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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
LINHA DE PESQUISA: ORGANIZAÇÃO ESCOLAR, FORMAÇÃO E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
ROSELY RIBEIRO LIMA
O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA:
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PROFESSORAS DOS ANOS INICIAIS DO
ENSINO FUNDAMENTAL
CUIABÁ - MATO GROSSO
MARÇO DE 2013
ROSELY RIBEIRO LIMA
O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA:
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PROFESSORAS DOS ANOS INICIAIS DO
ENSINO FUNDAMENTAL
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação
(PPGE), Instituto de Educação (IE), Universidade Federal de Mato
Grosso (UFMT), como parte dos requisitos para obtenção do título
de Doutora em Educação; área de concentração: Educação; linha
de pesquisa: Organização Escolar, Formação e Práticas
Pedagógicas.
PROFESSORA DOUTORA FILOMENA MARIA DE ARRUDA MONTEIRO
ORIENTADORA
PROFESSOR DOUTOR CARLO RALPH DE MUSIS
COORIENTADOR
CUIABÁ - MATO GROSSO
MARÇO DE 2013
4
DEDICO ESTE TRABALHO
A todos os professores dos anos iniciais do ensino fundamental:
profissionais que merecem reverências pelos esforços enfrentados nas práticas
educativas, também, pelas aprendizagens cidadãs fomentadas.
A todos os meus professores formadores: que me oportunizaram
compartilhar conhecimentos, valores, culturas, sentimentos e crenças, desde a
educação infantil até os períodos atuais. Cada um deles favoreceu muitas
aprendizagens, além do que eu poderia imaginar. Representando todos estes
profissionais, apresento meu respeito e consideração aos seguintes docentes:
Professora Filomena Monteiro, minha orientadora do curso de
doutorado, por sua delicadeza intelectual e de partilha, por sua sensibilidade para a
liberdade da aprendizagem, finalmente, por compreender como eu sou.
Professor Carlo de Musis, meu coorientador do curso de doutorado, por
sua áurea de proteção e cuidado, pessoa sábia e solidária, que me amparou neste
processo formativo. Sem suas atitudes de generosidade, principalmente aquela
presenciada na residência da nossa querida Solange Dias, eu não teria continuado e
terminado este curso.
Professora Eugênia Paredes, minha orientadora do curso de mestrado,
minha dívida de gratidão continuará para todo o sempre. Exemplo de pessoa rigorosa
em relação à produção científica e genial com o que acredita.
Professoras da banca examinadora, Rosa Maria de Oliveira, Lúcia
Maurício, Jorcelina Fernandes, Helena Fontoura e Daniela Andrade, pelas preciosas
contribuições reflexivas enviadas ao presente trabalho.
Professora Solange Dias, minha querida amiga, por ser um exemplo de
pessoa, de professora, de amiga, de mãe, de companheira, de patroa...
Professora Maria Gracilene Lima, minha querida mãe, que me levou em
tantos momentos formativos em meio às suas aulas nos primeiros anos do ensino
fundamental. Ela me permitia ser sua colega-professora-assistente, mesmo eu sendo
apenas uma criança.
A todos os professores que se firmam e se formam na profissão e que
defendem e praticam uma educação transformadora e de qualidade.
A Deus pelo mundo e por minha vida!
À minha família, meu pai Moacir Mecenas de
Lima; minha mãe Maria Gracilene Ribeiro Lima; meu
namorado Francys Pimenta de Faria; minhas irmãs
Lívia Ribeiro Lima Furtado e Suzana Ribeiro Lima
Oliveira; meus sobrinhos Mateus Lima Furtado, Vitor
Oliveira Lima e Christiano de Oliveira e Silva Filho,
por me enviarem incessantemente seus melhores
sentimentos e cuidados, que foram energizados
diretamente rumo ao meu coração, reavivando
constantemente a minha existência! Amo muito
vocês!
Obrigada!
AGRADECIMENTOS ESPECIAIS
AGRADECIMENTOS
Todo o trabalho aqui desenvolvido não teria sido possível sem o apoio e o
interesse demonstrado por tantas pessoas a quem agradeço amável e respeitosamente
pelo apoio e contribuição para a produção desta investigação. Cada um ao seu modo
me trouxe a certeza que tudo aquilo que é compartilhado traz felicidade e proporciona a
segurança que tudo dará certo no final. Obrigada queridas pessoas que me carregaram,
direcionaram e deixaram em mim a marca registrada do outro, de vocês em mim! Como
forma de reverência, quero citar cada pessoa que me ajudou a escrever este meu
processo formativo:
Adriana Tomasoni (discente - GEPForDoc/UFMT);
Alessandro Martins (vice-diretor – UFG/CAJ);
Alípio Rodrigues de Sousa Neto (professor - UFG/CAJ);
Ana Kátia Ferreira de Assis (Secretária Municipal de Jataí, período 2009-2011);
Ana Rafaela Pécora (professora - UFMT);
Ari Raimann (professor - UFG/CAJ);
Camila Alberto Vicente de Oliveira (professora - UFG/CAJ);
Carlo Ralph de Musis (professor e coorientador – PPGE/UFMT);
Carlos Alberto Caetano (discente - GEPForDoc/UFMT);
Christiano de Oliveira e Silva Filho (querido sobrinho);
Daniela Barros da Silva Freire Andrade (professora - UFMT - Examinadora Suplente
Interna);
Daniela da Silva Veiga (discente - bolsista-PROLICEN/UFG/CAJ);
Danielle Burgo Taveres (menina das transcrições – Engenheira Agrônoma);
Demilson Benedito do Nascimento (discente - PPGE/UFMT);
Dimas Moraes Peixinho (professor – UFG/CAJ);
Dinara Pereira Lemos Paulino da Costa (professora - UFG/CAJ);
Dionéia da Silva Trindade (amiga - secretária - Revista de Educação Púbica/UFMT);
Dirceu Luiz Hermann (professor - UFG/CAJ);
Edésio Fialho dos Reis (professor - UFG/CAJ);
Edson Gomes Evangelista (discente - GEPForDoc/UFMT);
Edward Madureira Brasil (Reitor – UFG);
Ekristayne Medeiros de Lima Santos (professora - UFG/CAJ);
Elis Regina da Costa (amiga - professora - UFG/CAJ);
Elizabeth Gottschalg Raimann (professora - UFG/CAJ);
Elizandra de Siqueira (discente - PPGE/UFMT);
Eugênia Coelho Paredes (autora – pesquisadora);
Eunice Tavares Silveira Lima (professora - UFG/CAJ);
Eva Aparecida de Oliveira (professora - UFG/CAJ);
Fábio Mariani (discente - GEPForDoc/UFMT);
Fernando Silva dos Santos (professor - UFG/CAJ);
Fernanda Cândido (professora – UFMT);
Filomena Maria de Arruda Monteiro (coordenadora e orientadora – GEPForDoc/UFMT);
Francys Pimenta de Faria (querido namorado);
Glades Ribeiro Mueller (discente - GEPForDoc/UFMT);
Halline Mariana Santos Silva (professora - UFG/CAJ);
Helena Amaral Da Fontoura (professora - UERJ - Examinadora Suplente Externa)
Hercília Maria Fayão Beneti (professora - UFG/CAJ);
Imara Pizzato Quadros (discente - PPGE/UFMT);
Isa Mara Colombo Scarlati Domingues (professora - UFG/CAJ);
João Batista Pereira Cabral (vice-diretor – UFG/CAJ - período 2007-2011);
Jorcelina Elisabeth Fernandes (professora - UFMT - Examinadora Interna);
José Hilton Pereira da Silva (assistente administrativo – UFG/CAJ);
José Silvio de Oliveira (professor - UFG/CAJ);
Laís Leni Oliveira Lima (professora - UFG/CAJ);
Léa Lima Saul (secretária - Revista de Educação Pública/UFMT);
Leonor Paniago Rocha (professora - UFG/CAJ);
Lilian Auxiliadora Maciel Cardoso (discente - GEPForDoc/UFMT);
Lilian Ferreira Rodrigues Brait (amiga - professora – UFG;CAJ);
Lilian Rose Aguiar Nascimento Garcia de Santana (discente - PPGE/UFMT);
Lilian Simone Leal Machado Urzedo (discente - bolsista-PROLICEN/UFG/CAJ);
Lívia Ribeiro Lima Furtado (querida irmã);
Lúcia Helena Moreira de Medeiros Oliveira (professora - UFG/CAJ);
Lúcia Helena Rodrigues de S. Coelho (coordenadora - Secretaria Municipal de
Educação/Jataí);
Lúcia Velloso Maurício (professora - UERJ - Examinadora Externa);
Luísa Maria Teixeira Silva Santos (secretária - PPGE/UFMT);
Luiz Augusto Passos (professor - PPGE/UFMT);
Lurdi Haas (pesquisadora - GEPForDoc/UFMT);
Magda Mattos (discente - GEPForDoc/UFMT);
Manoel Napoleão Alves de Oliveira (professor - UFG/CAJ);
Márcia Cristina Machado Pasuch (discente - PPGE/UFMT);
Márcia Santos Anjo Reis (professora - UFG/CAJ);
Maria Aparecida Abreu Vasconcelos (professora - UFG/CAJ);
Maria Aparecida Rezende (discente - PPGE/UFMT);
Maria Gracilene Ribeiro Lima (querida mãe);
Maria Liete Alves Silva (discente - PPGE/UFMT);
Marilda Soares (secretária – RH/UFG/CAJ);
Marina Silveira Martins (professora - UFG/CAJ);
Marinalva Oliveira (secretária executiva – UFG/CAJ);
Marta Maia de Assis Borges (professora - UFG/CAJ);
Mateus Lima Furtado (querido afilhado e sobrinho);
Maurélio Menezes (discente - PPGE/UFMT);
Michael Friedrich Otte (professor - PPGE/UFMT);
Michèle Tomoko Sato (professora - PPGE/UFMT);
Mírian Ross Milani (professora – IFET/MT);
Moacir Mecenas de Lima (querido pai);
Naiara dos Santos Nienow (discente - PPGE/UFMT);
Nicanor Palhares Sá (professor - PPGE/UFMT);
Paula Martins dos Anjos (discente - PPGE/UFMT);
Priscila de Oliveira Xavier (discente - PPGE/UFMT);
Priscyla de Castro Lima (amiga - fisioterapeuta);
Rita Domingues (pesquisadora - GEPForDoc/UFMT);
Rodney Garcia (revisor);
Rodrigo Franco de Carvalho (Secretário Municipal de Jataí);
Rosa Maria Moraes Anunciato de Oliveira (professora - UFSCAR - Examinadora
Externa);
Rosemeire Montanucci (pesquisadora - GEPForDoc/UFMT);
Sibele Neto de Moraes (secretária – RH/UFG/CAJ);
Silas Borges Monteiro (professor - PPGE/UFMT);
Sílvia Correa Santos (diretora – UFG/CAJ – período 2007-2011);Simone Rezende do
Carmo (assistente administrativo – RH/UFG/CAJ);
Simone Sanches Vicente (amiga - professora - UNIVAG/MT);
Sinara Rosa Carvalho e Silva (pedagoga – UFG/CAJ);
Solange Thomé Gonçalves Dias (amiga - discente – PPGE/UFMT);
Sônia Regina Almeida Cabral (amiga – contadora – IFET/CAJ);
Soraia Rodrigues Chaves Macedo (professora - UFG/CAJ);
Suely dos Santos Silva (professora - UFG/CAJ);
Suely Lima de Assis Pinto (professora - UFG/CAJ);
Suzana Ribeiro Lima Oliveira (querida irmã);
Tânia Maria Lima Beraldo (coordenadora - PPGE/UFMT);
Tatiane Elias de Assis (amiga – engenheira civil);
Victor Emanuel Ribas Mendonça Morgas (menino vitorioso);
Vitor Oliveira Lima (querido sobrinho);
Wagner Gouvêa dos Santos (diretor – UFG/CAJ);
Washington Mendonça Moragas (In memoriam).
O sentido da profissão docente “Renascido, ele conhece, ele tem piedade. Enfim, pode ensinar”. Renascido, porque ser professor implica um “renascimento”, uma reflexão sobre si mesmo e sobre o trabalho pedagógico. A pessoalidade cruza-se com a profissionalidade. Uma é inseparável da outra. Ele conhece, porque o ensino é sempre um processo cultural, que tem como referência o conhecimento do mundo. Não há educação no vazio. A educação é cultura, arte, ciência. Sem conhecimento não há educação. Ele tem piedade, no sentido filosófico, porque a educação implica altruísmo e generosidade. Não há educação sem o gesto humano da dádiva e do compromisso perante o outro. Enfim, pode ensinar... porque nada substitui um bom professor.
António Nóvoa
RESUMO
O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PROFESSORAS DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL A presente pesquisa teve como objetivo compreender as representações sociais de professoras que trabalham de 1º ao 5º ano do ensino fundamental do sistema público municipal urbano do município de Jataí, Estado de Goiás, sobre o processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa. A questão que guiou o presente trabalho foi: quais são as representações sociais docentes sobre o processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa? Ao longo de aproximadamente três anos realizamos 156 contatos diferenciados para alcançar tais indícios de representações sociais. Primeiramente, realizamos um estudo piloto para conhecer o universo nocional. Nesta etapa conversamos com seis professoras a partir de entrevistas. Posteriormente, realizamos a segunda fase de coleta dos materiais, neste momento contatamos 100 professoras, nos valendo do uso da técnica de associações livres para identificar a estrutura das representações sociais. Finalmente, na terceira fase de recolha de textos de campo, entrevistamos 50 professoras. Algumas profissionais concederam mais de um diálogo conosco, neste momento, tivemos a oportunidade de conhecer o conteúdo representacional em formato contextualizado. Os dizeres professorais foram gravados, transcritos e organizados com o auxílio de dois programas computacionais. O software EVOC foi utilizado para processar o material coletado com a técnica de evocações livres, e o software ALCESTE foi usado para processar os textos de campo recolhidos nos momentos de entrevistas. Norteados pelos fundamentos da Teoria das Representações Sociais, da Teoria do Núcleo Central e de conhecimentos das áreas de Formação de Professores e da Linguagem elaboramos nossas compreensões considerando a especificidade de cada organização dos materiais recolhidos. A partir dos resultados, compreendemos que a representação social docente sobre o processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa na escola é constituída por elementos ancorados na valorização social para o uso apropriado da língua na sociedade e por elementos objetivados nas práticas frequentes de leitura em sala de aula. As professoras representam que o princípio fundamental a ser traçado dentro do processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa é o fomento à prática leitura; consequentemente, a prática de leitura norteia outras práticas, como a escrita de textos que seguem as regras ortográficas da língua portuguesa. As professoras recebem diversas influências históricas e sociais para a realização de seus ofícios, como, por exemplo, leis, normas, valores sociais que a família e a sociedade carregam a respeito de como o ensino e a aprendizagem da língua portuguesa deveria ocorrer nas escolas, como, também, são influenciadas pelos valores que atribuem importância para o uso correto da língua portuguesa na sociedade. As inscrições sociais docentes situam-se dentro de uma grande teia de elementos que se inter-relacionam e que produzem efeitos diversos, assim, fomentam formas de ser e agir na profissão de professor/a. Dentro desta rede de elementos, os/as profissionais professores/as constroem seu ofício. Desta maneira, o principal efeito desta sua inscrição social em um espaço múltiplo de meios é exigência para que conheçam todos os elementos contidos na prática educativa e que saibam lidar no plano singular de cada um, como também, no plano plural de relações entre todos os elementos. Palavras-chave: Ensino-aprendizagem. Língua portuguesa. Representações sociais.
ABSTRACT THE TEACHING LEARNING PROCESS OF PORTUGUESE LANGUAGE: SOCIAL REPRESENTATIONS OF TEACHING IN THE EARLY YEARS OF ELEMENTARY EDUCATION This research aims to understand the social representations of teachers who work from 1st to 5th grade of elementary school in the public system in the municipal urban area of the city of Jatai, State of Goias, about the process of teaching and learning Portuguese. The question that guided this project was: What are the social representations of teachers about the process of teaching and learning Portuguese? Over the nearly three years we did 156 different contact to achieve such indications of social representations. First we realized a pilot study to know the notional universe. In this phase we talked with six teachers Trough interview. After that we conducted the second phase of collecting material data, in this moment we talked with 100 teachers. We used the technique of free association to identify the structure of social representation. Finally in the third phase we collected texts in the field, interviewing 50 teachers. Some professionals gave more than one interview to us. In this moment we had the opportunity to know the representational subject in contextualized format. The words from the teachers were recorded, written and organized with the help of two software. The software EVOC was used to process the material collected with the technique of free evocation and the software ALCESTE was used to process the texts collected in the moment of the interview. Guided by the fundamentals of Social representation theory , theory of the central core and knowledge in the formation area of teachers and the language we had done our comprehension considering the specificity in each organization where the material were collected. From the result we understood that the social representation of teachers about the teaching and learning process of Portuguese language in the school is formed by elements anchored in the social valorization for the specific use of language in the society and by elements targeted in the frequent practice of reading in the classroom. The teachers showed that the main principle to be drawn within the process of teaching and learning the Portuguese language is the promotion of reading practice, therefore the reading practice guides to other practice such as writing texts that follow the spelling rules of Portuguese language. The teachers receive many historic and social influences to do their job, like; laws, rules, social values that the family and the society bring due to the way that teaching and learning Portuguese language must happen in the schools and also they have influence by values that give importance to the correct use of Portuguese language in the society. The social enrollment by the teachers are located within a big web of elements that interrelate and make many effects, then start ways of being and do in the teachers occupation. Inside the web of elements, the professional teachers build their job. Then the main effect of this social enrollment in the multiple space of demanding that they know all the elements inside the educational practice and they learn how to deal in singular plane of each individual and also in the plural plans of relationship among all the elements. Keywords: teaching and learning. Portuguese Language. Social representations.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1 Esquema do quadro de quatro casas dos elementos estruturais das
representações sociais .............................................................................................. 53
Ilustração 2 Elementos estruturais das representações sociais das professoras
acerca do ensino da língua portuguesa - mote espontâneo .................................... 125
Ilustração 3 Elementos estruturais das representações sociais das professoras
referentes ao mote indutor aprendizagem da língua portuguesa – mote espontâneo
................................................................................................................................ 125
Ilustração 4 Mapa dos Elementos do ensino da língua portuguesa contidos na
representação social docente, organizado por OME e OMI .................................... 141
Ilustração 5 Mapa dos Elementos da Aprendizagem da língua portuguesa contidos
na representação social docente, organizado por OME e OMI ............................... 142
Ilustração 6 Classificação e intersecção dos dizeres das professoras que trabalham
no 1º e 2º ano do ensino fundamental sobre o processo de ensino-aprendizagem da
língua portuguesa, por porcentagem ....................................................................... 146
Ilustração 7 Classificação e intersecção dos dizeres das professoras que atuam no
3º, 4º e 5º ano do ensino fundamental sobre o processo de ensino-aprendizagem da
língua portuguesa, por porcentagem ....................................................................... 168
Ilustração 8 Pirâmide de relações entre elementos que contribuem para a formação
da representação social docente sobre o processo de ensino-aprendizagem da
língua portuguesa .................................................................................................... 195
Ilustração 9 Relações entre elementos da representação social docente sobre o
processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa ....................................... 196
Ilustração 10 Relação entre as facilidades e as dificuldades do processo de ensino-
aprendizagem da língua portuguesa apresentadas pelas professoras ................... 198
Ilustração 11 Elementos estruturais das representações sociais das professoras
acerca do ensino da língua portuguesa - mote hierarquizado ................................. 226
Ilustração 12 Elementos estruturais das representações sociais das professoras
referentes ao mote indutor aprendizagem da língua portuguesa – mote hierarquizado
................................................................................................................................ 226
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Palavras principais da classe 1 intitulada Dimensão valorativa do processo
de ensino-aprendizagem da língua portuguesa (42%), resultantes dos dizeres das
professoras que atuam no 1º e 2º ano do ensino fundamental, ordenadas por 2 . 149
Tabela 2 Palavras principais da classe 2 intitulada Ensino da língua portuguesa:
práticas, materiais didáticos e conteúdos (20%), resultantes dos dizeres das
professoras que atuam no 1º e 2º ano do ensino fundamental, ordenadas por 2 . 157
Tabela 3 Palavras principais da classe 3 intitulada Dificuldades advindas do
processo e a relação com a família (38%), resultantes dos dizeres das professoras
que atuam no 1º e 2º ano do ensino fundamental, ordenadas por 2 ..................... 162
Tabela 4 Palavras principais da classe 1 intitulada Família: sua importância e a falta
de incentivo aos estudos dos alunos (17%), resultantes dos dizeres das professoras
que atuam no 3º, 4º e 5º ano do ensino fundamental, ordenadas por 2 ................ 171
Tabela 5 Palavras principais da classe 2 intitulada Aprendizagem dos/das alunos/as
(40%), resultantes dos dizeres das professoras que atuam no 3º, 4º e 5º ano do
ensino fundamental, ordenadas por 2 .................................................................... 177
Tabela 6 Palavras principais da classe 3 intitulada Ensino: práticas, materiais
pedagógicos e conteúdos (14%), resultantes dos dizeres das professoras que atuam
no 3º, 4º e 5º ano do ensino fundamental, ciclo, ordenadas por 2 ........................ 181
Tabela 7 Palavras principais da classe 4 intitulada Valor social da língua portuguesa
(20%), resultantes dos dizeres das professoras que atuam no 3º, 4º e 5º ano do
ensino fundamental, ordenadas por 2 .................................................................... 185
Tabela 8 Palavras principais da classe 5 intitulada A prática de leitura e algumas
fontes de informação (9%), resultantes dos dizeres das professoras que atuam no
3º, 4º e 5º ano do ensino fundamental, ordenadas por 2 ....................................... 189
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Informativos censitários: grupo de professoras entrevistadas .................. 46
Quadro 2 Características do sistema central e do sistema periférico de uma
representação ......................................................................................................... 118
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 19
A trajetória percorrida ................................................................................................ 27
CAPÍTULO I METODOLOGIA DA PESQUISA .......................................................... 37
1.1 As vertentes quantitativas e qualitativas da pesquisa ......................................... 37
1.2 O local da pesquisa e o grupo de professoras .................................................... 41
1.3 O estudo piloto e o software ALCESTE............................................................... 49
1.4 As evocações livres e o software EVOC ............................................................. 51
1.5 As últimas entrevistas realizadas ........................................................................ 55
CAPÍTULO II FUNDAMENTOS TEÓRICOS E CONCEITUAIS QUE NORTEARAM
A PESQUISA ............................................................................................................ 58
2.1 O que entendemos sobre formação de professores ........................................... 59
2.2 Elementos constitutivos do processo de ensino-aprendizagem da língua
portuguesa ................................................................................................................ 68
2.2.1 A linguagem entendida como processo de interação e a importância da
mediação entre professor/a e alunos/as dentro da prática educativa ................... 69
2.2.2 O processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa enquanto um
contínuo progressivo de alfabetização .................................................................. 88
2.3 A Teoria das Representações Sociais .............................................................. 101
2.3.1 O conceito do fenômeno representacional ................................................. 109
2.3.2 O princípio de tornar o não-familiar em familiar e os processos formadores
das representações sociais ................................................................................. 112
2.3.3 A Teoria do Núcleo Central das representações sociais ............................ 116
CAPÍTULO III MATERIAIS COLETADOS: COMPREENSÕES POSSÍVEIS ......... 123
3.1 Elementos estruturais das representações sociais de professoras sobre os
processos de ensino e de aprendizagem da língua portuguesa ............................. 123
3.2 representações sociais de professoras sobre o processo de ensino-
aprendizagem da língua portuguesa ....................................................................... 144
Compreensão I - Conjunto de segmentos de textos provenientes das entrevistas
concedidas pelas professoras que atuam no 1º e 2º ano do ensino fundamental
sobre o processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa .......................... 145
18
Classe 1 Dimensão valorativa do processo de ensino-aprendizagem da língua
portuguesa (42%) .................................................................................................... 148
Classe 2 Ensino da língua portuguesa: práticas, materiais didáticos e conteúdos
(20%) ....................................................................................................................... 156
Classe 3 Dificuldades advindas do processo e a relação com a família (38%) ...... 161
Compreensão 2 - Conjunto de segmentos de textos provenientes das entrevistas
concedidas pelas professoras que atuam no 3º, 4º e 5º ano do ensino fundamental
sobre o processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa .......................... 168
Classe 1 Família: sua importância e a falta de incentivo aos estudos dos alunos
(17%) ....................................................................................................................... 169
Classe 2 Aprendizagem dos/das alunos/as (40%) ................................................. 176
Classe 3 Ensino: práticas, materiais pedagógicos e conteúdos (14%) ................... 180
Classe 4 Valor social da língua portuguesa (20%) ................................................. 184
Classe 5 A prática de leitura e algumas fontes de informação (9%) ....................... 187
CAPÍTULO IV INDÍCIOS DE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PROFESSORAS
DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL SOBRE O PROCESSO DE
ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA: SÍNTESE POSSÍVEL . 193
4.1 O processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa na escola é
importante e necessário .......................................................................................... 194
4.2 O/a aluno/a leitor/a é um/a aluno/a escritor/a .................................................... 196
4.3 Facilidades e dificuldades enfrentadas pelas profissionais no processo educativo
................................................................................................................................ 197
4.4 Considerações finais ......................................................................................... 200
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 209
APÊNDICE A - Roteiro de entrevista - estudo piloto – 1ª fase ........................................... 221
APÊNDICE B – Lista de trabalhos sobre a língua portuguesa, localizados no Portal Domínio
Público, com informações da Plataforma Lattes ................................................................ 222
APÊNDICE C – Roteiro para evocações livres – 2ª fase ................................................... 224
APÊNDICE D – Elementos estruturais das representações sociais das professoras sobre o
processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa – motes hierarquizados por ordem
de importância (OMI) ......................................................................................................... 226
APÊNDICE E – Roteiro de entrevista – 3ª fase .................................................................. 227
APÊNDICE F – Informativos censitários das participantes................................................. 228
ANEXO A – Autorização para entrada dos/as pesquisadores/as nas escolas ................... 229
ANEXO B – Aprovação do projeto da pesquisa junto ao Comitê de Ética .......................... 230
19
INTRODUÇÃO
Este relatório de estudo e pesquisa é parte dos requisitos de produções
junto ao Curso de Doutorado em Educação do Programa de Pós-Graduação em
Educação (PPGE), Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), linha de pesquisa
Organização Escolar, Formação e Práticas Pedagógicas, com admissão no ano de
2009. Os estudos realizados se firmaram junto a dois grupos: Grupo de Pesquisa em
Educação e Psicologia (GPEP/PPGE/UFMT) no período de 2009 a 2011 e Grupo de
Estudos e Pesquisas em Política e Formação Docente: educação infantil, fundamental e
superior (GEPForDoc/PPGE/UFMT) desde o ano de 2011 até o ano de 2013.
O presente registro é resultado de uma pesquisa que teve como objetivo
compreender as representações sociais de professoras que trabalham de 1º ao 5º ano
do ensino fundamental do sistema público municipal urbano do município de Jataí,
Estado de Goiás, sobre o processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa. A
presente pesquisa buscou valorizar a profissão docente, que se processa nos primeiros
anos do ensino fundamental, no sentido de conhecer o que dizem estas profissionais
sobre a prática educativa que realizam. Concomitantemente, procurou entendimentos
acerca da prática educativa sob a luz de constructos das áreas de conhecimento
Formação de Professores, Linguagem e da Teoria das Representações Sociais (TRS).
A questão principal que guiou os trabalhos desta pesquisa foi: quais são as
representações sociais docentes sobre o processo de ensino-aprendizagem da língua
portuguesa? As compreensões construídas junto a esta investigação não são
consideradas como um olhar melhor, mas são entendidas como sendo uma visão
diferente daquela elaborada dentro da escola acerca dos fenômenos educativos.
(SACRISTÁN, 1995). A relevância deste estudo assenta-se em mostrar como as
professoras significam seu trabalho; significação esta construída por processos
representacionais elaborados pelo grupo a partir do que sabem sobre ensinar e aprender
a língua portuguesa na escola.
Com o intuito de conhecer outras investigações que apresentam
elementos semelhantes em relação a presente pesquisa realizei algumas buscas
sobre o processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa no banco de teses
e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES); especificamente no portal da rede mundial de computadores – Internet -
20
denominado Domínio Público, considerado como sendo uma biblioteca virtual que
disponibiliza informações e conhecimentos diversos de forma livre. Pesquisas em
outras bibliotecas virtuais não foram realizadas, pois a busca teve caráter
exploratório e não havia o objetivo de ser exaustiva. A última coleta foi realizada no
mês de abril do ano de 2012.
Essa busca de informações foi iniciada a partir da inserção de palavras
descritivas junto ao ambiente virtual dessa biblioteca. O termo Educação foi
introduzido no operador do site denominado Área de conhecimento e as palavras
Língua Portuguesa foram inseridas na caixa de texto intitulada Palavras-chave.
Estas inserções de elementos auxiliaram a filtragem dos resultados. Foram
localizados vinte e nove trabalhos, seus títulos podem ser vistos no Apêndice B.
Entre esses trabalhos, três tratam do ensino da língua portuguesa para
pessoas surdas; outro discute o ensino da língua dentro da História da Educação;
um deles fala do ensino da língua portuguesa no ensino superior; outro destes
discute o ensino da língua portuguesa para os primeiros anos do ensino fundamental
de nove anos. Dois outros trabalhos tratam da temática em formato de discussão
para todos os níveis de ensino e, finalmente, vinte e um trabalhos discutem o ensino
da língua portuguesa nos anos finais do ensino fundamental de nove anos e no
ensino médio, sendo estas etapas da educação básica de responsabilidade dos/as
profissionais licenciados/as em Letras.
A maioria das produções foi elaborada por autores que adquiriram a
graduação em Letras, sendo vinte profissionais. Três são formadas em Pedagogia,
uma em Fonoaudiologia e outra apresentou duas formações: Letras e Pedagogia.
Estas informações foram recolhidas junto aos currículos profissionais publicados por
meio da Plataforma Lattes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq). Espaço este em que três pesquisadores/as não apresentaram
a sua formação em nível de graduação e uma delas não publicou seu currículo na
plataforma. Vinte trabalhos foram produzidos junto a cursos de mestrado e nove de
doutorado. Quatro trabalhos foram defendidos no ano de 2010, dez no ano de 2009,
sete em 2008, cinco em 2007, um em 2006, um em 2005 e um em 2001.
Diante desses materiais, observei que não existem muitos relatórios de
pesquisas entre os anos de 2001 a 2012, disponibilizados nesse site oficial, que
discutem o processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa nos anos iniciais
do ensino fundamental. Identificamos a existência de apenas um, intitulado: O jogo
21
da enunciação em sala de aula e a formação de sujeitos leitores e produtores de
textos; defendido em 2009, como requisito para obtenção do título de Mestre em
Educação.
Essas pesquisas discutem, em sua maioria, o processo educativo
desenvolvido em todas as etapas e níveis de ensino. A partir dessas informações,
identificamos uma carência de publicações de trabalhos, em formato de relatórios de
pesquisa, que apresentam investigações acerca do ensino e da aprendizagem da
língua portuguesa nos primeiros anos do ensino fundamental.
Considero o portal Domínio Público como sendo uma biblioteca virtual
que disponibiliza um banco de dados importante para o fornecimento de
compreensões científicas advindas de muitas instituições do país. Por este motivo, a
constatação da existência de poucas publicações no site de relatórios de pesquisa
sobre o objeto investigativo apresenta indícios de grande necessidade de ampliar
reflexões sobre esta prática educativa.
Nas reuniões anuais da Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação (ANPEd), grupos de trabalho (GT) divididos em diversas
áreas, vem mostrando uma substancial preocupação com este nível educativo,
principalmente aqueles vinculados aos GT intitulados Alfabetização, Leitura e
Escrita; Formação de Professores e Educação Fundamental. Outros numerosos
estudos foram realizados para compreender diversos problemas advindos do ensino da
língua na escola (GERALDI, 1996; BAGNO, 2002; SOARES, 2008a, IRELAND, 2007,
MONTEIRO et al, 2007; MONTEIRO, SILVA, 2010; ZUIN, P. B.; REYES, C. R, 2010,
etc.); cada um buscando uma dimensão específica para alcançar uma possível
interpretação das dificuldades, alavancando melhorias.
Juntei-me a esses esforços no sentido de valorizar a prática professoral,
que ocorre nos primeiros anos do ensino fundamental, a partir da construção de um
objeto de pesquisa que contemplasse a maioria dos elementos contidos no processo
educativo da língua portuguesa na escola. Portanto, o norte construído foi localizar e
compreender as representações sociais de professoras sobre toda a prática educativa
acerca da língua portuguesa na escola, partindo de um possível aspecto geral deste
processo para, posteriormente, identificar elementos específicos contidos nele, como,
por exemplo, a leitura, a escrita, a alfabetização, o letramento, entre outros, como
também localizar elementos que não compareceram nas representações sociais
docentes, considerando a literatura especializada sobre o tema.
22
Para nortear essa procura, os trabalhos foram fundamentados pelos
preceitos da Teoria das Representações Sociais (TRS), elaborada na França pelo
psicólogo social Serge Moscovici. Para este pesquisador, as representações sociais
manifestam-se na qualidade de sistemas de interpretação sobre objetos da realidade
que regem a relação das pessoas com o mundo e com os outros, em que orientam e
organizam as condutas e as comunicações sociais. Os estudos em representações
sociais apresentam uma importância no sentido de revelarem as negociações que os
sujeitos estabelecem em relação aos outros para que possam significar a vida ao seu
envolto, sendo um fenômeno importante da realidade social.
As formações imaginárias, implícitas ou explicitas nas linguagens,
direcionam as práticas das pessoas, como, por exemplo, as representações sociais do
que seja ser aluno/a, do que seja ser professor, do que seja ser o ensino da língua,
norteiam comportamentos, justificam práticas, produzem conhecimentos e formam
identidades. Além disto, para Smolka (1988) os papéis dos sujeitos que participam do
processo educativo se fundem; todos juntos constituem um processo discursivo para um
objetivo comum.
Os/as professores/as da primeira fase do ensino fundamental, sendo
profissionais que possuem um conjunto de saberes, dentre eles os saberes científicos,
ao mesmo tempo, buscam assimilá-los no movimento de inserção destes na realidade
de sala de aula, são profissionais que procuram lidar com a prática educativa, nela,
produzem significados e modos de pensar e agir em ofício, mediante interações
estabelecidas entre outros atores sociais. Este reconhecimento em relação ao/a
professor/a, enquanto um sujeito que também se forma profissional na prática educativa,
foi inspirado perante as reflexões do filósofo e sociólogo canadense Maurice Tardif
(2000, 2002). Para ele, os/as professores/as são sujeitos do conhecimento, são
produtores de saberes em seu ofício, são profissionais competentes na elaboração de
proposições sobre o saber, saber-fazer e saber-ser no ambiente escolar.
Em uma palestra no ano de 2000, no X Encontro Nacional de Didática e
Prática de Ensino (ENDIPE), realizada na Universidade do Rio de Janeiro, Tardif já
apontava que essa reflexão se fazia presente na produção acadêmica da área
educacional norte-americana e anglo-saxônica desde a década de 80, na Europa na
década de 90 e começou a ser pesquisada no Brasil depois deste período. Este
movimento reflexivo já ganhou espaço em muitos cursos de formação de professores.
23
Nesse percurso de discernimento sobre o ofício do/a professor/a,
considero a significação de saber, unida ao conceito apresentado por Tardif (2000), que
compreende os saberes, as competências, as habilidades e as atitudes dos/as
professores/as em um sentido que engloba o chamado saber, saber-fazer e saber-ser.
Para o pesquisador não apenas os saberes advindos da formação universitária norteiam
as práticas professorais, como também os saberes “[...] laborados, incorporados no
processo de trabalho docente, que só têm sentido em relação às situações de trabalho e
que é nessas situações que são construídos, modelados e utilizados de maneira
significativa pelos trabalhadores”. (TARDIF, 2000, p. 11).
Apresentarei alguns possíveis indícios de representações sociais, sob a
aparência de saberes compartilhados, que são construídos nas práticas educativas de
professoras1 da primeira fase do ensino fundamental frente ao processo de ensino-
aprendizagem da língua portuguesa. Mostrarei os elementos mais consensuais, aqueles
ditos com maior frequência e com maior grau de importância para as professoras sobre
o processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa, aspectos importantes que
destacam os saberes compartilhados pelo grupo sobre essa prática educativa.
Estou falando da prática educativa em um sentido amplo, não apenas
considerando o aspecto didático e de ações restritas de responsabilidade dos/as
professores/as. Ensinar e aprender são práticas sociais, pois são concretizadas nas
interações entre professores/as, alunos/as e outros sujeitos sociais, espelhando e
influenciando culturas e os contextos em que todos estão inseridos. Com as
contribuições de Sacristán (1995), considero que o processo de ensino-aprendizagem
da língua portuguesa está submerso em contextos variados, em práticas aninhadas
umas entre outras. Para o pesquisador, existe um sistema que rege a prática educativa,
cada parte que o compõe afeta a ação do/a professor/a.
Segundo Sacristán (1995, p. 69), “Existe uma prática educativa e de
ensino, em sentido antropológico, anterior e paralela à escolaridade própria de uma
determinada sociedade ou cultura”. Para o autor, as engenhosidades de ensinar e de
aprender estão marcadas pela historicidade dos sujeitos e não são restritas ao ofício
professoral. Desta maneira, os/as professores/as estão inseridos/as em um mundo
cultural, lugar em que existem diversos norteamentos para a apresentação de conteúdos
e aplicação de métodos educativos, portanto, sua profissão deve ser entendida enquanto
1 Obtivemos contribuições de apenas um professor do sexo masculino, por este motivo, escolhemos
chamar todo o grupo de professoras.
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um constituinte alicerçado em costumes, valores, atitudes, saberes e crenças,
socialmente partilhados.
Conforme Sacristán (1995), nesse ambiente cultural as práticas escolares
são desenvolvidas considerando três dimensões: a primeira trata sobre o funcionamento
do sistema escolar; a segunda, da organização específica de cada escola; e a terceira,
sobre o contexto imediato às práticas educativas e didáticas no interior das salas de
aula. Desta forma, as determinações do sistema escolar, as normas coletivas adotadas
por outros/as professores/as e as regulamentações organizacionais regem as decisões
individuais dos/as professores/as para a realização da prática profissional.
Além dessas diversidades, Sacristán (1995) fala da existência de práticas
concorrentes, aquelas que podem ocorrer fora do sistema escolar, que exercem grande
influência sobre o mesmo. Como exemplos deste princípio, estão o desenvolvimento
curricular realizado pela administração educativa; as editorações de manuais escolares e
da própria política educativa, que podem servir como sugestões ou imposições de
práticas, tantas quantas forem as possibilidades de reflexão ou de contestação dos/as
professores/as. Portanto, posso dizer que os/as professores/as detêm uma autonomia
relativa, pois são dependentes de diretrizes político-administrativas reguladoras do
sistema educativo, da escola e da própria prática didática, de responsabilidade imediata
dos/as professores/as.
Dentro dessas práticas aninhadas que ocorrem o processo de ensino-
aprendizagem da língua portuguesa que, também, este necessita ser direcionado por
objetivos aninhados. Partindo desses princípios, compreendi que não podemos pensar a
leitura separada da escrita, o dizer sem o ouvir, o/a professor/a longe do/a aluno/a, a
alfabetização sem o letramento, o ensino sem a aprendizagem e, principalmente, pensar
o processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa em formato compartimentado,
contendo início, meio e fim. Portanto, compreendo o ensino e a aprendizagem da língua
portuguesa na escola enquanto universo formativo que apresenta objetivo geral, capaz
de produzir sentidos, significados, conhecimentos sobre o mundo físico e social a partir
das práticas de ler, escrever, ouvir, falar, ou seja, produzir a interdiscursividade entre
pessoas, objetos, saberes, representações sociais, etc. Não compreendo todos esses
elementos separados, todos formam uma unidade. Sei que existem práticas educativas
específicas para a obtenção de determinados objetivos da aprendizagem, mas as
especificidades não podem fomentar um entendimento segmentado.
25
Este presente trabalho foi estruturado em quatro capítulos. No Capítulo I,
foram apresentados os procedimentos metodológicos utilizados no estudo. A pesquisa
passou por várias etapas, idas e vindas de organizações diversas; estudo piloto e
coletas variadas foram fomentados. Esta diferença de definições metodológicas
estruturou este capítulo em cinco partes. A primeira divisão apresenta alguns
fundamentos teóricos-metodológicos que situaram a presente pesquisa dentro dos
estudos quantitativos e qualitativos. A segunda parte mostrou elementos censitários que
apontaram um possível perfil do grupo de professoras participantes desta investigação.
Na terceira parte foi elaborado um pequeno resumo do estudo piloto que permitiu
conhecer o universo nocional contido nos dizeres das professoras. Na quarta divisão
foram apresentadas as técnicas de recolha e de processamento dos materiais recolhidos
na segunda fase da pesquisa e, finalmente, na última parte, foram mostrados os
procedimentos tomados na terceira fase da pesquisa.
No Capítulo II, intitulado Conhecimentos que nortearam a pesquisa, foram
apresentadas contribuições teóricas e conceituais que serviram como referências para
todas as etapas desta investigação. Todo o trabalho foi norteado por uma compreensão
de formação de professores como desenvolvimento profissional; esta sendo uma
(auto)construção interlocutiva que evolui ao longo da vida e da carreira professoral,
configurada por um universo complexo de histórias, conhecimentos, valores,
crenças, normatizações políticas, sociais, etc. (MARCELO, 2009a).
No Capítulo III, chamado Materiais coletados: compreensões possíveis,
foram construídas apresentações e compreensões concernentes aos materiais
recolhidos no campo de pesquisa, advindas das falas docentes proferidas na
oportunidade dos contatos realizados. Conforme Pimenta (2011), as investigações que
dão voz aos/as professores/as têm se apresentado férteis no desenvolvimento de
processos formativos, principalmente na vertente que compreende a importância do
protagonismo dos sujeitos/professores na sua própria formação a partir de suas
inserções nas práticas escolares.
A formação profissional dos professores se alimenta de cursos
especializados ofertados por faculdades e universidades e ela necessita ser fomentada
continuamente. De outro lado, a formação destes profissionais também é abastecida
pela própria prática educativa que transcorre dentro das escolas. Além disto, as
necessidades formativas surgem a partir do local de trabalho do profissional, pautadas
em suas vivências cotidianas, em que, conforme Di Giorgi (2011) a escola passa por
26
mudanças radicais em virtude das mudanças ocorridas nas populações que a
frequentam, refletindo as tensões coletivas da vida moderna.
No Capítulo IV, foi apresentada uma síntese de todo o entendimento
construído na pesquisa, com o objetivo de abrir uma compreensão relacional de tudo
que foi discutido no trabalho, possibilitando novas entradas no devenir reflexivo
sobre o ensinar e o aprender a língua portuguesa na primeira fase do ensino
fundamental de nove anos.
Nesta introdução do trabalho e antes de iniciar os capítulos, foi construído
um mergulho formativo de reflexão acerca do processo de desenvolvimento pessoal e
profissional da pesquisadora, fazendo uma relação com os estudos e pesquisas
realizados na presente investigação. Oportunidade esta de compreensão sobre várias
dimensões que envolvem o processo de desenvolvimento investigativo. “Nós não
somos pesquisadores objetivos. Somos pesquisadores relacionais, atentos à
subjetividade, aos espaços embutidos, relacionais nos quais vidas são vividas. Não
nos postamos metaforicamente do lado de fora, mas somos parte do fenômeno em
estudo”. (CLANDININ, 2010, p. 2-3).
A ideia sobre as multiplicidades de saberes e de outras práticas que
envolvem a profissão de professor/a e que contribuem para o seu desenvolvimento
profissional me fez imergir nas minhas próprias lembranças de vida, de formação escolar
e acadêmica. Este rememorar possibilitou uma reflexão formativa no sentido de
compreender a relação entre as escolhas estabelecidas ao longo da minha vida e os
delineamentos da presente pesquisa.
Muitos trabalhos científicos empenham-se no uso teórico-metodológico
(auto)biográfico para contribuir com reflexões formativas de muitos/as professores/as
acerca de suas jornadas profissionais, que tomam como objeto de estudo as narrativas
biográficas e autobiográficas em suas distintas manifestações individuais, coletivas,
culturais e interculturais. Estes contribuem para a ampliação da compreensão dos
referenciais epistemológicos e metodológicos da pesquisa (auto)biográfica em suas
articulações com a formação, entre outras áreas.
O GEPForDoc/PPGE/UFMT está entre esses grupos de pesquisa que
trabalham com narrativas de professores/as e que fomentam a importância de diálogos e
de trocas entre pesquisadores/as e professores/as para uma possível construção
reflexiva sobre a trajetória professoral, assim, formativa. A inserção neste grupo me
ajudou, entre tantas outras contribuições, a entender a importância de saber de si, de
27
compreender a própria formação. Após esta oportunidade, decidi começar este trabalho
falando da relação entre o meu “Eu” e a pesquisa realizada. Esta escolha não trata
autopromoção, mas é uma forma de registrar a importância da compreensão de si na
profissão docente, como também, é uma oportunidade de simbolizar meus sinceros
agradecimentos ao GEPForDoc/PPGE/UFMT que me concedeu este e outros
importantes entendimentos formativos.
Para um melhor entendimento desse princípio, propus mergulhar em uma
(auto)compreensão profissional, relembrando algumas das minhas experiências
vivenciais. Antes de saber sobre o dinamismo da formação de outros/as professores/as,
precisei refletir sobre a minha própria trajetória percorrida. Portanto, compreendi que os
processos formativos de nós professores/as dependem da nossa própria vontade, das
nossas características pessoais e do contexto social que fazemos parte, onde a
formação acontece ao longo de toda a carreira e de toda a vida da pessoa/professor/a.
Os/as professores/as são sujeitos adultos que aprendem e se inserem em
processos formativos que são constituídos por implicações de natureza fisiológica,
cognitiva, pessoal e moral. Quando falo desse longo processo formativo, incluo o
aprendizado que ocorre pela observação, desde o momento que o/a futuro/a professor/a
se insere no ambiente escolar ainda como aluno/a da educação básica, pois considero
que as experiências passadas, desde a infância até a fase adulta, contribuem para a
compreensão do que seja ser professor/a.
A trajetória percorrida
Antigamente eu pensava que o posicionamento pessoal poderia influenciar
os dados de uma pesquisa; consequentemente, isso afetaria o trabalho por um viés não
planejado e não objetivado. Atualmente, reflito que elaborar compreensões sobre o ‘Eu’
promove oportunidades de melhores entendimentos acerca das influências que
contribuem para o desenvolvimento profissional das pessoas. Desta maneira, apresento,
neste item, uma narrativa, de cunho formativo, em que relembrei algumas das minhas
experiências vivenciais. Momento oportuno de entrega, cientificamente falando, em uma
possível apresentação de relações do que ‘Eu’ sou e do que me propus estudar e
pesquisar para a realização deste trabalho sobre ‘Outros’.
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Iniciar uma pesquisa é uma ação firmada em um determinado marco
temporal, mas não significa que ela não tenha sido idealizada ou sublevada em tempos
bem anteriores em relação ao que oficialmente foi registrado. Minha preocupação com a
língua portuguesa, com o nosso português de cada dia, me acompanhou desde a
infância. Isto originou quando eu comecei a perceber as diferenças de dialeto existentes
dentro da escola. Na cidade de Jataí, Estado de Goiás, inserida na primeira fase do
ensino fundamental de uma escola pública, nos meus dez anos de idade, eu pensava
que as pessoas apenas falavam de forma diferente em relação aos meus dizeres,
principalmente as professoras que seguiam os princípios religiosos da Igreja Católica,
enquanto freiras. Elas vinham de diversas regiões do país para lecionarem nesta escola
pública da cidade que tinha convênio com a igreja e nos presenteavam com uma
variedade de expressões e palavras que naquela época eram novas em relação ao meu
vocabulário.
Filha de família pobre, revelação constatada na adolescência -
descendente de pais com formação de nível médio, conquistaram depois que me
graduei - cresci ouvindo as minhas professoras dizendo que eu falava e escrevia errado.
Minha família proferia que eu era uma criança dedicada aos estudos, inteligente, mas
mesmo assim, eu percebia que algo estava errado. Sempre fiz as tarefas de Para Casa,
lia os textos indicados pelas professoras, mas ainda pensava que faltava algo. Mas, o
quê?
Percorri toda a educação infantil, ensino fundamental, médio e superior no
sistema de ensino de oferta pública; sem ele eu não teria caminhado até aqui, neste
também curso de pós-graduação público. O pouco dinheiro que tínhamos não
possibilitou o meu ingresso em instituições que cobram mensalidades, algo que trazia
status e prestígio entre as crianças, jovens e adultos. Mas foi um fato que não me enviou
energia ruim, pois considerava, e ainda considero, que o meu processo educativo foi a
minha única oportunidade.
Passei com boas notas pelo ensino fundamental em uma escola pública
do sistema estadual que tinha convênio com a antiga Escola Técnica Federal de Goiás
(ETFG), excetuando língua portuguesa, naquela época denominada de Comunicação e
Expressão, na qual eu tirava as menores notas, se comparadas com as demais
disciplinas.
Após concluir o ensino fundamental, no período entre os meus 14 até os
19 anos de idade, trabalhei no serviço privado, executando cargos diversos, tais como
29
auxiliar odontológica, secretária de vendas, telefonista e vendedora de móveis. Foram
momentos importantes de inserção no mercado de trabalho, fui começando a me sentir
trabalhadora.
Em casa, minha mãe falava e orientava que as filhas dela não iriam lavar
roupas para fora, ou seja, ela não queria nos ver ocupando o cargo de lavadeira de
roupas de outras pessoas. Na escola, a maioria dos/as meus/minhas professores/as
também falava que eu tinha que estudar para conseguir um emprego adequado, ser
alguém na vida. Eu me sentia feliz, pois acreditava que eu estava no caminho certo, já
tinha emprego e não era de lavadeira. Muitos momentos de inocência.
Nesse mesmo percurso, eu só sonhava em ganhar dinheiro rápido, sem
precisar para isto concluir um curso universitário. Eu só pensava em adquirir
conhecimentos que me levariam para uma ascensão profissional. Este objetivo me fez
obter a Carteira de Identidade Profissional nº 7547, junto ao Conselho Regional de
Engenharia e Agronomia de Goiás (CREA-GO), com o Título Profissional denominado
de Técnica Industrial em Edificações, após concluir em quatro anos o ensino médio e
técnico de Edificações na antiga ETFG, unidade de Jataí/GO.
Como muitas empresas não contratavam mulheres para atuar nessa área
no município, me direcionei para o vestibular em Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de Brasília (UnB); passei na prova de desenho técnico, mas fui eliminada
na prova objetiva. Neste instante tomei ciência da minha incompletude, não ser
selecionada e não ter maturidade acerca do dinamismo social, muitas vezes de
movimentos de exclusão, me fez sentir impotente. Percebi que não poderia andar em
determinados espaços acadêmicos, pois a porta não se abriria tão fácil assim. A minha
inocência começou a diminuir. Compreendi que a formação escolar que recebi tinha
caráter homogêneo para pessoas diferentes. A escola comum para todos não evita a
classificação e seletividade quase mecânica da origem social dos/as alunos/as. (PÉREZ
GÓMEZ, SACRISTÁN, 1998).
Minha segunda opção foi o curso de Pedagogia, por incentivo familiar. A
prova de redação me ajudou a ser ranqueada em quarto lugar na lista de setenta
candidatos/as selecionados/as. Cursei Pedagogia em meio a avaliações que atribuíram
notas de valor 9,0 para meu desempenho em Biologia Educacional; 9,5 para a matéria
acadêmica de Didática e Prática do Ensino, entre outras, e 6,7 para a Língua
Portuguesa. Já estava na hora de saber o que estava acontecendo.
30
Já ingressante no curso, aos 20 anos iniciei a minha jornada de trabalho
no serviço público. Trabalhei quatro anos enquanto Técnica Industrial em Edificações
junto a Secretaria de Obras e Urbanismo do município de Jataí/Goiás, pelo período
diurno e no noturno estudava na universidade. O regime de trabalho era efetivo após
concurso público; sem tal seleção, era difícil a inserção das mulheres nesta área. Foi
uma jornada de imersão em duas áreas muito diferentes. Algumas pessoas pensavam
que isto seria muito ruim para a minha formação acadêmica, mas agora vejo que os
programas computacionais que auxiliam os processamentos de materiais textuais
recolhidos junto à área educacional não me assustam por causa dos aprendizados que
tive no ensino técnico.
Momentos de correções ortográficas e gramaticais por parte de algumas
professoras do Curso de Pedagogia e outros de reflexões teóricas me oportunizaram
tomar consciência da verdadeira diferença do meu “Eu” em relação a outras pessoas. Eu
não tinha apropriado adequadamente as habilidades de escrever e de falar a língua
portuguesa, mesmo sendo uma pessoa dedicada aos estudos e com uma razoável
habilidade para leitura e interpretação. Eu sabia ler oral e mentalmente com
competência, individual e coletivamente, sabia interpretar e desenvolver redações de
forma criativa, mas não sabia escrever sem erros ortográficos e falar sem erros fonéticos
e fonológicos. Confesso que, atualmente, tenho o dicionário Aurélio instalado no meu
computador que me ajuda muito, mas, ainda convivo em meio a dúvidas sobre a língua
portuguesa.
Depois que essa constatação começou a me incomodar, iniciei um
processo de superações das minhas dificuldades. Parti para outra direção, encarei
minha diferença de frente e continuei meu processo formativo. No mesmo ano em que
colei grau, com uma habilidade de escrever um pouco melhor da anterior, entrei no curso
de Mestrado em Educação junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação
(PPGE), Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), cidade de Cuiabá, junto ao
Grupo de Pesquisa em Educação e Psicologia (GPEP); coordenado pela Professora
Doutora Eugênia Coelho Paredes. Estudei em regime de dedicação exclusiva para os
estudos e para a pesquisa.
Nesse ambiente de intensos estudos e discussões, fiquei encantada com o
rol de conhecimentos proferidos pelos/as professores/as e alunos/as do curso,
especialmente aos verificados e adquiridos no convívio com a orientadora. Encontrei
solo fértil para iniciar a caminhada de tomada de consciência que propus percorrer. Com
31
respeito aos critérios científicos, fui compreendendo o fenômeno de relações entre os
diversos saberes que nos cercam, processos de partilhas e de interações que nos fazem
ser o que somos, trazendo a marca do social na nossa categoria singular, em que a
identidade do sujeito e o social são indissociáveis.
Nessa caminhada, tive a oportunidade de fazer estágio de docência aos
24 anos, como aluna, bolsista pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato
Grosso (FAPEMAT), dentro do curso de Graduação em Artes, Habilitação em Música da
UFMT/Cuiabá, colaborando um ano e meio com a matéria acadêmica de Psicologia da
Educação.
Foram tantas aprendizagens, comecei a perceber que aquela criança-
Rosely não estava errada: todo o entendimento interpretativo e criativo que possuía era
proveitoso e fecundo. O contexto em que nasci e estou a desenvolver-me contribuiu na
formação da minha identidade e dos conhecimentos advindos de fenômenos
representacionais, tanto individuais quanto sociais. Foram muitos os entendimentos que
saboreei, várias aberturas maturacionais começaram a entrar na minha cognição, me
fazendo buscar outras respostas.
