveria um tronco comum do qual derivam todos os direitos

fundamentais” 24

Têm-se como definição de direitos fundamentais a referencia aos direitos considerados

básicos para qualquer ser humano, independentemente de condições pessoais específicas.

Compõem um núcleo intangível de direitos da natureza humana submetidos a uma

determinada ordem jurídica. São Imprescritíveis, Inalienáveis, Indisponíveis e Indivisíveis.

Além disto, são marcados por certas características como universalidade, historicidade,

irrenunciabilidade e relatividade.

Os direitos fundamentais são divididos em três grandes Gerações25 (ou Dimensões),

quais sejam:

I – Direitos de Primeira Geração (individuais ou liberdades públicas) – Marca a

fase inaugural do Constitucionalismo no Ocidente, assinalado pela passagem de um

Estado autoritário para um Estado de Direito. Os direitos de primeira geração estão

ligados às liberdades individuais, ou negativas clássicas, encarando o homem

enquanto homem singular com direitos únicos como liberdade, propriedade, vida,

dentre outros. É a instauração das liberdades públicas, aos direitos políticos do

homem, sob a tradução do valor da liberdade. Referem-se às liberdades individuais,

com a consequente limitação dos poderes absolutos do Estado, impondo-lhe o dever

de não violá-las.

II – Direitos de segunda geração (sociais, econômicos e culturais ou direitos

positivos) – Por sua vez, esta geração está ligada às liberdades positivas. É a fase da

realização social, relacionada às revoluções dos trabalhadores na Revolução

Industrial, ao conceito de igualdade material entre os seres humanos.

24 CAVALCANTE, João Trindade. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 25 Atualmente, existem doutrinadores que defendem a existência de Direitos de Quarta, e até Quinta geração. Porém, tal debate doutrinário não nos é pertinente ao passo que de nada influenciará ao longo do tema tratado por este trabalho.

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É a evidenciação dos direitos sociais, culturais e econômicos, além os direitos

coletivos, sob o prisma da igualdade. Ao contrário dos Direitos de primeira geração,

que impõe uma abstenção ao Estado, estes exigem dele que preste políticas públicas,

obrigando-o a prestações positivas, de fazer. Nas palavras de Bonavides:

“são os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social, depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal deste século. Nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula” 26

Releva salientar que se deve respeitar a cláusula de reserva do possível: o Estado

deve prestar os Direitos Fundamentais ao passo que for possível.

III – Direitos de terceira geração (difusos e coletivos) – Está voltado à proteção de

interesses de titularidade coletiva ou difusa, como os Direitos Ambientais, do

Consumidor, dentre outros. Preocupa-se com a proteção com as gerações humanas,

presentes e futuras.

Marcado pela alteração da sociedade frente às mudanças no âmbito internacional,

com todos os avanços promovidos em função das relações econômico-sociais, esta

geração não visualiza os direitos titularizados pelo homem, e sim por toda a

coletividade, a fraternidade ou solidariedade de um grupo, sendo estes direitos de

implicação universal. Em tese, são a proteção do próprio gênero humano, sob o

prisma do humanismo e da universalidade.

Vale ressaltar que devemos fazer uma breve distinção quanto ao que seriam Direitos

Fundamentais e o que seriam Garantias Fundamentais - Enquanto as Garantias seriam

instrumentos para se alcançar os próprios Direitos Fundamentais, estes são bens e vantagens

prescritos expressamente na norma constitucionais. Nos ensinamentos do ilustre Professor Rui

Barbosa:

26 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1993.

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"As disposições meramente declaratórias, que são as que

imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as

disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos

direitos, limitam o poder. Aquelas instituem os direitos,

estas as garantias; ocorrendo não raro juntar-se, na

mesma disposição constitucional, ou legal, a fixação da

garantia, com a declaração do direito."27

Assim, após amplamente demonstrada a fundada importância dos Direitos

Fundamentais, ainda podemos afirmar que as normas que os vinculam são hierarquicamente

superiores às demais normas, e, inclusive, possuem limitação constitucional de reforma e

emendas. Além disto, têm aplicabilidade imediata e vinculam todos os poderes. Tais direitos

são tão caros ao ordenamento jurídico, que tem o poder, inclusive, de invalidar atos da

Administração Pública que os desrespeitem. Ao Judiciário, por sua vez, cabe regular a

concretização desses direitos, tanto na atividade pública como nas relações privadas.

