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Doçaria Tradicional VIMARANENSE

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FICHA TÉCNICA

Título: Doçaria Tradicional Vimaranense

Coordenação: Isabel Maria Fernandes

Assistente de coordenação: Vítor Marques

Autores dos textos: Isabel Maria Fernandes, Maria da Conceição Costa Mendes, Nuno Vieira e Brito, Virgínia Ribeiro

Créditos fotográficos: Paulo Pacheco; Foto Beleza; IPVC: Instituto Politécnico de Viana do Castelo; Sofia Sampaio de Faria Mota e Silva

Design: layout por Maria Alexandre Neves

Revisão de provas: Isabel Maria Fernandes

Editor: Câmara Municipal de Guimarães

Data de edição: 2011

Tiragem: 500

ISBN: 978-972-8050-47-4

Impressão: FALTA

Depósito legal: FALTA

Agradecimentos: Museu de Alberto Sampaio; Família Sampaio da Nóvoa; Família Freitas do Amaral; Sociedade Martins Sarmento; Amiguinhos do Museu de Alberto Sampaio; Foto Beleza.

Um agradecimento muito especial à Casa Costinhas e à Pastelaria Clarinha que permitiram a recolha de imagens nas suas lojas.

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ÍNDICE

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Mensagem | António Magalhães

pág. 7

Prefácio | Amadeu Portilha

pág. 9

Prólogo | Nuno Vieira e Brito

pág. 11

Doçaria de Guimarães: um doce património, Isabel Maria Fernandes

pág. 15 Nos longínquos anos de Quinhentos e Seiscentos

pág. 15 A primazia dos doces das freiras clarissas

pág. 17 Outros doces conventuais

pág. 17 No século XIX: doces para todos os gostos

pág. 19 Os cadernos de receitas familiares – Sampaio da Nóvoa e Freitas do Amaral

pág. 21 Doces vimaranenses: do século XVI até hoje

pág. 21 Aletria

pág. 22 Arroz doce

pág. 23 Biscoitos

pág. 23 Broinhas

pág. 23 Caramelo

pág. 24 Chouriços e morcelas doces

pág. 27 Confeitos

pág. 28 Conservas ou doces de fruta

pág. 39 Creme

pág. 40 Doce de chá

pág. 40 Doces de romaria

pág. 44 Grãos doces

pág. 44 Leite-crespo

pág. 44 Manjar

pág. 45 Massapães e massapão rosado

pág. 47 Mexidos ou formigos

pág. 48 Ovos-moles

pág. 49 Ovos reais

pág. 49 Palmilhas

pág. 50 Palitos

pág. 51 Pão-de-ló

pág. 54 Passas

pág. 55 Pastéis

pág. 55 Queijadas

pág. 57 Queimadas de fio

pág. 57 Sopa doce

pág. 57 Suplicos

pág. 59 Tortas

pág. 69 Toucinho-do-céu

pág. 78

Conclusão

pág. 79

Tortas de Guimarães: um contributo para a sua Qualificação, Virgínia Ribeiro e Nuno Vieira e Brito

pág. 81

Toucinho do Céu: um contributo para a sua Qualificação, Maria da Conceição Costa Mendes e Nuno Vieira e Brito

pág. 83

Bibliografia

pág. 87

Legendas

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MENSAGEM

A edição do livro “Doçaria Tradicional Vimaranense” é mais um esforço que a Câmara Municipal concretiza na preservação e defesa da memória do património de Guimarães.

É hoje reconhecido por todos o grande e diversificado número de iniciativas que têm sido avançadas com esse objectivo. Desde a reabilitação do edificado até ao levantamento de tantas tradições imateriais, temos sempre procurado que o passado continue a ser um guião para o presente e um estímulo para as gerações futuras.

A Doçaria tradicional é também património. Em séculos passados foram criadas e experimentadas receitas de doçaria que fizeram as delícias daqueles que habitavam o burgo, a Vila, e mais tarde a Cidade, e que transmitidas de geração em geração continuam a presentear aqueles que a elas têm acesso.

As tortas de Guimarães e o toucinho-do-céu são apenas dois exemplos, talvez os mais marcantes, desse longo receituário que constitui o património da doçaria tradicional vimaranense.

O levantamento que agora se publica em livro será um contributo importante para a preservação e divulgação da nossa doçaria.

Felicito todos os que mais se empenharam na sua edição e expresso votos que ela venha a ter a divulgação correspondente ao carinho que nela colocaram.

António Magalhães | Presidente da Câmara Municipal de Guimarães

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PREFÁCIO

Guimarães orgulha-se, desde tempos imemoriais, da riqueza e beleza do seu património edificado, cujo processo metódico de requalificação e regeneração nos permite ostentar hoje o estatuto de Património Cultural da Humanidade.

Mas esse patamar de excelência de Guimarães, que nos releva enquanto destino turístico cultural de referência, não só nosso país, mas em todo o Mundo, está também intimamente ligado à qualidade e diversidade da nossa gastronomia, onde a doçaria assume papel significativo.

E a doçaria tradicional é, objectivamente, um elemento marcante e diferenciador do nosso património cultural, pelo seu estatuto de tradição cultural antiga, com referências bibliográficas que nos chegam desde o séc. XVI.

O receituário, a produção e utilização de alguns ingredientes locais, assim como o método de confecção, principalmente quando falamos das Tortas de Guimarães e do Toucinho-do-Céu, são um património que desejamos legar para os vindouros, quer pela sua intrínseca capacidade de se poderem converter numa actividade económica capaz de gerar oportunidades de negócio, quer porque ninguém nos perdoaria se, por inação, essa memória da nossa identidade e do nosso património se perdesse.

Com a presente edição do livro “Doçaria Tradicional Vimaranense”, a Câmara Municipal oferece um contributo inestimável para a preservação e defesa dessa memória do património vimaranense, permitindo mesmo reavi-vá-la, porque generaliza um receituário tradicional que potencia a reintrodução na actividade económica local de um produto único e diferenciador de uma região e da sua cultura.

Com este livro, recuperamos memórias antigas e registamos para memória futura os receituários e a confecção de dois doces tradicionais vimaranenses.

Um livro que só foi possível com o apoio e colaboração de algumas pessoas e entidades, a quem a Câmara Municipal muito agradece.

À Dra. Isabel Maria Fernandes, pelo cuidado e rigor científicos dedicados ao estudo sobre a doçaria vimaranense antiga, recuperando o seu receituário tradicional, e que permite a publicação deste livro.

Ao Prof. Nuno Vieira de Brito, do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, grande entusiasta e parceiro empenhado deste projecto desde o seu primeiro dia.

Às suas alunas Virgínia Ribeiro e Maria da Conceição Costa Mendes, que fizeram as suas teses de mestrado dedicadas ao tema Tortas de Guimarães e Toucinho-do-Céu: um contributo para a sua Qualificação.

Ao IPVC TV (Instituto Politécnico de Viana do Castelo), pela recolha de imagens e produção de um filme inédito, anexo a esta publicação, onde surgem as etapas de preparação do Toucinho-do-Céu e das Tortas de Guimarães.

Sem estes contributos, um livro destes nunca seria possível.

Amadeu Portilha | Vereador do Turismo da Câmara Municipal de Guimarães

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PRÓLOGO

Arte e Gastronomia, senão mesmo a Doçaria, estiveram sempre condenadas ao longo dos séculos a viver entrelaçadas numa quente paixão, que “regada e acarinhada” sobrevive até aos nossos tempos e integra honrosamente a nossa Cultura e o nosso Património. Se, tal como referia Marie-Antoine Carême (1783-1833), Doçaria é um dos principais ramos da Arquitectura e esta um dos cinco ramos de Arte:

“The fine arts are five in number, namely: painting, sculpture, poetry, music, and architecture, the principal branch of the latter being pastry”.

Esta (Arte), manifesta-se profundamente feminina, como nos descreve Graham Kerr (The Galloping Gourmet, 1960), delicada, subtil e um pouco amarga, deixando-nos um irreconhecível sabor que persiste e perdura…

“I prefer to regard a dessert as I would imagine the perfect woman: subtle, a little bittersweet, not blowsy and extrovert. Delicately made up, not highly rouged. Holding back, not exposing everything and, of course, with a flavor that lasts.”

Revelar os segredos desta Arte, escondidos ao longo dos Anos numa majestosa combinação geracional, sempre no feminino e comprometendo fidalgas, monjas, burguesas e criadas, é hoje também um profundo gesto de cultura que orgulha toda uma região de encantos e saberes e um exercício literário e de investigação indispensável numa ancestral cidade como a de Guimarães, que vincada e justamente pretende ser um polo de ciência, conhecimento e cultura.

A continuidade de alguma estrutura social e familiar, que permitiu conservar receitas e tradições, a presença de inúmeros edifícios de cariz religioso, locais físicos de outrora opulentas e influentes ordens, o interesse de algumas famílias na “viagem” entre o passado e o presente e, por fim, o mérito de quem apoia, pesquisa e investiga, foram ingredientes determinantes para, hoje, se reconhecer e identificar uma doçaria tradicional de Guimarães.

Esta exaustiva pesquisa de doçaria local, baseada em receituário quer proveniente de ancestrais famílias de Guimarães quer conventual, permite iniciar um determinante trabalho de caracterização e qualificação, muito em particular, de dois dos mais tradicionais e emblemáticos doces conventuais provenientes do Convento de Santa Clara: o Toucinho-do-céu e as Tortas de Guimarães.

Pensarão os puristas e defensores da genuinidade que se poderá pôr em risco a autenticidade deste património, padronizando-o e qualificando-o. Descansem estes, já que uma das maiores riquezas destas iguarias é o processo, o toque, o sentido, particulares e únicos que cada uma das nossas doceiras mantêm, ao longo de toda a construção arquitectónica que revelam e surpreendem nesta específica Arte.

Sosseguem, ainda, todos os que procuram e se obstinam numa espartana e rigorosa dieta saudável. Se atentos ao valor calórico que nos suplementa, aos ovos que nos revigoram, à amêndoa que nos recorda o Tempo Pascal ou à chila ou o calondro que nos relembra as pequenas hortas das nossas avós, temos, então, sucessivos momentos de prazer, de memória, gosto ou sentido, enfim, um prazer divino, certamente semelhante ao que noviças e freiras partilhavam naquelas poderosíssimas cozinhas e refeitórios conventuais. Como diria Juvenal, o poeta romano do Séc. I, “Gustus elementa per omnia quaerunt”.

Iremos, pois, durante este percurso literário, sonhar com as receitas das nossas famílias. Recordar como o leite-creme, desde sempre famoso em Penselo, os ovos-moles e os ovos reais, a sopa doce ou a sopa dourada, os mexidos ou formigos ou tantos outros doces ou suas variantes, fazem parte do nosso imaginário e, para alguns mais privilegiados, ainda de momentos presentes de conforto prandial em épocas festivas, mas infelizmente cada vez mais raras.

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Creio, pois, que um primeiro desafio está ganho: o da identificação do receituário de Doces de Guimarães. Muito temos de agradecer ao interesse e labor de quem tanto gosta de Guimarães e de todo o seu Património, museológico ou gastronómico. Mais alguma informação nos foi transmitida pela investigação nos seus trabalhos de Mestrado, de duas alunas do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, que oportunamente valorizou a obra final com o recurso às novas tecnologias multimédia, na missão de divulgar a Gastronomia vimaranense.

Esta inteligente estratégia de valorização dos produtos locais que a Câmara Municipal revela, implica ambição. Ambição de, depois de identificar, registar “o saber-fazer” e o multiplicar, para que os visitantes (e mesmo os vimaranenses) não reconheçam apenas a doçaria local de forma literária. Com este estímulo e consequente divulgação, justifica-se a sua certificação no objectivo de reconhecer um Património Gastronómico único e imperdível. Como dizia Brillat-Savarin “De toutes les qualités du cuisinier, la plus indispensable est l’exactitude” (Physiologie do Goût, 1825).

Então, em Guimarães, Berço da Nacionalidade, Capital de Património e de Cultura, poderosa na sua Colegiada e conventos, majestosa nas suas casas senhoriais, única no seu burgo classificado e invencível no seu bairrismo, preencheremos todos os sentidos, num incomparável e inesquecível percurso gustativo que, entre outras especialidades, descobre entre vielas e casas típicas, o Toucinho-do-céu e as Tortas de Guimarães.

Este levantar de véu e de segredos há muito escondidos desperta, cada vez mais, a curiosidade científica na investigação dos usos e costumes gastronómicos, em particular dos seus doces, numa região muito fértil em conventos e tradições familiares. Continuar este desafio, contribuir para a caracterização do Minho como região de referência da Gastronomia serão, com toda a certeza, os “capítulos seguintes” desta indispensável Obra.

A todos a que para ela contribuíram, a gratidão de todos os que se interessam e envolvem nestes temas de Património Gastronómico. A Isabel Maria Fernandes, uma muito particular e especial referência e agradecimento…

Nuno Vieira e Brito | Vice-Presidente Intituto Politécnico de Viana do Castelo

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Doçaria de Guimarães: sua história

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Doçaria de Guimarães: sua históriaIsabel Maria Fernandes1

Numa terra de pergaminhos, com um plêiade de investigadores que ao longo dos tempos foram dando a conhecer o património documental, histórico e arquitectónico de Guimarães, há, no entanto, um enorme vazio no que se refere aos alimentos e à alimentação dos vimaranenses de outras épocas. Sobre alimentação vimaranense apenas se conhecem os textos de: Abade de Tagilde referentes ao convento de Santa Clara de Guimarães (GUIMARÃES, 1892-93); Alberto Vieira Braga sobre «As indústrias caseiras de Guimarães2» (BRAGA, 1923), «Os doces de Santa Clara» (BRAGA, 1927) e «Indústrias Caseiras» (BRAGA, 1928); e Eduardo Almeida, sobre «Os doces de Santa Clara» (ALMEIDA, 1925).

De facto, a arte culinária não tem colhido a atenção dos investigadores, desconhecendo-se o receituário usado em casa dos vimaranenses de antanho.

Percorrendo a documentação coeva ficamos com uma ideia dos produtos usados na alimentação e, num ou noutro caso, ficamos a saber o nome do prato ou do doce confeccionado, mas, não nos é dado o receituário nem nos é permitido saber como se preparavam os alimentos que iam à mesa de cada um3.

Neste texto debruçar-nos-emos apenas sobre a arte da doçaria em Guimarães procurando, através da documentação existente, saber que doces os vimaranenses foram comendo aos longo dos últimos séculos. Daremos especial atenção à doçaria confeccionada nos conventos de Guimarães, principalmente no convento de Santa Clara, bem como ao receituário que se perpetuou em casa de duas ilustres famílias vimaranenses.

1 Investigadora (Museu de Alberto Sampaio). Email: [email protected]. Agradeço à Dr.ª Maria José Meireles que conseguiu alguma da bibliografia de mais difícil acesso; à Dr.ª Adelaide Sampaio da Nóvoa que transcreveu o receituário do caderno de receitas de Dona Maria Henriqueta Leal Sampaio; à Dr.ª Alexandra Pedro que transcreveu o receituário dos cadernos de receitas da Família Freitas do Amaral e à Dr.ª Maria José Nobre, da Biblioteca Municipal Raul Brandão, que conseguiu os artigos publicados em periódicos por Alberto Vieira Braga e Eduardo de Almeida.

2 Neste texto Alberto Vieira Braga refere a doçaria simplesmente deste modo: “e doce das Costinhas” (BRAGA, 1923).

3 Já publicámos um texto em que se analisa o que se comia em Guimarães. Veja-se «A arte de bem cozinhar os alimentos, em Guimarães» (FERNANDES, 2006).

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Nos longínquos anos de Quinhentos e SeiscentosNo foral concedido por D. Manuel a Guimarães, a 20 de Novembro de 1517, encontramos referência à venda de biscoitos, queijadas e conservas de açúcar e mel4 (MEIRELES, 1994 [1517]: 55, 60). Alguns anos mais tarde, no regimento e taxas de 15525, há referência à venda pelos oleiros de açucareiros, ou seja, de recipientes onde se guardava o açúcar ou, talvez, as conservas de açúcar (ALMEIDA, 1930: 149).

No século XVII o açúcar ganha maior importância vindo provavelmente a substituir cada vez mais o mel na confecção de doces. Nas actas das vereações seiscentistas refere-se o açúcar, quer o açúcar branco ou fino quer o “açúcar preto” (BRAGA, 1992: 171, 179, 180, etc). Na acta de vereação de 23 de Janeiro de 1663, há referência a diferentes tipos de açúcar: “puseram o açúcar fino, a 80 réis o arrátel; o mais baixo, a 70 réis; o de pedaços, a 120 réis, e o refinado, a 200 réis” 6 (BRAGA, 1992: 191).

Em Seiscentos era costume oferecer-se doces aos membros da administração vimaranense, e, aos visitantes ilustres “caixas de doces e pratos de ovos reais” (BRAGA, 1992: 197-198).

Os doces eram feitos pelos confeiteiros, tendo A. L. de Carvalho encontrado referência, em 1609, a um tal Pascoal de Freitas, confeiteiro em Guimarães, que aparece citado como mamposteiro da Santa Casa da Misericórdia (CARVALHO, 1939-1951, IV: 39).

É também no século XVII que encontramos a primeira referência a pão-de-ló em Guimarães. Numa acta de vereação, datada de 25 de Junho de 1678, o pão-de-ló é taxado a 70 réis o arrátel7 (BRAGA, 1992: 233).

A primazia dos doces das freiras clarissasÉ o abade de Tagilde quem nos dá preciosas informações sobre a doçaria do convento de Santa Clara de Guimarães, criado no século XVI e extinto no último quartel do século XIX (FERNANDES; OLIVEIRA, 2004). Segundo este autor nas festas do Natal, de Janeiro e dos Reis as freiras clarissas tinham como «mimos», na “véspera de Natal, meio arrátel de pessegada, uma rosca de Braga de 40 réis, dois arráteis de passas; vésperas de Janeiro, um pão de 20 réis, 2 pastéis, 4 frutas de doce, 2 massapães; véspera de Reis, meia galinha. A abadessa tinha sempre o dobro” (GUIMARÃES, 1892: 200, nota 3).

As clarissas vimaranenses eram exímias no fabrico de doces, o que, ao longo de várias décadas, lhes granjeou fama. Na exposição industrial de 1884, realizada em Guimarães, estiveram a concurso doces fabricados pelas duas últimas abadessas do convento de Santa Clara, Ana Angelina Moreira e Antónia Amália Viegas8: doce de calondro, de laranja, de pêra, marmelada e toucinho-do-céu (RELATÓRIO, 1991 [1884]: 117; GUIMARÃES, 1892: 203, nota 1).

4 “A qual portagem se não pagará de todo o pão cozido, queijadas, biscoitos, farelos, ovos, leite nem de cousa dele que seja sem sal” (MEIRELES, 1994 [1517]: 55); “e por açúcar e todas as conservas dele ou de mel” (MEIRELES, 1994 [1517]: 60).

5 As «Taxas para a vila de Guimarães» e seu termo foram publicadas por Eduardo de Almeida, na Revista de Guimarães com o título de «Regimento de Salários e Preços», datando-as este autor do ano 1522 (ALMEIDA, 1930). Mas, o documento está mal datado. De facto, compulsado o original que se encontra no Arquivo da Sociedade Martins Sarmento, pudemos verificar que a data nele contida é 1552, e não 1522, como refere Eduardo de Almeida. Agradecemos à Dr.ª Maria José Queirós Meireles que nos ajudou na leitura deste documento.

6 Ao longo deste texto são citados diversos documentos tendo-se optado por actualizar a grafia.

7 Arquivo Alfredo Pimenta (Guimarães). Acta da vereação de 25 de Junho de 1678. Assim reza: “Pão de Ló. Nesta vereação puzerão o arratel de pão de ló a presso de setenta reis ho arratel he que com penna de dous mil reis o não tem por mayor presso e assinarão. Goncallo Monteiro da Costa o escrevi”. Agradeço à Dr.ª Maria José Meireles que fez o favor de me transcrever este excerto da Acta.

8 Oliveira Guimarães faz uma resenha de todas as abadessas do convento de Santa Clara, indicando como últimas abadessas: Ana Angelina da Conceição (1862 a 1885) e Antónia Amália da Ascensão (1885-1991) (GUIMARÃES, 1893: 27-28).

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As clarissas vimaranenses confeccionavam uma enorme variedade de doces, referidos nos textos do Abade de Tagilde (GUIMARÃES, 1892: 200, nota 3; 202-203) e de Alberto Vieira Braga (BRAGA, 1927:113-118): arroz de leite, arroz doce9, broinhas de amêndoa e canela, caramelo (bandeja), chouriço doce, confeitos, doce de calondro, doce de laranja, doce de pêra, frutas de doce, ginja (bandejas de), grãos doces, leite-crespo (prato de), marmelada (em caixas, covilhetes, ladrilhos e tigelinhas), massapães, massapão rosado, morcela doce (em caixas), ovos-moles, passas, perada, pessegada, queijadas, rosca de Braga, rosca de nata, rosca de manteiga, rosca doce, sopa doce, tortas, toucinho-do-céu10.

Parece que as clarissas abusavam do fabrico de doces, esquecendo, talvez, as obrigações da sua Regra. De facto, na visita efectuada pelo arcebispo D. Rodrigo de Moura Teles ao convento, em 1724, este “ordenou que cada uma das religiosas não fizesse anualmente mais de 9 arrobas de doce” (GUIMARÃES, 1892: 203), ou seja, cerca de cento e trinta e cinco quilos de doce por ano, por freira! Esta limitação não deve ter sido do agrado das religiosas, pois, em 1730, é revogada pelo vigário capitular, e, em 1771, o arcebispo D. Gaspar, permite-lhes o fabrico de “chouriços, não obstante levarem açúcar”11 (GUIMARÃES, 1892: 203-204).

Não podemos deixar de narrar a disputa havida, em 1757, entre as freiras e o abade António de Magalhães e Abreu: “costumavam as freiras, a 24 de Julho, dia de Santa Cristina, mandar buscar a prestação vencida pelo S. João e por acto de primor, mimo e galanteria (como se exprimem na contrariedade) ofereciam ao mesmo tempo ao abade, ‘a fim de lhe adoçar a boca para não ser remisso ao pagamento’ (textual), uma caixa de doce do peso de 8 a 9 arráteis” (GUIMARÃES, 1892: 196-197). Nesse ano, o doce foi em menor quantidade tendo o abade apresentado queixa ao juiz de fora de Guimarães e recorrido para o Tribunal da Relação do Porto, não lhe tendo sido reconhecida razão.

9 Também Emanuel Ribeiro se refere, ao de leve, ao arroz doce das franciscanas vimaranenses (RIBEIRO, 1997 [1928]: 47).

10 Alfredo Saramago, no seu livro «Cozinha do Minho», publica receitas de três conventos de Guimarães: Convento de Santa Clara – «Arroz-doce do abade», «Sopa dourada rica» e «Bucho doce da Irmã Teresa» (SARAMAGO, 2001: 210, 226, 233); Convento de S. José de Guimarães (actual Lar de Santa Estefânia) – «Pudim do Patrono» (SARAMAGO, 2001: 230); Convento da Madre de Deus de Guimarães – «Rabanadas vimaranenses» (SARAMAGO, 2001: 239). Não sabemos onde possa ter recolhido estas receitas dado o autor não indicar a fonte.

11 Talvez o termo correcto não fosse chouriço, mas sim morcela doce. Infelizmente o abade de Tagilde não refere o documento que consultou para podermos cotejar com o original. imagem 6

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Outros doces conventuaisSegundo informação de António José Ferreira Caldas, o Convento de Santa Rosa de Lima, ou das Dominicas como é vulgarmente designado em Guimarães, era “muito conhecido pelo excelente doce de fruta” que aí se fazia (CALDAS, 1996 [1881]: 336). Emanuel Ribeiro conta que neste mesmo convento tinham fama os suplicos (RIBEIRO, 1997 [1928]: 47).

