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1 Negócio jurídico e Declaração Negocial Interpretação e Integração

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Negócio jurídico e Declaração Negocial

Interpretação e Integração

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Declaração Negocial-a interpretação e integração

da declaração negocial

As disposições respeitantes ao método de interpretação da declaração nego-cial têm a sua sede legal no Código Civil, no livro I (Parte geral), título II (Das rela-ções jurídicas), subtítulo III (Dos factos jurídicos), capítulo I (Negócio jurídico), secção I (Declaração negocial), subsecção IV, intitulada “Interpretação e integração”.

A subsecção IV é composta por 4 artigos, dos quais três versam sobre inter-pretação; contendo, o art. 236.º, a regra geral nesta matéria (“Sentido normal da declaração”), o art. 237.º um critério específico para a solução de casos de interpre-tação duvidosa, o art. 238.º uma regra especial, aplicável a negócios formais, e, por fim, o art. 239.º

consagra a regra de integração de declarações negociais lacunosas.

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Declaração Negocial-a interpretação e integração

da declaração negocial

Atendendo a que o Código Civil tém normas--» artº 236º e sg. acerca da interpretação da declaração negocial, com elas pretende-se saber se existe um método de interpretação reclamado pelo Direito Português assim começa-se por verificar se essas regras têm carácter jurídico e, em caso negativo, pela investigação acerca de qual é ou pode ser o método jurídico de interpretação da declaração negocial no Direito civil português.

As regras de interpretação da declaração negocial são qualificáveis como regras técnicas. De facto, sendo a interpretação o processo de retirar, de um signifi-cante (neste caso o comportamento do declarante), um significado, é possível identi-ficar técnicas, processos, meios instrumentais a esse objectivo.

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da declaração negocial

Interpretação (art. 236º) tem como finalidade a compreensão do conteúdo e sentido da declaração

negocial

Integração (art. 239º) tem como objectivo a determinação e preenchimento das lacunas da

declaração negocial ideia a reter

a interpretação e a integração devem ser feitas em relação à globalidade do negócio jurídico concreto

a integração não é mais do que a interpretação global do negócio jurídico

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Jurisprudência exemplificativa

I. São as partes que modelam os contratos que pretendam celebrar, dentro dos limites da lei.II. Consequentemente, compete-lhes a inclusão de cláusulas de um ou mais contratos típicos, bem como de cláusulas atípicas, que não figurem naqueles contratos.III. Será através de todas as cláusulas introduzidas na convenção negocial, na interpretação do sentido das declarações negociais da vontade das partes, que o contrato poderá ser caracterizado/qualificado

Ac. STJ, de 30/11/94, BMJ, nº 441, pág. 319

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A interpretação do negócio jurídico

Interpretar im negocio jurídico é, no fundo, apurar o sentido juridicamente relevante, ou seja, determinar o sentido com que deve valer.

Porque esse “apuramento” não pode ser deixado ao arbítrio do interprete a lei define um conjunto de critérios que constituem a : Teoria da interpretação dos negócios ou Hermenêutica negocial -»a

espressão de Mota Ponto, pág 441. As duas tarefas fundamentais da hermenêutica dos negocios são dar resposta

ás seguintes questões: 1)qual o tipo de sentido negocial decisivo, cuja determinação constitui o

fim da actividade interpretativa? 2) quais os elementos, os meios ou subsidios que o intèrprete deve tomar

em consideração na busca do sentido negocial relevante? A resposta a estas preguntas encontram-se nos artº 236º a 239º CCiv

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A interpretação da Declaração do negócio jurídico

Com efeito, (1) a declaração negocial destina-se a produzir efeitos jurídicos; (2) a interpretação é o meio de determinar quais os efeitos

jurídicos que se pro-duzirão, em razão da existência da declaração negocial;

(3) os efeitos jurídicos a pro-duzir serão x ou serão y, em grande medida , em função do método de interpre-tação adoptado.