Após concluir o curso de mestrado, tomei ciência que era necessário a
minha inserção efetiva nos espaços educativos, para que eu pudesse entender um
pouco mais os processos que são dinamizados nestes ambientes de aprendizagens;
assim, começar a trabalhar junto à área que me graduei. Foi neste momento que iniciei
minha jornada de trabalho nas instituições de ensino.
Depois de concluso o mestrado, aos 26 anos de vida, iniciei um longo
processo de candidaturas em concursos públicos. Passei para o cargo efetivo de
professora das séries iniciais do ensino fundamental de nove anos da Secretaria
Estadual de Educação de Goiás, com lotação na cidade de Jataí, oportunidade esta pela
qual exerci por um ano a função. Concomitantemente, passei para o cargo de professora
temporária para ministrar a matéria acadêmica de Metodologia Científica junto ao curso
de Alimentos da Universidade Estadual de Goiás (UEG), campus Jataí, período de
trabalho de um ano. Junto a esses esforços, com 27 anos, passei para o cargo efetivo
de Técnica em Assuntos Educacionais da UFG/CAJ, no qual permaneci dois anos na
função. Exercer três cargos distintos ao mesmo tempo, fazendo os agendamentos
apropriados ao longo do dia, foi muito complicado; por isto, acabei pedindo exoneração
da função no sistema estadual, término de contrato junto a UEG e fiquei apenas com a
função de técnica, por questões salariais.
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Essa escolha me angustiou, pois, em frente ao espelho eu me via
professora, entretanto, ocupando um cargo técnico. Mesmo atuando dentro da
Assessoria de Graduação/UFG/CAJ, já desenvolvendo projetos e ações de assistência
acadêmica aos/as alunos/as, ainda faltava algo. Depois de entender um pouco sobre o
mundo dialético em que vivemos, da dinâmica que nos envolve; das imposições sociais
que passamos, das opressões que sofremos, eu sabia que precisava construir a minha
autonomia diante disto tudo e, por isso, segui, com esperança, um novo caminho rumo à
docência.
Sucessivamente, passei para me firmar em regime efetivo como
professora de diversas matérias do Centro Federal de Educação Tecnológica de
Urutaí/Goiás. Como pensei que as matérias de Sociologia Rural, Legislação de
Informática, Sociologia e Extensão Rural, entre outras, não poderiam ser ministradas
sem as devida especializações, pedi exoneração do cargo. Escolhi, neste momento,
buscar uma docência condizente com os princípios formativos que construí.
Nessa ocasião, avaliei que a minha caminhada ainda estava no início, pois
as dúvidas sobre a escola, a universidade, os processos sociais só aumentavam. Quase
angústias em face de necessidade de resposta, de outras possibilidades que os
conhecimentos rasos sobre as perguntas constantes que se sucediam. Foi neste
período, no ano de 2008, que fiquei sabendo da abertura do edital para ingresso na
primeira turma do curso de Doutorado em Educação, do Programa de Pós-Graduação
em Educação (PPGE) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), processo em
que fui selecionada para ingresso no ano de 2009, novamente junto ao Grupo de
Pesquisa em Educação e Psicologia (GPEP/UFMT), coordenado pela Professora
Doutora Eugênia Paredes.
Nesse mesmo ano, fui convocada para tomar posse em um concurso para
professora assistente em regime de trabalho efetivo junto ao curso de
Pedagogia/UFG/CAJ. Esta seleção foi realizada no início do ano de 2008, mas a
convocação se deu em 2009. Percorri idas e vindas semanais para cursar as matérias
do doutorado/UFMT/Cuiabá-MT, em regime presencial, por dois anos, e,
simultaneamente, exercer a função de professora na UFG/CAJ.
Nessa trajetória, eu continuava em busca por compreensões acerca dos
processos que cercam o ensinar e o aprender a língua portuguesa na escola. Eu fiquei
focada e até meio cabeça-dura - aqueles que me conhecem irão entender perfeitamente
o que digo - para me trazer saciedade em relação a tantas questões que me envolviam e
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eu nem conseguia ordená-las de forma compreensiva para mim mesma. Eu precisava
muito estudar o objeto desta pesquisa, ele fazia e faz parte de mim.
Uma mestranda do GPEP/UFMT, chamada Lúcia Shiguemi Izawa
Kawahara, de descendência japonesa, realizou um belo estudo transgeracional dentro
de uma Escola de Língua Japonesa (ELJ), em Cuiabá, segundo as representações
sociais de membros da colônia nipônica. Esta pesquisadora, conhecedora do idioma
japonês, na qualidade de nikkei2, pode ouvir e organizar os discursos, principalmente de
sujeitos mais idosos, que jamais dominaram o idioma português, buscando “[...] espelhar
experiências que, embora não tenham sido partilhadas na integralidade, ao longo de um
extenso tempo histórico, revelam aspectos essenciais do espaço de convivência comum
a todos os entrevistados”. (KAWAHARA, 2007, p. 15). Para tanto, o trabalho traçou
como objetivo conhecer o conteúdo das representações sociais existentes entre os
membros da colônia acerca das funções da ELJ de Cuiabá.
Esse estudo mostrou que a ELJ permite a manutenção da cultura
japonesa e dos laços ainda prezados por alguns nikkeis, diferente das outras escolas de
línguas. “É possível apontar que a identidade social da colônia japonesa, enquanto
percebida através dos membros deste grupo reflexivo, é proporcionada pela noção de
uma cultura comum, que desenha as teias através das quais eles se relacionam e se
reconhecem”. (KAWAHARA, 2007, p. 193).
Vocês devem estar se perguntando: como este belo trabalho vinculado à
língua japonesa se relaciona com esse emaranhado de angústias pessoais sobre a
língua portuguesa? Estar inserido em uma escola de língua japonesa é se (re)fazer e se
manter japonês, mesmo longe do Japão, em meio a culturas entre outras dentro do
Brasil. Observa-se que a língua japonesa fomenta o reconhecimento dos sujeitos dentro
dos grupos que se fazem pertencer. De outro lado, estar situado em uma escola que
disponibiliza a aprendizagem da língua portuguesa no Brasil é também estar entre
culturas que trazem interlocuções de reconhecimento ou distanciamento entre os grupos
de sujeitos.
As crianças e os/as professores/as querem se reconhecer no convívio
escolar, todavia, o que percebi ao longo do meu processo formativo foi a negação de um
reconhecimento em meio ao outro; ou mesmo de superioridade, pois ninguém quer se
2 Conforme Kawahara (2007, p. 12), comunidade nikkei, “São as pessoas que deixaram a sua terra
natal para tentar a sorte em um país estrangeiro e passaram por experiências que não podem ser perdidas.
34
reconhecer na fala considerada errada do outro, ninguém quer falar que cometeu os
mesmos erros ortográficos em relação à escrita do outro. Sendo diferentes do grupo
nikkei, as pessoas que convivem nas escolas públicas do Brasil se distanciam entre si
quando o uso da língua culta é exigido. Mesmo se reconhecendo como sujeitos
integrantes de grupos dentro das escolas muitos professores/as e alunos/as exercem
um grande esforço de não reconhecimento linguístico aos falantes. Poucas pessoas
querem ser: Nois é jeca mais é jóia3! Mesmo estando contido nesta cultura. Existem
muitas culturas brasileiras que são negadas pelo próprio grupo, em meio a outras.
Buscando conhecer esse e outros exemplos de caminhos investigativos
construídos por outros pesquisadores, compreendi que a pesquisa que me propus
realizar tinha um potencial para além das minhas angústias. Eu não iria investigar algo
para mim mesma, mas sobre uma teia de relações sociais em que eu vivia presa, esta
produzida por várias pessoas. Então, comecei a assumir meus erros ortográficos e
teóricos e não queria mais escondê-los ou superá-los; entendê-los e, assim, caminhar
para outras possibilidades. “Para transformar, é preciso ter consciência e compreensão
das dimensões que se entrecruzam na prática dentro da qual nos movemos”.
(SACRISTÁN; PÉREZ GÓMEZ, 2000, p. 10).
No dia treze de abril de 2011, a Professora Eugênia Paredes sugeriu que
eu buscasse abrigo junto a outro grupo de pesquisa, sob a orientação de colega
igualmente credenciado no PPGE/UFMT. Depois de alguns dias, ela encerrou
definitivamente as suas atividades junto ao GPEP/PPGE/UFMT. Naquela ocasião, o
Professor Doutor Carlo Ralph De Musis solicitou, e lhe foi concedida, a possibilidade de
continuar orientando a pesquisa que me propus realizar. Além dos momentos de
orientação promovidos pelo Professor Carlo De Musis em plataformas virtuais – entre
tantas especialidades, a intimidade com a tecnologia - acompanhou todo o processo de
uma possível inserção minha em outro grupo de pesquisa. Aproveito este relato para
apresentar meus sinceros agradecimentos ao Professor Carlo De Musis, que guiou todo
o meu percurso investigativo, ajudando com os estudos e a pesquisa.
No dia 22 de maio de 2011, Luísa Maria Teixeira Silva Santos, secretária
no PPGE/UFMT, me informou por telefone que o colegiado do PPGE/UFMT encontrou
no meu caso razões para acolher a minha pesquisa junto ao Grupo de Estudos e
Pesquisas em Política e Formação Docente: educação infantil, fundamental e superior
3 Letra de música do compositor Juraildes da Cruz, que conferiu ao artista o Prêmio Sharp em 1997,
atual Prêmio da Música Brasileira.
35
(GEPForDoc), coordenado pela Professora Doutora Filomena Maria de Arruda Monteiro,
minha nova orientadora. A continuação do caminhar estava garantida.
No dia 24 de maio de 2011, comecei, oficialmente, minha nova jornada de
estudos e pesquisa, em um conversa de orientação com a Professora Filomena
Monteiro. Momento único de adoção intelectual. Ela me recebeu com todo cuidado de
alguém que se preocupa com os processos formativos de desenvolvimento profissional
de professores/as. Digo mais, ela se preocupa com o lado humano das pessoas. Após
concessão de boas vindas, permitiu que eu continuasse com o mesmo objeto de
pesquisa e exatamente com as reflexões teóricas que havia construído, mesmo não
sendo coerentes com a linha de estudos e pesquisas elaboradas pelo seu grupo.
Agradeço e muito por esta generosidade. Neste encontro, ela me indicou referências
bibliográficas e apresentou orientações fundamentais, assim, tive mais uma
oportunidade de mudar meus pensares, principalmente sobre o tema formação de
professores.
Considerando a data de depósito do relatório desta pesquisa para a
qualificação, eu teria, nesse momento, exatamente um ano e um mês de reestruturação
dos trabalhos. Depois de percorrer, aproximadamente, cinco anos de estudos em uma
mesma linha de pesquisa, avaliei que um ano e um mês era pouco tempo para que eu
pudesse amadurecer compreensões acerca do que pensam os/as pesquisadores/as no
novo grupo. Entretanto, era o tempo CAPES4 que eu tinha. Aproveito o
desencadeamento destas ideias para apresentar meus imensos agradecimentos a
Professora Filomena Monteiro e ao GEPForDoc. Com harmonia e companheirismo,
estes profissionais auxiliaram o desenvolvimento desta pesquisa ao longo deste precioso
tempo dedicado a emoldurar as ideias, os pensares, de modo a consolidar em objeto
próprio de uma tese.
Andando em tantos espaços diferentes, caminhando para novos
entendimentos sobre diversos assuntos educativos, ainda estava ali, no âmago das
minhas preocupações, a dúvida sobre o ensino e a aprendizagem da língua portuguesa.
Mas, agora em formato ampliado, outras dúvidas surgem: como ocorrem os processos
representacionais que nos permitem conhecer mediante o uso da língua portuguesa a
realidade circundante? Como apreendemos socialmente os saberes referentes à língua
portuguesa? Como solucionar as dificuldades dos/as alunos/as encontradas em práticas
4 Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
36
de escrita e de oralidade? Há, explicitamente, discursos e representações sociais de
professores/as sobre a língua portuguesa que apresentam a existência do outro e dos
processos interativos dentro das práticas educativas? Os/as professores/as apresentam
dizeres e representações sociais sobre o processo de ensino-aprendizagem da língua
portuguesa contendo conteúdos da prática em si ou acerca de outros processos, como a
partilha de conhecimentos? Existem reconhecimentos linguísticos, ou a falta deles, neste
convívio escolar? Claro que fiquei perdida em tantas dúvidas, por isto, precisei organizar
tais questionamentos e, assim, iniciei a construção do objeto de pesquisa. No próximo
capítulo poderão ser vistas as principais definições metodológicas delineadas nesta
investigação.
37
CAPÍTULO I METODOLOGIA DA PESQUISA
Neste capítulo, que apresenta os principais caminhos percorridos na
pesquisa, com o intuito de valorizar as várias autorias aqui contidas em meio a inúmeras
colaborações, modifico o sujeito dos termos das orações e abro a redação para a
inserção dos dizeres partilhados. Como irei tratar da pesquisa em si, me retiro do centro
da narração e me direciono para o uso do termo nós, estabelecendo como sendo o
sujeito principal das orações do presente relatório.
O objetivo da pesquisa foi compreender as representações sociais de
professoras sobre o processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa na primeira
fase do ensino fundamental (1º ao 5º ano). De acordo com este intuito, construímos
outros objetivos para contemplar aspectos específicos necessários a serem delineados.
Foram eles: primeiro, localizar e compreender a estrutura das representações sociais
docentes sobre o processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa na primeira
fase do ensino fundamental; segundo, localizar e compreender o conteúdo das
representações sociais docentes sobre o processo de ensino-aprendizagem da língua
portuguesa na primeira fase do ensino fundamental. Para alcançar cada um destes
objetivos específicos foi preciso proceder de formas diferentes. Estes díspares métodos
que utilizamos na pesquisa serão apresentados neste capítulo. Mesmo sendo desiguais,
foram complementando entre si para que pudéssemos atingir o objetivo geral da
investigação.
Este Capítulo foi dividido em cinco partes. Na primeira apresentamos
algumas definições de princípios teórico-metodológicos que nortearam nossos trabalhos.
Na segunda mostramos alguns informativos censitários sobre o grupo de professoras
que participaram da pesquisa. Na terceira, expusemos como ocorreu o estudo piloto. Na
quarta descrevemos os procedimentos tomados na segunda fase da coleta dos
materiais de campo. Finalmente, na última parte relatamos a definição do traçado
metodológico realizado na terceira fase de coleta dos materiais.
1.1 As vertentes quantitativas e qualitativas da pesquisa
38
Há muitos anos, vários pesquisadores apontam relações e diferenças
entre as pesquisas quantitativas e as qualitativas. Antigamente, inspirados por Augusto
Comte (1798-1857), muitos pesquisadores vinculados à abordagem quantitativa,
como por exemplo, Émile Durkheim (1858-1917), estudavam determinados objetos
das ciências sociais no mesmo formato que aqueles pesquisados junto às ciências
naturais, construindo, assim, conhecimentos organizados compreensivamente
mediante regularidades e leis. Julgamentos e crenças do/a pesquisador/a não eram
permitidos, pois pensavam que eles poderiam contaminar os denominados dados
coletados. (GOLDENBERG, 2009).
Conforme Souza (2011)5 - em palestra junto ao GEPForDoc - por
vários fatores, no ano de 1920, as pesquisas quantitativa e qualitativa passaram por
confrontos entre elas, principalmente com o movimento que se chamou de Escola de
Chicago. No campo da Sociologia, um grupo de pesquisadores começou a elaborar
outra perspectiva de pesquisa que não a quantitativa. Refletiram que as dimensões,
os fenômenos e os estados humanos não poderiam ser compreendidos a partir de
uma vertente investigativa positivista, ou mesmo por um modelo único de pesquisa
para todas as ciências, fundamentado nos estudos das ciências da natureza.
Observando que a natureza e a cultura se processam em meio a especificidades,
pesquisadores como Wilhelm Dilthey e Max Weber, entre muitos outros, colocaram
em cena pesquisas que consideravam os valores, as crenças, os sentimentos e as
representações das pessoas e do/a próprio/a pesquisador/a. Estes elementos foram
situados em um contexto de significados importantes para serem considerados nas
pesquisas.
Entretanto, esse novo modelo de investigação não poderia sofrer
equívocos, cheios de parcialidades e de preconceitos advindos do/a pesquisador/a.
Conhecedores deste preceito, alguns pesquisadores buscaram novas alternativas.
Pierre Bourdieu propôs o esforço controlado de conter a subjetividade, denominado
de objetivação, para não fazer do objeto estudado um objeto inventado. Recusando
a denominada neutralidade do/a pesquisador/a, Bourdieu dizia que para enfrentar e
assim excluir o viés nas ciências sociais, é fundamental a apresentação explícita das
premissas valorativas construídas pelos/as pesquisadores/as nos resultados da
pesquisa.
5 Palestra proferida pelo Professor Doutor Elizeu Clementino de Souza, junto ao
GEPForDoc/PPGE/UFMT, em 9 de dezembro de 2011.
39
Así como no hay registro perfectamente neutral, tampoco existe uma pregunta neutral. El sociólogo que no somete sus propias interrogaciones a la interrogación sociológica no podría hacer um análisis verdaderamente neutral de las respuestas que provoca. (BOURDIEU, CHAMBOREDON, PASSERON, 2008, p. 69).
Compreendemos, assim, que entramos em uma nova fase de
possibilidades investigativas, pois, atualmente, podemos considerar dentro dos
estudos as especificidades de cada contexto, as possibilidades criativas de estudo
de infinitos objetos visíveis e invisíveis, o/a pesquisador/a e os sujeitos da pesquisa
enquanto interlocutores/as atuantes movidos por sentimentos, valores, crenças,
representações sociais, etc.
Mergulhamos em um mar de possibilidades, contendo, diversas
vertentes teóricas, técnicas de coleta de materiais de campo, de organização e
processamento de materiais textuais, entre outras de que muitos pesquisadores
fazem uso para entender os fenômenos e/ou objetos investigados. Quais seriam,
entre elas, as mais adequadas para a questão investigativa? Compreendemos que
todos os passos investigativos se voltam sempre para o objetivo geral que
construímos. Todas as escolhas são dependentes do que pretendemos conhecer e
também derivam de nossa opção teórico-metodológica.
Conforme Oliveira (2005b), o desenvolvimento metodológico dos
estudos de representações sociais no Brasil se firma aparentemente em oposição
entre métodos quantitativos e qualitativos. Para a autora, apesar de gerar
contradições, estes embates não resultam em dilemas de fato, pois “[...] é possível
observar empiricamente a emergência de resultados similares em estudos
realizados com métodos diferentes, além de, mais recentemente, a utilização
associada de técnicas qualitativas e quantitativas terem permitido a obtenção de
resultados complementares”. (OLIVEIRA, 2005b, p. 86).
O tratamento desenvolvido por Oliveira (2005b) para discutir tal
dicotomia nos ajudou a compreender que a utilização de uma ou outra abordagem
de pesquisa depende de vários fatores: o objeto escolhido; a escolha metodológica
em si não apresenta um caráter de neutralidade. A dimensão a ser alcançada dentro
do fenômeno representacional; o nível em que o/a pesquisadora objetiva acessar a
representação; entre outras; e, principalmente, nos diz que nenhum método isolado
de investigação, por diversificado que possa ser, “[...] permite recuperar
integralmente os dois aspectos fundamentais de uma representação social, ou seja,
40
seu conteúdo e sua estrutura interna. Nesse sentido, a configuração da metodologia
a ser empregada em um dado estudo nem sempre segue caminhos estritamente
padronizados”. (OLIVEIRA, 2005b, p. 87).
A questão pode ser sintetizada em, uma vez dado um problema de pesquisa de representação social com características particulares, examina-se quais métodos e técnicas de estudo disponíveis poderiam dar melhor conta do problema, em função das dimensões que se quer explorar ou desvendar: descrição do conteúdo das representações; análise do conteúdo e da estrutura; análise da estrutura. Para cada dimensão destacada, ora a qualidade se imporá como necessária, e ora a quantificação da qualidade poderá ser uma ferramenta imprescindível para a exploração da dimensão pretendida. (OLIVEIRA, 2005, p. 88).
Uma aproximada compreensão foi realizada por Bauer e Gaskell
(2008) em um livro que trata sobre métodos empregados na pesquisa social. Os
autores argumentam que o/a pesquisador/a não pode pensar em quantificar sem
qualificar determinado material recolhido, como também, antes de propor uma
medição dos materiais obtidos, ele precisa ter uma ideia prévia de distinção
qualitativa em meio a categorias sociais.
Diante desses norteamentos, podemos dizer que nossos trabalhos se
situaram dentro das pesquisas quantitativas, pois nos valemos de elementos que
passaram por tratamentos estatísticos. Fundamentados pela Teoria das
Representações Sociais, consideramos a dimensão social como parte essencial do
fenômeno representacional, em que as representações sociais são localizadas
dentro de dizeres de muitos, não apenas de uma pessoa. Seguindo este
norteamento, utilizamos técnicas de processamento de materiais textuais, que
favoreceram a quantificação de palavras, com o intuído de buscarmos a estrutura
interna do saber social do grupo de docentes sobre a sua própria prática, o núcleo
central e os elementos periféricos que estruturaram as representações sociais
docentes sobre o processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa. Junto a
esta intenção, as palavras evocadas pelas participantes da pesquisa, na segunda
fase de recolha de materiais com o uso da técnica de evocações livres, foram
submetidas a tratamentos estatísticos. Além disto, buscamos conhecer o conteúdo
das representações sociais, a partir dos dizeres das professoras, coletados nos
momentos de entrevistas, que passaram por processamentos com uso de
ferramenta computacional.
41
De outro ponto de vista, nossa pesquisa também é qualitativa, pois
buscamos fundamentos teórico-metodológicos que possibilitaram a construção de
compreensões acerca do fenômeno representacional contido na prática educativa.
Além disto, as referências utilizadas da área da Formação de Professores, da
Linguagem e da Teoria das Representações Sociais consideram a subjetividade do
ser humano e buscam compreender a multiplicidade de dimensões que envolvem
determinados processos contidos nas vivências das pessoas.
Em síntese, nossa pesquisa se insere nas tradições metodológicas
qualitativas ao buscar ver o processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa
através dos olhos das professoras participantes da pesquisa e dos sentidos que
estes sujeitos sociais atribuem às práticas educativas que desenvolvem.
1.2 O local da pesquisa e o grupo de professoras
Escolhemos entrar em todas as escolas públicas municipais e urbanas
da cidade de Jataí, município localizado no interior do Estado de Goiás, que ofertam
os anos iniciais do ensino fundamental. Consideramos que cidades pequenas são
espaços que favorecem ao estudo da gênese das representações sociais, pois as
mudanças sociais que ocorrem nestas cidades apresentam um ritmo mais lento ou
diferente em relação aos espaços de grande vida urbana.
Entendemos que o espaço é um conjunto de formas com
particularidades da sociedade em movimentos dinâmicos presentes em determinado
tempo físico e histórico, frações sociais somam-se para o conjunto totalitário de
possibilidades da sociedade. Conforme Santos (1982, p. 38), “[...] o espaço
geográfico é tudo isso e mais a sociedade: cada fração da natureza abriga uma
fração da sociedade atual, e considera como um ponto determinado no tempo, uma
paisagem representa diferentes momentos do desenvolvimento de uma sociedade”.
“[...] formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de
sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas
como um quadro único na qual a história se dá.” (SANTOS, 2009, p. 63). Portanto, o
espaço, tanto físico, quanto social, pertence a uma rede complexa de ligações
42
dinâmicas, o que a liga a cidade de Jataí aos processos dinâmicos que ocorrem no
Estado de Goiás, na Região Centro Oeste, como também no Brasil e no mundo.
Jataí é uma cidade situada no sudoeste de Goiás, a 323 km da capital
estadual, Goiânia. Tem uma área de 7.174,23 km² e o bioma predominante é o
Cerrado. Começou a ser povoada em 1836, mas foi solenemente instalada em 1885.
Estima-se que a população é constituída por 88.048 habitantes6. No perfil
agropecuário, nos anos de 2003/2004 e 2005/2006, o município foi considerado o
maior produtor de milho e sorgo do Brasil, como também, o maior de soja de Goiás.
“É o maior produtor de grãos de Goiás e o quinto do Brasil. O município produz
1,08% de toda produção nacional de grãos, por conta destes valores, em Jataí, a
produtividade dos agricultores já superou a dos Estados Unidos”7.
Em Jataí, os anos iniciais do ensino fundamental de nove anos, que se
processam no Sistema Municipal de Ensino, no perímetro urbano, são ofertados em
dezenove escolas, sendo os espaços que percorremos na busca por uma
compreensão sobre o saber social do grupo de professoras acerca do ensino da
língua portuguesa. A reorganização do ensino fundamental para nove anos
fomentou mudanças nos sistemas de ensino, devendo ocorrer até 2010, atendendo
ao disposto na Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006. De acordo com o Ministério
da Educação, esta reformulação teve como objetivos:
a) melhorar as condições de equidade e de qualidade da Educação Básica; b) estruturar um novo ensino fundamental para que as crianças prossigam nos estudos, alcançando maior nível de escolaridade; c) assegurar que, ingressando mais cedo no sistema de ensino, as crianças tenham um tempo mais longo para as aprendizagens da alfabetização e do letramento. (BRASIL/MEC/SEB, 2009, p. 5)
8.
A ampliação da oferta do ensino de oito para nove anos implicou em
alterar o artigo 208 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que
trata da efetivação dos deveres do Estado com a educação mediante apresentação
de cinco incisos que dispõem de garantias para a sua realização; destes a redação
do inciso primeiro estabelece que: “I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4
(quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita
6 Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/cidadesat/painel/painel.php?codmun=521190#>. Acesso em: 23 abr. 2009. 7 Disponível em: <http://www.jataí.go.gov.br>. Acesso em: 23 abr. 2009.
8 BRASIL, MEC/SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Ensino Fundamental de nove anos:
passo a passo do processo de implantação, Brasília, 2009. 28 p. Disponível em: <http:// www.mec.gov.br >. Acesso em: jan. 2011
43
para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria”; o Art. 32 da Lei
9394/96 – LDB –, modificado pela Lei 11.274, que afirma que o ensino fundamental
é obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se
aos 6 (seis) anos de idade, e tem por objetivo a formação básica do cidadão,
mediante: I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios
básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; II – a compreensão do
ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores
em que se fundamenta a sociedade; III - o desenvolvimento da capacidade de
aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a
formação de atitudes e valores; IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos
laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida
social. A Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001, que aprova o Plano Nacional de
Educação, estabelece o ensino fundamental de nove anos como meta da educação
nacional; a Lei nº 11.114, de 16 de maio de 2005, que altera a Lei nº 9.394/1996 e
torna obrigatória a matrícula das crianças de seis anos de idade no ensino
fundamental, e a Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, que altera a Lei nº
9.394/1996 e amplia o ensino fundamental para nove anos de duração, com a
matrícula de crianças de seis anos de idade e estabelece prazo de implantação do
ensino fundamental de nove anos pelos sistemas educativos ocorra até o ano de
2010.
Esses documentos legais, entre outros, como resoluções e decretos,
favoreceram a saída da criança de seis anos da educação infantil para ingressar no
ensino fundamental, fomentando uma reestruturação da prática pedagógica9 de
todas as escolas que ofertam esta etapa da educação básica, incluindo aquelas
localizadas no Estado de Goiás, que aderiram oficialmente ao ensino de nove anos,
a partir do ano de 2004, sob os instrumentos legais: Resolução do Conselho
Estadual de Educação (CEE) nº 186/2004, que autoriza a ampliação do ensino
fundamental do sistema educacional do Estado de Goiás e a Resolução CEE nº
258/2005, que regulamenta a ampliação do ensino fundamental do sistema
educativo de Goiás para nove anos. No caso específico do Sistema Municipal de
Educação da cidade de Jataí, Estado de Goiás, nosso locus investigativo, todos os
9 Consideramos que a implantação dessas mudanças no sistema educativo não é imediata, gestores,
coordenadores, pais, alunos e família ainda estão sofrendo com as transições dessas inovações.
44
norteamentos sobre o ensino fundamental de nove anos foram recolhidos junto a
estes instrumentos normativos.
Para o BRASIL/MEC/SEB (2009, p. 26), o ensino fundamental de nove
anos implica em acessar mais “[...] cedo à cultura letrada, o que poderá se reverter
em um melhor desempenho dos alunos no que diz respeito à alfabetização e ao
letramento. É preciso ressaltar, no entanto, que as características da etapa de
desenvolvimento devem ser preservadas”. A partir dos direcionamentos do
BRASIL/MEC/SEB (2009), resumidos na próxima citação, fizemos a nossa escolha
metodológica de divisão do corpus textual obtido mediante recolha de conteúdos
advindos das falas das professoras. Sobre o processo de alfabetização, a Secretaria
de Educação Básica/BRASIL/MEC considera que:
Esse primeiro ano constitui uma possibilidade para qualificar o ensino e a aprendizagem dos conteúdos da alfabetização e do letramento. Mas, não se deve restringir o desenvolvimento das crianças de seis anos de idade exclusivamente à alfabetização. Por isso, é importante que o trabalho pedagógico assegure o estudo das diversas expressões e de todas as áreas do conhecimento. Ressalte-se que a alfabetização não deve ocorrer apenas no segundo ano do Ensino Fundamental, uma vez que o acesso à linguagem escrita é um direito de todas as crianças. Os sistemas e todos os profissionais envolvidos com a educação de crianças devem compreender que a alfabetização de algumas crianças pode requerer mais de 200 dias letivos e que é importante acontecer junto com a aprendizagem de outras áreas de conhecimento. O Ensino Fundamental de nove anos ampliou o tempo dos anos iniciais, de quatro para cinco anos, para dar à criança um período mais longo para as aprendizagens próprias desta fase, inclusive da alfabetização. É fundamental considerar o que estabelece o Parecer CNE/CEB nº 4/2008, a saber: 4 – O antigo terceiro período da Pré-Escola não pode se confundir com o primeiro ano do Ensino Fundamental, pois esse primeiro ano é agora parte integrante de um ciclo de três anos de duração, que poderíamos denominar “ciclo da infância”. 5 – Mesmo que o sistema de ensino ou a escola, desde que goze desta autonomia, faça a opção pelo sistema seriado, há necessidade de se considerar esses três anos iniciais como um bloco pedagógico ou ciclo seqüencial de ensino. 6 – Admitir-se-á, entretanto, nos termos dos artigos 8º, 23 e 32 da Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), o desdobramento do Ensino Fundamental em ciclos, no todo ou em parte. 7 – Os três anos iniciais são importantes para a qualidade da Educação Básica: voltados à alfabetização e ao letramento, é necessário que a ação pedagógica assegure, nesse período, o desenvolvimento das diversas expressões e o aprendizado das áreas de conhecimento estabelecidas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental. 8 – Dessa forma, entende-se que a alfabetização dar-se-á nos três anos iniciais do Ensino Fundamental. (BRASIL/MEC/SEB, 2009, p. 23).
Partindo desse norteamento, buscamos saber junto a Secretaria Municipal
de Educação de Jataí/GO se o currículo atualmente do ensino ofertado é organizado
de forma seriada ou ciclada. O ensino fundamental de Jataí apresenta a
nomenclatura por anos de ensino e considera o 1º e 2º ano como sendo o ciclo que
45
promove a alfabetização. Dentro deste bloco pedagógico reprovação de alunos/as
não é aceita. O 3º, 4º e 5º anos são considerados como períodos sequenciais,
contendo a possibilidade de reprovação discente em cada um dos anos de ensino.
Como podemos observar, o formato difere da legislação vigente, pois como vimos na
citação anterior, para o BRASIL/MEC/SEB (2009, p. 23), “[...] entende-se que a
alfabetização dar-se-á nos três anos iniciais do Ensino Fundamental”; sendo eles o
1º, 2º e 3º ano, não apenas no 1º e 2º ano.
Consideramos o processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa
um contínuo processo de apropriação e de construção adequada de conhecimentos
para uma inserção reflexiva e atuante na sociedade. De acordo com este princípio,
escolhemos fazer uma divisão considerando a realidade das escolas, para organizar
e analisar os materiais coletados.
Consideramos que existem especificidades entre as atuações
professorais com atenção aos respectivos blocos pedagógicos, desta maneira,
decidimos trabalhar com as falas em formato separado, pois os dizeres das
professoras sobre as práticas pedagógicas poderiam ser diferentes em relação aos
blocos pedagógicos, apresentando representações sociais diferentes. Neste sentido,
em todos os materiais coletados consideramos as falas das professoras que atuam
no denominado 1º ciclo ou bloco pedagógico do ensino fundamental (1º e 2º ano)
separadamente daqueles dizeres das professoras que atuam no 2º bloco
pedagógico (3º, 4º e 5º ano).
Tendo posse do Ofício nº 758/2009, recebemos a autorização da
Secretária Municipal de Educação para realizar o nosso estudo junto às escolas
públicas municipais de Jataí. Vide anexo A. Depois, recebemos um parecer
consubstanciado referente ao nosso projeto de pesquisa; protocolado junto ao
Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação
(PRPPG) da Universidade Federal de Goiás (UFG), sede em Goiânia; sob o nº
050/2010, que avaliou o projeto como estando de acordo aos termos definidos na
Resolução CNS nº 196/1996, que aprovou o projeto para a sua realização. Anexo B.
Após recebermos tais autorizações, conversarmos com diretores/as e
coordenadores/as pedagógicos/as das escolas para que tivéssemos o
consentimento de incursão nos ambientes educativos. Agendamos os encontros
com as professoras em diferentes dias e horários, conforme os critérios e
46
disponibilidades que se ofereciam. Estes foram realizados em formato individual,
sem a participação dos/as alunos/as e de outros/as colegas docentes.
Buscamos encontrar um espaço na escola que pudesse favorecer tal
procedimento. Entretanto, a infraestrutura das escolas é organizada para atender ao
uso coletivo, em que todos os espaços são compartilhados. Por este motivo, muitos
dos contatos foram realizados no pátio das instituições, como também, nas próprias
salas de aula, sem a presença dos/as alunos/as, na biblioteca, na coordenação
pedagógica e na sala dos/as professores/as. Em alguns encontros, quando
estávamos dialogando com determinada professora, o ir e vir de outras pessoas se
fez presente, variável que favoreceu a possibilidade de outros encontros, como
também, trouxe a negação para participar da pesquisa.
Com o intuito de compreender o conhecimento social do grupo,
inicialmente objetivávamos contatar todos os professores atuantes de 1º ao 5º ano
do ensino fundamental do Sistema Municipal, na rede localizada no perímetro
urbano, universo de 170 profissionais. Alguns fatores dificultaram os contatos, como
por exemplo, evento comemorativo, recesso letivo e a negação para participar da
pesquisa. Estes determinantes possibilitaram a coleta de 100 colaborações, o que
correspondeu a 59,00% do conjunto de professore/as de todo o sistema público
urbano do município.
Dessa amostra, obtivemos contribuições de apenas um professor do
sexo masculino, portanto, iremos tratar o material recolhido, considerando o
quantitativo maior de docentes, em que iremos chamar todo o grupo colaborador de
professoras. Seguem alguns informativos censitários sobre o grupo:
Série (ano) que leciona Formação Titulação Tempo de serviço
1º
2º
3º
4º
5º
Pe
da
go
gia
Ou
tra
s
Gra
du
açã
o
Es
pe
cia
liza
çã
o
01 m
ês a
10 a
no
s
11 a
no
s a
20 a
no
s
21 a
no
s e
m d
ian
te
23 33 19 14 11 90 10 39 61 59 31 10
Quadro 1 Informativos censitários: grupo de professoras entrevistadas
Fonte: Material coletado na pesquisa.
47
Como podemos observar, a amostra foi constituída por 56 professoras
que trabalham na alfabetização, que correspondem ao 1º e 2º ano do ensino
fundamental. Seus/suas alunos/as têm, preferencialmente10, entre 6 a 7 anos.
Somando aos indicativos, 44 docentes, 3º, 4º e 5º ano, recebem alunos/as entre a
faixa etária preferencialmente de 8 a 10 anos. Entendemos que são crianças em
processo de desenvolvimento físico, psíquico e social, buscando a construção de
sua autonomia. Consideramos também que é uma etapa fundamental para a
formação de um sujeito crítico e ativo na sociedade.
Após um ano da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB), número 9.394, ano de 1996, os profissionais que
trabalhavam na primeira fase do ensino fundamental, por normatização, tiveram que
adequar suas formações para o ensino superior. A maioria possuía apenas o curso
de Magistério, correspondendo ao ensino técnico (médio). Muitas professoras
contatadas, que tinham apenas o ensino técnico, procuraram o curso de Pedagogia,
em caráter emergencial, junto a UFG, campus Jataí, ofertado em parceria com a
prefeitura municipal. Estas instituições ofereceram um curso extra, com vestibular
diferenciado e Projeto Pedagógico de Curso próprio, para os profissionais da
educação do sistema de ensino, contribuindo, assim, para o atendimento de tal
regulamentação. A oferta desta licenciatura iniciou no período de 2004 e em 2007
culminou com a colação de grau de 83 professoras11.
Além desse curso, a UFG, campus Jataí, oferece o curso de Pedagogia
em termos regulares desde o ano de 1985, tendo, atualmente (ano de 2012), 27
anos de funcionamento. Observamos que as profissionais da educação do Sistema
Municipal de Ensino de Jataí conseguiram se adequar às exigências da lei, 90% são
pedagogas e 10% têm formação em outros cursos como Letras, Geografia, História
e Ciências Biológicas, com complementação pedagógica. O Artigo 61 da LDB/1996
discorre que para trabalhar na primeira fase do ensino fundamental, o/a professor/a
deve estar habilitado para atuar no mesmo. Essa habilitação é obtida em cursos de
licenciatura plena em Pedagogia, como também, em cursos de especialização e de
complementação pedagógica.
10
Utilizamos o termo preferencialmente para designar a entrada dos alunos na primeira fase do ensino fundamental a partir de 6 anos de idade, conforme a LDB nº 9394/96. 11
Informações obtidas junto ao Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia da UFG, campus Jataí, ano 2011.
48
Norteados pelas contribuições de Marcelo (1999), consideramos que
essa formação profissional inicial é constituída por características pessoais e grupais
dos sujeitos, de interações sociais que se processam em seu interior e ao seu
entorno, de estruturas e conteúdos curriculares e de fatores contextuais que
fomentam o processo de aprender a ensinar. Portanto, se formar professor/a está
para além da obtenção exclusiva de saberes universitários, pois, é um processo
ininterrupto que se desenvolve em contextos sociais e em espaços escolares
imersos em culturas, crenças, valores, ideologias diversificadas, representações
sociais e, se concretiza em práticas educativas aninhadas, que promovem
aprendizagens ligadas diretamente à experiência professoral.
Além do exposto, Marcelo (1999) nos apresenta que as pesquisas
referentes à formação de professores e acerca do saber sobre aprender a ensinar
estão considerando todos os momentos da carreira docente, que se constitui em
uma jornada de aprendizagem da docência transcorrida ao longo de toda a vida
professoral; deste modo, estas investigações preocupam-se com os professores em
formação, os professores principiantes e, também, com os professores em exercício.
O desenvolvimento de uma carreira é, pois, um processo, não uma série de acontecimentos. Para alguns, esse processo pode parecer linear, mas, para outros, há oscilações, regressões, becos sem saída, declives, descontinuidades. O fato de encontrar seqüências-tipo não deveria ocultar o fato de que há pessoas que jamais deixam de explorar, ou que jamais chegam a estabilizar-se, ou que se desestabilizam por motivos de ordem psicológica (tomada de consciência, mudança de interesses, mudança de valores) ou externas (acidentes, mudanças políticas, crises econômicas). (HUBERMAN, 1989 apud GARCIA, 1998, p. 72).
Nossa pesquisa contatou profissionais principiantes e aquelas com
longa experiência professoral, assim distribuída: oito delas apresentaram tempo de
serviço docente de até três anos; dezoito trabalham como professoras entre os
quatro até seis anos; trinta e três professoras estão na faixa de sete até dez anos de
atuação; vinte e sete trabalham entre onze até dezenove anos e, finalmente, catorze
exercem seu ofício há vinte anos ou mais.
Essa amostra de sujeitos permitiu a recolha de materiais apresentados
por professoras de diversos ciclos professorais, por este motivo, tivemos a
possibilidade de localizar possíveis representações sociais contidas no centro das
diversificadas influências pessoais, profissionais e contextuais.
49
Entre as 100 professoras contatadas na segunda fase da coleta, das
que se disponibilizaram, escolhemos 50 profissionais para responder algumas
perguntas no momento das entrevistas na terceira fase da coleta. Por este motivo,
consideramos dispensável uma segunda apresentação dos informativos censitários
por se tratar do mesmo grupo. Informativos censitários do grupo podem ser vistos no
Apêndice F.
Definimos que as falas das professoras recolhidas com o uso de
entrevistas seriam numeradas pela ordem em que os contatos foram realizados. A
professora que foi a primeira a ser entrevistada recebeu o número 01 e assim por
diante. Não optamos pela identificação do nome legítimo ou fictício das professoras,
pois preferimos apresentar exemplares da fala de algumas professoras que trazem
indícios de representações sociais do grupo. O saber individual foi considerado para
apontar exemplares dos saberes sociais do grupo.
1.3 O estudo piloto e o software ALCESTE
No início do curso de doutorado decidimos realizar um estudo piloto12 e,
assim, conhecer a realidade vivida pelos/as professores/as que atuam nos primeiros
anos do ensino fundamental. Um primeiro contato foi realizado no ano de 2009,
mediante entrevistas semidirigidas. Buscamos apreender o universo nocional
apresentado por docentes acerca de dois elementos que envolvem o processo de
ensino-aprendizagem da língua portuguesa, leitura e escrita. Também, procuramos
conhecer os espaços escolares em que atuam. Foi um momento importante para
reconhecimento físico, social e coleta de informações sobre as atividades desenvolvidas
pelos/as docentes.
Para a recolha de informações foi construído um instrumento questionador.
Seis professoras dos anos iniciais do ensino fundamental de uma mesma escola pública
localizada na cidade de Jataí, Estado de Goiás, responderam a um conjunto de 13
questões. O roteiro pode ser visto no Apêndice A. Todas as entrevistas foram gravadas
12
Primeira fase de coleta de materiais.
50
em arquivo de áudio. Após realizarmos as entrevistas, o material gravado era
transcrito para um arquivo de texto junto ao programa Word.
No final dos contatos, construímos um único arquivo de texto de campo
contendo todas as falas recolhidas. Durante a etapa de digitação, foi realizado um
tratamento do material recolhido para adequar aos padrões do software utilizado
para o processamento e organização das entrevistas. Este software é chamado de
Analyse Lexicale par Contexte d’ un Ensemble de Segments de Texte (ALCESTE).
Esse programa, desenvolvido por Max Reinert, é um programa
computacional que nos fornece índices semânticos do material processado em sua
plataforma. Para Kalampalikis e Moscovici (2005), o software ALCESTE fornece uma
cartografia dos principais lugares comuns de uma comunicação, os mundos lexicais
que são considerados como vestígios meramente semióticos inscritos na
materialidade do texto. A lógica do programa ALCESTE é processada através de um
conjunto de cálculos que fragmentam o corpus textual que foi inserido nele, sendo
estes cortes relativamente análogos.
Tais fragmentos são nomeados como unidades de contexto que podem
ser distinguidas em de dois tipos: unidades de contexto iniciais (UCIs), que
correspondem às divisões feitas pelo/a pesquisador/a, e que identificam, no caso
deste trabalho, as respostas de cada participante; e as unidades de contexto
elementares (UCEs), que durante o processamento dos textos são separadas de
modo a permitir a contextualização do vocabulário típico de cada classe obtida. Os
fragmentos são classificados estatisticamente de acordo com um procedimento
descendente hierárquico. Isto ocorre a partir de uma primeira distribuição dos
fragmentos em duas classes distintas. Esta dupla operação de distribuição e de
classificação possibilita o processamento de um número estável de classes.
(KALAMPALIKIS, MOSCOVICI, 2005).
O programa ALCESTE realiza um processamento de textos que
identifica diferentes e semelhantes campos lexicais presentes no material e, a partir
deles, constrói classes marcadas pelo contraste de seu vocabulário. Desta maneira,
ele favorece um possível reconhecimento, de modo mais ágil, de indícios de
representações sociais ou campos de imagens relacionados a um dado objeto.
(CAMARGO, 2005). Podemos dizer que a organização do material realizada pelo
software trata-se de uma análise de conteúdo. Todavia, antes de qualquer coisa, o
51
material recolhido deve ser considerado como excerto de um evento de
comunicação intersubjetiva. (KALAMPALIKIS, MOSCOVICI, 2005).
O estudo piloto realizado foi um momento precioso de treinamento para o
processamento e para leitura de relatórios estatísticos. Foi uma etapa fundamental de
captura de informações importantes que alterou o objeto de pesquisa construído
anteriormente. Anteriormente, buscávamos conhecer e interpretar quais eram as
representações sociais docentes sobre as práticas de leitura e escrita. Após o estudo
piloto, identificamos que seria mais apropriado fazer a união das discussões destas
práticas, pois os dizeres docentes tratavam-nas como justapostas. Finalmente,
compreendemos que seria necessária uma discussão sobre todo o processo de ensino-
aprendizagem da língua portuguesa, incluindo as reflexões sobre a leitura e a escrita
como também compreendendo a importância de outros elementos. Esta fase foi
fundamental para traçar novos caminhos investigativos que conduziram para
compreensões que consideram a amplitude de elementos contidos na prática educativa.
Considerando a complexidade dos fenômenos educativos, a singularidade dos
elementos contidos no processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa e a
partilha de saberes entre os profissionais entrevistados; continuamos promovendo a
realização dos trabalhos.
1.4 As evocações livres e o software EVOC
No ano de 2010, realizamos a segunda fase13 de recolha de materiais
advindos do campo de pesquisa para que pudéssemos localizar e sucessivamente
compreender os elementos estruturais das representações sociais docentes sobre o
processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa. Nesta etapa utilizamos a
técnica de evocações livres. Segundo Oliveira (2005a), esta técnica de recolha de
materiais se refere à possibilidade de apreensão das projeções mentais de maneira
espontânea, apresentando conteúdos implícitos e latentes que podem estar
escondidos nos discursos.
13
Consideramos o estudo piloto como sendo a primeira fase de recolha de materiais advindos do campo de pesquisa, pois contribuiu substancialmente na reformulação do trabalho.
52
Com a sua utilização, foram recolhidos vocábulos solicitando das
professoras a apresentação de cinco palavras acerca do que pensam sobre o ensino
da língua portuguesa e mais cinco palavras sobre a aprendizagem da língua
portuguesa. Todo o roteiro pode ser visto no Apêndice C. Entendemos que tanto o
ensino, quanto a aprendizagem são processos que apresentam especificidades
diferentes, ao mesmo tempo, se complementam e são fundamentais para as práticas
educativas. Esta possibilidade de relação entre ambos os processos se firma nas
ideias de Pérez Gómez (1998), que considera a aula como espaço de saber
compartilhado, para o autor, o ensino significa:
[...] um processo que facilita a transformação permanente do pensamento, das atitudes e dos comportamentos dos alunos/as, provocando a comparação de suas aquisições mais ou menos espontâneas em sua vida cotidiana com as proposições das disciplinas científicas, artísticas e especulativas, e também estimulando sua experimentação na realidade. (PÉREZ GÓMEZ, 1998, p. 70).
E a aprendizagem significa “[...] um prolongado processo de
assimilação e reconstrução por parte do/a aluno/a da cultura e do conhecimento
público da comunidade geral”. (PÉREZ GÓMEZ, 1998, p. 67). Todavia,
compreendendo a importância da relação entre ensino e aprendizagem no processo
educativo, optamos por uma recolha separada dos temas para que pudéssemos
entender como as professoras tratam os mesmos em suas variadas possibilidades,
não apenas em uma dimensão de justaposição.
Após a fase espontânea de exposição de vocábulos (que contribui para
a organização dos textos colhidos em campo por Ordem Média de Evocação -
OME), pedimos a organização dos mesmos por ordem de importância (Ordem Média
de Hierarquização – OMI). A evocação livre permite a atualização de elementos
implícitos que seriam perdidos ou mascarados nas produções discursivas. A
hierarquização dos termos foi solicitada de modo a considerar a proposta de Abric
(2003), que destaca a relevância da ordem de importância atribuída pelo sujeito na
reflexão acerca das evocações livres a partir da justificativa de que o conteúdo
essencial das associações pode aparecer apenas depois de uma fase de
aquecimento e de redução de mecanismos de defesa.
Finalmente, solicitamos que as professoras apresentassem frases
resumidas justificando as palavras evocadas. As frases foram utilizadas de modo a
auxiliar a padronização dos vocábulos para o seu processamento no programa
53
estatístico denominado de Ensemble de programmes permettant l’analyse des
evocations (EVOC), que calculou as palavras mais frequentes e as mais
prontamente evocadas ou hierarquizadas.
A combinação entre critérios estatísticos e a e a Teoria do Núcleo
Central (TNC), proposta por Abric, possibilita a compreensão da estrutura da
representação social; que apresenta uma forma gráfica por meio da distribuição das
palavras evocadas pelos quadrantes de um quadro de quatro casas, “[...] cada um
dos quais comportando, em termos aproximativos, uma interpretação teórica
distinta”. (SÁ et al, 2009, p. 163). Vejamos a próxima ilustração:
OME ou OMI < média ≥ média
F NÚCLEO CENTRAL PRIMEIRA PERIFERIA
≥ média
Palavras com frequência (F) igual ou acima da média e com Ordem Média de Evocação (OME) ou Ordem Média de Hierarquização (OMI) abaixo da média
Palavras com F igual ou acima da média e com OME ou OMI igual ou acima da média
< média
ZONA DE CONTRASTE SEGUNDA PERIFERIA
Palavras com F abaixo da média e com OME ou OMI abaixo da média
Palavras com F abaixo da média e com OME ou OMI igual ou acima da média
Ilustração 1 Esquema do quadro de quatro casas dos elementos estruturais das representações sociais
Fonte: Adaptação da proposta de Abric (2003, 2005, p. 64 apud PÉCORA, 2007, p. 163).
Após processamento, as palavras posicionadas no quadrante superior
esquerdo apresentam frequência de evocação mais elevada e de menor ordem
média de evocação ou de importância. É o quadro que fornece a composição mais
provável do Núcleo Central de uma representação social.
As palavras situadas nos demais quadrantes correspondem ao sistema
periférico de uma representação social, mesmo que se possam fazer distinção entre
elas com base no seu grau de proximidade em relação ao sistema central. Desta
maneira, as palavras situadas no quadrante superior direito, com alta frequência e
maior ordem de evocação ou de importância, compõem a Primeira Periferia. As
palavras do quadrante inferior direito, pouco frequentes e pouco importantes ou que
foram evocadas em últimas posições, fazem parte da Segunda Periferia. As palavras
posicionadas no quadrante inferior esquerdo, que são pouco frequentes, mas
consideradas importantes ou que foram evocadas nas primeiras posições, formam a
Zona de Contrate. Este quadrante “[...] indica a existência de subgrupos que
sustentam uma representação distinta daquela da maioria do grupo, ou mesmo que
54
esteja em curso um processo de transformação da representação”. (SÁ et al, 2009,
p. 163).
Sá (2002), um dos principais divulgadores e pesquisadores da TNC no
Brasil, nos esclarece que as representações sociais estão distribuídas em um
Núcleo Central e em periféricos. Quando estão no mundo consensual, definindo a
homogeneidade do grupo, as representações se localizam no Núcleo Central,
tornando-se estáveis, rígidas, resistentes a mudança e pouco sensíveis ao contexto
imediato. Agora, quando permitem a integração das experiências e histórias
individuais, elas se localizam no sistema periférico (Primeira e Segunda Periferia e
Zona de Contraste), que carregam a heterogeneidade do grupo, sendo flexíveis,
evolutivas e sensíveis ao contexto imediato.
Ao iniciar essa etapa, delineamos o ponto de corte referente a cada
mote. Para esta definição utilizamos a lei de Zipf, que, segundo Vergès auxilia a
compreender a distribuição de palavras e frequências. Em um estudo acerca das
manifestações objetivas do fluxo dos discursos, George Kingsley Zipf, preocupado
com a dinâmica das palavras, mostrou certas regularidades estatísticas da
linguagem. A partir deste estudo, a lei de Zipf estabeleceu que o produto da relação
entre um texto e a frequência de cada elemento deste texto é mais ou menos
constante, sob a fórmula rang x frequência. (KALAMPALIKIS, MOSCOVICI, 2005).
Seguindo esta lei, tivemos a oportunidade de identificar uma constância de certas
palavras evocadas.
Assim, a definição dos pontos de corte se deu em função
primeiramente da frequência que marcava uma queda brusca na quantidade de
palavras diferentes e uma relativa estabilização sequente, juntamente com a
consideração do percentual de aproveitamento do corpus textual neste ponto. Nesse
sentido, objetivou-se manter as palavras que obtiveram maior consensualidade no
grupo. O ponto de parada da recolha de evocações livres foi feita pelo procedimento
de avaliação da saturação proposta por De Musis e Carvalho (2010)14.
A apreensão do sentido e do significado que encerram os números das
evocações livres apenas se torna possível com uma leitura compreensiva dos
mesmos, iluminada pelo conhecimento das circunstâncias em que foram produzidas,
aconselhadas pelas vozes das pesquisadas e orientadas pelas teorias científicas,
14
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v31n110/11.pdf>. Acesso em: 04 jun. 2007.
55
sendo metaforicamente comparadas a lupas para uma melhor compreensão dos
materiais recolhidos e seus respectivos contextos sociais. Portanto, a apresentação
de sentidos e significados foi construída a partir de compreensões sobre os textos
colhidos no campo se valendo do uso de aportes teórico-metodológicos.
1.5 As últimas entrevistas realizadas
Após compreensões do material de campo obtido junto a 100
professoras mediante o uso da técnica de evocações livres, nos propusemos
adentrar novamente nas escolas e não mais solicitar palavras soltas, mas, agora,
gostaríamos de ouvir o que dizem as profissionais acerca do processo de ensino-
aprendizagem da língua portuguesa em momentos de entrevistas. Entre as
professoras contatadas anteriormente, foram entrevistadas 50 profissionais.
Informativos censitários que trazem alguns elementos característicos deste grupo de
participantes podem ser vistos no Apêndice F. Os achados junto às evocações livres
foram fundamentais para a construção de um roteiro de perguntas que norteou todas
as conversas realizadas nesta fase.
Para a coleta dos materiais, produzimos um roteiro de entrevistas,
contendo 09 questões que podem ser vistas no Apêndice E. Para a elaboração
destas questões, tivemos a oportunidade de discutir o material com a Professora
Doutora Denise Jodelet, referência internacional nos estudos em representações
sociais, no mês de maio de 2010, no GPEP/UFMT/Cuiabá. Ela nos orientou que as
melhores informações seriam aquelas que tratassem da prática em si, como sendo
uma narrativa da atuação do/a professor/a.
Valendo-nos desse roteiro, nos dirigimos para o campo de pesquisa.
Ao final do dia, após realizarmos algumas entrevistas, o material gravado era
transcrito para um arquivo de texto junto ao programa Word. No final de todos os
contatos, construímos um único arquivo de texto de campo contendo todas as falas
das 50 entrevistas efetuadas. O material foi processado no software ALCESTE,
sendo o mesmo programa computacional utilizado no estudo piloto. Após o
processamento do material textual, nos atentamos para a necessidade de
56
construção de definições dos elementos que coletamos. Deste modo, buscamos
definir se o que recolhemos foram falas, discursos ou textos de campo.