Repare-se que o fabrico de doce de fruta, ou seja conservas de fruta, – em calda ou cristalizada –, já aparece referido no Foral quinhentista de Guimarães, designado então como conservas de açúcar e mel (MEIRELES, 1994 [1517]: 60).

Avelino da Silva Guimarães, em artigo publicado no «Jornal do Comércio» sobre a Exposição Industrial de Guimarães de 1884, afirma que sendo Guimarães “terra de conventos de freiras, a indústria da doçaria teve uma tal prosperidade, que estabeleceu e sustentou por muitos anos abundante comércio com Inglaterra”. Este autor refere especificamente o pão-de-ló e o toucinho-do-céu explicando que “era, porém, no recolhimento das Trinas, que se fabricava o melhor pão-de-ló, que disputava competências ao afamado pão-de-ló de Margaride (Felgueiras). O toucinho-do-céu faz-se especialmente nos conventos de Santa Clara e das Dominicas. É uma especialidade vimaranense, muito usada em presentes de Páscoa” (GUIMARÃES, 1991 [1884]: 248).

Não sabemos o que se confeccionava no Convento de S. José do Carmo, mas sabemos que as freiras carmelitas “costumavam pôr na porta do armário, onde arrecadavam o doce, um papel com o seguinte letreiro: ‘Em louvor de S. Bento / que não venham as formigas / cá dentro’ (RIBEIRO, 1997 [1928]: 48)12.

No século XIX: doces para todos os gostosNeste século, através do inquérito paroquial enviado pela autarquia vimaranense, em 1842, às freguesias que então constituíam o concelho de Guimarães, conseguimos vislumbrar um pouco do que comia o povo (FERNANDES, 2006: 120-129). Algumas referências são feitas aos doces, comidos, é certo, em ocasiões especiais. O pároco de S. João Baptista de Penselo refere vários doces: leite-creme (que ele designa creme), “arroz doce de príncipe”, aletria, “boas queimadas de fio” e “manjar de diferentes qualidades” (LAMEIRAS, 1998 [1842]: 444). Pelas informações do pároco de S. Salvador do Souto ficamos, por exemplo, a saber que a paróquia tinha poucas colmeias não dando o mel “para os formigos da véspera de

12 Alfredo Saramago inclui no seu livro «Cozinha do Minho» uma receita intitulada «Pudim do Patrono». Informando ser receita “do Convento de S. José de Guimarães” (SARAMAGO, 2000: 230).

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Natal, prato favorito destes povos em tal noite” (LAMEIRAS, 1998 [1842]: 582). Por último o pároco de Santo Estêvão de Urgeses refere que as ginjeiras da terra eram excelentes e que com os seus frutos se fazia doce de ginja, o mesmo sucedendo com os marmeleiros com cujos marmelos se fazia doce de “muitas qualidades” (LAMEIRAS, 1998 [1842]: 606).

Da ceia de Natal oferecida, em 1870, aos pobres no Albergue de S. Crispim e “enquanto o mundo durar”, consta, entre outras iguarias que era costume oferecer-se, um pratinho de arroz doce ou de aletria (CARVALHO, 1939-1951, III: 140).

No século XIX, no «Asilo de entrevados de S. Francisco», come-se, no “dia de desobriga e quinta-feira maior, um prato de arroz doce” (CALDAS, 1996 [1881]: 396).

Uma panorâmica da doçaria vimaranense do século XIX é-nos dada no Relatório da Exposição Industrial de Guimarães, em 1884. Aí se expõe a doçaria vimaranense que então se confeccionava e vendia, e que podemos subdividir de forma esquemática em cinco grupos (RELATÓRIO, 1991 [1884]: 70, 116-117, 142, 175; 180, 247):

a) Doce de fruta – marmelada (em caixas, covilhetes, ladrilhos13 e tigelinhas), pessegada e perada; fruta cristalizada – ameixa, calondro, cidrão, damasco, figo, ginja, maracujá, pêssego, pêra; doces de ameixa comprida e redonda, de calondro, de cereja, de cidra14, de damasco, de figo, de ginja, de laranja, e de pêra, bem como geleia.

b) Doce de ovos – pão-de-ló, pão-de-ló (bolinhol), pão-de-ló coberto, tortas, toucinho-do-céu;

c) Doces de chá – doces de chá, doce de chá coberto;

d) Doces de romaria – cavacas, doce de massa;

e) Outros – biscoitos, bolinhos, bolos, bolos cobertos, morcelas, palitos, palmilhas.

Os cadernos de receitas familiares – Sampaio da Nóvoa e Freitas do AmaralTêm-se prestado pouca atenção aos cadernos de receitas manuscritos que se encontram nas mãos de antigas famílias vimaranenses, mas, através deles conseguimos perceber o que se comia no século XIX e XX e ficar a saber as quantidades e os ingredientes usados na confecção dos doces. Os cadernos de receitas são também um modo importante para se conhecer receituário mais arcaico, como, por exemplo, as receitas dos doces que se confeccionavam no convento de Santa Clara de Guimarães, concretamente as dos afamados toucinho-do-céu e tortas de Guimarães, os quais ainda hoje se fazem em algumas casas particulares e confeitarias.

Os cadernos de receitas que conhecemos (séc. XIX-XX) pertencem a ilustres famílias vimaranenses e foram escritos por mulheres, sendo que, no caso da Família Freitas do Amaral, um dos cadernos é manuscrito pelo Tenente-coronel Duarte do Amaral Pinto de Freitas, que teve o cuidado de, em 1919, passar a limpo as receitas mais importantes confeccionadas na família15. Como sabemos era às mulheres que competia realizarem as lides culinárias. Nas famílias de maiores posses a mulher sabia cozinhar, mas tinha sempre o apoio de uma

13 Existe uma receita de «ladrilhos de marmelada» num manuscrito pertencente à Livraria do Mosteiro de Tibães (RAMOS; SOARES; OLIVEIRA, 2005: 107).

14 A cidra é o fruto da árvore cidreira, da família das rutáceas. Trata-se de um fruto grande e azedo que em Guimarães se usava para fazer doce de cidra. O cidrão é a designação dada à casca da cidra cristalizada. Existe uma receita de «cidrada» num manuscrito pertencente à Livraria do Mosteiro de Tibães (RAMOS; SOARES; OLIVEIRA, 2005: 105).

15 Foi a Dr.ª Albertina Freitas do Amaral que teve a gentileza de identificar o nome do Coronel Duarte do Amaral Pinto de Freitas (1871-1964) que consta num dos cadernos de receitas.

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ou mais serviçais para estas tarefas. A dona da casa, detentora da receita, por vezes limitava-se a orientar os afazeres da cozinha vigiando para que tudo corresse em conformidade ou, se participava na feitura do doce era apenas nas tarefas de mistura dos ingredientes e realização do doce propriamente dito, deixando para as serviçais, por exemplo, as tarefas de cortar, descascar, partir, bater a massa, bem como a arrumação posterior da cozinha.

Neste texto teremos ocasião de divulgar o receituário de alguns doces confeccionados desde há muito tempo em Guimarães e que constam nos cadernos de receitas da família Sampaio da Nóvoa, descendentes de Alberto Sampaio, e da família Freitas do Amaral.

O caderno de receitas da família Sampaio da Nóvoa, pertencia a Dona Maria Henriqueta Leal Sampaio nascida em Guimarães, a 20 de Janeiro de 1871, tendo habitado nesta cidade até cerca de 1900, altura em que se muda, com a mãe e o tio Alberto Sampaio para a propriedade da família, Casa de Boamense, em Famalicão. Em 1925, após a morte da mãe, casa com Sebastião de Carvalho, tendo passado a residir na sua casa do mosteiro de Landim, local onde faleceu, em 1960, com 89 anos de idade. Este caderno de receitas, que contém apenas receitas de doces, foi recentemente publicado (FARIA; FERNANDES, 2010).

Os cadernos na posse da família Freitas do Amaral são cinco, o mais antigo deve datar do final do século XIX ou início do século XX e os seguintes têm como base este caderno inicial (repetindo alguma das receitas do caderno original) mas a que vão sendo acrescentadas novas receitas. No receituário da família Freitas do Amaral encontramos também receitas de carne e peixe, apesar de conter principalmente receitas de doce.

Os cadernos situam-se cronologicamente entre o final do século XIX e a primeira metade do século XX, mas as receitas que contêm são provenientes de um período mais recuado. De facto, os cadernos de receitas incluem aquelas que uma mulher herdou do receituário de sua mãe, e que estava habituada a comer em casa de seus pais e outros familiares, bem como aquelas que ao longo da sua vida foi recolhendo aqui e ali, e incorporando na sua dieta. Ou seja, um caderno de receitas é sempre memória de um passado, apesar de também incluir novas receitas. Um caderno de receitas é simultaneamente tradição e contemporaneidade.

Os cadernos de receitas, de um modo geral, estão confinados aos produtos da região. Ou seja, no receituário vimaranense encontramos doces feitos com ingredientes locais, a que se acrescentam, de quando em vez, ingredientes que não sendo de produção nacional são no entanto de uso generalizado desde há séculos, por exemplo, canela e açúcar.

Os cadernos de receitas são também influenciados pelo círculo familiar em que a mulher se move, pelo que não nos admiremos se num caderno de receitas vimaranense pudermos encontrar, por exemplo, um prato usual em Trás-os-Montes, no Douro ou em Lisboa. De facto, estas famílias vimaranenses ilustres tinham ligações familiares extensas e o receituário inscrito no caderno pode conter receitas de várias partes do País e mesmo do estrangeiro. Os cadernos de receitas são dinâmicos, são espaços de confluência de influências diversas.

É também visível nestes cadernos a marca da época em que são escritos, havendo receitas que são comuns a cadernos de diferentes famílias, o que denota o gosto culinário vigente naquele período em concreto.

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Doces vimaranenses: do século XVI até hojeQuando se trabalha com a documentação vimaranense apercebemo-nos que há doces que aqui se fazem desde pelo menos o século XVI. Demos dois exemplos: no Foral de Guimarães, datado de 1517, já encontramos referência a “conservas de açúcar e mel”, as quais se perpetuarão até ao século XIX, constituindo, em certos casos, uma fonte de rendimento para quem as fazia. No mesmo documento há também referência a “queijadas” (MEIRELES, 1994 [1517]: 55, 60), doce que sabemos se confeccionava no Convento de Santa Clara de Guimarães, no século XVIII (BRAGA, 1927: 117).

Se conjugarmos as referências documentais a doces, com as receitas desses mesmos doces que se mantiveram nas mãos das famílias Sampaio da Nóvoa e Freitas do Amaral, conseguimos saber quais os ingredientes e o modo de os preparar. Podemos, pois, dar contexto histórico a muitos dos receitas que foram sendo perpetuadas, quer nos conventos femininos vimaranenses quer na mão de várias gerações de mulheres para quem a alimentação era, para além de uma necessidade fisiológica, um modo de arte, um modo de sociabilidade e de afectos.

Ao divulgar este receituário arcaico conseguimos perpetuar a tradição doceira de uma terra que é Património Cultural da Humanidade e que se preocupa, também, em preservar o seu património culinário.

Uma palavra de sincero agradecimento às famílias Sampaio da Nóvoa e Freitas do Amaral que nos permitiram ter acesso aos seus cadernos de receitas, tendo compreendido que estes só são verdadeiramente património quando são divulgados, e, quando, qualquer um pode confeccionar essas receitas. Quanto mais se divulgar melhor se perpetuará a tradição gastronómica vimaranense.

AletriaSó encontramos documentalmente referência à aletria, em Guimarães, no século XIX, mas é provável que fosse doce de tradição mais antiga. É o padre da freguesia de S. João Baptista de Penselo que, ao referir os doces consumidos na sua paróquia, em 1842, faz referência à “letria” (LAMEIRAS, 1998 [1842]: 444). Este doce constava também na ceia de Natal oferecida, em 1870 e “enquanto o mundo durar”, aos pobres no Albergue de S. Crispim (CARVALHO, 1939-1951, III: 140).

Nem no caderno de receitas da família Sampaio da Nóvoa nem no da família Freitas do Amaral existe receita de aletria.

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Arroz doceAinda hoje o arroz doce aparece à mesa dos portugueses, servido em ocasiões especiais e presença obrigatória nas festas da Páscoa e do Natal. Em 1751-1753, no Convento de Santa Clara de Guimarães as freiras confeccionavam arroz de leite16 e arroz doce17. Quer-nos parecer que arroz de leite e arroz doce são dois termos distintos para designar o mesmo doce18 – o qual as freiras degustariam, em várias épocas do ano – mas de presença obrigatória à mesa nos quatro domingos anteriores ao Advento (BRAGA, 1927: 116). Existe uma receita de «arroz de leite» num manuscrito pertencente à Livraria do Mosteiro de Tibães (RAMOS; SOARES; OLIVEIRA, 2005: 103).

Arroz doce, a par com aletria, adoça, em 1870, a ceia de Natal dos frequentadores do Albergue de S. Crispim (CARVALHO, 1939-1951, III: 140). Também no asilo dos entrevados de S. Francisco, no século XIX, era costume dar-se, no “dia de desobriga e quinta-feira maior, um prato de arroz doce” (CALDAS, 1996 [1881]: 396).

Em 1842, na paróquia de Penselo, a arroz doce, na sua variante de arroz doce de príncipe, é referido como uma das iguarias que ia à mesa dos que habitavam naquela freguesia. O que provavelmente distingue o arroz doce, do arroz doce de príncipe, é o facto do segundo ser mais rico, entrando na sua composição ovos e amêndoa. No caderno de receitas da família

16 Alberto Vieira Braga, com base no livro de «Recibo e Despesa» (1751-1753) do Convento de Santa Clara de Guimarães dá conta dos ingredientes usados na confecção do «Arroz de leite» – leite, arroz, açúcar e canela: “Outras vezes era servido arroz de leite, que fazia quase sempre de despesa o seguinte: de leite doze canadas, quatrocentos e oitenta de arroz, catorze arráteis quinhentos e sessenta de açúcar doze arráteis quatrocentos e oitenta, de canela uma onça cento e dez, soma mil e seiscentos e trinta reis” (BRAGA, 1927: 116).

17 Alberto Vieira Braga, com base no livro de «Recibo e Despesa» (1751-1753) do Convento de Santa Clara de Guimarães informa que “nas quatro Domingas de Advento se deu arroz doce, levaram de leite dois almudes, de açúcar vinte e quatro arráteis, de arroz quarenta arráteis, tudo fez despesa de 3$240 rs” (BRAGA, 1927: 116).

18 Note-se, no entanto, que no livro de Recibo e Despesa do Convento de Santa Clara o arroz de leite leva canela enquanto o arroz doce não leva. Vejam-se as duas notas anteriores.

Freitas do Amaral temos a receita do arroz doce de Príncipe bem como uma receita de arroz doce que não leva leite.

Arroz de príncipe (Família Freitas do Amaral)19

Componentes:

Arroz 400 g

Leite 1 litro

Açúcar fino 400 g

Amêndoa pisada 60 g

Gemas de ovos batidas 10

Canela em pau q.b.

Canela em pó q.b.

Casca de limão q.b.

Até meia cozedura, coze-se o arroz em água e sal. Continua-se depois no leite, conjuntamente com a canela em pau, o limão e a amêndoa e o açúcar até este ter o ponto de espadana baixo ou o doce estar em massa enxuta. Previamente tem-se retirado do lume e adicionado os ovos, mexendo sempre, voltando ao lume para estes cozerem.

Deita-se em travessa e polvilha-se com canela.

Arroz doce sem leite (Família Freitas do Amaral)

Coze-se o arroz em água como de costume, mas bem cozido e nesta água tem-se deitado um bocado de manteiga, um cálice de vinho fino, um pau de canela, um bocadinho de sal e uma tona de limão; cozido o arroz com isto tudo se lhe deita o açúcar a gosto, ferve mais um pouco e vai para a mesa. O arroz doce deve ficar um bocadinho corredio, e deve levar canela em pó na travessa.

19 Existe mais uma receita de arroz de príncipe nos cadernos de receitas da Família Freitas do Amaral, mas trata-se basicamente da mesma receita. Optamos por colocar a receita mais recente dado indicar as quantidades em quilogramas e ser mais específica sobre o modo de confeccionar.

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BiscoitosO biscoito é um doce seco, de formato pequeno, feito à base de farinha, açúcar e manteiga podendo levar outros ingredientes que lhe acrescentam sabor específico. É provável que os biscoitos de séculos anteriores pudessem levar mel em vez de açúcar e azeite em vez de manteiga.

Sabemos que, em 1517, se confeccionavam biscoitos em Guimarães pois eles são referidos no foral vimaranense (MEIRELES, 1994 [1517]: 55, 60).

No Livro da Infanta Dona Maria, datado do final do século XV, existe uma receita de biscoito feito com farinha, açúcar, água de flor de laranjeira, vinho branco e manteiga. Podendo a manteiga ser substituída pelo azeite doce. Depois destes ingredientes amassados faziam-se biscoitos e levavam-se a cozer em forno quente (LIVRO, 1986: 134-137).

Não sabemos como seriam estes biscoitos que chegavam à mesa dos vimaranenses do século XVI pelo que, apesar de existirem algumas receitas de biscoitos nos cadernos de receitas das famílias Alberto Sampaio e Freitas do Amaral, e dada a enorme variedade de biscoitos que sempre existiu, não incluiremos neste texto nenhuma receita.

BroinhasEm 1751, as freiras clarissas de Guimarães faziam broinhas de amêndoa que levavam açúcar, ovos, amêndoa pisada, canela e “cheiro”20 (BRAGA, 1927: 118). Broinhas doces faziam-se em vários conventos portugueses, sendo ainda hoje um doce confeccionado, por exemplo, na região de Coimbra.

Desconhecemos o modo como eram feitas as broinhas de amêndoa das exímias doceiras do convento das Clarissas e, infelizmente, também não possuímos

20 No livro de «Recibo e Despesa» (1751-1753) do Convento de Santa Clara de Guimarães consta: “Mais se deu uma dúzia de pastéis e meia de broinhas, para o que se deu de açúcar quarenta e nove arráteis: custo 3$062 e meio – para os pastéis, de manteiga de vaca três quartilhos, custo 330 rs – de ovãos para as broinhas 480 rs – de amêndoa uma arroba, 1$920 rs – de pisar a amêndoa e cheiro e canela, 420 rs – de papel para se darem estes doces, 300 rs.” (BRAGA, 1927: 118).

nenhuma receita deste doce nos cadernos que vimos citando.

No entanto, num manuscrito pertencente à Livraria do Mosteiro de Tibães, existe uma receita de broinhas doces que também levam amêndoas, canela e ovos (RAMOS; SOARES; OLIVEIRA, 2005: 103).

CarameloEm 1751, as freiras clarissas vimaranenses do Convento de Santa Clara costumavam oferecer ao convento de S. Domingos, na festa do seu padroeiro, “uma bandeja de caramelo” (BRAGA, 1927: 118).

O caramelo obtém-se a partir de uma calda de açúcar que se deixa levar a um ponto forte, ficando com uma cor acastanhada. Ainda hoje, em Portugal, em determinadas festividades se vendem rebuçados de caramelo envolvidos em papéis coloridos.

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Chouriços e morcelas docesA referência mais antiga que conhecemos ao fabrico de morcelas doces constam no Livro de «Recibo e Despesa» (ano de 1692) do Convento de Santa Clara de Guimarães, no qual se assinala que as freiras clarissas nesse ano, entre outros presentes, ofereceram 24 arráteis de morcelas21 (GUIMARÃES, 1892: 202, nota 1).

O Abade de Tagilde, em artigo publicado sobre o Convento de Santa Clara de Guimarães, informa que, em Janeiro de 1724, o arcebispo D. Rodrigo de Moura Teles limita o fabrico de doces no convento, não podendo cada uma das freiras produzir anualmente “mais de 6 arrobas de doce”. Houve reclamação por parte das visadas tendo a ordem dada pelo referido arcebispo sido revogada em 1730 (GUIMARÃES, 1892: 203-204).

Sabemos que, em 1751, as freiras clarissas enviaram para Lisboa “umas caixas de morcelas” (BRAGA, 1927: 118).

A 1 de Dezembro de 1771, as freiras obtêm despacho do arcebispo D. Gaspar permitindo-lhes “fazerem chouriços, não obstante levarem açúcar” (GUIMARÃES, 1892: 203-204).

O chouriço é, por definição, um enchido fumado, que leva na sua composição carne, gordura de porco e temperos introduzidos dentro de tripas finas de porco ou boi. Há chouriços que são preparados com sangue de porco sendo então designados chouriços de sangue.

A morcela é, por definição, um enchido fumado, que em princípio não leva carne, entrando na sua composição principalmente sangue de porco e temperos diversos, sendo esta mistura introduzida dentro de tripas finas de porco ou boi. O chouriço e a morcela, depois de confeccionados, requerem algum tempo de fumeiro. Quando se acrescenta açúcar ou mel aos ingredientes destes enchidos, passa-se a ter chouriço e morcela doces.

21 No livro de Cozinha da Infanta D. Maria, datado do séc. XVI, consta uma receita de morcela doce (LIVRO, 1986: 23).

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No entanto, a definição de morcela dada acima não se coaduna com o que em Guimarães se designa por morcela. De facto, uma das receitas de morcela doce que possuímos, e que sabemos proveniente do Convento de Santa Clara de Guimarães, leva carne de porco não entrando na sua composição o sangue.

Na exposição industrial de Guimarães (1884) o Sr. António Serafim Barbosa entre outros doces expôs também “morcelas” (RELATÓRIO, 1991 [1884]: 180; 247).

Nos cadernos de receitas das famílias Sampaio da Nóvoa e Freitas do Amaral temos uma variedade significativa de receitas de chouriços e morcelas22, sendo que numa das receitas vem especificamente indicado ser proveniente do Convento das clarissas vimaranenses – «morcelas, receita do convento de S.ta Clara (Guimarães)».

Também interessante é verificar que se faziam morcelas doces especificamente para “dia de jejum”. Sendo estes doces produzidos em contexto conventual, e conhecida a prática de jejum que a Igreja católica impunha em determinadas épocas do ano, é compreensível que se fizessem morcelas sem sangue, especificamente para dias de jejum.

A morcela doce era uma iguaria produzida em vários pontos do País, correspondendo a um gosto agridoce característico da alimentação de séculos anteriores e de clara influência oriental.

Morcelas, receita do convento de S.ta Clara (Guimarães) (Família Sampaio da Nóvoa)

Três arráteis de lombo de porco, seis arráteis de açúcar grosso, 1 ½ de amêndoa, 20 réis de canela e 280 réis de pão trigo.

Coze-se o lombo numa panela e deita-se a água precisa para o cozer, sem que seja preciso deitar-lhe mais água. Há-de ferver até que chupe a água toda. Não se deve deixar a panela deitar fora e não se deve

22 Num manuscrito pertencente à Livraria do Mosteiro de Tibães, há a receita de «morcelas», «morcelas brancas» e «morcelas doces» (RAMOS; SOARES; OLIVEIRA, 2005: 108-109).

deixar o lombo pegar. Depois de muito bem cozido, deita-se num alguidar e desfaz-se com as mãos muito bem desfeito.

Clarifica-se o açúcar23 e deixa-se ferver até vir a ponto de espadana alto; deita-se-lhe a carne dentro, torna-se a deixar ferver um bocado, deita-se-lhe a amêndoa, e ferve até fazer pingos grossos e pegar nos dedos.

Depois disto tira-se do lume e deita-se-lhe dentro o pão muito bem ralado; deita-se-lhe pingue de porco, mais ou menos conforme se gostar; volta ao lume um bocado pouco, tendo o cuidado de mexer bem. Tira-se depois do lume, deixa-se esfriar um bocado e fazem-se as morcelas, metendo esta massa em tripas de boi (delgadas).