Por exemplo, perante um comportamento declarativo ambíguo, a solução entre alternativas possíveis resolve-se diferentemente se o critério for “o sentido deduzido por um declaratário normal”, “o sentido deduzido pelo real declaratário”, “o sentido pretendido pelo declarante”, “o sentido conforme à boa fé”, “o sentido que conduza ao maior equilíbrio negocial”, “o sentido que conduza à vali-dade da declaração”, “o sentido menos favorável ao declarante”, …

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da declaração negocial

A interpretação e a aplicação do Direito são, precisamente, o cerne da ciência do Direito. A actividade do jurista enquanto tal consiste na interpretação das fontes e na aplicação do Direito assim apurado a factos, solucionando casos concretos. Independentemente do conteúdo que o Direito a aplicar possa possuir.

Analisando o Direito português, verifica-se que foram consagrados métodos de interpretação da declaração negocial. Designadamente, os revelados pelo dispos-to no art. 236.º e seguintes; no art. 2187.º; e nos artigos 10.º e 11.º da LCCG.

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da declaração negocial

teses em confronto sentido subjectivo da interpretação

deve prevalecer o sentido que lhe tenha sido dado pelo seu autor de outro modo, a declaração não lhe pode ser negocialmente imputada

sentido objectivo da interpretação deve prevalecer o sentido que se depreenda da

própria declaração, de acordo com as circunstâncias do caso teoria da impressão do destinatário

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da declaração negocial

“A interpretação nos negócios jurídicos é a actividade dirigida a fixar o sentido e alcance decisivo dos negócios (…) . Trata-se de determinar o conteúdo das declarações de vontade e, consequentemente, os efeitos que o negócio visa produzir (…)”

Prof. Carlos Alberto da Mota Pinto

“A interpretação tem como objecto a declaração negocial e como finalidade a compreensão do seu conteúdo e sentido”

Prof. Pedro Pais de Vasconcelos

“A interpretação do negócio visa determinar o seu sentido juridicamente relevante.”Prof. Menezes Cordeiro

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Declaração Negocial-interpretação e a integração da

declaração negocial (arts. 236º, 237º,238º, 239º)

A interpretação Serve para captar o sentido, o próprio conteúdo da declaração, mas não

para avaliar o conteúdo sob o aspecto da sua razoabilidade ou da sua conformidade ou não com a lei.

O objecto da interpretação é a manifestação da vontade, o elemento externo, a própria declaração negocial.

O fim da interpretação é o sentido da mesma. Este sentido tem de estar de acordo com a função do negócio jurídico – a autodeterminação da pessoa dentro da sua autonomia privada conforme a sua vontade.

“A interpretação parte, metodologicamente, de elementos objectivos para

obter, através deles, como finalidade, o elemento subjectivo, na medida em que isto é possível”--» HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.490.

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da declaração negocial-artº 236º

Art. 236º: Aplica-se a declarações negociais expressas e tácitas desde que sejam

receptícias. “O sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria

apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído ou diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante.”48

Exceptuam-se os casos: Não possa ser imputado ao declarante, razoavelmente aquele sentido. O declaratário conhecer a vontade real do declarante

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da declaração negocial-artº 236º

critério geral (art. 236º) a declaração negocial vale (art. 236º, nº 1):

com o sentido que possa ser deduzido por um declaratário normal, colocado na posição do autor da declaração sentido objectivo

desde que esse sentido não contrarie a expectativa razoável do autor da declaração limites decorrentes do sentido subjectivo

porém, sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida sentido subjectivo (art. 236º, nº 2)

declaratário normal, colocado na posição do autor da declaração é irrelevante o sentido que o declaratário real tiver entendido o que

importa é o sentido típico que um declaratário típico teria tipicamente entendido naquela situação típica

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Jurisprudência exemplificativa

Na interpretação do contrato entre as circunstâncias a atender pelo declaratário normalmente diligente, sagaz e experiente colocado na posição concreta do declaratário efectivo figuram os termos do negócio, a finalidade prosseguida pelo declarante, as negociações prévias, as pendentes relações negociais entre as partes.