Segundo Nascimento-Schulze e Camargo (2000, p.288), para Wagner
(1998), “[...] ação e fala são parte integral da representação, embora ocorra
frequentemente que os pesquisadores optem por estudar apenas elementos da fala
ou do texto ao desenvolverem seus planos metodológicos”. No nosso caso, também
utilizamos apenas a fala, pois um mergulho na ação seria firmado em uma pesquisa
de cunho etnográfico, algo que nos exigiria uma imersão participante dentro de
todos os espaços das 19 escolas em que fomos fazer os nossos contatos, que para
uma melhor compreensão do fenômeno, necessitaríamos de um período maior de
investigação.
Conforme Nascimento-Schulze e Camargo (2000), fundamentados em
Séguier (1960), existe um problema no desenvolvimento de pesquisas em
representações sociais no Brasil junto ao uso generalizado do termo discurso para
nomear o material textual recolhido. Para os autores (2000, p. 293), “[...] "Discursu" é
diferente de "textu", esta segunda palavra latina indica as próprias palavras que se
leem num autor, num escrito”. Ademais, para esses autores, o termo texto, aponta
duas possibilidades de entendimentos: “(a) ato da fala, que responde a uma situação
dada, transformado em material escrito e (b) material produzido originalmente na
forma escrita e selecionado para ser analisado pelo pesquisador”. (NASCIMENTO-
SCHULZE; CAMARGO, 2000, p. 293).
De outro lado, Bakhtin e Volochinov (2006) afirmam que a prática
discursiva não é uma ação individual, é de natureza social, pois está ligada às
condições das comunicações que estão entrelaçadas às estruturas sociais. Este
norteamento conduz para a afirmação, fundamentada no materialismo-histórico em
que o sujeito se constitui como ser humano no convívio social. A conversação, neste
contexto, possibilita o diálogo entre pessoas, portanto, favorece trocas de
informações, representações, culturas, saberes e modos de entender a realidade,
por sua vez, estão imersos em ideologias que fomentam discursos que transcendem
as barreiras dos tempos e dos espaços físicos e sociais.
Em razão dessa complexidade, Nascimento-Schulze e Camargo (2000)
afirmam que “A natureza do fenômeno das representações sociais remete à
precedência do conteúdo na análise do material linguístico, considerando indicador
deste fenômeno.” (NASCIMENTO-SCHULZE; CAMARGO, 2000, p. 294). Portanto, o
57
uso do termo discurso como sinônimo do termo fala pode acarretar simplificações da
definição do primeiro, porque o entendemos como produção derivada de um sujeito,
situado em um local social e que sofre tensões e confrontos entre o indivíduo e a
sociedade (ORLANDI, 2006); enquanto que as falas reunidas se referem aos
elementos de conteúdos de um conhecimento social compartilhado; em que revelam
as representações sociais que são formas de saber com conteúdos de uma
realidade prática, socialmente partilhada em determinado local e tempo, que nem
sempre tem caráter ideológico. (NASCIMENTO-SCHULZE; CAMARGO, 2000).
Buscando coerência entre o material coletado e as linhas de
pensamentos, utilizamos os termos texto, falas e dizeres para fazer uso do material
recolhido, enquanto possibilidade de tratamento estatístico e, finalmente, nos
valemos do termo discurso para compreender processos maiores de influências
sociais que contribuíram para as nossas compreensões dos textos de campo.
No próximo capítulo apresentamos outros fundamentos teóricos e
conceituais que nortearam a pesquisa.
58
CAPÍTULO II FUNDAMENTOS TEÓRICOS E CONCEITUAIS QUE
NORTEARAM A PESQUISA
Ao longo dessa nossa investigação, tivemos a possibilidade de
participar de vários encontros de estudos e de orientações dentro de três grupos de
pesquisa. Foram eles, Grupo de Estudos e Pesquisas em Política e Formação
Docente: Educação Infantil, Fundamental e Superior (GEPForDoc), Grupo de
Pesquisa em Educação e Psicologia (GEPEP), ambos da Universidade Federal de
Mato Grosso (UFMT) e Grupo de Pesquisa Formação de Professores e Práticas
Educativas (GPFPPE) da Universidade Federal de Goiás, campus Jataí. Foram,
aproximadamente, quatro anos de discussões presenciais e virtuais, possibilitando
muitas leituras e debates. Fomos a seminários, congressos nacionais e
internacionais, dentre os quais se destacam o Encontro Nacional de Didática e
Práticas de Ensino (ENDIPE), ano 2012, Campinas; III Congreso Latinoamericano
sobre Profesores Principiantes e Inserción Profesional en la Docencia, ano 2012,
Santiago/Chile; Congresso Internacional de Pesquisa (Auto)biográfica (V CIPA), ano
2012, Porto Alegre, Seminário de Educação do Programa de Pós-Graduação em
Educação (/PPGE/UFMT), ano 2009, 2010, 2011, Cuiabá; Congresso de Educação
do Sudoeste Goiano, ano 2009 e 2011, Jataí/Goiás; Encontro de pesquisa em
educação da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação do
Centro Oeste, ano 2010, Uberlândia/Minas Gerais; entre outros. Foram momentos
de muito aprendizado, eventos que oportunizaram localizar nossas referências.
Motivados por discussões sobre educação, formação de professores,
Psicologia Social, língua portuguesa, dentre outros, mergulhamos em uma literatura
diversa que nos permitiu fazer seleções para que pudéssemos vislumbrar o objeto
investigativo. Idas e vindas reflexivas nos permitiram um caminhar em vários
percursos dessemelhantes, mas que possibilitaram definições sistematizadas sobre
nosso entendimento. Todas as discussões em que participamos dentro dos espaços
de aprendizagem foram norteadoras para a produção do trabalho. Apresentamos,
neste capítulo, contribuições de autores sobre elementos conceituais que envolvem
a nossa pesquisa. Mesmo sabendo do caráter inseparável destes elementos,
59
escolhemos organizar a redação em itens, para destacar a importância de cada um
para a construção de nosso entendimento.
Inicialmente, buscamos entender o que vem a ser a profissão docente,
como também procuramos compreender o que é a formação de professores.
Posteriormente, buscamos inserir este/a profissional dentro de um processo de
interação entre os/as alunos/as, algo fundamental para a aquisição da
aprendizagem. Logo, dentro desta partilha, a linguagem se faz como elemento de
encontro, de partida, de comunicação e de interação social, como também, de
fomento educativo institucional. Finalmente, não menos importantes dos outros
direcionamentos, o fenômeno representacional se situa como um processo interativo
e identitário que se movimenta em termos dinâmicos para orientar e justificar
condutas na busca dos sujeitos por uma melhor compreensão da realidade.
2.1 O que entendemos sobre formação de professores
Neste item, discutiremos sobre a formação de professores, como
compreendemos a profissão docente e, especificamente, como entendemos a
profissão dos/as professores/as dos anos iniciais do ensino fundamental de nove
anos, por se tratar do período de ensino escolar investigado. Nossas reflexões
partiram de contribuições de autores internacionais e nacionais que, há muitos anos,
investigam e apontam caminhos teóricos e práticos acerca desta área de
conhecimento. Iremos usar em termos basilares e frequentes as referências de
obras de Carlos Marcelo Garcia, nome de referência Marcelo, pois consideramos
como sendo as compreensões que mais respondem nossas questões sobre a
dinâmica da formação de professores.
Segundo Marcelo (2009b), estamos vivendo em uma sociedade em
mudança constante, os conhecimentos são considerados os principais valores de
seus cidadãos, pois as transformações da sociedade se refletem na maneira como
as pessoas compreendem e se organizam no mundo, e que a busca do novo é uma
constante.
Conforme Marcelo (2002), a humanidade entrou em uma nova era que
transformou vários setores, como por exemplo, a produção de energia, as
60
comunicações, o comércio, a educação, o trabalho e a família. Influenciadas por tais
transformações sociais, surgiram exigências de criação de novos modos de vida, de
trabalho, de comunicação e de aprendizado. E que a necessidade de aprender ao
longo da vida tornou-se um slogan rotineiro, um desafio, como um determinante para
a própria sobrevivência das pessoas. Para Marcelo (1995), o impacto da sociedade
da informação, o impacto do mundo científico e tecnológico e a internacionalização
da economia influenciam e decidem sobre a importância da formação na sociedade
atual.
Como fazemos parte dessa sociedade, estamos envolvidos por um
universo de exigências, dentro dele, as profissionais, que nos direcionam para uma
permanente prática de aprendizagem e de formação. Diante disto, são muitos os
determinantes de mudanças e permanências da profissão de professor/a, que
contribuem para a construção da identidade docente. Falamos em mudanças
sociais, políticas e culturais que afetam a formação de professores, mas ao mesmo
passo, geram a manutenção de representações sociais e de práticas que não trazem
melhorias para a profissão docente. Segundo Nóvoa (1995), a formação docente
está estrutura em um novo conceito de identidade:
[...] um lugar de lutas e de conflitos, é um espaço de construção de maneiras de ser e de estar na profissão. Por isso, é mais adequado falar em processo identitário, realçando a mescla dinâmica que caracteriza a maneira como cada um se sente e se diz professor. (NÓVOA, 1995a, p. 16).
Perante esse conceito, compreendemos a identidade como resultante
de processos contínuos de desenvolvimento pessoal, social, político e cultural,
segundo os quais, constituem características que atendem o sujeito e a sociedade,
em permanentes processos de construção e reconstrução de compreensões sobre o
mundo para a realização de práticas. Percurso que se faz em meio a contradições,
não sendo, portanto, um processo linear de desenvolvimento. Desta maneira,
considerando os espaços e os tempos sociais, o/a professor/a experimenta e articula
modos de ser, na constante inserção e reinserção nos espaços sociais.
Segundo Nóvoa (1995b), é dentro de práticas, políticas e da própria
historicidade da formação de professores que se produz a profissão docente. Para o
autor, a consolidação da profissão docente foi marcada por apontamentos históricos
que direcionaram práticas e reflexões professorais para caminhos de dominações
políticas.
61
Fazendo compreensões dos marcos mais importantes sobre as
políticas adotadas pelo Governo de Portugal para a profissionalização docente,
Nóvoa (1995b, p. 19) afirma que a formação de professores tem aceitado, em
termos implícitos, a degradação do “[...] estatuto socioeconômico da profissão [...]”,
pois permite a consagração da visão “[...] funcionarizada [...]” do professorado,
prejudicando a construção e a consolidação do/a docente como um/a profissional
autônomo/a e reflexivo/a.
Para Marcelo (2009b, p. 128), o desafio principal a ser enfrentado na
profissão docente é de transformá-la em profissão do conhecimento. “Uma profissão
que seja capaz de aproveitar as oportunidades de nossa sociedade para conseguir
que respeite um dos direitos fundamentais: o direito de aprender de todos os alunos
e alunas, adultos e adultas”. Esta afirmação acompanha muitas reflexões deste
pesquisador (MARCELO, 2002, 2009a, 2009b), podemos até entender que ela pode
ser considerada por Marcelo como sendo o alicerce para as suas compreensões
sobre a formação de professores, desenvolvimento e identidade profissional e,
aprender a ensinar.
Muito se tem escrito sobre a influência que as atuais mudanças sociais estão a ter na sociedade propriamente dita, na educação, nas escolas e no trabalho dos professores. Sempre soubemos que a profissão docente é uma “profissão do conhecimento”. O conhecimento, o saber, tem sido o elemento legitimador da profissão docente e a justificação do trabalho docente tem-se baseado no compromisso em transformar esse conhecimento em aprendizagens relevantes para os alunos. Para que este compromisso se renove, sempre foi necessário, e hoje em dia é imprescindível, que os professores — da mesma maneira que é assumido por muitas outras profissões— se convençam da necessidade de ampliar, aprofundar, melhorar a sua competência profissional e pessoal. (MARCELO, 2009a, p. 8).
Mas, para Marcelo (2002), a instituição escolar ainda não conseguiu
alcançar e lidar com tais transformações sociais; mesmo não sendo o principal
objetivo da escola a preparação para o trabalho, ela não pode abster-se do direito
desta nova cidadania para todos, construída para a autonomia e para a reflexão nos
intercâmbios sociais, o ensino não pode permanecer obsoleto às exigências e
demandas da sociedade.
Para ele, alguns sistemas escolares continuam ancorados em
princípios de seletividade e de classificação de níveis de conhecimentos adquiridos
pelos/as alunos/as, em que estes chegam à escola com deficiências que precisam
ser superadas. Por outro lado, Marcelo (2002) apresenta que a escola que
62
compreende o direito do/a aluno/a de aprender para se estabelecer neste novo
princípio de cidadania, deve ser entendida como sendo uma comunidade de
aprendizagem, como centros de aprendizagem ao longo da vida das pessoas. Para
contribuir com tais compreensões, situando a aprendizagem no centro da profissão
de professor/a, as mudanças devem ser aceitas e trabalhadas dentro dos espaços
escolares e pelos/as seus/suas profissionais do ensino. Nas palavras do autor:
[...] ser professor no século XXI pressupõe o assumir que o conhecimento e os alunos (as matérias-primas com que trabalham) se transformam a uma velocidade maior à que estávamos habituados e que, para se continuar a dar uma resposta adequada ao direito de aprender dos alunos, teremos de fazer um esforço redobrado para continuar a aprender. (MARCELO, 2009a, p. 8).
É dentro dessa necessidade de assegurar a qualidade da
aprendizagem dos/as alunos/as que devemos situar e compreender essa nova
profissão docente e o seu desenvolvimento. Portanto, para pensarmos uma possível
mudança educativa, o conceito de formação, deve ser situado como um fenômeno
completo e diverso, ele não pode ser identificado e nem mesmo diluído dentro de
outros conceitos como educação, ensino, treino, etc; precisamos entender que a
formação carrega uma dimensão pessoal e global de desenvolvimento humano,
processo formativo que é ativado pela vontade do próprio profissional professor/a,
mesmo não sendo de caráter totalmente autônomo. (MARCELO, 1999). Além mais:
“A Formação de Professores é a área de conhecimentos, investigação e de propostas teóricas e práticas que, no âmbito da Didática e da Organização Escolar, estuda os processos através dos quais os professores – em formação ou em exercício – se implicam individualmente ou em equipe, em experiências de aprendizagem através das quais adquirem ou melhoram os seus conhecimentos, competências e disposições, e que lhes permite intervir profissionalmente no desenvolvimento do seu ensino, do currículo e da escola, com objetivo de melhorar a qualidade da educação que os alunos recebem”. (MARCELO, 1999, p. 26, grifo do autor).
A partir desse conceito e da consideração de Marcelo (1995, p. 12,
grifo do autor) sobre a “[...] Formação de Professores como uma área disciplinar em
desenvolvimento, e não como uma mera prática ateórica [...]”; entendemos que os
processos formativos docentes são pertencentes a cada professor/a, mas que
carregam princípios interligados a outras dimensões. Para Marcelo (1999) -
fundamentado em diferentes trabalhos autorais - existe uma série de princípios que
alicerçam o conceito de formação. Alguns deles são:
63
Primeiro: a formação de professores é um contínuo; um processo que
ocorre ao longo de toda a carreira, sendo um processo interativo e de acúmulo de
várias aprendizagens.
Segundo: é um processo de mudança, de inovação e de
desenvolvimento curricular.
Terceiro: está ligado ao desenvolvimento organizacional da instituição
escolar.
Quarto: está integrado aos conteúdos da aprendizagem, sejam eles
acadêmicos e disciplinares, incluindo aqueles da formação pedagógica.
Quinto: está contido dentro da relação entre teoria e prática.
Sexto: “[...] na formação de professores é muito importante a
congruência entre o conhecimento didático do conteúdo e o conhecimento
pedagógico transmitido, e a forma como esse conhecimento se transmite”
(MARCELO, 1999, p. 29).
Sétimo: “[...] a formação de professores se deve basear nas
necessidades e interesses dos participantes, deve estar adaptada ao contexto em
que estes trabalham, e fomentar a participação e reflexão”. (MARCELO, 1999, p.
29).
Compreendemos, assim, que os processos formativos dos/as
professores/as dependem da vontade destes/as profissionais, das características
pessoais e do contexto social em que estão inseridos. Desta forma, combinando
disposição, perfis comportamentais e marcos situacionais, destaca-se que a
formação acontece ao longo de toda a carreira e de toda a vida da
pessoa/professor/a. Os/as professores/as são sujeitos adultos que aprendem e se
inserem em processos formativos que são constituídos por implicações de natureza
fisiológica, cognitiva, pessoal e moral. (MARCELO, 1999).
Quando falamos desse longo processo formativo, incluímos o
aprendizado que ocorre pela observação desde o momento que o/a futuro/a
professor/a se insere no ambiente escolar ainda como aluno/a da educação básica,
pois consideramos que as experiências passadas desde a infância até a fase adulta
contribuem para a compreensão do que seja ser professor/a. Entretanto, atentando
apenas para as etapas em que o/a pessoa inicia formalmente o seu processo
formativo, segundo Marcelo (1999, p. 13), existem três fases, denominadas de: “[...]
64
formação inicial, formação durante o período de iniciação e desenvolvimento
profissional”.
Para Marcelo (1999), em termos sintéticos nesta nossa exposição, a
institucionalização das práticas de formação vincula-se aos sistemas nacionais de
educação, o seu currículo é determinado e influenciado por fatores históricos,
sociais, políticos, econômicos, culturais, etc. A formação inicial é compreendida
como sendo o período que o profissional percorre durante os cursos acadêmicos. A
formação durante o período de iniciação ocorre quando o/a professor/a entra em
ofício, ele pode perdurar sendo profissional principiante até três anos15 para transitar
de egressos para professores, sem determinações fixas e, por último, a formação
dos/as professores/as em desenvolvimento profissional é compreendida como sendo
aquela que é percorrida por profissionais em exercício. Todos devem ser
compreendidos junto ao desenvolvimento da escola, do currículo, do ensino, do/a
professor/a e do contexto social circundante.
Mesmo ciente da especificidade das fases de formação que os
profissionais percorrem, sendo necessário entendimentos sobre cada uma delas e
de seus determinantes, Marcelo (1999a, p. 9) nos mostra que é preciso superar a
tradicional justaposição entre a denominada formação inicial e a formação
continuada, trazendo, assim, a elucidação que a formação deve ser entendida em
sua jornada evolutiva, na continuidade de suas fases, enquanto processo de
desenvolvimento profissional.
Deve entender-se o desenvolvimento profissional dos professores enquadrando-o na procura da identidade profissional, na forma como os professores se definem a si mesmos e aos outros. É uma construção do eu profissional, que evolui ao longo das suas carreiras. Que pode ser influenciado pela escola, pelas reformas e contextos políticos, e que integra o compromisso pessoal, a disponibilidade para aprender a ensinar, as crenças, os valores, o conhecimento sobre as matérias que ensinam e como as ensinam, as experiências passadas, assim como a própria vulnerabilidade profissional. As identidades profissionais configuram um complexo emaranhado de histórias, conhecimentos, processos e rituais. (MARCELO, 2009a, p. 7).
A tomada de consciência sobre a complexidade que envolve a
formação de professores está contida no próprio conceito acerca do
15
“[...] a iniciação ao ensino é o período de tempo que abarca os primeiros anos, nos quais os professores fazem a transição de estudantes para professores. É um período de tensões e aprendizagens intensivas em contextos geralmente desconhecidos [...]. Neste primeiro ano, os professores são principiantes, e, em muitos casos, no segundo e terceiro anos podem estar ainda a lutar para estabelecer a sua própria identidade pessoal e profissional”. (MARCELO, 1999, p. 113).
65
desenvolvimento profissional docente. Como diz Nóvoa (1995b), o desenvolvimento
profissional produz a profissão docente, sendo esta composta por situações
diversas, de características variadas, atravessadas por problemas e por vitórias que
forçam os/as professores/as a tomar decisões em um terreno de complexidades e de
incertezas. Para que enfrentem a prática resolvendo demandas singulares, que
exigem respostas únicas dos/as profissionais em um processo de
autodesenvolvimento reflexivo.
Eles precisam compreender as variáveis internas e externas ao
processo de ensino e aprendizagem que vão além das formações inicial e
continuada. Desta forma, a qualidade do ensino estaria vinculada à capacidade de
tomada de decisões a partir da interação com a complexidade que constitui o ensino
escolar e a efemeridade do conhecimento, de informações, indo além das respostas
prontas, decorrentes de conceitos lineares, uniformes, que não respondem a
alteridade própria das relações sociais, determinantes da construção e da
desconstrução de conhecimentos.
Para Marcelo (1995), a reflexão deve ser o novo objetivo para a
formação de professores, uma possibilidade de melhoria educativa. O autor nos
informa que é um conceito que está sendo frequentemente utilizado dentro dos
estudos sobre a formação docente, sendo uma perspectiva iniciada por Dewey
(1989) e de grande difusão por Schõn (1983, 1987).
Conforme Schõn (1995), o/a professor/a precisa refletir sobre sua ação
profissional, observar e compreender os processos de aprendizagem dos/as
alunos/as, reconhecer as capacidades e as dificuldades das crianças.
Se o professor quiser familiarizar-se com este tipo de saber, tem de lhe prestar atenção, ser curioso, ouvi-lo, surpreender-se, e actuar como uma espécie de detective que procura descobrir as razões que levam as crianças a dizer certas coisas. Este tipo de professor esforça-se para ir ao encontro do aluno e entender o seu próprio processo de conhecimento, ajudando-o a articular o seu conhecimento-na-ação que exige do professor uma capacidade de individualizar, isto é, de prestar atenção a um aluno, mesmo numa turma de trinta, tendo a noção do seu grau de compreensão e das suas dificuldades. (SCHÕN, 1995, p. 82).
Essa capacidade, também denominada de “conhecimento prático”, é
um processo de “reflexão-na-ação”, ou mesmo um “diálogo reflexivo” com a prática
em si, na mobilização de conhecimentos e valores diversos. Segundo Pérez Gómez,
também se referindo aos trabalhos de Schõn (1987):
66
A reflexão implica a imersão consciente do homem no mundo da sua experiência, um mundo carregado de conotações, valores, intercâmbios simbólicos, correspondências afectivas, interesses sociais e cenários políticos. O conhecimento acadêmico, teórico, científico ou técnico, só pode ser considerado instrumento dos processos de reflexão se for integrado significativamente, não em parcelas isoladas da memória semântica, mas em esquemas de pensamento mais genéricos activados pelo indivíduo quando interpreta a realidade concreta em que vive e quando organiza a sua própria experiência. A reflexão não é um conhecimento <<puro>>, mas sim um conhecimento contaminado pelas contingências que rodeiam e impregnam a própria experiência vital. (PÉREZ GÓMEZ, 1995, p. 103).
A prática docente não ocorre de forma linear e nem mesmo é banhada
por uma rotina homogênea, ao contrário, ela ocorre em movimentos constantes de
construção de novas realidades que levam os/as professores/as para mobilizações
de conhecimentos diversos, não só aqueles normatizados pelo sistema educativo e
teorizados pela ciência. É uma realidade construída por processos idiossincráticos,
local de construções de estratégias de ação, de modos de enfrentamento de
problemas. Portanto, “[...] lugar de aprendizagem e de construção do pensamento
prático [...]” dos/as professores/as. (PÉREZ GÓMEZ, 1995, p. 110, grifo do autor).
Para Corradini e Mizukami (2011, p. 54), na sociedade brasileira, a
compreensão acerca da prática reflexiva surge como um molde de atividade
profissional por meio do qual os/as professores/as são motivados a refletir sobre as
suas práticas; ela segue ancorada na premissa básica que considera “[...] as
crenças, os valores, as hipóteses que os professores têm sobre o ensino, a matéria
que lecionam, o conteúdo curricular, os alunos, a aprendizagem estão na base de
sua prática de sala de aula”.
A compreensão na e sobre a prática leva para uma possível
modificação do papel docente como agente transmissor de conhecimentos e passa
para um novo entendimento, os/as professores/as como profissionais práticos
reflexivos que desempenham processos importantes para e na produção de
conhecimento no e sobre o ensino. Segundo Corradini e Mizukami (2011),
O conceito de professor como prático reflexivo reconhece a riqueza da experiência que reside na prática dos bons professores. Reflexão significa o reconhecimento de que o processo de aprender a ensinar se prolonga durante toda a carreira do professor (Zeichner, 1993, p. 17). A reflexão implica intuição, emoção, paixão; não é um conjunto de técnicas que possa ser ensinado. (CORRADINI; MIZUKAMI, 2011, p. 54).
Para Mizukami (2006, sem paginação), a escola é entendida como
agência formadora, ao lado de outros espaços como a universidade, compreensão
esta que está vinculada ao paradigma da racionalidade prática de Schõn (1983,
67
1987), de Calderhead (1996), de Knowles et al (1994) e de Marcelo (1999). Ela
considera que “[...] os domínios da teoria e os da prática se entrelaçam nos
diferentes momentos da formação profissional e ao longo da carreira docente. Sob
tal perspectiva tanto a universidade quanto as escolas estariam envolvidas com os
domínios da teoria e da prática”. Portanto, a formação é um processo contínuo de
(auto)formação que se faz em contextos diversos e em diferentes comunidades de
aprendizagens constituídas por diversos formadores. (MIZUKAMI, 2006).
Mostrando panorama sobre algumas delimitações, advindas da
literatura atual, referente aos processos de aprendizagem e de desenvolvimento
profissional da docência acerca do que se pensa sobre que professor/a formar,
Mizukami (2006) apresenta algumas direções que devem ser consideradas:
• A natureza individual e coletiva da aprendizagem profissional da docência; • A escola considerada como local de aprendizagem profissional; • A existência de processos não lineares de aprendizagem; • A importância de diferentes tipos de saberes construídos ao longo das trajetórias profissionais, a partir tanto de conhecimento acadêmico científico quanto da prática pedagógica; • A importância da prática profissional para a construção de conhecimentos próprios da docência e de diferentes naturezas; • A necessidade de explicitação da base de conhecimentos e de compreensão de processos de raciocínio pedagógico na construção de conhecimentos da docência; • A consideração da reflexão como orientação conceitual e fonte de aprendizagem profissional; • A influência de crenças, valores, juízos etc. na configuração de práticas pedagógicas; a necessidade de ambiente propício para partilha de idéias e diferentes tipos de conhecimentos dos professores; • A necessidade de tempo e espaço mental para que professores possam se desenvolver profissionalmente; • A importância de uma liderança positiva na escola; • Aprendizagens profissionais possibilitadas por jogos com situações desequilibradoras/equilibradoras; • A escola considerada como organização que aprende a partir de seus participantes; • A força das comunidades de aprendizagem na configuração da cultura escolar, da escola e dos saberes profissionais; • A importância de construir culturas escolares colaborativas a fim de fazer face à complexidade da mudança; • A importância da construção de “comunidades de aprendizagem” que passam a redefinir as práticas de ensino individuais e grupais; • A participação dos professores sendo considerada como ato de adesão, não compulsório; • As aprendizagens não são 'passadas' ou 'entregues sob a forma de pacotes' aos professores, mas são auto-iniciadas, apropriadas e deliberadas; • A necessidade de se contar com a adesão dos professores a programas de desenvolvimento profissional: via de regra eles se engajam em tais programas à procura de novas informações; • Novas técnicas, novos tipos de conhecimento, não para colocarem à prova os conhecimentos que possuem ou a prática que desenvolvem;
68
• A necessidade da reconceptualização do ensino ligada a reconceptualização de processos de desenvolvimento profissional; • A importância da consideração de interações entre os pares como fonte de aprendizagem profissional; • A premência de criação de contextos alternativos de desenvolvimento profissional; • A aceitação de processos de negociação: de processos, de conteúdos, de dinâmicas sendo naturais às comunidades de aprendizagem que envolve professores e formadores. (MIZUKAMI, 2006, sem paginação).
Compreender esses determinantes é dizer: isto é ser professor/a. Ser
professor/a é se fazer em um processo colaborativo, participativo, interativo de
aprendizagens específicas para o desenvolvimento da profissão docente. Pois, é
sempre se fazer profissional no devir das experiências, dos problemas e das
conquistas que são adentradas e construídas por muitos, não apenas pelo/a docente
e pelos/as alunos/as. As aprendizagens dos/as discentes são alcançadas por eles,
quando as aprendizagens dos/as docentes, acerca dos vários conhecimentos e
determinantes que estruturam a profissão de professor/a, se processam com
harmonia para o desfecho de encontro entre elas, contribuindo com o devir umas
das outras.
Imerso ao universo múltiplo de elementos que estruturam os processos
de desenvolvimento profissionais dos/as docentes, queremos situar os/as
professores/as em exercício nos primeiros anos do ensino fundamental, período que
apresenta especificidades em relação a outros níveis, espaço de construção de uma
identidade profissional diferente da identidade profissional construída nos últimos
anos do ensino fundamental, como, também, divergente da identidade profissional
elaborada no ensino médio e superior.
As especificidades aumentam se considerarmos as diferentes histórias
de vida dos/as professores/as que contribuem para que se definam enquanto
sujeitos sociais e que exercem uma profissão específica; os contextos sociais,
políticos e culturais que envolvem a escola em que atuam; suas disposições para
aprender a ensinar e para ensinar; as representações sociais que carregam acerca
dos objetos sociais para que possam lidar na sua prática profissional, entre outros.
2.2 Elementos constitutivos do processo de ensino-aprendizagem da língua
portuguesa
69
Neste item mostraremos algumas perspectivas que influenciam e
fomentam a realização do processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa,
com o propósito de mapear alguns elementos que constituem esta prática educativa.
Para melhor situar tais elementos, dividimos o texto em duas partes. A primeira
divisão trata da relação entre linguagem e interação dentro da escola e a segunda
parte, traz a relação entre o processo de ensino-aprendizagem da língua e o
processo de alfabetização.
2.2.1 A linguagem entendida como processo de interação e a importância da
mediação entre professor/a e alunos/as dentro da prática educativa
Na atualidade, onde muitas falas, comunicações, informações e
conhecimentos televisivos, computacionais e institucionais sobre variados assuntos
movimentam-se por vários espaços sociais e promovem a constituição dos seres
humanos, nos propusemos a compreender como estão os ensinamentos acerca do
veículo que possibilita tais interações. Buscamos ouvir e compreender os dizeres de
professoras acerca do processo de ensino-aprendizagem de língua portuguesa em
um período em que vivenciamos uma intensa prática de circulação de discursos.
Propusemo-nos a investigar para saber como se dá o processo de ensino-
aprendizagem da língua, assim, saberemos que o entendimento do que venha a ser
a linguagem e o discurso é fundamental para conhecermos a importância do ensino
e da aprendizagem da língua, mediada pelo professor/a para consolidar a
aprendizagem do/a aluno/a.
Reconhecemos que existem diferentes concepções de linguagem que
modificam também a compreensão do que seja o discurso, no entanto, neste
trabalho trataremos a linguagem na perspectiva da interação. Portanto, a linguagem
aqui é entendida como processo de interações dinâmicas e dialéticas entre sujeitos
pertencentes a grupos sociais, em que é influenciada por determinações materiais
em um movimento de interferências sociais, que promovem os discursos e as
práticas dos sujeitos.
Neste item escolhemos unir duas respeitáveis compreensões: uma
ligada à teoria da enunciação, que trata do papel da linguagem em cada momento
70
da vida humana e outra vinculada à teoria histórico-cultural, no que tange sobre a
importância da mediação para a formação do sujeito. O motivo surgiu da reflexão
que falar de ambas as vertentes é tratar de um mesmo constructo: a outridade como
fundante do ‘eu’, do ‘outro’ e do social. Assim, buscamos com estes norteamentos
fundamentar a prática de ensino-aprendizagem da língua.
Dois importantes pensadores contribuíram com estas duas vertentes,
cada um com uma teoria específica, entretanto, ambas tratam sobre a interação
como aspecto importante para a formação do sujeito e dos grupos sociais. O
primeiro, Mikhail Mikhailovich Bakhtin, preocupou-se com estudos sobre a linguagem
em uma perspectiva multidimensional, pois ele considerava que a linguagem é
dinâmica, dialógica, histórica, social, ideológica e ao mesmo tempo, singular e única.
Considerando a importância da interação, Bakhtin (2006) compreendia a linguagem
como acontecimento social que se constitui pela interação entre sujeitos/grupos e se
localiza em diversos enunciados. O segundo pesquisador, Lev Semyonovitch
Vygotsky, realizou estudos, entre outros, que buscaram compreender a relação entre
aprendizagem, desenvolvimento e linguagem. Ele defendeu a tese de que a
obtenção destas três potencialidades dos sujeitos é promovida por meio da
mediação do ser humano entre si e com o mundo. (VYGOTSKY et al, 2006).
Para a construção deste caminho textual, partimos das contribuições
de Bakhtin (2006) acerca do conceito de linguagem, de discurso, de signo e de
enunciação e, sucessivamente, construímos uma articulação entre estes conceitos e
aos apontamentos da Teoria Histórico-Cultural de Vygotsky (2006, 2007), referente
ao conceito de mediação. O percurso foi aberto em pontos diversos na trajetória
textual por reflexões de outros autores que tratam do aspecto fundamental da
interação na sociedade, e outros que dizem sobre ela dentro dos espaços escolares.
A compreensão do mundo que dirige a vida das pessoas é organizada
em virtude de fatos em que o ser humano sincroniza seus projetos em um tempo e
espaço que impõem a sua biografia. Nessa ideia, a interação social tem papel
importante na vida cotidiana. É mediante a situação face a face que os sujeitos
podem se constituir enquanto seres sociais, e é através da interação social que
modelos são apreendidos na sociedade e, também, é a partir dela que o sujeito
constrói sua identidade.
71
Segundo Berger e Luckmann (2004)16, a sociedade, enquanto
realidade subjetiva, é construída a partir da interiorização de fatos e compreensões
do cotidiano. Assim, é na infância que a criança, através do convívio familiar e,
posteriormente, por meio da escola, apreende os significados sociais e naturaliza
sua participação no mundo e caminha para a autonomia do adulto.
Berger e Luckmann (2004) nos ensinam que, no que tange à
identidade, é possível verificar um movimento dinâmico, pois a identidade constrói o
social, entretanto, é construída socialmente. Deste modo, não somente o
conhecimento e a realidade são produtos da atividade humana, como também, a
própria identidade que não se forma individualmente. Diante do que foi dito, a
singularidade do sujeito é algo social, se considerarmos que só existe em confronto
e conciliação com o ‘outro’, na interação e na relação de partilha de universos de
significados.
Constantemente, o ser humano cria várias significações para lidar com
o mundo. Gestos, linguagens, ferramentas - utensílios domésticos, equipamentos
eletrônicos, entre outros - e interações sociais fazem parte das práticas dos sujeitos
para compreenderem a realidade, agirem nela e se desenvolverem em suas
existências. Depreendemos, desta maneira, que os sujeitos necessitam adquirir e
ampliar seus conhecimentos para melhor viver.
Com o intuito de obter tal grau de compreensão sobre o mundo, os
sujeitos precisam mediar seus entendimentos uns aos ‘outros’ para facilitar suas
vidas. Esta intenção proporcionou a criação do discurso, em que todos podem obter,
conhecer, criar e re-criar reflexões sobre a realidade. Diante do exposto, as
possibilidades de interação, de se fazer entendido e de compreender os significados
atribuídos para diversas realidades e seus objetos são constantemente construídas
e reconstruídas em um dinâmico movimento de influências mútuas.
Conforme Berger e Luckmann (2004), a construção social da realidade
é um processo complexo e dinâmico, é o conhecimento obtido pela simbolização,
significação, interpretação e domínio de fatos e objetos do mundo físico e social.
Conforme o exposto, podemos afirmar que a elaboração de conhecimento do sujeito
e dos grupos sociais e a própria prática discursiva facilitam a criação, como,
16
Buscamos o entendimento do que seja ‘realidade’ na obra de Berger e Luckmann intitulada A construção social da realidade, editada pela empresa Vozes no ano de 2004, na sua 24ª edição. A importância da vertente social é amplamente discutida.
72
também, a recriação de conhecimentos, são potencialidades principais para a
consolidação da formação humana, englobando os conhecimentos formados e
mediados pela cultura, tradição, ciência e religião de um povo.
A rotina diária nos mostra que o discurso é mais conhecido como
sendo uma fala planejada para ser proferida a determinado (s) ouvinte (s) que será
envolvido por palavras acerca de determinado tema, como por exemplo, o discurso
político. Entretanto, sua significação na teoria de Bakhtin (2006) penetra-se na
junção entre identidade e alteridade e, ramifica-se e multiplica-se por várias outras
dimensões, conforme nos apresenta Brait (2004, p. 187)17:
Dentro do domínio específico dos estudos da linguagem [...] o termo ‘discurso’ ganha uma significação [...] que engloba, por assim dizer, a linguagem em geral, cobrindo a fala do dia-a-dia, os textos publicitários e jornalísticos, essa fala marcada dos políticos em constante estado de euforia palavrória, a poesia, as artes em geral, os estudos científicos e tudo mais que o homem produz como forma de comunicação, expressão, organização, construção e representação do mundo e de si mesmo por meio de signos verbais, visuais, verbo-visuais.
Dessa maneira, o discurso é compreendido como o momento de
interação do ‘eu’ e do ‘outro’, a possibilidade de conceber a realidade e de se
constituir humano mediante a dimensão fundante do social. É por intermédio da
prática discursiva que as pessoas falam sobre diversos assuntos que conhecem ou
mesmo desconhecem, tentam lidar e capturar significados sobre objetos diversos da
realidade. Tanto influenciados, como também influenciadores, os sujeitos constroem
suas individualidades e sua pertença grupal e cultural.
Bakhtin/Volochinov (2006)18 afirmam que a prática discursiva não é
uma ação individual, ela é de natureza social, pois está ligada às condições das
comunicações, que estão entrelaçadas às estruturas sociais. Este norteamento
conduz para a afirmação fundamentada no materialismo-histórico em que o sujeito
se constitui como ser humano no convívio social. A conversação neste contexto
possibilita o diálogo entre pessoas, portanto, favorece trocas de informações,
17
Trabalho de Elizabeth (Beth) Brat nomeado Linguagem e identidade: um constante trabalho de estilo, publicado no ano de 2004, na revista Trabalho, Educação e Saúde. Este artigo está fundamentado pelos pensamentos bakhtinianos. 18
Roman Jakobson (2006, p. 10), no Prefácio da obra intitulada Marxismo e a Filosofia da Linguagem diz: “Acabou-se descobrindo que o livro em questão e várias outras obras publicadas no final dos anos vinte e começo dos anos trinta com o nome de Volochinov [...] foram na verdade, escritos por Bakhtin (1895-1975) […] Ao que parece, Bakhtin recusava-se a fazer concessões à fraseologia da época e a certos dogmas impostos aos autores”. Por este motivo, escolhemos considerar os dois pensadores na indicação da autoria da obra.
73
representações, culturas, saberes e modos de entender a realidade, que, por sua
vez, estão submersos em ideologias.
Observamos que para Bakhtin/Volochinov (2006) os sujeitos se fazem
na dinâmica dialógica de trocas acerca das compreensões sobre o mundo, nas
trocas de significados sobre a realidade circundante. Tudo se concentra na relação
com o ‘outro’, com o próximo. Em um mundo heterogêneo, as pessoas precisam
lidar com o necessário convívio entre elas, as culturas diversas necessitam conviver
de qualquer maneira umas com as outras, querendo ou não as pessoas precisam da
proximidade com o ‘outro’ para compreender o mundo e se fazer humano.
Essa perspectiva de compreensão da linguagem coloca em evidência a
interação, o ‘eu’, o ‘outro’, o local da vivência, o tempo histórico, a cultura e a
ideologia que se movimentam em termos dinâmicos e, principalmente, dialéticos
entre si, para que ocorra a manutenção da natureza humana. Isto se desenvolve de
maneiras contraditórias, pois, a conservação da humanidade está submersa em
contextos de confronto de interesses, promovendo igualdades ou desigualdades
sociais. Essa ideia leva para uma compreensão do sujeito, enquanto um interlocutor
ativo, em um permanente diálogo com ‘outros’ na busca por sentidos para agir no
mundo, este discurso é atravessado por outros discursos diferentes.
Quando utilizamos a linguagem estamos interagindo, atuando sobre o outro, influenciando-o e sendo influenciados. A comunicação é percebida como um processo no qual as pessoas envolvidas procuram negociar sentidos, tentando criar significados partilhados. Não é só “passar” informações, mas compartilhá-las. Assim, a linguagem é a possibilidade de interação comunicativa buscando a produção e construção de significados, de sentidos, enfim, de elaboração de conhecimento. (ANDRADE, 2008, p. 4011)
19.
Esses dizeres que se cruzam são aqueles que adquirimos no passado
com a interação entre sujeitos; são também estes resultados dos diálogos que
realizamos nas situações concretas da realidade, no falar com o ‘outro’ e soma-se
àqueles tantos outros discursos que recebemos da cultura, da sociedade, da arte em
geral, da ciência e da ideologia que nos envolve. Portanto, quando
falamos/ouvimos/gesticulamos/desenhamos/etc sobre algo estamos construindo
19 Utilizamos o artigo de autoria da Maria de Fátima R. Andrade intitulado Interações sociais em sala de aula: o ensino de Língua Portuguesa, publicado em meio eletrônico no ano de 2008 pelo VIII Congresso Nacional de Educação e III Congresso Ibero-Americano sobre Violências nas Escolas, que ocorreu em Curitiba. Neste artigo, a autora discutiu as três principais concepções de linguagem – como expressão do pensamento, enquanto instrumento de comunicação e como forma de interação - e suas implicações na prática educativa.
74
significações acerca do assunto tratado a partir das significações que já temos, tanto
em formato singular por nossas vivências, como no ato do diálogo do ‘eu’ com o
‘outro’, além mais, acrescenta-se as significações sociais e ideológicas que estão
inseridas na nossa consciência individual e social.
Na multiplicidade de discursos interiores e exteriores, onde
falamos/ouvimos/gesticulamos/desenhamos/etc obtemos entendimentos acerca do
mundo. Conforme Bakhtin/Volochinov (2006), mediante a alteridade que os sujeitos
se constituem e se modificam constantemente. A alteridade é fundamento da
identidade, pois o homem social interage e interdepende de outros indivíduos.
Assim, a existência do "eu-individual" só faz sentido se estiver contato com o outro.
Desta forma, ao se moldar e modificar, se constitui identidade.
Para Bakhtin/Volochinov (2006) o que determina as interlocuções, os
entendimentos e conhecimentos das pessoas acerca da realidade e também a
própria consciência humana, é a junção entre os significados espacial e
historicamente elaborados pelos sujeitos – signos - acerca de determinado objeto e
a ideologia. Nas palavras dos autores:
A consciência adquire forma e existência nos signos criados por um grupo organizado no curso de suas relações sociais. Os signos são o alimento da consciência individual, a matéria de seu desenvolvimento, e ela reflete sua lógica e suas leis. A lógica da consciência é a lógica da comunicação ideológica, da interação semiótica de um grupo social. Se privarmos a consciência de seu conteúdo semiótico e ideológico, não sobra nada. A imagem, a palavra, o gesto significante, etc. constituem seu único abrigo. Fora desse material, há apenas o simples ato fisiológico, não esclarecido pela consciência, desprovido do sentido que os signos lhe conferem. (BAKHTIN; VOLOCHINOV, 2006, p. 34).
No dinamismo social, o ser humano produz sinais quando fala,
gesticula, escreve, desenha, etc, para criar, reproduzir e mediar significados entre os
sujeitos, que são denominados de signos. Ao elaborar signos, os sujeitos criam suas
existências em formato de pensamentos, de atitudes e de ações culturais,
normativas, políticas, etc.
Mediante estes processos de significações e simbolizações das coisas
do mundo, as pessoas dialogam, formam e organizam suas culturas, expõem e
representam seus pensamentos, criam objetos, práticas e normas sociais. Os signos
são fundamentais, pois fornecem ao sujeito uma dimensão simbólica, que o conecta
as realidades sociais e naturais. Todavia, o entendimento de mundo é vivo, pois o
ser humano é um sujeito histórico-cultural, em que media conhecimentos
75
repassados/reproduzidos para novas gerações. Ou seja, a formação humana se dá
nas interações sociais. Entender uma realidade determinada depende dos
conhecimentos locais, grupais em uma específica época.
Nessa linha de ideias, os signos são objetos físicos da realidade, como
por exemplo, palavras, gestos e imagens, que apresentam significações e conceitos
vivos, móveis, plurivalentes e mutáveis, pois recebem significados conforme as
situações reais em que venham a ser utilizados pelas pessoas em diferentes
espaços e tempos sociais. Para uma apresentação refinada, nada melhor do que
destacar o dito dos autores:
Os signos também são objetos naturais, específicos, e, como vimos, todo produto natural, tecnológico ou de consumo pode tornar-se signo e adquirir, assim, um sentido que ultrapasse suas próprias particularidades. Um signo não existe apenas como parte de uma realidade; ele também reflete e refrata uma outra. Ele pode distorcer essa realidade, ser-lhe fiel, ou apreendê-la de um ponto de vista específico, etc. Todo signo está sujeito aos critérios de avaliação ideológica (isto é: se é verdadeiro, falso, correto, justificado, bom, etc.). O domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos: são mutuamente correspondentes. Ali onde o signo se encontra, encontra-se também o ideológico. Tudo que é ideológico possui um valor semiótico. (BAKHTIN; VOLOCHINOV, 2006, p. 31).
Para o Grupo de Estudos de Gêneros e Discursos (GEGe, 2009), da
Universidade Federal de São Carlos, em obra com formato de glossário das ideias
de Bakhtin, o signo é construído em um percurso que contém três partes
inseparáveis, uma material, outra de materialidade sócio-histórica e, por último, uma
que trata do ponto de vista do sujeito. Nesta mesma obra, a ideia de ideologia na
vertente bakhtiniana é entendida como expressão, organização, regulamentação e
representação das relações histórico-materiais estabelecidas entre os seres
humanos. Após estas acepções, Bakhtin/Volochinov (2006) afirmam que tudo que é
ideológico é signo, em que este faz parte de uma realidade material, que reflete e
refrata outras realidades. Em seus próprios dizeres: “O que é que determina esta
refração do ser no signo ideológico? O confronto de interesses sociais nos limites de
uma só e mesma comunidade semiótica, ou seja: a luta de classes”. (BAKHTIN;
VOLOCHINOV, 2006, p. 45).
Um discurso nunca será uniforme para diferentes interlocutores, pois
ele é constituído de interesses, conhecimentos, culturas e representações situadas
em um tempo e local social. Determinado discurso, mesmo que se repita várias
vezes, estará carregado de uma vertente singular - o ‘eu’ que apresenta
76
conhecimentos prévios adquiridos no convívio, de uma derivação plural - o ‘outro’ no
momento do diálogo - e, por conseguinte, é constituído por uma dimensão
multiangular - o social, que produz a cultura e a ideologia.
Para Bakhtin/Volochinov (2006, p. 35): “Cada domínio possui seu
próprio material ideológico e formula signos e símbolos que lhe são específicos e
que não são aplicáveis a outros domínios. O signo, então, é criado por uma função
ideológica precisa e permanece inseparável dela”. Tendo esta ideia como princípio
norteador, os autores consideraram que os signos fazem parte de conceitos teóricos
que dispensam os interlocutores no processo discursivo, assim, preferem trabalhar
com a categoria da enunciação, como unidade básica para compreender a
linguagem.
Souza (2002), em produção acadêmica20 acerca do Círculo de
Bakhtin/Volochinov/Medvedev21 defende e enfatiza o entendimento que trata o termo
enunciado vinculado ao adjetivo ‘concreto’ - enunciado concreto, pois apresenta as
seguintes características:
a) é um fato real, é criado; b) é uma unidade da comunicação verbal, isto é, uma unidade do gênero; c) apresenta um acabamento real, ou seja, são irreproduzíveis (embora possam ser citados); d) as suas pausas são pausas reais;
e) tem autor (e expressão) e destinatário. (SOUZA, 2002, p. 71-72).
O enunciado, entendido por Souza (2002) acerca dos estudos do
Círculo de Bakhtin, é também enunciação, é uma categoria que traz a importância
da complexidade das relações sociais, pois busca compreender o discurso que
contêm dado conceito e significação na junção entre os interlocutores situados em
um tempo e local de uma realidade concreta, multidimensional e única.
Para Bakhtin/Volochinov (2006), o enunciado é uma produção
discursiva submersa em um contexto. Esta premissa pode ser sintetizada no termo
enunciação, pois este contempla o conceito de que as produções de significados
mediados pelos diversos diálogos presentes em dada circunstância de interação
20
Dissertação intitulada Introdução à teoria do enunciado concreto do círculo Bakhtin/Volochinov/Medvedev, de Geraldo Tadeu Souza, originalmente apresentada como dissertação de mestrado para a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/USP. Utilizamos o livro publicado no ano de 2002, 2ª edição. 21
O Círculo de Bakhtin, que é composto por este e também Volochinov e Medvedev, é um grupo de três pesquisadores e pensadores que se uniram para descobrir e compreender “[...] qual é o papel da linguagem em cada acontecimento da existência humana: na vida cotidiana, na arte, na ciência, na religião de uma época determinada.” (SOUZA, 2002, p. 15).
77
entre sujeitos são penetrados e construídos pela realidade localizada no ato
praticado, que pode ocorrer em qualquer lugar e em períodos ininterruptos.
Logo, fizemos uma relação entre esses conceitos - linguagem,
discurso, signo e enunciação – e as práticas de ensino-aprendizagem da língua
dentro das escolas. Consideramos que a prática educativa é construída com a
mediação da linguagem, em seu sentido amplo, pois a prática de sala de aula é
arquitetada por várias produções de significados a partir dos discursos internos e
externos aos sujeitos, sejam em termos individuais, grupais, intergrupais e sociais,
situados dentro de uma pluralidade de culturas e demarcados no tempo histório-
cultural.
Compreendemos que esses conceitos e entendimentos da linguagem,
de discurso, de signo e de enunciado/enunciação foram elaborados ao longo da
História e influenciam a maneira que entendemos e refletimos academicamente
sobre o processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa. Contudo, a prática
de sala de aula também é norteada por concepções de linguagem que os sujeitos
carregam para resolver processos comunicacionais e pedagógicos.
Fazendo um movimento de relações entre as ideias de
Bakhtin/Volochinov (2006) e a presente investigação, podemos entender que cada
discurso emitido pelas professoras comprometidas com a nossa pesquisa é diferente
um do outro, está situado no espaço-temporal das instituições públicas municipais
de Jataí, no ano de 2010. Cada escola possui uma lógica discursiva, um contexto de
enunciados e significados que produzem a arquitetura compreensiva do ambiente
educativo. O discurso emitido faz parte de uma enunciação.
Todavia, sabemos que existem referências de significados
consensuais, representações sociais que possibilitam entendimentos e práticas
comuns dentro da sala de aula. É neste jogo de relações de unicidade e de
consensualidade de significações sobre a prática educativa, que propusemos saber
quais as representações sociais que as professoras expressam acerca do processo
de ensino-aprendizagem da língua, conhecendo assim, as enunciações que
conectam, ligam, consolidam, constituem, envolvem, entrelaçam, a teia de
compreensões sobre esta realidade.
Reforçamos assim, que esta dialogicidade é composta por discursos
internos e externos ao sujeito e, principalmente submersos em ideias socialmente
construídas, portanto, os dizeres das professoras, emitidos nas situações concretas
78
dos contatos realizados para a investigação, acerca do processo de ensino-
aprendizagem da língua estão intimamente relacionados a outros diálogos
professorais, institucionais, sociais e ideológicos existentes.
Além do mais, esses diferentes discursos e representações sociais
podem definir, orientar e justificar as ações das professoras no espaço educacional,
trazendo um caráter identitário para o grupo. Desta maneira, é necessário
compreender como se formam e como funcionam os sistemas de referências que
direcionam os enunciados das professoras que, possivelmente, guiam as práticas
educativas.
Alguns autores, como Andrade (2008), defendem a necessidade da
apropriação pelos/as professores/as sobre a concepção de linguagem que
carregam, pois, assim, favorecerá a compreensão ampla acerca de sua própria
prática educativa, conhecendo o que norteia sua prática e direciona suas atuações
professorais:
[...] o professor precisa conhecer sua concepção de linguagem, pois é ela que irá fundamentar a sua ação pedagógica. A prática escolar, em que a relação professor/aluno e aluno/aluno é mediada pela palavra, não pode ser vista como algo neutro, desvinculado da realidade. Assumir que qualquer proposta metodológica é articulada a uma concepção de mundo e de educação é perceber, de alguma forma, as diferentes concepções de linguagem que estão presentes no cotidiano da sala de aula. (ANDRADE, 2008, p. 4010).
Identificamos nos dizeres das professoras algumas concepções de
linguagem contidas dentro das representações sociais sobre o ensino e a
aprendizagem da língua, que fogem do entendimento enquanto processo de
interação. Alguns materiais textuais sobre esta identificação foram apresentados no
capítulo que tratou sobre os resultados da pesquisa. Para Andrade (2008), dentro de
uma concepção interacional, a linguagem é compreendida:
[...] pelo seu caráter dialógico, onde vários discursos estão presentes e são permitidos. O professor surge, então, para cumprir um papel de mediador na busca dos diversos sentidos possíveis da linguagem, procurando assimilar e organizar as diferentes falas presentes na sala de aula, incentivando a participação, a iniciativa e a cooperação dos alunos e fazendo respeitar as mais variadas opiniões. (ANDRADE, 2008, p. 4012).
Temos ciência que essa compreensão interacional da linguagem
promove práticas educativas multifocais, pois consideram a participação efetiva de
todo os sujeitos e mediadores físicos e abstratos que cercam o ensino e a
79
aprendizagem da língua, não centralizadas apenas na figura do/a professor/a, do/a
aluno/a ou mesmo do objeto de ensino e de aprendizagem. Portanto, ela contempla
o consenso e o dissenso dos discursos verbais e não-verbais que emergem da
prática e que chegam até ela.
Segundo Orlandi (2007)22, as pessoas estão submetidas à linguagem
que as envolve, seja pela sua cultura ou de outras circundantes, assim, o ato de
interpretar a realidade e os discursos que nela se movimentam é inevitável. Por
conseguinte, esta autora fala sobre a importância de orientar tal aclaramento de
sentidos para que o sujeito, especialista ou não, possa situar-se de uma melhor
forma quando confrontado com o discurso e, juntamente com o mundo, com outras
pessoas, com os significados acerca do mundo e finalmente com sua historicidade,
se percebam sujeitos e objetos da linguagem.
Nesta pesquisa, esse norteamento foi projetado e praticado enquanto
se valeu por constituir-se em um exercício analítico da compreensão dos discursos e
representações sociais das professoras; que resultou em um banco de
apontamentos e reflexões que podem, possivelmente, retornar para as mãos das
professoras, provocando dúvidas ou mesmo afirmações acerca da prática que
realizam, possibilitando uma compreensão de si mesmas, enquanto professoras da
língua portuguesa e de outras dimensões que envolvem o espaço educativo.
Essa compreensão multidimensional é necessária, pois a falta de
perceber o ‘outro’ nos exercícios educacionais, dificulta a aquisição de
conhecimentos, acarretando desinteresse e ausência de significação sobre a
importância da obtenção de conhecimentos para a vivência e convivência humana.
Neste sentido, as interações que se estabelecem entre o/a professor/a e os
alunos/as, dentro da sala de aula, podem favorecer ou desfavorecer o processo de
ensino-aprendizagem da língua portuguesa; pois estas interações são ramificadas
em sua constituição por crenças, atitudes, opiniões, impressões e representações
sociais que os sujeitos produzem e mediam sobre diversos elementos que envolvem
a educação escolar, como também, acerca da própria instituição, de si mesmos, de
outras pessoas e das próprias práticas sociais. Consequentemente são enunciações
fundamentadas por representações diversas sobre as coisas do mundo em que os
sujeitos reconhecem ou ignoram as interações sociais neste ambiente.