23 Num dos cadernos de receita da Família Freitas do Amaral explica-se que “o açúcar limpa-se ou clarifica-se levando-o num tacho a ponto de espadana”. No Livro de Cozinha da Infanta Dona Maria também se descreve como clarificar o açúcar: “Deitarão a cada arrátel de açúcar um púcaro de água e deitarão quantos arráteis quiserem num tacho com outros tantos púcaros de água. E, primeiro que lhe deitem o açúcar, deitem-lhe duas claras de ovos nesta água, muito bem batidas, que façam grandes ensaboadas. E como assim estiver, deitem o açúcar e ponham-no ao fogo, e deixem-no ferver sem o mexerem nem bulirem com ele. Então, depois que ferver e que se ajuntar todo aquela sujidade, tirem-no do fogo e escumem-no e coem-no, e então ponham-no no ponto que quiserem. E se não ficar bem limpo, tomem um ovo numa pouca de água e tornem-lhe as escumas. E como deitar escumas alvas, é limpo de todo” (LIVRO, 1986: 121).

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Morcelas de carne (Família Freitas do Amaral)24

Lombo de porco 1 kg

Açúcar clarificado25 1,5 kg

Amêndoa pisada 300 g – 500 g

Pão ralado de ovelhinha26 600 g (3 pães)

Pingue de porco 1 ½ quartilhos

Água 2 ½ litros

Canela em pau q.b.

Tripa de boi, não muito larga, cortada em traços de 0,15 m

Em primeiro lugar coze-se, muito bem o lombo; desfaz-se ou pisa-se bem. Deita-se esta carne no açúcar que misturado com a água, vai a ponto de espanada, e com a amêndoa se deixa cozer. Depois de ferver bem tira-se o tacho do lume e deita-se-lhe o pão, o pingue e a canela. O cozinhado não torna ao lume, mas mexe-se muito bem para incorporar estes componentes. A tripa está já, previamente, atada de um lado com fio suficientemente comprido que chegue para atar do outro lado. Ainda bastante quente a massa, enchem-se as tripas e atam-se. Depois vão as morcelas a encalir até que a água ferva bem; pondo-se, em seguida, ao fumo, mas não por muito tempo e somente até secarem.

24 Existem mais três receitas de morcela de carne nos cadernos de receitas da Família Freitas do Amaral, mas trata-se basicamente da mesma receita. Optamos por colocar a receita mais recente dado indicar as quantidades em quilogramas e ser mais específica sobre o modo de confeccionar.

25 Veja-se como se clarifica o açúcar na nota N.º 21.

26 Pão de Ovelhinha é a designação dada ao pão de quatro cantos produzido no lugar de Ovelhinha, em Gondar, freguesia do concelho de Amarante. Hoje em dia o pão mais conhecido produzido naquele concelho é o Pão de Padronelo, tendo deixado de se produzir pão em Ovelhinha, mas produzindo-se ainda em padarias do vizinho lugar de Chedas. Veja-se http://informaticahb.blogspot.com/2008/04/ovelhinha-gondar-amarante.html.

Morcelas de mel (Família Sampaio da Nóvoa)

Um pão de cantos, meia quarta de amêndoa, uma quarta de açúcar, um bocado de pingue e algum mel.

O pão quer-se ralado muito miudinho, a amêndoa muito bem pisada, o pingue derretido e a ferver, o açúcar em ponto de espadana; mistura-se tudo num alguidar, junta-se-lhe algum mel, mas não muito, e mexe-se bem para que tudo fique bem misturado.

Depois enchem-se em tripa de boi, a qual deve estar muito bem lavada, atam-se e metem-se num tacho em água a ferver e aí se deixam ferver alguns minutos. As morcelas devem-se meter no tacho penduradas numa cana de maneira que não toquem no fundo do tacho e não devem ficar muito cheias para que não rebentem.

Cada pão de cantos pode dar quatro morcelas.

Receita para fazer morcelas de dia de jejum (Família Freitas do Amaral)27

A cada dois arráteis de açúcar se deve deitar meio arrátel de amêndoa bem pisada, e meio quartilho de manteiga.

A amêndoa deita-se-lhe quando o açúcar está a chegar a ponto de espadana. Depois de ferver um pouco e já quando a espadana está completa, tira-se para fora do lume e se lhe deita o pão trigo muito ralado que vem a ser dois pães a cada arrátel de açúcar, meia onça de canela e um vintém de água de flor.

Depois se abafa com um alguidar por algum tempo. Logo depois se enchem e depois de atadas se encalem e põe ao fumo.

27 Existem mais duas receitas de morcela de dia de jejum nos cadernos de receitas da Família Freitas do Amaral, mas trata-se basicamente da mesma receita. Optamos por colocar a receita mais recente dado indicar as quantidades em quilogramas e ser mais específica sobre o modo de confeccionar.

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Chouriços com sangue de porco e mel e açúcar (Família Sampaio da Nóvoa)

Fazem-se como as morcelas de mel com a diferença de se lhes juntar sangue de porco que não esteja coalhado, mais ou menos como se quiser. Quando se lhe deita o sangue, a massa não deve estar muito quente para o sangue não cozer. Depois de cheias, cozem-se em água a ferver como as morcelas de mel, mas querem maior fervura para que o sangue fique cozido, para que não se estraguem.

Receita para fazer chouriças de sangue (Família Freitas do Amaral)

Dois arráteis de açúcar mascavado, uma porção de nozes muito pisadas, meio quartilho de mel, sal, farinha milhona passada pela peneira de seda, mas em quantidade relativa à porção da água que levar.

Advirto que o sangue é do que sai do porco depois que se dependura e se lava com vinho verde. A água em que elas devem ser feitas é a mesma em que se coze a carne.

A carne deve ser muito cozida e desfeita aos bocadinhos com alguns ossos de suão. Depois de feitas se encalem e se põe ao fumo.

ConfeitosConfeitos são pequenas pastilhas de açúcar muito usadas nos séculos anteriores. No Livro de receitas da Infanta D. Maria, datado do final do século XV, encontra-se uma receita de confeitos que leva açúcar em ponto

“muito delgado”, erva-doce e água-de-cheiro (LIVRO, 1986: 128-131).

No ano de 1692, as freiras clarissas do convento de Santa Clara oferecem de presente “confeitos na importância de 2$240 réis” (GUIMARÃES, 1892: 202, nota 1).

Emanuel Ribeiro, em texto escrito em 1923 e reeditado em 1928, diz que “no Minho há o hábito de fazerem passar por debaixo do andor de S. Luís as crianças tardeiras na fala, levando aquelas um cartucho de confeitos na mão direita. As pessoas que as acompanham dizem alto:

“S. Luís, rei de França

Dai fala a esta criança

Que ela quer falar e cansa” (RIBEIRO, 1997 [1928]: 34).

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Conservas ou doces de frutaNo foral vimaranense de 1517 temos referência a conservas de açúcar e mel28 (MEIRELES, 1994 [1517]: 60). É interessante verificar que já nessa altura o açúcar começava a substituir o mel na confecção dos doces. As conservas de açúcar e mel não são mais do que uma mistura de açúcar, água e fruta, sendo que o açúcar, juntamente com a água, tem de ir ao lume até atingir o ponto necessário para “cozinhar” a fruta. Deste modo esta conserva-se muito mais tempo (daí o termo conserva). Este processo era o indicado para poder conservar durante mais tempo a fruta, transformando-a num alimento de alto valor calórico e energético.

Esta designação genérica de «conservas de açúcar e mel» servia provavelmente para designar toda a fruta cozinhada em calda de açúcar, podendo adquirir a forma de compotas29, purés de fruta30, fruta em calda31, fruta cristalizada32 e geleia33.

O termo «doce de fruta» designa todo o doce feito com fruta e açúcar, sendo que em tempos mais recuados o mel substituiria o açúcar. No entanto, no século XIX, «doce de fruta» parece passar a designar especificamente as compotas de fruta.

O termo «fruta de doce» designa apenas a fruta cristalizada.

No livro de cozinha da Infanta Dona Maria, datado do séc. XVI são referidos vários doces de fruta alguns dos quais se confeccionavam e ainda se confeccionam em Guimarães34.

Encontramos em diversa documentação vimaranense a referência a caixas de doce ofertadas em diferentes ocasiões. Talvez estas caixas de doces contivessem fruta de doce.

Em Novembro de 1665, a Câmara Municipal oferece ao General de Almeida, Pedro Jacques de Magalhães e ao Marquês de Schomberg, que passaram por Guimarães, caixas de doces, sendo seis delas, “grandes” (BRAGA, 1992: 197). No mês seguinte decide “dar um serviço (presente) aos Condes de S. João e da Torre, como convinha às pessoas de sua qualidade, que por aqui passaram, vindos do Minho, e constou de seis caixas de doce e um prato de ovos reais, por não haver tempo para outra coisa” (BRAGA, 1992: 197). Também as freiras clarissas, em 1757, e mantendo um costume antigo, enviam ao abade António de Magalhães Abreu “uma caixa de doce do peso de 8 a 9 arráteis” (GUIMARÃES, 1892: 196-197).

Nos conventos das dominicas (CALDAS, 1996 [1881]: 336) e das clarissas vimaranenses produziu-se «doce de fruta».

28 “e por açúcar e todas as conservas dele ou de mel” (MEIRELES, 1994 [1517]: 60).

29 Compota – fruta em pedaços que vai ao lume a cozer numa calda de açúcar e água, ficando com uma consistência pastosa.

30 Puré de fruta – fruta cozida e passada pela peneira, pelo passevite ou mais recentemente pela varinha mágica, à qual se mistura uma quantidade semelhante de açúcar. Em Guimarães, as freiras clarissas e dominicas faziam: puré de marmelo, designado marmelada; puré de pêra, designado perada; e puré de pêssego, designado pessegada.

31 Fruta em calda – de um modo geral usa-se a fruta inteira e descaroçada, que vai ao lume a cozinhar numa calda de açúcar e água. Na fruta em calda distingue-se bem a fruta da calda, tendo esta uma consistência mais ou menos forte consoante o gosto de cada um.

32 Fruta cristalizada – também designada fruta confeitada ou glaceada é feita com fruta descaroçada e cozida em água, sendo depois cozinhada numa calda de açúcar. No final a fruta é coberta com um xarope de açúcar quente ficando com um aspecto cristalino. No livro de receitas da família Sampaio da Nóvoa a fruta cristalizada é designada fruta seca, o que não está correcto. De facto fruta seca é aquela que é seca por processos naturais.

33 Geleia – feita com parte da fruta cozida em água (por exemplo no caso da geleia de marmelo usam-se as cascas e os caroços). Depois de cozida escorre-se a água sendo esta misturada com uma quantidade semelhante de açúcar e posta ao lume até ganhar presa. As geleias ficam com um aspecto semitransparente e uma textura gelatinosa.

34 Os doces de fruta referidos no Livro da Infanta D. Maria são: compota de diacidrão, casquinhas, compota de pêssego, doce de limão, compota de pêras ou codornos, perinhas dormideiras, doce de abóbora, diacidrão cristalizado, doce de flor de laranjeira, marmelada de Ximenes, bocados, compota de marmelo, perada, marmelada de D. Joana, pessegada, geleia de marmelo (LIVRO, 1986).

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De entre os doces de fruta confeccionados em Guimarães encontramos referência a: marmelada (em caixas, covilhetes, ladrilhos e tigelinhas), pessegada e perada (GUIMARÃES, 1892: 202, nota 1; BRAGA, 1927: 118); fruta cristalizada – ameixa, calondro, cidrão35, damasco, figo, ginja, maracujá, pêssego, pêra (GUIMARÃES, 1991 [1884]: 247); doces de ameixa comprida e redonda, de calondro, de cereja, de cidra, de damasco, de figo, de ginja, de laranja, e de pêra (RELATÓRIO, 1991 [1884]: 69-70; 116-117; 180); bem como geleia.

Através do Livro de receita e despesa de 1692, do Convento de Santa Clara de Guimarães, ficamos a saber que cada freira clarissa tinha direito, entre outros «mimos», na véspera de Natal a “meio arrátel de pessegada” e, nas vésperas de Janeiro, a “quatro frutas de doce” (GUIMARÃES, 1892: 200, nota 3). Explique-se que perada, pessegada36 e marmelada eram doces feitos com puré de fruta e açúcar, sendo de notar que no Livro de Cozinha da Infanta D. Maria já aparecem receitas de marmelada, perada e outra de pessegada (LIVRO, 1986: 116, 122, 140). Refira-se que a receita da perada da Infanta Dona Maria não difere muito no modo de confeccionar da que vem inscrita no caderno de receitas de Dona Maria Henriqueta Leal Sampaio e que abaixo reproduzimos. A única diferença a apontar é que, no primeiro caso, a pêra é utilizada com casca, e, no segundo, sem ela.

Nesse mesmo ano de 1692, se inscreve, no Livro de receita e despesa, os presentes oferecidos pelas freiras clarissas entre os quais constam “perada e marmelada 25 caixas, que importaram em 13$700 réis” (GUIMARÃES, 1892: 202, nota 1).

Alberto Vieira Braga, com base no livro de «Recibo e Despesa» (1751-1753) do Convento de Santa Clara de Guimarães dá conta dos presentes oferecidos pelas freiras nesses anos, e entre os quais constam: “perada, marmelada (em caixas, covilhetes, ladrilhos e tigelinhas), pessegada, bandejas de ginjas” (BRAGA, 1927: 116).

No Livro de «Recibo e Despesa» (1751-1753) especifica-se a quem estas oferecem os doces que as deixaram famosas: “a quem emprestou d[inheir]ro à comunidade, uma rosca de nata, dois covilhetes (de marmelada), 150 rs”37 (BRAGA, 1927: 117).

Mas nem só em espaço conventual se produziam os doces de fruta. Em 1842, o pároco de Santo Estêvão de Urgeses refere que as ginjeiras da terra eram “excelentes para doce”, colhendo-se também marmelos com que se produzia doce de “muitas qualidades” (LAMEIRAS, 1998 [1842]: 606). Existem duas receitas de doce de «ginjas» num manuscrito pertencente à Livraria do Mosteiro de Tibães (RAMOS; SOARES; OLIVEIRA, 2005: 106-107).

Num dicionário geográfico datado de 1852, ao referir-se a Guimarães aí se informa ser a cidade “comerciante e laboriosa em obras de ferro e de linho; doce de ameixa e de figos (que em 1835 rendeu oito contos de réis)” (PEREIRA, 1852: 133).

35 Cidrão é uma fruta cristalizada feita com a casca da cidra. Na «Arte de Cozinha» (1693) de Domingos Rodrigues consta uma receita de «cidrão de conserva» (RODRIGUES, 2001 [1693]: 138). No livro de cozinha da infanta D. Maria existem três receitas feitas com cidra - «para fazer diacidrão», «casquinhas», «para cobrir diacidrão» (LIVRO, 1986: 86, 90, 108). A última receita é o modo de fazer casca de cidra cristalizada. Existe uma receita de «diacidrão» num manuscrito pertencente à Livraria do Mosteiro de Tibães (RAMOS; SOARES; OLIVEIRA, 2005: 105).

36 Num manuscrito pertencente à Livraria do Mosteiro de Tibães, existem as seguintes receitas: «perada», «perada de peras carvalhais», «peras cobertas», «peras em conserva», «pessegada», «outro modo de fazer pêssegos» (RAMOS; SOARES; OLIVEIRA, 2005: 111-112).

37 Alberto Vieira Braga especifica os presentes oferecidos pelas freiras entre 1751-1753: “Também recebiam, (como se vê pelo livro de contas) em uso e costume, presentes de caixas de ladrilhos de seis arráteis e covilhetes, todos os anos, as pessoas seguintes: o médico da casa, Dr. Manuel Lopes, uma caixa e 4 covilhetes; Dr. João Gonçalves, uma caixa; ao Letrado da casa, uma e 4; ao Almoxarife, 2 caixas; ao P.e capelão, 3 covilhetes; ao P.e confessor, 2; ao sacristão, 1; ao P.e que diz a missa de prima, 2; ao Sangrador, 2; ao rendeiro de Ribeiros, 2; ao dito de Lanhoso, 2; ao dito de Basto, 1; a quem trata dos juros em Lisboa e esmola de cera, 2 caixas e mais algum mimo segundo o seu merecimento; ao P.e pregador da calenda, 2 caixas pequenas de arrátel e meio; quando se faz alguma escritura se dá um covilhete ao escrivão e a todas as pessoas que trazem juros ou alguma pensão de dinheiro se dá um covilhete e uma caixa pequena” (BRAGA, 1927: 118).

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A confecção de doce de fruta era uma actividade importante em Guimarães, pelo menos desde o século XVIII, mas, aquando da exposição industrial vimaranense de 1884, já se encontrava em decadência: “a histórica indústria de doce de fruta de Guimarães tem decaído de tal modo que hoje resta apenas uma sombra do que foi em outros tempos” (RELATÓRIO, 1991 [1884]: 69-70).

Avelino da Silva Guimarães, em artigo publicado, em 1884, em «A correspondência de Portugal», informa que sendo Guimarães “terra de conventos de freiras, a indústria de doçaria teve uma tal prosperidade, que estabeleceu e sustentou por muitos anos abundante comércio com Inglaterra” (GUIMARÃES, 1991 [1884]: 248). No entanto, aquando da exposição industrial de Guimarães em 1884, o doce de fruta já estava em decadência, sendo feito quer com fruta local quer com a que vinha do Douro, ocupando-se na sua confecção cerca de trinta mulheres. Avelino da Silva Guimarães aponta como causa da decadência desta doçaria quer uma fraude perpetrada por um negociante que utilizava caixas com peso excessivo quer a fama adquirida pelo doce de fruta doutros locais produtores38 (GUIMARÃES, 1991 [1884]: 248).

No relatório da Exposição Industrial de 1884 diz-se que “a confeitaria de frutas compreende as seguintes variedades: marmelada, geleia, pêra, figo, ameixa, damasco, calondro ou abóbora branca, ginja e cidra. As frutas, açúcar e combustível, que empregam por ano, valerão 1400$00 réis, e a produção deverá regular por 3500$00 réis. Empregam-se nesta espécie 25 pessoas, quase todas do sexo feminino, desde Junho a Outubro; digamos 12 por ano” (RELATÓRIO, 1991 [1884]: 69-70).

Joaquim de Vasconcelos também esteve presente na exposição industrial de 1884 escrevendo sobre ela no «Comércio do Porto»: “Quem subir a elegante escada encontrará na primeira sala o que há de mais apetitoso no género doces, desde o pão-de-ló monumental de 0,60 cm de diâmetro, até à fruta confeitada de maior apreço, oculta entre as flores e rendas de uma boceta vistosíssima” (VASCONCELOS, 1991 [1884]: 142).

Graças aos cadernos de receitas das famílias Sampaio da Nóvoa e Freitas do Amaral conseguimos ainda hoje saber como se faziam alguns destes doces de fruta que se foram perpetuando em mãos femininas. Refira-se que ambos os cadernos contêm muito mais receitas de doces de fruta, no entanto, iremos inserir aqui apenas as receitas que a documentação nos permite saber terem sido produzidas noutros tempos em Guimarães.

Não podemos afirmar que as receitas abaixo apresentadas correspondem exactamente ao modo como eram confeccionados os doces nos séculos anteriores, mas cremos que o processo de produção seria semelhante. A única receita que corresponderá seguramente aquela que a documentação nos dá a conhecer é a receita dos figos cristalizados, constante no caderno de receitas de Dona Maria Henriqueta Leal Sampaio (Família Sampaio da Nóvoa), na qual se anota ser originária do Convento de Santa Clara de Guimarães.

Através dos documentos atrás referidos podemos afirmar que, em Guimarães, se fabrica desde há séculos doces de fruta, cuja qualidade era reconhecida fora de portas e cujo saber-fazer se foi perpetuando quer nos conventos quer nas casas de família.

38 “O doce de fruta ainda hoje se fabrica, mas apenas para consumo interno. Diz-se que uma fraude no peso das caixas, grosseira invenção de um falecido negociante, fora a causa da perda deste ramo de comércio da exportação. Naturalmente, a maior foi o tornarem-se conhecidos outros centros produtores. O doce de fruta é geralmente bem feito, quer com a fruta importada do Douro, quer com a produzida no concelho. Esta indústria ocupa uma população feminina, que pode calcular-se em 30 pessoas pelo menos nas ocasiões de colheita e fruta e nas festas do ano, e de 10 pessoas, ou mais, que se ocupam durante todo o ano no doce de chá e de romarias” (GUIMARÃES, 1991 [1884]: 248). imagem 12

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Figo seco, receita do Convento de S.ta Clara de Guimarães (Família Sampaio da Nóvoa)39

Um arrátel de figo, outro de açúcar.

Os figos não se querem inteiramente maduros, e querem-se colhidos com o pé.

Picam-se os figos com um garfo, deitam-se num alguidar e cobrem-se com água a ferver: deixam-se estar uma hora.

Tem-se o açúcar ao lume em ponto de espadana baixo, tiram-se os figos da água e deitam-se no açúcar, onde se deixam ferver bastante tempo. É preciso mexê-los com cuidado para os não escangalhar. Depois tiram-se com um garfo, um a um, outra vez para o alguidar e deita-se-lhes outra vez o açúcar por cima e deixa-se ficar até ao dia seguinte.

No dia seguinte, tornam ao lume – pode-se fazer esta operação pela manhã e repeti-la à tarde, pois para ficarem bons precisam levar três caldeadelas, isto é, irem ao lume três vezes. Da última vez deve ficar o ponto subido para poderem secar.

Tiram-se na última vez para o alguidar e deixam-se ficar no açúcar até ao dia seguinte, para se tomarem bem do açúcar: então tiram-se, escorre-se-lhe bem o açúcar e põem-se em peneiras a secar no sol.

São muito bons.

Figo de calda (Família Sampaio da Nóvoa)

Prepara-se como para doce [sic, mas leia-se figo] seco, mas pode-se fazer só de uma vez. É muito bom e metido em frasco conserva-se muito tempo.

N.B. O figo para secar pode-se conservar todo o ano na calda, e vai-se secando à medida que se quiser.

39 No caderno de receitas da família Sampaio da Nóvoa chama-se fruta seca ao que hoje designamos como fruta cristalizada. De facto fruta seca é aquela que é seca por processos naturais. Assim sendo onde diz figo seco deveria dizer figo cristalizado.

Receita para fazer figos de doce (Família Freitas do Amaral)40

Os figos devem ser muito cozidos, e para isso é melhor que se ponham ao lume em um púcaro, que não tenha servido a gordura, e sempre cobertos, e podem-se pôr em água fria; depois de estar cozidos escorre-se a água, e deitam-se os figos em água fria, e deixam-se estar um pouco. Depois tem-se o açúcar coado, e escorre-se a água que se lhe tem deitado, e se lhe deita o açúcar mesmo assim sem ponto, só coado. O açúcar regula quatro arráteis cada cento. Depois todos os dias levam calda, o que é deitá-los no tacho e ferverem um pouco, e depois tiram-se do lume, a primeira vez devem estar pouco tempo a ferver, e depois vão fervendo mais tempo até completar cinco caldas: a última deve ficar em ponto que faça fio no dedo, mas não muito forte. Põem-se depois a escorrer em um raro, e vão depois para o sol em tabuleiros mas mudam-se de tabuleiro, e viram-se para secar depressa.

Doce de pêra (Perada) (Família Sampaio da Nóvoa)41

Um arrátel de açúcar, outro de pêra. Descasca-se a pêra, parte-se aos quartos, cozem-se e passam-se pela peneira.

Tem-se o açúcar ao lume em ponto forte, tira-se o tacho do lume e junta-se a pêra. Torna-se a pôr ao lume, até o doce engrossar e fazer espelho. Tira-se do lume, deita-se em malgas, deixa-se arrefecer e põe-se ao sol até ganhar vidro; assim se conserva durante todo o ano.

40 Existe outra receita de doce de figo nos cadernos de receitas da Família Freitas do Amaral, mas trata-se basicamente da mesma receita.

41 Repare-se na designação perada, que, como já atrás referimos é designação antiga. De facto, à fruta feita em puré e cozida em calda de açúcar acrescenta-se o sufixo “–rada” e deste modo se designa o doce – marmelada, perada, pessegada….

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Calondro seco (Família Sampaio da Nóvoa)42

Para fazer o calondro seco é preciso para cada quilo de calondro 1500 gramas de açúcar areado.

Descasca-se fatias de calondro grosso – coze-se em água fria.