Ac. STJ, de 01/06/2001, CJ-STJ, 2000, II, pág. 85

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Jurisprudência exemplificativa

A interpretação dos negócios jurídicos rege-se pelas disposições dos arts. 236º a 238º do Código Civil, que consagram, de forma mitigada, o princípio da impressão do destinatário.Da redacção do art. 236º é possível concluir que, na interpretação dos contratos prevalecerá, em regra, a vontade real do declarante, sempre que for conhecida do declaratário; faltando esse conhecimento, o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um destinatário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante

SJ200310020019727

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da declaração negocial-artº 236º

Art.236º do Código CivilArt.236º do Código Civil( Sentido normal da declaração)( Sentido normal da declaração)

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da declaração negocial-artº 236

O objectivo da solução acenta na lei é o de proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir.

Consagra-se uma doutrina objectivista de interpretação em que o objectivismo é temperado por uma salutar restrição de inspiração subjectivista o objectivo é proteger as legítimas expectativas do declaratário e não perturbar a segurança do tráfico jurídico. Este artigo não se aplica em casos de interpretação testamentária

nem a actos jurídicos que estão fora do comércio jurídico, nem aos actos jurídicos em que não procedam as razões justificativas do regimes estabelecido.

Este artigo só é aplicado para as declarações receptícias

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da declaração negocial-artº 236

“A ressalva contida na parte final do nº1 tem plena aplicação naqueles casos, por exemplo, em que o sentido razoavelmente atribuído pelo declaratário a determinados vocábulos da declaração seja completamente ignorado do círculo de pessoas em que vive o declarante, e muito diferente do sentido com que este o empregou”

ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4ª ed, Coimbra Editora, Limitada, Vol I, pp.223. – art. 236º,1 atribui o risco do uso linguístico ao declarante, uma vez que ele dispõe de todos os meios para se fazer entender.

“Apenas quando o declarante não pode contar razoavelmente com o no sentido deduzido pelo “declaratário normal” do seu “comportamento”, o risco linguístico ou o risco do entendimento é imputado ao declaratário.” HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina,

Coimbra, pp.510.

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da declaração negocial-artº 236

“Do disposto no nº2 resulta que, conhecendo o declaratário o sentido que o declarante pretendeu exprimir através da declaração, é de acordo com a vontade comum das partes que o negócio vale, que a declaração seja ambígua, quer o seu sentido seja inequivocamente contrário ao sentido que as partes lhe atribuíram. É a condenação das doutrinas objectivistas puras e a confirmação da velha regra segundo a qual “falsa demonstratio non nocet””. Cit. ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4ª ed, Coimbra

Editora, Limitada, Vol I, pp.224 (Situações em que declarante e declaratário se exprimem mal e se entendem bem, apesar deste entendimento contrariar o uso linguístico ou o sentido normal das expressões empregues A vontade real é que conta).

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A prevalência do sentido objectivo apenas se opera entre as legítimas expectativas do declaratário e as justas necessidades de segurança do tráfico jurídico, que também hão-se considerar as “reacções” do declarante contra eventuais interpretações abusivas.

Declaratário Normal: deve ser uma pessoa-”Razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circuntâncias, que ela teria conhecido e o modo como teria raciocionadoa partir delas, mas fixando-a na posição do real destinatário, isto é, acrescentando as circunstâncias que este conheceu concretamente e o modo como aquele concreto declaratário podeira a partir delas ter depreeendido um sentido declarativo--»”Paulo Mota Pinto, in “Declaração Tácita”, 1995, 2008.