22
Obra sob o título Discurso e Leitura. Publicada pelas editoras: CORTEZ e UNICAMP, na sua 7ª edição em 2006.
80
É neste ponto textual que buscamos as contribuições de Vygotsky
(2006, 2007) para destacar o conceito de mediação e a importância da interação na
construção de significados sobre o mundo. O autor buscou fundamentos na teoria
Marxista. Segundo Zuin e Reyes (2010), tecendo reflexões dialógicas sobre as
teorias de Vygotsky e Bakhtin, afirmam que nas ideias de Marx, o conceito de
mediação liga-se ao trabalho realizado pelo sujeito para agir e lidar nas
circunstâncias vivenciais que o envolve. Foi por meio da mediação, através do uso
de instrumentos aplicados ao exercício do trabalho, que os sujeitos se constituíram
enquanto um grupo humanizado, pertencente a uma espécie diferente de seres do
mundo. Seguindo esta consideração, Vygotsky descreveu dois tipos de atividades
mediadoras, os instrumentos e os signos:
A mediação por instrumentos, afirma, possui ligação direta com os postulados marxistas a respeito de sua importância como elemento interposto entre o trabalhador e o objeto de seu trabalho, ou seja, o instrumento é feito com o intuito de um objetivo específico; é, pois, um objeto social e mediador da relação do homem com o mundo. Já a mediação por signos é outro meio inventado pela humanidade a fim de auxiliá-la no campo psicológico. (ZUIN; REYES, 2010, p. 39).
Na busca para agir na realidade e compreender o mundo, ou mesmo,
para melhor lidar com as circunstâncias adversas da vida, como por exemplo, uma
tempestade, um sol intenso, a neve, ou adquirir e produzir alimentos para comer e
até mesmo conviver e, consequentemente se humanizar, o sujeito criou mediadores
diversificados: ferramentas, máquinas, carros, aviões, etc., que podemos chamar de
elementos físicos. Neste mesmo percurso existencial, o ser humano também criou
instrumentos da atividade psicológica, como exemplar, trazemos o signo. Assim, é
pela mediação que o sujeito se relaciona com o ambiente, pois ele não tem acesso
direto aos objetos, mas estabelece relações mediante os sistemas simbólicos que
representam a realidade.
Para Vygotsky (2007), considerando quatro vertentes do ser humano,
enquanto um ser biológico, psíquico, social e individual, é por meio da mediação
tanto em formato de instrumentos, como de signos, que os sujeitos internalizam
conhecimentos da realidade. Aprendem no convívio entre as pessoas, com a grande
importância da linguagem e, assim, promovem o desenvolvimento real - o sujeito
consegue realizar sozinho, os problemas e questões existenciais - e o
desenvolvimento potencial - a pessoa realiza problemas e questões existenciais com
a ajuda de outra.
81
Rego (2008) nos apresenta uma possível compreensão sintética dessa
premissa, três exemplos de possibilidades da complexa mediação simbólica: 1º
proporciona ao ser humano lidar com os objetos do mundo exterior mesmo quando
eles estão ausentes. 2º possibilita abstrair, interpretar, generalizar as características
dos objetos e situações. 3º Funciona como uma linguagem, uma possibilidade de
trocas de conhecimentos entre as pessoas, que garante a preservação dos grupos,
a mediação do sujeito com o mundo e o aprendizado de conhecimentos e de
experiências físicas, que são acumulados pela humanidade ao longo da História.
Logo, o domínio dos instrumentos e o domínio dos signos promovem modos
diferentes e mais abstratos de pensar sobre o mundo e possibilitam inúmeras formas
de interação entre pessoas e de interação delas com o conhecimento.
Para Vygotsky et al (2006) a dinâmica das interações dentro do
processo de ensino-aprendizagem deve ser realizada sob a mediação do/a
professor/a nas atividades e construções cognitivas dos/as alunos/as, para um
resultado adequado da aprendizagem. Para ele a mediação é um fator de suma
importância nas relações, sendo que, a aprendizagem e o desenvolvimento são
processos adquiridos e elaborados culturalmente. Para esse autor o processo de
mediação é entendido como uma ponte que liga as relações do sujeito com o
mundo.
Observa-se que, para Vygotsky (2007), a relação do ser humano com o
mundo não é uma ligação direta e sim mediada, sendo que os símbolos são os
elementos intermediários entre o sujeito e a realidade que o cerca, não se une a
determinada relação senão por meio de outra relação. Esta mediação pode ocorrer a
partir das interações entre as pessoas promovidas pela linguagem e pelas práticas
sociais. A intervenção de fatores culturais possibilita formas diferentes de relações
do sujeito com o meio. É, portanto, através do processo de mediação que o sujeito
se humaniza. É dentro desse conceito de mediação que Vygotsky ofereceu uma
significativa contribuição para a área educacional, com seus estudos sobre a Zona
de Desenvolvimento Proximal (ZDP). De acordo com ele, ZDP é:
[...] a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração de companheiros capazes. (VYGOTSKY, 2007, p. 97).
82
Para Vygotsky (2007), crianças de mesma idade temporal podem
apresentar idade mental diferenciadas, ou seja, a criança só vai aprender, mesmo
com a ajuda de outra pessoa, a partir do momento em que ela estiver pronta. “Se
uma criança pode fazer tal e tal coisa, independentemente, isso significa que as
funções para tal e tal coisa já amadureceram nela”. (VYGOTSKY, 2007, p. 97).
O/a professor/a como mediador/a de conhecimentos, tem papel
fundamental para o desenvolvimento do/a aluno/a, entretanto, Vygotsky et al (2006)
afirma que não é qualquer pessoa que pode, a partir do auxílio do ‘outro’, realizar
qualquer tarefa. Ele diz que o ‘outro’ só pode ajudar quando o sujeito estiver pronto
para receber essa assistência. O desenvolvimento e o aprendizado estão
relacionados um ao outro, é necessário o desenvolvimento e a organização das
funções psicológicas para a evolução do aprendizado, permitindo o despertar de
processos internos de desenvolvimento, em contato com o ‘outro’ e com o meio em
que vive, para que isso ocorra. Portanto, é fundamental o papel do/a professor/a na
ascensão do desenvolvimento e aprendizado do/a aluno/a.
Vygotsky (2007) afirmava que quando a criança dá um passo evolutivo
no aprendizado, expande em dois passos o desenvolvimento, pois o conhecimento
que aprendeu possibilitou o armazenamento de referências que podem ser utilizadas
em processos cognitivos diferenciados. Assim, podemos dizer que o/a docente
proporciona uma possível contribuição na obtenção dos dois processos por parte
do/a discente, na mediação de situações educativas que se valem do que o/a
aluno/a já conhece, daquilo em que ele consegue realizar sozinho/a, como também,
o/a professor/a precisa saber qual é o potencial cognitivo do/a discente, até qual
nível ele/a pode aprender e se desenvolver com a ajuda do/a professor/a, para
depois conseguir realizar questões e exercícios mais complexos por si mesmo.
Dessa maneira, o/a professor/a precisa considerar o que o/a aluno/a já
sabe antes do processo educativo apresentado; necessita respeitar o momento
cognitivo solitário do/a discente quando está produzindo relações entre os saberes
prévios e referências diversas que auxiliarão na resposta ao problema apresentado
pelo/a docente; como também, o/a professor/a precisa refletir sobre o quê o/a
aluno/a poderá vir a conhecer - o potencial cognitivo que poderá alcançar – e;
principalmente, sabendo destas três importantes vertentes, deve proporcionar uma
mediação educativa que contemple todas essas dimensões.
83
A atividade mediadora advinda do signo, que favorece o contato do ser
humano com outros seres sociais e físicos, flui, principalmente, na interação entre
sujeitos, nas inserções grupais que as pessoas são direcionadas e se permitem
adentrar. Quando a criança chega à escola, entra em um novo grupo social, que
marca a primeira grande ruptura social, uma vez que convivia exclusivamente com o
círculo familiar. Neste momento, tem a possibilidade de fazer parte de mais um
grupo social, de se fazer pertencente e participante do mesmo. Entretanto, podemos
considerar que o/a docente e seus/suas alunos/as formam um grupo?
A resposta para a pergunta pode contribuir para compreender este
movimento interpessoal dentro da sala de aula. Para Jesuíno23 (1997, p. 260), o
conceito de grupo está relacionado com o entendimento sobre a interação, a
interdependência e a consciência mútua entre seus membros. Este autor,
fundamentado em McGrath (1984), apresenta quatro direcionamentos para
considerar pouco agregados os sujeitos, tendo menor adesão ao grupo: 1. Quanto
maior o número dos seus membros; 2. Menor a interação entre os membros; 3.
Menor a sua história; 4. Quanto “[...] mais o seu futuro se reduz ao horizonte próximo
da interacção corrente”.
Conforme Jesuíno (1997), os sujeitos agregados que são considerados
como grupos agem conforme as características do coletivo, direcionados pelo poder,
pela autoridade e pela influência dos membros. Os membros de determinada
coligação interagem afeiçoados às suas características pessoais, seus
posicionamentos perante o grupo e em relação às tarefas que irão desempenhar. Se
existe um sujeito com características muito díspares dos outros sujeitos de um
grupo, sendo este considerado como o líder, a dinâmica das interações tem a
possibilidade de caminhar conforme seus direcionamentos. Assim, compreendemos
que o/a docente pode ser visto como este líder que exerce uma influência
significativa no processo de ensino-aprendizagem, sendo de suma importância ouvi-
lo/a para identificar os movimentos e as forças diretivas de suas práticas nas
interações entre os/as alunos/as.
23
No capítulo denominado Estrutura e processos de grupo: interacções e factores de eficácia, do livro Psicologia Social, publicado em Lisboa no ano de 1997, pela Fundação Calouste Gulbenkian, Jesuíno apresenta possibilidades de se pensar acerca dos grupos e das relações interpessoais que se estabelecem dentro dos mesmos.
84
O conhecimento social consiste em um conjunto de ideias que
permitem aos sujeitos a compreensão de si mesmos e dos outros, a reflexão das
relações interpessoais e de grupos e o funcionamento geral da sociedade. Desta
maneira, o/a professor/a se faz, enquanto profissional, na relação com o/a aluno/a,
como, também, o/a discente constrói sua identidade e reflexões sobre o mundo na
relação com o/a docente, não esquecendo outras pessoas/culturas/ideologias.
Ambos os sujeitos sociais estão imersos em uma sala de aula que não
se basta como um espaço de mediação de conhecimentos, mas é o lugar que abriga
possibilidades múltiplas para a formação reflexiva de um sujeito pleno, em termos
individuais e de inserção social. Desta forma, evidencia-se que aquele/a que ensina
é tão importante quanto àquele/a que aprende, pois, são dois segmentos de uma
estrutura orgânica com regras e normas de funcionamento de dependência,
estreitamente ligados por um quefazer de alegria e de enfrentamentos orientados
por objetivos maiores do processo de ensino e aprendizagem: promover
conhecimento que, além de associar teoria e prática, promova a cidadania, a
inclusão, a leitura e a interpretação de mundo, enquanto construção e representação
social.
Portanto, o tipo de troca social estabelecida entre professor/a e aluno/a
e aluno/a e aluno/a, autoriza ou desautoriza a construção de uma personalidade
autônoma. A formação da personalidade humana só é possível de ser efetivada
mediante desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a
aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores.
Práticas educativas adequadas de mediações de conhecimentos contribuem para a
formação de um sujeito que saiba elaborar o seu próprio conhecimento, resolver os
diferentes problemas que a vida lhe impõe, transformando-se assim, possivelmente,
em uma pessoa criativa, inventiva, descobridora e solidária.
Para trazer um caráter específico dessa interação, buscamos as
contribuições de Coll e Solé (1996), mesmo sabendo que estudam fundamentos
construtivistas, pois consideramos que contemplam as elucidações aqui expostas da
importância do social para a aquisição de conhecimento pelos sujeitos. Para estes
autores, as interações entre docente e discente provocam repercussões sobre o
ensino e a aprendizagem escolar; a educação é uma atividade social, em que o/a
professor/a desempenha o papel de ensinar, dirigir, guiar e influir sobre a
aprendizagem de conhecimentos, atitudes, valores e normas por parte do/a aluno/a.
85
Portanto, nos perguntamos: como são estabelecidas as interações entre
professores/as e alunos/as no processo de ensino e aprendizagem?
Segundo Coll et al (1998, p. 39), quando aprendemos, aprendemos os
conteúdos e também aprendemos que podemos aprender; quando não aprendemos
os conteúdos, podemos aprender algo: que não somos capazes de aprender. Tudo
isso ocorre durante as interações estabelecidas em aula, em torno das tarefas
cotidianas, entre alunos/as e entre os/as alunos/as e o/a professor/a; e durante
essas interações é que se constrói a motivação intrínseca, que não é uma
característica do/a aluno/a, mas da situação de ensino/aprendizagem, e afeta
todos/as os/as protagonistas.
Ao transcorrer do tempo, a reflexão sobre o que seja o ensino e a
aprendizagem foi sendo modificada, como também, a compreensão da dimensão
relacional entre os sujeitos envolvidos nesses processos. Atualmente, conforme Coll
e Solé (1996), essas relações são entendidas em várias pesquisas como um
fenômeno complexo dentro da sala de aula, são influenciadas por diversos fatores,
como, por exemplo, pelas representações que professores/as e alunos/as têm
acerca de si, dos outros seres e de objetos, pela cultura social e institucional, pelas
expectativas dos sujeitos envolvidos nas atividades, entre outros.
Para esses autores, é necessário considerar as características
específicas dos contextos de sala de aula e, também, dos contextos institucionais e
sociais, em que são produzidas as interações, como também, indicam à importância
de se pensar a aula como um espaço comunicativo regido por regras. Ampliamos
esta ideia, considerando a prática educativa como regida por enunciações diversas.
Coll e Solé (1996, p. 295), apresentam que existem dois elementos
essenciais na construção dos contextos de interação na sala de aula. O primeiro se
refere à estrutura de participação elaborada pelos sujeitos, como exemplo, “[...]
quem pode fazer ou dizer algo, o quê, quando, como, com quem, onde, com que
objetivo.” O segundo trata da estrutura do conteúdo e de sua organização. Para
esses autores, o mais importante é compreender que na medida em que
transcorrem as atividades de ensino e de aprendizagem nos contextos de
interações, tanto o/a professor/a, quanto os/as alunos/as constroem conjuntamente
as duas estruturas de articulação, que graças a esta dinâmica, podem produzir
significados compartilhados para as suas ações e verbalizações respectivas, para o
desempenho dentro da sala de aula, como, também, em outros espaços.
86
De forma complementar, Silva e Azevedo (1996, p.169) afirmam que
não pode deixar de lado a preocupação pelas competências necessárias da
população para sua participação ativa na sociedade, tanto das habilidades
requeridas para uma inserção adequada no campo do trabalho, como as
necessidades para participar como sujeito ativo nos processos sociais, como sujeito
que é capaz de entender o que está vivendo, que é capaz de dizer sua palavra, de
comunicar-se não somente nos códigos orais, talvez próprios de seu grupo cultural,
mas que pode fazê-lo também nos meios que exigem o código escrito.
Dessa maneira, as representações sociais que ambos carregam sobre
si e os outros e as interações mútuas estabelecidas em relação aos seus pares
afetam a realização da atividade educativa. Ampliando esta mesma compreensão,
segundo Coll e Miras (1996), para estudar os processos de interações que ocorrem
nas escolas, são necessárias observações nos comportamentos realizados nestes
espaços, como também, identificar as cognições relacionadas aos mesmos. Dentro
desta vertente cognitiva entra as representações sociais, sendo um fenômeno
comunicacional e comportamental que têm, entre outras, a função de guiar as ações
das pessoas.
De forma complementar, Coll e Miras (1996) apresentaram uma
pesquisa exemplificadora realizada por Gilly (1980), fundamentado a partir de
diversas pesquisas e por suas próprias investigações, evidencia que as
representações sociais que professores/as carregam de seus alunos/as são
norteadas por fatores principalmente normativos, como por exemplo: atenção,
participação, motivação, responsabilidade, interesse pelo trabalho, respeito às
normas sociais de trato com os colegas e com o/a próprio/a professor/a;
resumidamente, que assumam as regras da instituição escolar. Estas características
definem o bom aluno/a para o/a professor/a.
Outra pesquisa citada - como alunos/as representam seus
professores/as - aponta para a existência de uma diversidade de conteúdos
representacionais considerando algumas variáveis, dentre elas, a idade. As crianças
da educação infantil representam o bom professor na dimensão afetiva, isto vai
modificando ao longo das idades das mesmas, como por exemplo, discentes do
ensino fundamental introduzem aspectos novos como clareza e pertinência da
exposição dos conteúdos, capacidade para despertar o interesse dos/as alunos/as
entre outros.
87
Além disso, essas representações podem contribuir para a criação de
expectativas professorais acerca do rendimento escolar discente. Estas podem
contribuir para o êxito ou fracasso das atividades. A profecia do autocumprimento foi
e é de interesse de muitos/as pesquisadores/as, o que se espera de algo ou de
alguém pode influenciar na obtenção de determinados resultados, pois, já se
construiu uma prévia visão destes, que pode ser tanto positiva, quanto negativa.
(COLL; MIRAS, 1996).
Assim sendo, relação professor-aluno fundamenta-se na certeza de
que o conhecimento decorre da participação de ambos, e goza de credibilidade e de
cientificidade suficientes para se permitir fazer uma leitura correta do homem,
enquanto ser social; da sociedade, como produto do homem; das relações sociais,
decorrentes do modo de produção.
Assim, a relação professor-aluno é uma relação que reproduz ou que
liberta. Dependerá das políticas as quais ele/a, o/a professor/a se comprometeu a
praticar dentro e fora da escola. Se a meta for construir conhecimento e formar
consciência, as possibilidades de êxito são maiores.
Neste capítulo, buscamos apresentar alguns conceitos da teoria da
enunciação de Bakhtin e da teoria histórico-cultural de Vygotsky, bem como de
algumas compreensões dos processos de interação entre docente e discente na
prática educativa. Embora pertencentes a áreas distintas de conhecimento, Bakhtin
e Vygotsky tratam o discurso como uma manifestação viva do signo e compreendem
a linguagem como responsável pela interação e constituição humana.
Finalizamos esta parte textual afirmando que dentro do processo de
ensino-aprendizagem da língua, o conhecimento escolar sobre a língua portuguesa,
mediado pela linguagem repleta de significados institucionais, políticos e ideológicos
deve caminhar para o desvelamento do mundo e das relações entre os grupos
sociais. Dentro desta ambiência enunciativa, existe o fenômeno representacional
que auxilia nas atribuições de significados acerca do mundo e seus seres. Por
conseguinte, antes de falarmos sobre o conceito de representações sociais,
precisamos entender o objeto que pode ser submetido a tal processo
representacional, sendo neste nosso estudo: o processo de ensino-aprendizagem da
língua portuguesa, que será discutido no próximo item.
88
2.2.2 O processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa enquanto um
contínuo progressivo de alfabetização
Dentro da nossa compreensão acerca do processo de ensino-
aprendizagem da língua portuguesa estão contidos os norteamentos da Teoria da
Enunciação de Bakhtin, como também, a Teoria Histórico-Cultural de Vygotsky nos
ajudaram a entender esse processo enquanto atividade cognitiva e discursiva que é
constituída por forças interativas entre interlocutores e os objetos de conhecimentos.
Como escrevemos anteriormente, a concepção de linguagem que
carregamos e a reflexão acerca do processo interativo entre os sujeitos que realizam
a prática educativa, neste item serão apresentados, em síntese, os conceitos que
carregamos sobre educação, ensino, aprendizagem, alfabetização e letramento;
fundamentados nas ideias de teóricos que nos ajudaram a compreender a amplitude
e, principalmente, a fusão de conceitos que promovem significações acerca da
prática educativa escolar.
Para Chaves (1979), a educação é um processo mediante o qual as
pessoas obtêm domínio e compreensão de certos conteúdos considerados valiosos.
Compreendemos, a partir das ideias do autor, que a educação é um movimento
contínuo para aquisição e aprendizagem de conhecimentos, atitudes e valores
avaliados como apropriados para uma determinada cultura, que necessitam de
entendimentos acerca dos mesmos, se valendo de reflexões sobre a significância do
conteúdo.
Os sujeitos podem aprender sobre diversas coisas do mundo
proporcionadas pela socialização e aculturação. Entretanto, a educação só é
adquirida se existir apropriações e compreensões dos saberes, conhecendo “[...] sua
razão de ser, e venha a aceitá-los somente após investigação criteriosa que abranja
não só as normas e os valores em questão, mas também possíveis alternativas”.
(CHAVES, 1979, não paginado).
Para o autor, a educação é compreendida para além de um processo
de incorporação e de inculcação de conteúdos considerados valiosos. Para ser
considerada como educação é necessária a ciência plena da significação dos
saberes para a vida das pessoas.
89
Movendo-se em meio aos processos de ensino e de aprendizagem que
podem ocorrer tanto em comunidades educacionais quanto naquelas que são
consideradas como não-educacionais, as pessoas têm a possibilidade de adquirir
normas e valores sociais que são ou não considerados valiosos e apropriados por
determinado grupo; como também, podem ser condicionadas a produzir tipos de
comportamento, em muitos casos, não se vê construção reflexiva dos mesmos,
acarretando injustiças vivenciais advindas das lutas entre classes sociais, e, a luz
das ideias de Chaves (1979), a não apropriação da educação.
Ao contrário dessa provável falta de consciência, ensinar dentro da
área educacional deve se processar na direção de uma linha compreensiva. Práticas
que precisam ser envolvidas por reflexões elaboradas por toda comunidade escolar,
concernente aos conteúdos trabalhados, que serão importantes para além da
utilização na prática de sala de aula. (SACRISTÁN, PÉREZ GÓMEZ, 1998).
Entendemos o ensino escolar como um processo de mediação pelo
qual são providas as condições e os meios para que os/as alunos/as, em sua
diversidade, se construam enquanto sujeitos ativos na assimilação, elaboração e
reflexão compreensiva e significativa de conhecimentos, que podem contribuir para
uma inserção plena nas diversas ambiências sociais. Ensino este que não é de
responsabilidade e de implicações únicas do profissional professor/a. (SACRISTÁN,
PÉREZ GÓMEZ, 1998).
Ademais, conforme Sacristán e Pérez Gómez (1998), a prática
educativa, construída em alicerce ético, com profissionalismo e responsabilidade,
necessita ser compreendida enquanto em meio a heranças do passado, que pode
reproduz hábitos e conhecimentos de demandas já obsoletas. Para os autores,
teorias e pensamentos educativos se apresentam, em determinados casos, como
legitimadores de práticas educativas que ocultam dimensões éticas, sociais,
pedagógicas e profissionais. Portanto, para compreender e transformar o ensino,
são necessários entendimentos dos problemas e das práticas, ambos processados
nos ambientes educativos e para além deles, isto possibilitará dar conteúdo e
sentido à realidade do ensino.
Nessa linha de entendimento, o ensino escolar, compromisso
específico do/a docente, se envolve em diversas funções, como exemplo: organizar
o conteúdo curricular para adequar as especificidades dos sujeitos sociais; ajudar
os/as alunos/as a conhecer suas possibilidades de aprender; indicar os métodos de
90
estudo e atividades que serão realizadas; indicar a importância de dirigir e controlar
a ação docente para os objetivos da aprendizagem discente; promover momentos
de tomadas de consciência acerca das implicações sociais que afetam a
singularidade dos/as discentes; entre outras.
Para Sacristán, Pérez e Gómez (1998):
A intervenção compensatória da escola deve revestir-se de um modelo didático flexível e plural que permita atender às diferenças de origem, de modo que o acesso à cultura pública se acomode às exigências de interesses, ritmos, motivações e capacidades iniciais dos que se encontram mais distantes dos códigos e características em que se expressa. Assim, a igualdade de oportunidades de um currículo comum na escola compreensiva obrigatória na é mais do que um princípio e um objetivo necessário numa sociedade democrática. Sua realização é um evidente e complexo desafio que requer flexibilidade, diversidade e pluralidade metodológica e organizativa. (SACRITÁN; PÉREZ GÓMEZ, 1998, p. 23).
A ciência e o trato com a diferença do/aluno/a faz do ensino escolar
uma possibilidade de compensar demandas educativas que por, muitas vezes, se
fazem desiguais. No ensino, está o saber lidar com a diversidade, cuidar e educar o
que se apresenta/interpreta diferente, não para a igualdade, mas para a construção
de oportunidades. Desigualdades que acarretam baixos rendimentos escolares,
causam escassez de oportunidades vivenciais entre pessoas e grupos e geram
injustiças sociais dever ser identificadas e, com esforço entendidas, para serem
enfrentadas e, assim, superadas por sujeitos e grupos em seu processo formativo.
Nesse mesmo curso processual, compreendemos a aprendizagem
como aquisição/reflexão de conhecimentos advindos do mundo, tanto físico, quanto
social. (SACRISTÁN, PÉREZ GÓMEZ, 1998). Esta apropriação interpretativa da
realidade pode ser construída em uma educação que fomenta construções,
(re)construções, significações e (re)significações de conhecimentos, que possibilitam
um caminhar em práticas solidárias com ideais focalizados no bem singular e
comum das pessoas e grupos.
Não é possível ensinarmos sem nos determos nas referências de como
os/as alunos/as aprendem, de buscarmos compreender os processos de
desenvolvimento e de aprendizagem de cada aluno/a. No rol dos desafios
pedagógicos e metodológicos, figuram os conceitos a serem internalizados voltados
às ações pedagógicas, de promoção, de inclusão, de superação e de respeito à
diversidade. Esta compreensão observa a relação entre ensino e aprendizagem, não
como simples transmissão de conteúdos do/a professor/a que ensina para um/a
91
aluno/a que aprende. Ao contrário, é uma relação recíproca na qual se destaca a
atividade interlocutiva dos sujeitos envolvidos no processo para a construção de
sentidos e de significados que fomentam os conhecimentos para o sujeito em sua
singularidade, em meio aos ‘outros’, compreenda o ambiente natural e social,
sistema político, a tecnologia, as artes e os valores em que se fundamenta a
sociedade.
Conforme Sacristán e Pérez Gómez (1998), o desenvolvimento da
capacidade de aprender deve ser processado considerando diferentes enfoques
construídos acerca da mesma, uma vez que decorre do ensino, o que requer do
professor a construção contínua de conhecimentos sobre o cotidiano e as
excepcionalidades da sala de aula. Além disso, os métodos que fomentam estes
processos se localizam em meio à complexidade e à singularidade dos fenômenos
educativos e na intencionalidade da prática educativa, composta por planos,
currículos e conteúdos, elaborados em um amplo contorno social, oriundas de
circunstâncias culturais, políticas, econômicas e sociais.
Por via desse entendimento, o/a professor/a assume uma série de
funções nessas relações interativas, entre elas: planejar seu ofício com plasticidade
reflexiva/prática, o que permite uma possível compensação sobre as necessidades
dos/as alunos/as; considerar as contribuições dos/as alunos/as no início e durante
as atividades; auxiliar os/as discentes a encontrar sentido no que fazem; entre
outras. Desta maneira, os conteúdos de aprendizagem só podem ser considerados
relevantes à medida que desenvolvam capacidades dos/as alunos/as para que eles
percebam as transformações ocorridas no tempo e no espaço, modificando a
realidade imediata em decorrência de fenômenos que se manifestam globalmente.
É nessa rede complexa de significações e práticas educativas para a
apropriação efetiva de conhecimentos que se insere o processo de alfabetização, a
possibilidade plena de aquisição das práticas de ler, escrever, ouvir, refletir,
conscientizar e ser conscientizado socialmente sobre o mundo, a partir de práticas
de ensino e aprendizagem da língua. Perante o exposto, o conceito de alfabetização
é carregado por uma significação ampla e cheia de redes de significações do próprio
entendimento sobre o que seja o ensino da língua, portanto, iremos apresentar
alguns conceitos e, só a partir deles, reuniremos os mesmos para uma compreensão
ampliadora.
92
Para Smolka (1988), a alfabetização é entendida como um processo
discursivo, uma atividade cognitiva, como também sociocultural, em que existem
interações entre interlocutores para a construção de conhecimentos e,
principalmente, para a elaboração de sentidos e significados sobre os mesmos.
Construindo entendimentos sobre o processo de aquisição da escrita nas crianças,
Smolka (1988, p.63) aponta uma importante dimensão, “[...] a interação, [...] a
interdiscursividade, inclui o aspecto fundamentalmente social das funções, das
condições e do funcionamento da escrita (para que, para quem, onde, como, por
quê?)”.
São questões norteadoras para a atuação docente, pois, sem a
compreensão e aplicação delas, os procedimentos pedagógicos se tornam ou
continuam sendo chamados de mecânicos, se valendo apenas da ação,
esquecendo-se da reflexão para uma prática educativa significativa para a vida do
sujeito. Smolka (1988) não deixa de lado outras dimensões que constituem o
processo de alfabetização, como a atividade cognitiva amplamente discutida por
Piaget, mas apresenta como relevante a função discursiva:
Nesse sentido, a alfabetização é um processo discursivo: a criança aprende a ouvir, a entender o outro pela leitura, aprende a falar, a dizer o que quer pela escrita. (Mas esse aprender significa fazer, usar, praticar, conhecer. Enquanto escreve, a criança aprende a escrever e aprende sobre a escrita.) Isso traz para as implicações pedagógicas os seus aspectos sociais e políticos. Pedagogicamente, as perguntas que se colocam, então, são: as crianças podem falar o que pensam na escola? Podem escrever o que falam? Podem escrever como falam? Quando? Por quê? (SMOLKA, 1988, p. 63).
Podemos incluir nesses questionamentos outras perguntas: os/as
professores/as podem falar o que pensam na escola? Os/as professores/as podem
escrever o que falam? Podem escrever como falam? Quando? Por quê? Refletir
sobre o papel do/a aluno/a, sobre o papel do/a professor/a, sobre a função do ensino
da língua, leva para a busca de uma compreensão do papel social nesta prática:
Ora, isso nos revela então que a construção do conhecimento sobre a escrita (na escola e fora dela) se processa no jogo das representações sociais, das trocas simbólicas, dos interesses circunstanciais e políticos; é permeada pelos usos, pelas funções e pelas experiências sociais de linguagem e de interação verbal. Nesse processo, o papel do “outro” como constitutivo do conhecimento é da maior relevância e significado (o que o outro me diz ou deixa de me dizer é constitutivo do meu conhecimento). (SMOLKA, 1988, p. 61).
93
Os principais sujeitos envolvidos no processo de alfabetização, aluno/a
e professor/a, muitas vezes, não escutam as várias vozes e os silêncios que
influenciam a prática educativa e a sua construção identitária e social, isto leva para
a constituição de um processo de alfabetização estruturado por várias dissonâncias.
Portanto, os direcionamentos de Smolka (1988, p. 63) “[...] para que, para quem,
onde, como, por quê [...]” são norteados por objetivos, atitudes e entendimentos
diferentes entre todos os sujeitos participantes da alfabetização.
Pedagogicamente, então, é fundamental observar e considerar, no processo de alfabetização, as situações e as condições em que se processa e se produz o conhecimento escolar sobre a escrita. (Quem usa a escrita na sala de aula? Para quê? Como? Por quê?). (SMOLKA, 1988, p. 61).
Partindo do exposto, compreendemos que não somente na prática de
escrever na escola, como também, nas práticas de ler, ouvir e falar; precisamos
entender quais são os objetivos que os sujeitos carregam para a realização das
referidas práticas. Depois desta identificação, devemos propor uma sintonia de
entendimentos. Isto significa construir um acordo mútuo para a realização de um
objetivo comum. As formações imaginárias, implícitas ou explicitas nas linguagens,
direcionam as práticas das pessoas; portanto, para Smolka (1988) os papéis dos
sujeitos que participam do processo educativo se fundem; todos juntos constituem
um processo discursivo para um objetivo comum.
Assim, ao invés de termos: quem – ensina – o quê – para quem – onde, podemos representar as relações de ensino (na escola e fora dela) de outra forma: [...] onde os lugares do quem podem ser preenchidos tanto pelo aluno como pelo professor, ou por qualquer pessoa. Mas, aí, a questão que se coloca, é: “quem pode ocupar que lugar, quando e por quê?” E voltamos à análise da institucionalização da tarefa de ensinar: da posição e do papel do professor na escola; das representações sociais, das formações imaginárias e do funcionamento implícito; das condições político-econômicas no movimento das transformações históricas. (SMOLKA, 1988, p. 45).
Dessa maneira, a alfabetização, como processo discursivo, é realizada
em uma situação socialmente construída, as leituras realizadas e os textos
elaborados pelos/as alunos/as, desde as primeiras tentativas, produzem momentos
de interlocução, de dizer sobre algo para alguém, considerando seu local
institucional e social. “Nessa atividade, nesse trabalho, nem todo dizer constitui a
leitura e a escritura, mas toda leitura e toda escritura são constitutivas do dizer”.
(SMOLKA, p. 1988, p. 112).
94
Para Smolka (1988), a escola na década de oitenta - pensamos que
atualmente as relações pedagógicas continuam semelhantes ou piores – ensinou
os/as alunos/as a escrever, mas não a produzir dizeres:
[...] e sim, repetir – palavras e frases pela escritura; não convém que elas digam o que pensam, que elas escrevam o que dizem, que elas escrevam como dizem (porque o “como dizem” revela as diferenças); a escola tem ensinado as crianças a ler um sentido supostamente unívoco e literal das palavras e dos textos e a escola tem banido aqueles que não conseguem aprender o que ela ensina, culpando-os pela incapacidade de entendimento e de compreensão. O que a escola, como instituição, não percebe, é que a incompreensão não é fruto de uma incapacidade do indivíduo, mas é resultado de uma forma de interação. Assim sendo, as formas de interação nas escolas têm produzido tanto os alfabetizados quanto os considerados iletrados e analfabetos. Isto porque o processo de aquisição da escrita nas crianças se realiza não só na margem ou no percurso do “ilegível” para o “legível”, mas no espaço do “inter-dito”, da “ilegalidade”, da provocação até, na medida em que se processa nas tentativas de legitimação de diferentes modos de dizer pelo trabalho de escrever. (SMOLKA, p. 1988, p. 112).
De forma complementar, as reflexões de Bagno (2002), apontam para
a necessidade de um esforço em linhas de trabalho para que o ensino atual supere
a prática tradicional de repetição de uma norma culta e de uma metalinguagem de
análise da gramática sem contextualização e significação para o/a aluno/a. É
importante compreender a concepção tradicional da língua portuguesa que vigora e
a relação desta compreensão com a sociedade em que ela representou ou
representa. É preciso que ocorram mudanças no ensino para atender a dinâmica
social contemporânea.
Bagno (2002) revela que a imagem social sobre o ensino de língua
portuguesa é o mesmo da gramática normativa, pois, ensinar o português padrão é,
supostamente, transmitir a norma culta. “Esse modo de conceber os fatos de
linguagem condena ao submundo do não-ser todas as manifestações linguísticas
não-normativas, rotuladas automaticamente de “erro” – e, junto com as formas
linguísticas estigmatizadas, condena-se ao silêncio e à quase-inexistência as
pessoas que se servem delas”. (BAGNO, 2002, p. 21). Perante o exposto,
compreendemos que ensinar especificamente um padrão linguístico acarreta um
processo educativo homogêneo, como sendo um produto acabado, pronto para o
consumo, não considerando o heterogêneo e a dinâmica social.
Por outro lado, faz-se necessário, ao discutir o ensino da língua
portuguesa, ou língua padrão, ou norma culta, não incorrer no erro de construirmos
uma pedagogia ou metodologia da justificativa, da negação do outro como sujeito
95
capaz de aprender, de sair do senso comum, de modo a interagir com os
conhecimentos que estão além das circunstâncias determinantes de uma língua tida
como inferior, não culta. Nessa perspectiva, o estudo, a aprendizagem e o ensino da
língua têm o desafio de promover a inclusão sem, com isso, negar os fatores
determinantes da fala local.
Pois, tomando como parâmetro o fato de a fala ser representação de
um tipo de pensamento, imbricada em cultura de aceitação ou ruptura, faz-se
necessário ter presente que outras possibilidades de representação existem além da
sombra da caverna. Mais que jogos semânticos ou sombras, ações, devidamente
iluminadas, sem sombras, contribuirão para a passagem da caverna para o universo
de conhecimentos e saberes.
Para o referido autor, o avaliado erro linguístico parece desencadear
preconceitos sociais, como por exemplo, a ideia que “[...] alguém fala errado porque
pensa errado, porque age errado, porque é errado”, de outro lado, a pessoa que “[...]
fala certo pensa certo, age certo, é certo”. Amplia dizendo que não podemos forçar
o/a aluno/a a utilizar regras padronizadas porque assim ele se enquadrará melhor na
vida social: “E se ele não quiser se enquadrar? E se ele considerar que esta
sociedade injusta, excludente e discriminadora não merece o esforço do
enquadramento?” (BAGNO, 2002, p. 77). A língua é uma ferramenta em formato de
signos e significados e ao mesmo tempo é o resultado de um processo de
interlocução, não está pronta nos tempos e espaços, mas é criada exatamente
enquanto vamos utilizando.
Como linha de trabalho, Bagno (2002) indica sobre a necessidade de
uma crítica sobre o ensino de uma gramática normativa na escola em contraposição
aos direcionamentos de uma reflexão linguística advinda do processo de letramento.
Ele questiona (p. 47): “Se a função da escola não é, então, ensinar a todo custo um
padrão lingüístico ideal, qual será o objetivo do ensino de língua”?
[...] o objetivo do ensino tradicional na escola brasileira sempre foi transmitir aos alunos uma língua digna deste nome, uma norma padrão que é identificada com o nome de “português”. Para alcançar esse objetivo, a escola sempre se guiou pela idéia de que para alguém falar e escrever bem era necessário, previamente, adquirir um saber gramatical, um conhecimento integral dos mecanismos de funcionamento da língua, tal como codificado nas gramáticas normativas. Trata-se de um mito, aquele que diz: “É preciso conhecer a gramática para falar e escrever bem”. (BAGNO, 2002, p. 47-48).
96
Para o autor (2002, p. 48) isso deve ocorrer ao contrário, na inversão
desse mito: “[...] é preciso saber falar, ler e escrever bem para estudar a gramática”.
“Assim, em vez de ensinar e estudar um universo enorme e rico, que é a língua
portuguesa, a escola se dedica quase exclusivamente a ensinar um pedacinho
ínfimo e miserável desse universo”, a gramática. (BAGNO, 2002, p. 50). O autor
considera a gramática como parte da língua portuguesa, mas que é socialmente
considerada como sendo a própria língua. Como uma possível mudança desta
concepção, o autor apresenta que um dos objetivos do ensino de língua na escola é
a introdução do conceito de letramento.
Para tanto, indica que é necessário trabalhar no processo de ensino-
aprendizagem de língua portuguesa com textos, que se concretizam na forma de
gêneros discursivos, que são apresentados tanto na fala, quanto na escrita. O autor
orienta para a necessidade de “[...] detalhamento de um modelo de aplicação da
pesquisa lingüística que pode ser realizada em sala de aula como ferramenta
pedagógica para substituição do ensino acrítico da nomenclatura gramatical
tradicional e dos exercícios mecânicos de aplicação dela”. (BAGNO, 2002, p. 190).
Bagno (2002) afirma que ainda a sociedade se deixa levar por um
ensino anacrônico de língua portuguesa, profissionais transmitem uma norma
padrão, sem considerar a variação linguística. Para ele, existe uma cobrança da
sociedade e mesmo da família, para que os/as professores/as ensinem o português
conforme aprenderam, com a inculcação da norma padrão, mas não percebem que
forçam os/as docentes/as deste ensino a trabalharem com conteúdos já
ultrapassados para a atualidade, sendo prescritivos e normativos, que não trazem
significação para os/as alunos/as, exemplifica fazendo uma comparação: “Ninguém
espera que os/as professores/as das outras disciplinas na escola (história, geografia,
física, química, biologia, etc.), continuem transmitindo noções, conceitos, dados e
informações que o progresso científico tornou ultrapassados e inoperantes”
(BAGNO, 2002, p. 16), mas solicitam do/a professor/a de língua portuguesa uma
transmissão de conteúdos fixada há muitos anos atrás, mas que já não atendem as
demandas dos dias atuais.
A crítica aqui apresentada parte do pressuposto de que o ensino
tradicional ocupou-se, ao longo dos tempos, em reproduzir as práticas normativas da
língua portuguesa. Com isso, a escola, quer seja por falta de investimento na
qualidade do processo de ensino e aprendizagem, na formação continuada de
97
professores, na elaboração de materiais pedagógicos que trabalhem o
desenvolvimento intelectual, psico-sócio-linguísticas de produção, leitura e
interpretação de textos orais e escritos. Ou seja, faz-se necessário ensinar e
socializar a cultura, os conhecimentos culturais, bem como a utilização de
instrumentos que promovam a reflexão e compreensão da realidade de cada
educando, tomando como ponto de partida a realidade imediata do aluno, com vistas
a dinamizar o processo de ensino-aprendizagem, saindo do local para o universal.
Conforme Mortatti (2004), a palavra letramento começou a ser utilizada
no Brasil nos anos 80, dentro das áreas de Educação e Linguística, e está ganhando
espaço em diferentes lugares sociais. A autora informa que este vocábulo surgiu em
momentos de discussão para ampliar o sentido da capacidade mínima de ler e
escrever em uma determinada língua. Mortatti (2004) fala de um novo modelo
denominado de ideológico, em que as atividades de leitura e escrita são
eminentemente sociais.
Para Soares (2009), uma pessoa letrada é aquela que tem condição
não apenas de ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais se valendo de
ambas as habilidades. Segundo Soares (2009, p. 39), letramento é o “[...] resultado
da ação de ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e de escrita, o estado ou
condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se
apropriado da escrita e de suas práticas sociais”.
Segundo Tfouni (2006), a alfabetização trata da aquisição da escrita
enquanto aprendizagem de habilidades para leitura, escrita e as chamadas práticas
de linguagem. Isto ocorre por meio do processo de escolarização e, portanto, da
instrução formal. A alfabetização pertence, assim, ao âmbito do individual. Por outro
lado, para a autora, o letramento está direcionado para os aspectos sócio-históricos
da aquisição da escrita.
Mortatti (2004), por sua vez, afirma que aprender a ler e a escrever não
implica em letramento, uma vez que o alfabetizado não possui a dimensão social do
letramento.
A aquisição da leitura e da escrita, por si só, não garante maior nível de letramento, e, nem mesmo essa aquisição inicial esta sendo efetivada ou garantida a todos os brasileiros. Pode-se considerar, assim, que a alfabetização e a escolarização, bem como a disponibilidade de uma diversidade de material escrito e impresso, em nosso contexto atual, são condições necessárias, mas não suficientes, para o letramento, tanto do ponto de vista individual quanto social. (MORTATTI, 2004, p.108).
98
É preciso saber falar, ler e escrever bem para depois construir uma
reflexão linguística sobre os usos da própria língua, de um modo consciente,
sistemático e técnico. Conforme Bagno (2002), isto deverá ocorrer quando os/as
discentes já tiverem obtido um nível de letramento que lhes permite teorizar e
investigar criticamente a utilização da língua.
A alfabetização e o letramento só serão compreendidos em práticas de
ensinar e aprender que ocorrerem em toda jornada vivencial escolar, que serão
entendidos em processos de reflexão antes, durante e depois das ações
pedagógicas, possibilitando, assim, a criação, recriação e divulgação de
conhecimentos que façam sentido à vida dos/as alunos/as, promovendo
intervenções eficientes na sociedade.
Nesse tipo de processo educativo, não se coloca como objetivo
fundamental a substituição de padrões que o/a aluno/a adquiriu, mas a ampliação
dos recursos que possui, de modo que tenha a seu dispor, para uso adequado, a
maior escala possível de potencialidades de sua língua, em todas as situações que
se fizerem necessárias.
Não existe dicotomia entre certo e errado no trabalho com a linguagem,
mas considerações sobre o adequado e não adequado a uma determinada situação
de fala. Assim, nas aulas de língua portuguesa o discente deverá ter sempre
presente o aspecto sócio-comunicativo da linguagem que implica questões do tipo:
quem é o/a interlocutor/a para quem produzo o discurso? Qual é a imagem que o/a
interlocutor/a tem de mim? Qual é a imagem que eu quero que o/a interlocutor/a
tenha de mim? Qual é o meu objetivo com o texto produzido?
O ensinar e o aprender irão se processar, principalmente, através de
aulas de produção de texto - leitura e escrita, considerando seus aspectos
pragmáticos, semântico-conceitual e formal. As gramáticas serão utilizadas, não
como estudo de metalinguagem, mas como ferramentas para melhorar o
entendimento do texto, refletindo sobre o momento que se coloca as regras
gramaticais, não precisando memorizar as normas fora de um contexto; em que a
técnica de memorização tenha significação.
A leitura é uma prática indispensável à vida social. É através dela que
entendemos o mundo e interagimos com o outro, seja nos estudos, na nossa
comunicação, na forma de nos expressarmos, nos conhecimentos que ela nos
99
proporciona. A necessidade pela leitura e pelo domínio da linguagem escrita em
nossa sociedade é cada vez mais intensa.
A leitura é a base do processo de alfabetização e da formação da
cidadania. Nesta perspectiva, cada professor/a deve ter clareza de que educa e
ensina para o desenvolvimento das potencialidades do educando, tanto individual
como social. Para isto, é necessário que o/a professor/a apresente uma nova
postura, buscando o aperfeiçoamento e atualização dos conhecimentos aplicados à
leitura e, principalmente, fazendo reflexões sobre o significado do ato de ler. E o
conceito de letramento figura entre as apropriações requeridas.
É um aprender para obter uma educação com significados de
interlocução social competente, em que as regras são utilizadas para melhor envio e
recepção da mensagem. O ensino focado quase exclusivamente nas regras
normativas não fornece a possibilidade de uma produção que passa uma mensagem
coerente para determinado grupo social, pelo contrário, as regras são assimiladas
quando realmente trazem significação para o/a aluno/a em determinado texto e
contexto.
Hoje, a informação está em todos os lugares, de diversas formas e
meios de comunicação, e com uma linguagem variada, transmitindo, educando, por
vezes, desinformando, disponibilizando conhecimentos para o social, como também,
produz e divulga variações linguísticas e forças de poder.
Nesse contexto, o/a professor/a da língua portuguesa continua
transmitindo regras normativas que serviram de ferramentas textuais para uma
geração de anos atrás, mas não constrói um processo educacional com o objetivo
de inserção social atual. A historicidade humana deve fazer parte desta matéria
escolar, a sociedade muda, as formas de discursos são transformadas, como,
também, os saberes e os conhecimentos do mundo, dos humanos, das naturezas.
Saberes próprios dos estudantes, na rede de ciência e tecnologia disponível na
sociedade.
Os conhecimentos mudam, mas as regras normativas que servem
como elementos para uma busca de compreensão plena destes saberes, continuam
sendo praticamente uma doutrinação autoritária. Se considerarmos que os
conhecimentos formam uma estrutura imersa em um processo dinâmico de
transformações, por que os elementos que fazer parte dela e que têm como objetivo,
100
indicar normas para uma melhor compreensão da mensagem, não mudam e não
consideram a variação linguística produzida pelo social?
Partindo dessa questão, consideramos que não podemos pensar a
leitura separada da escrita, o dizer sem o ouvir, o/a professor/a longe do/a aluno/a, a
alfabetização sem o letramento, o ensino sem a aprendizagem e, principalmente,
pensar o processo de ensino-aprendizagem da língua compartimentado, com início,
meio e fim.
Não compreendemos esses elementos separados, todos formam uma
unidade, uma vez que ler, escrever e interpretar são conceitos maiores que a
restrição da alfabetização. Sabemos que existem práticas educativas específicas
para a obtenção de determinados objetivos da aprendizagem, mas esta
especificidade não pode trazer um entendimento compartimentado. A aprendizagem
inicial da língua pela criança - que muitos pensadores chamam de alfabetização - e o
aprendizado competente e compreensivo dos usos da língua na escola e na
sociedade - muitos pensadores chamam de letramento - não podem estar
separados, todos fazem parte do processo de ensino-aprendizagem da língua
portuguesa, desde seu início até seu desenvolvimento contínuo e processual.
A criança ou a pessoa considerada analfabeta são sujeitos sociais.
Elas foram formadas institucional (família e/ou escola, etc.) e socialmente para
agirem conforme padrões e normas sociais e se formaram a partir de suas escolhas
pessoais, grupais, ocorridas em um local e tempo histórico. Cada uma delas precisa
de aprendizados específicos, entretanto, com um mesmo objetivo geral: a inserção
plena na sociedade.
Para que o sujeito atue com competência e compreensão na
sociedade, recebendo verdadeiramente oportunidades apropriadas para o seu
percurso vivencial, ele precisa adquirir e produzir significados, conhecimentos,
representações sociais, etc., sobre o mundo que o cerca. O que facilita a obtenção
dessas compreensões, revestidas de simbologias e significados, é a linguagem.
Desta forma, a escola pode ajudar nesta jornada, com a utilização de conhecimentos
mediadores para o melhor uso e compreensão da língua portuguesa, de modo a
consolidar a cidadania do educando.
Enfim, a escola deve promover um processo de alfabetização contínuo
e progressivo para trazer oportunidades compreensivas e existenciais para crianças,
jovens e adultos, ou melhor, fomentar o ensino e a aprendizagem da língua que
101
contenha menos conhecimentos gramaticais, maior desempenho linguístico, oral e
escrito e, principalmente, compreensão sobre o mundo, seus objetos e a
complexidade que o constitui. Os aspectos educativos e formativos que se movem
no ambiente escolar, a partir do processo de alfabetização/letramento, como o
ensino da língua portuguesa, devem possibilitar a democratização do saber científico
a todas as crianças, colocando em suas mãos as ferramentas culturais necessárias
ao seu processo emancipatório.
2.3 A Teoria das Representações Sociais
Em artigo intitulado Os primórdios de uma disciplina – curso e
percurso, publicado no ano de 1997 junto ao livro nomeado de Psicologia Social,
organizado por Vala e Monteiro, Santos afirmou que a Psicologia Social teve origem
nos estudos do psicólogo McDougall. Este pesquisador discutia a questão instintiva
do ser humano em seu caráter biológico. Além dos estudos de McDougall, as
investigações realizadas por Ross contribuíram para o surgimento da Psicologia
Social, elas apontavam a dimensão institucional e social do ser humano. A diferença
de entendimentos favoreceu a compreensão de diversos fatores que cercam o ser
humano e a junção destes para caracterizar os sujeitos como integrantes ativos nas
sociedades.
Imersa nessas diferenciações, a dicotomia entre o indivíduo e a
sociedade ainda se faz presente em vários estudos. Todavia, conforme Santos
(1997, p. 15), as pesquisas apontam para uma atualidade suavemente ambígua, “O
homem é produto e produtor da sociedade e/ou da cultura [...]”, mas tudo isto não se
equivale propriamente, pois as contradições são inevitáveis. Como segunda
possibilidade que auxiliou a ampliação das preocupações com o aspecto social
dentro da Psicologia, Santos (1997) discorre sobre as forças investigativas voltadas
para a linguagem. Embasada nelas, surgiram preocupações com a descrição do ser
humano em processos de interações, o homem social e seus grupos, nos
denominados estudos etnográficos.
A terceira possibilidade de ampliação de estudos da Psicologia Social é
estruturada ao redor do conceito de representações advindo da Sociologia, com as
102
contribuições do sociólogo Durkheim. Este apresentou que existem diferenças entre
as representações individuais e as coletivas. Estas não são o somatório daquelas,
por mais que possam existir analogias entre ambas, para Durkheim, os fenômenos
individuais eram de responsabilidade da Psicologia e os fenômenos sociais eram de
responsabilidade da Sociologia.
Partindo desses entendimentos, Moscovici utilizou as contribuições dos
estudos de Durkheim sobre representações individuais e coletivas para conceituar o
fenômeno das representações sociais; todavia, elaborou uma abordagem diferente.
Duveen, no texto da Introdução do livro de autoria de Moscovici (2003), chamado
Representações Sociais: investigação em Psicologia Social, discorre que o ponto
principal de distinção entre as representações coletivas de Durkheim e as
representações sociais de Moscovici é a estrutura conservadora e preservadora dos
saberes coletivos da primeira, que ajudam a integrar e conservar a sociedade, ao
contrário da estrutura dinâmica da segunda, que trata das novidades e mudanças
surgidas nas rotinas diárias das pessoas e se transformam em componentes da vida
social.
Há numerosas ciências que estudam a maneira como as pessoas tratam, distribuem e representam o conhecimento. Mas o estudo de como e por que, as pessoas partilham o conhecimento e desse modo constituem sua realidade comum, de como eles transformam ideias em prática – numa palavra, o poder das ideias – é o problema específico da psicologia social. (MOSCOVICI, 1990a, p. 164 apud MOSCOVICI, 2003, p. 8).
Em artigo que trata da Psicologia Social Européia, Jesuíno (1997)
apresenta que Moscovici trouxe três vertentes diferentes de estudos para a
Psicologia Social. O primeiro deles diz respeito ao entendimento do fenômeno risky-
shift, compreendido como sendo um processo das mudanças de riscos ou perigos.
Quando as pessoas estão em grupos, elas tomam a decisão sobre o risco de
maneira diferente quando estão sozinhas. O segundo estudo de Moscovici se refere
às observações investigativas sobre as minorias ativas, considerando que os grupos
minoritários podem influenciar socialmente os majoritários. Finalmente, a terceira
linha investiga o fenômeno das representações sociais. É considerado como sendo
um programa de investigação e um quadro de referência teórico denominado de
Teoria das Representações Sociais (TRS).
A biografia de Moscovici (2005) confirma que o motor de suas
pesquisas se inscreveu na história da sua vida, testemunha da opressão nazista
103
durante a Segunda Guerra mundial. Vivendo em meio aos conflitos da época,
Moscovici se preocupou com algumas problemáticas: por que a fé remove
montanhas? Como é possível que os seres humanos se mobilizem a partir de algo
que, aparentemente, supera a razão? Como é possível que sejam conhecimentos
práticos a base para que eles vivam suas vidas? Enquanto teóricos discutiam e
afirmavam a dicotomia entre cultura e razão, Moscovici re-introduziu o conceito de
representação como uma definição possível para compreender os conhecimentos
construídos no meio social.
Nos últimos anos, toda uma série de enfoques foi desenvolvida no
campo da Psicologia Social para tentar esclarecer o fenômeno das representações
sociais, dinamizado em meio aos processos pelos quais os saberes são produzidos,
transformados e disseminados no mundo social. Dentro desta área científica,
Moscovici apresentou a importância de entender os fenômenos sociais inteligíveis
incluindo os conceitos psicológicos, bem como os sociológicos.
Dessa maneira, a TRS nos fornece conhecimentos advindos da
Psicologia Social que nos instrumentaliza de constructos assentados na Psicologia,
na Sociologia e na Antropologia para que possamos compreender a força e o
dinamismo de uma modalidade de saber gerado nas comunicações interpessoais e
intergrupais, com a finalidade prática de orientar os comportamentos nas situações
sociais, ligando sujeitos a objetos da realidade.