Depois coze-se em água simples, com umas pedrinhas de sal refinado – meia cozedura. Tira-se, deixa-se arrefecer e deita-se em alguidares cheios de água fria e deixa-se estar 2 ou 3 dias, mudando-lhe todos os dias a água para ele perder o gosto ao cabaço.

Quem o quer muito branquinho, põem-no ao sol a corar.

Põe-se ao lume o açúcar em ponto de espadana muito baixo, deita-se-lhe dentro o calondro e deixa-se ferver um pouco; tira-se do lume e deixa-se ficar na calda umas poucas de horas. Repete-se esta operação duas vezes por dia até o calondro estar bem passado e em ponto de secar. Então tira-se para uma rede ou peneira de cabelo e põem-se a secar ao sol.

É costume, para quem tem prática, deitar a água precisa no açúcar e esta vai apurando até o calondro estar pronto. Fica muito bem.

Doce de calondro (Família Freitas do Amaral)43

Calondro cozido e partido aos bocadinhos, sem casca 500 g

Açúcar branco por clarificar44 500 g

Água ½ litro

Põem-se a água ao lume num tacho. Quando esta começa a aquecer deita-se-lhe algumas claras de ovos e mexe-se muito. Depois lança-se-lhe o açúcar e quando principia a ferver borrifa-se com água, até 3 vezes. Depois côa-se. Em seguida leva-se o açúcar a ponto de espadana subido. Deita-se-lhe o calondro e aí ferve até estar em ponto grosso, isto é: tira-se um pouco para um pires e logo que ele faça uma pequena côdea, pode-se tirar para malgas.

Receita para fazer doce de ginja (Família Freitas do Amaral)45

Tira-se-lhe o caroço com um palito, depois pesa-se e logo em seguida se põem a ferver em água, e apenas levanta fervura tira-se para fora do lume e se deita em um guardanapo e se dependura até escorrer. Depois de limpo e coado o açúcar se coloca o tacho no lume, e se lhe deita a cereja a qual deve ferver até que a calda faça uma codinha espelhada; e mostrando essa mesma codinha está pronta.

A cada arrátel de açúcar, deve deitar-se arrátel e meio de fruta.

N.B. a nove e meio de açúcar, 14 arráteis de fruta. N.B. ou um arrátel e quarta a sete de açúcar.

42 Nos cadernos de receitas existem duas receitas de calondro seco, mas não diferem muito uma da outra. No caderno de receitas da família Sampaio da Nóvoa chama-se fruta seca ao que hoje designamos como fruta cristalizada. De facto fruta seca é aquela que é seca por processos naturais. Assim sendo onde diz calondro seco deveria dizer calondro cristalizado.

43 Existem quatro receitas de doce de calondro nos cadernos de receitas da Família Freitas do Amaral, mas correspondem basicamente a uma mesma receita. Decidimos incluir esta receita dado os pesos indicados serem em gramas, ao contrário das outras que ainda são em arráteis.

44 Veja-se como se clarifica o açúcar na nota N.º 21.

45 Nos cadernos de receitas existem quatro receitas de ginja, mas não diferem muito umas das outras.

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Ameixa seca (Família Sampaio da Nóvoa)46

Um arrátel de açúcar para um arrátel de ameixa.

As ameixas querem-se muito doces e de polpa dura, como a ameixa Rainha Cláudia. Nem muito verdes, nem em completa maturação.

Tem-se ao lume um tacho com água bem quente, sem ferver e o lume deve ser apenas um pequeno borralho.

Deitam-se dentro as ameixas e deixam-se cozer aí um pouco, mas não se deixa ferver a água: quando apertando a ameixa entre os dedos se conhecer que o caroço está a despegar, estão prontas. Não se mexe, apenas se abana o tacho. É preciso muito cuidado para elas não perderem a casca (é uma operação muito melindrosa). Tiram-se e deitam-se em água fria durante algumas horas e durante esse tempo, renova-se-lhe a água algumas vezes.

Tem-se ao lume o açúcar em ponto de espadana não muito alto, deita-se-lhe as ameixas e deixa-se ferver um bocadinho, muito pouco.

Tiram-se para fora com muito cuidado para se não escangalharem e deixa-se o açúcar ao lume a ferver mais um bocado, o qual se deita em seguida em cima das ameixas.

Nos dois dias seguintes, repete-se esta operação.

Deixam-se descansar dois dias ou três, no fim dos quais se torna a repetir esta operação; é a última. Deixam-se então descansar na calda uns poucos de dias, ao fim dos quais se tiram da calda, escorre-se-lhe bem esta, lavam-se em água fria e põem-se em redes ao sol a secar.

Não se lhe tira o pé.

Ficando bem feito, ficam muito boas.

Só servem ameixas muito doces e de carne dura, nem verdes, nem completamente maduras. Querem-se colhidas de véspera. São difíceis de fazer.

Receita para fazer marmelada47 branca (Família Freitas do Amaral)48

Cozem-se os marmelos inteiros, esbulham-se e ralam-se depois sem que se chegue a entrar no caroço. Depois passa-se a massa por uma peneira de cabelo fina, ou por uma meia de linho. Mede-se depois por um copo de quartilho, e a cada quartilho de massa deitam-se-lhe dois arráteis de açúcar bom e que seja do brasileiro.

O açúcar deve levar-se ao ponto de rebuçado e depois tira-se para fora do lume e se lhe deita a massa. Torna depois ao lume e fervendo um pouco tira-se para fora e se lança em copos.

46 No caderno de receitas da família Sampaio da Nóvoa chama-se fruta seca ao que hoje designamos como fruta cristalizada. De facto fruta seca é aquela que é seca por processos naturais. Assim sendo onde diz ameixa seca deveria dizer ameixa cristalizada.

47 Num manuscrito pertencente à Livraria do Mosteiro de Tibães, existe a receita de «ladrilhos de marmelada», «marmelada» e «marmelada vermelha» (RAMOS; SOARES; OLIVEIRA, 2005: 107-108).

48 Existem três receitas de marmelada branca nos cadernos de receitas da Família Freitas do Amaral, mas correspondem basicamente a uma mesma receita. Um dos títulos explicita que se trata de «Receita de marmelada branca de talhada». imagem 13

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Receita de marmelada de sumo ou vermelha (Família Freitas do Amaral)49

Esbulha-se o marmelo como acima se diz mas não se deita em água para se pôr vermelho; e depois pesa-se e cada arrátel de marmelo leva arrátel e quarta de açúcar50. O açúcar deve ser por limpar, e depois de se limpar põem-se ao lume e logo que levanta fervura deita-se-lhe o marmelo dentro a cozer, e estando cozido tira-se para fora e esmaga-se em uma prateira e depois deita-se dentro outra vez e torna-se a pôr um instante ao lume51, e se a querem com muito sumo, levanta fervura e tira-se mas assim dura menos, e se a querem mais presa deixa-se com menos sumo e ferve mais alguma coisa. A cada arrátel de marmelo deita-se um quartilho de água e mais uma pinga para o açúcar.

49 Existem três receitas de marmelada vermelha nos cadernos de receitas da Família Freitas do Amaral, mas correspondem a uma mesma receita.

50 Por cima, entre linhas, “é melhor arrátel e meio”.

51 Por cima, entre linhas, “mexer sempre”.imagem 13

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Compota de pêra, pêssego, maçã, melancia e melão (Família Freitas do Amaral)

Água q.b., para dissolver o açúcar

Açúcar, 3 quilos

Fruta (conforme se desejar mais ou menos doce), 3 a 4 quilos

Limpa-se, primeiramente o açúcar com clara de ovo. Depois de ferver por 3 vezes e por outras tantas se fazer baixar tal fervura com borrifos de água fria, côa-se a calda. Novamente se põem a ferver até que o açúcar esteja em ponto de espadana, que pode ser baixo ou alto, se lhe deita a fruta e se faz ferver até alcançar o ponto de espadana subido. Tira-se depois para vasilhas pequenas.

NB. Logo que arrefeça alguma coisa deve o doce apresentar, à fraca pressão da cabeça de um dedo, um veuzinho, para o ponto do açúcar estar bem.

Compota de laranjas (Família Sampaio da Nóvoa)

30 laranjas para 5 quilos de açúcar.

Partem-se as laranjas em quartos, descascam-se ao de leve e deixam-se estar em água a ferver 8 ou 10 minutos. Depois deitam-se em água fria e deixa-se corar, 4 ou 5 dias, mudando-se-lhe a água todos os dias de manhã e à noite.

Deita-se a cozer no açúcar; logo que a laranja esteja bem cozida, deixa-se levar o açúcar até ao ponto que se quiser.

Receita escrita pelo Tio José [José Barroso Pereira, tio avô paterno de Dona Maria Henriqueta Leal Sampaio].

Doce de laranja aos gomos (Família Sampaio da Nóvoa)

Raspam-se laranjas, muito ligeiramente, para que fiquem amarelas. Cortam-se aos gomos e deitam-se em água fria durante um ou dois dias, conforme o gosto de cada um.

Tanto peso de laranjas como de açúcar.

Põe-se o açúcar ao lume, deixa-se levantar fervura, deita-se-lhe dentro os gomos das laranjas e deixa-se ferver até ficarem bem cozidas.

Este doce é bom para comer de calda, ou também se podem tirar os gomos do açúcar polvilhá-los com açúcar cristalizado e pôr ao sol a secar.

Doce de casca de laranja (Família Freitas do Amaral)

Pesam-se as cascas e deve ser igual peso de açúcar. Com um dedal ou forma cortam-se as cascas em rodinhas e trazem-se 24 horas em água fria. Depois cozem-se em açúcar em ponto até ficarem transparentes. Isto pode fazer-se em 2 dias deixando as rodinhas no açúcar. Em estando cozidas envolvem-se em açúcar cristalizado.

Doce de laranja (Família Freitas do Amaral)

Tira-se com a faca a tona às laranjas sem entrar muito no branco e não ofendendo o miolo da laranja; partem-se depois às fatias e se corta o branco que tem no meio em forma de estrela com umas tesouras e mais um pouco do branco em toda a volta, deixando só uma tirinha certa para segurar o miolo. Depois de estar assim preparada pesa-se tantos quilogramas de laranja como de açúcar, leva-se este a ponto de espadana e se deita dentro a laranja. Logo que ferva começa-se a tirar com uma escumadeira a espuma amarela e uns bocados (…)52 brancos que começam a aparecer (nestas limpezas quer-se muito cuidado pois do contrário amarga) e se deixa ferver até que a laranja esteja molezinha, mas conservando a forma das fatias e até que o ponto seja o próprio do doce de calda. Deita-se depois em frascos ou compoteiras.

Este doce se for para durar leva o açúcar que atrás se diz e se for para comer logo pode levar menos 125 g em cada quilograma. Para encher uma compoteira é preciso 12 laranjas pouco mais ou menos e o relativo peso de açúcar.

52 Palavra não identificada. imagem 14

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Marmelada de maçã (Família Sampaio da Nóvoa)

Coze-se a maçã como o marmelo, escorre-se na peneira e espreme-se no pano para lhe tirar algum sumo e depois passa-se na peneira. Tem-se o açúcar em ponto de rebuçado, mas o mais subido possível, deita-se dentro a maçã e deixa-se ferver até que tenha consistência para prender.

Para um arrátel de maçã, outro de açúcar.

Deve depois de tirada, ir ao sol como a outra marmelada, e deitada em ladrilhos, fica muito bonita.

Pêras secas 53

A um cento de pêras, 7 arráteis de açúcar.Deitam-se as pêras a cozer em água a ferver (depois de descascadas e limpas do caroço) durante meia hora.Depois deitam-se as pêras em água fria.

Põe-se o açúcar em ponto de espadana baixo, deitam-se-lhe dentro as pêras e deixa-se ferver um bocado bom. Depois tiram-se para um alguidar e deixam-se estar até ao dia seguinte. No dia seguinte tornam ao lume e esta operação tem de se repetir quatro vezes para que a pêra fique bem passada e branquinha. Depois põem-se a secar ao sol sobre peneiras ou redes. As pêras querem-se pequenas e doces.

53 No caderno de receitas da família Sampaio da Nóvoa chama-se fruta seca ao que hoje designamos como fruta cristalizada. De facto fruta seca é aquela que é seca por processos naturais. Assim sendo onde diz maçãs secas deveria dizer maçãs cristalizadas.

Geleia (Família Freitas do Amaral)54

Esbulha-se o marmelo e tira-se-lhe a pevide e o branco onde ele está, e se deita em água para não se pôr vermelho. (Os marmelos sendo bons, 5 dão um quartilho de gelo55). Depois põem-se a cozer em água e estando cozidos principia-se a espremer o gelo para um pano que seja tapado. Depois do gelo estar pronto, põem-se o açúcar ao lume da maneira seguinte, deita-se um quartilho de água para 2 arráteis de açúcar, isto para o limpar porque o açúcar deve ser do muito branco e seco, e depois de ele estar limpo põe-se a ferver até estar em ponto de dar fios e fazer rebuçado, e estando assim tira-se para fora do lume, e assim que ele está a abater deita-se-lhe o gelo dentro, e mexe-se quando se deita, e depois torna ao lume a ferver tudo até mostrar uma prisão, isto é tira-se para fora um bocado e deita-se a um pires e vendo que arma um espelho a codinha está pronta. É de advertir que depois de deitar o gelo não se deve tirar o tacho do lume senão de vez. É que tirando e tornando-o a pôr faz a geleia vermelha.

Resumo – A cada quartilho de gelo leva 2 arráteis de açúcar.

54 Existem três receitas de geleia nos cadernos de receitas da Família Freitas do Amaral, mas trata-se basicamente da mesma receita.

55 Gelo é termo usado para designar a água que resulta da cozedura da casca do marmelo.

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CremeO leite-creme, tal como hoje vulgarmente o designamos, é um doce feito à base de leite, açúcar, farinha e ovos, a que se acrescenta canela e casca de limão. Depois de pronto costuma cobrir-se com açúcar que se queima, passando então a designar-se leite-creme queimado. Trata-se de um doce usual em diversos países da Europa, tais como Espanha, Inglaterra e França.

Sabemos que, em Guimarães, em 1842, era doce apreciado na freguesia de Penselo, mas a sua origem será seguramente anterior.

No caderno de receitas de Família Freitas do Amaral encontramos três receitas de creme.

Receita de creme (Família Freitas do Amaral)

A um arrátel e quarta de açúcar, se lhe lançam 13 gemas de ovos, batem-se com o açúcar muito batido, e deita-se-lhe também a farinha 4 onças, o sal preciso, com uma canada de leite, mexendo-se sempre até ficar sem fatoco algum, e depois vai o tacho ao lume, mexe-se sempre, até ferver, em lume brando, para não ganhar esturro, e assim quando engrossar, tira-se para fora, e pulveriza-se com canela.

N. B. Quando se bate o açúcar com os ovos juntam-se-lhe 4 colheres de sopa, de farinha triga; e depois de estar tudo bem desfeito é que se lhe deita o leite e se mexe antes de ir para o lume.

Creme de Páscoa receita da nossa casa (Família Freitas do Amaral)

Para 5 quartilhos de leite, 5 colheres, das de sopa, bem cheias de farinha, 500 g de açúcar e as gemas de 24 ovos. Deita-se a farinha numa bacia e a pouco e pouco vão-se-lhe misturando o leite de modo que a farinha fique muito bem desfeita. Um pau de canela e casca de limão. Junta-se-lhe o sal preciso e vão ao lume depois de ser passado pelo passador. Mexe-se sempre até a farinha estar muito bem cozida. Nesta altura, mistura-se o açúcar e deixa-se ferver mais um pouco: se estiver em creme grosso pode-se-lhe deitar mais o leite que for preciso.

Tira-se do lume depois de bem cozido e deita-se-lhe os ovos, mexendo sempre e vai outra vez ao lume, continuando a mexer para não pegar, até levantar fervura.

Não deve ficar grosso. Quanto mais ovos levar melhor fica.

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Leite creme (Família Freitas do Amaral)

Leite 2 litros

Açúcar refinado 750 gramas

Ovos (gemas batidas) 18

Sal q.b.

Farinha triga 120 g

Canela em pau q.b.

Canela em pó q.b.

Casca de limão q.b.

Bate-se muito bem o açúcar com os ovos, juntando-se-lhe o sal e pouco a pouco a farinha triga, sem deixar fatocos. Incorpora-se-lhe pouco a pouco o leite mexendo sempre. Leva-se o tacho ao lume brando e faz-se ferver durante bastante tempo (a farinha não deve ter o gosto de crua) mexendo sempre.

Deita-se em travessa e polvilha-se com canela.

Doce de cháDoce de chá designa a variedade de pequenos doces individuais que se costumam comer acompanhados por uma chávena de chá. De um modo geral os doces de chá são doces secos. Em Guimarães, em 1884, mais de 10 mulheres tinham como profissão fazer “doce de chá e de romarias” (RELATÓRIO, 1991 [1884]: 248).

Em 1884, na Exposição Industrial de Guimarães expõe-se “diverso doce de chá” (RELATÓRIO, 1991 [1884]: 247). D. Maria dos Prazeres Ribeiro Varanda e D. Maria Mendes Lucas apresentam “doces de chá cobertos” (RELATÓRIO, 1991 [1884]: 116). O termo «coberto» serve para designar um bolo de massa fofa coberto com calda de açúcar em ponto forte. Esta calda, depois de ligeiramente arrefecida, é espalhada sobre a superfície do bolo mantendo-o húmido durante mais tempo.

No caderno de receitas de Dona Maria Henriqueta Sampaio da Nóvoa, na receita das «Paciências» aquela senhora anota serem estas “esplêndidas para o chá”. No caderno de receitas da Família Freitas do Amaral diz-se que com a receita do «Bolo de Pão-de-ló» também se podem fazer “bolinhos de chá”.

Em ambos os cadernos existem diversas receitas que muito provavelmente seriam usadas para acompanhar a ingestão de chá, no entanto, apenas transcrevemos a receita de Dona Maria Henriqueta Sampaio da Nóvoa designada «Bolinhos de chá».

Bolinhos de chá (Família Sampaio da Nóvoa)

Deita-se num alguidar um arrátel de açúcar, 12 gemas de ovos, 4 claras, sal e raspa de limão e bate-se tudo muito batido.

Depois junta-se-lhe um arrátel de farinha triga e torna-se a bater tudo.

Untam-se as folhetas com manteiga, polvilham-se com farinha trigo, deita-se-lhe dentro a massa com uma colher e mete-se à fornalha a cozer.

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Doces de romariaAvelino da Silva Guimarães informa que, em 1884, cerca de uma dezena de mulheres se ocupavam “durante todo o ano” na confecção de “doce de chá e de romarias” (GUIMARÃES, 1991 [1884]: 248).

Entende-se por “doce de romarias” aquele que se vende nas feiras e festas que se realizam um pouco por todo o País. Sebastião Pessanha, num texto intitulado «Doçaria Popular Portuguesa», define-os como sendo “doces feitos pelo povo e para o povo, principalmente, como já disse, para satisfazer a gulodice da gente miúda, que se enleva ante as formas mais pitorescas e deles faz largo consumo, ou para ofertas e permutas entre os adultos, quase sempre de feição amorosa e até, por vezes, intencionalmente maliciosas. Assim, nunca faltam, igualmente, nas feiras e nos mercados,

onde as doceiras, com os seus tabuleiros forrados de toalhas brancas, patenteiam as especialidades da região, alinhadas com as fabricantes de pão caseiro” (PESSANHA, 1997 [1957]: 57).

Sebastião Pessanha refere ter adquirido em Guimarães diversos doces de romaria com a forma de uma sereia, tesoura, corneta, cruz de Cristo, Sacramento e um lagarto “muito pequeno” com “pintas verdes, de papel brilhante, e coleira cor-de-rosa” (PESSANHA, 1997 [1957]: 43 e 47).

Alberto Vieira Braga refere que nas festas e romarias se encontravam à venda “rosquilhos, às molhas, doces de farinha triga, com peneiramentos de açúcar; cavacas e corações de pão-de-ló, cobertos de açúcar e com flores de papel ou folhos de trema espetados (feitos em Guimarães). Ovos cozidos em água com

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várias ervas do conhecimento caseiro, para lhes dar a cor preferida, e com diversos desenhos feitos a gancho de cabelo (feitos pela ocasião da Páscoa, em Guimarães). Sardões, passarinhas, relógios, corações e macacada diversa, bugigangas feitas de farinha triga, com peneiramentos de açúcar, e raminhos colados com dizeres de amor e amizade (Feitos pelas festas de Santa Luzia e Senhora da Conceição, em Guimarães)” (BRAGA, 1928: 137-138).

Muitos dos doces de romaria eram cobertos com calda de açúcar, a qual se deveria deixar arrefecer um pouco antes de se colocar sobre o doce. Por ser cobertos com calda de açúcar é que se designavam «bolos cobertos». Na exposição Industrial de Guimarães, em 1884, António Serafim Afonso Barbosa, da Senhora da Guia, apresentou «bolos cobertos» e «doce de massa56» (RELATÓRIO, 1991 [1884]: 116).

Entre os diversos doces de romaria confeccionados pelas doceiras vimaranenses, feitos com farinha triga ou centeia, revestidos por uma massa de açúcar, e decorados com pequenos papéis de cores garridas, estariam, sem dúvida, as passarinhas e os sardões, sempre presentes na Festa de Santa Luzia, em Guimarães, a 13 de Dezembro de cada ano57, e também nas festas de N.ª Senhora da Conceição (BRAGA, 1928: 138). Nestas festas, o rapaz compra o sardão para ofertar à rapariga de quem gosta; a rapariga compra a passarinha para oferecer ao rapaz que a encanta.

António Augusto Amaro das Neves num texto sobre as «Passarinhas e os Sardões» explica que “não será

56 Não sabemos o que sejam doces de massa. Emanuel Ribeiro diz que “na doçaria popular predomina o gosto do nosso povo e assim aparecem os cestos, especiaria de massa-triga ou milha metida em um banho de açúcar, adornados com flores sanguíneas de papel; os corações pintalgados de missanga” (RIBEIRO, 1997 [1928]: 29).

57 Emanuel Ribeiro também refere as passarinhas e os sardões no seu livro «O doce nunca amargou»: “Mas ainda temos (…) as passarinhas e os sardões”. Explicando, em nota que “passarinhas” é o “termo popular dado ao órgão genital feminino. Na ilha da Madeira dão-lhe o nome de ‘melrinho’”; e que “sardões” é o “termo popular dado ao órgão genital masculino. Vendem-se, em Dezembro, no arraial de Nossa Senhora da Conceição, freguesia de Azurei [sic] próximo de Guimarães” (RIBEIRO, 1997 [1928]: 31). Alberto Vieira Braga também se refere a estes doces explicitando que se vendiam “pelas festas de Santa Luzia e Senhora da Conceição, em Guimarães” (BRAGA, 1928: 138).

necessário grande conhecimento de linguagem simbólica nem de gíria de carácter sexual para fazer associações coloridas entre aqueles objectos e o seu significado. Entre as centenas de designações populares que se aplicam aos órgãos genitais feminino e masculino, a passarinha e o sardão são dos mais utilizados no linguarejar do nosso povo”58.

Sebastião Pessanha refere outras festas onde são presença obrigatória o que ele designa como “bolos obscenos” e onde também marcam presença, “pitinhos” e “lagartos” (PESSANHA, 1997: 60 a 62).

Entre os doces de Romaria do Minho incluem-se os «rosquilhos» e as «cavacas», também elas cobertos com açúcar em calda.

Em 1751, as freiras clarissas oferecem ao “Dr. Juiz de fora (…) umas cavacas” (BRAGA, 1927: 117). Também na exposição industrial de Guimarães, em 1884, no expositor de D. Maria Mendes Lucas, moradora na Rua D. João I, e no de D. Maria dos Prazeres Ribeiro Varandas, moradora na Rua do Retiro, se expuseram “cavacas” (RELATÓRIO, 1991 [1884]: 116). Em 1919, no mercado municipal encontram-se as doceiras a vender: “os sequilhos59, as cavacas e o pão leve, para presente” (GUIMARÃES, 1919: 86).