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da declaração negocial-artº 236

Quanto ao sentido de “normal” no art. 236.º, n.º 1, quid iuris? Em conclusão, quanto a este ponto, normal, no art. 236.º, n.º 1,

designa uma pessoa nem muito nem pouco inteligente, diligente, atenta, razoável… numa pala-vra: uma pessoa mediana. Normal.

Ainda que a maioria das pessoas existentes não possa qualificar-se como medianamente inteligente, diligente, atenta, razoável. O método de interpretação da declaração negocial não corresponde, pois, a uma análi-se estatística sobre qual seria a interpretação que “a maioria das pessoas” ou “a média das pessoas” faria do comportamento x. O “declaratário normal” é uma medida de diligência a levar em conta em determinada tarefa (a interpretação da declaração negocial). Não uma remissão para o mundo dos factos.

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Uma tal remissão inviabilizaria qualquer interpretação séria de uma declaração negocial. De facto, qual é o intérprete ou o juiz que tem ao seu dispor os mecanismos necessários à realiza-ção de inquérios necessários a determinar o sentido que esse declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, deduziria do comportamento do declarante ?

Este entendimento “estatístico” – privado do imprescindível suporte técnico – está na base de muitas decisões judiciais deficientes, em que o Tribunal se limita a afirmar o sentido x “porque é esse aquele que o declaratário normal deduziria do comportamento negocial” ou “porque qualquer declaratário mediana-mente sagaz daria o mesmo sentido” ou “porque é evidente que”. Em regra, trata-se do sentido que o juiz considera correcto e, desprovido de meios técnicos, transpõe esse sentido para o sentido que a generalidade das pessoas razoáveis deduziria do comportamento do declarante. Cfr., por exemplo, os acórdãos do Supre-mo Tribunal de Justiça de 05.05.2009, de uniformização de jurisprudência, publicado no Diário da República da referida data, pp. 2530-2538 (2536-2537); de 07.02.2009, in CJ, ano XVI (2009), t. I, pp. 85-90 (87); de 28.09.2006, proc. n.º 6B2997, in www.datajuris.pt; de 27.04.2006, proc. n.º 6A866, in www.datajuris.pt; de 04.10.2004, in CJ, ano XII (2004), t. III, pp. 39-45 (45); de 21.05.2002, in CJ, ano X (2002), t. II pp. 77-81 (81); 16.10.2002, in CJ, ano X (2002), t. III, pp. 253-255; de 06.02.1997, in BMJ 464 (1997), pp. 481-490 (488).

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da declaração negocial-artº 236

Bonus pater familias Não foi consagrado, como modelo de intérprete, o do bom pai de

família . Sem prejuízo de o preenchimento do conceito de “bom pai de família” haver sofri-do alterações significativas ao longo dos séculos e, neste momento, não diferir substancialmente de “normal” ou “médio”, a verdade é que, seja pela sua história, seja pela utilização dos vocábulos “bom”, “pai” e “família”, o conceito de “bom pai de família” é susceptível de concitar significados muito diferentes dos concitados por “normal”.

“Declaratário normal” e “bom pai de família” não são, pois, sinónimos.

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da declaração negocial-artº 236

Em sentido contrário, LUÍS CARVALHO FERNANDES, Teoria geral do Direito civil, UCP, Lisboa, 4.ª ed., 2007, vol. II, p. 443. CARVALHO FERNANDES identifica o bom pai de família com o declaratário normal através do preenchimento, coincidente, dos dois conceitos. Uma tal identificação, no entanto, esquece o poder significativo das palavras e a possibilidade, documentável, designadamente, através da história do con-ceito bom pai de família, de as noções evoluírem precisamente a partir dos significantes. Reitera-se, pois, o que se escreveu no texto.

Cfr. CARLO PREDELLA, “Buon padre di famiglia”, in Nuovo Digesto italiano, UTET, Torino, 1937; MICHELE GIORGIANNI, “Buon padre di famiglia”, in Novissimo Digesto italiano, UTET, Torino, 3.ª ed., 1957.