Conforme Moscovici (2003), as faculdades individuais de percepção e
observação das coisas externas ao ser humano são capazes de produzir
conhecimentos avaliados como verdadeiros. Por outro lado, a construção social dos
conhecimentos provoca distorções na apreensão da realidade. Logo, para Moscovici
(2003), a Psicologia Social deveria preocupar-se com o estudo referente ao campo
do saber denominado de senso comum, pois é um espaço rico de processos que
fomentam a construção de saberes sociais e que ainda se encontra desvalorizado
por muitos cientistas.
A primeira publicação de seus trabalhos, que inauguraram o campo de
estudos das representações sociais, foi elaborada sob a forma de tese apresentada
como pré-requisito para obtenção do titulo de doutor. A segunda delas foi uma
possível organização da primeira em formato de livro intitulado La psychanalyse: son
image et son public, publicado na França no ano de 1961 e no Brasil no ano de
1978, com o título A representação social da Psicanálise. Nessa investigação, o
104
pesquisador se concentra na compreensão de como uma disciplina científica e
técnica como a Psicanálise passa do domínio dos especialistas para a esfera
comum.
Na França, no período de 1950 a 1960, todos os temas científicos eram
pesquisados junto aos seus especialistas correspondentes, ainda não se
consideravam legítimos os estudos que apreciavam o saber comum da população
geral sobre objetos elaborados dentro da área científica. Para tanto, Moscovici
(1978, p. 17) afirmava que as pesquisas da época ignoravam os “[...]
prolongamentos mais vastos de uma ciência, os quais representam uma de suas
funções essenciais, a saber, transformar a existência dos homens”.
Nos estudos moscovicianos, a continuação da construção dos
conhecimentos científicos é processada na aquisição de entendimentos da
sociedade mais ampla como consequência dos fatos e efeitos posteriores aos
conhecimentos elaborados. As compreensões acerca dos objetos do mundo não
ficam reduzidas aos espaços intelectuais e sistemáticos, mas são repercutidos no
social. Como por exemplo, os conceitos provindos da Psicanálise, complexo,
repressão, sonho, ato falho, etc., alcançaram uma difusão social e promoveram
novas formas de convívio. Logo, a difusão do saber sobre a Psicanálise
proporcionou a aquisição de conhecimentos advindos da ciência por parte da
população geral, muitas pessoas traziam consigo informações sobre doenças,
tratamentos de curas, tanto físicos, quanto psicológicos.
Através de pesquisa, Moscovici (1978) observou que as pessoas
alcançaram um nível digno de conhecimento de renomados especialistas sobre a
Psicanálise e que interferiram por este motivo, na repercussão e evolução desta
teoria e no desenvolvimento de sua técnica. Deste modo, ele compreendeu que a
apropriação de saberes pela população não especializada advindos da Psicanálise
alterou o senso comum. A partir deste trabalho, Moscovici (1978) explicou alguns
dos fenômenos sociais que ocorrem no convívio entre os sujeitos, através da TRS.
Mesmo classificando ou escolhendo individualmente as informações do mundo, as
relações são capazes de permitir que as pessoas tenham conhecimentos e opiniões
comuns em seu meio, para que ocorra a vida humana, pois ela só existe, no social.
Os estudos em representações sociais favorecem compreensões sobre
como os grupos constroem saberes comuns para lidar com determinados objetos da
realidade, possibilitando a familiarização de entendimentos sobre eles e a orientação
105
das práticas. Segundo Jodelet (2001), para encontrar todos os componentes
contidos nas representações sociais, por exemplo, informações, atitudes, imagens e
valores e, assim, conhecer e entender este fenômeno social e o espaço de estudo
das representações sociais, se faz necessário responder as seguintes perguntas,
que estabelecem relações entre si:
1º “Quem sabe?” As respostas para esta pergunta apontam para o
sujeito alter que representa os objetos concretos e abstratos advindos das vivências
das pessoas. Ele pode ser um sujeito epistêmico na busca por conhecimentos sobre
a realidade; psicológico no sentido da singularidade e subjetividade de cada pessoa;
social mantido pelas relações de emergência para lidar com a prática e com os
grupos; e finalmente coletivo, na vertente histórica e ideológica que forma os
saberes sociais.
Cientes da importância das dimensões epistêmicas, psicológicas e
coletivas do sujeito alter, tivemos a preocupação de situar as professoras que
participaram da pesquisa como pessoas que fazem parte de determinados grupos,
religiosos, familiares, sindicatos, de trabalho, etc. São sujeitos que se inserem em
diversos locais, igrejas, casas residenciais, escolas, centros de convenções, etc.,
profissionais que apresentam características pessoais e profissionais que trazem a
marca de sua singularidade, como por exemplo, sexo, nível escolar de atuação
profissional, formação universitária, tempo de serviço na carreira docente.
Finalmente, recebem diversas influências históricas e sociais para a realização de
seus ofícios, podemos citar as normas promulgadas pela Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, os valores sociais que a família e a sociedade carregam a
respeito de como o ensino e a aprendizagem da língua portuguesa deveria ocorrer
nas escolas, como também, os valores de importância da língua portuguesa para a
sociedade do conhecimento, entre outros.
2º “De onde sabe?” Questão que busca uma compreensão das
condições de produção e circulação das representações sociais que se movimentam
na sociedade, através da cultura (valores, modelos, invariantes), da linguagem e da
comunicação, nas formas interindividual, institucional e midiática. A sociedade vista
como espaço de partilha e de vínculo social, imersa por contextos ideológicos e
históricos, lugar em que os sujeitos constroem suas inscrições sociais (posição,
lugar, função social, pertença grupal) e, principalmente, organizam suas relações
106
com os outros e com o mundo em atos interpessoais, institucionais, grupais e
intergrupais.
Compreendemos que as professoras de nossa pesquisa estabelecem,
essencialmente, relações entre si, como também, com os alunos, com as diretoras e
coordenadoras escolares, com as suas próprias famílias e aquelas dos alunos, com
a Secretaria Municipal de Educação, etc. Nestas interações, e por meio de outros
meios de comunicações, como, por exemplo, a televisão e a internet, elas adquirem
informações e outros elementos que contribuem para a formação de representações
sociais.
Essas duas primeiras questões vinculam-se a uma das três grandes
dimensões do campo das representações sociais; especificamente, elas tratam
daquela dimensão relacionada às condições socioculturais que favorecem a
emergência de representações sociais.
3º “O que sabe?” Esta indagação busca identificar o que as pessoas
sabem sobre os objetos, se valendo de suportes provenientes das comunicações,
das imagens midiáticas, das músicas, dos filmes, entre outros. Na nossa pesquisa,
consideramos como sendo o conteúdo das representações sociais.
4º “Como se sabe?” As respostas para esta pergunta permitem
entender os aspectos importantes dos processos representacionais que dão forma
ao objeto de estudo, apontam para a formação, o funcionamento e a transformação
dos estados e das representações sociais que são mecanismos lógicos de obtenção
de saberes, para que os sujeitos interpretem os objetos humanos e materiais.
Valendo-nos desta questão, buscamos identificar os processos de ancoragem e de
objetivação das representações sociais sobre o objeto da pesquisa.
Essas outras duas perguntas vinculam-se à segunda dimensão do
campo das representações sociais, que possibilita a descrição do conteúdo cognitivo
de determinadas representações sociais.
5º “Sobre o que se sabe e com que efeitos?” Vincula-se ao estatuto
epistemológico das representações sociais, compreendendo os valores de verdade
dos conhecimentos naturais e científicos e os valores de realidade dos saberes, que
estão submetidos a certas distorções, subtrações e suplementações. Transfere,
desta forma, um caráter prático para as representações sociais, orientando, assim,
as ações e as relações com o mundo, revelando, dessa maneira, as experiências, as
ações e as comunicações dos grupos, apontando para as funções e para a eficácia
107
prática das representações sociais. Sendo esta a terceira dimensão do campo das
representações sociais, que discute a natureza epistêmica em confronto com o
saber erudito.
Como nosso objetivo de pesquisa não contempla essa dimensão, nós
intencionamos responder a quinta pergunta formulada por Jodelet (2001), nos
valendo apenas da construção de possíveis hipóteses. Fizemos a aparente
descrição de possíveis hipóteses da função orientadora das representações sociais
nas práticas educativas para que pudéssemos apontar para a realização de novos
esforços investigativos que trazem comparações entre as representações sociais
identificadas acerca de determinado objeto e as práticas realizadas pelo grupo.
Todas as respostas referentes às perguntas de Jodelet (2001) situam o
sujeito em um contexto ideológico e histórico, conferindo-lhe uma inscrição social
que determina sua posição, função, pertença e seu lugar em um grupo. Jodelet
(2001, p. 20) ensina que as representações sociais se “[...] inscrevem nos quadros
de pensamentos já existentes [...]”, formando uma rede de conhecimentos que irão
interferir em atitudes e julgamentos dos sujeitos sobre os objetos naturais e sociais,
determinando e organizando uma realidade comum a um conjunto social.
Os estudos de representações sociais, valendo-se dos constructos
vinculados ao campo moscoviciano, vem se tornando um trabalho frequente dentro
das ciências humanas, porque este domínio de pesquisa está dotado de
instrumentos conceituais e metodológicos que contribuem para conhecer este
fenômeno que se processa na rotina diária das pessoas. Entretanto, nas pesquisas
científicas, a demarcação da escolha da instrumentalização por meio dos conceitos
e dos métodos advindos da TRS é necessária, pois este campo investigativo é
mapeado como um espaço multidimensional de estudo, assim, recebe uma
multiplicidade de territórios autônomos de pesquisa, em função dos aspectos
específicos problematizados sobre os fenômenos em observação. Aspecto este
apresentado anteriormente em formato de questões investigativas formuladas por
Jodelet (2001), que caracterizam os espaços de estudo das representações sociais.
Em relação a esse vasto campo de estudo e por comportar
proposições que possibilitam o desdobramento de correntes teóricas
complementares, a TRS é tratada como sendo uma grande teoria (DOISE, 1993).
Essas correntes de pensamento provêm da TRS e se configuram enquanto teorias
108
complementares; não se tratam, portanto, de abordagens incompatíveis, mesmo
carregando diferenças entre si.
Conforme Sá (1998) e Jodelet (2011), na Europa, existem quatro
principais escolas de pensamento que abrangem os fenômenos representacionais,
são elas: 1º Escola de Paris, liderada por Jodelet, apresenta uma perspectiva mais
simbólica e antropológica, configura-se como uma abordagem processual clássica
que se aproxima das ideias da grande teoria moscoviciana; 2º Escola de Genebra,
liderada por Doise, estuda a gênese sociocognitiva das representações sociais,
considerando os níveis individuais, intergrupais, sociais e ideológicos para investigar
os processos psicossociais; 3º Escola Anglo-saxã, liderada por Wagner na Áustria,
situada dentro das críticas pós-modernistas, para a análise do discurso, da
dialogicidade e da narratividade em termos contextuais; 4° Escola de Aix-en-
Provence, dirigida sucessivamente por Flament, Abric e Joule e outros, desenvolvida
por uma abordagem cognitivo-estrutural.
Conforme Jodelet (2011), o que se passa no campo de estudo
brasileiro das representações sociais é a noção de movimento, não de escola. Para
a autora, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) trabalha com a
perspectiva processual, a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) aparece
como a sede da escola estruturalista, a Universidade de Brasília (UNB) como a sede
da escola de Genebra, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) se
insere na perspectiva centrada na comunicação nos espaços públicos e
comunitários, entre outros. Para a autora, os estudos brasileiros utilizam a TRS
como ferramenta para compreender os problemas e as características da realidade
social e, nela, fomentar uma forma de intervenção. Algo que difere dos trabalhos
europeus.
Em relação a grande teoria, a moscoviciana, buscamos três
balizamentos: 1º o conceito de representações sociais; 2º o princípio de transformar
o não-familiar em familiar, pelo qual podemos explicar a formação de representações
sociais; 3º os processos formadores das representações sociais, ancoragem e
objetivação. Para a apresentação desses direcionamentos, nos valemos de duas
obras de Moscovici publicadas no Brasil, uma no ano de 1978 e outra no ano de
2003. Além destas referências utilizamos obras de outros pesquisadores nacionais e
internacionais que contribuíram com estes estudos. Este delineamento permitiu
conhecer e compreender a possível imagem do processo de ensino aprendizagem
109
da língua portuguesa construída pelas professoras, como também, nos
instrumentalizou de conceitos que ajudaram a localizar prováveis fontes que
fomentaram tal construção imagética.
A respeito das escolas que ampliaram o pensamento moscoviciano,
escolhemos os recursos teórico-metodológicos disponíveis para apropriar de uma
entre as abordagens referidas anteriormente em função do objetivo da investigação.
Identificamos que a abordagem estruturalista, desenvolvida na Escola de Aix-en-
Provence, intitulada Teoria do Núcleo Central, nos auxiliaria na identificação dos
conteúdos cognitivos que estruturam as representações sociais e, também,
exploramos o potencial comparativo desta teoria, a partir do princípio de considerar
que existem representações sociais diferentes, se os seus núcleos centrais forem
significativamente diferentes. Isto permitiu a comparação de uma variável que
consideramos de grande influência para a formação de representações sociais
diferentes, sendo ela os ciclos ou blocos de ensino em que as professoras atuam.
Valemo-nos das obras publicadas pelo fundador da Teoria do Núcleo
Central, Abric, publicadas no Brasil nos anos de 1998 e 2003; das produções de Sá
publicadas nos anos de 1998 e 2002, pesquisador que se insere no Movimento da
UERJ, sendo ele o principal pesquisador brasileiro que contribui com o
desenvolvimento da teoria formulada por Abric. Obras estas que apresentam os
princípios basilares da teoria. Além delas, utilizamos um trabalho da autora Menin,
publicado no ano de 2007, que trata do aspecto normativo das representações
sociais. Portanto, entre muitas dimensões que compõem o campo de estudo das
representações sociais, delimitamos alguns aspectos do fenômeno representacional
que contribuíram para compreender o objeto de pesquisa. Nos próximos itens,
mostramos a descrição destas demarcações teórico-metodológicas.
2.3.1 O conceito do fenômeno representacional
Os sujeitos buscam agir no mundo, atribuindo sentidos e significados
aos seres que os cercam, para que possam saber lidar em determinados espaços e
contextos. São modos interligados de pensar, sentir, representar, agir, conviver, etc.,
que estruturam o dinamismo do existir das pessoas e fomentam a construção de
110
conhecimentos socialmente partilhados. Em todos os lugares, onde habitam sujeitos,
saberes são criados, transmitidos, transformados e, muitos deles, recebem outros
elementos que favorecem a formação de representações sociais sobre seres da
realidade.
É com base na capacidade de representar a realidade, de fazê-la de novo mentalmente presente, que as diferentes formas do conhecimento verdadeiramente humano são construídas: o senso comum, a consciência filosófica, o conhecimento científico como também a representação social. É com base na capacidade de representação que os homens tornaram possível a armazenagem do conhecimento e sua transmissão, tanto para outros homens no presente, como para as gerações futuras [...]. (LOUREIRO, 2003, p. 110).
Perante esse dinamismo, as representações sociais são definidas
como maneiras de compreender e comunicar sobre as coisas do mundo, são ideias
que influenciam pensamentos, mas não apenas pelo ato da reprodução. São
consideradas como fenômeno que favorece a nomeação e a definição de diversas
coisas e seres existentes no mundo; como também, contribuem para que as
pessoas possam interpretar aspectos de sua vivência, possibilitando a tomada de
decisões.
Para Moscovici (1978, p. 26), “[...] a representação social é uma
modalidade de comportamento particular que tem por função a elaboração de
comportamentos e a comunicação entre indivíduos”. Este fenômeno permite que um
mesmo conjunto de pessoas se comunique e se identifique como grupo de pertença,
emitindo juízos, opiniões e explicações assemelhados sobre temas diversos.
Conforme esse pesquisador, a representação social é:
[...] um corpus organizado de conhecimentos e uma das atividades psíquicas graças às quais os homens tornam inteligível a realidade física e social, inserem-se num grupo ou numa ligação cotidiana de trocas, e liberam os poderes de sua imaginação. (MOSCOVICI, 1978, p. 28).
As pessoas constroem, divulgam, transformam e recorrem às
representações sociais dos seres que as cercam, dentro dos grupos em que estão
inseridas, levando a uma possível partilha de opiniões e práticas, em muitos casos,
sendo seguidas pela maioria. Dessa maneira, as representações sociais se
apresentam como uma “[...] rede de ideias, metáforas e imagens, mais ou menos
interligadas livremente e, por isso, mais móveis e fluidas que teorias”. (MOSCOVICI,
2003, p.210).
111
Para Jodelet (2001), existem cinco motivos para que as pessoas criem
representações sociais: 1º informação sobre o mundo à sua volta; 2º ajustamento à
realidade; 3º saber como se comportar; 4º dominar o mundo física e
intelectualmente; e 5º identificar e resolver problemas existenciais. Para esta
pesquisadora, as representações sociais podem ser observadas na circulação das
conversações, são trazidas pelas palavras e veiculadas em mensagens e imagens
midiáticas, cristalizadas em condutas e em organizações materiais e espaciais.
Assim, são consideradas como fenômenos complexos sempre ativados e em ação
na vida real.
A complexidade das representações sociais é reforçada diante da sua
própria constituição, sendo composta por diversos elementos, como, por exemplo,
informativos, cognitivos, ideológicos, normativos, crenças, valores, atitudes, opiniões
e imagens que são organizados sob a aparência de um saber que diz algo sobre o
estado de determinada realidade de um objeto. Deste modo, as representações
sociais são sistemas de interpretação que regem a relação das pessoas com o
mundo e com os outros, em que orientam e organizam as condutas e as
comunicações sociais.
[...] representações sociais são sempre complexas e necessariamente inscritas dentro de um referencial de um pensamento preexistente, sempre dependentes, por conseguinte, de sistemas de crença ancorados em valores, tradições e imagens do mundo e da existência. (MOSCOVICI, 2003, p. 216).
Diante da complexidade do fenômeno e da resistência histórica de
Moscovici em proporcionar uma definição precisa do conceito de representação
social, por receio de que isto poderia acabar resultando na redução do seu alcance
conceitual, nas palavras do teorizador: “É difícil apreender seu conceito, pois está
entre uma série de conceitos sociológicos e de psicológicos”. (MOSCOVICI, 1978, p.
41).
Jodelet (2001) conferiu uma feição mais objetiva nas explicações das
várias proposições básicas que cercam o fenômeno. Assim, ela elaborou a seguinte
sistematização da caracterização da representação social:
[...] é uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social. Igualmente designada como saber de senso comum ou ainda saber ingênuo, natural, esta forma de conhecimento é diferenciada, entre outras, do conhecimento científico. Entretanto, é tida
112
como um objeto de estudo tão legítimo quanto este; devido à sua importância na vida social e à elucidação possibilitadora dos processos cognitivos e das interações sociais. (JODELET, 2001, p. 22).
Portanto, para Jodelet (2001), as representações sociais são, ao
mesmo tempo, produto e processo, pois tratam de uma atividade de apropriação da
realidade exterior ao pensamento e de elaboração psicológica e social dessa
realidade, trazendo a marca do sujeito e de sua atividade, em que todas as funções
mentais são também socializadas.
Para Sheva (2001, p. 75), “[...] as representações agem enquanto guia
das condutas que modelam as formas e entrelaçam as redes das relações sociais,
sendo que estas últimas formam, por sua vez, e estruturam as representações”.
Desta maneira, as representações sociais são fenômenos complexos e dinâmicos,
em que vários sujeitos sociais, com pensamentos e espaços de pertença diversos,
interferem na elaboração das representações sociais, sendo um processo imerso
nas atividades sociais de diversos grupos, que buscam lidar com a vivência diária e
fomentam constantemente criações e modificações em seus processos formativos.
Finalmente, as representações sociais são fenômenos que formam um saber social
e prático de determinado objeto, explicados por uma teoria psicológica e social do
conhecimento.
2.3.2 O princípio de tornar o não-familiar em familiar e os processos
formadores das representações sociais
As circulações de saberes, que se consolidam em termos comuns, são
denominadas por Moscovici (2003) de universos consensuais, em que os indivíduos
não precisam ser peritos para falar sobre seres do mundo. As pessoas são livres
para revelar seus pontos de vista, sobre qualquer conteúdo, expressando suas
opiniões. Compreender o universo consensual é entendê-lo como saberes que são
estabelecidos por pessoas que não são especialistas, dando conta das questões
cotidianas. Em lado oposto, estão os universos reificados, sendo aqueles que
contêm membros especializados em determinadas áreas do saber. Cada indivíduo
113
pode apresentar competências de acordo com os conhecimentos científicos
adquiridos, como por exemplo, os psicólogos, os arquitetos e os pedagogos.
No universo consensual, as pessoas também podem conceber
diferentes especializações, mas são iguais para dialogar. Enquanto no reificado, a
hierarquia de papéis é predominante e apenas os especialistas sabem a linguagem
técnica das ciências, só eles têm capacidades para comunicar e atuar em
determinado campo. A oposição de características destes dois mundos leva a
sociedade, conforme Moscovici (2003), a construir representações sociais para
explicar os fenômenos, de modo que se tornem acessíveis as descobertas já
realizadas, facilitando a existência coletiva. As representações sociais são criadas
na esfera consensual, embora os dois universos não sejam totalmente
independentes entre si, porque estão em permanente processo de construção.
Os sujeitos representam os objetos da realidade imersos em processos
de alteridade, nos relacionamentos com o trato das diferenças entre pessoas e
grupos e com o estranhamento das coisas novas que surgem. Assim, a alteridade
pode ser explicada em duas vertentes: a primeira compreende o lado do outro em
termos de lugar, como por exemplo, países e povos; a segunda indica a dimensão
interior dos grupos e pessoas que demarcam as divisões sociais. (JODELET, 2005).
Essas interações fomentam inúmeras conversações, possibilitando a
construção de representações sociais; neste dinamismo, são consideradas como um
ambiente real e concreto. São ideias, mas são ao mesmo tempo realidades, pois são
envolvidas pela tradição e pela cultura que caracterizam objetos e seres do mundo.
(MOSCOVICI, 2003).
Para Moscovici (2003), as representações sociais têm como finalidade
tornar familiar algo não-familiar, sendo a principal função das representações
partilhadas. “Sustento, pois, que as representações sociais têm como finalidade
primeira e fundamental tornar a comunicação, dentro de um grupo, relativamente
não-problemática e reduzir o “vago” através de certo grau de consenso entre seus
membros”. (MOSCOVICI, 2003, p. 208, grifo do autor). Logo, para conferir uma
feição familiar à realidade, é necessário o funcionamento de dois mecanismos de
pensamento, baseados na memória e em referências passadas, denominados de
ancoragem e objetivação, sendo considerados pelo pesquisador como os processos
que formam as representações sociais.
114
Para compreender certos conteúdos desconhecidos, os sujeitos
comparam suas dúvidas com saberes já adquiridos por eles, ancorando-os em
conhecimentos já assimilados. Seria o mesmo que dizer metaforicamente que o ser
humano, navegando em um mar de ideias, só ancora seu barco em um porto
conhecido. Transferir o desconhecido para o conhecido é ancorar, classificar e
categorizar o desconhecido, comparando-o com modelos e padrões já estabelecidos
e interiorizados pelos indivíduos. Desta forma, o processo de ancoragem é uma
tentativa de enfrentar os estranhamentos das coisas do mundo.
Moscovici (2003, p. 61), define que “[...] ancorar é, pois, classificar e
dar nome a alguma coisa. Coisas que não são classificadas e que não possuem
nome são estranhas, não existentes e ao mesmo tempo ameaçadoras”. Este
processo ameniza a confusão, a incerteza, a dificuldade de inteligibilidade do
desconhecido e o medo do novo, que as pessoas têm, quando se deparam com
conteúdos não familiares. Isto ocorre porque os indivíduos sentem necessidades de
reconhecer objetos e saberes que os cercam, ou aquilo que possa ser significativo
para suas vidas.
Segundo Moscovici (2003), a representação é um sistema de
classificação e de denotação em que a neutralidade é proibida pela lógica mesma do
sistema. As pessoas selecionam aquelas características que são mais
representativas de um protótipo de referência para entender os seres, fenômenos e
ideias que as cercam. Seguindo esse norte, Moscovici afirma que a TRS exclui a
ideia de pensamento ou percepção que não possua ancoragem, como, igualmente,
afirma que a ancoragem facilita a interpretação das características de uma dada
realidade. Em outras palavras, classificar e dar nomes facilita a compreensão da
vida humana.
Outro processo que contribui para a formação das representações
sociais é denominado de objetivação, que leva as ideias para a prática, para o
concreto da vida social. Nas palavras de Moscovici (2003, p. 71): “[...] objetivação
une a ideia de não-familiaridade com a de realidade, torna-se verdadeira essência
da realidade”. O abstrato se torna concreto nesse processo, porque uma abstração
busca expressar primeiramente uma imagem possível e depois, o conceito como
real. Deste modo, as imagens se tornam elementos da realidade, ao invés de
elementos do pensamento.
115
A cultura – mas não a ciência – nos incita, hoje, a construir realidades a partir de idéias geralmente significantes. Existem razões óbvias para isso, dentre as quais a mais óbvia, do ponto de vista da sociedade, é apropriar-se e transformar em característica comum o que originalmente pertencia a um campo ou esfera específica. Os filósofos gastaram muito tempo tentando compreender o processo de transferência de uma esfera a outra. Sem representações, sem a metamorfose das palavras em objetos, é absolutamente impossível existir alguma transferência. (MOSCOVICI, 2003, p. 75).
Escrever sobre os processos que geram as representações sociais é
caracterizar a ancoragem como direcionadora de informações para o interior dos
sujeitos e a objetivação sendo o inverso.
Ancoragem e objetivação são, pois, maneiras de lidar com a memória. A primeira mantém a memória em movimento e a memória é dirigida para dentro, está sempre colocando e tirando objetos, pessoas e acontecimentos, que ela classifica de acordo com um tipo e os rotula com um nome. A segunda, sendo mais ou menos direcionada para fora (para outros), tira daí conceitos e imagens para juntá-los e reproduzi-los no mundo exterior, para fazer as coisas conhecidas a partir do que já é conhecido. (MOSCOVICI, 2003, p. 78).
Diante dessas explicações, podemos dizer que as representações são
sociais, pois também são simbólicas. São sempre de alguma coisa ou de alguém e
que apresenta conteúdo específico. São históricas na sua essência e influenciam o
desenvolvimento do sujeito desde a primeira infância. Portanto, o fenômeno
representacional é processado no dinamismo de relações entre pessoas e/ou grupos
que buscam dar conta de uma realidade que se apresenta no instante que se insere
nela, se valendo de referências anteriores advindas de diversos elementos incluídos
no processo representacional que se aproximam entre si, como por exemplo,
podemos mencionar as informações, as atitudes, as imagens, os valores, as normas
sociais e a memória, produzindo neste movimento de aglomerações de elementos,
uma forma de saber comum sobre objetos da realidade.
Moscovici (1978, 2003) teorizou acerca de um complexo fenômeno
social que resultou na construção de diversas outras proposições que não foram
apresentadas neste relatório por não se constituírem parte do objetivo geral da
pesquisa. No ano de 2012, completaram 51 anos de estudos e pesquisas no campo
de representações sociais, tempo este que permitiu o acolhimento de teorias
complementares que buscaram responder problemáticas advindas de constructos da
grande teoria.
Uma dessas contribuições é denominada de Teoria do Núcleo Central,
que se insere dentro dos estudos da Escola de Aix-en-Provence. A partir de seus
116
princípios podemos compreender as organizações dos elementos que são eleitos
para participarem dos processos representacionais, identificando assim, a estrutura
cognitiva das representações sociais. Conforme Sá (2002), a Teoria do Núcleo
Central é considerada complementar à Teoria das Representações Sociais por
trazer para o campo de estudos derivações de suas características nas quais a
sistematização da prática experimental se fez presente no início de sua formulação ,
algo diferente das configurações habituais, trazendo com elas uma objetividade para
as proposições da grande teoria. A seguir apresentaremos alguns de suas
proposições.
2.3.3 A Teoria do Núcleo Central das representações sociais
A Teoria do Núcleo Central foi proposta por Abric no ano de 1976,
mediante tese de doutoramento defendida na Université de Provence, intitulada:
Jeux, conflits et représentations sociales. Esta teoria apresenta as funções
geradoras e organizadoras que estruturam as representações sociais, mediante
vínculos de elementos hierarquizados entre si que formam um componente central
nas representações sociais. Este núcleo central estrutura como é representado
determinado objeto da realidade, definindo os possíveis comportamentos futuros dos
sujeitos e está vinculado a sistemas periféricos que complementam a formação da
representação social.
Utilizando como referência os conhecimentos de Heider (1927) sobre
os estudos de atribuição de uma ideia de centralidade aos elementos envolvidos em
processos de percepção social; servindo do trabalho pioneiro de Asch (1926) a
respeito da percepção social, pesquisas estas inseridas na área da Psicologia
Social, Abric trouxe novas contribuições para o desenvolvimento da TRS, a partir do
entendimento da centralidade nos elementos representacionais.
Além dessas fontes, Abric buscou norteamentos na própria teoria
moscoviciana referente à noção de núcleo figurativo, cuja formação é resultante do
processo de objetivação das representações sociais. Abric considera o caráter
figurativo do núcleo das representações sociais apresentados por Moscovici.
Entretanto, se afasta deste princípio de elaboração de imagens e atribui aos
117
elementos que compõem a estrutura das representações sociais uma natureza
puramente cognitiva, tanto sob formas descritivas, quanto valorativas. (SÁ, 2002).
Conforme Abric (2003), as representações sociais apresentam duas
características de aparências contraditórias: 1ª são ao mesmo tempo estáveis e
móveis, rígidas e flexíveis; 2ª são consensuais e também estão marcadas por
diferenças interindividuais. Abric (2003) propôs que estas características
contraditórias são complementares entre si e constituem a própria estruturação das
representações sociais e de seu modo de funcionamento. Deste modo, as
representações sociais são regidas por um sistema interno duplo, em que cada parte
tem um papel específico e complementar entre si.
Quando as representações sociais estão no mundo consensual,
definindo a homogeneidade do grupo, elas estão localizadas no sistema central,
denominado de núcleo central. Neste sistema, as representações são mais estáveis,
rígidas, resistentes à mudança e pouco sensíveis ao contexto imediato. Agora,
quando permitem a integração das experiências e histórias individuais, elas se
localizam no sistema periférico, suportando a heterogeneidade do grupo, sendo
flexíveis, evolutivas e sensíveis ao contexto imediato.
Abric procurou dar conta dessas aparentes contradições das
características das representações sociais propondo a Teoria do Núcleo Central.
Nela, segundo Sá (2002), uma determinada representação social sobre algum objeto
da realidade é uma entidade unitária regida por um sistema interno duplo, o sistema
central e o sistema periférico, em que cada um deles apresenta um papel específico,
mas complementar ao outro. Deste modo, segundo Abric (1998), para definir uma
representação social é preciso identificar os elementos centrais que a constituem,
fornecem sua significação e estabelecem as relações que unem entre si elementos
do conteúdo da representação e, assim, regem sua evolução e transformação.
Reproduzimos o quadro construído por Abric (1998), que mostra de
forma objetiva as características do sistema central e do sistema periférico de uma
representação social:
118
SISTEMA CENTRAL SISTEMA PERIFÉRICO
Ligado à memória coletiva e à história do grupo
Permite a integração de experiências e histórias individuais
Consensual
define a homogeneidade de grupo Tolera a heterogeneidade do grupo
Estável
Coerente
Rígido
Flexível
Tolera as contradições
Resiste às mudanças Evolutivo
Pouco sensível ao contexto imediato Sensível ao contexto imediato
Funções:
gera o significado da representação
determina sua organização
Funções:
permite a adaptação à realidade concreta
permite a diferença de conteúdo
Quadro 2 - Características do sistema central e do sistema periférico de uma representação
Fonte: Abric (1998, p. 34).
Para esse pesquisador, o sistema central está ligado aos valores, às
normas sociais, à memória coletiva, à história do grupo, à natureza do envolvimento
do grupo na situação social, sendo os elementos essenciais que formam este
sistema. Ele nos alerta que:
Partilhar uma representação com outros indivíduos significa, então, partilhar com eles os valores centrais associados ao objeto concernido. Não é o fato de partilhar o mesmo conteúdo que define a homogeneidade do grupo em relação a um objeto de representação: é o fato de se referir aos mesmos valores centrais presentes no núcleo. (ABRIC, 2003, p. 40, grifo do autor).
O conjunto de elementos centrais delimita o espaço em torno do qual
se estabelecem as representações sociais. Portanto, Abric (2003) propõe que o
sistema central seja entendido como a manifestação do pensamento social que fixa
a homogeneidade de um grupo e promove estabilidade e coerência à representação,
assim, oportuniza a sua própria definição. Desta maneira, procurar os elementos
centrais de uma representação social é buscar a raiz, o fundamento social da
representação.
Segundo Abric (2003), a ativação de um elemento do núcleo central é
determinada pela finalidade da situação, e pela distância para com o objeto e o
contexto.
Abric (2003) atribui as seguintes funções para esse sistema:
O núcleo central é constituído de um ou alguns elementos sempre em quantidade limitada. Ele assegura três funções essenciais, que significa dizer que ele determina: - o significado da representação (função
119
generadora); - a organização interna (função organizadora); - a estabilidade (função estabilizadora). (ABRIC, 2003, p. 38).
Mesmo considerando a importância de outros conjuntos de elementos
que dão forma às representações sociais, Abric (2003) considera que a parte
principal da estrutura de uma representação é o núcleo central, pois ela fornece a
geração, a organização e a estabilidade das representações sociais. Desta maneira,
compreendendo os aspectos fundamentais dos elementos que compõem as
representações sociais e da especificidade de contribuições de cada um, vários
trabalhos experimentais colocaram em evidência dois tipos de elementos que fazem
parte do núcleo central, são eles: normativos e funcionais:
Os elementos normativos são diretamente originados do sistema de valores dos indivíduos. Eles constituem a dimensão fundamentalmente social do núcleo – e da representação, pois – ligada à história e à ideologia do grupo. São eles que determinam os julgamentos e as tomadas de posição relativas ao objeto. Os elementos funcionais são associados às características descritivas e à inscrição do objeto nas práticas sociais ou operatórias. São eles que determinam as condutas relativas ao objeto. (ABRIC, 2003, p. 41, grifo do autor).
Segundo Menin (2007), após as definições Abric, com o auxílio de
Tafani, no ano de 1995, referem-se a três elementos. Apresentam que os normativos
“[...] constituem o ponto de referência a partir do qual o objeto é socialmente
avaliado”. (ABRIC; TAFANI, 1995, p. 23 apud MENIN, 2007, p. 125).
Retornando as discussões em relação aos elementos funcionais dizem
que eles estão:
Ligados à inscrição do objeto em práticas sociais ou operatórias. Esses elementos determinam e organizam as condutas relativas aos objetos e definem as práticas que são legítimas de serem desempenhadas quando indivíduos ou grupos são confrontados com o objeto da representação. (ABRIC; TAFANI, 1995, p. 23 apud MENIN, 2007, p. 125).
A ampliação dos elementos ocorreu com a apresentação de um
terceiro conjunto de elementos, denominados mistos. Para Abric e Tafani (1995)
apud Menin (2007), estes elementos apresentam tanto a dimensão normativa,
quanto a funcional e, por isto, eles podem intervir na produção de julgamentos de
valores como na orientação das práticas. Além desses elementos, há também no
núcleo central aqueles que estão relacionados com o grau de importância para o
grupo de sujeitos, sendo eles os principais e os adjuntos. Os primeiros são decisivos
e indispensáveis para as representações, porque eles são absolutos, portanto, são
120
pouco submetidos a negociações. Os demais são hierarquicamente secundários em
relação aos primeiros, entretanto, todos são indispensáveis.
Abric e Tafani (1995) desenvolveram uma proposição teórico-
metodológica para conhecer o quanto um elemento contribui para o comportamento
das pessoas em relação ao objeto da representação, denominado de índice de
normatividade. Nesta pesquisa, pediram para que os sujeitos contatados
apontassem a importância dos elementos evocados por eles para aquele objeto da
representação. Os pesquisadores concluíram que:
[...] os elementos do núcleo central não são equivalentes e são organizados de maneira hierárquica, além disso, o contexto social influi na ativação dos elementos de maneira diferenciada: a função do grupo social, as relações que ele mantém com o objeto e a situação que os sujeitos se encontram, podendo provocar ativação de elementos funcionais ou normativos. (MENIN, 2007, p. 126).
Nesta presente pesquisa, nos valemos dessa referência teórico-
metodológica para conhecer a importância dos elementos evocados sobre o objeto
da representação para o grupo de professoras contatadas. Todavia, não utilizamos o
índice de normatividade, mas a ideia de hierarquização de elementos. Solicitamos às
participantes para que nos apontassem a hierarquização por ordem de importância
das cinco palavras que vieram à mente e foram anteriormente evocadas sobre o
ensino e a aprendizagem da língua portuguesa. Procedimento que permitiu
identificar a efetiva saliência dos elementos centrais, como também o caráter
normativo e funcional de todos os elementos que estruturam o objeto de
representação. O detalhamento desta escolha procedimental foi discutido no
capítulo que apresenta a metodologia da nossa pesquisa.
Como complemento indispensável para esse conjunto de elementos
centrais, Abric (2003) propõe a existência de outro sistema que promove a ligação
entre o sistema central e a realidade concreta, denominado de sistema periférico. O
sistema central é, essencialmente, normativo, de outra forma, o sistema periférico é,
principalmente, funcional. Apresentam tais características, mesmo carregando em
seus sistemas estes dois tipos de elementos. (ABRIC, 1994b, apud SÁ, 2002).
Assim, tem a função de fixar a representação na realidade, a partir da concretização
dos elementos centrais em termos de tomadas de posição e de condutas, pois as
posições ocupadas pelas pessoas em relação aos objetos das representações
sociais colaboram no quanto os elementos normativos e funcionais são ativados.
121
Neste jogo de relações, o sistema periférico está mais ligado às
características individuais e à realidade imediata, dentro da qual o sujeito está
imerso. Logo, os elementos periféricos contribuem para a concretização, regulação,
prescrição e preservação dos comportamentos, individualizam as representações,
enquanto protegem o núcleo central.
De acordo com Abric (1998, p. 33), o sistema periférico “[...] permite
uma adaptação, uma diferenciação em função do vivido, uma integração das
experiências cotidianas”. O sistema periférico tem maior flexibilidade que o sistema
central e permite a integração e diferenciação de conteúdos para permitir
adaptações à realidade. Como afirma o teórico, o sistema periférico também é
fundamental na estrutura representacional, pois é ele, junto com o sistema central,
que possibilita a imersão dos sujeitos e suas representações sociais na realidade.
Desse modo, segundo Abric (1998), circunvizinho aos elementos
centrais de uma representação social estão organizados os elementos periféricos.
Estes são os componentes com mais acessibilidade, vida e concretude. Estes
elementos são responsáveis por três funções básicas: concretização, regulação e
defesa.
A função de concretização diz respeito à interface entre o sistema
central e a conjuntura na qual a representação é laborada ou colocada em
funcionamento na realidade concreta. A função de regulação fomenta o aspecto
móvel e evolutivo da representação, conforme as transformações advindas do
contexto e das relações entre os grupos. Ao contrário, a função de defesa faz com
que o sistema periférico atue em defesa da representação, cuidando de possíveis
movimentos de mudança que possam vir a atingir o núcleo central e alterar o que é
basilar da representação.
A transformação de uma representação se opera, na maior parte dos casos, através da transformação de seus elementos periféricos: mudança de ponderação, interpretações novas, deformações funcionais defensivas, integração condicional de elementos contraditórios. É no sistema periférico que poderão aparecer e ser toleradas contradições. (ABRIC, 1998, p. 32).
Uma das grandes contribuições da Teoria do Núcleo Central é a
possibilidade teórico-metodológica de identificar nos estudos comparativos
diferenças de representações sociais em grupos distintos sobre o mesmo objeto.
Suas proposições apresentam que dois estados sucessivos de uma mesma
122
representação devem ser considerados distintos se, e apenas se, seus respectivos
núcleos centrais tiverem composições claramente diferentes.
Finalmente, essa teoria auxiliou nossos estudos de forma importante
para que pudéssemos conhecer a centralidade de elementos na estrutura das
representações sociais de professoras sobre o processo de ensino-aprendizagem da
língua portuguesa, especialmente, compreendendo as relações entre os diversos
elementos.
123
CAPÍTULO III MATERIAIS COLETADOS: COMPREENSÕES POSSÍVEIS
No primeiro capítulo deste trabalho já dizíamos que o/a pesquisador/a
se faz participante dentro da investigação que se propõe a desenvolver tanto quanto
aquelas pessoas que foram entrevistadas, pois ele/a também está inserido/a no
processo interlocutivo de produção de significados acerca de determinados objetos
sociais.
Por via deste entendimento, neste capítulo construímos uma possível
apresentação e compreensão de partes do material recolhido em meio a vários
diálogos realizados junto às professoras que trabalham nas escolas públicas e
urbanas do Sistema Municipal de Educação de Jataí, Estado de Goiás, na primeira
fase do ensino fundamental, de 1º ao 5º ano, sobre o processo de ensino-
aprendizagem da língua portuguesa.
Este capítulo apresenta duas partes. A primeira traz o material
recolhido com o uso da técnica de evocações livres na segunda fase da pesquisa. A
segunda mostra alguns segmentos de textos reunidos nos momentos de entrevistas
que ocorreram na terceira fase da pesquisa.
3.1 Elementos estruturais das representações sociais de professoras sobre os
processos de ensino e de aprendizagem da língua portuguesa
Na segunda fase de coleta dos materiais, contatamos 100 professoras
com o uso da técnica de evocações livres. Fizemos a seguinte explicação: Eu lhe
direi uma expressão e você me responderá dizendo as cinco primeiras palavras que
vierem de imediato a sua mente. Você deverá dizer as cinco palavras que lhe vierem
à cabeça, palavras soltas mesmo, sem formar frases, que descrevam, caracterizem
ou qualifiquem o que seus colegas professores falam sobre o ensino da língua
portuguesa. Pedido similar foi realizado para que as docentes falassem sobre o
processo de aprendizagem da língua portuguesa. A emissão das evocações foi
124
espontânea, permitindo que as palavras fossem prontamente anunciadas pelas
colaboradoras, bem como o caráter hierarquizado foi solicitado, fomentando
reflexões docentes para organizar as palavras evocadas seguindo uma possível
ordem de importância.
Os materiais coletados foram processados no EVOC. O software
organizou as palavras evocadas levando em conta as frequências (f), a ordem média
de evocação (OME) ou a ordem média de hierarquização (OMI). Complementar
explicação da lógica computacional deste programa pode ser vista no capítulo que
trata da metodologia da pesquisa.
A compreensão construída acerca da organização dos materiais
recolhidos foi norteada pela Teoria do Núcleo Central (TNC), formulada por Abric. A
ideia essencial da TNC é a de que toda representação social é um conjunto de
elementos sociocognitivos organizados e estruturados. (ABRIC, 1998). Esta
estrutura é constituída de dois subsistemas: o sistema central e o sistema periférico.
O sistema central reúne elementos mais estáveis de uma
representação, sendo aqueles relacionados aos contextos sociais. De outro lado, o
sistema periférico reúne os elementos mais flexíveis de uma representação social,
sendo aqueles que permitem a concretização do sistema central, pois ele permite
que a representação social seja ancorada na realidade do momento. (SÁ, 1996).
O conjunto de palavras evocadas provenientes do primeiro mote foi
denominado de Elementos do Ensino, e o grupo de palavras evocadas a partir do
segundo mote foi chamado de Elementos da Aprendizagem. Para melhor discussão
do material recolhido, escolhemos mostrar justapostos os elementos dos dois motes.
Vejamos as próximas ilustrações:
125
LÍNGUA PORTUGUESA
ELEMENTOS DO ENSINO ELEMENTOS DA APRENDIZAGEM
OME < 3,00 ≥ 3,00
F NÚCLEO CENTRAL PRIMEIRA PERIFERIA
≥ 17
ATRIBUTOS F OME ATRIBUTOS F OME
Leitura 55 2,345 Escrita 40 3,225
Produção 26 3,731
Interpretação 24 3,000
Ortografia 20 3,300
Compreensão 18 3,444
< 17
ZONA DE CONTRASTE SEGUNDA PERIFERIA
ATRIBUTOS F OME ATRIBUTOS F OME
Dificuldade 12 2,000 Conhecimento 16 3,000
Necessário 11 2,364 Aprendizagem 12 3,083
Alfabetização 11 2,182 Oralidade 10 3,800
Letramento 10 2,100 Essencial 7 3,286
Importante 9 1,333 Gramática 6 3,500
Base 6 2,333
Complexo 5 1,800
OME < 3,00 ≥ 3,00
F NÚCLEO CENTRAL PRIMEIRA PERIFERIA
≥ 16
ATRIBUTOS F OME ATRIBUTOS F OME
Leitura 43 2,419 Produção 23 3,478
Escrita 32 2,938 Interpretação 17 3,118
Dificuldade 21 2,143
Conhecimento 18 2,944
< 16
ZONA DE CONTRASTE SEGUNDA PERIFERIA
ATRIBUTOS F OME ATRIBUTOS F OME
Importante 10 2,900 Oralidade 12 3,250
Desinteresse 9 1,778 Ortografia 11 3,182
Necessária 8 2,500 Compromisso 7 3,000
Complicada 7 2,714
Compreensão 6 2,667
Total de palavras do corpus textual: 500 Total de palavras diferentes: 159 Total de palavras dos quadrantes dos elementos estruturais: 298 Total de palavras do Núcleo Central: 55 Frequência mínima considerada no ponto de corte: 5
Total de palavras do corpus textual: 500 Total de palavras diferentes: 192 Total de palavras dos quadrantes dos elementos estruturais: 224 Total de palavras do Núcleo Central: 114 Frequência mínima considerada no ponto de corte: 6
Ilustração 2 Elementos estruturais das representações sociais das professoras acerca do ensino da língua portuguesa - mote espontâneo
Ilustração 3 Elementos estruturais das representações sociais das professoras referentes ao mote indutor aprendizagem da língua portuguesa – mote espontâneo
Fonte: Materiais organizados pela pesquisadora. F = frequência intermediária de palavras; OME = Ordem Média de Evocação, cálculo que organiza as palavras fazendo a média da posição que foram apresentadas.
126
As duas ilustrações dispostas uma ao lado da outra apresentam as
organizações do sistema central (Núcleo Central) e do sistema periférico (Primeira
Periferia, Segunda Periferia e Zona de Contraste) que estruturam as possíveis
representações sociais das professoras contatadas sobre os processos de ensino e
de aprendizagem da língua portuguesa. O quadro de quatro casas posicionado do
lado esquerdo apresenta a estrutura representacional docente acerca dos
Elementos do Ensino da língua portuguesa e o quadro de quatro casas que se vê no
lado direito mostra a estrutura representacional docente sobre os Elementos da
Aprendizagem da língua portuguesa.
Segundo Abric (1998), para que possamos localizar uma
representação social de determinado grupo sobre certo objeto é preciso identificar os
elementos centrais que a constituem e que fornecem sua significação. Partindo
desta referência, identificamos nessas evocações livres que a atividade de leitura é
valorizada em ambos os motes indutores, sendo o elemento mais central e saliente
das possíveis representações sociais docentes.
Nos Elementos do Ensino, em termos de frequência e OME, não
ocorreu o aparecimento de qualquer outro elemento para compor o denominado
Núcleo Central. Identificamos, assim, que as representações sociais das professoras
sobre o ensino da língua são estruturadas pela centralidade da prática de leitura no
processo educativo. Isto pode nortear escolhas pedagógicas que priorizam a leitura
em detrimento de outras práticas; ou mesmo favorecer o direcionamento de um
ensino da língua a partir da leitura, entre outras possibilidades.
Além da apresentação de palavras soltas, solicitamos às professoras
que formassem uma frase sobre cada palavra evocada. Sobre o vocábulo leitura, a
maioria das professoras disse que: “1 Se há leitura há conhecimento. 2 A inteligência
é obtida através da leitura. 3 Cultura é o que adquirimos através da leitura. 4 A
Leitura é indispensável para o crescimento do ser humano. 5 A leitura é essencial
para o ensino de português. Não ocorre o ensino sem a leitura e sem a
interpretação, ambos geram conhecimento”. Cada uma destas frases corresponde a
uma contribuição de uma professora que contemplam variados sentidos sobre a
prática de leitura. Entretanto, todas carregam ampla valorização da mesma. São
estas, entre outras significações, que colocaram em evidência a prática de leitura no
ensino da língua, situando as outras práticas em níveis secundários.
127
O Núcleo Central dos Elementos da Aprendizagem foi constituído por
quatro vocábulos: leitura, escrita, dificuldade e conhecimento, apontando uma
distribuição da centralidade em quatro elementos e não apenas ao atributo leitura,
como ocorreu no Núcleo Central dos Elementos do Ensino.
Para Abric (2003), o Núcleo Central é o subconjunto de uma
determinada representação social, composto de um ou alguns elementos que
apresentam funções complementares entre si. A partir deste fundamento,
identificamos no material recolhido algumas relações entre os elementos
pertencentes a este sistema.
As palavras leitura e escrita são os elementos mais frequentes e
prontamente evocados pelo grupo. Observamos que existe uma força de atração
entre a leitura e a escrita nas formações imaginárias, pois é comum encontrarmos
nos conteúdos advindos das falas das professoras a normatização “Os alunos
precisam ler muito para escrever melhor”.
Nessa e em outras frases que contextualizaram os atributos evocados,
identificamos uma grande atribuição de valor ao uso correto da língua, como
podemos ver no próximo exemplar de uma dessas frases: “Na alfabetização, os
alunos precisam dominar a leitura, realizando interpretação do que leu, pois, só
assim, eles dominarão a língua portuguesa, dominando as regras de acentuação e
ortografia”.
Observamos que os vocábulos leitura e escrita se unem para valorizar
o ensino da gramática na escola. Desta maneira, a prática de leitura serve como
instrumento de normatização, os/as alunos/as irão ler e entender os códigos
linguísticos para que possam construir uma escrita adequada aos padrões
estabelecidos. Pois, ao observamos as partes que constituem o todo, percebemos
que o significado das evocações das professoras entrevistadas são resultados de
uma certa combinação geradora de sentidos, definidos pelas múltiplas relações que
mantêm entre si, à medida em que estabelecem coerência de sentido, de
representação, sobre o que venha a ser o ensino de língua portuguesa.
Além disso, encontramos outras relações entre os elementos
estruturais a partir das frases que contextualizaram as palavras evocadas. As
professoras anunciaram que a leitura é uma prática que contribui para a aquisição
de conhecimento, este principalmente relacionado aos conteúdos gramaticais e
ortográficos. Vejamos duas frases apresentadas: 1ª “Devemos ter conhecimento da
128
ortografia correta das palavras”. 2ª “Aprender a Língua Portuguesa ampliará novos
conhecimentos e novos vocabulários”.
As professoras evocaram a palavra leitura e depois apresentaram
frases que relacionam este elemento aos vocábulos conhecimento, ortografia e
vocabulário. Essa conexão de elementos favorece a estruturação de representações
sociais docentes sobre o ensino da língua vinculadas ao saber social que valoriza a
prática de leitura como sendo um veículo de apropriação de conhecimentos,
principalmente aqueles que tratam do uso correto da língua.
Para Abric (2003), o sistema central está ligado aos valores, às normas
sociais, à memória coletiva, à história do grupo e à natureza do envolvimento do
grupo na situação social. Partindo disto, observamos que a centralidade da palavra
leitura recebeu influências das proposições sociais que direcionam o ser humano
para o mundo letrado e de conhecimento, tudo que se diferente dele é inapropriado.
Observa-se, pois, que a prática da leitura se insere como elemento
essencial das práticas curriculares do processo educativo de escolarização, de um
saber essencial para a atuação dos/as alunos/as no ambiente do qual fazem parte e
ao mundo preconizado pelos que defendem a norma da língua, constituindo, assim,
em um sistema discursivo que alimenta a representação social sobre o ensino da
língua portuguesa.
Conforme Abric (2003), uma representação social sobre algum objeto
da realidade é uma entidade unitária regida por um sistema interno duplo, o sistema
central e o sistema periférico, e cada um deles apresenta um papel específico ao
mesmo tempo complementar um ao outro. Seguindo este norte, outras confirmações
da valorização atribuída ao ensino sobre o uso correto da língua foram encontradas
em outros quadros de elementos estruturais. A palavra ortografia se posicionou na
Primeira Periferia dos Elementos do Ensino e na Segunda Periferia dos Elementos
da Aprendizagem; a palavra oralidade situou na Segunda Periferia de ambos os
quadros e a palavra gramática na Segunda Periferia dos Elementos do Ensino,
trazendo uma possível imersão dos sujeitos, por meio de suas representações
sociais, na realidade de sala de aula, mediante o uso de elementos que fomentam
normas educativas escolares.
Ao longo dos anos, o ensino da língua portuguesa era cercado por uma
imagem positiva de valorização da aplicação de conteúdos gramaticais. (BAGNO,
2002). O mais importante para pesquisadores/as, professores/as, alunos/as e para a
129
família era a adequação correta da linguagem verbal e escrita por parte dos sujeitos,
sendo os conteúdos da gramática normativa os elementos mais importantes do
currículo. Nos materiais recolhidos, a gramática não assumiu o caráter de
centralidade nas representações sociais docentes. Todavia, observamos que
gramática, oralidade e ortografia se posicionaram nos quadros que atribuem
concretude à representação, apresentam uma possível materialidade da
representação social na realidade da sala de aula.
Do ponto de vista do lugar social das professoras, os saberes acerca
da prática educativa são dependentes do contexto em que vivem. Existem regras de
enunciação sociais e institucionais que os sujeitos aderem ou não pela mediação
dos grupos (CAMPOS, 2005). No caso identificado, as normas sociais acerca da
gramática continuam sendo uma representação social hegemônica ao longo do
tempo e estão cristalizadas nas normas educativas escolares.
Com base nas respostas das professoras, observamos que elas
reconhecem na leitura um meio para aquisição de conhecimento e a capacidade de
possibilitar ao educando compreensão dos conteúdos trabalhados em língua
portuguesa. Elas entendem que a leitura proficiente também colabora para a
aprendizagem das normas gramaticais e ajuda no desenvolvimento da escrita.
Manguel (1997), por sua vez, afirma que ler não é um processo
automático de capturar um texto como um papel fotossensível captura a luz, mas um
processo de reconstrução desconcertante, labiríntico, comum e, que podem ser
entendidas como representações resultantes de influências sociais da comunicação
e que constituem as realidades das práticas cotidianas dos/as professores/as e
servem como o principal meio para estabelecer as associações com as quais foram
formados.
Conforme Wagner (1998), representações sociais hegemônicas
refletem a homogeneidade e a estabilidade das representações partilhadas por
todos os membros de um grupo. São passadas ao longo dos anos, tendo um caráter
extenso de existência. Podemos apontar para o fato de que as representações
sociais das professoras acerca do ensino e da aprendizagem da língua portuguesa
estão submersas dentro destes processos de manutenção da importância da
gramática no currículo escolar.
Nos estudos linguísticos, a gramática continua sendo um conjunto de
prescrições e normas importantes para o ensino da língua, o que observamos foi
130
uma mudança no modo de trabalhar a gramática em sala de aula. Nesta
representação identificada na pesquisa, foi acrescentada a dimensão da
compreensão plena dos enunciados, os professores são direcionados para
considerarem o contexto que envolve os textos apresentados aos/as alunos/as e
elaborados por eles. Portanto, fomentam uma possível significação dos mesmos.