Num dos cadernos de receitas da Família Freitas do Amaral temos uma receita de «Cavacas de manteiga».

58 Veja-se no site Memórias de Araduca, da autoria de António Augusto Amaro das Neves, o texto e fotografias sobre passarinhas e sardões http://araduca.blogspot.com/2006/12/passarinhas-e-sardes.html e http://araduca.blogspot.com/search?q=passarinhas

59 No livro de receitas da última freira de Odivelas consta uma receita de sequilhos. Bolos feitos com manteiga, farinha, açúcar e gemas de ovos, aromatizados com erva doce (CABRAL, 1999: 58).

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Cavacas de manteiga (Família Freitas do Amaral)

Açúcar fino 1 quilo

Farinha triga 1 quilo

Manteiga 250 g

Canela em pó q.b.

Cravos-da-índia em pó q.b.

Em cerca de 300 g de água desfaz-se umas 200 g do açúcar e, com esta água doce amassa-se a farinha triga, num alguidar. Junta-se-lhe, incorporando bem, a manteiga, a canela e o cravo em pó. Feito isto tira-se massa, com uma colher, para uma tábua, e tende-se fazendo uma só cavaca de cada vez. Levam-se ao forno a cozer e passam-se depois por açúcar em ponto.

Os rosquilhos ou rosquilhas, doces de romaria por excelência, constam no caderno de receitas da Família Freitas do Amaral, mas, infelizmente, praticamente ilegível. Conhecemos no entanto duas receitas de rosquilhos, uma de Lousada60, outra do Alto-Minho (SAMPAIO, 2003: 29). De facto, estamos perante um doce com larga difusão nas festas e romarias portuguesas. Os rosquilhos vendiam-se, por exemplo, na feira de Cinfães (distrito de Viseu) em grupos de cinco61.

60 É esta receita dos rosquilhos de Meinedo (Lousada): “Uns são grandes, outros são pequenos e aparecem em todas as ocasiões de festa ou romaria. “São preparados com uma dúzia de ovos batidos com sal e raspas de limão, a que se junta 600 gramas de farinha com fermento, até que a massa fique endurecida e apta a ser esticada para enroscar à maneira de cada um. Vai então a um tabuleiro enfarinhado e daí ao forno bem quente durante vinte minutos. A cobertura é feita de açúcar em ponto, onde, quando o açúcar ainda está quente, se mergulham as roscas uma a uma até se molharem bem!” In http://www.cm-lousada.pt/VSD/Lousada/vPT/Publica/ O+Concelho/Gastronomia/

61 “Os rosquilhos que em tempos fizeram as delícias das crianças, é hoje o doce menos procurado. Um bom pai quando ia à feira a Cinfães trazia sempre um molho de rosquilhos para os filhos. O pior era os rosquilhos serem só 5 e o número de filhos ser sempre elevado. Cabia aos filhos encontrar a melhor forma de os repartir sem ninguém ficar a perder” http://ranchotradicionalcinfaes.com/files/osdocesdasjulias.pdf

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Grãos docesAlberto Vieira Braga informa que, em 1751-1752, as freiras do Convento de Santa Clara, “em vésperas da Conceição e véspera de Natal” deram “grãos doces, levaram três arráteis de açúcar cada um, faz seis: custaram 240 rs.”. Refere ainda que “comiam também em certos dias de festa e de aniversário (…) grãos doces” (BRAGA, 1927: 116). Pesquisámos em vários livros de receitas mas não conseguimos encontrar nenhuma referência a «grãos doces» pelo que desconhecemos de que tipo de doce se trata.

Leite-crespoEm 1751 as freiras clarissas vimaranenses oferecem ao seu médico “dois pratos de leite crespo e um de pastéis” (BRAGA, 1927: 117-118). Também no Mosteiro de Celas (Coimbra) se fazia leite-crespo (RIBEIRO, 1997 [1928]: 45 e 70).

Este doce faz-se fervendo o leite muito lentamente, acrescentando-se o açúcar numa fase avançada da fervura. O leite crespo pode ser mais ou menos consistente consoante o gosto de cada um. Este é um doce ainda hoje em voga no Brasil.

ManjarO Pároco de Penselo, em 1842, refere que na sua paróquia se comia “creme, arroz doce de príncipe, letria, boas queimadas de fio, manjar de diferentes qualidades” (LAMEIRAS, 1998 [1842]: 444). Esta é a única referência que conhecemos relativa à confecção de manjares em Guimarães. Muito provavelmente os manjares de “diferentes qualidades” referidos nesta citação não andariam longe dos que constam quer no caderno de receita de Dona Maria Henriqueta Leal Sampaio quer nos da Família Freitas do Amaral e que abaixo apresentamos.

A receita de manjar-branco constante no Livro de Receitas da Infanta D. Maria (séc. XV) inclui como ingrediente galinha cozida e desfiada (LIVRO, 1986: 66-68), o mesmo sucedendo com alguns dos manjares constantes no livro «Arte de Cozinha» (1693), de Domingos Rodrigues (RODRIGUES, 2001 [1693]: 126-128, e numa receita de «manjar branco» inserida num manuscrito pertencente à Livraria do Mosteiro de Tibães (RAMOS; SOARES; OLIVEIRA, 2005: 107-108).

No século XIX as receitas de manjar branco já não incluem galinha. O que dá a unidade a estes manjares é o facto de serem todos confeccionados com farinha de arroz, leite e açúcar.

Manjar branco da Costa, Guimarães (Família Sampaio da Nóvoa)

250 gramas de farinha de arroz

Meia canada de leite

500 gramas de açúcar

1 pau de canela

1 casca de limão

Ferve tudo até engrossar. Depois deixa-se arrefecer, fazem-se pequenas broinhas e metem-se à fornalha a tostar. Depois de frias põem-se sobre rodelinhas de papel de seda recortadas.

São muito boas

Manjar real62, receita antiga (Família Sampaio da Nóvoa)

Num arrátel de açúcar coado, coze-se uma quarta de amêndoa bem pisada; juntam-se duas onças de pão ralado, dá uma fervura, tira-se do lume e deixa-se esfriar para lhe deitar dez gemas de ovos bem batidas e uma pitada de canela. Depois de bem mexido, torna ao lume, ferve até que fique em boa consistência: deita-se numa travessa e polvilha-se com canela.

Esta receita é da prima Raquel [Raquel Ricardina da Cunha Vaz Vieira Berrance].

Actualmente a prima Amélia [Amélia F. de Sousa Vaz Vieira] emprega para este doce as doses seguintes:

Açúcar refinado 750 gramas

Amêndoa 130 gramas

Pão ralado 120 gramas

Ovos 10 gemas de ovos

62 Também existe uma receita de «manjar real» num manuscrito pertencente à Livraria do Mosteiro de Tibães (RAMOS; SOARES; OLIVEIRA, 2005: 108).

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Receita de bolos de manjar (Família Freitas do Amaral)

Para uma canada de leite, um arrátel de farinha de arroz, dois arráteis de açúcar refinado do melhor, um bocado de amêndoa, isto é pouco mais de uma onça, bem pisada, esta antes de deitar-se no tacho se desfaz em uma pinga de leite; deita-se tudo junto em um tacho, e se lhe deitam também algumas areias de sal, e depois põem-se ao lume e mexe-se sempre, e logo que engrossa, e despega a massa da beira do tacho está pronto, o lume deve ser brando para não torrar. Logo que a massa esteja pronta tem-se um tabuleiro com uma toalha empoada com farinha de arroz, e se vai tirando o manjar aos bocados com uma colher, conforme o tamanho que se quiserem os bolos, e se vão embolando na mão até que fiquem lisas, e depois se vão pondo em bacias ou folhetas, que devem estar empoadas com farinha de arroz, e mete-se ao forno, não estando forte demais, e logo que elas tenham por baixo uma solinha estão prontas. Costumam estar mais de uma hora no forno.

Receita para fazer doce de manjar (Família Freitas do Amaral)

A uma canada de leite, um arrátel de açúcar, meio arrátel de farinha de arroz, um vintém de amêndoa e dez réis de água de flor.

O açúcar deve ser limpo. (É para manjar de prato) sendo para pastéis então leva um arrátel de farinha de arroz.

Manjar de prato (Família Freitas do Amaral)63

Leite 1 litro / 2 litros

Farinha de arroz 70 g /180 g

Açúcar clarificado64 375 g / 750 g

Amêndoa pisada 50 g /100 g

Sal q.b.

Canela em pó q.b.

Lança-se tudo junto no tacho (excepto a canela) e deixa-se ferver a lume brando até estar cozido, mexendo sempre. Deita-se na travessa e polvilha-se com a canela.

Massapães e massapão rosadoAtravés do Livro de receita e despesa do Convento de Santa Clara de Guimarães, ficamos a saber que as freiras clarissas, em 1692, tinham como mimos, na “Véspera de Janeiro” ou seja, no final do ano, “dois massapães” (GUIMARÃES, 1892: 200, nota 3). Em 1751, estas mesmas freiras oferecem ao “Dr. Juiz de fora, uma caixa de massapão rosado” (BRAGA, 1927: 117).

O massapão é um doce de origem árabe feito com uma pasta de açúcar, amêndoas moídas e claras de ovos sendo facilmente moldável65. Quando se acrescenta água-de-rosas66 a esta pasta, o massapão passa a designar-se massapão rosado.

63 Existe mais uma receita de manjar de prato nos cadernos de receitas da Família Freitas do Amaral, mas trata-se basicamente da mesma receita. Optamos por colocar a receita na qual se indicam as quantidades em quilogramas e litros.

64 Veja-se como se clarifica o açúcar na nota N.º 21.

65 Giacinto Manupella explica que “O substantivo maçapão (= massa doce, feita de amêndoas pisadas, farinha, açúcar e claras de ovos) através do castelhano mazapán deriva do italiano marzapane; este, por sua vez, provém do árabe mauthabân, nome de moeda que, introduzido no dialecto de Veneza (cfr. marzapàn e matapàn) e na língua franca do Levante, sofreu várias alterações semânticas, tendo o nome da moeda passado a indicar uma medida de capacidade de uso corrente em todo o mediterrâneo centro-oriental, e por fim a caixa com maçapão” (LIVRO, 1986: 210).

66 Água-de-rosas é o mesmo que água rosada. Giacinto Manupella explica que “como é sabido, a água-rosada é o Hydrolatum rosae, ou, por outras palavras, água destilada de rosas, água aromática de rosas” (LIVRO, 1986: 169).

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Trata-se de um doce que começou por ter, como muitos outros, uma origem medicinal, e que desde o século XV se transformou num doce consumido nos conventos e pelas classes mais favorecidas da população. O massapão admite duas grafias massapão e maçapão. É um doce ainda hoje apreciado em Espanha, onde se designa «mazapán», e em Itália, conhecido como «marzapane», mas também se confecciona noutros países europeus.

No livro de cozinha da Infanta D. Maria, datado do século XVI, consta uma receita «para fazer maçapães» (LIVRO, 1986: 137-139), bem como na «Arte de Cozinha», de Domingos Rodrigues, onde consta uma receita de «massapães de ovos» (RODRIGUES, 2001 [1693]: 132-133), e no manuscrito pertencente à Livraria do Mosteiro de Tibães, cuja receita é simplesmente designada «maçapão» (RAMOS; SOARES; OLIVEIRA, 2005: 107).

Num poema de Manuel Botelho de Oliveira (1636-1711), intitulado «Pintura de uma Dama Conserveira» (OLIVEIRA, 1705), este, ao descrever o rosto da Dama refere-se ao “massapão” e ao “massapão rosado”:

Maçapão rosado vejo

Em seu rosto de carmim,

Nas maçãs o maçapão,

No rosto o rosado diz”.

Não sabemos qual a receita dos massapães e do massapão rosado confeccionado no convento de Santa Clara mas deixamos aqui uma receita de massapães muito em voga no Minho e que consta do livro de receitas de Dona Maria Henriqueta Leal Sampaio.

Maçapão e massapães usam os mesmos ingredientes base mas dão origem a doces muito diferentes, havendo: a) os que não vão ao forno, sendo preparados em cru. Este tipo de massapão ainda hoje se faz no Algarve e em algumas regiões de Itália; b) os que vão ao lume em recipiente pousado sobre o fogo, sendo de seguida a massa moldada à mão e que são preparados de modo semelhante ao que consta no Livro de receitas da Infanta Dona Maria (LIVRO, 1986: 137-139); c) os que vão ao forno, como a receita dos massapães de Guimarães abaixo apresentada, os do Livro «Arte de Cozinha» (1693), de Domingos Rodrigues (RODRIGUES, 2001 [1693]: 132-133) e os de algumas regiões de Espanha.

Massapães (Família Sampaio da Nóvoa)

Batem-se duas claras num alguidar e depois de estarem bem batidas, junta-se-lhes ½ arrátel de açúcar pilé e ½ arrátel de amêndoa pisada e torna-se a bater tudo outra vez.

Forra-se uma folheta com hóstias, deita-se-lhe a massa em cima com uma colher, em bolinhos e mete-se à fornalha a cozer.

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Mexidos ou formigosFerreira Caldas, em 1881, refere que era costume servir-se, na véspera de Natal, “um prato de mexidos” no Asilo dos entrevados de S. Francisco (CALDAS, 1996 [1881]: 396).

Também o pároco de S. Salvador do Souto, em texto datado de 1842, informa ser costume comer-se “formigos”, que levavam mel, na véspera de Natal, especificando ser “prato favorito destes povos em tal noite” (LAMEIRAS, 1998 [1842]: 582).

Mexidos ou formigos são palavras utilizadas para designar o doce que ainda hoje é presença obrigatória à mesa de Natal.

Nos cadernos de receitas das famílias Sampaio da Nóvoa e Freitas do Amaral constam três receitas de mexidos.

Mexidos do Natal (Família Sampaio da Nóvoa)

Põe-se ao lume um tacho com água adoçada com açúcar e mel a gosto de cada um, uma colher de manteiga, uma casca de limão e um pau de canela.

Tem-se pão trigo partido muito miudinho e em a calda fervendo, deita-se-lhe dentro o trigo e deixa-se ferver. Tem-se algumas amêndoas pisadas, nozes esmagadas, figos de caixa ou do Douro partidos aos bocadinhos e junta-se tudo no tacho. Deixa-se ferver até estar o pão bem desfeito e grosso. Deita-se então algumas uvas passas e pinhões. Tira-se do lume e juntam-se-lhe os ovos, uns só a gema e outros com a clara, mas com cuidado para estes não destalharem.

Torna ao lume para cozer os ovos. Deve ficar esta massa em consistência de prender e ficar ligada como se fosse um pudim.

Quando se tira do lume, junta-se-lhe um cálice de aguardente boa, maior ou mais pequenino conforme for a quantidade dos mexidos.

Deita-se em travessas e polvilham-se de canela.

Depois que se deita o pão é preciso mexer sempre para não pegar ao tacho, o que acontece com facilidade.

Receita da Tia Teresa [Teresa Alexandrina da Cunha Berrance67]. Muito bons.

67 Teresa Alexandrina da Cunha Berrance (1808-1886), filha primogénita de Ana Rita de Abreu Cardoso Teixeira e de António Joaquim da Cunha Ribeiro e Moura, proprietário da Quinta de Berrance situada na freguesia de Santa Maria de Ribeiros, concelho de Montelongo (actual concelho de Fafe). Casou com seu primo direito José Barroso Pereira. Tia-avó materna de Maria Henriqueta Leal Sampaio. imagem 23

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Mexidos (Família Freitas do Amaral)68

Pão de trigo ralado 3 pães de 400 gramas

Açúcar 750 a 1000 gramas

Água 1500 gramas

Gemas de ovo 13

Vinho maduro branco 150 gramas

Mel o suficiente para dar sabor pronunciado

Manteiga e sal quanto baste

Uvas passas e pinhões as que se quiser, mas não muitas

Canela em pó quanto baste para polvilhar

Água de flor de laranjeira 100 gramas

Deve-se limpar (a) o açúcar e depois de coado põe-se no lume até ferver, na água indicada. Tempera-se de sal; junta-se-lhe a manteiga até saber a ela, o mel, e o vinho. Deitam-se as uvas e os pinhões. A seguir incorpora-se, mexendo sempre, o pão ralado, que deve ferver bastante, até prender. Tira-se o tacho do lume e deixa-se esfriar um pouco. Deita-se-lhe, depois, a água de flor de laranjeira e os ovos batidos e depois de tudo bem mexido no tacho, põem-se este novamente ao lume somente até levantar fervura e cozer os ovos; em seguida deitam-se os mexidos em prato ou travessa e polvilham-se com a canela em pó.

Ovos mexidos do Natal (Família Sampaio da Nóvoa)

Amolece-se o pão em bastante leite, juntando-se-lhe suficiente açúcar e algumas gemas de ovos com umas poucas pedras de sal. Põe-se ao lume um tacho com bastante manteiga e mel; em fervendo, junta-se-lhe o pão amolecido, mexendo sempre até ficar enxuto e louro.

São óptimos estes ovos mexidos muito em uso no Alto Minho.

Ovos-molesPelo menos no século XVIII as freiras clarissas vimaranenses confeccionavam «ovos-moles» que costumavam oferecer e que comiam “em certos dias de festa e de aniversário” (BRAGA, 1927: 116).

Os ovos-moles eram confeccionados um pouco por todo País tendo ganho fama os produzidos em Aveiro que ainda hoje se comercializam em casas da especialidade.

Numa calda de açúcar em ponto acrescentam-se gemas de ovos bem batidas, mistura-se tudo muito bem e volta ao lume até ganhar presa.

No caderno de receitas da Família Freitas do Amaral existe uma receita de ovos-moles.

68 Existem mais duas receitas de mexidos nos cadernos de receitas da Família Freitas do Amaral, mas trata-se basicamente da mesma receita. Optamos por colocar a receita na qual se indica as quantidades em quilogramas.

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Receita de ovos-moles (Família Freitas do Amaral)69

Açúcar 500 gramas

Água ½ litro

Gemas de ovos, bem batidas 15

Canela em pó q.b.

Leva-se o açúcar ao ponto de espadana, tira-se o tacho do lume até arrefecer bastante. Deita-se-lhe os ovos e mexe-se bem. Volta tudo ao lume brando e, mexendo sempre, deixa-se engrossar. Deita-se em travessa e polvilha-se com canela.

Ovos reaisEm 1665 a vereação vimaranense decide oferecer aos Condes de S. João e da Torre “seis caixas de doce e um prato de ovos reais, por não haver tempo para outra coisa” (BRAGA, 1992: 198).

Ovos reais são o que actualmente designamos por fios de ovos, que na altura se designava «aletria de ovos», mas mais espessos. Em 1693, Domingos Rodrigues, na sua obra «Arte de Cozinha», ensina como fazer a «aletria de ovos», ou seja fios de ovos como hoje dizemos. Acrescentando que “do mesmo modo se fazem ovos reais, mas mais grossos”. Este mesmo autor, na receita da Torta de Marmelos, volta a referir-se-lhes: “façam-se ovos reais de

uma dúzia de gemas de ovos em um arrátel de açúcar” (RODRIGUES, 2001 [1693]: 133-134 e 124).

Refira-se no entanto que, num manuscrito existente na antiga livraria do Mosteiro de Tibães existe uma receita designada ovos reais, tratando-se de um doce composto por fios de ovos dispostos por cima de fatias de pão finas, passadas por açúcar e torradas70 (RAMOS; SOARES; OLIVEIRA, 2005: 78-79 e 110). Muito provavelmente os ovos reais que se dispõem por cima de fatias de pão adoçado acabaram por dar o nome a um doce em que os ovos reais se conjugam com outros ingredientes – prato de ovos reais.

Nos cadernos de receitas que vimos compulsando não existe nenhuma receita de ovos reais.

PalmilhasEm 1884, duas senhoras – Maria Mendes e Maria dos Prazeres – mostraram na Exposição Industrial de Guimarães um doces designados «palmilhas» (GUIMARÃES, 1991 [1884]: 247), cuja receita consta no caderno de receitas da Família Freitas do Amaral.

69 Existe mais uma receita de ovos moles, mas trata-se basicamente da mesma receita. Optamos por colocar a receita na qual se indicam as quantidades em quilogramas e litros.

70 Agradeço à Dr.ª Aida Mata que chamou a minha atenção para a existência desta receita, e à Dr.ª Anabela Ramos que fez o favor de me facultar o artigo que compulsei.

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Palmilhas (Família Freitas do Amaral)

Açúcar 125 / 84 /250 g

Ovos 3 / 2 / 6

Raspa de limão de 1 / 1 / 1

Sal q.b / – / q.b.

Farinha triga 250 / 170 / 500 g

Manteiga derretida meia / meia /1 colher de chá

Deita-se a raspa de limão, o sal e os ovos no açúcar. Mexe-se tudo por espaço de 15 a 30 minutos. Junta-se-lhe depois, pouco a pouco e mexendo sempre, a farinha triga até ficar muito bem incorporada e mexida. Depois, incorpora-se-lhe a manteiga derretida. Feita assim a massa, lança-se esta numa tábua, tendo o cuidado de a envolver sempre em farinha, para não pegar, e estende-se com um rolo e se corta com a carricha no feitio que se deseje. Vão depois à fornalha a cozer, em latas. Estando um tanto tostadas, tiram-se e passam-se depois por açúcar em ponto de rebuçado e deixam-se secar.

Latas enfarinhadas. Forno: primeiro até aquecer ao máximo, e depois a 3.

PalitosNa exposição industrial de Guimarães em 1884, uma senhora, D. Maria Mendes Lucas, residente na Rua de D. João I, expôs «palitos», entre outra doçaria (RELATÓRIO, 1991 [1884]: 116-117).

No caderno de receitas de Dona Maria Henriqueta Leal Sampaio consta a receita de «Palitos».

Palitos (Família Sampaio da Nóvoa)

4 ovos

200 gramas de farinha

200 gramas de açúcar

Canela

Raspa de limão

Amêndoa pelada e cortada às fatias depois alourada na fornalha.

Noz aos bocadinhos

Cidrão aos bocadinhos

As gemas batem-se com o açúcar. As claras em nuvem. Depois junta-se tudo e vai ao forno a cozer numa folheta untada com manteiga.

Estando cozida, vira-se numa tábua, corta-se aos palitos e voltam ao forno a alourar.

São muito bons e fazem-se depressa.

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Pão-de-lóNo Livro de Receitas da Infanta Dona Maria, manuscrito do século XVI, há uma receita de pão-de-ló mas não corresponde ao pão-de-ló tal como hoje o conhecemos. Trata-se de um doce de tabuleiro que leva na sua constituição amêndoas (LIVRO, 1986: 138-139)

Em 1572, no regimento dos confeiteiros da cidade de Lisboa aparece referido o «pão-de-ló», o qual tinha de ser feito com “açúcar da ilha da Madeira ou açúcar branco das outras ilhas” (CORREIA, 1926 [1572]: 208). Em 1609, encontra-se referência a um tal Pascoal de Freitas, confeiteiro em Guimarães e que aparece citado como mamposteiro da Santa Casa da Misericórdia (CARVALHO, 1939-1951, IV: 39), mas não sabemos se produziria pão-de-ló. Temos de esperar por 1678, para encontrar a primeira referência ao pão-de-ló vimaranense. De facto, numa acta de vereação camarária de 25 de Junho desse ano taxa-se o pão-de-ló a 70 réis o arrátel71 (BRAGA, 1992: 233).

O pão-de-ló é um bolo feito com farinha de trigo, açúcar e ovos. Começa por bater-se durante bastante tempo o açúcar com as gemas de modo a ficarem cremosos, acrescentando-se, no final, a farinha e as claras batidas em castelo firme.

Camilo Castelo Branco, em «A viúva do Enforcado», refere o pão-de-ló: “Tinha passado a festa do Natal de 1822 em Guimarães, e levara à sobrinha um grilhão de ouro da sua viúva dentro de uma rosca de pão-de-ló” (BRANCO, 2009 [1876]: 423).