O Direito Público é norteado pelos Direitos Fundamentais em toda a sua totalidade,

sendo a eficácia de todas as suas atividades dependentes da observância destes. Na atividade

legislativa, estes direitos devem ser observados na confecção das leis, não ensejando a

promulgação de normas que contrariem ou ofendam o bem jurídico protegido pelos Direitos

Fundamentais.

Porquanto exista uma expressiva saliência da importância dos Direitos Fundamentais

na sociedade, foi necessário criar mecanismos de proteção a estes direitos, de modo a evitar

que se perdessem, mudando assim todo o paradigma constitucional à qual foi instituído. Além

das Cláusulas Pétreas anteriormente citadas, que protegem os direitos elencados à nível

constitucional, temos um Princípio que oferece uma proteção mais abrangente, referente,

inclusive, a certames infraconstitucionais: o Princípio da Vedação ao Retrocesso.

Em meados do Século XX, seguindo o movimento de constitucionalismo clássico

abarcados pela Revolução Francesa, notadamente ilustrada pela máxima “Liberté, Égalité,

Fraternité”, surgiu a necessidade de garantir os direitos da sociedade frentes as arbitrariedades

praticadas pelo Estado. Então surgem diversas teorias e medidas protetivas em relação aos

Direitos Fundamentais, que ganhavam cada dia mais importância e destaque no cenário

político-social.

27LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. P. 1060

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4.1. Princípio Constitucional da Vedação ao Retrocesso

Conforme já enfaticamente exposto anteriormente, os Direitos Fundamentais são os

alicerces do Estado Democrático de Direitos, ao passo que impedem abusos, assegurando

certos direitos inalienáveis do ser humano.

É por este motivo que os direitos fundamentais não podem sofrer mudanças estruturais

de modo que comprometam sua efetividade. É claro que as Cláusulas Pétreas protegem o

núcleo essencial dos Direitos Fundamentais, mas e se este for objeto de alguma alteração que

mitigue seu alcance sem afetar seu núcleo axiológico? É neste contexto que surge o Princípio

da Vedação ao Retrocesso, a fim de impedir que tais casos sejam suprimidos ou alterados em

detrimento da população, proibindo a redução injustificada do grau de concretização

alcançado por um Direito Fundamental.

Com origem francesa, também conhecido como L’effet Cliquet, ou Effet de Cliquet28,

busca a proteção máxima dos Direitos Fundamentais contra qualquer medida normativa ou

política de supressão ou enfraquecimento destes, sendo o princípio com fulcro no progresso

adquirido pela sociedade durante os períodos de instabilidades e transformações.

Derivado dos princípios da Segurança Jurídica, da Máxima Efetividade dos Direitos

Constitucionais, da Confiança e da Dignidade da Pessoa Humana, o Princípio da Vedação ao

Retrocesso implica na ideia de que, após ter implementado um Direito Fundamental, não pode

o Estado retroceder. É vedado que se pratique algum ato que acarrete em perda de um Direito

Fundamental, podendo este ser modificado apenas no condão de acrescentar ao direito, de

ampliar sua fruição, e nunca de limitá-la.

Nas brilhantes palavras de Luís Roberto Barroso:

“A vedação ao retrocesso, por fim, é uma derivação da eficácia negativa, particularmente ligada aos princípios que envolvem os direitos fundamentais. Ela pressupõe que esses princípios sejam concretizados através de normas infraconstitucionais (isto é: frequentemente, os efeitos que pretendem produzir são especificados por meio da legislação ordinária) e que, com base no direito

28 A expressão “cliquet” representa o barulho do mosquetão dos alpinistas, dispositivo utilizado na escalada que segura o esportista, e mesmo que este se solte, ficará preso pelo mosquetão à determinado ponto. Ou seja, a partir de um determinado ponto da escalada, não é possível retroceder, devendo prosseguir sempre para cima, designando um movimento em que só é permitida a subida no percurso. Em analogia, utiliza-se esta expressão no direito para indicar que os direitos, assim como o alpinista, não podem retroceder após alcançar determinado ponto no certame jurídico.