A Relação de Lisboa, no acórdão de 27 de Setembro de 2005 (in CJ, ano XXX (2005), t. IV, pp. 106-109 (108) identifica também os dois conceitos. Não

apresenta, porém, fundamento.

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da declaração negocial-artº 237º

Art. 237º (casos duvidosos): o Aplica-se apenas quando o sentido da declaração não puder ser

esclarecido mediante a aplicação do art. 236º. o “A dúvida a que este preceito alude não é a que a declaração posso

suscitar antes de esgotadas as regras da sua interpretação, mas aquela em que o intérprete razoavelmente se deva sentir depois de ter tentado, sem êxito, dar à declaração um sentido único.”-» Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.512.

Trata-se de um manifestação de justiça cumutativa que o sistema português assume no contexto do exercicio da autonomia privada”.

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da declaração negocial-artº 237

O disposto no art. 237.º. “Duvidar” consiste em hesitar, em não estar certo de algo. Duvidar não é ignorar, desconhecer, pura e simplesmente. Quem não sabe, não duvida: nem sequer possui matéria sobre que duvidar. Para se duvidar é preciso saber algo. É necessário saber e não estar certo da correcção (ou de outro aspecto) do que se sabe.

O art. 237.º consagra um critério para resolver dúvidas na fixação do sentido juridicamente relevante das declarações negociais. Não se trata, pois, de um critério a utilizar quando não se sabe o que o comportamento do declarante significa. Aí há ignorância ou ininteligibilidade e não dúvida. Trata-se, sim, de critério a utilizar quando se hesita entre o sentido x e o sentido y ou entre o sentido x e a

ininteligibilidade. Ou seja, em caso de dúvida.

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Declaração Negocial-a interpretação e integração

da declaração negocial-artº 237

Atendendo à dificuldade associada a qualquer tarefa de interpretação, a dúvida é uma companheira permanente do jurista ao logo de todo o processo. Importa, portanto, saber a partir de que momento se está perante uma dúvida para efeitos do disposto no art. 237.º. Sublinhe-se a importância deste momento: o art. 237.º estabelece um critério que resolve definitivamente a dúvida,

na indiferença perante os critérios consagrados no art. 236.º (sentido que um declaratário normal deduza do comportamento do declarante e sentido correspondente à vontade real do decla-rante). Aplicar o disposto no art. 237.º significa mudar de critério – e mudar para um critério de segunda

linha, para uma “segunda escolha”

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da declaração negocial-artº 237

Exp de aplicação do artº 227ª CCiv --»durante o processo da interpretação, regido pelo disposto no art. 236.º, n.º 1, por exemplo, pode o jurista alinhar factos que apontem no sentido x e factos que apontem no sentido y. Ponderando todos os elementos de interpretação atendíveis, conclui que o sentido jurídico do comportamento do declarante é x. Aqui não há lugar à aplicação do art. 237.º. Independentemente das dúvidas metódicas do jurista, o método de interpretação da declaração permitiu alcançar uma solução. Por outras palavras, o resultado da tarefa de interpretação é a afirmação de um sentido. O resultado x é um resultado próprio da ciência do Direito. Com as virtudes e as fraquezas desta. São, assim, de desprezar as referidas dúvidas metódicas, próprias do trabalho jurídico-científico – sob pena de não existir casos não duvidosos.

São de evitar, portanto, afirmações (feitas, provavelmente, com intenção retórica) do tipo “o declaratário normal, colocado na situação do real declaratário, entenderia x, porque (além do mais) se trata do significado que mais contribui para o equilíbrio das prestações”.