A designação rosca advém da forma que o pão-de-ló adquire, redondo com um buraco no meio, sendo antigamente cozido, dentro do forno, em formas de barro forradas a papel72. Hoje, a utilização de formas de barro está a cair em desuso, sendo apenas mantido em algumas, poucas, confeitarias. Note-se, no entanto, que o vocábulo rosca é usado desde há muito para nomear também a rosca de pão de trigo. De facto, em 1611, já Agostinho Barbosa, no seu dicionário refere a “rosca de pão” e a “rigueifa de pão ou rosca” (BARBOSA, 2007 [1611]: 954 e 946). No concelho de Guimarães, Braga e Fafe havia o costume, hoje em desuso, de os padrinhos, no Domingo de Ramos, receberem flores dos seus afilhados retribuindo-lhes o gesto, no dia de Páscoa, com a oferta de uma «rosca de pão». Não sabemos se, no séc. XVII, o termo rosca já era usado para nomear quer a rosca de pão quer a rosca de pão-de-ló, tal como hoje ainda é uso em Guimarães, Braga e Fafe.

Outra designação dada ao pão-de-ló era «regueifa» atribuída pelo jornalista do Jornal «Fígaro», de Lisboa, e que esteve presente na Exposição Industrial de Guimarães, em 1884 (RELATÓRIO, 1991 [1884]: 175). Note-se, no entanto, que em Guimarães não se costuma chamar regueifa à rosca de pão-de-ló 73.

71 Arquivo Alfredo Pimenta (Guimarães). Acta da vereação de 25 de Junho de 1678. Assim reza: “Pão de Ló. Nesta vereação puzerão o arratel de pão de ló a presso de setenta reis ho arratel he que com penna de dous mil reis o não tem por mayor presso e assinarão. Goncallo Monteiro da Costa o escrevi”. Agradeço à Dr.ª Maria José Meireles que fez o favor de me transcrever este excerto da Acta.

72 A boda do casamento do Barão de Manique, no primeiro decénio de 1800, foi organizada pelo célebre António Marrare, tendo sido adquiridas “7 dúzias de formas de pão-de-ló”. Em Guimarães as formas de barro eram feitas pelos oleiros locais que vendiam também para Felgueiras, onde se produz o afamado pão-de-ló de Margaride.

73 Assim escreve o referido jornalista: “Apresenta-se bem a bela exposição de doces e pão de trigo, assim como amostras de açúcar refinado. Destaca-se entre os trabalhos de doce uma grande regueifa de pão-de-ló de Margaride, de bonito aspecto” (RELATÓRIO, 1991 [1884]: 175). Repare-se que o autor chama «regueifa» ao que em Guimarães se costuma chamar «rosca» e diz ser o pão-de-ló originário de Margaride, o que não corresponde à verdade. Toda a doçaria exposta na exposição industrial de 1884 foi confeccionada em Guimarães.

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Também é interessante referir que em Guimarães se aproveitava o pão-de-ló que não se comia e ficava duro, «recesso» como por cá se diz, para fazer «sopa dourada» ou então leva-se ao forno coberto superiormente com doce de calondro74.

A documentação permite-nos saber que, em 1825, os irmãos da confraria dos Sapateiros, se deleitavam, na Quarta-feira de cinzas com “pão leve e vinho maduro” (CARVALHO, 1939-1951, III: 134) e que, em 1919, no mercado as doceiras vendiam: “os sequilhos, as cavacas e o pão leve, para presente” (GUIMARÃES, 1919: 86). O termo “pão leve” significa o mesmo que pão-de-ló. Maria de Lurdes Modesto apresenta uma receita de “pão leve ou pão-de-ló” feita no Peso, concelho da Covilhã, informando que: “este pão-de-ló prepara-se para as festas do Santo Padroeiro. Ainda hoje é costume, nas aldeias da Beira-Baixa, ser batido por quatro mulheres, que, junto ao forno da aldeia e à volta do alguidar, vão passando o batedor de mão em mão, ajudando-se mutuamente nesta tarefa” (MODESTO, 2001 [1981]: 131)75.

Em Guimarães, quer as freiras dos conventos de Santa Clara quer as mulheres do recolhimento das Trinas dedicavam-se à produção de pão-de-ló.

As freiras clarissas vimaranenses produziam rosca de Braga, rosca de doce ou rosca doce, rosca de manteiga e rosca de nata. Infelizmente não possuímos as receitas mas devia tratar-se de pão-de-ló com diferentes ingredientes – só com ovos, açúcar e farinha, ou com estes produtos mas a que era acrescentado natas – rosca de natas, ou manteiga – rosca de manteiga (GUIMARÃES, 1892: 200, nota 3; BRAGA, 1927: 116-118).

Em 1692, as freiras clarissas vimaranenses tinham direito a uma “rosca de Braga” na véspera de Natal (GUIMARÃES, 1892: 200, nota 3), sendo certo que, em 1751, “comiam também em certos dias de festa e de aniversário (…) roscas de manteiga” (BRAGA, 1927: 116). Nesse mesmo ano, durante a Semana Santa, as freiras puderam deleitar-se com “roscas doces [que] levaram de açúcar vinte e dois arráteis a cinquenta réis, com canada e meia de manteiga, importa tudo 1$860 rs” (BRAGA, 1927:

74 Informação facultada pelo Sr. Miguel Sousa que ainda hoje costuma comer pão-de-ló com calondro, pela Páscoa ou pelo Natal, em casa de sua mãe Dona Maria Henriqueta Rodrigues Nunes, moradora na Rua da Rainha, em Guimarães e que aprendeu a fazer esta receita com sua mãe Maria Oliveira Rodrigues (1909-1999). A receita faz-se do seguinte modo: tem-se pão-de-ló recesso em fatias, as quais se torram previamente. Leva-se doce de calondro ao lume ao qual se acrescenta um pouco de água de modo a torná-lo menos espesso. Entretanto batem-se algumas gemas de ovos com doce de calondro à temperatura ambiente. Retira-se o doce de calondro do lume e junta-se-lhe as gemas dos ovos já batidas. Põe-se este preparado por cima das fatias torradas de pão-de-ló e leva-se um pouco ao forno para aquecer. Servem-se quentes.

75 Na Pampilhosa da Serra, concelho de Coimbra ainda se continua a fazer pão leve. Veja-se http://www.povoapampilhosa.net/index.php?option=com_content&view=article&id=81:pao-leve&catid=45:gastronomia&Itemid=80

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116). Também o pão-de-ló fazia parte dos presentes oferecidos pelas clarissas àqueles a quem queriam agradar: em 1751 oferecem “roscas de doce”, e “a quem emprestou d[inhei]ro à comunidade, uma rosca de nata” (BRAGA, 1927: 117).

Interessante é verificar que, em 1751-1752 as freiras clarissas oferecem, em dia de Santo António dos Capuchos, um “vate” grande, voltando a oferecer outro “vate” por “uma obrigação do convento” (BRAGA, 1927: 117). Alberto Vieira Braga desconhecia o significado desta palavra. «Vate» ou «bate» é o mesmo que pão-de-ló. Ainda hoje, no Alto-Minho há quem chame «bate» ao pão-de-ló76 (GOES, 2005: 35; SAMPAIO, 2003: 29). Infelizmente não possuímos o receituário destes doces manjares, para perceber qual a diferença existente entre rosca de Braga, rosca doce, bate, rosca de nata, rosca de manteiga…

Na exposição industrial de Guimarães, que decorreu em 1884, estiveram expostos vários tipos de doces, de produção corrente no local, entre os quais «pão-de-ló», «pão-de-ló coberto», «pão-de-ló dito coberto», «pão-de-ló (bolinhol)» (RELATÓRIO, 1991 [1884]: 116-117; 142, 247). Repare-se a alusão ao que parece ser três tipos diferentes de pão-de-ló: pão-de-ló, pão-de-ló coberto e pão-de-ló (bolinhol).

76 “À sobremesa [na Páscoa] não pode faltar o bate (pão de ló), o leite de creme queimado, o arroz doce, a aletria com desenhos de canela, os "papudos", os doces de sequilhar, os bolos brancos (de gema), os rosquilhos, os beijinhos de Páscoa, as amêndoas, os rebuçados da Paixão. O vinho é de pipa, fazendo gala o Mordomo que seja o melhor da adega.A receita dos rosquilhos e papudos é a seguinte: preparada a massa com farinha triga e água à qual se juntam manteiga, açafrão, fermento, sal e açúcar, fica a levedar durante duas horas. Depois, as mãos das doceiras moldam os rosquilhos e os papudos que são colocados em tabuleiros polvilhados de farinha triga para não "apegar". Vai ao forno de lenha, com a porta sempre aberta, até alourar. Levam cobertura de açúcar refinado. O "bate" tem a mesma preparação da massa. Depois, vai ao forno em alguidar de barro”. In http://comesebebes.forumakers.com/receitas-de-pascoa-f5/pascoa-no-alto-minho-2008-t239.htm. Maria Antónia Goes no seu «Dicionário de Gastronomia», explicita: “Bate – Minho – rosca de pão-de-ló” (GOES, 2005: 35).

É esta a referência mais antiga que conhecemos ao bolinhol, pão-de-ló coberto de formato rectangular, cujo fabrico se mantém actualmente bem arreigado no concelho de Vizela77.

Avelino da Silva Guimarães, em artigo publicado no «Jornal do Comércio», de Lisboa, descreve a doçaria exposta, afirmando que sendo Guimarães “terra de conventos de freiras, a indústria da doçaria teve uma tal prosperidade, que estabeleceu e sustentou por muitos anos abundante comércio com Inglaterra”. Refere também o pão-de-ló explicando: “Era, porém, no recolhimento das Trinas, que se fabricava o melhor pão-de-ló, que disputava competências ao afamado pão-de-ló de Margaride (Felgueiras)” (GUIMARÃES, 1991 [1884]: 247-248).

Joaquim de Vasconcelos, em artigo publicado no jornal «Comércio do Porto», também se refere ao pão-de-ló patente na referida exposição industrial: “quem subir a elegante escada encontrará na primeira sala o que há de mais apetitoso no género doces, desde o pão-de-ló monumental de 0,60 cm de diâmetro, até à fruta confeitada de maior apreço, oculta entre as flores e rendas de uma boceta vistosíssima” (VASCONCELOS, 1991 [1884]: 142).

À laia de conclusão podemos dizer que se fabrica pão-de-ló em Guimarães desde pelo menos a segunda metade do século XVII. Mas, provavelmente far-se-ia há mais tempo, confeccionado nas casas de família, no convento de Santa Clara e no Recolhimento das Trinas, sendo que, no final do século XIX, o pão-de-ló que saía dos fornos deste último tinha fama.

Infelizmente não possuímos nenhuma receita do pão-de-ló confeccionado em Guimarães. No caderno de receitas da família Freitas do Amaral existe uma receita mas está truncada. No livro de receitas da Dona Maria Henriqueta Leal Sampaio existe uma receita de pão-de-ló mas corresponde ao que se fazia na confeitaria Bezerra, em Famalicão.

77 Emanuel Ribeiro define o bolinhol como “espécie de pão-de-ló, coberto de açúcar e quase sempre rectangular. Província do Minho” e publica a receita (RIBEIRO, 1997 [1928]: 65 e 115).

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PassasEm 1692, as freiras clarissas costumavam receber, em “véspera de Natal”, “dois arráteis de passas” (GUIMARÃES, 1892: 200, nota 3). As passas são um fruto seco preparado a partir de uvas que sofreram um processo de desidratação, tendo em vista a sua conservação durante mais tempo. As passas, para além de serem comidas ao natural entravam também na composição de muitos doces.

No caderno de receitas de Dona Maria Henriqueta Leal Sampaio existe uma receita de «Passas de uvas», proveniente da Casa Ferreirinha.

Passas de uvas

1 cântaro de água

1 malga de cinza de vide

e um fio de azeite muito bom

Ferve-se esta mistura durante uma hora e depois deita-se num cântaro para assentar.

Deita-se depois esta água num tacho e quando estiver a ferver, mergulham-se nela os cachos de uvas, tiram-se e repete-se esta operação mais duas vezes. Tiram-se e põem-se em peneiros ou redes a secar ao sol.

Ficam muito boas. Receita da casa Ferreirinha.

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PastéisPastel é, por definição, uma “massa de farinha de trigo, com recheio salgado ou doce, que se frita ou assa” (HOUAISS, 2003: 2779). No regimento dos Pasteleiros de Lisboa (1572), estes são obrigados a saber fazer pastéis de carne, peixe e pastéis reais (CORREIA, 1926 [1572]: 222). Domingos Rodrigues, na sua «Arte de Cozinha» (1693), tem várias receitas de pastéis de carne e peixe e pastéis doces (RODRIGUES, 2001 [1693]).

Sabemos que as freiras de Santa Clara de Guimarães faziam “pastéis de carne” (BRAGA, 1927: 117) e pastéis doces. De facto, em 1692, na véspera de Janeiro, ou seja, na véspera de Ano Novo, têm direito a “dois pastéis”, que deveriam ser doces (GUIMARÃES, 1892: 200, nota 3). Temos de esperar por 1751-1752 para ficar a saber que faziam pastéis de carne e pastéis doces. Nessa altura as freiras clarissas costumavam enviar para a Convento vimaranense de S. Francisco, “em dia da Senhora de F[evereir]o (…) pastéis de carne” (BRAGA, 1927: 117). Mas, na mesma época as freiras oferecem também broinhas78 e pastéis doces, sendo estes feitos com açúcar e manteiga, usando-se papel “para se darem estes doces”79 (BRAGA, 1927: 118). Ao médico do convento, também em 1751-1752, as freiras oferecem “em o dia do recebimento da sua filha, dois pratos de leite crespo e um de pastéis” (BRAGA, 1927: 117-118).

Nos cadernos de receitas das famílias Sampaio da Nóvoa e Freitas do Amaral existem diversas receitas de pastéis, algumas com indicação de proveniência – «Pastéis de Santa Clara», Porto (Sampaio da Nóvoa); «Pastéis fritos», receita do Convento de Vairão, Vila do Conde (Sampaio da Nóvoa); «Pastéis de Belém», Lisboa (Sampaio da Nóvoa); «Pastéis de Lorvão» (Freitas do Amaral), mas nenhuma com a indicação de ser receita proveniente de Guimarães.

QueijadasEncontra-se referência a «queijadas»80 no foral concedido por D. Manuel a Guimarães, a 20 de Novembro de 1517 (MEIRELES, 1994 [1517]: 55). Este doce era confeccionado no Convento de Santa Clara, pois as freiras clarissas, em 1751, oferecem ao convento de S. Francisco de Guimarães, “em dia de N[osso] P[adr]e uma bandeja de queijadas” (BRAGA, 1927: 117).

Num manuscrito pertencente à Livraria do Mosteiro de Tibães, existe uma

78 Existe uma receita de «broinhas doces» num manuscrito pertencente à Livraria do Mosteiro de Tibães (RAMOS; SOARES; OLIVEIRA, 2005: 105).

79 “Mais se deu uma dúzia de pastéis e meia de broinhas, para o que se deu de açúcar quarenta e nove arráteis: custo 3$062 e meio – para os pastéis, de manteiga de vaca três quartilhos, custo 330 rs – de ovãos para as broinhas 480 rs – de amêndoa uma arroba, 1$920 rs – de pisar a amêndoa e cheiro e canela, 420 rs – de papel para se darem estes doces, 300 rs.” (BRAGA, 1927: 118).

80 “A qual portagem se não pagará de todo o pão cozido, queijadas, biscoitos, farelos, ovos, leite nem de cousa dele que seja sem sal” (MEIRELES, 1994 [1517]: 55).

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receita de «queijadas», confeccionada com queijo, farinha, açúcar e uma clara de ovo “para liar” (RAMOS; SOARES; OLIVEIRA, 2005: 112).

Em princípio uma queijada deveria ser um doce confeccionado com queijo. No entanto, no caderno de receita de Dona Maria Henriqueta existe uma receita de queijadas que não leva queijo. Pelo País fora ainda hoje se fazem queijadas com e sem queijo. Provavelmente alguns doces que não levam queijo designar-se-iam queijadas pelo facto de o bolo ter a mesma forma das queijadas que levam realmente queijo.

Pode ser que a receita aqui apresentada não tenha nada a ver com as queijadas referidas no foral de Guimarães de 1517 ou com as que se confeccionavam no Convento das clarissas, no entanto, achamos que dado tratar-se de uma receita que se designa «Queijadas de Guimarães» a deveríamos apresentar.

Queijadas de Guimarães (Família Sampaio da Nóvoa)

Põe-se ao lume um arrátel de açúcar pilé, côa-se e deixa-se vir a ponto de voar. Deita-se-lhe então um arrátel de açúcar e deixa-se ferver um bocado.

É preciso mexer sempre, para não pegar no fundo do tacho. Depois tira-se para fora e deitam-se-lhe 12 gemas e uma clara batidas, torna-se a levar ao lume até levantar fervura, mexendo sempre. Há-de ficar a massa presa para se poderem fazer as queijadas. Deixa-se descansar até ao dia seguinte, ou até estar bem fria. Depois põe-se um pano em cima de uma tábua, cortam-se as hóstias redondas, molham-se as bordas ligeiramente, deita-se-lhe no meio o doce e levantando as bordas das hóstias que estão molhadas, com os dedos dá-se-lhes a forma das queijadas (ver molde).

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Queimadas de fioO Pároco de Penselo, em 1842, refere que na sua paróquia se comia “creme, arroz doce de príncipe, letria, boas queimadas de fio, manjar de diferentes qualidades” (LAMEIRAS, 1998 [1842]: 444). Esta é a única referência que conhecemos a queimadas de fio, desconhecendo-se qual o tipo de doce a que corresponde esta designação.

Sopa doceEm 1751, as freiras clarissas também comiam “em certos dias de festa e de aniversário (…) sopa doce” (BRAGA, 1927: 116). Não conhecemos nenhuma receita vimaranense de sopa doce81.

Por todo o País há referência a sopa doce, mas as receitas variam bastante. Por exemplo, a receita de «sopa doce» apresentada por António Bello no seu livro «Culinária Portuguesa» é bem diferente daquela que é referida na «Carta gastronómica de Portugal», e que se diz ser originária do Entre-Douro-e-Minho82 (BELO, 1994 [1936]: 332).

SuplicosEmanuel Ribeiro dá conta de que no convento de Santa Rosa de Lima tinham fama os «suplicos» (RIBEIRO, 1997 [1928]: 47).

Temos duas receitas de «suplicos»: uma, que consta no caderno de Dona Maria Henriqueta Leal Sampaio, anotada como sendo originária da Confeitaria Bezerra, de Famalicão, a outra, da Família Freitas do Amaral, a qual seria, presumimos, originária de Guimarães. De qualquer modo transcrevemos as duas receitas.

81 Na «Carta gastronómica de Portugal», da União de Empresas de Hotelaria de Restauração e de Turismo consta uma receita de sopa doce, confeccionada na região de Entre Douro e Minho. Veja-se http://www.aphort.com/img_upload/Receita%20Sobremesas%2031_%20SopaDoceEntreDouroeMinho.pdf. Prepara-se do seguinte modo: aquece-se num recipiente vinho verde tinto e açúcar, aromatizado com pau de canela; quando quente adiciona-se pão previamente demolhado e mexe-se até ganhar presa. Retira-se do lume e dispõe-se em pratos. Será que a sopa doce feita pelas freiras clarissas vimaranense se assemelhava à receita que acima indicamos? Não sabemos. Mas, custa a crer que a sopa doce da receita acima fosse considerada um doce conventual…

82 Veja-se nota anterior.

Suplicos (Família Freitas do Amaral)

Açúcar fino 500 g

Ovos 6 ou 7

Raspa de limão de 1

Canela em pó

Sal

Farinha triga, aproximadamente 375 g

Manteiga para untar a lata q.b.

Junta-se ao açúcar os ovos, o limão, a canela em pó e o sal e bate-se tudo muito bem até engrossar. Depois deita-se-lhe, pouco a pouco, e envolvendo sempre com a mão, a farinha necessária para que a massa fique um tanto grossa e de forma a poder tirar-se aos bocados com uma colher. Estes bocados embrulham-se em farinha triga, para não pegarem nas mãos, dá-se-lhes a forma de S e põem-se em lata untada com manteiga. Vão a cozer ao forno ou fornalha e quando estiverem cozidos e com a cor bem loura aí tiram-se da lata. Deve guardar-se em latas fechadas.

Suplicos, Famalicão (Família Sampaio da Nóvoa)

12 ovos, sendo nesta conta 4 com clara, 500 gramas de açúcar, 500 gramas de farinha triga flor raspa de limão, canela e sal preciso.

Tudo bem batido (quer dizer a farinha só se deita no fim). Depois disto bem batido, junta-se a farinha a pouco e pouco, mexendo sempre.

Untam-se os tabuleiros com manteiga, polvilham-se com farinha triga e deitam-se então os bolos que vão ao forno, não muito forte.

É receita do Sr. José Guedes, da Confeitaria Bezerra de Vila Nova de Famalicão. São muito bons.

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TORTAS DE GUIMARÃES

TortasDesconhecemos documentação anterior ao século XIX que refira as tortas de Guimarães, o que é para estranhar dado tratar-se de um doce cuja proveniência de fabrico se atribui ao Convento de Santa Clara de Guimarães, e que hoje é considerado uma das especialidades da doçaria vimaranense.

Possuímos, é certo, duas receitas de «tortas», existentes nos cadernos manuscritos de receitas oitocentistas das famílias Sampaio da Nóvoa e Freitas do Amaral, mas, na documentação escrita, a referência mais antiga que conhecemos data de 1884, altura em que, na Exposição Industrial de Guimarães, o Senhor António Serafim Afonso Barbosa, da Senhora da Guia83, expõe “tortas”, entre outra doçaria84 (GUIMARÃES, 1991 [1884]: 247).

É verdade que o Abade de Tagilde, que estudou com rigor o convento de Santa Clara de Guimarães, já em 1892 refere a importância da doçaria confeccionada pelas clarissas citando, entre os doces que lhes deram nomeada, as tortas: “referimo-nos à indústria de doce, seco e de calda, em que as religiosas se tornaram exímias, merecendo os seus produtos renome afamado, não só em Guimarães e no país, mas até no estrangeiro. O toucinho-do-céu, as tortas e ainda outras espécies de doce, fabricadas neste convento, conservaram esta nomeada até aos nossos dias” (GUIMARÃES, 1892: 203-204).

Alberto Vieira Braga, que compulsou o livro de «Recibo e Despesa» (1751-1753) do Convento de Santa Clara de Guimarães, não refere as tortas, mas, nomeia os pastéis de carne e os pastéis de doce, citando a documentação consultada85 (BRAGA, 1927). Será que nos séculos XVII e XVIII as tortas se designavam

83 José de Meira e Alberto Sampaio são quem informa ser este senhor residente na Senhora da Guia (RELATÓRIO, 1991 [1884]: 116).

84 “O Sr. António Serafim Afonso Barbosa expõe – pão-de-ló, diverso doce de chá, tortas e fruta em caixas – ameixa comprida, colondros, pêra, pêssego, damasco, ameixa redonda, figo, cidrão, marmelada, maracujá. Também expõe morcelas e toucinho-do-céu” (GUIMARÃES, 1991 [1884]: 247).

85 Veja-se neste texto a entrada sobre pastéis. Aí se anota que, em 1692 e 1751-52, são referidos pastéis de carne e pastéis doces.imagem 32

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pastéis? É uma hipótese não despicienda, até porque na receita das tortas de Dona Maria Henriqueta Leal Sampaio esta as considera um pastel: “Passado este tempo, corta-se o rolo em fatias da largura de um dedo e principia-se a alargar estas fatias, de maneira a que as folhas fiquem bem separadas umas das outras; mete-se-lhe o recheio e dobra-se a massa para que fique em forma de pastéis” (Caderno de Receitas Sampaio da Nóvoa).

Ainda hoje há memória, em Guimarães, da confecção de “tortas de picado” ou seja, tortas cujo recheio levava carne. Eduardo de Almeida refere que as clarissas confeccionavam “as tortas de picado e de doce”, mas também nomeia os “pastéis”86 (ALMEIDA, 1925), apesar de não indicar a documentação compulsada.