Esta significação pode ser pronunciada para toda a comunidade escolar e
universitária e, nos materiais coletados, foi nucleada junto à palavra leitura. Todavia,
a normatização da gramática também está contida nos vocábulos coletados, está
também prensada no vocábulo leitura.
O ensino da gramática produziu normas cristalizadas nas práticas
escolares, regulou comportamentos de professores/as e alunos/as desde muito
tempo atrás, prescrevendo possibilidades de ações educativas. A inserção da
gramática é aceitável, é legítima para o grupo de professoras, além de tudo, é
justificável dentro da prática de leitura.
Desta forma, pode-se dizer que quando o ensino da língua portuguesa
desloca-se da palavra ou frases soltas para o discurso ou texto privilegiando-se a
linguagem em uso, ou seja, a atividade comunicativa, o/a professor/a se depara com
um tipo de prática que ele/a mesmo não vivenciou.
Os processos que envolvem a leitura como percepção, decodificação e
processamento de informações, memória, predição (antecipação), inferências,
deduções, evocação, analogia, síntese, análise, avaliação e interpretação ficam
prejudicadas face às representações sobre o que seria leitura, tendo como
parâmetro a gramatica normativa.
Mas, a penetração da gramática dentro das significações sobre a
prática de leitura nas representações sociais das professoras sobre o processo de
ensino-aprendizagem da língua portuguesa está considerando a especificidade de
cada uma? A junção entre leitura e gramática é necessária, como também o
entendimento das particularidades de ambas. Deste modo, precisamos entender se
a junção entre elas se fez para dar um caráter de atualização das práticas ou se fez
para a manutenção de práticas que valorizam os estudos gramaticais em detrimento
de outros.
Ou seja, fora evidenciada a existência de um ideal sobre o ensino da
língua portuguesa, pois pensam que a gramatica, o domínio da gramática, seja o
grande pilar que sustenta o conhecimento sobre a língua portuguesa, sendo esta o
131
ponto de chegada da educação formal. Porém, entre o ponto de chegada e o ideal
estipulado por muitos/as professores/as denota, tendo como pano de fundo a
possibilidade de aprendizagem da língua portuguesa a partir dos conhecimentos
estruturados e pela gramatica normativa, que há uma inquietação entre
professores/as sobre o que ensinam e sobre o que alunos/as, de fato, aprendem.
Para Campos (2005), as representações sociais são constituídas na
modernidade e apresentam também a forma de resistência dos grupos, não somente
para protegerem suas identidades, mas para resistir ao domínio da racionalidade
científica e seu exercício de poder por sobre os discursos e os sujeitos sociais. Das
100 docentes contatadas na pesquisa, 41% apresentaram que trabalham há mais de
onze anos nesta profissão, as rotinas exercidas nos espaços educativos já estão
solidificadas, a verdade advinda de suas atuações é mais forte que os saberes em
construção.
Para Bauer (1995, p. 252), “As representações sociais funcionam como
um “sistema cultural imunizante” em um contexto intergrupal: inovações simbólicas
são ativamente neutralizadas através de sua ancoragem em formações tradicionais”.
O presente apontamento de materiais recolhidos indica que as professoras
entendem a leitura ligada à escrita correta -escrever bem - da gramática normativa.
A partir deste entendimento, pode-se interpretar que as professoras orientam suas
práticas, norteadas por um conjunto de regras da língua portuguesa.
Para Pérez Gómez (2001), na escola, as confluências ocorrem entre as
seguintes culturas: cultura crítica (corresponde aos significados e produções
construídas nos diversos campos do saber, ao longo da história); cultura social
(constituída de valores, normas, ideias e comportamentos hegemônicos inseridos no
contexto social; cultura acadêmica (trata-se do que se pretende ensinar, socializar e
problematizar dentro da escola de modo a promover a aprendizagem); cultura
institucional (“[...] conjunto de significados e comportamentos que a escola gera
como instituição escolar [...]”) (PÉREZ GÓMEZ, 2001, p. 131) e cultura experiencial -
é construída na sociedade e na subjetividade humana.
Saberes acadêmicos direcionam os/as professores/as para uma
mudança na cultura escolar historicamente consolidada nas escolas concernente ao
formato didático-pedagógico dos conteúdos normativos da língua; procuram
promover uma compreensão ampla do professorado para um ensino da língua
enquanto processo discursivo, dialógico, que possibilita aos/as alunos/as a
132
realização de interpretações significativas de textos para um desvelamento da
realidade social em que fazem parte. Todavia, estes saberes acadêmicos entram em
conflito com os saberes construídos em ofício, querem combater um saber que
chegou ao nível de um valor social hegemônico: o ensino da gramática normativa.
A língua é uma ferramenta em formato de signos e significados e ao
mesmo tempo é o resultado de um processo de interlocução, não está pronta nos
tempos e espaços, mas é criada exatamente enquanto a vamos utilizando. Para
Bagno (2002), a concepção da língua considerada nas escolas brasileiras ainda
carrega vínculos com a norma padrão, transmitida pelas gramáticas normativas, não
considerando o uso real dos recursos linguísticos e suas múltiplas variedades.
Observa-se, assim, que as ações próprias do processo de ensino-
aprendizagem em sala de aula estão em desacordo com as atuais necessidades
exigidas de um sujeito que atua numa sociedade rodeada de textos de todos os
tipos, e apontar possíveis caminhos para minimizar esse problema, enfatizando o
desenvolvimento do/a professor/a leitor/a nos cursos de formação e levá-los à
reflexão crítica sobre sua prática é fundamental.
Além dessas observações, com base na referência de Smolka (1988),
entendemos o processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa enquanto um
processo discursivo contínuo de interação em que os papéis dos sujeitos
participantes da prática educativa se fundem para a formação de um objetivo
comum. Diante disto, direcionamos novamente nossos olhares para todos os
elementos dos quadros e não encontramos palavras vinculadas aos processos
interpessoais e intergrupais, que fomentam interlocuções formativas para ensinar e
aprender a língua portuguesa na escola.
Observamos a inexistência de palavras nas organizações estruturais
das evocações livres que revelam processos de interação entre os sujeitos que
realizam a prática educativa. Tanto nos Elementos do Ensino quanto nos Elementos
da Aprendizagem não localizamos palavras ligadas fortemente à figura docente, tão
pouco à imagem discente e aos processos interpessoais, ou, nos termos de Freire
(2001), não fora manifesta a necessidade de transcender a tarefa meramente
instrutiva em favor do desenvolvimento do/a aluno/a.
Segundo Oliveira (2005a), a técnica de evocações livres permite
apreender as projeções mentais construídas de forma espontânea por um grupo de
sujeitos sobre objetos da realidade, apresentando os conteúdos implícitos e latentes
133
que podem estar escondidos nos discursos e que evidenciam a centralidade de
elementos das representações sociais. Esta técnica nos auxiliou na identificação dos
elementos estruturais e nucleares das representações sociais do grupo de
professoras sobre o processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa e,
também, nos mostrou o que não é nuclear para o grupo, com a ausência de
elementos que são importantes para o processo de ensino-aprendizagem da língua
portuguesa conforme literatura especializada e pesquisadores do assunto, que não
fizeram parte do grupo de palavras mais frequentes e prontamente evocadas.
Com o uso dessa técnica, observamos que as projeções mentais
construídas de forma espontânea pelas professoras apontaram para um possível
indicativo de ausência da percepção de si e do outro, pois elementos importantes
como, por exemplo, aluno, professor, interação, diálogo, comunicação e outros
reveladores de processos de interlocução, não foram evocados, de forma a
pertencerem aos elementos estruturais. Logo, compreendemos que a imagem
construída pelo grupo de professoras é da prática educativa em si, principalmente
realizada com o uso de conteúdos gramaticais, ortográficos e que trabalham a
oralidade, não sendo revelados explicitamente os interlocutores do processo.
Dos fatores que podem ter contribuído para tal ausência de projeções
mentais como, por exemplo, as expectativas diferentes dos interlocutores; as
culturas diversificadas, o uso social da língua, a carga horária de trabalho, a
formação professoral, o contexto favorável ou desfavorável da escola; a própria
mediação realizada por uma única professora de conteúdos disciplinares que fazem
parte do currículo da primeira fase do ensino fundamental, em que esta profissional
trabalha os componentes curriculares de Língua Portuguesa, Matemática, Geografia,
História, Ciências Naturais, Ensino Religioso, Artes e temas transversais, como
exemplo, Meio Ambiente, Saúde, Orientação Sexual, Pluralidade Cultural, Ética, etc.
Além desses fatores, a metodologia da pesquisa, que separou os
Elementos do Ensino dos Elementos da Aprendizagem, poderia ter contribuído com
essa ausência de atributos que trazem explicitamente vocábulos que apresentam os
sujeitos e as interações estabelecidas na prática educativa, pois as professoras
contatadas poderiam ter o entendimento de que pensar o ensino faz evocar as
atividades do/a professor/a e pensar a aprendizagem faz lembrar as atividades do/a
aluno/a.
134
Seguindo esse entendimento, no Núcleo Central dos Elementos da
Aprendizagem, que podem estabelecer estreita relação à figura do/a aluno/a,
aparece a palavra dificuldade. Por outro lado, nos Elementos do Ensino,
relacionados à figura professoral, a palavra dificuldade não foi contabilizada para
contribuir com a formação do Núcleo Central das representações sociais. A partir
desse resultado, compreendemos que as práticas que apresentam dificuldades em
sua realização dentro do processo de ensino-aprendizagem estão relacionadas aos
fatores advindos das atuações dos/as alunos/as na rotina educativa.
As professoras construíram os seguintes enunciados sobre a palavra
dificuldade: “1 Os alunos têm dificuldades que a burocracia não vê. 2 Os alunos, de
maneira geral, têm dificuldades de raciocínio. 3 Os alunos são desinteressados,
levando dificuldades para a prática de produção de textos. 4 Existem muitas normas,
por isto dificulta a aprendizagem dos alunos. 5 Os alunos têm dificuldades de
interpretar e escrever. 6 Existem muitos erros de ortografia, por isto, as crianças têm
dificuldades de interpretação, de entendimento sobre o que está por trás das
mensagens dos textos”. A promoção de pensares sobre o ensino da língua não
incitou a produção de discursos consensuais que revelassem imagens de práticas
professorais consideradas difíceis, por outro lado, quando as professoras falaram
sobre a aprendizagem, anunciam dificuldades diversas que comprometem a
aquisição apropriada da língua pelo/a aluno/a.
Elementos ampliadores aos aqui apresentados foram coletados sob a
responsabilidade da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual
Paulista, campus Araraquara, em uma pesquisa desenvolvida junto a um curso de
formação continuada ofertado pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo,
no ano de 2007. Esta investigação contatou 25 professoras que atuavam nas séries
iniciais do ensino fundamental do Sistema público do Estado de São Paulo, com o
objetivo, de identificar as dificuldades apresentadas pelas professoras,
especialmente no que diz respeito à leitura e à escrita.
Ressaltamos que foram realizados vários encontros dentro desse curso
de formação. A técnica de evocação livre não foi utilizada, mas outras formas de
diálogo, como, por exemplo, entrevistas individuais e coletivas. Os resultados dessa
pesquisa apresentaram de uma maneira geral que as principais dificuldades
reveladas pelas professoras sobre a prática docente foram:
135
a) fazer a articulação do conhecimento da escrita e da leitura de cada criança; b) promover o uso adequado das características dos vários gêneros discursivos, na linguagem oral e escrita; c) obter a produção de textos considerados coesos e coerentes; d) lidar com as dificuldades relativas às regularidades e irregularidades ortográficas do sistema de escrita; e) lidar com a relação da linguagem, tida como padrão pela escola e a variação linguística do aluno; f) fazer a relação dos processos de avaliação necessários ao conhecimento das dificuldades de seus alunos com a organização das práticas de leitura e escrita mais focadas aos problemas surgidos. (MONTEIRO, SILVA, 2010, p 428).
Conforme Monteiro e Silva (2010, p. 433), as professoras narram sobre
as dificuldades enfrentadas no ensino da leitura e da escrita, conforme a série que
atuam, ou mesmo, complicações que se repetem ao longo do processo seriado. As
pesquisadoras aduzem que esses resultados estão carregados de influências que
podem responder, entre outros fatores, pelo êxito ou fracasso na alfabetização,
apontam que são necessários investimentos na formação inicial e continuada dos/as
professores/as para este campo específico do saber; “Mas, esse investimento deve
procurar responder mais e melhor às necessidades relacionadas à prática docente
das professoras”.
Mesmo se as dificuldades estão relacionadas ao/a professor/a, ao/a
aluno/a, ou ao objeto do conhecimento, precisam ser refletidas junto à prática
educativa, portanto, devem ser compreendidas tanto em processos formativos
iniciais, quanto continuados, considerando a complexidade que move a prática
educativa.
Para Freire (2008), ler e escrever são práticas importantes que
fomentam possibilidades de inserção plena do sujeito na sociedade. O autor
apresenta um discurso sob a questão da luta política da divisão de classes, que
impõe determinados prestígios e privilégios para pequenos grupos sociais. Ele
apresenta que o sujeito tem que sair de uma visão fechada, para a busca de sua
autonomia plena. Isto é semelhante às obras que tratam da Análise do Discurso, em
que muitas vezes, o discurso é instrumento de poder. O autor afirma a importância
de aprender a escrever na prática da escrita e aprender a ler na prática de leitura,
mas em um universo contextual que faz sentido e tem significado para o sujeito
aprendiz, não apenas ler textos, mas interpretar o mundo.
A prática educativa não está isolada das singularidades e coletividades
dos sujeitos e muito menos de seus contextos sociais. Professores/as e alunos/as
sempre irão relacionar os conhecimentos diversos que adquiriram em suas vivências
aos novos conhecimentos que surgem e precisam ser entendidos para que sejam
136
assimilados e colocados à disposição para uso reflexivo na rotina diária, com um
fazer voltado para o processo de ensino-aprendizagem, que exigem momentos de
planejamento, de interação, de avaliação e, por meio de variáveis que se relacionam
de forma complexa, e se materializam em sala de aula através do fazer pedagógico
do/a professor/a, revelando uma postura pedagógica de valorização do conteúdo
formal da língua portuguesa e da cultura geral.
A leitura, a escrita e outras práticas escolares são constantemente
relacionadas a outras atividades. A partir deste movimento, são construídas suas
significações. Portanto, fomentar reflexões sobre relações e comparações
conscientes entre os conhecimentos vivenciais e os escolares é fundamental, pois
elas podem evitar a construção de falsos conhecimentos pragmáticos e,
principalmente, podem contribuir para a construção de significações e apropriações
de conhecimentos sintonizados com as necessidades educativas dos sujeitos.
Observa-se, assim, que a representação social do ato de ler e das
implicações pedagógicas subjacentes a seu ensino, parece ser marcada ora por
concepções singulares, ora por concepções plurais. Em muitas delas, essas
significações parecem apontar construções pluralizadas por discursos e ideologias,
marcadas pela escolarização ou pela própria inserção sociocultural, que revezam
entre situações que são produzidas e situações que são produtoras da atual
realidade educacional sobre a leitura.
Esses saberes fazem parte do universo de interpretações das
professoras, pois estão inseridos nos conteúdos advindos do curso de Pedagogia.
Também encontramos indícios da utilização de conhecimentos da literatura
especializada em um mural de uma das escolas visitadas; este quadro foi ilustrado
com uma citação advinda das ideias de Paulo Freire. O maior grupo de professoras
tem formação em Pedagogia e o menor necessitou fazer complementação
pedagógica para trabalhar na primeira fase do ensino fundamental. Tanto a
formação inicial quanto à continuada estão mergulhadas nestes entendimentos
sobre o ensino de língua portuguesa, a educação e o mundo.
Dizemos isso, pois localizamos nos sistemas periféricos dos dois
quadros de elementos estruturais as palavras interpretação, produção e
compreensão. Identificamos que as docentes entendem o ensino da língua materna
como uma atividade geradora de significações. Observamos que existe uma
preocupação em ver o/a discente como um sujeito que necessita adquirir as
137
habilidades de leitura, escrita, interpretação e produção de textos para uma
compreensão dos saberes da língua que contribuirão para a vida social. De forma
complementar, as professoras exercem papeis centrais no processo de ensino da
língua portuguesa e representam um modelo a ser seguido pelos/as estudantes.
Especificamente na Zona de Contraste dos Elementos do Ensino localizamos as
palavras letramento e alfabetização que complementam estes indicativos. Por outro
lado, estes dois atributos não compareceram nos Elementos da Aprendizagem.
De acordo com o Ministério da Educação (2008), Letramento é o
estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como
consequência de ter-se apropriado da língua escrita e de ter-se inserido num mundo
organizado diferentemente: a cultura escrita. Como são muito variados os usos
sociais da escrita e as competências a eles associadas (de ler um bilhete simples a
escrever um romance), é frequente levar em consideração níveis de letramento (dos
mais elementares aos mais complexos). Tendo em vista as diferentes funções (para
se distrair, para se informar e se posicionar, por exemplo) e as formas pelas quais as
pessoas têm acesso à língua escrita – com ampla autonomia, com ajuda do/a
professor/a, ou mesmo por meio de alguém que escreve, por exemplo, cartas
ditadas por analfabetos –, a literatura a respeito assume ainda a existência de tipos
de letramento ou de letramentos, no plural.
Atualmente, os espaços escolares receberam a influência de uma visão
mais contextualizada do saber para a atuação diária do sujeito na rotina vivencial,
em que antes se pensava em conhecimentos tradicionais que valorizavam o ensino
da gramática. Para buscar uma modificação deste ensino, Soares (2009) propõe
apresentar o conceito de letramento como sendo a busca por um conceito mais
amplo sobre o ensino escolar e de como se processa a aquisição da língua. As
professoras falam que o ensino da língua portuguesa é necessário para que a
aprendizagem do/a aluno/a seja efetivada com uma compreensão ampla de mundo.
Mas qual é o nível de compreensão que o/a aluno/a pode alcançar segundo as fases
de desenvolvimento apontadas por Piaget e Inhelder (1986)?
Piaget e Inhelder (1986) apresentam que a criança na faixa etária de
sete a doze anos - idade provável para a realização da primeira fase do ensino
fundamental - é capaz de construir um conhecimento mais compatível com o mundo
que a rodeia. O pensamento se apresenta de forma mais flexível em relação aos
anos anteriores, mas o infante precisa ver o concreto para entender as atividades
138
propostas. Partindo dessa teoria, consideramos que o pensamento se torna livre das
limitações da realidade concreta após os doze anos, em que o sujeito já pode
pensar de modo lógico e correto, mesmo com um conteúdo incompatível com o real,
que será desencadeado através da soma de um conjunto formativo e constituinte do
desenvolvimento cognitivo e social da criança: o psíquico, o motor, o auditivo, o
visual, o afetivo, o emocional e o social.
Diante da teoria do desenvolvimento humano, questionamos: qual é o
nível de complexidade exigido pelas professoras para que o/a estudante relacione
os conteúdos de língua portuguesa aos outros saberes adquiridos para uma efetiva
compreensão de mundo? Mesmo apresentando a informação acerca da importância
da compreensão dentro do processo de ensino-aprendizagem da língua, as
professoras não evocaram nenhuma palavra frequente reveladora de significados
que fomentam compreensões dos/as alunos/as para a sua inserção social. Palavras
como, por exemplo, poesia, conto, rótulo, reportagem, livros, revistas, jornais,
televisão e internet não apareceram nos dois quadros de elementos estruturais.
Destacamos, ainda, que a relação dos/as alunos/as com os signos não se
desenvolvem a partir de invenções, descobertas súbitas e aleatórias, ou de
adivinhações promovidas por uma descoberta brusca e ao acaso. O uso
instrumental dos signos se desenvolve como resultado de um processo longo e
complexo, a ser produzido através dos fazeres e afazeres pedagógicos. Todavia, no
imaginário docente, identificamos as palavras: gramática, ortografia e oralidade, que
evidenciam o caráter normativo do uso correto da língua.
Esses indicativos apontam para um processo de ensino-aprendizagem
da língua portuguesa fundamentado pela concepção de linguagem enquanto
expressão do pensamento, valorizando o uso correto da língua. Conforme Possenti
(2000), ter uma concepção clara sobre os processos de aprendizagem pode ditar o
comportamento diário do/a professor/a de língua portuguesa em sala de aula. Por
exemplo, se ele/a dá aos/as alunos/as exercícios repetitivos (longas cópias,
exercícios estruturais, preenchimento de espaços vazios, etc.), é porque está
seguindo (saiba ou não) uma concepção de aquisição de conhecimento segundo a
qual não há diferenças significativas entre os homens e os animais em nenhum
domínio de aprendizagem ou de comportamento.
O conjunto de preocupações que orienta a prática pedagógica dos/as
professores/as dá um panorama do processo formativo do corpo docente
139
pesquisado. Nesse contexto, além dos elementos próprios do processo de ensino e
aprendizagem, “[...] que há de merecer a acurada atenção dos cursos de formação
de professor de língua portuguesa e o que diz respeito aos procedimentos
pedagógicos a serem utilizados em sala de aula. [...] (BECHARA, 2001, p. 62)”.
Para Geraldi (1996), existem três grandes correntes de pensamentos
sobre a linguagem: 1 - a gramática tradicional, ligada a concepção de linguagem
como expressão do pensamento; 2 – o estruturalismo e o transformacionalismo,
relacionando a linguagem como instrumento de comunicação; 3 – a linguística de
enunciação, abordando a linguagem como forma de interação. Estas divisões de
correntes não abordam todas as ramificações e complexidade dos estudos
linguísticos.
A primeira delas define a linguagem como a externalização do
pensamento. Ela destaca como prioridade a memorização de regras de uma língua
padrão para que a comunicação ocorra adequadamente. Neste entendimento existe
uma dicotomia entre certo e errado, tanto para a verbalização oral, quanto para a
escrita. Regras e normas gramaticais são colocadas como fundamentais para uma
correta linguagem. Esta concepção busca explicar a linguagem a partir das
condições de vida psíquica, individual, do sujeito falante; ela é vista com um ato
puramente individual. É denominada de gramática tradicional e defende a existência
de uma língua superior às outras existentes. Estabelecida como a língua padrão,
todas as outras línguas que se diferenciarem dela serão ignoradas e avaliadas como
erradas.
A segunda concepção de linguagem trata a língua como instrumento
de comunicação. A língua é vista como um código, um conjunto de signos que se
combinam segundo regras, capaz de transmitir ao receptor certa mensagem. “O
domínio desse código possibilita melhores condições da comunicação. A linguagem
é percebida como fenômeno externo, que não faz parte da natureza humana,
servindo como canal para a comunicação entre as pessoas.” (ANDRADE, 2008, p.
4011).
E, finalmente, a terceira concepção entende a linguagem como um
lugar de interação humana, elaborada socialmente e construída em processos
interlocutivos. “Não é só “passar” informações, mas compartilhá-las. Assim, a
linguagem é a possibilidade de interação comunicativa buscando a produção e
construção de significados, de sentidos, enfim, de elaboração de conhecimento”.
140
(ANDRADE, 2008, p. 4011). Portanto, os/as aluno/as imersos dentro desta última
concepção são considerados como sujeitos ativos que constroem suas habilidades e
conhecimentos da linguagem oral e escrita em influência mútua com os outros
sujeitos participantes da prática educativa e em interação com a própria língua,
objeto do conhecimento, levando em conta as determinadas circunstâncias de
enunciação e os contextos das práticas discursivas.
Além da valorização da gramática no ensino, localizamos nos sistemas
periféricos de ambos os motes que a própria prática educativa foi avaliada pelo
grupo. As professoras avaliam o ensino da língua portuguesa como necessário,
importante, essencial, complexo e sendo a base para a aprendizagem, como
também, consideram que a aprendizagem da língua portuguesa é importante,
necessária, complicada, precisa de compromisso e sofre desinteresse por parte do
alunado. A palavra desinteresse foi contextualizada por frases que tratam da figura
discente.
Todos esses resultados foram confirmados quando organizamos os
materiais recolhidos estabelecendo uma relação entre a Ordem Média de
Hierarquização das palavras (OMI), ordem de importância atribuída pelas
professoras aos vocábulos, e a frequência das mesmas. Observamos nesta nova
sistematização estatística das palavras que os Elementos do Ensino e os Elementos
da Aprendizagem não sofreram modificações consubstanciais. Esta nova
organização das evocações livres pode ser vista no Apêndice D.
Para buscar ampliar a confirmação dos resultados, realizamos outra
organização do material recolhido. Construímos um mapa representacional referente
às evocações livres dos Elementos do Ensino e outro dos Elementos da
Aprendizagem. Neste momento, nosso objetivo foi sistematizar as evocações livres
considerando todas as variantes disponíveis. Desta forma, a nova organização das
palavras se valeu da Ordem Média de Evocação (OME), da Ordem Média de
Hierarquização (OMI) e da frequência.
Para a compreensão dos mapas das próximas ilustrações, informamos
que o Eixo Y, posicionado na vertical do plano, é correspondente a Ordem Média de
Hierarquização dos vocábulos pela importância (OMI), o Eixo X, posicional na
horizontal do plano, trata-se da Ordem Média de Evocação das palavras pela
espontaneidade (OME), e as cores mostram as frequências dos atributos.
141
Ilustração 4 Mapa dos Elementos do ensino da língua portuguesa contidos na representação social docente, organizado por OME e OMI
O mapa dos Elementos do Ensino mostra a evidência da palavra
leitura, com 60% de frequência de todo o corpus processado e aproximadamente 2,4
de OME e de OMI. Ela ficou justaposta às palavras letramento e alfabetização. A
ênfase apresentada aponta para uma possível prática direcionada principalmente
para a habilidade de ler unida aos fundamentos dos processos de letramento e
alfabetização.
O vocábulo escrita foi apresentado em níveis estatísticos secundários
em relação ao atributo leitura, pois recebeu aproximadamente 30% da frequência de
todo o corpus e aproximadamente 3,3 de OME e de OMI. No mapa esta palavra
estabeleceu relações entre os atributos interpretação e conhecimento.
Como estamos falando, neste trabalho, sobre representações sociais
como norteadoras das práticas docentes, certos elementos representacionais podem
nortear algumas práticas em detrimento de outras, neste sentido, se existem valores
estatísticos muito diferentes entre as palavras leitura (60%) e escrita (30%),
possivelmente também apresentam valores normativos diferenciados para o grupo
de professoras. Estes resultados se repetem na organização das evocações livres
dos Elementos da Aprendizagem da língua portuguesa:
142
Ilustração 5 Mapa dos Elementos da Aprendizagem da língua portuguesa contidos na
representação social docente, organizado por OME e OMI
Após essa organização do material, nos propusemos a identificar se
dentro de subgrupos de professoras contatadas poderiam existir diferenças ou
semelhanças de representações sociais. Para delinear esta tarefa, separamos as
palavras evocadas pelo grupo de professoras que atuam no 1º e no 2º ano do
ensino fundamental dos vocábulos apresentados pelo grupo de professoras que
atuam no 3º, 4º e 5º ano do ensino fundamental.
A justificativa para tal procedimento se valeu do entendimento que
existem especificidades entre as atuações professorais com atenção aos respectivos
blocos pedagógicos, pois, segundo a Coordenadora Pedagógica da Secretaria
Municipal de Educação, o ensino fundamental da cidade de Jataí-Goiás apresenta o
1º e o 2º ano como sendo o bloco pedagógico em que se processa a alfabetização
das crianças, e o 3º, o 4º e o 5º ano são considerados períodos sequenciais.
Para dividir o material e estabelecer comparações estatísticas entre os
dois grupos de elementos, nós utilizamos o recurso denominado Complex do
143
programa EVOC, na tentativa de localizar igualdades e especificidades de elementos
entre os conjuntos subdivididos de palavras evocadas pelas professoras.
Esse processamento mostrou duas organizações importantes do material.
A primeira delas apresentou que as professoras que atuam no 1º e no 2º ano do
ensino fundamental evocaram palavras semelhantes ao grupo geral, tanto nos
Elementos do Ensino, quanto nos Elementos da aprendizagem, organizados pela
ordem de evocação e pela ordem de importância para o grupo.
Observamos que o 1º e o 2º ano do ensino fundamental são tratados pela
administração educativa como um período educativo que necessita ser assistido por
profissionais que atuam de forma específica para promover a alfabetização de
crianças. Todavia, a semelhança identificada mostra que as professoras que
trabalham junto ao bloco pedagógico em que se processa a alfabetização de
crianças apresentam um saber comum em relação ao grupo geral. Ou seja, não
apresentaram conhecimentos próprios e específicos para a alfabetização de
crianças pois, enquanto representação social, observa-se que o/a professor/a teria
papel preponderante na viabilização de uma nova concepção de prática
educacional, devolvendo à língua escrita o seu caráter de objeto social;
reconhecendo que todos podem produzir e interpretar a escrita, observando-se os
níveis de aprendizagem; criar contextos que inteirem as crianças com a língua
escrita; considerar a evolução e o aprendizado da criança; não impor a correção
ortográfica como exigência básica à aquisição da escrita.
A segunda organização mostrou que entre os elementos evocados pelo
grupo de professoras que atuam no 3º, 4º e 5º ano do ensino fundamental o
vocábulo ortografia é um elemento específico deste grupo. Esta especificidade foi
revelada na organização das palavras por ordem de evocação e por ordem de
hierarquização nos Elementos do Ensino e nos Elementos da aprendizagem.
A especificidade do elemento ortografia junto ao subgrupo docente que
trabalha no 3º, 4º e 5º ano do ensino fundamental destaca novamente a valorização
atribuída para o ensino do uso correto da língua portuguesa.
A igualdade e a especificidade de elementos localizadas na comparação
realizada entre os dois subgrupos indicam que, ao passar pelas sequências dos
blocos pedagógicos, as professoras aumentam a atribuição de valor ao uso correto
da língua.
144
Toda essa compreensão dos textos de campo recolhidos na segunda
fase da pesquisa contribuiu para a verificação de uma possível estrutura
representacional do processo de ensino-aprendizagem de língua portuguesa
construída a partir de três dimensões: 1 a importância funcional da língua na
sociedade, 2 a necessidade do ensino normativo da língua, e 3 as dificuldades
advindas da prática educativa. Estes resultados fomentaram novos diálogos junto ao
grupo docente.
3.2 Indícios de representações sociais de professoras sobre o processo de
ensino-aprendizagem da língua portuguesa
Neste item, serão apresentados alguns materiais textuais recolhidos
mediante entrevistas do tipo semiestruturadas. Elaboramos um roteiro de entrevista,
contendo nove perguntas sobre o tema investigado, como ferramenta para fomentar
os diálogos. Ele pode ser encontrado no Apêndice E.
Escolhemos utilizar o termo texto, pois “A natureza do fenômeno das
representações sociais remete à precedência do conteúdo na análise do material
linguístico, considerando indicador deste fenômeno.” (NASCIMENTO-SCHULZE;
CAMARGO, 2000, p. 294). Portanto, não queremos usar o termo discurso como
sinônimo das falas das professoras, porque entendemos o primeiro como produção
derivada de um sujeito, situado em um local social e que sofre tensões e confrontos
entre o indivíduo e a sociedade (ORLANDI, 2006), enquanto que as falas reunidas
se referem aos elementos de conteúdos de um conhecimento social compartilhado,
em que revelam as representações sociais que são formas de saber com conteúdos
de uma realidade prática, socialmente partilhada, que nem sempre tem caráter
ideológico. (NASCIMENTO-SCHULZE; CAMARGO, 2000).
Quando nos propusemos a compreender o fenômeno representacional
sobre o processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa, fizemos uma
escolha conceitual sobre o objeto. Consideramos que este processo é multifacetado
e que apresenta diversas dimensões em sua composição. Podemos citar algumas: o
contexto sócio-político-econômico-cultural que o envolve, a didática e a prática
pedagógica adotada pelas professoras, as relações interpessoais exercidas entre os
145
sujeitos e a construção social dos conhecimentos, entre outros. (SMOLKA, 1988).
Mesmo trazendo esses pontos distintos em formato de perguntas,
consideramos que todos compõem o processo educativo que envolve o ensinar e o
aprender a língua portuguesa. Por este motivo, na organização dos materiais
coletados, as falas das professoras foram transcritas em um mesmo arquivo textual
sem separar as respostas emitidas por perguntas. Todo material recolhido foi
processado no software ALCESTE. Este programa fornece uma divisão do corpus
textual em subcorpus que denominamos de classes, que “Ao nível teórico-
metodológico, considerando os limites das manifestações linguísticas, estas classes
podem estar indicando representações sociais ou ao menos campos de imagens
sobre um dado objeto.” (NASCIMENTO-SCHULZE; CAMARGO, 2000, p. 297).
Compreendemos que ensinar a língua portuguesa ao longo da primeira
fase do ensino fundamental de nove anos não ocorre em formato similar em todos
os anos, pois cada etapa do processo de desenvolvimento da criança exige
especificidades educativas. Deste modo, separamos o material coletado e dividimos
esta apresentação em duas partes. Na primeira mostramos as nossas
compreensões sobre o material textual proveniente das falas das professoras que
trabalham no 1º e 2º ano do ensino fundamental. Na segunda compreensão dos
textos de campo, mostramos nossas reflexões sobre os conjuntos de segmentos de
textos apontados pelo programa ALCESTE a partir das falas das professoras do 3º,
4º e 5º ano.
Compreensão I - Conjunto de segmentos de textos provenientes das
entrevistas concedidas pelas professoras que atuam no 1º e 2º ano do ensino
fundamental sobre o processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa
Quando intitulamos este item com a expressão Conjunto de segmentos
de textos, queremos dizer sobre o conjunto de textos advindos das falas de 25
professoras que trabalham no 1º e 2º ano do ensino fundamental de nove anos, e
que responderam ao quadro de nove questões. O programa informático ALCESTE
organizou este material textual em 757 Unidades de Contexto Elementares
146
(UCEs)24, que correspondem a 76% do total do corpus textual. O programa dividiu o
material em três classes. Os parâmetros considerados pelo ALCESTE no
processamento dos materiais textuais buscam uma classificação em partes distintas
expondo as ideias e os temas mais dominantes no corpus textual, além disto, mostra
a intersecção das classes. Podemos dizer que ele realizou uma análise de conteúdo,
que facilitou o nosso mergulho no material textual recolhido. Na próxima ilustração,
podemos ver as classificações processadas pelo programa e a articulação entre as
classes, que nos mostra o que as professoras falaram sobre o tema da pesquisa em
formato sintetizado das informações relevantes contidas nas falas.
=1ª
2ª
3ª
Classes sobre o processo de ensino-
aprendizagem da Língua Portuguesa
2ª
1ª3ª
Dimensão valorativa do
processo de ensino-aprendizagem da
Língua Portuguesa(42%)
Ensino da Língua Portuguesa:
práticas, materiais didáticos e
conteúdos (20%)
Dificuldades advindas do processo e a
relação com a
família(38%)
Ilustração 6 Classificação e intersecção dos dizeres das professoras que trabalham no 1º e 2º ano do ensino fundamental sobre o processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa,
por porcentagem
Observamos que a classe com maior contribuição percentual no corpus
textual foi a de número 1, com 42% de UCEs, posteriormente a 3º com 38% de
UCEs e finalmente a 2º, com 20% de UCEs. Escolhemos discutir os materiais
textuais, respeitando a sucessiva apresentação por nomenclatura. Identificamos que
as classes 1 e 3 estão atreladas a classe 2, e lhe são, ao mesmo tempo, opostas e
24
As UCEs “[...] são segmentos de texto, na maior parte das vezes, do tamanho de três linhas, dimensionadas pelo programa informático em função do tamanho do corpus e, em geral, respeitando a pontuação”. (CAMARGO, 2005, p. 514).
147
complementares. A classe 1 também estabelece complementação e oposição em
relação à classe 3. O programa informático ALCESTE nos oferece o número e o
percentual de contribuição de cada classe, os nomes atribuídos foram de nossa
responsabilidade, após interpretarmos cada corpus textual segmentado pelo
programa computacional.
Identificamos que os conteúdos das falas das professoras apresentam
três imagens distintas, mas ao mesmo tempo complementares, sobre a prática
educativa discutida nesta pesquisa. A primeira trata de uma grande valorização da
apropriação do conhecimento da língua para a inserção social das crianças no
mundo letrado, sendo a classe que contém o maior aproveitamento percentual. Ela é
seguida pela imagem de dificuldades advindas da prática pedagógica, em se
tratando do processo de alfabetização de crianças, se estabelecendo como a
segunda classe com maior percentual. A última refere-se aos métodos e
instrumentos pedagógicos utilizados, contendo uma baixa contribuição percentual.
Essas três classes possibilitam a identificação das representações
sociais das professoras entrevistadas acerca do processo de ensino-aprendizagem
da língua portuguesa, através das quais, podemos compreender que sua gênese
está contida na valorização cultural que existe na sociedade brasileira sobre a
importância do aspecto erudito para uma vida de qualidade. Possibilitou
compreender que as professoras representam socialmente que o ensino da língua
pode contribuir para a apropriação de conhecimentos que servirão para uma
inserção social adequada das crianças, futuros adultos, para elas seria uma grande
e importante oportunidade de ascensão social por parte do alunado que apresenta
carências vivenciais.
Além dessa representação, as professoras mostram frequência de
saberes práticos acerca do enfrentamento de problemas no processo educativo,
falam sobre dificuldades advindas das práticas pedagógicas, que, em seus dizeres,
podem ser amenizadas, entre outros fatores, com as contribuições em formato de
apoio da família para com a educação escolar de seus/as alunos/as.
A última imagem consensual apontada pelo programa informático
ALCESTE e interpretada por nós, vincula-se aos materiais, conteúdos e métodos
trabalhados na prática educativa, em que a ludicidade é compreendida pelas
docentes como sendo uma ação inovadora para se sobrepor à abordagem
tradicional do ensino.
148
O entrelaçamento dessas classes nos sugere que, para as
entrevistadas, o ensinar e o aprender a língua portuguesa estão relacionados com a
promoção de possibilidades de apropriação de um conhecimento fundamental para
a vivência das crianças, mas, que apresentam dificuldades em sua realização.
Evidenciam que brincadeiras e brinquedos pedagógicos contribuem com o
desenvolvimento das atividades de sala de aula.
Para trazer alguns exemplos de palavras que contribuíram com a
formação de cada classe, buscamos trabalhar com as tabelas das palavras
principais apontadas pelo programa, que auxiliam na apreensão dos pontos
principais das falas de cada classe. Estas podem ser ordenadas, sucessivamente,
pelo qui quadrado (2), por aparecimento nas UCEs da classe e no total do corpus
textual e, finalmente, pela relação de percentuais entre os dois últimos indicadores.
A seguir, iremos expor as tabelas de palavras destacadas pelo
ALCESTE e algumas UCEs correspondentes, que também podemos chamá-las de
frases ou segmentos de textos, para assim, trazermos o detalhamento sintetizado
dos dizeres mais significativos apresentados pelas profissionais. O ponto de corte foi
realizado respeitando o ² de número 10; numerais inferiores foram excluídos da
apresentação por serem secundários em todos os seus valores e ao mesmo tempo
se relacionavam com as palavras apresentadas nas tabelas.
Classe 1 Dimensão valorativa do processo de ensino-aprendizagem da língua
portuguesa (42%)
Na Classe 1, o programa ALCESTE destacou presenças significativas
de palavras que estão inseridas na classificação de verbos, apontando uma força de
uma imagem vinculada à categoria ação; ao exercício prático que envolve o
processo de ensino-aprendizagem. A seguir estão listadas as palavras que
apresentam o maior 2, o maior grau de importância gerado pelo programa
informático em relação aos textos de campo recolhidos mediante as falas
concedidas pelas professoras na oportunidade das entrevistas.
149
Tabela 1 Palavras principais da classe 1 intitulada Dimensão valorativa do processo de ensino-
aprendizagem da língua portuguesa (42%), resultantes dos dizeres das professoras que atuam no 1º e 2º
ano do ensino fundamental, ordenadas por 2
Palavras na classe Quant. de frases (UCEs) que
contêm as palavras na classe (A) e no corpus (B)
Frequência (F.) por vocábulo ²
F. Total
1
F. Total
2 A B B - A %
Ler (62), lerem (1) 50 63
92
50 58 8 86
Lendo (14) 14 14 14 16 2 88
Le (10) 8 10 8 9 1 89
Leu (5) 5 5 4 4 0 100
Escreve (8), escrevem (1), escrever, (42), escreveu (1) 29 52 59
38 48 10 79
Escrevendo (7) 10 7 7 7 0 100
Importante (33), importantes (1), importantíssima (1) 21 35 32 42 10 76
Ela (76) 19 76 43 63 20 68
Processo (37) 19 37 32 43 9 74
Me (25) 16 25 21 26 5 81
Sabe (16), sabem (13), saber (22) 14 51 37 56 19 66
Fundamental (12) 14 12 10 19 0 100
Precisa (15), precisam (5), precisamos (1), precisando (1), precisar (2)
13 31 25 35 10 71
Acha (10) acham (12), achar (2). Ache (1), acho (49) 12 74 62 108 46 57
Bom (18) 12 18 16 20 4 80
Gosta (4), gostam (7), gostar (5), gostei (1), gosto (6), gostosa (1)
12 23 18 23 5 78
Aprenda (4), aprendam (2), aprende (10), aprender (31), aprendeu (4)
12 60 74
47 78 31 60
Aprendendo (14) 8 14 13 17 4 76
Valoriza (2), valorização (1), valorizada (1), valorizam (4), valorizado (2), valorizar (6)
12 16 11 12 1 92
Peca (7), peco (2) 11 9 8 8 0 100
Ver (15) 11 15 14 17 3 82
Vou (17) 11 17 14 17 3 82
Começa (2), começam (3), começando (4), começar (3), comecei (1), começo (3)
11 17 15 19 4 79
Cria (4), criação (1), criando (1), criar (3) 10 9 7 7 0 100
Moda (1), modo (6) 10 7 7 7 0 100
Observamos na tabela a inexistência de palavras que apresentam a
evidência de um sujeito que realiza a ação; mas alguns verbos, como, por exemplo,
leem, escrevem, precisam, gostam, nos trouxeram a possibilidade de relacioná-los
com a figura do/a aluno/a. Nossa compreensão ficou constatada com a leitura das
UCEs. Como exemplo de textos que incitaram nossa compreensão, mostramos a
seguir parte de conteúdos advindos de uma das falas:
[...] eu entendo que o processo de aprendizagem da Língua Portuguesa é a criança saber ler e escrever. É o básico! Ela tem que
150
ler e compreender o que ela está lendo e saber explicar o que leu. (P. 2825).
Essa frase apresentou as práticas realizadas pelos/as alunos/as de ler
e de escrever como sendo as atividades mais importantes no processo de ensino-
aprendizagem da língua portuguesa. O sentido desta produção verbal foi
apresentado pela maioria das professoras que colaboraram para a formação desta
categoria.
Identificamos que as representações sociais das professoras trazem
uma tipologia hegemônica, que carrega um núcleo valorativo sobre o processo de
ensino-aprendizagem da língua, formado pela atribuição de importância para as
práticas de ler e escrever26. Portanto, podemos apresentar a premissa que mostra
as ações de ler e de escrever como sendo muito importantes para as professoras.
Desta forma, a língua portuguesa também é muito importante, pois possibilita a
aquisição destas práticas.
A leitura e a escrita alimentam o valor social atribuído para o processo
de ensino-aprendizagem da língua portuguesa. É como se estivéssemos falando de
um mesmo objeto, da indissociabilidade de todos. Compreendendo este contexto,
podemos situar essas significações professorais em uma concepção de linguagem,
enquanto processo de comunicação, pois tratam das habilidades de ler e escrever,
esquecendo a pertença local/universal/temporal dos sujeitos em suas interlocuções
para uma busca de sentidos na existência individual/social dos/as alunos/as.
Precisamos constantemente reafirmar os objetivos do processo de ensino-
aprendizagem da língua portuguesa, para não enfatizarmos as ações, mas,
principalmente, trazer o caráter multifacetado de todo o processo educativo.
As professoras falam, em sua maioria, que os/as alunos/as precisam
aprender a ler; e os principais conteúdos e materiais que utilizam para a realização
de leitura são: alfabeto, frases, palavras, textos, histórias, livros, rótulos de produtos
e materiais publicitários expostos nas ruas da cidade27.
Compreendemos que o esforço professoral está voltado para a ampla
25
P. 28 significa professora de número 28 de um total de 50 profissionais que foram entrevistadas na terceira coleta de materiais. A numeração apresentada seguiu a sequência dos contatos realizados, por exemplo, a primeira profissional contatada foi apresentada sob o número 01. Os informativos censitários correspondentes a cada uma delas encontram-se no Apêndice F. Este detalhamento vale para todos os outros indicativos de numeração das entrevistas realizadas. 26
Apontamentos confirmados desde as interpretações advindas das evocações livres. 27
O software ALCESTE processou na Classe 2 esses e outros indicativos. Apresentados detalhadamente no próximo item.
151
mediação da leitura, em processos individuais e coletivos. A prática ocorre dentro da
sala de aula, com o direcionamento para o cantinho da leitura, sendo o local dentro
da sala que contém um armário com livros literários. Além disso, indicaram a
condução do/a aluno/a para uma sala de leitura, no nosso entendimento, na
biblioteca da escola. Nos dizeres das professoras:
O ensino de língua portuguesa é mais a leitura. A interpretação da leitura, não só a leitura, mas eles entenderem o que é que estão lendo. Para isso, a gente usa livros literários e diversos. Tem o momento da leitura, dou na sala uns quarenta minutos para a leitura e, geralmente, nesse tempo, vou às carteiras daqueles alunos, principalmente os que têm mais dificuldade com leitura; eu vou lá para ele ler um pedacinho, não a leitura toda, mas um pedacinho. Aí, vou lá ao outro e depois, no final, quando eles terminam a leitura, eu sorteio alguns alunos para contar a leitura que ele leu. Porque, aí, ele vai ler e vai entender porque ele vai contar, nem que seja um pedacinho, e explicar o que ele entendeu daquela leitura. Além das atividades mesmo de interpretação das leituras normais da aula. Você pega uma leitura na segunda, e às vezes, trabalha a semana toda com ela. Contar histórias e eles contarem e recontarem histórias. Sempre a gente tem esse momento na sala. (P. 11).
A gente trabalha bastante com texto, produções de textos, com leituras. O aluno lê, procura livros. A gente tem uma sala de leitura na escola na qual eles vão uma vez por semana nessa salinha, leem espontaneamente, depois, a gente escolhe o livro, aquele que mais chamou atenção e lê para as crianças. (P. 3).
Nosso objetivo de deixar as professoras entrevistadas falarem, sem
momentos de interferência, mostrou uma grande preocupação delas com as
práticas, em detrimento dos conhecimentos advindos da própria matéria pedagógica.
É o que pudemos ver nos dois excertos apresentados anteriormente. Poucas
professoras apresentaram quais eram os conteúdos das leituras realizadas e,
principalmente, nenhuma delas destacou o objetivo específico da realização de cada
leitura promovida.
E a escrita? As professoras discutem sobre o direcionamento desta
prática para a produção de textos, como também, norteiam as atividades para a
realização da reescrita dos mesmos para a correção de erros ortográficos:
O ensino de língua portuguesa é voltado mais, assim, para a prática de leitura, escrita e interpretação de textos. E para ser trabalhado isso, nós usamos os livros didáticos, usamos retroprojetor para reestruturação de textos, para estar expondo os textos originais do aluno, e, a partir daí, estar mostrando para eles as dificuldades que eles encontraram ali. Também é usado o laboratório de informática
152
para eles estarem trabalhando as produções, as reestruturações. E, na sala de aula, a leitura, as interpretações, com auxílio do livro didático e o quadro. (P. 2). No decorrer da semana, a gente escolhe uma historinha que eles gostaram muito. A gente faz a produção coletiva com eles, trabalhando bem a questão da estrutura do texto; faz a reescrita daquele texto. Trabalha sem deixar, também, de trabalhar a parte da gramática, que é muito importante. Então, a gente trabalha bastante o português diário, inclusive, interdisciplinar, até mesmo com a disciplina de matemática. (P. 3).
Esses dois fragmentos são exemplos de dizeres em que identificamos
a escrita direcionada, após intenso trabalho de leitura. As crianças escrevem após
ler livros e textos para buscar a compreensão dos mesmos. Entendemos que isto
seja uma representação hegemônica, pois, existe até mesmo um dito escolar que
os/as alunos/as têm que ler muito para escrever melhor28. Muitas professoras, após
verem os erros ortográficos dos/as discentes, indicam a utilização do livro didático
para a correção dos mesmos e o uso do dicionário. Neste sentido, a escrita da
criança parte da busca de referenciais para uma produção própria.
Fundamentos prévios são necessários para a elaboração de textos,
especialmente, quando estamos tratando da aprendizagem de crianças. Entretanto,
se colocarmos a leitura, enquanto ensino, e a escrita como possíveis prova de
aprendizagem, podemos reforçar uma autossuficiência de ambas as práticas.
Sabemos que estas caminham juntas (SACRISTÁN; PÉREZ GOMEZ, p. 1998), mas,
o dito professoral frequente revelado nos materiais textuais recolhidos acerca da
condução da prática de ensino da língua portuguesa traz uma grande evidência para
a leitura, do que para a escrita, ou melhor, as professoras falaram mais sobre suas
atuações no direcionamento da leitura, do que da escrita29.
Devemos ter o cuidado em observar que o/a aluno/a precisa de
referências prévias para elaborar um texto; como também, de aprender a escrever
escrevendo e não apenas ou amplamente aprender a escrever lendo; e
fundamentalmente, tanto a leitura, quanto à escrita são práticas de interlocução, que
apresentam um objetivo não em si mesmo, mas nos saberes, valores e informações
que serão mediados no processo comunicacional entre sujeitos que buscam
diversificados motivos para a realização de ambas as práticas.
28
Frase apresentada pelo grupo de professoras na segunda fase de coleta de materiais no campo de pesquisa. 29
Apontamentos constatados na segunda fase de coleta de materiais.
153
Além disso, observamos nas falas docentes que a escrita das crianças
está muito vinculada às cópias das escritas elaboradas no quadro-negro pelas
professoras, e, de outra forma, muitas outras professoras também utilizam de
materiais impressos de atividades para que os/as alunos/as completem os
exercícios. Observamos que estas duas formas de trabalhar com a escrita são as
mais utilizadas em sala de aula. A produção de textos ocorre em dias específicos,
com menor frequência em relação às outras atividades.
Esta Classe 1 foi processada pelo ALCESTE com uma composição
ampla de valorização atribuída pelas professoras para o processo educativo, que
seguiu vinculada à figura docente como o sujeito mais importante para a obtenção
das práticas de ler e escrever pelo/a aluno/a. As representações sociais das
professoras foram objetivadas na imagem delas como fundamentais para a
realização do processo.
Eu me vejo como o pilar, o alicerce. Toda vida eu vejo que o professor é o alicerce. Têm muitos que não querem ser, mas precisam ser, porque senão logo estão excluídos, porque não está cabendo mais. Não vai caber mais. Precisam de qualificação. (P. 6). Eu me sinto como educadora, que a educadora. A professora lá da sala de aula, ela é a peça mais importante. Mais importante, mesmo! Porque se ela não cria momentos de motivação, se não chama a criança para necessidade de aprender, ela vai se dispersar, ela vai achar que ela tem é que brincar com o coleguinha, ela vai sair fora do que é realmente a função da escola, que ela veio para aprender. Então, o professor é que tem que estar chamando, mostrando a importância. E acredito que o professor é fundamental. É a peça mais importante. E ele, o professor, sabendo conduzir essa aula bem dada, ela vai ter sucesso. [...] Para mim, o professor está em primeiro lugar. É a peça chave. (P. 1). Acho que eu me vejo como uma peça muito importante, que tem que saber trabalhar, tem que saber coordenar o trabalho, para que seja bem feito, porque eu sou aqui a moda mestre, vou estar auxiliando, e muito. Então, estão muito dependentes de mim, e eu tenho que estar consciente disso. (P. 30).
A imagem do/a professor/a como o alicerce, como peça fundamental
ou peça chave, revela uma estrutura de condução do processo educativo nucleada
na figura docente. Quando pensamos em alicerce, nos situamos na metáfora
vinculada à construção civil, em que as professoras se situaram como a base
solidificada que permite a sustentação de todo o processo educativo. De outro lado,
quando refletimos que as professoras se percebem como peças fundamentais da
154
engrenagem educativa, pensamos que suas configurações imagéticas apontam
suas atuações como nucleares para a realização do processo de ensino-
aprendizagem.
Se elas estão se afirmando como fundamentais para o processo
educativo, podemos identificar a origem da intensa prática de leitura, pois a ênfase
está no processo de ensino, na centralidade das práticas professorais. E o que elas
dizem sobre os/as alunos/as nesta Classe 1?
Tem aluno que tem interesse de aprender, mas a maioria não tem maturidade para estar. Bom, pelo menos eu vejo, assim, de estar entendendo que ele precisa aprender aquilo ali. Você não vê interesse...Vê que a maioria não sente essa necessidade de pensar assim: eu preciso aprender o português, a Língua Portuguesa, a escrever, a ler! Não, eles acham que eles precisam aprender a escrever, mas ele não tem ainda a consciência de que tem necessidade. (P. 19). Eles sabem que é importante, mas tem hora que eles acham cansativo e chato. É muito chato ter que aprender! Por que que eu tenho que interpretar? Por que que eu tenho que entender o que é que é dígrafo? Por que que eu tenho que entender coisas assim? Eles acham isso desnecessário. Mas tia onde que eu vou usar isso? Então, você, como professor, tem que mostrar antes de começar, a explicar por que que ele está aprendendo aquilo. Você tem que achar o motivo dele aprender. Aquela criança tem que entender por que que está interpretando! Você está interpretando porque a sua vida vai ser assim, você vai ter que interpretar documentos, você vai ter que interpretar fichas, quando você for trabalhar vão ter coisas, um jornal, uma revista, então você tem que começar a explicar o porquê que ele está fazendo aquilo ali. Os menores acham legal, muito legal estudar português, interpretar e ler. Os maiores já vão ficando com preguiça, porque vai aumentando a responsabilidade deles. Ele tem que ler mais, já não é mais um texto pequeno, é um texto grande, a prova já é uma interpretação maior. Quanto maior eles vão ficando, maior é a responsabilidade e mais cansados eles vão ficando. E é muita coisa que eles têm que fazer, não é só português. Tem as outras disciplinas, então isso sobrecarrega a criança. Eu acho que o lúdico ele está saindo um pouco da sala de aula e ficando muito preso a questões de ficar estudando, lendo, lê, escreve, copia, escreve, lê, copia, escreve, e a criança cansa. Quando termina o dia, a aula, ela está cansada e não entendeu ao certo, às vezes, o que ela aprendeu naquele horário. (P. 28).
No primeiro trecho de falas, observamos que a professora diz que
os/as alunos/as não valorizam o processo de ensino-aprendizagem da língua
portuguesa, pois ainda não têm maturidade para compreender a importância do
mesmo, que, no relato das professoras é adquirir as práticas de ler e escrever.
155
No segundo extrato de dizeres, fazendo uma relação com o primeiro,
identificamos que, ao longo do processo educativo, as crianças, que deveriam
adquirir determinada maturidade para terem uma compreensão valorativa positiva
das práticas de ler e escrever, vão ficando cansadas de tanto ler, escrever e copiar.