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Declaração Negocial-a interpretação e integração

da declaração negocial-artº 237

Já se, durante o processo da interpretação, regido pelo disposto no art. 236.º, n.º 1, o jurista alinhou factos que apontam no sentido x e factos que apontam no sentido y e, ponderando todos os elementos de interpretação atendíveis, não conse-gue conclui quanto a qual desses dois sentidos é o sentido jurídico do comporta-mento do declarante: o resultado da interpretação é duvidoso. É este o momento de aplicar o “critério subsidiário” consagrado no art. 237.º.

A dúvida que o critério consagrado no art. 237.º se destina a resolver é a dúvida sobre o sentido da declaração. Não uma dúvida sobre os factos.

As dúvidas sobre os factos (se o declarante disse ou não disse x, se entregou ou não o estojo de veludo com os diamantes, se a pulseira estava ou não estava no seu lugar, se um almude, na Beira, vale mesmo 40 litros, etc.) resolvem-se de acordo com as regras sobre a distribuição do ónus da prova.

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da declaração negocial-artº 237

O art.º 237.º destina-se a esclarecer as dúvidas do intérprete. E não as dúvidas das partes acerca do sentido da declaração.

O que releva é que possa afirmar-se parcela do conteúdo de um negócio oneroso ou gratuito. Explicite-se: é o negócio do qual a declaração é parte, que se qualifica como gratuito ou oneroso

A classificação do negócio como gratuito ou oneroso O critério para a dissipação da dúvida de interpretação implica, nos termos do art.

237.º, a prévia classificação como gratuito ou como oneroso do negócio a que respeita o comportamento duvidoso.

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Declaração Negocial-a interpretação e integração

da declaração negocial-artº 237

Analisando as diversas disposições que recorrem à qualificação do negócio como oneroso/gratuito, em especial os artigos 1145.º, 1158.º e 1186.º bem como o regime jurídico diferenciado que a inclusão em cada uma dessas categorias concita , conclui-se que um negócio deve qualificar-se como oneroso se der origem a atri-buições patrimoniais recíprocas, i.e., se do negócio resultar a atribuição ou a neces-sidade jurídica de um sujeito realizar uma atribuição patrimonial a favor de outro que, por seu turno, também realiza ou terá que realizar uma atribuição patrimonial em favor do primeiro . Por outras palavras, nos negócios onerosos as prestações estipuladas são remuneradas, retribuídas ou recompensadas; são obtidas, cada uma, à custa da outra . E não “de graça”.

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Declaração Negocial-a interpretação e integração

da declaração negocial-artº 237

Nos negócios jurídicos gratuitos, a prestação de uma das partes não é retribuída. Um dos sujeitos realiza uma atribuição patrimonial assumidamente sem “retorno”, do ponto de vista patrimonial. Por “assumidamente” pretende significar-se que é vontade dos sujeitos que aquela atribuição patrimonial não tenha retorno e que o negócio sob apreciação reflecte isso mesmo: do negócio não resulta a segunda atribuição patrimonial ou, de qualquer modo, a necessidade de a realizar.

Os negócios gratuitos não são aqueles dos quais não resultam atribuições patrimoniais. Num negócio gratuito há sempre, pelo menos, uma atribuição patri-monial. O que singulariza o negócio gratuito é o facto de essa atribuição patrimonial não ser retribuída, de não ter “retorno”. Se não existir qualquer atribuição patrimo-nial o negócio não é nem gratuito nem oneroso.

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Declaração Negocial-a interpretação e integração

da declaração negocial-artº 237

a relevância do carácter gratuito ou oneroso (art. 237º) em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece:

nos negócios gratuitos, o sentido menos grave para o disponente

nos negócio onerosos, o sentido que conduzir a um maior equilíbrio das prestações

a relevância do carácter gratuito ou oneroso (art. 237º) no caso de contratos que não sejam nem perfeitamente gratuitos,

nem perfeitamente onerosos, há que recorrer à interpretação de acordo com a equidade, para dar solução às dúvidas suscitadas

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Declaração Negocial-a interpretação e integração

da declaração negocial-artº 238

Art. 238ºnº1 Não há sentido possível que não tenha no texto do preceito um mínimo de

correspondência, ainda que imperfeitamente expresso, a não ser que se trate de matéria relativamente à qual se não exija a forma prescrita na lei.