Debrucemo-nos um pouco sobre a designação «torta» dado a este doce. «Torta» é por definição uma “espécie de pão-de-ló fino, doce ou salgado, que se recheia e enrola sobre si mesmo” (HOUAISS, 2003: 3548). Ora, as tortas de Guimarães não são uma torta na verdadeira acepção da palavra, assemelhando-se mais a alguns dos pastéis conventuais que ainda hoje se fazem um pouco por todo o País. Define-se «pastel» como “massa de farinha de trigo, com recheio salgado ou doce, que se frita ou assa” (HOUAISS, 2003: 2779).

Ao contrário das verdadeiras tortas, – feitas com uma massa fina de ovos, farinha e manteiga que se envolve com colher de pau e se leva ao forno a cozer, e que só depois de cozidas são recheadas e enroladas –, as tortas de Guimarães são feitas com uma massa de farinha e pingue que se sova com as mãos, que exige repouso, indo as tortas ao forno depois de terem sido previamente recheadas. Ou seja, a designação mais correcta para as tortas de Guimarães deveria ser pastéis… Mas, também

86 Assim reza o texto: “Os doces de Santa Clara são coisa muito devotamente afamada em vários sítios – cremos bem que, em parte alguma, essa fama suplantou, e com tão delicioso mérito, os do nosso convento. O toucinho-do-céu, as tortas de picado e de doce, as chouriças, as frutas de calda ou secas, as conservas, os folhados, as natas, os pastéis, em que, no dizer de quantos lambareiramente os provaram e devoraram, eram exímias e inigualáveis, alcançaram nome que transpôs o termo, pois o estrangeiros as importava…” (ALMEIDA, 1925).

é verdade que ainda hoje em Penafiel se fazem as «tortas de S. Martinho», tendo a mesma forma das tortas de Guimarães, tradicionalmente degustadas no dia desse santo (11 de Novembro), sendo feitas de massa tenra, recheadas com carne picada, fritas em azeite e polvilhadas com açúcar e canela.

Talvez o nome de torta dado às tortas de Guimarães se fique a dever ao facto de, a determinado ponto da sua feitura, a massa ter de ser estendida, pincelada com pingue e seguidamente enrolada, permanecendo assim durante algum tempo, assemelhando-se, nessa altura, quanto à forma, a uma verdadeira torta.

Nesta fase da investigação consideramos os «pastéis», referidos na documentação seiscentista e setecentista, e as «tortas», referidas na documentação oitocentista, como manjares diferentes. No entanto, pode ser que tortas e pastéis sejam a mesma coisa. Certo é que causa estranheza que um doce tão requintado, e que se sabe ter sido confeccionado pelas clarissas vimaranenses, não vir referido na documentação do Convento de Santa Clara dos séculos XVII e XVIII e apenas ser nomeado na documentação do século XIX, ao contrário dos pastéis que são referidos diversas vezes…

Analisemos agora as semelhanças e diferenças existentes entre as duas receitas de tortas de que dispomos, a de Dona Maria Henriqueta Leal Sampaio e a da Família Freitas do Amaral.

Em ambos os casos são idênticos os ingredientes para a massa – farinha triga e pingue, apenas havendo referência a mais um ingrediente, no caso da receita de Dona Maria Henriqueta, o sal.

O recheio, na sua essência é semelhante (açúcar, amêndoa e ovos, sendo que uma receita leva mais ovos do que a outra), adicionando-se, no caso da receita da Família Freitas do Amaral, “um trigo ralado”, ou seja, acrescentando-se pão. As tortas de Dona Maria Henriqueta têm a particularidade de se lhes adicionar cidrão picado87 (ingrediente que vamos

87 Sobre o que é a cidra e o cidrão veja-se as notas de rodapé N.º 13 e 33.

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também encontrar no toucinho-do-céu) e um pau de canela.

No entanto, só na receita de Dona Maria Henriqueta Leal Sampaio é que se explica o modo de confeccionar este trabalhoso doce, cujos passos aqui resumimos: amassa-se a farinha com água e sal, até esta fazer “bolhas”. Estende-se a massa fazendo-se com ela um rolo que se unta com pingue frio. O rolo de massa deve repousar pelo menos duas horas, no final das quais deve ser esticado e, de seguida, com o rolo de madeira, estendido “em fita” e puxado “para os lados com as mãos tanto quanto se puder”.

Depois de devidamente estendido unta-se com pingue quente e vai-se, de novo, enrolando. Este rolo de massa volta a ser besuntado com pingue e “fica em descanso uma noite ou algumas horas”. De seguida corta-se o rolo às fatias, que devem ter a espessura de “um dedo e principia-se a alargar estas fatias, de maneira a que as folhas fiquem bem separadas umas das outras”. Por fim coloca-se no meio destas “folhas” o recheio e “dobra-se a massa para que fique em forma de pastéis”. Feitos os pastéis, estes têm de ir ao forno, “a cozer como os outros pastéis”. Quando saem do forno têm de ser mergulhados numa calda de açúcar, “metem-se as tortas dentro e tiram-se logo com uma escumadeira. Depois de frias polvilham-se com açúcar e canela”. Para o recheio faz-se uma calda de açúcar que se leva a “ponto de espadana baixo”. Depois de esta calda arrefecer junta-se-lhe os restantes ingredientes – ovos batidos, pau de canela, cidrão picado – e leva-se de novo “ao lume até engrossar, não devendo o ponto ficar muito subido”.

Apesar de termos procurado em bibliografia da especialidade doces que se assemelhassem às tortas de Guimarães, o único pastel que encontramos que tem algumas semelhança com as tortas são os sfogiatelle italianos. De facto, em Nápoles, confecciona-se um pastel doce – sfogliatella riccia (sfogliatelle, plural) – muito semelhante, no modo de preparar e na forma, às tortas de Guimarães. A massa usada tem similitude com a vimaranense, com a diferença de que leva, por vezes, um pouco de mel, sendo também, depois de estendida, besuntada com

banha ou manteiga88. Tal como as tortas, os sfogliatelle depois de enrolados têm de descansar, antes de serem cortados em rodelas e recheados. O recheio doce destes pastéis, que também são assados no forno89 como as tortas, é variável mas um dos mais utilizados leva ricotta. A forma dos sfogliatelle, que também são designados caudas de lagosta dado o formato que adquirem90, possui uma forma um pouco diferente do das tortas, mas podemos dizer que se incluem dentro da mesma «família». Uma diferença importante é que os sfogliatelle, depois de assados no forno, não são metidos numa calda de açúcar como sucede com as tortas.

A originalidade na preparação da massa das tortas, o trabalho de confecção que lhe anda associado, a simbiose entre a banha, a cozedura no forno, o banho em calda de açúcar e o crocante característico que adquirem, tornam este doce um manjar divino, único entre a doçaria portuguesa.

Apresentam-se de seguida as duas receitas de tortas que constam nos Cadernos de Receitas das famílias Sampaio da Nóvoa e Freitas do Amaral.

Tortas de Guimarães (Família Sampaio da Nóvoa)

Amassa-se a farinha triga em água fria temperada de sal, de modo a que a massa fique dura. Depois de estar assim amassada a farinha, o que pode ser feito dentro de um alguidar, coloca-se em cima de uma tábua bem lisa e trabalha-se, amassando-a e esfregando-a, como se lava a roupa, até que principie a fazer bolhas. Neste ponto, faz-se dela um rolo, que se unta por todos os lados com pingue de porco dos rojões, frio, e deixa-se o rolo a descansar em cima da tábua durante duas horas. Passadas estas duas horas, toma uma pessoa o rolo por um dos lados,

88 Veja o vídeo http://www.youtube.com/watch?v=hr-yaD1Gc1Y& feature=related. Visionado a 12 de Setembro de 2011.

89 Veja o vídeo http://www.youtube.com/watch?v=TUR3YxjQGOE&feature=related. Visionado a 12 de Setembro de 2011.

90 Veja a imagem do sfogliatella riccia em http://www.madeinkitchen.tv/blog/ricette/sfogliatella-riccia-napoletana/. Visionado a 12 de Setembro de 2011.

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e outra toma-o pelo lado oposto e, com um cilindro de madeira, principia-se a estendê-lo em fita, pouco a pouco; feito um pedaço de fita, alarga-se, puxando-a para os lados com as mãos tanto quanto se puder. Depois de estar assim alargada, unta-se com pingue quente, e principia-se a envolvê-la com muito cuidado; e assim por diante até se acabar a massa. Deste modo fica a massa outra vez em rolo, formado da massa que se estendeu em fitas largas. Este rolo assim formado, unta-se por todos os lados com pingue e fica em descanso uma noite ou algumas horas.

Passado este tempo, corta-se o rolo em fatias da largura de um dedo e principia-se a alargar estas fatias, de maneira a que as folhas fiquem bem separadas umas das outras; mete-se-lhe o recheio e dobra-se a massa para que fique em forma de pastéis.

Tem-se ao lume um tacho com açúcar em ponto de espadana, metem-se as tortas dentro e tiram-se logo com uma escumadeira. Depois de frias polvilham-se com açúcar e canela.

Recheio para as tortas

Deita-se num tacho um arrátel de açúcar e um quartilho de água, e deixa-se vir a ponto de espadana baixo. Depois tira-se do lume e põe-se a esfriar. Junta-se-lhe uma quarta de amêndoa pisada, 20 gemas de ovos batidos, um pau de canela e um bocado de cidrão picado e torna-se a pôr o tacho ao lume até engrossar, não devendo o ponto ficar muito subido.

N.B. As tortas antes de se meterem no açúcar, põem-se numa folheta e metem-se à fornalha a cozer como os outros pastéis.

Receita de tortas (Família Freitas do Amaral)

Para a massa de dentro um arrátel de açúcar, catorze gemas de ovos, uma quarta de amêndoa e um trigo ralado.

Para o folhado dois arráteis de farinha triga e seis onças de pingue e três quartas de açúcar para as passar.

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TOUCINHO DO CÉU

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Toucinho-do-céuTal como no caso das tortas de Guimarães também quanto ao toucinho-do-céu, – doce associado ao Convento de Santa Clara de Guimarães e parece que também ao de Santa Rosa de Lima –, desconhecemos documentação anterior ao século XIX onde este apareça referido91.

É verdade que o Abade de Tagilde, em 1892, refere o toucinho-do-céu confeccionado pelas clarissas mas não cita fontes documentais, pelo que ficamos sem saber quando se terá começado a confeccionar este doce: “Referimo-nos à indústria de doce, seco e de calda, em que as religiosas se tornaram exímias, merecendo os seus produtos renome afamado, não só em Guimarães e no país, mas até no estrangeiro. O toucinho-do-céu, as tortas e ainda outras espécies de doce, fabricadas neste convento, conservaram esta nomeada até aos nossos dias” (GUIMARÃES, 1892: 203-204).

Possuímos, é certo, três receitas de «toucinho-do-céu», existentes nos cadernos manuscritos oitocentistas de receitas das famílias Sampaio da Nóvoa e Freitas do Amaral, vindo indicado explicitamente, no caderno de Dona Maria Henriqueta Leal Sampaio, tratar-se de uma receita proveniente “de S.ta Clara (Guimarães)”.

Referência ao toucinho-do-céu consta no Relatório da exposição Industrial de Guimarães, de 1884, na qual várias pessoas – António Serafim Afonso Barbosa, da Senhora da Guia; Antónia Amália Viegas e Ana Angelina Moreira – expuseram doçaria vimaranense inserindo-se aí o toucinho-do-céu (GUIMARÃES, 1991 [1884]: 247). Note-se que estas duas senhoras foram

91 O Abade de Tagilde dá conta de uma questão ocorrida em 1757 e havida entre o Abade António de Magalhães Abreu e as freiras clarissas. O pleito ficou a dever-se ao facto de o dito abade costumar receber anualmente das freiras, “a fim de lhe adoçar a boca para não ser remisso no pagamento (textual), uma caixa de doce do peso de 8 a 9 arráteis”, tendo nesse ano de 1757 o presente sido mais diminuto (GUIMARÃES, 1892: 196-197). Desenvolvendo o seu discurso o Abade de Tagilde refere-se ao toucinho-do-céu, mas não transcreve o documento original. Da leitura do seu texto fica-se com a ideia de que o documento original refere “uma caixa de doce” e não toucinho-do-céu. Um toucinho-do-céu com o peso de 8 a 9 arráteis, ou seja, cerca de 3,7 a 4,1 kg, parece excessivo… Será importante consultar a documentação arquivística referida por este autor para se ter a certeza se há ou não referência a toucinho-do-céu.

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as últimas abadessas do convento de Santa Clara de Guimarães92 (GUIMARÃES, 1892-93: 203 e 27-28).

O toucinho-do-céu era presença obrigatória na mesa, no período Pascal, disso nos dando conta Avelino da Silva Guimarães: “O toucinho-do-céu faz-se especialmente nos conventos de Santa Rosa e Dominicas. É uma especialidade vimaranense, muito usada em presentes de Páscoa” (GUIMARÃES, 1991 [1884]: 248).

Também Gustavo de Matos Sequeira refere o toucinho-do-céu de Guimarães ao mencionar a doçaria conventual que ainda subsistia em 1908 (SEQUEIRA, 1908: 10).

O toucinho-do-céu é doce conventual ainda hoje confeccionado em diferentes regiões do País.

Passamos a analisar as semelhanças e diferenças existentes entre a receita de toucinho-do-céu de Dona Maria Henriqueta Leal Sampaio e as duas receitas da Família Freitas do Amaral.

Convém explicitar que a diferença entre as duas receitas de toucinho-do-céu da família Freitas do Amaral se prende essencialmente com a utilização, na primeira receita, de unidades de peso (arrátel, quarta, onça93) ainda com base no antigo Sistema Português de Medidas, e o uso, na segunda receita, do sistema métrico decimal (grama) que entrou em vigor, em Portugal, na segunda metade do século XIX.

As receitas em apreço (Família Sampaio da Nóvoa e Freitas do Amaral) usam como ingredientes base açúcar, amêndoa e ovos. Sendo que, no caso do toucinho-do-céu de Dona Maria Henriqueta Leal

92 No Relatório da Exposição industrial de 1884, constam Antónia Amália Viegas e Ana Angelina Moreira, informando-nos o Abade de Tagilde que “as duas últimas superioras de Santa Clara apresentaram na exposição industrial de Guimarães de 1884, toucinho-do-céu, colondro, marmelada e laranja” (GUIMARÃES, 1892: 203) e remetendo para o citado Relatório de 1884. Mais à frente, no seu texto, o autor enumera as abadessas de Santa Clara informando que as duas últimas foram Ana Angelina da Conceição, de 1862 a 1885, e António Amália da Ascensão, de 1885 a 8 de Setembro de 1891, data em que falece (GUIMARÃES, 1893: 27-28). Repare-se, que os nomes de família, tal como era hábito desapareceram quando estas passaram para a vida conventual.

93 O arrátel corresponde a 459 gr; a quarta corresponde à quarta parte do arrátel, 115 gr; e a onça a 28,35 gr.

Sampaio, se aromatiza com cidrão94 e casca de limão, enquanto no da família Freitas do Amaral se usa uma quantidade significativa de calondro e, na outra, calondro e cidra.

O uso ou não do calondro no toucinho-do-céu origina doces com características diferentes. O toucinho-do-céu de Dona Maria Henriqueta Leal Sampaio é basicamente açúcar, amêndoas e ovos, aromatizado com um pouco de cidrão e casca de limão. No caso do toucinho-do-céu da família Freitas do Amaral o uso de calondro, que entra na composição na mesma quantidade que a amêndoa e com menos ovos do que na receita da Família Alberto Sampaio, dá origem a um doce mais encorpado e de sabor bem diferenciado do da família Sampaio da Nóvoa. Para que melhor se entenda o que afirmamos veja-se o quadro onde se indicam as quantidades (em gramas) utilizadas em cada toucinho-do-céu.

A especificação na receita de que se trata de “calondro de malga” serve para distinguir do calondro cristalizado muito em voga na época. Nos cadernos de receitas da Família Freitas do Amaral temos a receita do «fazer calondro»95, indicando-se que depois de este “estar em ponto grosso, isto é tira-se para um pires e logo que ele faça uma codinha, pode-se tirar para as malgas”. Trata-se pois de doce de calondro, que se conserva em malgas, ao contrário da calondro cristalizado que se guardava em caixas.

94 Sobre o que é a cidra e o cidrão veja-se as notas de rodapé N.º 13 e 33.

95 Veja-se neste artigo a receita de calondro da Família Freitas do Amaral.imagem 62

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Toucinho-do-céu(Família Alberto Sampaio)

QuantidadeToucinho-do-céu (1)(Família Freitas do Amaral)

QuantidadeToucinho-do-céu (2)(Família Freitas do Amaral)

Quantidade

Açúcar pilé 459 gr Açúcar 459 gr Açúcar 500 gr

Amêndoa pisada 115 gr Amêndoa pisada 113 gr Amêndoa pisada 120 gr

------ ------ Calondro de malga 115 gr Calondro de malga 125 gr

Gemas de ovos 22 Gemas de ovos 20 Gemas de ovos 20

Cidrão q. b. ------ ------ Cidra (facultativo) 1 colher

Casca de limão 1 casca ------ ------ ------ ------

Farinha (polvilhar) q. b. Farinha triga (polvilhar) q. b. Farinha triga (polvilhar) q. b.

Manteiga q. b. ------ ------ ------ ------

Em ambos os casos, e isto é importante vincar, não há o recurso a chila, ingrediente hoje corrente no toucinho-do-céu que se vende em Guimarães. “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”…

O modo de preparação do toucinho-do-céu é idêntico em todas as receitas: clarifica-se o açúcar96, côa-se e volta a pôr-se sobre o lume juntando-se-lhe os restantes ingredientes e deixando ferver um pouco. Retira-se do lume, deixa-se arrefecer e quando o preparado estiver frio juntam-se as gemas de ovos que devem ser previamente “escangalhadas com uma faca”. Volta ao lume brando para engrossar, retira-se e deixa-se arrefecer. De seguida unta-se a forma com manteiga derretida (na receita da família Freitas do Amaral não se usa a manteiga), polvilha-se muito generosamente com farinha, e enche-se com o preparado. No final cobre-se o preparado com farinha e vai ao lume. Para saber se está cozido “deve-se tirar para fora, e meter-se-lhe um palito; se este sair húmido deve tornar ao forno, se sair enxuto está cozido”. Por

96 Veja-se como se clarifica o açúcar na nota N.º 21.

fim “Tira-se do forno logo que esteja cozido, deixa-se arrefecer, sacode-se-lhe a farinha com um pincel, polvilha-se bem com açúcar e enfeita-se com as flores de açúcar como é costume”.

Apresentam-se de seguida as três receitas de toucinho-do-céu que constam nos Cadernos de Receitas das famílias Sampaio da Nóvoa e Freitas do Amaral.

Toucinho-do-céu de S.ta Clara, Guimarães (Família Sampaio da Nóvoa)

Clarifica-se um arrátel de açúcar pilé mas sem ovo97, côa-se e torna-se a pôr no lume, juntando-lhe uma quarta de amêndoa pisada, um bocado de cidrão e uma casca de limão; deixa-se ferver até fazer trave nos dedos; depois tira-se do lume e põe-se a arrefecer. Têm-se 22 gemas de ovos separadas das claras, mas não batidas e logo que o açúcar esteja quase frio, vai-se-lhe juntando, pouco a pouco, as gemas (estas

97 Veja-se como se clarifica o açúcar na nota N.º 21.

Quadro comparativo

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devem ter sido previamente escangalhadas com uma faca, para não serem muito batidas) e torna-se a pôr o tacho ao lume até engrossar.

Deve-se mexer sempre com cuidado para não pegar ao tacho, o que facilmente acontece. Depois tira-se do lume e põe-se a esfriar. Untam-se as formas com boa manteiga derretida e polvilham-se com farinha triga, enchem-se com o doce e peneira-se-lhe farinha em cima, para poder ir ao forno sem se queimar. As formas devem ser prateiras de barro, ou grandes, ou pequeninas.

Metem-se depois ao forno do pão, a cozer, com a porta do forno apenas encostada.

Tira-se do forno logo que esteja cozido, deixa-se arrefecer, sacode-se-lhe a farinha com um pincel, polvilha-se bem com açúcar e enfeita-se com as flores de açúcar como é costume.

N.B. Para encher cada forma das que tenho em forma de coração é preciso 1 arrátel com uma quarta. E para a forma redonda 1 ½ arráteis.

A têmpera do forno é a seguinte: mete-se ao forno um papel e saindo louro, mas não queimado, está bom e pode meter-se o doce.

Esta receita é muito boa.

Receita de fazer toucinho-do-céu (1) (Família Freitas do Amaral)

Um arrátel de açúcar depois de limpo se põem a ferver até estar em ponto de espadana baixo; então deitam-se-lhe 4 onças de amêndoa bem pisada, e uma quarta de calandro de malga, e fervendo assim poucos minutos se tira o tacho do lume, e estando quase frio deitam-se-lhe 20 gemas de ovos, bem amassadas, tornando então para o lume que deve ser muito brando, e mexendo-se sempre até ficar uma massa grossinha; estando assim tira-se para fora. Logo que a massa esteja de todo fria se devem preparar umas prateiras ou formas, nas quais se deita farinha triga em quantidade, que fique na grossura de um pataco, depois deita-se a massa mais ou menos conforme cada um quiser, porque esta não costuma crescer, e se cobre também de farinha por cima, para se cozer no forno, o qual não deve estar tão quente,

como para cozer, e estando uma hora no forno, deve-se tirar para fora, e meter-se-lhe um palito; se este sair húmido deve tornar ao forno, se sair enxuto está cozido.

Toucinho-do-céu (2) (Família Freitas do Amaral)

Componentes:

Açúcar 500 gramas

Amêndoa 120 gramas

Calondro de malga e (…)98 125 gramas

Gemas de ovos batidas 20

Farinha triga q.b.

Cidra (facultativo) 1 colher

Põe-se o açúcar a ferver em pouca água até atingir o ponto de espadana baixo; deita-se-lhe, então, a amêndoa e o calondro e fervendo assim poucos minutos se tira o tacho do lume e estando quase frio adicionam-se-lhe os ovos, tornando a massa para o lume, que deve ser muito brando e mexendo sempre até ficar uma massa grossinha o que se reconhece vendo-se o fundo do tacho ao mexer. Quando a massa estiver fria deita-se em formas, nas quais se tenha já lançado a farinha triga numa camada de 3 a 4 milímetros de espessura, cobrindo-se depois a massa, também, com farinha e untando a forma dos lados. Vai depois a cozer ao forno, por uma hora, aproximadamente, não devendo aquele estar muito quente. Para se reconhecer se está cozido mete-se-lhe um palito e deve este sair enxuto. Escova-se, cobre-se com açúcar e enfeita-se.

98 Palavra não identificada.

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ConclusãoTraçamos deste modo uma panorâmica sobre os doces que ao longo dos últimos séculos foram adoçando a boca dos vimaranenses.

Exceptuando o toucinho-do-céu e as tortas de Guimarães, toda a doçaria que fomos referindo ao longo deste texto tinha/tem (os que ainda se fabricam) uma área de consumo/uso muito mais vasta do que as terras de Guimarães, correspondendo ao gosto da época em que são confeccionados.

Doces houve que permaneceram nas mãos de exímias doceiras e que foram galgando os anos, agradando a muitos e chegando até nós.

Termine-se chamando a atenção para a necessidade de preservar e divulgar o riquíssimo património gastronómico nacional, dando a conhecer receitas locais, neste caso vimaranenses, e fomentando a sua feitura no nosso quotidiano.

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Tortas de Guimarães: um contributo para a sua qualificaçãoVirgínia Ribeiro99

Nuno Vieira e Brito100

Desde meados do séc. XVI que se reconhece nas monjas dotes culinários na preparação de iguarias refinadas e exigentes, que igualmente se reflectiam no poder e prestígio do Mosteiro e Ordem a que professavam. Guardados ciosamente os segredos das composições e dos métodos de preparação, as receitas eram propriedade do convento que as freiras, independentemente da sua origem ou função, se comprometiam a ocultar toda a vida.