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constitucional em vigor, um dos efeitos gerais pretendidos por tais princípios é a progressiva ampliação dos direitos fundamentais. Partindo desses pressupostos, o que a vedação do retrocesso propõe se possa exigir do Judiciário é a invalidade da revogação de normas que, regulamentando o princípio, concedam ou ampliem direitos fundamentais, sem que a revogação em questão seja acompanhada de uma política substitutiva ou equivalente. Isto é: a invalidade, por inconstitucionalidade, ocorre quando se revoga uma norma infraconstitucional concessiva de um direito, deixando um vazio em seu lugar. Não se trata, é bom observar, da substituição de uma forma de atingir o fim constitucional por outra, que se entenda mais apropriada, a questão que se põe é a da revogação pura e simples da norma infraconstitucional, pela qual o legislador esvazia o comando constitucional, exatamente como se dispusesse contra ele diretamente.”29

Surge então grande divergência doutrinária em relação aos limites da referida

Vedação. Ela abarcaria somente os Direitos Fundamentais Sociais, ou todos os direitos?

Sabe-se que não se visa proteger somente dos Direitos Fundamentais Sociais, visto

que todos os Direitos Fundamentais são de igual importância para o ordenamento jurídico

brasileiro.

Essa especificidade dos Direitos Sociais já foi rechaçada pelo próprio STF, ao

reconhecer a incidência do princípio da Vedação ao Retrocesso Político em diversos julgados,

como a ADI 4.54330 e a ADC 4.57831, esta ultima referente à chamada Lei Ficha Limpa.

Outro fator que nos leva a considerar que tal princípio não é aplicado taxativamente

aos direitos sociais encontra seu fundamento na Convenção Americana sobre Direitos

Humanos de 1969, onde podemos observar cláusula que expressamente impede que tratados

posteriores sejam “interpretados no sentido de limitar o gozo e exercício de quaisquer direito

ou liberdade que possam ser reconhecidos em virtude de lei de qualquer dos Estados-partes ou

em virtude de Convenções em que seja parte um dos referidos Estados”.32

Podemos observar resquícios do princípio da proibição do retrocesso em vários

seguimentos do ordenamento jurídico brasileiro, pois o mesmo se encontra ligado aos

princípios da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana, além de diversos institutos,

29 BARROSO, Luís Roberto. A nova interpretação constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. P 370/371. 30 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 4.543/DF. Plenário. Relatora Ministra Carmen Lúcia. DJe: 02/03/2012.Disponível em: <http://www.stf.jus.br/> Acesso em: 14 jun.2013. 31 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADC n. 4.578/DF. Plenário. Relator Ministro Luiz Fux. DJe 9.11.2011. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/> Acesso em: 14 jun.2013. 32 Art. 29, b, Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

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tais como: direito adquirido, ato jurídico perfeito, coisa julgada; limitações constitucionais às

restrições legislativas aos Direitos Fundamentais; limites materiais ao poder de reforma da

Constituição; e vedação de produção normativa que leve ao retrocesso na concretização dos

Direitos Fundamentais.

Portanto, tal Princípio corrobora para a tese de inconstitucionalidade da PEC 171-A,

uma vez que visa, sem sombras de dúvidas, restringir direitos fundamentais. Ora, já é sabido

por todos que o individuo só passa a ser imputável após completar 18 anos. Diminuir esta

idade-limite para 16 é uma clara supressão de direitos, ferindo diversos Princípios

Constitucionais e caracterizando inegável retrocesso ao ordenamento sócio jurídico atual.