Art. 238º,2 Um sentido que não tenha correspondência com o texto sempre pode valer se

corresponder à vontade real das partes do negócio E as razões determinantes da

forma se não opuserem a essa validade (caso em que se aplica art. 220º). Apesar do contrato formal, é relevante a chamada “falsa

demonstratio”--»esta ocorre em “...situações em que declarante e declaratário se exprimem mal e se entendem bem, apesar de este entendimento comum contrariar o uso linguístico ou o sentido normal das expressões empregues”--»Heirinch Ewald Horster

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Declaração Negocial-a interpretação e integração

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Ac STJ de 3-12-1997-Testamento I) Na interpertação do testamentoobservar-se-á o que parecer mais

ajustado com a vontade do testador conforme o contexto do testamento.

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Declaração Negocial-a interpretação e integração

da declaração negocial-artº 238

a situação dos negócios formais (art. 238º) a declaração não pode valer com um sentido que não

tenha o mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (tutela da aparência e da confiança de terceiros no sentido objectivo do negócio)

esse sentido pode valer se: corresponder à vontade real das partes as razões determinantes da forma do negócio não

se opuserem a essa validade quando a solenidade de forma não tem como

função assegurar a cognoscibilidade do negócio por parte de terceiros

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Declaração Negocial-a interpretação e integração

da declaração negocial-artº 239

as partes, podem não ter estipulado sobre uma questão: porque ao tempo da declaração ela não se lhes

afigurou importante porque não era ainda previsível porque as circunstâncias de então se alteraram porque a deixaram intencionalmente em aberto

seja porque razão for, pode ser necessário integrar a regulação que as partes deixaram incompleta

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Declaração Negocial-a interpretação e integração

da declaração negocial-artº 239

ponto de partida (art. 239º) na falta de disposição especial, a declaração negocial

deve ser integrada: de harmonia com a vontade que as partes teriam

tido se houvessem previsto o ponto omisso de acordo com os ditames da boa fé, quando outra

seja a solução por eles imposta

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Declaração Negocial-a interpretação e integração

da declaração negocial-artº 239

A integração da declaração negocial Se a declaração negocial não apresentar um sentido obscuro ou equívoco mas

lacunas, em princípio desconhecidas das partes, aplicar-se-á na falta de disposição especial as regras constantes no art. 239º.

Art. 239º: Só se aplica na falta de disposição especial e caso não haja um

dissenso (que nos termos do art. 232º levaria à não conclusão do negócio).

Deve atender-se à vontade presumível dos declarantes. Mas pode acontecer que, por esse meio, se chegue a uma solução contrária aos princípios da boa fé. Neste caso devem prevalecer estes princípios.

A integração de lacunas nunca pode substituir ou alargar o objecto de negócio jurídico em causa. Ela tem de manter-se dentro do âmbito negocial traçado pelas partes.

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Declaração Negocial-a interpretação e integração

da declaração negocial-artº 239

Existe lacuna negocial quando as partes omitiram no negócio um ou vários pontos que carecem de regulamentação

São dois os critérios que o normativo artº 239º CCiv manda atender: 1) A vontade hipotética ou conjectural das partes

Este critério faz apelo ao que as partes teriam querido se tivessem previsto os pontos omissos.

Não se procura, pois, construir ou reconstruir a vontade hipotética de cada uma das partes, mas o que teria sido o consenso negocial hipotético.

Para a construção deste consenso negocial hipotético é necessário fazer apelo á boa fé, como se faz no artº 239º CCiv.

2)A boa-fé Para isto, é necessário encarar e assumir as partes como pessoas

sérias e honestas, como pessoas de bem, isto é, como pessoas de boa fé.