É neste valioso e ancestral receituário que, no Convento de Santa Clara, as «Tortas de Guimarães» encontraram a sua origem e num passar de séculos e de hábitos religiosos femininos, foram sendo consolidadas e promovidas para além das muralhas ancestrais da cidade, envolvendo famílias conceituadas, em particular com ligações familiares ao Mosteiro.

“Faz mais milagres uma mesa recheada de iguarias do que uma igreja cheia de santos” (Victor Faria).

O grande desafio da actualidade é conjugar a genuinidade e autenticidade da receita com as mais modernas exigências em termos de fabrico e segurança alimentar, obtendo um produto que, fiel às suas origens, é produzido tendo em conta os actuais parâmetros legislativos e garantindo simultaneamente Qualidade, Aparência e um Sabor bem reconhecido pelos devotos apreciadores das «Tortas de Guimarães».

Será, certamente, através de mecanismos de protecção, como a Indicação Geográfica Protegida (IGP), que se poderá garantir a autenticidade, combinando a genuinidade da receita com um moderno processo de fabrico, segundo as actuais Normas em vigor.

Tendo em vista a elaboração de um Caderno de Especificações que permita a qualificação deste relevante Património Cultural de Guimarães, é fundamental uma análise detalhada do produto «Tortas de Guimarães», um olhar atento sobre a diversidade entre produtores e, em cada um deles, dos pormenores do fabrico, dos ingredientes na sua valorização qualitativa e/ou quantitativa, o conhecimento de métodos e processos em que a ancestralidade, tipicidade e genuinidade se conjugam, enfim, um estudo cuidadoso na qualificação desta jóia gastronómica da Cidade-Berço da Nacionalidade. O estudo de caracterização das «Tortas de Guimarães» foi precedido de uma pesquisa exaustiva sobre a doçaria conventual nacional e estrangeira, valorizando a originalidade e autenticidade deste doce tradicional, quanto à forma e método de fabrico. Seguiu-se, posteriormente, uma avaliação físico-química e sensorial do doce, em diferentes momentos e provindos de diferentes produtores.

Desta avaliação observou-se, em valores médios, um valor calórico de 369,969 kcal/100g tendo por base um valor percentual de gordura de 12,958%, proteína de 5,602% e hidratos de carbono de 57,735%.

99 Mestre em Qualidade Alimentar.

100 Vice-Presidente Instituto Politécnico de Viana do Castelo.

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A utilização dos ingredientes, suportada nos receituários originais conhecidos, quer na quantidade e qualidade, em particular, o registo ainda tradicional da utilização de gordura de origem animal, a presença no recheio de amêndoa, elemento rico em proteína e gordura, bem como a quantidade de açúcar utilizada na confecção, são elementos determinantes e fundamentais no contributo para um valor calórico elevado desta doçaria tradicional.

Outros resultados relativos aos parâmetros físico-químicos estudados, – como o teor médio de humidade encontrado (18,527%), muito influenciado pela quantidade de chila e ovos usados; o teor de fibra, com valores médios de 0,536%, fortemente determinado pela incidência na utilização de amêndoa na confecção do recheio; e os valores médios de amido (39,823%), indicadores da quantidade de farinha trigo utilizada na confecção da massa –, são, de igual forma, relevantes para a caracterização e qualificação das «Tortas de Guimarães».

Se a autenticidade deve e tem de ser preservada, conjugando a receita, seus ingredientes e métodos de fabrico, deverá, no entanto, ter-se em consideração as actuais preocupações da sociedade moderna em matéria de nutrição e saúde. Este desafio será certamente um estímulo à inovação na tradição, pela promoção de novos formatos comerciais mais reduzidos das «Tortas de Guimarães», consequentemente de menor valor calórico ingerido por doce. Deste modo se conjuga a autenticidade do produto com as exigências de uma sociedade moderna extremamente focada em todos os factores que preservem ou aumentem a sua qualidade de vida.

Constatou-se no estudo realizado que a memória gastronómica persiste no reconhecimento e valorização dos sabores mais tradicionais. Com efeito, os provadores que integraram o painel sensorial revelaram maior apetência na selecção e quantificação do produto oriundo do método mais artesanal, tradicional e não comercial.

A variabilidade que se observa nesta análise entre produtores e, mesmo entre provas, tem significado nas provas sensoriais, concluindo-se que esta diversidade, apesar de não comprometer qualquer qualificação, diferencia a opinião dos provadores em diferentes parâmetros e permite constatar um enfoque na valorização dos indicadores sensoriais relacionados com o Sabor, Aroma e Aspecto.

Numa análise factorial de todos os elementos sensoriais seleccionados, destacaram-se os parâmetros relacionados com o Aspecto e valorizaram-se, mas em sentido negativo, os indicadores relacionados com o paladar (Textura pela Boca a Gordura e Sabor a Ranço). De referir igualmente a particularidade sentida da Textura, bem como de outros parâmetros directamente relacionados com a incorporação da amêndoa na receita (Sabor e/ou Aroma), de factores ligados ao recheio (Aroma a Amêndoa e/ou Textura pelo Tacto Consistência do Recheio) que contribuíram de forma mais relevante para melhor explicar a variabilidade das “Tortas de Guimarães” e, em última análise, a sua caracterização e identificação.

O conhecimento do receituário original e das metodologias de fabrico, sem menosprezar a diversidade inerente a cada produtor, é determinante para a qualificação das «Tortas de Guimarães». Os resultados obtidos permitem identificar um conjunto de parâmetros físico-químicos e indicadores sensoriais que tipificam a originalidade e autenticidade deste único monumento gastronómico vimaranense.

“Se não sois capaz de um pouco de feitiçaria, não vale a pena meter-vos a cozinheiro” (Sidonie Colette).

Após a qualificação, importa, com o envolvimento e empenho da Câmara Municipal de Guimarães, promover as «Tortas de Guimarães», favorecer o surgimento de mais artesãos ou pasteleiros, integrar no Património local um ancestral testemunho gastronómico.

Com efeito, a gastronomia tradicional e as práticas turísticas associadas fomentam a cultura de produtos locais e potenciam e complementam um enorme conjunto de recursos existentes.

Nas «Tortas de Guimarães» o que melhor as identifica é a característica forma do doce, mas também os seus ingredientes, as suas qualidades organolépticas, a sua ligação á História da cidade de Guimarães, transformando-as numa referência quer para a orgulhosa população local quer para os inúmeros visitantes que apreciam Património.

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Toucinho do Céu: um contributo para a sua qualificaçãoMaria da Conceição Costa Mendes101

Nuno Vieira e Brito102

A gastronomia desenvolveu-se consideravelmente ao longo dos tempos, e há numerosos estudos que traçam o desenvolvimento de estilos e gostos gastronómicos. A estreita associação da gastronomia e das identidades locais, regionais e nacionais poderá ser aparentemente ameaçada pelo processo de globalização, caso não se implementem medidas de inventariação e protecção dos produtos tradicionais.

Identificar o património gastronómico, valorizá-lo e promovê-lo é um acto de Cultura. Guimarães, detentora inquestionável de um património cultural vastíssimo, é também berço de riquíssima gastronomia, nomeadamente em doçaria conventual, que tem sabido resistir aos ritmos apressados da realidade actual. Dar a conhecer, com a relevância e dignidade que merece, esta parte de Guimarães é uma obrigação de todos que cuidam e estudam Guimarães dado que a Gastronomia (e particularmente a tradicional) é, também, uma forma de Arte.

O reconhecimento desta riqueza obriga à sua preservação, através de acções de identificação, promoção e salvaguarda do receituário gastronómico tradicional, de forma a garantir a sua autenticidade, bem como a transmissão a futuras gerações, valorizando paralelamente todo o seu potencial económico. Protecções diversas têm, aliás, sido propostas e implementadas pela União Europeia – a Denominação de Origem Protegida, a Indicação Geográfica Protegida ou a Especialidade Tradicional Garantida – as quais muito têm contribuído para esta dinâmica de conhecimento e reconhecimento de processos, produtos e tradições.

“Guimarães é berço de várias nacionalidades doces. Um toucinho-do-céu que embora não afonsino, parece que lá é que foi armado cavaleiro doceiro, umas rabanadas com pós locais, uma torta e uns doces das Costinhas, outros já desaparecidos, oriundos dos vetustos conventos de São Francisco e de Santa Clara” (QUITÉRIO, 1987).

Sendo o Toucinho-do-céu de Guimarães um produto genuíno e com tradição na região apresenta-se merecedor de ser qualificado e consequentemente certificado. O estudo da sua caracterização baseou-se quer na recolha das receitas tradicionais quer na avaliação físico-químico e sensorial deste doce tradicional.

Em termos de receituário, os ingredientes do Toucinho-do-céu de Guimarães são açúcar, gemas de ovo, amêndoa picada e chila. O produto resultante é constituído, numa perspectiva físico-química, maioritariamente por água, hidratos de carbono e proteínas.

Para estudo da caracterização do Toucinho-do-céu de Guimarães realizou-se uma pesquisa sobre a doçaria conventual, enaltecendo a originalidade e a autenticidade deste doce conventual, quanto à sua forma de apresentação e método de fabrico. Após este estudo procedeu-se a uma avaliação físico-química e sensorial do doce, em diferentes momentos e provenientes de diferentes produtores.

101 Mestre em Qualidade Alimentar.

102 Doutor em Ciências Veterinárias. Instituto Politécnico de Viana do Castelo.

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Da avaliação dos parâmetros físico-químicos verificou-se, como valores médios, um valor calórico de 286,24 Kcal/100g, tendo por base um valor de gordura de 2,869%, proteína de 5,422% e hidratos de carbono de 59,682%. Para este valor calórico contribuiu em especial ingredientes como a amêndoa, rico em proteína e gordura e em significativa quantidade, ovos, ricos em proteína e açúcar, com elevada contribuição nos hidratos de carbono.

No que concerne a outros parâmetros físico-químicos estudados, igualmente indispensáveis para a caracterização do Toucinho-do-céu, a humidade apresenta valores médios de 23,669%, suportado especialmente pelo contributo quantitativo de ingredientes como a chila e os ovos; o amido com valores médios de 41,659%, relacionado em particular com a quantidade de farinha que envolve o doce e valores de fibra de 1,362%, resultante da quantidade de amêndoa utilizada.

Da análise das provas sensoriais, em que se estudaram quatro grandes parâmetros – Aspecto, Aroma, Textura e Sabor – observou-se alguma diversidade entre os produtores e mesmo entre as provas. Constatou-se que para o painel de provadores as características mais relevantes no Toucinho-do-céu são o Sabor a Amêndoa e a Chila bem como o Aspecto, em particular a cor e a uniformidade da superfície e cor da massa. Realçou este estudo que os painelistas valorizaram mais os sabores tradicionais, fruto de experiências gustativas anteriores, enaltecendo os produtos provenientes de métodos de fabrico mais artesanais.

A originalidade e autenticidade do Toucinho-do-céu de Guimarães não se caracteriza apenas pelo seu sabor e pela riqueza dos seus ingredientes, mas também pela sua forma única e diferente de apresentação, rica e alegremente enfeitada, fazendo deste doce uma das mais soberbas especialidades da doçaria vimaranense, verdadeiramente única no país.

Uma conclusão importante a retirar é o facto de na receita do Toucinho-do-céu de Guimarães, se manter a genuinidade associada ao receituário conventual do convento de Santa Clara de Guimarães, tendo as receitas sido transmitidas de geração em geração nas famílias que estiveram ligadas ao mosteiro.

Nos últimos anos tem-se assistido a alterações importantes na forma de produzir/comercializar o Toucinho-do-céu de Guimarães. Este facto deve-se essencialmente à adaptação às exigências legais ao nível da Segurança Alimentar e também à uma nova visão que leva a considerar-se este produto como uma fonte importante de cultura e turismo gastronómico, um complemento ao rico Património Cultural e Monumental que interessa divulgar e valorizar, esperando-se assim que surjam incentivos ao aumento de produtores e à divulgação deste produto gastronómico de características únicas.

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BIBLIOGRAFIA

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BIBLIOGRAFIA

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Eduardo d’Almeida – Os doces de Santa Clara. Diário de Notícias. Lisboa. 30 de Julho de 1925.

ALMEIDA, 1930

Eduardo d’Almeida – Regimento de salários e preços de 1522, para Guimarães. Revista de Guimarães. Guimarães: Sociedade Martins Sarmento. 40: 1-2 (1930). P. 41-63; 40: 2-3 (1930). P. 149-170.

BARBOSA, 2007 [1611]

Agostinho Barbosa – Dictionarium Lusitanicolatinum. 2.ª ed. Fac-símile da edição de 1611. Braga: Universidade do Minho, 2007.

Organização e introdução de Brian F. Head.

BELO, 1994 [1936]

António Maria de Oliveira Belo – Culinária Portuguesa. Lisboa: Assírio & Alvim, 2001. [1.º ed. 1936].

BRAGA, 1923

Alberto Vieira Braga – As indústrias caseiras de Guimarães. O Primeiro de Janeiro. Porto. 5 de Agosto de 1923.

BRAGA, 1927

Alberto Vieira Braga – Os doces de Santa Clara. Gil Vicente. Guimarães. 3: 7-8 (1927) 113-118.

BRAGA, 1928

Alberto Vieira Braga – Indústrias caseiras. In Guimarães: o Labor da Grei. Guimarães: Francisco Martins, 1928.

Edição comemorativa da Exposição Industrial e Agrícola, realizada em Agosto de 1923.

BRAGA, 1992

Alberto Vieira Braga – Administração seiscentista do município vimaranense. Guimarães: Câmara Municipal de Guimarães, 1996.

BRANCO, 2009 [1877]

Camilo Castelo Branco – A viúva do enforcado. In Novelas do Minho: um retrato de Portugal. Lisboa: Bertrand Editora, 2009.

Novela publicada pela primeira vez em 1877.

CABRAL, 1999

Maria Isabel de Vasconcelos Cabral – O Livro de receitas da última freira de Odivelas. Introdução, actualização de texto e notas… Lisboa: Verbo, 1999.

CALDAS, 1996 [1881]

António José Ferreira Caldas – Guimarães: apontamentos para a sua história. Guimarães: Câmara Municipal de Guimarães; Sociedade Martins Sarmento, 1996. [1º edição, 1881, 2 vol.]

CARVALHO, 1939-1951

A. L. de Carvalho – Os mesteres de Guimarães. Guimarães: ed. do autor, 1951. 7 vol.

1º vol., ed. em 1939; 2º vol, 1941; 3º vol., 1942; 4º vol., 1943; 5º vol., 1944; 6º vol., 1946; 7º vol., 1951.

CORREIA, 1926

Vergílio Correia - Livro dos regimentos dos oficiais mecânicos .... Coimbra: Imprensa da Universidade, 1926. (Subsídios para a História da Arte Portuguesa; 22).

FARIA; FERNANDES, 2010

Maria Adelaide Sampaio da Nóvoa de Faria; Isabel Maria Fernandes – Receitas da Casa do Mosteiro de Landim. Guimarães: Despertar Memórias, 2010.

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FERNANDES, 1999

Isabel Maria Fernandes – Do uso das peças: diversa utilização da louça de barro. In Actas do IV Encontro de Olaria Tradicional de Matosinhos. Matosinhos: Câmara Municipal, 1999. P. 14-39.

FERNANDES, 2002

Isabel Maria Fernandes – Alimentos e alimentação no Portugal Quinhentista. Revista de Guimarães. Guimarães. Sociedade Martins Sarmento. 112 (2002). P. 125-215.

FERNANDES, 2002a

Isabel Maria Fernandes – Discorrendo sobre a arte do bolinhol vizelense. Mínia. Braga: ASPA. 10 (2002). 3ª série. P. 237-242.

FERNANDES, 2004

Isabel Maria Fernandes - O comer e o modo de comer em espaço conventual: um exemplo (séc. XVI). Mãos: Revista de Artes e Ofícios. 25 (Abril 2004). P. 12-15.

FERNANDES, 2004a

Isabel Maria Fernandes - Os sabores da cerâmica portuguesa. In À volta da mesa. Lisboa: Instituto do Emprego e Formação Profissional, 2004. P. 117-127.

FERNANDES, 2006

Isabel Maria Fernandes - A arte de bem cozinhar os alimentos, em Guimarães. In As artes e as mãos da história: o artesanato vimaranense. Guimarães: Oficina: centro de artes e mesteres tradicionais, 2006. P. 120-129.

FERNANDES; OLIVEIRA, 2003

Isabel Maria Fernandes; António José de Oliveira - Ofícios e mesteres vimaranenses nos séculos XV e XVI. Revista de Guimarães. Guimarães. Sociedade Martins Sarmento. 113-114 (2003-2004). P. 43-209.

FERNANDES; OLIVEIRA, 2004

Isabel Maria Fernandes; António José de Oliveira - Convento de Santa Clara de Guimarães. Boletim de Trabalhos Históricos. Guimarães. Série 2. 5 (2004). P. 11-179.

GOIS, 2005

Maria Antónia Goes – Dicionário de Gastronomia. Sintra: Colares Editora, 2005.

GUIMARÃES, 1892-93

João Gomes de Oliveira Guimarães – O Convento de Santa Clara de Guimarães. Revista de Guimarães. Guimarães: Sociedade Martins Sarmento. 9: 4 (Set.-Dez. 1892) 187-208; 10: 1 (Jan.- Mar.1893) 5-29.

GUIMARÃES, 1919

Alfredo Guimarães – A feira de Guimarães. A Terra Portuguesa. 3: 29-30 (Dez. 1918-Jan. 1919) 83-89.

GUIMARÃES, 1991 [1884]

Avelino da Silva Guimarães – [Exposição Industrial de Guimarães]. In Relatório da Exposição Industrial de Guimarães em 1884. Guimarães: Muralha, 1991. Edição fac-similada. P. 200-254.

Os artigos de Avelino da Silva Guimarães foram publicados pela primeira vez em «Jornal do Comércio», de Lisboa.

HOUAISS, 2003

Dicionário Houaiss. Lisboa: Círculo dos Leitores, 2003. 7 vol.

LAMEIRAS, 1998 [1842]

Alberto Lameiras – Inquérito paroquial 1842. Revista de Guimarães. Guimarães. 198 (1998). P. 9-644.

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LIVRO, 1986

Livro de Cozinha da Infanta D. Maria. Prólogo, leitura, notas aos textos de Giacinto Manuppella. Lisboa: Imprensa Nacional. Casa da Moeda, 1986.

MEIRELES, 1994 [1517]

Maria José Marinho de Queirós Meireles – Carta de Foral de Guimarães: estudo codicológico. Guimarães: Sociedade Martins Sarmento, 1994.

MODESTO, 2001 [1981]

Maria de Lurdes Modesto – Cozinha Tradicional Portuguesa. Lisboa: Verbo, 2001. 1.ª ed. 1981.

OLIVEIRA, 1705

Manuel Botelho de Oliveira – Música do Parnasso… Lisboa: Oficina de Miguel Manescal, 1705.

PEREIRA, 1852

António Fernandes Pereira – Dicionário geográfico abreviado de Portugal e suas possessões ultramarinas… Porto: Tipografia de Sebastião José Pereira, 1852.

PESSANHA, 1997 [1957]

José Pessanha – Doçaria popular portuguesa: estudo etnográfico. Sintra: Colares Editores, 1997. [1.ª ed. 1957].

RELATÓRIO, 1991 [1884]

RELATÓRIO da exposição industrial de Guimarães em 1884. Guimarães: Muralha. Associação de Guimarães para a defesa do património, 1991. [1ª edição, 1884].

RIBEIRO, 1997 [1928]

Emanuel Ribeiro – O doce nunca amargou… Sintra: Colares Editora, 1997. [1.ª ed., 1923. 2.ª ed. revista e ampliada, 1828].

RODRIGUES, 2001 [1693]

Domingos Rodrigues – Arte de cozinha, dividida em três partes… Lisboa: Colares Editora, 2001.

1.ª ed., 1680. A edição aqui citada tem por base a 3.ª edição, datada de 1693.

SARAMAGO, 2001

Alfredo Saramago – Cozinha do Minho. Lisboa: Assírio & Alvim, 2001.

SAMPAIO, 2003

Francisco Sampaio – A boa mesa do Alto Minho. Lisboa: Notícias Editorial, 2003.

SEQUEIRA, 1908

G. Matos Sequeira – A guloseima nacional. Ilustração Portuguesa. Lisboa: Edição semanal do Jornal O Século. 99 (13 de Janeiro de 1908). P. 3 a 10.

http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/OBRAS/IlustracaoPort/1908/N99/N99_item1/P1.html

VASCONCELOS, 1991 [1884]

Joaquim de Vasconcelos – [Exposição Industrial de Guimarães]. In Relatório da Exposição Industrial de Guimarães em 1884. Guimarães: Muralha, 1991. Edição fac-similada. P. 139-152.

Estes artigos de Joaquim de Vasconcelos foram publicados pela primeira vez em «Comércio do Porto».

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LEGENDAS

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LEGENDAS

imagem 1. Rabanadas. Casa Costinhas. Fotografia de Paulo Pacheco

imagem 2. Tortas de Guimarães. Casa Costinhas. Fotografia de Paulo Pacheco

imagem 3. Escultura de Santa Clara. Na fachada do extinto convento de Santa Clara, hoje Câmara Municipal de Guimarães. Fotografia de Paulo Pacheco

imagem 4. Molde para enformar forminhas de papel. Propriedade da Família Sampaio da Nóvoa. Fotografia de Sofia Sampaio de Faria Mota e Silva

imagem 5. Foral de Guimarães. Fólio onde são referidas as conservas de açúcar e de mel. Sociedade Martins Sarmento

imagem 6. Livro do recibo e despesa do Convento de Santa Clara. Fólio onde são referidas despesas com doces. Sociedade Martins Sarmento

imagem 7. Página de um dos livros de receitas manuscritos da Família Freitas do Amaral

imagem 8. Aletria. Fotografia de Foto Beleza.

imagem 9. Doces de romaria. Fotografia de Foto Beleza.

imagem 10. Morcelas de mel. Pastelaria Clarinha. Fotografia de Foto Beleza.

imagem 11. Doce de calondro. Fotografia de Paulo Pacheco.

imagem 12. Figos abertos a meio. http://www.sxc.hu/photo/1164597 a 14 Novembro de 2011.

imagens 13 e 15. Marmelada. Fotografia de Paulo Pacheco.

imagem 14. Compota. Fotografia de Foto Beleza.

imagem 16. Leite creme. Fotografia de Foto Beleza.

imagens 17 a 19. Doces de romaria. Fotografia de Foto Beleza.

imagem 20. Rosquilhos. Fotografia de Foto Beleza.

imagens 21 e 22. Massapães. Fotografia de Foto Beleza.

imagens 23 e 24. Mexidos. Fotografia de Foto Beleza.

imagens 25 e 26. Ovos moles. Fotografia de Paulo Pacheco.

imagens 27 e 28. Pão-de-ló. Pastelaria Clarinha.Fotografia de Foto Beleza.

imagem 29. Passas. Fotografia de Foto Beleza.

imagem 30. Desenho/modelo de queijada extraído do caderno manuscrito de receitas de Dona Maria Henriqueta Leal Sampaio.

imagem 31. Queijadas de Guimarães. Pastelaria Clarinha. Fotografia de Foto Beleza.

imagem 32. Tortas de Guimarães. Pastelaria Clarinha. Fotografia de Foto Beleza.

imagens 33 a 60. Tortas de Guimarães: modo de execução. Casa Costinhas. Fotografias de IPVC: Instituto Politécnico de Viana do Castelo.

imagens 61 e 62. Toucinho do céu. Fotografia de Foto Beleza.

imagens 63 a 72 e 84. Toucinho do céu: modo de execução. Pastelaria Clarinha. Fotografias do IPVC: Instituto Politécnico de Viana do Castelo.

imagens 73 a 83. Toucinho do céu: modo de execução. Casa Costinhas. Fotografias do IPVC: Instituto Politécnico de Viana do Castelo.

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