A proposta da PEC de Redução da Maioridade Penal, se aprovada, não será apenas a

reiteração de um retrocesso ou enfraquecimento dos Direitos Fundamentais, é uma clara

supressão de direitos irreversíveis, onde foi criado todo um sistema vedando qualquer

enfraquecimento neste sentido. Tal supressão colocará em cheque todo o sistema

constitucional instituído atualmente, passando por cima não só de Princípios Constitucionais,

mas da própria Constituição em si.

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CAPÍTULO III

1. A Inimputabilidade Penal do menor de 18 anos como Cláusula Pétrea Como a regra da inimputabilidade penal aos menores de dezoito anos está expressa no

artigo 228 da Constituição Federal, só é possível alterá-la através de emenda constitucional. É

neste contexto que surge a PEC 171-A, visando uma redução da maioridade penal de 18 para

16 anos.

Uma proposta de emenda constitucional visando a alteração do artigo 228 para reduzir

a inimputabilidade penal dos menores de dezoito anos estaria de acordo com o procedimento

previsto para atuação do Poder Constituinte Reformador, e consequente Emenda

Constitucional?

Sem dúvidas, este é um direito individual inerente aos menores de dezoito anos,

abarcado pela Cláusula Pétrea do inciso IV do art. 60 da CRFB, intitulada de “Direitos e

Garantias individuais”.

É inegável que a PEC que pugna pela redução da maioridade penal estipulada pelo

Constituinte Originário, que foi de 18 anos, estaria reduzindo a idade-limite imposta,

mitigando o direito de somente ser responsabilizado pela Lei penal o menor de 18 anos, onde

a Constituição veda expressamente qualquer proposta de emenda tendente a abolir os direitos

e garantias individuais.

Partindo do pressuposto de uma emenda alterando o texto constitucional no âmbito de

reduzir a inimputabilidade penal, além de suprimir o direito de um determinado grupo,

alteraria toda a legislação especial do Estatuto da Criança de do Adolescente.

O Direito dos adolescentes, de somente ser imputável perante a lei penal ao atingir 18

anos, é basilar aos Direitos Fundamentais, uma vez que se configura, inclusive, como Direito

Adquirido. Foi clara a vontade do constituinte originário, devido a tendências internacionais,

de fixar a imputabilidade penal em 18 anos, oferecendo aos adolescentes tratamento

diferenciado em virtude da proteção especial, fora da esfera penal.

Assim, entendemos que essa legislação especial é uma garantia, um direito individual

do menor de dezoito anos de ser responsabilizado pelos seus atos perante uma legislação

especial, devido a sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Conforme os

ensinamentos de Alexandre de Moraes:

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“Assim, o artigo 228 da Constituição Federal encerraria a hipótese de garantia individual prevista fora do rol exemplificativo do art.5º, cuja possibilidade já foi declarada pelo STF em relação ao artigo 150, III, b (Adin 939-7 DF) e consequentemente, autentica clausula pétrea prevista no artigo 60, § 4.º, IV. (...) “Essa verdadeira cláusula de irresponsabilidade penal do menor de 18 anos enquanto garantia positiva de liberdade, igualmente transforma-se em garantia negativa em relação ao Estado, impedindo a persecução penal em Juízo”33

Por ser cláusula pétrea, a redução da imputabilidade penal possui o atributo de

intangibilidade e são imunes a qualquer incidência do poder constituinte reformador. A

reforma da Constituição no que concerne a redução da maioridade penal se mostra

insuscetível, frente à limitação material atribuída ao Poder Constituinte Reformador.

2 . Inconstitucionalidade da Redução da Maioridade Penal

As Garantias Individuais, além de ser teor de Cláusula Pétrea, assegura aos cidadãos

que legitimaram a Constituição a Segurança Jurídica. Tal garantia visa garantir a estabilidade

necessária à manutenção de um Estado Democrático de Direito.

Para tal, baseia-se em certos princípios, como o Princípio da Legalidade, que visa

proteger valores fundamentais do ser humano da arbitrariedade do Estado, instituindo que o

legislativo deve criar suas leis pautadas nos critérios da razoabilidade e em conformidade com

os preceitos constitucionais. Em outras palavras, todas as criações normativas devem ser

elaboradas em conformidade com o processo legislativo constitucional.