Assim, elas acham desnecessário o processo, de outra forma, buscam explicações
das razões para realizar tal prática dentro da sala de aula.
Nos textos de campo recolhidos, a dimensão valorativa positiva do
processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa está vinculada aos
julgamentos das professoras sobre a figura professoral. E a dimensão valorativa
negativa do mesmo está ligada às avaliações acerca dos/as alunos/as. Neste
contexto de valores sociais, o saber ler e saber escrever são os objetivos principais
do ensino da língua portuguesa; em que a prioridade do ensino está na valorização
da prática em detrimento de um amplo contexto de direcionamentos e sentidos
políticos pedagógicos; o/a aluno/a não sabe qual é o seu papel, pois busca
explicações que deveriam estar, a priori, das práticas professorais mediadoras dos
conhecimentos desta matéria.
Portanto, observamos que a Classe 1, a que teve maior índice de
contribuições (42%), nos apresentou os valores atribuídos pelas professoras para o
processo de ensino-aprendizagem da língua em sentido desconectado daqueles
confrontados por elas sobre os valores dos/as alunos/as. Isto nos aponta para uma
possível diferença de representações sociais sobre o mesmo tema para
professores/as e alunos/as. Resta-nos aqui perguntar: o que os/as alunos/as dizem
sobre isto? Como não realizamos tal recolha, ficam aqui nossas reflexões: existem
diferenças de valores que foram identificadas nos textos de campo acerca de um
mesmo objeto, assim nos perguntamos, se as professoras constatam tal imaturidade
ou mesmo atitudes de avaliar como desnecessário o processo educativo por parte
dos/as alunos/as, elas buscam vencer estas dificuldades? Elas falam que precisam
motivar o/a aluno/a, e quem motiva o/a professor/a? Nos textos de campo podemos
interpretar que esta motivação está vinculada ao status de importância de suas
práticas, atribuído por elas próprias, como exemplo, segue o próximo excerto:
Às vezes, a gente se sente angustiada; mas por outro lado, também é muito gratificante você chegar ao final do ano e você ver que seu aluno aprendeu a ler, a escrever e que foi você que ensinou. (P. 25).
156
A apropriação da leitura e da escrita pelos/as alunos/as é motivo de
recompensa e de satisfação para as professoras. Isto é um bom motivo para
permanecerem na profissão. São profissionais que estão atuando no 1º e 2º ano do
ensino fundamental e que valorizam majoritariamente a obtenção destas práticas
pelas crianças. Por conseguinte, revelam assim a sua competência professoral para
atuarem nestes respectivos anos educativos, pois se sentem alfabetizadoras. É o
que veremos nos próximos materiais textuais que mostram mais uma classe
processada pelo programa ALCESTE.
Classe 2 Ensino da língua portuguesa: práticas, materiais didáticos e
conteúdos (20%)
Na Classe 1, identificamos que as práticas mais valorizadas pelas
professoras entrevistadas foram as que envolvem a leitura e a escrita para a
realização do processo de alfabetização. Nesta Classe 2, o programa ALCESTE
listou os procedimentos que as professoras realizam na prática pedagógica; os
materiais didáticos que utilizam e os conteúdos apresentados aos/as alunos/as.
Vejamos a próxima tabela:
157
Tabela 2 Palavras principais da classe 2 intitulada Ensino da língua portuguesa: práticas, materiais
didáticos e conteúdos (20%), resultantes dos dizeres das professoras que atuam no 1º e 2º ano do ensino
fundamental, ordenadas por 2
Palavras na classe Quant. de frases (UCEs) que
contêm as palavras na classe (A) e no corpus (B)
Frequência (F.) por vocábulo ²
F. Total
1
F. Total
2 A B B - A %
Alfabético (2), alfabéticos (2), alfabeto (39) 131 43
58 33 35 2 94
Alfabetiza (1) alfabetização (8), alfabetizada (1), alfabetizado (1), alfabetizando (3)
13 15 14 31 17 45
Letra (7), letrada (1), letras (28), letrinha (2), letrinhas (3) 82 41 29 38 9 76
Texto (21), textos (27) 75 48 28 38 10 74
Móvel (20) 71 20 17 17 0 100
Palavra (8), palavras (16), palavrinhas (8) 60 32 25 36 11 69
Som (19) 58 19 28
14 14 0 100
Som (7), sonzinho (2) 33 9 8 8 0 100
Jogos (20) 58 20 24
14 14 0 100
Joguinho (1), joguinhos (3) 6 4 4 7 3 57
Trabalha (28), trabalhado (4), trabalham (1) 57 94 56 131 75 43
Escrita (33), escrito (1) 56 34 26 40 14 65
Sílabas (9), Silábico (6), silábicos (1) 54 16 13 13 0 100
Leitura (20) Leituras (2) 35 22 20 34 14 59
Parte (10), partir (6) 24 16 14 24 10 58
Habilidades (10) 24 10 7 8 1 88
Brincadeira (2), brincadeiras (7) 23 9 8 10 2 80
Forma (17) formação (2), formada (2), formando (1), formar (3), formas (1)
22 26 20 42 22 48
Iniciação (1), iniciais (4), inicial (3), iniciando (1), início (4) 22 13 13 22 9 59
Uso (6) 21 6 5 5 0 100
Secretaria (5) 21 5 5 5 0 100
Lúdico (8), lúdicos (1) 20 9 8 11 3 73
Série (6), séries (5) 18 11 9 14 5 64
Tipo (2), tipos (4) 16 6 6 8 2 75
Bingo (3), bingos (1) 16 4 4 4 0 100
Conhece (4), conhecem (3), conhecer (1), conhecerem (1) 16 9 9 15 4 60
Quadro (4) 16 4 4 4 0 100
Construa (1), construam (1), construir (5) 16 7 6 8 2 75
Objetivo (1), objetivos (3) 16 4 4 4 0 100
Pré-silábico (3), pré-silábicos (1) 16 4 4 4 0 100
Banco (5) 15 5 5 6 1 83
Jardim (11) 15 11 8 13 5 62
Segundo (12) 15 12 12 24 10 50
Primeiro ano (5) 15 5 5 6 1 83
Possa (5), possam (4), possível (4) 12 13 12 26 14 46
Segue (3), seguir (1) 12 4 3 3 0 100
De cor (3) 12 3 3 3 0 100
Completar (1), completo (3) 12 4 4 5 1 80
Cantigas (4) 12 4 3 3 0 100
Diversificada (1), diversificadas (2), diversificado (1) 12 4 4 5 1 80
Conhecimento (8), conhecimentos (2) 11 10 8 15 7 53
Didático (4), didáticos (2) 10 6 6 10 4 60
158
Podemos traçar um resumo desses indicativos, mostrando que a
prática educativa contida no imaginário das professoras contatadas é a de brincar
para que os/as alunos/as aprendam a ler e a escrever letras, sílabas, palavras e
textos. Para que isto ocorra, elas falam que utilizam o alfabeto móvel, o jogo da
memória, o jogo de bingo, banco de palavras, exercícios de completar palavras e de
cantigas reproduzidas em equipamentos sonoros, além destes indicativos, falam do
uso do quadro-negro.
Identificamos nas falas das professoras principalmente a preocupação
com a assimilação do alfabeto e de palavras pelas crianças, a imagem construída
parte da brincadeira como ferramenta pedagógica que auxilia na obtenção destes
saberes pelos/as aluno/as, como podemos ver nos dizeres de uma das professoras:
Eu trabalho com jogos, com o alfabeto móvel, para tentar trabalhar muito o lúdico com a criança, porque nessa fase inicial você trabalhar só com livro, com atividade em folha não dá, eles não assimilam direito, então tem que ser muito com o lúdico. Trabalho também o joguinho da memória para memorizar bem as palavrinhas, letrinhas. A gente tem que estar sempre estimulando a memória. Eu trabalho muito com o jogo da memória no intervalo de uma aula para outra. É mais ou menos nesse estilo. A gente trabalha letrinha de música, cantando com eles, para completar o texto com as palavrinhas chave. (P. 18).
Para trazer um caráter inovador ao ensino, as professoras entendem a
utilização de jogos como um recurso que possibilita a assimilação de conhecimentos
pelos/as alunos/as. A sala de aula entra como um espaço de ludicidade.
Entendemos que as professoras buscam nesses materiais didáticos e
procedimentos pedagógicos uma prática que provoque o interesse dos/as alunos/as
e a apropriação da habilidade de leitura.
Segundo Weiss (1989), a importância do jogo para o desenvolvimento
da criança foi reconhecida após um longo processo histórico, pois no século
passado predominava a ideia de que o infante era um homem em miniatura;
somente entre os séculos XVII e XVIII que ocorreu a diferenciação entre a fase
adulta e a infantil.
A idéia de infância [...] não existiu sempre, e nem da mesma maneira. Ao contrário, ela aparece com a sociedade capitalista, urbano-industrial, na medida em que mudam a inserção e o papel social da criança na comunidade. Se na sociedade feudal, a criança exercia um papel produtivo direto (“de adulto”) assim que ultrapassava o período de alta mortalidade, na sociedade burguesa ela passa a ser alguém que precisa ser cuidada, escolarizada e preparada para uma atuação futura. Este conceito de
159
infância é, pois, determinado historicamente pela modificação das formas de organização da sociedade. (KRAMER, 1992, p. 19).
O infante na sociedade feudal era visto como um adulto. Com o
surgimento da burguesia como uma nova forma de organização social, ele é
reconhecido como um indivíduo que apresenta necessidades de cuidados, de
escolarização e de preparação para sua formação futura. Desta forma, a criança
passa a ter o espaço direcionado ao brincar na infância.
Além dessa visão histórica, Vygostsky (1998) discutindo o
desenvolvimento e a aprendizagem das pessoas, nos ensinou que brincar é uma
experiência basilar para qualquer idade, ao brincar os infantes interagem com o real,
descobrem o mundo que os cerca, se organizam e se socializam. Neste sentido, ele
nos orienta que a brincadeira não pode ser vista na escola como atividade
empregada pelo/a professor/a apenas para recrear as crianças, como uma ação em
si mesma.
Para Vygotsky (2007, p. 109), “Quanto mais rica for a experiência,
maior será o material disponível e acessível à imaginação da criança. Daí a
necessidade do professor ampliar, cada vez mais, as vivências da criança com o
brinquedo e com outras crianças”. Por esta razão, entendemos, com Vygotsky
(2007), que a brincadeira favorece o agir e a aprendizagem da criança na esfera
cognitiva e social. Portanto, é no contato com o brinquedo que a criança desenvolve
suas funções psíquicas, passa a ter noção da realidade em relação às suas
experiências com o meio e com os outros sujeitos sociais.
Além da prática de utilização de jogos, algumas professoras também
acreditam na eficiência de abordagens pedagógicas que fundamentam suas
atividades:
Aqui, na nossa escola, a gente trabalha misturando a maneira lúdica, a tradicional e a construtivista. A gente não segue só uma linha. A criança que não consegue aprender da maneira que nos é orientado pela Secretaria Municipal, a gente tenta de todos os recursos, até voltando mesmo naquele bem tradicional do silábico. (P. 26).
A importância do trato com as especificidades dos discentes no
processo educativo é um fator importantíssimo para uma ação pedagógica
competente. A dinâmica da sala de aula apresentada nos dizeres é tão complexa
que as professoras revelaram a utilização de novos e de antigos métodos para
160
atender a demanda da prática educativa. A ludicidade, nesse caso, é percebida
como outra abordagem do ensino, que surgiu desvinculada da concepção tradicional
e das teorias construtivistas incorporadas pela área educacional.
Todavia, entendemos que a prática lúdica precisa ser situada como
modos de organização em dada realidade, que se materializam nas práticas das
crianças; em que traduzem os signos da cultura de seu tempo, sendo referências
norteadoras para posições sociais infantes e possíveis projeções para o mundo
adulto. Portanto, não pode ser considerada como uma abordagem do ensino, mas
como um fenômeno cultural, um estado de ser e agir nos espaços compartilhados;
que não é exclusivo do domínio da infância, mas que contribui para que as crianças
construam ressignificações de elementos da realidade social que observam e dos
quais se apropriam, contribuindo para a elaboração de suas próprias experiências e
conhecimentos sobre a vida social. (BROUGÈRE, 1995).
As crianças também contribuem com as produções sociais e culturais
do mundo, elas não estão separadas do contexto adulto. Desta forma, as atividades
lúdicas devem representar algo, para auxiliar na apropriação de conceitos e imagens
de determinados objetos da realidade, são brincadeiras de faz de conta de algo do
mundo real, e este, faz parte do processo formativo da criança, o adulto de amanhã.
Quando a criança de seis anos entrou no ensino fundamental, não
entrou para exclusivamente praticar atividades escolares que têm o intuito da
instrução, ela inseriu neste nível educativo para se inserir no mundo interlocutivo
(SMOLKA, 1988); considerada como um sujeito de necessidades formativas
específicas, em que precisa brincar para compreender processos que espelham,
refratam, elaboram, ressignificam os valores, as representações sociais, os saberes
da cultura que fazem parte.
Observa-se que, das representações em curso, duas se chocam: a que
afirma que a criança alfabetizada é aquela que reconhece as palavras escritas e
aquela que reconhece a escrita como parte do processo de alfabetização. A
alfabetização é um processo de construção, de interpretação e de intervenção que
se dá de forma simultânea à aplicabilidade das habilidades aprendidas pela criança
e, não será a cópia quem garantirá ao/a aluno/a o emprego ortográfico da escrita;
será a prática, mediante a ampliação do seu domínio linguístico.
Desta forma, a aquisição da escrita por parte da criança é um processo
em permanente construção e como tal, não poderá ser mensurado ou quantificado
161
por pré-requisitos. Na verdade, o que chamam de pré-requisitos são finalidades que
se apresentam como consequência da construção do processo de alfabetização e a
maturação infantil. A construção da escrita será resultado da construção e da
desconstrução da língua escrita. Com a binômia construção e desconstrução a
aquisição da escrita é um ato real, que existe fora da criança, portanto um produto
externo, de caráter social. Por assim ser compreendida a aquisição da escrita, a
mesma não ser ensinada de forma fragmentada.
A atividade lúdica revelada pelas professoras está relacionada ao
processo de alfabetização das crianças, em que juntos receberam apenas 20% de
aproveitamento no corpus textual. Isto significa que ambos fazem parte do
imaginário docente, mas não compõem o dito professoral frequente sobre o ensinar
e aprender a língua. Na próxima classe veremos que as professoras também falam
de alfabetização quando vão tratar das dificuldades enfrentadas por elas no
processo educativo.
Classe 3 Dificuldades advindas do processo e a relação com a família (38%)
Nesta Classe, o programa ALCESTE separou o corpus textual
considerando, principalmente, duas perguntas feitas por nós pesquisadores. Uma
delas se refere às dificuldades enfrentadas pelas professoras no processo educativo
e a outra tratava da participação da família na vida escolar dos/as alunos/as. As
palavras mais importantes destacadas estão listadas na próxima tabela:
162
Tabela 3 Palavras principais da classe 3 intitulada Dificuldades advindas do processo e a relação com a
família (38%), resultantes dos dizeres das professoras que atuam no 1º e 2º ano do ensino fundamental,
ordenadas por 2
Palavras na classe Quant. de frases (UCEs) que
contêm as palavras na classe (A) e no corpus (B
Frequência (F.) por vocábulo ²
F. Total
1 A B B - A %
Casa (50) 54 50 40 45 5 89
Pai (18 ), pais (41) 44 59 50 67 17 75
Escola (65), escolar (1), escolas (11) 41 77 62 92 30 67
Falta (20), faltam (2), faltando (2), faltar (2) 36 26 23 24 1 96
Apóia (2), apóiam (1), apoiando (1), apoio (24) 31 28 25 29 4 86
Psicóloga (5), psicológica (1), psicológico (2), Psicológicos (3), psicólogo (3)
22 14 13 13 0 100
Tarefa (14), tarefas (3), tarefinha (2) 18 19 16 19 3 84
Ajuda (15), ajudam (3), ajudando (9), ajudar (10), ajudasse (1), ajude (2), ajudou (3)
16 43 34 54 20 63
Deixa (3), deixado (2), deixam (2), deixando (1), deixar (5), deixo (1), deixou (2)
16 16 15 18 3 83
Família (47), familiar (5), famílias (3) 16 55 36 58 22 62
Dificuldade (37), dificuldades (10) 15 47 38 63 25 60
Mãe (15) 13 15 13 16 3 81
Manda (6), mandam (2), mandando (1), mandar (4) 13 13 13 16 3 81
Desejar (8) 13 8 8 8 0 100
Caderno (8) 12 8 7 7 0 100
Pública (3), públicas (4) 12 7 7 7 0 100
Acompanhamento (8) 12 8 7 7 0 100
Problema (11), problemas (7), probleminha (1) 11 19 15 21 6 71
Filho (12), filhos (6) 10 18 18 27 9 67
Médica (2), medicação (1), médico (3) 10 6 6 6 0 100
Encontra (5), encontrada (1), encontrar (1), encontrei (3), encontro (1)
10 11 11 14 3 79
Coordenador (1), coordenadora (4), coordenadores (1) 10 6 6 6 0 100
Observamos na tabela, palavras que estão relacionadas tanto com as
respostas das professoras sobre as dificuldades enfrentadas na sua prática, quanto
com aquelas que tratam da falta de contribuições da família nas atividades escolares
de seus/as filhos/as e que se articulam entre si com aproximação de sentidos. Como
podemos ver nos próximos trechos discursivos:
A maioria das crianças mostra desinteresse, porque hoje em dia está tão difícil ensinar. A criança não tem interesse, os pais não colaboram, os pais não olham o caderno, só perguntam: Você tem tarefa para casa? Se eles falarem que não, ficou por não mesmo,
163
mesmo que tendo. Chega na sala de aula, são poucos que fazem, poucos tem responsabilidade, a maioria não tem. Se, pelo menos, os pais olhassem. São poucos que tem vontade de aprender. Por exemplo, eu estou com vinte e seis alunos, dá para contar uns cinco que você olha no caderno tem tarefinha pronta, o caderno bonitinho. A maioria é muito desinteressada. (P. 8). É a questão da dificuldade que vem de casa já. Porque, às vezes, em casa, eles não têm uma família que incentiva muito ou que proporciona para ele em casa um ambiente que facilita a aprendizagem dele aqui na escola. Porque, às vezes, não manda o material didático direito, ou não faz tarefa de casa, então, essa é a minha dificuldade, falta muito na aula e tem crianças que têm dificuldade neurológica, tem dificuldade na fala, e, às vezes, vão meses, semestre inteiro e até anos sem a família ir lá e procurar um profissional competente da área que vai fazer com que essa criança se desenvolva melhor dentro da sala. Aí, vai o ano todo e nada. A gente tentando, mas, tem coisas que não compete ao professor. Ele, sozinho, não dá conta. Ele precisa da ajuda de um profissional daquela área, mas, aí, às vezes, a família não busca isso e aí dificulta o trabalho de alfabetização, do ensino da Língua Portuguesa na sala. (P. 14).
Antes de trazermos considerações sobre esses dois excertos, se faz
necessário narrar um norteamento pedagógico similar em todas as escolas. Existia,
entre os anos de 2009 a 2010, um projeto denominado de Aprendizagem, que a
Secretaria Municipal de Educação disponibilizava, organizava e supervisionava.
Com os norteamentos advindos deste projeto, os/as professores/as precisavam
acompanhar o desempenho dos/as alunos/as e necessitavam fazer um relatório
acerca de suas práticas. No caso dos/as alunos/as especiais, o relatório era
individualizado, o/a professor/a elaborava um texto apresentando todos os
desenvolvimentos realizados pelo/a discente. Eram fichas que iam desde a
quantidade de livros lidos pelos/as alunos/as por mês, até mesmo o relato detalhado
das atividades realizadas por estes. Atualmente (2012), o Projeto Aprendizagem não
é mais aplicado nas escolas. Entretanto, outros norteamentos são direcionados para
as escolas, via reuniões com diretores/as, coordenadores/as e atendimentos
docentes.
Além disso, muitas escolas adotam a prática pedagógica de trabalhar
com projetos, a coordenação encaminha a temática aos/às professores/as e,
estes/as, apresentam livros para os/as discentes lerem - na escola e em casa - e
apresentarem em formato teatral, elaborando poesias e outros textos a partir da obra
indicada.
164
A maioria das falas, duas exemplificadas anteriormente, nos revela
que, para as professoras, a família entraria, nesse sentido, como auxiliadora nas
atividades realizadas pelas crianças e, também, no desempenho dos exercícios e de
leituras para casa, algo que não é identificado pelas professoras entrevistadas.
Observa-se que a escola atribui responsabilidades da formação escolar e educativa
da criança também para a família. Esta é uma ação comum nos tempos atuais, mas,
que sofreu mudanças ao proceder dos anos.
Segundo Castro e Regattieri (2010), ao longo do processo histórico, as
instituições escola e família sofreram muitas transformações que influenciaram na
relação entre ambas. Desde o surgimento da escola – com a instituição da
República em 1889 – as crianças recebiam a formação conforme a classe social de
que faziam parte. Para as autoras a prática educacional iniciou “[...] como uma ação
para o atendimento das elites, calcada nos valores da cultura européia, de conteúdo
livresco e aristocrático”. (CASTRO; REGATTIELI, 2010, p. 21). Em formato oposto,
para “[...] as classes populares, a educação, quando existia, voltava-se para a
preparação para o trabalho e era quase uma catequese – o objetivo principal era
moralizar, controlar e conformar os indivíduos às regras sociais”. (Id, Ibid, p. 21).
Nesse contexto, o Estado questiona a capacidade da família para
educar os filhos, ela não estava mais qualificada para as tarefas do ensino das
crianças.
Além de terem de mandar os filhos à escola, os familiares precisavam também ser educados sobre os novos modos de ensinar. O Estado passa a ter um maior poder diante da família, regulando hábitos e comportamentos ligados à higiene, saúde e educação. [...] Enquanto a escola continua a comandar o processo, os pais e responsáveis passam a ocupar uma posição de auxiliar... Com seu status de serviço de interesse público, a educação passa a ser exercida por profissionais com saberes, poderes, técnicas e métodos próprios. Essa demarcação separa familiares e profissionais da educação, distinguindo leigos e doutos na promoção da aprendizagem escolar. A escola afirmava-se como instituição especializada na socialização das crianças, sobrepondo-se à família, às igrejas ou a quaisquer outras iniciativas de organização social. (CASTRO, REGATTIELI, 2010, p. 21-22).
Esse cenário vem mudando após a promulgação da LDB (1996) que,
no Artigo 12, regulamenta para a necessidade da articulação entre família,
comunidade e escola com o objetivo de integração da escola com a sociedade. Mas,
é necessário entender quais são as melhores ações a serem feitas, em que famílias
e comunidade estão imersas em diversas especificidades, dificuldades e diferenças.
165
Até mesmo as famílias passam a configurar novos perfis que apontam as mudanças
sociais atuais, como por exemplo, elas assumem novos formatos como as “[...]
mães responsáveis pelo sustento dos filhos, pais solteiros, madrastas e
padrastos de segundos casamentos, união entre pessoas do mesmo sexo com
direito a adoção de filhos, etc”. (CASTRO, REGATIELI, 2010, p. 25).
Como acompanhar os filhos, se os familiares trabalham o dia todo ou
são analfabetos? Duas discussões complementares e antagônicas se apresentam a
partir da perspectiva das professoras. A primeira, a quem compete o ensino escolar.
A segunda, a quem compete a educação dos filhos, enquanto valores, bons
costumes, raízes culturais. Sobre esse assunto, poderiam ser levantadas teorias,
para estabelecer as relações de acomodação e de oposição entre os conceitos ou
representações, quer seja da família, quer seja do/a professor/a. Pois, se a família
assumir o papel de ensinar à criança os saberes escolares, estaríamos dizendo que
a função social do/a professor/a é desnecessária. Agora, se o/a professor/a tiver que
educar a criança, ensinando bons modos ou boas maneiras, verificar se a criança
fez a tarefa, estudou, estaria deixando de cumprir sua função social? Entre dilemas e
indagações, uma questão se coloca como fundante, enquanto representação social:
ocorreria o desenvolvimento integral da criança, nos aspectos cognitivos, afetivos,
sociais, científicos, tecnológicos e culturais apenas na escola? Na família? A Escola
responde as demandas do Estado, mesmo sem condições apropriadas para tal, pois
tem a obrigação da oferta educacional, mas a família entra como uma instituição
importante neste processo, que antes era considerada como leiga, agora é vista
como importante para a formação discente.
Castro e Regattieli (2010, p. 32) nos dizem que: “Assim como não é
produtivo exigir que um aluno com dificuldades de aprendizagem cumpra o mesmo
plano de trabalho escolar dos que não têm dificuldades, não se deve exigir das
famílias mais vulneráveis aquilo que elas não têm para dar”. As professoras
entrevistadas nos dizem que:
O caso é sério, você vê um desinteresse muito grande. Eu não acredito que às vezes seja pelas crianças serem de periferia, de classe mais baixa, porque tem crianças na mesma classe, na mesma sala de aula que você vê uma diferenciação. Eu acho que os pais não dão muita importância para o aprendizado, mesmo porque a maioria é analfabeta. Eu acho que eles não têm esse interesse, não compreenderam ainda a importância deste aprendizado, deste conhecimento, da importância da escola. O meu trabalho ali eu deixo
166
você ir ver os caderninhos, os materiais, as atividades que eu uso. Atividades que você faz em sala, tudo organizado. Quando você manda para casa, tem uns que nem dá vontade de mandar, mas a gente faz. A gente está aqui para esforçar. Quem sabe um dia eles vão reconhecer. Mas, é desse jeito. Então, os pais, a família, tem deixado muito a desejar na escola e, muitas vezes, a gente vai nos cursos, nas capacitações e você escuta muito falar que o professor é que tem que ter a capacidade de sanar essa dificuldade familiar em tudo; e não é assim. Eu acredito que a escola é um todo, de mãos dadas para caminhar juntos, mas, até parei de bater nessa tecla porque fica parecendo que o professor não quer trabalhar e quer deixar a responsabilidade para os pais e não é. Pai tem que ter responsabilidade com a escola do seu filho. (P. 9).
Uma educação de qualidade não é realizada pela solidão profissional
do/a professor/a, mas foi um conteúdo que identificamos nas falas recolhidas. As
professoras nos disseram sobre direcionamentos políticos pedagógicos, sobre
normatizações das coordenações e direções das escolas, acerca das famílias
carentes de diversos atributos sociais, como renda, formação escolar e
responsabilidade com o infante, que situa o/a profissional professor/a como
executor/a de um trabalho repleto de complexidades, desprovido de um apoio bem
próximo de suas práticas. Falamos bem próximo, pois estas professoras revelam
uma problemática da educação escolar amplamente discutida, mas que não saltou
para caminhos que levem a soluções para a atuação dentro das salas de aula.
Após o processamento dos textos de campo dessa fase, voltamos nas
transcrições das falas iniciais no arquivo do programa Word, sendo o original, sem
passar pelo ALCESTE, e procuramos identificar o que as professoras falaram sobre
a alfabetização dentro deste contexto de reflexões sobre o processo de ensino-
aprendizagem da língua portuguesa.
Para isso, recortamos as falas do corpus textual que continham
apontamentos sobre o processo de alfabetização e, assim, tivemos a possibilidade
de listar o que dizem sobre o tema. As professoras falaram sobre a alfabetização
como sendo um processo unido ao processo maior de ensino-aprendizagem da
língua. Além mais, as respostas que deram maior ênfase à alfabetização provieram
da pergunta que se refere às dificuldades encontradas no processo de ensino-
aprendizagem da língua portuguesa:
A maior dificuldade que eu encontro é a sala ter muitos níveis diferentes, tem crianças de todos os níveis. Tem crianças no pré-silábico, no silábico; tem criança, a minoria, que já está no alfabético.
167
Então, é isto que causa problema na sala. Em muitas vezes, você tem que dar trabalhos diferenciados. (P. 1). O aluno passa de qualquer jeito. Ele vai para o segundo ano sem estar alfabetizado, vai para o terceiro ano sem estar alfabetizado e daqui para frente vai ser cada dia pior. (P. 2).
Observamos dizeres que apontam para a complexidade de fatores que
interferem no processo de aquisição das práticas de leitura e escrita. Destes, dois
estão exemplificados anteriormente nos excertos. Sobre essa multiplicidade de
fatores que interferem no processo de alfabetização, Soares (2003) discute sobre a
compreensão que professores/as estão tendo sobre este processo: “[...] o que
lamentavelmente parece estar ocorrendo atualmente é que a percepção que se
começa a ter, de que, se as crianças estão alfabetizadas, parece estar conduzidas à
solução de um retorno à alfabetização como processo autônomo, independente do
letramento e anterior a ele”. (SOARES, 2003, p. 11). Entendemos, com a autora, que
a dificuldade e os problemas ocorridos no processo de alfabetização podem estar
contidos, ou mesmo serem gerados, na separação inadequada que se faz com o
processo de letramento. Ambos os processos caminham juntos, sendo necessário
um melhor aprofundamento reflexivo sobre o conceito de ambos e, por conseguinte,
seu desdobramento em práticas escolares.
Dessa maneira, a alfabetização deve ser compreendida como uma
prática processual e essencial como a própria educação, sendo um tema complexo e
amplo que engloba os processos de ensinar e aprender, juntamente com outros
aspectos cognitivos, sociais, econômicos e políticos. Ela se insere e contribui
significativamente na formação humana, visando modos culturais de ser, estar e agir
necessários à convivência e ao processo de socialização, aprofundando e
ampliando a existência, permitindo ao sujeito reconhecer-se, enquanto ser social,
histórico e cultural pertencente a um mundo letrado. (SMOLKA, 1988).
168
Compreensão 2 - Conjunto de segmentos de textos provenientes das
entrevistas concedidas pelas professoras que atuam no 3º, 4º e 5º ano do
ensino fundamental sobre o processo de ensino-aprendizagem da língua
portuguesa
A partir das falas de 25 profissionais entrevistadas que atuam no 3º, 4º
e 5º ano do ensino fundamental de nove anos, o programa ALCESTE organizou 941
UCEs, que correspondem a 76% do corpus textual. O programa dividiu em cinco
classes o conjunto de segmentos de textos provenientes das falas das professoras.
Na próxima ilustração, podemos ver as classificações processadas pelo programa e
a articulação entre elas:
Ilustração 7 Classificação e intersecção dos dizeres das professoras que atuam no 3º, 4º e 5º ano do
ensino fundamental sobre o processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa, por porcentagem
Observamos que a classe com maior contribuição percentual no corpus
textual foi a de número 2, com 40% de UCEs, posteriormente a 4 com 20% de
UCEs, sucessivamente a de número 1, com 17% de UCEs, em seguida a de número
3, com 14% de UCEs e finalmente a 5, com 9% de UCEs.
Quando responderam os nossos questionamentos que tratam do
processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa, observamos que as
1ª
2ª
5ª
4ª
3ª
1ª
2ª3ª
4ª
5ª
Classes sobre o processo de ensino-
aprendizagem da Língua Portuguesa
Família:sua
importância e a falta de
incentivo ao estudo dos/as
alunos/as(17%)
Aprendizagemdos/das
alunos/as(40%)
Valor social da Língua
Portuguesa(20%)
Ensino:práticas, materiais
pedagógicos e conteúdos
(14%)
A prática de leitura e algumas
fontes de informação
(9%)
=
169
professoras anunciam cinco temas mais recorrentes, aqui listados pela ordem das
classes numeradas pelo programa ALCESTE: Família, Aprendizagem, Ensino,
Valores sociais e Leitura. Como apresentado no item anterior, em que discutimos os
materiais textuais recolhidos junto a 25 professoras que atuam no 1º e 2º ano do
ensino fundamental. Trataremos os materiais seguindo a numeração das classes.
O tema Aprendizagem recebeu o mais alto percentual de recorrência
nos dizeres das professoras entrevistadas, com forte ligação ao tema chamado de
Valores sociais e com uma relação mais secundária com o tema Família. Todos eles
receberam as maiores recorrências de falas processadas pelo ALCESTE. De outro
lado, os temas Ensino e Leitura obtiveram as menores recorrências das classes
geradas pelo ALCESTE, ambos, se apresentaram interligados, conforme o
processamento. A seguir apresentaremos cada tema separadamente.
Classe 1 Família: sua importância e a falta de incentivo aos estudos dos
alunos (17%)
O anúncio sobre a falta de incentivo da família em relação às
atividades educativas das crianças retornou neste segundo corpus textual
trabalhado. As professoras dizem que para ocorrer adequadamente o processo
contínuo de aquisição de conhecimentos escolares por parte dos/as alunos/as
também é necessário o apoio da família. Vejamos as falas:
Parece uma coisa bonita para a gente falar: é a união da família, da escola e da sociedade, mas tem que ser isso aí. Se todo mundo parar para raciocinar, se não tiver a união da escola, da família e da sociedade, o que é que acontece com as crianças? A gente vê um monte de coisas nos jornais e dentro da sala de aula e, às vezes, o aluno não tem o respeito pelo professor, mas, por quê? Talvez, ele não aprendeu aquilo. Às vezes, a culpa é dele? É, porque de observar os outros a gente aprende. Mas a culpa também é de outras pessoas que vieram atrás e não mostraram para ele o correto. (P. 1). Esses meninos que eu estou falando, que têm dificuldades não são aqueles meninos danados, são uns meninos bonzinhos. Eu peguei uma turma, esse ano, que é uma belezinha. São uns meninos bons, que prestam a atenção na aula, que participam da aula, mas a tarefa de casa e a participação dos pais estão muito a desejar. (P. 27).
170
Ambos os excertos exemplificadores das falas e em outros não
apresentados, que foram separados pelo programa ALCESTE, dando forma para
esta classe, mostram um desejo das professoras para que a família apoie
continuamente o processo de aprendizado dos/as aluno/as para além da sala de
aula. Acreditam que, com o auxílio dos familiares, as crianças iriam ter um
acompanhamento e incentivo maior para os estudos e, especificamente, as
professoras teriam menos dificuldades, ou mesmo, não existiriam dificuldades em
suas atividades. Vejamos outra fala:
A única dificuldade que nós temos aqui, não é total, é só com os pais. Graças a Deus! E essa aula de apoio também, que as meninas são umas gracinhas todas as duas, ajudam a gente, o que a gente falar assim: Vamos trabalhar a leitura hoje? Elas trabalham o que a gente pede para elas, fazem! Então, aqui na escola, graças a Deus, é uma escola que é muito boa! É uma equipe muito boa e cada um ajuda o outro. Então, nós não temos dificuldades. A dificuldade que eu tenho, às vezes, as meninas vão falar que não é, mas comigo, é só os pais! (P. 27).
Elas falam que a maioria dos pais não auxilia no acompanhamento dos
exercícios direcionados pelas professoras para serem realizados em casa, ou
mesmo, os pais não acompanham as atividades realizadas em sala de aula, pois
não olhando os cadernos dos seus filhos, assim, deixam as crianças serem
incentivadas apenas pela escola.
Outras professoras dizem que alguns pais acompanham e se
preocupam com a educação de seus filhos, conversam com as profissionais o ano
todo, vendo progressivamente o desenvolvimento das crianças, mas é uma pequena
parte em relação ao total de responsáveis pelos/as alunos/as. A maioria só irá
conversar com as professoras sobre a educação escolar dos filhos no final do ano,
quando as notas estão ruins, momento este em que as professoras sabem que já
não há tempo para recuperar muitos problemas.
Observemos a tabela das palavras principais desta classe:
171
Tabela 4 Palavras principais da classe 1 intitulada Família: sua importância e a falta de incentivo aos
estudos dos alunos (17%), resultantes dos dizeres das professoras que atuam no 3º, 4º e 5º ano do
ensino fundamental, ordenadas por 2
Palavras na classe Quant. de frases (UCEs) que
contêm as palavras na classe (A) e no corpus (B)
Freqüência (F.) por vocábulo ² F.
Total A B B - A %
Pai, pais (47) 133 47 32 36 4 89
Mãe (29), mães (5) 80 34 23 29 6 79
Ajuda (13), ajudam ((5), ajudando (3), ajudar (12), ajudava 1 ajudavam 1
72 35 30 48 18 63
Filho (15) 55 15 14 16 2 88
Vem (27) 41 27 22 40 18 55
Tarefa (13), tarefas (2) 41 15 11 13 2 85
Fala (7), falam (3), falando (5), falar (9), falava (3), falei (14), falo (11), falou (2)
38 54 45 122 77 37
Tive (14) 37 14 9 10 1 90
Projeto (14), projetos (3) 37 17 11 14 3 79
Reprova (2), reprovação (2), reprovam (1), reprovar (7), reprovou (2)
32 14 9 11 2 82
Graças (8) 32 8 8 9 1 89
Deu (2), Deus (9) 30 11 11 16 5 69
Manda (7), mandam (1), mandar (2), mandei (1), mando (1) 30 12 11 16 5 69
Caderno (7) 28 7 6 6 0 100
Pais (26) 27 26 22 49 27 45
Céu (5) 24 5 5 5 0 100
Peleja (1) pelejando (4) pelejo (3) 24 8 5 5 0 100
Lei (8) 23 8 6 7 1 86
Sai (2), saia (1), saio (1) 19 4 4 4 0 100
Negócio (4) 19 4 4 4 0 100
Diretoria (4) 19 4 4 4 0 100
Pede (5) 18 5 5 6 1 83
Meninas (5), menino (5), meninos (7) 17 17 14 31 17 45
Criança (35), crianças (16) 17 51 34 108 74 31
Eu (170) 15 170 79 336 257 24
Olha (12) 15 12 8 14 6 57
Minha (15) 15 15 12 26 14 46
Criação (1), criada (1), criar (1), criei (1) 14 4 4 5 1 80
Direção (3) 14 3 3 3 0 100
Acompanha (1), acompanhada (1), acompanhando (5) 14 7 7 12 5 58
Meu Deus (4) 14 4 4 5 1 80
Coordenador (1), coordenadora (4) 14 5 5 7 2 71
Casa (14) 12 19 19 55 36 35
Liga (7), ligo (4) 11 11 5 8 3 63
Tira (3), tiram (1), tirar (1), tiro (1) 11 6 6 11 5 55
Vindo (4) 10 4 4 6 2 67
Pergunta (2), perguntando (2), perguntar (2), perguntas (3), Pergunto (1)
10 10 9 21 12 43
172
Para melhor situar compreensivamente algumas dessas palavras mais
frequentes, e que apresentaram maior importância em termos estatísticos para o
programa ALCESTE, indicaremos o contexto de ideias de algumas. Quando a
maioria das entrevistadas falou o termo pai, elas estavam apresentando um sentido
de responsável, de pais, não o sentido propriamente masculino deste substantivo.
Para a palavra mães, observamos que utilizaram como sendo a figura feminina
materna, realmente da figura da mãe, não citando assim, os outros responsáveis.
Sobre o vocábulo ajuda e seus derivados, elas queriam dizer da grande falta de
apoio familiar e, em poucos casos, da existência desta ajuda da família aos estudos
das crianças. Acerca da palavra projeto, elas informaram o seguinte:
Falei que a escola nossa tem um projeto das crianças levarem livros para ler em casa e o pai tem que estar acompanhando. Porque esse negócio, assim só do professor, só do professor... O professor sozinho não dá conta. E agora, como diz a lei, que é o professor que tem que estar, tem que esquecer pai, tem que esquecer mãe. Eu não acho certo isso. Porque faz muitos anos que eu dou aula e eu acho que o ensino mais para trás era melhor do que hoje. A nossa escola do município era mais ou menos igual escola particular, tinha pai que falava assim: Nossa, professora, o ensino de vocês é igual de escola particular, não tem diferença! Hoje tem diferença! (P. 27).
Referente ao termo reprovação, elas nos disseram que a maioria dos
familiares só preocupa com o desempenho das crianças no final do ano, com medo
da reprovação, de outro lado, nos informaram que certas leis - normatizações
advindas da Secretaria Municipal de Educação - não permitem que o profissional
reprove o/a aluno/a com mau desempenho no 1º e no 2º ano, assim, dificultam o seu
trabalho que é realizado posteriormente. Portanto, interpretamos que elas acreditam
que a reprovação por falta de rendimento da criança no ano correspondente aos
conteúdos trabalhos é necessária, para que os/as alunos/as não cheguem a níveis
de ensino com carências de saberes anteriores a ele.
A palavra Deus foi evidenciada, pois esta classe foi composta por uma
quantidade de narrativas de professoras que atuam em uma escola que tem parceria
com um centro espírita da cidade; e o vocábulo céu faz parte do nome desta escola.
Elas falaram muito o nome da escola, mostrando que é uma instituição diferenciada
das outras do sistema municipal, consideram que é uma ótima escola.
Ligado a todos esses dizeres, as professoras entrevistadas falam que a
família poderia reduzir as dificuldades na aprendizagem das crianças em sala de
173
aula, consequentemente, estas iriam aprender mais e melhor. Dentro deste grupo
entrevistado, a imagem que se tem é que a família delegou a responsabilidade da
formação de valores e condutas do/a aluno/a exclusivamente à escola, pois entende
que ela – a escola – dispõe dos meios necessários para “o desenvolvimento da
capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e
habilidades e a formação de atitudes e valores”. (Inciso III, Artigo 32 da LDB n.º
9.394/1996). A escola, por sua vez, entende que “o fortalecimento dos vínculos de
família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se
assenta a vida social”. (Inciso IV, Artigo 32 da LDB n.º 9.394/1996).
Além das representações sociais e regulamentações legais sobre as
responsabilidades da escola e da família, algumas profissionais disseram que existe
uma lei que normatiza a responsabilidade exclusiva do/a professor/a de mediar o
processo de ensino-aprendizagem dos/as alunos/as, não tendo o direito de solicitar
o apoio familiar.
O que aconteceu foram as mudanças de paradigmas. O ensino escolar
ganhou outras nuances, incorporando conceitos como, por exemplo, padrão de
qualidade, acesso, inclusão e permanência, qualidade social. Desta forma, os
paradigmas do passado, embora presentes, enquanto resquícios de um passado, de
uma representação social, são incompatíveis com os apresentados para se
materializar no ensino escolar preconizado para o século XXI. De forma incisiva, o
novo paradigma afirma que a educação é direito universal e se constitui em alicerce
indispensável para o exercício da cidadania em plenitude, da qual depende a
possibilidade de conquistar todos os demais direitos, uma vez que é o conhecimento
que cria as condições necessárias para o exercício pleno da cidadania.
Vejamos o que diz a Resolução 04/2010, do Conselho Nacional da
Educação, que instituiu as Diretrizes Nacionais da Educação Básica:
Art. 8º A garantia de padrão de qualidade, com pleno acesso, inclusão e permanência dos sujeitos das aprendizagens na escola e seu sucesso, com redução da evasão, da retenção e da distorção de idade/ano/série, resulta na qualidade social da educação, que é uma conquista coletiva de todos os sujeitos do processo educativo. Art. 9º A escola de qualidade social adota como centralidade o estudante e a aprendizagem, o que pressupõe atendimento aos seguintes requisitos: I - revisão das referências conceituais quanto aos diferentes espaços e tempos educativos, abrangendo espaços sociais na escola e fora dela;
174
II - consideração sobre a inclusão, a valorização das diferenças e o atendimento à pluralidade e à diversidade cultural.
Segundo Santos (2009), a educação se encaixa no período
denominado por Kuhn como revolução científica, período esse em que se muda a
forma de olhar para o real e os velhos paradigmas, aos poucos, vão sendo
substituídos pelos novos. Isso já acontece, a educação já é vista com outros olhos,
pois já existem além de várias teorias ou paradigmas emergentes, várias formas de
incentivo à mudança. Exemplos disso são as novas leis, como a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (LDB nº 9394/96), que reforça a democratização do ensino,
estabelece a inclusão social, entre outros; Leis Complementares de Valorização do
Magistério, que destina parte dos recursos financeiros à formação continuada dos
professores, Leis e Resoluções que incluem no currículo a temática histórica e
cultura afro-brasileira, valorizando a diversidade étnica e cultural da sociedade
democrática (Lei nº 10639/03); os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) e os
Referenciais Nacionais (Educação Infantil), direcionando o currículo de forma a
valorizar o sujeito aprendiz e o ensino contextualizado; é possível observar também
que os livros didáticos possuem uma abordagem bem diferente daquela usada 20
anos atrás, valorizando as experiências e o cotidiano do/a aluno/a, até mesmo as
questões de alguns vestibulares, em anos recentes, têm sido abordadas de maneira
a explorá-las, diferentemente de como era feito tradicionalmente, exigindo apenas
uma quantidade grande de informações decoradas ou memorizadas; há, também,
incentivos em forma de bonificações salariais para docentes que buscam
atualizações e que comprovam bom desempenho; além de tudo isso, há outros tipos
de incentivos à inovação.
Opondo-se ao paradigma da educação pós-regime militar, parte dos/as
professores/as brasileiros/as, neste caso, os/as que foram objeto desta pesquisa,
observam que o Artigo 13 da LDB n.º 9.394/1996, Inciso VI, atribui aos/as
professores/as, dentre outras, a incumbência de colaborar com as atividades de
articulação da escola com a família e a comunidade. Partindo deste conceito
advindo da LDB e das aspirações do Estado Democrático de Direito, as professoras
entendem que uma determinada lei não permite que elas exijam o apoio da família.
Perante tais compreensões e incompreensões, questionamos: como deve ser a
interação entre a escola e a família? Quais as causas desse foco de resistência em
175
relação às atribuições e competências da família para com a aprendizagem e o
desenvolvimento dos filhos? Vejamos o que Castro e Regattieri (2010) falam sobre o
assunto:
É claro que o trabalho conjugado entre as duas instâncias socializadoras favorece o desenvolvimento integral (incluindo a carreira escolar) das crianças e adolescentes. Mas não podemos esquecer que, sendo o Estado o responsável primário pela educação pública, deve procurar meios para priorizar e garantir esse direito. Ou seja, o sistema de ensino que deposita todas suas expectativas ou a culpa dos resultados escolares de seus alunos exclusivamente na família está, de alguma forma, renunciando a sua missão. O dever da família quanto à educação escolar obrigatória é matricular e enviar regularmente seus filhos às escolas. O não cumprimento deste dever caracteriza negligência passível de punição legal. É preciso que as escolas conheçam as famílias dos alunos para mapearem quantas e quais famílias podem apenas cumprir seu dever legal, quantas e quais famílias têm condições para um acompanhamento sistemático da escolarização dos filhos e quantas e quais podem, além de acompanhar os filhos, participar mais ativamente da gestão escolar e mesmo do apoio a outras crianças e famílias. É nesse sentido que a interação com famílias para conhecimento mútuo destaca-se como uma estratégia importante de planejamento escolar e educacional. [...] De novo, temos que passar da “família esperada” à “família real” para traçar estratégias mais eficazes visando o envolvimento familiar na vida escolar dos alunos. (CASTRO, REGATTIERI, 2010, p. 21).
Os autores nos mostram o que é possível para ser feito em relação à
interação escola-família na atualidade. Dito esse que entra com maior amplitude
para o entendimento das responsabilidades de ambas as instituições. Seria o ideal a
ser pensado e anunciado, mas que está longe dos dizeres das professoras
entrevistadas.
Pensando no programa governamental Todos pela Educação e a
Mobilização pela educação, observamos que o discurso estatal e a mobilização pela
qualidade da educação são discursos sociais institucionalizados, oriundos dos
ideários dos movimentos populares. Caberia, neste caso, a pergunta: quais fatores
impedem que os discursos institucionais - o estatal – não se materialize no chão da
escola, nas práticas pedagógicas? Em termos gerais, os problemas são identificados
e refletidos dentro do contexto educativo, mas as mudanças nas práticas dentro da
sala de aula ainda não foram realmente direcionadas. Como exemplo, segue o
próximo excerto:
176
A dificuldade maior é que no quinto ano ainda chegam alunos com dificuldades de alfabetização. Nós encontramos alunos que, às vezes, vão escrever uma palavra e querem saber com que letra escreve essa palavra, porque teve muito problema com alfabetização. A gente percebe que quanto mais o tempo passa parece que a cobrança da estatística é maior e, aí querem que passem os alunos. A gente tem uma proposta que vem e que fala que é para trabalhar de uma forma mais construtiva, deixar o aluno pensar. Mas ,ao mesmo tempo, a cobrança que o sistema impõe não deixa você trabalhar dessa forma, porque quer que passe todo mundo. Ao mesmo tempo em que pedem para dar o tempo de cada um, eles querem que todos passem ao mesmo tempo. Então, eu acho que essa cobrança do sistema leva o professor, às vezes, a passar o aluno sem que o aluno chegou no momento; ele não refletiu sobre aquilo, não cumpriu todas as habilidades. Aí, chega no quinto ano, o aluno tem esses problemas. Porque a gente, que é professor, sabe que cada criança tem seu tempo, seu momento. Então, muitas vezes, não é respeitado esse momento. Não é respeitado e vai passando, vai passando e a gente chega com alunos lá no quinto ano que não foram alfabetizados. (P. 47).
Interpretamos que as professoras lidam com a existência de mudanças
legais, a partir das normatizações educativas escolares, sem ter contato real com
tais documentos e sem ter oportunidade de construir reflexões sobre os mesmos.
Quem disse a elas que não podem reprovar os/as alunos/as que apresentam
rendimento escolar inferior ao exigido para determinada fase de ensino? Quem
informou a elas que não podem reprovar os/as alunos/as por causa do censo
escolar que incide nas receitas orçamentárias das escolas, mostrando o número de
alunos/as matriculados e os valores correspondentes para o repasse? Perguntas
que se proponham a discutir o ensino e a aprendizagem escolar não foram
evidenciadas nas angustias das professoras entrevistadas. Ou seja, os paradoxos
da educação, enquanto representação social de uma educação do passado, ecoam
no chão da escola. Observamos que para lidar com esta nova demanda educativa,
as professoras constroem representações sociais que distorcem (JODELET, 2001)
normatizações, pois a difusão dos conhecimentos transforma as redações legais em
outro conteúdo, outro saber.
Classe 2 Aprendizagem dos/das alunos/as (40%)
177
Esta classe com o mais alto grau de aproveitamento percentual no
corpus textual é resultante, principalmente, da junção entre os dizeres das
professoras que contribuíram para as questões vinculadas às aprendizagens dos/as
alunos/as com aquelas exposições em que as profissionais apresentam como se
veem dentro deste processo. Identificamos que a união de falas foi construída por
uma grande frequência de referências às dificuldades enfrentadas pelas
professoras. Observemos a próxima tabela:
Tabela 5 Palavras principais da classe 2 intitulada Aprendizagem dos/das alunos/as (40%), resultantes
dos dizeres das professoras que atuam no 3º, 4º e 5º ano do ensino fundamental, ordenadas por 2
Palavras na classe Quant. de frases (UCEs) que
contêm as palavras na classe (A) e no corpus (B)
Frequência (F.) por vocábulo ² F.
Total F. A
F. B
B - A %
Aprendam (1), aprende (23), aprendem (5), aprender (37), aprendeu (12), aprendia (1)
40 79 57 80 23 71
Aluno (84), alunos (55) 32 139 106 189 83 56
Questiona (70), questionado (1), questionando (5), questionar (9) 23 22 18 20 2 90
Passa (60), passado (4), passam (1), passando (5), passar (18), passava (3), passe (1)
18 41 36 55 19 65
Atenção (30) 14 30 24 35 11 69
Encontra (8), encontramos (1), encontrar (3),( encontrei (2), encontro (2)
14 16 14 17 3 82
Conteúdo (19), conteúdos (2) 14 21 17 22 5 77
Nova (1), novas (7), novinha (1), novo (1) 13 10 8 8 0 100
Meio (10), meios (4) 12 14 13 16 3 81
Tenta (6), tentam (1), tentando (6), tentar (4), tente (1), tento (3) 11 21 17 24 7 71
Consegue (16), conseguem (5), conseguia (1), conseguir (4), conseguiu (3)
11 29 25 39 14 64
Dificuldade (50), dificuldades (15) 11 65 60 114 54 53
Sala (23) 11 23 23 35 7 66
Sabe (17), sabem (8), sabemos (2), saber (14), sabia (2) 10 43 35 61 26 57
Tempão (1), tempinho (1), tempo (26) 10 28 23 36 13 64
Deveria (5), deveriam (1) 10 6 6 6 0 100
Alcançar (5), alcançaram (1) 10 6 6 6 0 100
Proposta (4), propostas (2) 10 6 6 6 0 100
Essa tabela mostra as palavras mais importantes em termos de ² e de
frequência no corpus textual da classe, em que estão situadas em um contexto de
apresentações sobre a aprendizagem das crianças em sala de aula e acerca da falta
da mesma. Dentro desse universo de significações sobre a prática educativa, para
178
as professoras, as crianças são diferentes no processo de aquisição de
conhecimentos, trazendo com estas especificidades, alguns problemas para as
atuações professorais:
A principal dificuldade que eu encontro é que os alunos andam chegando às séries em diferentes níveis. Muitas vezes, nós pegamos alunos até que não são alfabetizados. Aí, o que ocorre é que complica para o professor, porque, daí, ele vai ter que trabalhar de forma diferenciada e individual diante da realidade de cada aluno que ele recebe. (P. 39).
Nesse dito e em outros dizeres professorais, observamos que existe
uma aproximação das significações acerca dos termos série e ano, que são
utilizados como sendo sinônimos. Identificamos que o imaginário docente está
carregado de conhecimentos enraizados no sistema serial. Mas, a terminologia
mudou como também as normatizações.
Compreender e saber lidar com as diferenças das crianças gera uma
grande preocupação na atuação dessas profissionais. De todas as temáticas aqui
apresentadas, a inquietação com a diferença de ritmo de aprendizado dos/as
alunos/as, a dessemelhança de níveis cognitivos e a divergência de apoio familiar
provoca um força representacional na direção de desconfortos na prática
professoral. Não existem padrões comportamentais para agir dentro da sala de aula,
acarretando uma necessidade constante de aquisição de saberes dinâmicos para a
atuação rotineira escolar. Vejamos outros segmentos de textos:
Uma das dificuldades é a sala muito cheia e os alunos em níveis muito diferentes. Quando tem aquele aluno que conhece o alfabeto no terceiro ano que ele só conhece o alfabeto, ele não consegue formar palavras como aquele aluno que já lê bem. Então, para você fazer um trabalho e ter um bom resultado no final do ano, é muito complicado. A principal dificuldade é essa. Aí, depois, vem o desinteresse dele mesmo, a preguiça, a diferença de idade, às vezes, que tem entre eles, em que uma leitura, uma história que interessa para um, já não é interessante para outro, uma atividade que é boa para um, já não é para o outro. Encontrar as atividades diversificadas para eles, isso é uma das dificuldades. Mas, a principal é a diferença de nível que os alunos chegam ao terceiro ano. Aqueles que não conhecem o alfabeto são poucos, mas ainda tem. Então, é muito difícil esse trabalho. (P. 11). Eu não me lembrei do fato deles estarem permitindo que alunos que não alcançaram as habilidades daquele ano passar para o ano seguinte. Porque eu penso assim: se aquela criança já está com dificuldade naquela série só com aqueles determinados conteúdos se
179
passar para a série seguinte vai ser muito mais conteúdo, vai ser muito mais difícil para a criança. Então, eu sou plenamente contra, mas contra mesmo porque se eu pudesse fazer alguma coisa eu faria. Se tivesse jeito de você ir lá e falar assim: não! For um monte de gente lá fazer um protesto ou votar, fazer um abaixo assinado, eu seria a primeira a assinar. Porque acho que acaba que desestimula a criança, porque ela chega no outro ano, ela não sabe e vê os coleguinhas que sabem fazer as coisas, então é muito complicado. Ainda mais de segundo para terceiro ano. Aí, terceiro ano são trinta e cinco alunos na sala. Pensa, se você pegar um aluno lá que não sabe nem ler e nem escrever direito como que vai ser? É muito complicado. Por mais que você tente tirar um tempinho para ele, é difícil. Porque você tem trinta e cinco alunos que você tem que ir lá dar atenção para eles, porque não é porque eles não têm muita dificuldade que você vai deixar de ir lá dar atenção para os que estão precisando. Então eu fiquei muito triste de saber que vai ser desse jeito agora. O aluno passa para o segundo ano mal sabendo ler e escrever. Chega no terceiro, ele tem português, matemática, história, geografia, ciências, artes e ensino religioso. E tudo registra nota no diário. Tudo tem que ter avaliação. Pensa? Se ele não sabe nem escrever direito, como que ele vai fazer isso? Vai ficar muito difícil. Eu fiquei muito triste. Tem horas que eu fico triste com a educação porque, ao invés de melhorar, vai é piorando cada dia mais. Isso que eu penso. (P. 35).