Outro fator decisivo encontra base na centralidade dos Direitos Fundamentais no ramo

do Direito Penal, sendo regido pelas premissas da reserva legal e liberdade de conformação do

legislador, o garantismo e o dever de proteção, com destaque para o Princípio da

razoabilidade-proporcionalidade. Apesar disto, o respeito aos Direitos Fundamentais impões

limites à atividade legislativa penal. Conforme explica Barroso:

33 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2005. P.2176

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“Para serem medidas válidas, a criminalização de condutas, a imposição de penas e o regime de sua execução deverão realizar os desígnios da Constituição, precisam ser justificados, e não poderão ter natureza arbitraria, caprichosa ou desmesurada, Vale dizer: deverão observar o princípio da razoabilidade-proporcionalidade, inclusive e especialmente na dimensão da vedação do excesso. (...) Em suma: o legislador, com fundamento e nos limites da Constituição, tem liberdade de conformação para definir crimes e penas. Ao fazê-lo, deverá respeitar os direitos fundamentais dos acusados, tanto no plano material como no processual.”34

Por ser cláusula pétrea, a redução da imputabilidade penal possui o atributo de

intangibilidade e são imunes a qualquer arremetida do poder constituinte reformador. A

reforma da Constituição não pode chegar ao extremo de retirar-lhe a identidade e seus

postulados básicos.

O art. 228 da Constituição Federal institui duas regras – uma sobre a inimputabilidade

penal e outra sobre uma forma alternativa de imputabilidade, diferenciada da penal, sendo esta

aplicada apenas aos adolescentes, que estão sujeitos às normas da legislação especial. Os que

estiverem abaixo da idade ali discriminada, estão sujeitos, mesmo quando cometam atos

infracionais (análogos aos crimes), a um tipo especial de imputabilidade, enquanto os maiores

sujeitam-se à imputabilidade penal.

Como já explicitado anteriormente, o jovem infrator não comete um crime e sai

impune, pois existem dois regimes jurídicos distintos, aplicáveis a inimputáveis e a

imputáveis. A ideia do legislador originário, ao elenca-lo como Cláusula Pétrea, é que jamais

na vigência desta Constituição, tal direito seja retirado do povo.

Neste viés, segue a pertinente reflexão: em se tratando de menor desajustado ou que

revele algum transtorno de personalidade, não seria razoável colocá-lo em tratamento

especializado, a fim de que se recupere, antes que se postule simplesmente encarcerá-lo por

anos? Não se pode admitir insurgir-se contra uma lei, ou que se pretenda alterá-la,

exclusivamente, no que tange sua punibilidade, quando esta jamais foi praticada e explorada

na sua totalidade, esgotando-se todos os instrumentos e expedientes de recuperação dos

menores ali constantes?

34 BAROSSO, Luís Roberto. Curso de direito contemporâneo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. P 405

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Por todo o exposto, se reitera aqui a manifestação evidente quanto à

inconstitucionalidade do tema. A redução do limite da idade penal é reserva constitucional, de

maneira que o art. 228 da Constituição Federal, que dispõe sobre a idade mínima da

responsabilidade penal aos dezoito anos é, de fato, uma garantia ou direito individual e, como

tal, não se pode aceitar seu menoscabo (art. 60 § 4º, IV da CF). Releva salientar que os

direitos e garantias expressos na Carta Magna não excluem os tratados internacionais os quais

o Brasil seja signatário (§ 2º do art. 5º da CF), integrando-os à legislatura pátria. Portanto,

qualquer Proposta de Emenda Constitucional com objetivo de redução da idade responsiva

delituosa ou de endurecimento da punição a menor infrator encaminhada ao Congresso

Nacional, não deverá prosperar, visto que viola cláusula pétrea e afronta os já citados

parâmetros internacionais de proteção aos Direitos Humanos os quais o Brasil não deve se

furtar em cumprir.

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