A dificuldade apresentada está em atender a diversidade de diferenças
entre os/as alunos/as no andamento da aquisição das habilidades de ler e escrever.
Observamos que a identificação das diferenças de aprendizagem de leitura e escrita
pelas crianças, principalmente de letras e palavras é feita avaliando a velocidade da
aquisição das habilidades, a rapidez que os/as alunos/as conseguem obter tal ação.
As professoras ancoram a obtenção da aprendizagem dos/as alunos/as em
conteúdos apresentados por elas, na rapidez que desenvolvem os procedimentos
solicitados. A lentidão é tida como algo a ser observado para atendimento
diferenciado por parte do/a professor/a. Após a compreensão dos dizeres das
professoras, interpretamos que a lentidão da obtenção das habilidades também gera
dificuldades na prática educativa.
Entendemos que as professoras falam da relação entre ensino e
aprendizagem, entre aquilo que é planejado, em termos de objetivos, para a
obtenção do conteúdo e a aquisição do saber ou habilidade pelo/a discente. As
principais preocupações estão ligadas ao saber como lidar com o/a aluno/a,
conhecer como a criança aprende, tendo ciência sobre quais os motivos causadores
das diferenças na construção e aquisição de conhecimentos e, em especial, as
professoras se preocupam em saber lidar com tais demandas, implicariam em
180
conhecer quais são os métodos utilizados para alcançar a aprendizagem dos/as
discentes.
Compreendemos que o imaginário discursivo recolhido nos permite
interpretar que o processo de ensino precisa de apoio familiar e de um melhor
aprofundamento formativo, entretanto, ele é realizado de uma forma rotineira
tranquila, que gera pouco mal-estar. De outro lado, está o processo de
aprendizagem das crianças, sendo uma preocupação docente, que recebeu o maior
quantitativo entre as entrevistadas, em que promove um grande desconforto nas
atuações das professoras, pois dizem que a existência de disparidade de
aprendizagem, aliadas a distorção idade-série entre os/as alunos/as acarreta novas
exigências nas escolhas de materiais pedagógicos, nas habilidades e nas práticas
diárias das profissionais. Atuar cotidianamente de formas variadas, ser uma
professora diferente para cada 35 ou até 45 alunos/as provoca uma instabilidade na
prática docente.
Classe 3 Ensino: práticas, materiais pedagógicos e conteúdos (14%)
Esta classe que apresentou um baixo aproveitamento no corpus textual
– penúltimo - foi estruturada com os segmentos de textos vinculados principalmente
à questão que discute o ensino. Reuniu dizeres sobre a prática pedagógica em que
as professoras falam dos métodos de ensino adotados, como, também, sobre a
forma de utilizá-los e dos conteúdos trabalhados referentes à língua portuguesa.
Aqui, encontramos o que as professoras fazem para a realização da
mediação dos conhecimentos para os/as alunos/as. Oportunidade esta de fazer uma
aproximação, mesmo que a partir de um universo discursivo, à prática pedagógica
propriamente dita. Podemos, a partir destes segmentos de textos, organizados nesta
classe, localizar o que as professoras fazem dentro da sala de aula, o que utilizam
para os seus procedimentos profissionais e quais são os conteúdos trabalhados no
ensino da língua portuguesa. A seguir, apresentamos a tabela das palavras
principais:
181
Tabela 6 Palavras principais da classe 3 intitulada Ensino: práticas, materiais pedagógicos e conteúdos
(14%), resultantes dos dizeres das professoras que atuam no 3º, 4º e 5º ano do ensino fundamental, ciclo,
ordenadas por 2
Palavras na classe Quant. de frases (UCEs) que
contêm as palavras na classe (A) e no corpus (B)
Frequência (F.) por vocábulo ² F.
Total F. A
F. B
B - A %
Texto (32), textos (26) 104 58 34 57 27 60
Jogos (19) 84 19 16 18 2 89
Escrita (29), escritas (1), escrito (2), escritor (1) 67 33 26 48 22 54
Trabalha (26), trabalhado (4), trabalham (2), trabalhamos (4), trabalhando (11)
59 82 56 176 120 32
Leitura (44), leituras (2) 50 32 32 79 49 41
Produção (10), produções (7) 49 17 12 16 4 75
Pontuação (8), pontuações (1) 49 9 8 8 0 100
Dicionário (8) 43 8 7 7 0 100
Alfabeto (11) 42 11 9 11 2 82
Reestruturação (8) reestruturações (1) 42 9 8 9 1 89
Desenvolvendo (10) 37 10 9 12 3 75
Uso (9) 36 9 7 8 1 88
Material didático (16) 35 16 12 20 8 60
Ortografia (13) 34 13 10 15 5 67
Palavras (3), palavras (12), palavrinhas (2) 30 17 12 22 8 55
Diversos (7) 30 7 7 9 2 78
Materiais (8), material (2) 27 10 8 12 4 67
Oral (8) 26 8 7 10 3 70
Didática (3) didático (4) didáticos (4) 26 11 9 15 4 60
Móvel (4) 24 4 4 4 0 100
Explora (2), explorar (6) 24 8 4 4 0 100
Utiliza (1), utilizamos (1), utilizar (2), utilizavam (1) 24 5 5 6 1 83
Sequência (5) 24 5 4 4 0 100
Diferenciada (6), diferenciadas (1), diferenciado (2) 24 9 6 8 2 75
Individual (7$) 22 7 7 11 3 64
Lúdica (1), lúdico (4), lúdicos (1) 19 6 5 7 2 71
Letra (1), letras (6), letrinhas (3) 18 10 10 22 12 45
Silabas (5), silábico (1) 18 6 4 5 1 80
Joguinho (2), joguinhos (2) 18 4 4 5 1 80
Interpretação (10) 18 10 9 19 10 47
Gramática (5), gramatical (1) 15 6 5 8 3 63
Quadro (4) 14 4 4 6 2 67
Coletiva (4) 14 4 4 6 2 67
Poesia (1), poesias (3) 12 3 3 4 1 75
Receita (1), receitas (3) 12 4 3 4 1 75
Aproveitando (2), aproveito (1) 12 3 3 4 1 75
Concreto (3) 12 3 3 4 1 75
Paragrafação (2) parágrafo (1) 12 3 3 4 1 75
Ensina (1), ensino (14) 11 15 14 46 32 30
Construção (2), construo (2) 11 4 4 7 3 57
Atividade (9), atividades (10) 11 19 14 45 31 31
Questão (10), questões (2) 10 12 11 33 22 33
182
A apresentação dessa tabela nos faz observar a importância da
utilização de textos para as práticas de leitura, de escrita e de reestruturação de
textos elaborados pelos/as alunos/as para uma possível correção ortográfica. Os
jogos são também utilizados para a apropriação de conhecimentos ortográficos e
semânticos, e o dicionário entra como um material pedagógico de apoio a estes
procedimentos.
Nesta classe, identificamos novamente a predominância da prática de
leitura na rotina educativa, sendo utilizados principalmente textos diversos. No
excerto que se sucede, podemos ver um exemplo deste possível espelho da prática
das professoras:
Quando você trabalha, porque agora é tudo contextualizado, quando você trabalha com um texto que chama a atenção do aluno, desse texto, igual eu falei no começo, você explora inúmeras partes. Você explora tudo o que tem nele. Você pode explorar conjugações, você pode explorar quantidades de sílabas, você pode ver as formações de frases, pode explorar pontuação. Antes, os professores de antigamente não utilizavam o texto dessa forma. Então, hoje, a facilidade que eu vejo é em um texto só. Por exemplo, eu pego um texto de ciências, as estações do ano. Desse texto eu posso usar toda a ciência dentro de estações do ano e todo o português. Isso eu acho uma grande facilidade. E você poder trabalhar com filmes, com uma facilidade que os professores, antigamente, não tinham, que era muito complicado, tem escolas que têm datashow, você trabalha com tudo alí, o aluno visualiza, o aluno quer ter aquela aula, porque aquilo é chique, é bacana, é legal. Então, ele fica motivado. Por isso que eu falei antes, o professor, ele tem que aprender todo dia a ser um novo professor [...] Antes, as professoras faziam tudo separado, então ficava complicado. Mas, mesmo assim, elas conseguiam, porque eu, graças a Deus, fui bem alfabetizada. (P.1).
As professoras dizem que essa leitura é contextualizada, está
vinculada à realidade do/a aluno/a e que pode ser feita com a utilização de textos,
existem possibilidades para a aquisição de conhecimentos gramaticais. A escrita
continua sendo valorizada, em sentido secundário, após a leitura. Podemos
compreender, a partir destes materiais textuais que o ato de escrever é utilizado na
prática pedagógica principalmente para a assimilação de conteúdos da Gramática e
para a verificação e correção de erros ortográficos. Vejamos os próximos segmentos
de texto:
O ensino de língua portuguesa é voltado ,mais assim, para a prática de leitura, escrita e interpretação de textos. E para ser trabalhado isso, nós usamos os livros didáticos, usamos retroprojetor para
183
reestruturação de textos, para estar expondo os textos originais do aluno, e, a partir daí, estar mostrando para eles as dificuldades que eles encontraram ali. Também é usado o laboratório de informática, para eles estarem trabalhando as produções, as reestruturações e na sala de aula: leitura, as interpretações com auxílio do livro didático e o quadro. (P. 2). Eu utilizo os livros didáticos que vem do governo para eles, uso muito os meus livros mesmo que eu tenho em casa, coleções, livros de muito tempo atrás que são livros bons mesmo; muita leitura; muita interpretação de texto e produção de texto. Quando chega na produção de texto, eles quase não gostam de fazer produção de texto. Mas, quando é uma leitura, eles gostam! Então eu trabalho muito com o livro didático e, quando eu não tenho, eu pesquiso na internet, peço as colegas para pesquisarem para mim alguma coisa, mas eu dou um jeito. Então é mais é livro didático mesmo. (P. 27).
Observamos, nesses dois segmentos de falas, que as referências
utilizadas no ensino são os livros didáticos, uma das fontes principais. A prioridade
nesta prática está vinculada ao objetivo de proporcionar ao/a aluno/a oportunidade
de conhecer as regras gramaticais e ortográficas. Estes materiais textuais se
estenderam em termos mais frequentes, pois interpretamos que a maioria das falas
das professoras, que estruturaram esta classe, realça que o princípio fundamental a
ser alcançado dentro do processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa é a
obtenção de conhecimentos que levem os/as alunos/as a saber ler e escrever
corretamente, como exemplo; seguem alguns dizeres:
O ensino é gramática, produções de textos, leitura, bastante leitura. Pego algumas atividades diferenciadas como ortografia, brincadeiras para ajudar, material didático, é essa base mesmo. Uso o quebracabeças para montar, o computador, quando tem. Retroprojetor, joguinhos mesmo que a gente confecciona que é o dominó. Esses são os materiais que a gente tem e mais os que a gente confecciona. (P. 33). A gramática é contextualizada. Sempre que a gente vê um texto, a gente está chamando a atenção para as letras maiúsculas, nas palavras diferentes do vocabulário deles. Por exemplo, consulta ao dicionário sempre que possível. Porque tem palavras diferentes do vocabulário que a gente está sempre consultando, tem que consultar o dicionário ou, às vezes, até na oralidade a gente já vai desenvolvendo a interpretação das palavras diferentes do vocabulário deles. (P. 46). São cobradas também as produções de textos, que é onde a gente avalia da melhor forma o aluno, a questão da escrita corretamente, trabalhamos também leitura e interpretação de textos onde a gente diagnostica a leitura, a própria interpretação também do aluno. (P. 31).
184
Existe outra vertente de apresentações da prática pedagógica que
mostra outros princípios para o ensino:
No ensino de língua portuguesa, a gente costuma procurar diversas formas para estar trabalhando com os alunos: leitura, interpretação. Procurando, da melhor forma, sempre estar levando ele a pensar a refletir, desenvolver também a sua escrita, levando ele a ler, reler, construir suas ideias, utilizando sempre o que for necessário para que ele consiga se desenvolver. (P. 21).
Essa preocupação com reflexão do/a aluno/a é considerada como uma
compreensão maior dos conteúdos apresentados para que as crianças possam - a
partir dos materiais estudados - construir seus próprios entendimentos acerca dos
conteúdos trabalhados, com a oportunidade da troca de conhecimentos com a
professora em exercício.
Entendemos que fazer uso de procedimentos, práticas, conteúdos e
até mesmo de termos educativos, como didática e prática educativa, lançam
norteamentos para operar em sala de aula e, além do mais, abrem clareiras que nos
mostram os valores sociais construídos pelo grupo professoral entrevistado. O
próximo item tratará destes valores.
Classe 4 Valor social da língua portuguesa (20%)
Essa penúltima classe, processada pelo programa ALCESTE,
organizou segmentos de textos que tratam das questões: Como são os
relacionamentos entre professores/as e alunos/as no processo de ensino-
aprendizagem da língua portuguesa? Quais são as dificuldades encontradas pelos
professores no processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa? De um
modo geral, qual é a importância que a família atribui ao processo de ensino-
aprendizagem da língua portuguesa? De um modo geral, qual é a importância que o
aluno atribui ao processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa? Como o
professor se vê neste processo educativo? Todavia, o processamento dos materiais
textuais gerou uma formação para esta classe ressaltando os dizeres professorais
acerca dos valores atribuídos pela família, pela sociedade, pelos/as professores/as e
185
pelos/as alunos/as ao processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa,
essencialmente à apropriação dos conhecimentos da língua portuguesa com caráter
pragmático de utilização para a vida cotidiana. A seguir apresentaremos a tabela
que contém os vocábulos principais da classe:
Tabela 7 Palavras principais da classe 4 intitulada Valor social da língua portuguesa (20%), resultantes
dos dizeres das professoras que atuam no 3º, 4º e 5º ano do ensino fundamental, ordenadas por 2
Palavras na classe Quant. de frases (UCEs) que
contêm as palavras na classe (A) e no corpus (B)
Frequência (F.) por vocábulo ² F.
Total F. A
F. B
B – A %
Vida (21), vidas (2) 54 23 21 28 7 75
Acredita (7), acreditam (3), acreditar (1), acreditava (1), acredito (12) 48 24 21 30 9 70
Pensa (1), pensado (1), pensam (4), pensando (2), pensar (5), pense (1), penso (5)
43 19 19 27 8 70
Família (29), familiar (1), famílias (7) 42 37 28 50 32 56
Valor (11), valores (1) 40 12 10 10 0 100
Dão (13) 38 13 11 12 1 92
Compromisso (10) 32 10 8 8 0 100
Valoriza (1), valorização (3), valorizado (1), valorizam (1), valorizando (1), valorizar (2)
28 9 7 7 0 100
Acontece (9), aconteceu (1) 23 10 10 14 4 71
Melhora (3), melhorado (1), melhoram (1), melhorando (3), melhorar (7), melhoras (1), melhor (12)
22 17 14 24 10 58
Escola (33), escolar (3), escolas (3) 21 39 34 87 53 39
Geral (10), geralmente (1) 20 11 10 15 5 67
Responsabilidade (8) 19 8 8 11 3 73
Atribui (5) 16 5 4 4 0 100
Vontade (4) 16 4 4 4 0 100
Processo (16) 16 16 16 34 18 47
Importância (16) 16 16 15 31 16 48
Importante (20) 14 20 19 45 26 42
Humano (3) 12 3 3 3 0 100
Reflexão (4) 12 4 3 3 0 100
Resultado (8) 12 8 6 9 3 67
Compreensão (4) 12 4 3 3 0 100
Trabalhador (2), trabalhadoras (1), trabalhadores (1) 12 4 3 3 0 100
Ensino-aprendizagem (6) 12 6 6 9 3 67
Acha (2), acham (5), achei (1), achem (1), acho (39) 11 48 38 120 82 32
Fundamentais (1), fundamental (9) 11 10 10 20 10 50
Pouquinho (5) 11 5 5 7 2 71
Sociedade (5) 11 5 4 5 1 80
Ter (2) 10 25 23 65 32 35
Precisa (15), precisamos (1), preciso (1) 10 17 15 37 22 41
186
Identificamos, nesta classe, a atribuição avaliativa de importância aos
conhecimentos da língua portuguesa. Observamos que as professoras concedem
um valor estimável ao processo educativo desta matéria, pois acreditam que a
aquisição destes saberes irá proporcionar uma inscrição social às crianças, futuros
adultos, em uma posição na sociedade com melhores oportunidades, se forem
comparadas a outras pessoas que não conseguiram adquirir tais conhecimentos.
Perante esta grande valorização, elas se inserem como pessoas substancialmente
importantes para que esse processo seja realizado adequadamente, como podemos
identificar no próximo segmento de texto retirado do corpus textual:
Se você dá uma boa aula aquele aluno que tem condições pega. Agora, se você pensa que ele não é capaz, ele não vai pegar. Mas, eu acho isso riquíssimo, importantíssimo e eu dedico. Particularmente, eu dedico cem por cento. A minha família mesmo percebe e fala o tanto que eu me dôo para isso, porque é fundamental na vida do estudante, na nossa vida, para a sociedade, para todos. Eu acho que todo mundo tinha que pensar em valorizar mais, dar importância. (P. 13).
Nessa mesma linha de raciocínio, as professoras nos disseram que a
pertença familiar e social interfere na atribuição de valores aos conhecimentos
advindos da língua:
O contexto social interfere e muito! Porque conforme a situação que ele vive, às vezes, não vai ser tão importante para ele, mas a gente sabe o quanto isso é importante. Tem que despertar nele essa consciência: Olha, isso é importante, é para a sua vida, é para você, é fundamental! Tem que estar sempre alertando eles. (P. 21).
Imersa nessa atribuição de valores positivos pelas professoras à língua
portuguesa, a figura da família é pensada como uma instituição que também atribui
importância para a aquisição destes conhecimentos por parte das crianças,
juntamente com a sociedade, situada em termos mais amplos. Neste encadeamento
de ideias, as entrevistadas consideram que a família acredita na importância da
escolarização para seus filhos, mas não se responsabilizam efetivamente no
acompanhamento das atividades escolares. Sobre este assunto, um exemplo das
falas:
Os pais dos alunos do quinto ano não são muito presentes na escola. Os alunos, geralmente, por terem certa idade, o pai, às vezes, acha que não deve acompanhar nas atividades. É o caso que a gente tem
187
muito problema, que as crianças escrevem errado, que lê, mas não aprende o que lê, porque não tem uma base, não tem um alguém que está ali cobrando. O momento que a gente fica na sala de aula é muito pouco e a gente tem as outras disciplinas. A gente, às vezes, até invade a Língua Portuguesa, até invade o espaço das outras disciplinas, por quê? Porque, nós professores, a gente sabe da importância. Como você resolve uma situação problema se você não ler e não interpretar? Como que você vai retirar os dados para você fazer? Então, às vezes, até a gente deixa que se torne até um momento predestinado para aquela aula, se torne um momento maior. Eu acho que os professores, eles, dão mais importância sim a Língua Portuguesa, não desmerecendo as outras disciplinas. (P. 34).
As professoras entrevistadas consideram que os conhecimentos da
língua portuguesa são essenciais para a aquisição de outros saberes, são pilares de
sustentação para a compreensão de outras matérias, como, igualmente, são
sustentáculos para uma adequada inscrição social das crianças no transcorrer de
suas vidas.
Classe 5 A prática de leitura e algumas fontes de informação (9%)
Esta é a classe que obteve o menor aproveitamento percentual em
todo o corpus textual processado pelo programa informático ALCESTE, foi gerada
por uma composição de dizeres sobre a prática de leitura e algumas fontes de
informação utilizadas no processo educativo. Em todas as passagens dos dizeres
das professoras identificamos uma grande valorização da prática de leitura em
detrimento das outras práticas educativas, fato este que possibilitou a formação de
uma classe específica para a mesma.
Poderíamos até dizer que pelo baixo aproveitamento no corpus textual,
esta classe seria a que apresenta menor importância para o grupo entrevistado,
entretanto, o realce de segmentos de textos provenientes dos dizeres das
professoras referente à prática de leitura em formato de classe reforçou ainda mais a
atribuição de importância para ela. Pois o processamento do ALCESTE gerou uma
classe exclusiva para tratar deste tema.
Neste momento, tivemos a oportunidade de localizar as fontes de
informação que foram apresentadas contendo uma frequência maior dentro do
188
corpus textual e de importância em termos estatísticos; mostrando-nos as fontes de
referências operadas na prática educativa. Dentre elas, muitas compuseram a
listagem das palavras principais da classe. A seguir mostraremos a tabela das
mesmas:
189
Tabela 8 Palavras principais da classe 5 intitulada A prática de leitura e algumas fontes de
informação (9%), resultantes dos dizeres das professoras que atuam no 3º, 4º e 5º ano do
ensino fundamental, ordenadas por 2
Palavras na classe Quant. de frases (UCEs) que contêm as palavras na classe (A) e no corpus (B)
Frequência (F.) por vocábulo ² F.
Total F. A
F. B
B - A %
Livrinho (4), livrinhos (3), livros (26) 113 33 20 33 13 61
Leitura (44), leituras (2) 76 46 28 79 51 35
Contam (1), contar (7), contato (2), conto (1) 75 11 10 13 3 77
Apresenta (3), apresentado (1), apresentaram (1), apresentei (3) 72 8 7 7 0 100
Literário (8), literários (4) 62 12 8 10 2 80
Ler (31), leram (4) 61 35 22 60 38 37
Acessando (1), acesso (7) 53 8 7 9 2 78
Livros (13) 47 13 11 22 11 50
Leu (6) 41 6 5 6 1 83
Leem (4) 41 4 4 4 0 100
Lendo (8) 37 8 8 15 7 53
Dom (3)30
31 3 3 3 0 100
Noticia (10), notícias (1) 31 11 4 5 1 80
Quixote (3) 31 3 3 3 0 100
Propaganda (4)31
31 4 3 3 0 100
Termina (2), terminam (1), terminamos (1) 25 4 4 6 2 67
Canta (1), cantado (1), cantinho (4) 24 6 5 9 4 56
Produz (1), produzem (2), produzir (3), produziram (1) 24 7 5 9 4 56
Fez (7) 21 7 5 10 5 50
Trazem (5), trazer (1) 21 6 5 10 5 50
Assiste (1), assistem (1), assistimos (1) 21 3 3 4 1 75
Principalmente (3) 21 3 3 4 1 75
Lê (7) 20 7 4 7 3 57
Casa (14) 16 14 13 55 42 24
Filme (3) 16 3 3 5 2 60
Semana (5), semanal (1) 16 6 5 12 7 42
Revista (2), revistas (1) 16 3 3 5 2 60
Texto (32), textos (26) 14 13 13 57 44 23
Jornal (3) 12 3 3 6 3 50
Interpretação (10) 12 6 6 19 13 32
Pedacinho (3) 12 3 3 6 3 50
Televisão (2) 12 2 2 3 1 67
Incentivando (1), incentivar (2), incentivo (1) 10 4 4 11 7 36
Internet (3) 10 3 3 7 4 43
30
Utilizam como material de referência o livro intitulado Dom Quixote. 31
Depois da leitura de algum livro, os/as alunos/as são orientados para a realização de uma atividade que consiste em que eles/as elaborem e apresentem oralmente uma propaganda em termos comerciais do livro lido, feita por eles/as mesmos/as.
190
Essa tabela apresenta os produtos mais usados pelas professoras para
mediação de conhecimentos e de informação para a aquisição e assimilação de
conteúdos da língua portuguesa pelas crianças, dentro e fora de sala de aula. São
eles: livros, a maioria literários, notícias de jornais, propagandas diversas, revistas,
filmes, televisão e a internet.
No exemplo de uma das falas das professoras entrevistadas,
apresentado a seguir, podemos ter a ciência sobre como utilizam tais materiais:
Eu trabalho com eles essa roda da leitura e eu trabalho também nossa leitura compartilhada, cada dia a gente chega, faz uma acolhida com eles, aí faz a leitura compartilhada. Então nós trabalhamos com livro literário, eu apresentei no início 3 livros que eu sei que adolescentes gostam, que foram: Pollyanna, que as meninas gostam muito, apresentei o Dom Quixote e o Romeu e Julieta, porque, nessa fase, os meninos gostam muito dessa questão de namorado, então ele é um Shakespeare, é um livro muito inspirado, e aí eu apresentei os 3 e perguntei qual eles queriam conhecer primeiro. Todos optaram pelo Romeu e Julieta, e nós, cada dia, na leitura compartilhada, líamos um capítulo, aí encerramos a leitura do livro todo e cada capítulo que a gente lia eles queriam que continuasse o outro. Nós terminamos o livro, assistimos o filme, eles construíram um livrinho, agora hoje nós vamos encerrar o Dom Quixote. Nós já estamos no capítulo 11 e a gente vai fazendo assim também. Então, além dos livros que eles lêem sozinhos, nós temos um livro que a gente lê coletivamente. Às vezes está no final do ano a gente tem vários livros lidos. Porque eu me lembro quando eu estudei, quando eu cheguei na 8ª série na época, foi aí que a minha professora mandou eu ler um livro literário, então, naquela época, você não lia livros, e hoje eu quero dar para os meus alunos tudo o que eles puderem de leitura. Eles gostam muito. Às vezes, você chega e vai conversar com eles alguma notícia no início da aula: “Professora, você não vai ler o Dom Quixote hoje? Vamos ler?”, eles querem. (P. 47).
A prática de leitura é muito utilizada, os direcionamentos para a sua
realização vão desde momentos individuais até mesmo coletivos, dentro e fora de
sala de aula. Identificamos que as professoras falam da grande aceitação para a
realização desta prática por parte do alunado, esta valorização, vinda das crianças,
tem origem na própria prática professoral, pois a prática de escrita é percebida como
uma atividade que deve ser realizada após a leitura. Vejamos uma das falas:
Porque a Língua Portuguesa é a base para o aluno sair bem em todas as outras disciplinas. Se ele lê bem, ele interpreta bem. Então, o aluno leitor é um aluno escritor também, porque ele vai escrever, porque ele sabe o que é que está fazendo. Se ele não tem o hábito
191
da leitura ele não vai ter como escrever bem, sair bem na escrita também. Por exemplo, de manhã, na nossa entrada, nós temos a leitura compartilhada. Sempre tem um texto e nesse texto a gente reforça bem valores, a importância do estudo para o dia a dia, para a formação do ser humano, do cidadão consciente. Nós estudamos muito os valores e dentro dos valores a leitura em si. Por exemplo, quando eu peço uma notícia de casa, ele tem que ouvir; entender e escrever. Se ele ouviu e não entendeu ele não vai ter como escrever, registrar por escrito o que ele ouviu. Então nós trabalhamos essa modalidade. Se ele ouve, ele entende, se ele entendeu, ele escreve. (P. 46).
Podemos interpretar de todos os materiais textuais construídos nesta
classe que a apropriação da prática de leitura pelos/as alunos/as é o objetivo
principal do processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa; pois para as
professoras ela desencadeia processos reflexivos sobre os assuntos e conteúdos
trabalhados dentro e fora de sala e que geram a possibilidade de uma apropriação
da prática de escrita.
Compreendemos que a escrita produzida pelos/as alunos/as possibilita
a identificação de um possível aprendizado, sendo um veículo para a elaboração de
instrumentos de avaliação. Ela também é utilizada em diversas situações educativas:
como uma ferramenta de apresentação de interpretações de textos; como objeto de
apropriação da ortografia correta e de conhecimentos gramaticais; como técnica
para uma grafia bonita e legível, como utilidade de registro dos conteúdos da
matéria escolar que são escritos no quadro pelas professoras para que os/as
alunos/as possam consultar o conteúdo trabalhado em momentos futuros, dentro e
fora de sala de aula, entre outras.
De um lado, identificamos a imagem consensual sobre a prática da
leitura em sala de aula como sendo um momento de prazer, de ludicidade, de
possibilidade de aprendizado de assuntos do interesse das crianças e de conteúdos
direcionados pelas professoras e pela Secretaria Municipal de Educação. De outro
lado, localizamos representações sociais das professoras sobre a prática de escrita
em sala de aula, sendo uma ocasião que contém diversas responsabilidades: grafia
bonita, legível e correta, interpretação adequada e de rapidez na cópia de conteúdos
do quadro.
Perante essas compreensões, podemos afirmar que o pensamento do
grupo de entrevistadas sobre o processo de ensino-aprendizagem está carregado de
contradições, como muitos outros pensamentos acerca de objetos sociais. Dentro
192
deste imaginário docente, as representações sociais, que possibilitam a orientação
das condutas em sala de aula, favorecem o direcionamento predominante de
práticas de leitura em detrimento de momentos de escrita. Interpretamos que a
escrita trabalhada nestes espaços educativos é carregada de muito peso normativo,
de regras e de avaliações, promovendo descontentamento no grupo de alunos/as e
fomentando um aumento de trabalho docente.
Para trazer um possível resumo de todo o entendimento construído na
pesquisa e para que possamos ainda mais refletir acerca de tantas interpretações
elaboradas entre todos nós acerca da prática educativa, no próximo capítulo,
apresentaremos o que consideramos como finalizações de entendimentos para um
início de outras etapas de reflexão.
193
CAPÍTULO IV INDÍCIOS DE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PROFESSORAS
DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL SOBRE O PROCESSO DE
ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA: SÍNTESE POSSÍVEL
A presente pesquisa teve como objetivo compreender as representações
sociais de professoras que trabalham de 1º ao 5º ano do ensino fundamental, em
escolas urbanas, do sistema público municipal de ensino do município de Jataí, Estado
de Goiás, sobre o processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa. Desta
maneira, buscou valorizar a profissão docente que se processa nos primeiros anos do
ensino fundamental. A questão que guiou o presente trabalho foi: quais são as
representações sociais docentes sobre o processo de ensino-aprendizagem da língua
portuguesa? Será neste Capítulo que iremos mostrar os possíveis indícios
representacionais acerca deste objeto de pesquisa.
Ao longo de aproximadamente três anos realizamos 156 contatos
diferenciados para alcançar os indícios de representações sociais. Primeiramente,
realizamos um estudo piloto para conhecer o universo nocional. Nesta etapa,
conversamos com seis professoras, a partir de entrevistas. Posteriormente, realizamos a
segunda fase, a coleta dos materiais, neste momento, foram contatadas 100
professoras, nos valendo do uso da técnica de associações livres para identificar a
estrutura das representações sociais. Finalmente, na terceira fase de recolha de textos
de campo, entrevistamos 50 professoras. Algumas profissionais concederam mais de
um diálogo conosco, nesta etapa tivemos a oportunidade de conhecer o conteúdo
representacional em formato contextualizado.
Os dizeres professorais foram gravados, transcritos e organizados com o
auxílio de dois programas computacionais. O software EVOC foi utilizado para processar
o material coletado com a técnica de evocações livres e o software ALCESTE foi usado
para processar os textos de campo recolhidos nos momentos de entrevistas. Norteados
pelos fundamentos da Teoria das Representações Sociais, da Teoria do Núcleo
Central e de conhecimentos das áreas de Formação de Professores e da Linguagem
elaboramos nossas compreensões considerando a especificidade de cada
organização dos materiais recolhidos.
No capítulo anterior, apresentamos os textos de campo em formato
separado considerando a especificidade das técnicas utilizadas de recolha e de
194
processamento dos materiais. Neste item, após realizar uma possível comparação
entre todos os materiais coletados, mostraremos três possíveis indícios de
elementos constitutivos das representações sociais sobre o processo de ensino-
aprendizagem da língua portuguesa. Apresentaremos separadamente estes
elementos, mas, consideramos que todos estabelecem relações entre si, portanto,
influenciam a constituição das representações sociais. Ressaltamos que os títulos
que abrem a apresentação dos elementos que formam a representação social sobre
o processo educativo são construções elaboradas a partir dos dizeres docentes.
Escolhemos intitular as subdivisões deste capítulo fazendo uso de elementos
principais apresentados pelo grupo professoral. Posteriormente, serão expostas as
nossas considerações finais.
4.1 O processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa na escola é
importante e necessário
Os resultados desta pesquisa mostram que as professoras contatadas
fomentam processos educativos carregados de valores sociais, que trazem uma alta
valorização do uso correto da língua portuguesa na vida das crianças. Elas avaliam
positivamente o uso correto da língua na sociedade. Consequentemente, dizem que
o processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa na escola é importante e
necessário para a formação do sujeito e para uma adequada inserção social.
A língua portuguesa, os processos educativos e a prática de leitura são
indissociáveis em termos de atribuição de valores por parte do grupo professoral.
Esta grande proximidade de elementos organiza as representações sociais docentes
em torno da valorização social do uso da língua padrão, norma culta, na sociedade.
Logo, esta grande valorização fomenta outras que tratam da importância de ensinar
seu conteúdo na escola, principalmente promovendo práticas de leitura.
O termo leitura foi o mais frequente entre todos os outros termos
apresentados pelas professoras. Foi o elemento mais central da representação
social docente, comparecendo em todos os Núcleos Centrais dos elementos
estruturais identificados na segunda fase da pesquisa. Semelhantemente, nos textos
de campo advindos das entrevistas, o elemento leitura compareceu de forma
195
importante em uma das classes sistematizadas pelo software ALCESTE. Vejamos o
elemento gráfico a seguir:
Ilustração 8 Pirâmide de relações entre elementos que contribuem para a formação da
representação social docente sobre o processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa
Esse esquema de elementos, em formato de pirâmide, apresenta uma
possível relação hierárquica e de interconexão entre dois importantes elementos que
formam a representação social docente. O componente maior, na parte inferior,
simboliza a valorização da sociedade para o uso correto da língua, e que passa por
um estreitamento de baixo para cima para inserir e interferir no processo educativo
que ocorre dentro da escola e, ambos trazem implicações para o último nível da
pirâmide: a prática de leitura.
Essa figura ilustra a representação social docente sobre o processo de
ensino-aprendizagem da língua portuguesa na escola. Ela é constituída por
elementos ancorados na valorização social para o uso apropriado da língua na
sociedade, e por elementos objetivados nas práticas frequentes de leitura em sala
de aula. Tivemos a oportunidade de observar que as docentes objetivam o ato de ler
como uma representação cuja prática desencadeia todos os outros processos
educativos. Deste modo, as professoras compreendem o ensino da língua
portuguesa como uma prática de leitura; sendo esta o carro chefe que guia as outras
práticas educativas.
Leitura
O ensino e a aprendizagem da língua na escola
Valorização da sociedade
para o uso correto da língua portuguesa
Processo de ancoragem
Processo de objetivação
196
4.2 O/a aluno/a leitor/a é um/a aluno/a escritor/a
O termo escrita compareceu no material textual coletado como sendo
um elemento menos importante que a leitura, pois, foi ranqueado em segundo lugar
no processamento estatístico junto aos softwares EVOC e ALCESTE. Todavia, as
palavras leitura e escrita são os elementos estruturais mais frequentes e
prontamente evocados pelo grupo. Observamos que existe uma força de atração
entre as práticas de leitura e de escrita nas formações imaginárias, pois é comum
encontrarmos nos conteúdos advindos das falas das professoras a normatização
“Os alunos precisam ler muito para escrever melhor”. Ademais, o relatório do
programa ALCESTE destacou a relação entre as práticas de leitura, de escrita e de
reestruturação de textos elaborados pelos/as alunos/as para uma possível correção
ortográfica. Observemos o próximo esquema:
Ilustração 9 Relações entre elementos da representação social docente sobre o processo de
ensino-aprendizagem da língua portuguesa
Essa figura mostra relações entre os elementos principais da
representação social docente. O tema da pesquisa, sendo ele o processo de ensino-
aprendizagem da língua portuguesa, foi exibido no centro. Ao entorno dele, a prática
O processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa
Leitura
Conteúdos
Gramaticais Escrita
197
de leitura foi simbolizada na parte superior para destacar a sua importância para o
grupo de professoras. Abaixo do tema, foram simbolizadas as práticas de escrita e
os conteúdos advindos da gramática.
Esse esquema simboliza o segundo indício de elementos da
representação social docente encontrado na pesquisa. As professoras representam
que o princípio fundamental a ser traçado dentro do processo de ensino-
aprendizagem da língua portuguesa é o fomento a prática de leitura.
Consequentemente a prática de leitura norteia outras práticas, como a escrita de
textos que seguem as regras ortográficas da língua portuguesa.
4.3 Facilidades e dificuldades enfrentadas pelas profissionais no processo
educativo
Na segunda fase da coleta, observamos que nos elementos estruturais
da representação, constituídos a partir da pergunta sobre ensino da língua, não
apareceram termos consensuais que revelam imagens de práticas professorais
consideradas difíceis; por outro lado, quando as professoras falaram sobre a
aprendizagem, anunciaram frequentemente o termo dificuldade, apontando para
diversos problemas que elas depararam em seu ofício e que comprometem a
aquisição apropriada da língua pelo/a aluno/a. Além disso, na terceira fase de
recolha de materiais, identificamos alguns conteúdos das falas das professoras que
contêm a imagem que representa dificuldades advindas da prática pedagógica,
principalmente, em se tratando do processo de alfabetização de crianças.
Observemos o próximo elemento gráfico:
198
Ilustração 10 Relação entre as facilidades e as dificuldades do processo de ensino-
aprendizagem da língua portuguesa apresentadas pelas professoras
Esse esquema foi usado para mostrar a comparação entre as
facilidades e as dificuldades no processo de ensino-aprendizagem de língua
portuguesa apresentadas pelas professoras. O lado esquerdo da figura simboliza os
principais elementos que facilitam a prática pedagógica, conforme o material
recolhido em campo. O lado direito da imagem simboliza os elementos com maior
frequência ditos pelas docentes que dificultam a prática pedagógica.
A partir dos textos de campo, tivemos a oportunidade de saber que as
professoras consideram que as práticas ocorrem de uma melhor forma quando as
crianças têm interesse em aprender e, além disso, elas dizem que quando o
processo educativo é também assistido pela família dos/as alunos/as o seu
transcorrer é facilitado. Contudo, as docentes falam que a falta destes dois
elementos na prática educativa traz muitas dificuldades.
Além disso, elas dizem que encontram alunos/as no 4º ou 5º ano do
ensino fundamental que ainda não estão alfabetizados. O processo de alfabetização
é avaliado como o período fundamental no processo de ensino-aprendizagem,
todavia passa por muitos problemas. As professoras consideram que a alfabetização
não termina no 2º ano. Embora, entendam que, neste período, as crianças já
deveriam ter se apropriado das práticas de ler e escrever de forma autônoma, algo
que ainda não se vê com frequência.
Algumas possíveis causas que geraram estas dificuldades foram
Facilidades Dificuldades
199
apresentadas pelas professoras. Elas dizem que a sociedade se transformou, agora
existe uma exigência maior para que as pessoas saibam ler e escrever, mas os
diversos veículos de transmissão de informações que se inserem fora das
instituições de ensino concorrem com a prática educativa escolar. Elas falam
também que os/as alunos/as preferem assistir televisão a ler um livro e que os
responsáveis pelas crianças precisam trabalhar, por isto, não acompanham o
desenvolvimento escolar dos seus filhos.
Para saber lidar com esses elementos que geram dificuldades na
realização das práticas educativas, as docentes buscam soluções para os problemas
que surgem, utilizando práticas de ensino inovadoras. Para elas, se faz necessária a
superação de práticas obsoletas que não trazem a assimilação efetiva dos
conteúdos pelas crianças. As atividades lúdicas são consideradas como ferramentas
de superação de tais procedimentos considerados arcaicos, trazendo um caráter de
mudança para a prática educativa. Entendemos que as professoras falam de suas
atuações indicando a utilização de métodos lúdicos como sendo possibilidades
formativas para que o ensino da língua promova motivações nas crianças e uma
melhor assimilação dos conteúdos trabalhados.
As professoras recebem diversas influências históricas e sociais para a
realização de seus ofícios, como por exemplo, leis, normas, valores sociais que a
família e a sociedade carregam a respeito de como o ensino e a aprendizagem da
língua portuguesa deveria ocorrer nas escolas, como também, os valores de
importância da língua portuguesa para a sociedade, entre outros. De forma
complementar, talvez a primeira, as professoras ensinam aquilo que aprenderam.
Ou seja, ensinam os conceitos e técnicas com os quais foram alfabetizadas.
Nesta sociedade, compreendida como espaço de partilha e de vínculo
social, imersa em contextos ideológicos e históricos, lugar em que os sujeitos
constroem suas inscrições sociais - posição, lugar, função social, pertença grupal - e
organizam suas relações com os outros e com o mundo em atos interpessoais,
institucionais, grupais e inter-grupais, as professoras estão dentro de uma grande
teia de elementos que se inter-relacionam e que produzem efeitos diversos e, assim,
fomentam formas de ser e agir na profissão de professor/a.
Dentro dessa rede de elementos, os/as profissionais professores/as
constroem seu ofício. Desta maneira, o principal efeito desta sua inscrição social em
um espaço múltiplo é uma exigência para que conheçam todos os elementos
200
contidos na prática educativa e saibam lidar no plano singular de cada elemento,
como também, no plano plural de relações entre elementos que se influenciam entre
si.
4.4 Considerações finais
Este trabalho se insere dentro de quatro campos de compreensões. O
primeiro deles trata sobre a importância de identificar e conhecer os saberes sociais
construídos nas interações e nos processos comunicacionais entre as pessoas e
grupos, valorizando esta construção em conjunto, na partilha de conhecimentos
entre as pessoas, nas trocas de valores, atitudes e opiniões entres sujeitos para que
possam entender os elementos que se fazem presentes em determinada realidade
social. (MOSCOVICI, 2003).
O segundo campo de compreensões vincula-se a área da Formação de
Professores. Entendemos que os saberes docentes não são adquiridos apenas nos
cursos universitários, como também em outros vários espaços em que o/a
profissional se insere ao longo de sua existência. A universidade não é o único
espaço que disponibiliza saberes sobre o que venha a ser o processo de ensino-
aprendizagem da língua portuguesa na escola, mas todos os espaços em que os
profissionais se inscrevem socialmente trazem elementos que possibilitam a
construção de significações acerca desta prática. (TARDIF, 2000). Ao longo de sua
vida, a pessoa que se faz professor/a recebe saberes advindos dos universos
reificados e dos universos consensuais, desta maneira, ele/a utiliza estes saberes
adquiridos como âncoras de entendimentos prévios para que possam se apropriar
de novos entendimentos a partir dos saberes adquiridos anteriormente. (MARCELO,
2009a, 2009b, 1999).
O terceiro campo de compreensão considera que a interação do ser
humano com o mundo não é direta e sim mediada. Os símbolos e significações
construídos nesta relação são elementos intermediários entre o sujeito e a realidade
que o cerca. Desta maneira, entendemos que os/as professores/as em ofício não se
unem a determinada interação senão por meio de outra. Esta mediação pode
ocorrer a partir das interações entre as pessoas promovidas pela linguagem e pelas
201
práticas sociais e entre os sujeitos e os objetos físicos. Portanto, é através do
processo de mediação que o sujeito se humaniza. (VYGOTSKY, 2007).
O último campo de compreensões considera que o processo de
ensino-aprendizagem da língua portuguesa na escola é contínuo e progressivo. Esta
sequência educativa contribui para que as crianças se apropriem de forma autônoma
das práticas de ler, escrever, ouvir, falar e de construir significados sobre o que
aprenderam em sala de aula, na escola e na sociedade em que se inserem, para
que, finalmente, fomentem compreensões sobre o mundo e seus seres. (SMOLKA,
1988).
Falando a partir destes quatro campos de compreensões, o presente
trabalho observou que o processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa na
escola é composto por vários elementos que influenciam a prática pedagógica.
Alguns deles são: os próprios sujeitos, os tipos de relacionamentos estabelecidos
entre as pessoas, as diferentes práticas educativas, os valores sociais, as normas
institucionais. Dentre estes variados componentes, observamos que as docentes
selecionam aqueles que mais atendem às demandas que se apresentam na prática
educativa.
Neste momento (2012), os dizeres docentes sobre o processo de
ensino-aprendizagem da língua portuguesa, que ocorre nas escolas públicas
municipais de Jataí-Goiás, apresentam uma grande valorização social para o uso
correto da língua na sociedade, e mostram indicativos de direcionamentos
apresentados em cursos de formação continuada sobre novas compreensões sobre
como ensinar a língua portuguesa na escola. Identificamos que as docentes se
mobilizam, principalmente, para atender a estas duas demandas.
Nessa mobilização, as professoras selecionam alguns dos elementos
contidos no processo educativo e nos dizem que promovem o processo de ensino-
aprendizagem da língua portuguesa, principalmente, fomentando mediações de
práticas de leitura, escrita e reestruturação de texto, a primeira mais valorizada que
as outras. Isto atende a primeira demanda apresentada ao grupo acerca da
valorização social do uso correto da língua. Observamos que todo o grupo não
apresenta pensamento contraditório a este, assim, todas as professoras colaboram
com a promoção desta valorização dentro da escola e buscam fomentar práticas que
contribuem para a sua realização.
Por outro lado, nos dizem que os conhecimentos sobre como ensinar a
202
língua portuguesa na escola mudam constantemente. Falam que o ensino escolar
do município passa frequentemente por modificações, principalmente nos projetos
didático-pedagógicos ou político-pedagógicos. Elas nos dizem que o processo
educativo é amparado por projetos que são substituídos conforme o grupo
administrativo da Secretaria Municipal de Educação que atua no momento, pois
quando as pessoas saem da gestão da Secretaria, também saem os projetos que
orientavam as suas práticas. Além disso, falam que os conhecimentos científicos
mudam constantemente e uma prática que antigamente era consolidada como
apropriada agora é vista como tradicional e inapropriada.
Perante as modificações conceituais e metodológicas, a maioria resiste
ao saber apresentado como novo considerando que apenas mudou o seu nome,
mas as práticas não foram alteradas. Por exemplo, a denominação ensino seriado
foi substituída para ensino de nove anos, todavia elas consideram que o ensino
promovido parece o mesmo em relação ao anterior. As professoras lidam com os
novos conhecimentos que se apresentam fazendo comparações com aqueles já
adquiridos e identificam mais semelhanças do que diferenças entre eles. Portanto,
identificamos que elas consideram que existem muitas semelhanças, por este
motivo, as práticas educativas não precisam ser submetidas a grandes mudanças.
Além disso, as professoras falam que a sociedade atual passa por uma
partilha mais veloz de conhecimentos entre pessoas em comparação àquela de
antigamente. Elas consideram que a escola de antes era diferente desta de hoje.
Atualmente, os/as professores/as precisam atentar para a grande quantidade de
informações e saberes que circulam entre pessoas, por meio das conversações
entre pessoas nos diferentes espaços físicos e virtuais existentes. Portanto,
observamos o entendimento que ser professor/a nas escolas de tempos anteriores é
diferente de ser professor/a nas instituições de hoje. Desta forma, a exemplo das
mudanças conceituais e atitudinais ocorridas nas últimas décadas, observa-se a
preocupação das professoras ao novo jeito de pensar, de fazer e de entender os
conceitos paradigmáticos da educação do século XXI. A autoridade dá lugar à
mediação. A transmissão do conhecimento dá lugar ao desenvolvimento da
capacidade de aprender.
Para Marcelo (2009, p. 110), estamos vivendo em uma sociedade do
conhecimento que exige cada vez mais atualização, permanente aprendizado e
formação de seus cidadãos para que possam lidar com as constantes mudanças em
203
suas vivências, e “o valor das sociedades atuais está diretamente relacionado com o
nível de formação de seus cidadãos e da capacidade de inovação e
empreendimento que eles possuam”.
Diante do exposto, compreendemos, a partir dos materiais textuais
recolhidos, que as professoras apontam para a existência de um feixe de forças que
saem dessa sociedade do conhecimento e exigem competência docente e sucesso
educativo. Desta forma, todas as professoras entrevistadas têm informações,
opiniões e crenças sobre o trabalho educativo, a simbologia que envolve os
conceitos e preconceitos sobre o ensino da língua portuguesa, a formação de bons
leitores.
Como vimos anteriormente, a diferença da realização deste ofício ao
longo dos anos não é trazida pelos projetos didático-pedagógicos ou pelas novas
compreensões sobre o processo educativo. Conforme as docentes, a diferença é
trazida pelas circulações de informações e saberes contidos na sociedade. Portanto,
o pensamento docente identificado mostra que o aumento das trocas de ideias entre
as pessoas muda o tipo de sociedade e influencia a necessidade de um novo perfil
profissional para o/a professor/a.
Além disso, as docentes nos disseram que quando elas eram alunas,
em escolas de tempos anteriores, os valores estabelecidos na relação entre
professor/a e alunos/as eram diferentes destes atuais. Elas disseram que, na época
em que eram alunas, o/a professor/a era valorizado/a - respeitado/a - pelos/as
alunos/as e suas famílias, como também pela sociedade. Por outro lado, elas dizem
que nos dias de hoje o/a aluno/a não aceita o conhecimento advindo do/a
professor/a de forma inquestionável, este conhecimento é questionado com
frequência. Os conhecimentos apresentados no ambiente escolar são menos
atrativos que aqueles disponibilizados na Internet e na televisão. Elas entendem que
existe um universo mais atrativo do que o da escola, por este motivo, as professoras
se veem em uma demanda diferente em relação aos seus próprios professores do
passado.
A comparação entre a escola de tempos anteriores e a escola da
atualidade contribuiu para a formação de atribuições de valores para os processos
construídos atualmente, como por exemplo, elas consideram que os/as alunos/as de
antes eram mais interessados e hoje os discentes são mais desinteressados/as;
antigamente, a família participava do processo educativo de seus filhos, hoje ela é
204
ausente. Estas comparações geraram um estranhamento (MOSCOVICI, 2003) em
relação a estes novos valores trazidos por esta nova geração de alunos/as.
Segundo Marcelo (1999), muitas investigações sobre o pensamento do/a
professor/a que intencionam compreender o saber dos/as professores/as concernente
aos conteúdos que ensinam e sobre as práticas que fomentam apontam a existência de
elaborações de teorias advindas da prática docente, que possibilitam a construção de
destrezas diversas, de atitudes e disposições professorais que alcançam níveis de
reflexões idiossincráticos, ao mesmo tempo, inseparáveis das influências sociais.
Mesmo considerando a singularidade dos sujeitos e dos processos formativos que
fomentam, buscamos conhecer e compreender as significações construídas socialmente
por professoras sobre o processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa a partir
de conhecimentos compartilhados pelo grupo, a partir das representações sociais
elaboradas sobre esta prática educativa.
A partir de todos estes resultados obtidos na pesquisa, podemos
considerar que não existe uma mobilização, no ofício professoral, de todos os
elementos contidos no processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa na
escola, pois as professoras selecionam alguns elementos em detrimento de outros, a
partir da demanda que se apresenta urgente em determinado momento que ocorre a
prática educativa na sala de aula. As articulações entre todos os elementos contidos
em determinada prática educativa são realizadas em consonância com as fases de
desenvolvimento profissional e de formação que as professoras estão passando,
como também estão relacionadas com a própria trajetória de experiências pessoais
e profissionais que elas vêm construindo ao longo de suas vidas.
Os resultados dessa pesquisa apontam para a necessidade de
mudanças no processo de formação continuada de professores/as, progresso e
construção do próprio conhecimento, bem como que todos os envolvidos na
educação tenham acesso a estudos, pesquisas e práticas pedagógicas que
favoreçam e permitam decisões adequadas ao processo de ensino-aprendizagem,
entendendo-a na sua totalidade.
Além disso, a necessidade de reflexões comparativas entre a escola de
ontem, imaginada pelo/a professor/a enquanto aluno/a no passado e a escola de
hoje vista pelo/a professor/a, implica em construir caminhos sobre como superar as
dificuldades dentro do processo educativo se fazem necessárias e finalmente, outras
205
compreensões necessitam ser fomentadas sobre a rede de relações entre os
elementos que compõem a prática educativa.
Essa preocupação vem sendo estudada por Tardif (2000, 2002) há
alguns anos. Ele nos ensina sobre a importância da realização de estudos e
pesquisas baseados nos saberes profissionais dos/as professores/as, de como eles
os utilizam e mobilizam nas suas práticas cotidianas: “Essa tarefa supõe que os
pesquisadores universitários trabalhem nas escolas e nas salas de aula em
colaboração com os/as professores/as, vistos não como sujeitos ou objetos de
pesquisa, mas [...] como co-elaboradores da pesquisa sobre seus próprios saberes
profissionais”. (TARDIF, 2000, p. 20).
Norteados pelas ideias de Tardif (2000, 2002), como também,
fundamentados pela Teoria das Representações Sociais de Moscovici (1978, 2003)
e pela Teoria do Enunciado de Bakhtin (2006), compreendemos que os saberes e as
representações sociais dos/as professores/as construídos em exercício professoral
formam os sujeitos enquanto profissionais. Diante do exposto, entendemos que as
relações entre as pessoas em seus variados níveis de interlocução promovem a
própria constituição dos sujeitos sociais.
Além da necessidade de saber lidar com cada elemento que constitui o
processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa na escola, os/as
professores/as necessitam compreender a rede de relações entre os elementos na
sua totalidade. Os/as professores/as precisam saber lidar não apenas com um
elemento, como também necessitam saber lidar com todos eles em relações de
interferências mútuas. Identificamos, assim, a importância de construir
caracterizações de cada elemento que compõe o processo educativo, como,
também, de elaborar uma possível sistematização das relações estabelecidas entre
eles.
Como apresentamos anteriormente, as possíveis representações
sociais docentes sobre o processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa na
escola estão nucleadas pela prática de leitura, sucessivamente, pela prática da
escrita, de reestruturações de textos conforme as normas ortográficas. Entretanto,
para Smolka (1988), a aquisição da escrita nas crianças precisa ser inserida em uma
importante dimensão, a interdiscursividade, pois ela insere a feição
fundamentalmente social da escrita: para que, para quem, onde, como, por quê?
206
Essas questões são norteadoras para a prática professoral, pois
apresentam o aspecto interdiscursivo que rege toda a prática educativa. Os
processos educativos que não trabalham com esta dimensão continuam sendo
chamados de mecânicos, uma vez que utilizam a memorização de regras da língua
portuguesa, esquecendo-se da reflexão para uma prática educativa significativa para
a vida do sujeito. Pois, o ato da transformação das relações entre o ensino e a
aprendizagem da língua portuguesa, não é resultado apenas de procedimentos
metodológicos; é, por excelência, resultado de uma proposta política e pedagógica
da escola, do/a professor/a e da instituição educacional, na viabilização de meios e
de informações e formações teóricas capazes de oferecer aos/as professores/as
uma nova compreensão da aprendizagem como sendo um procedimento
metodológico, político e social, inserido numa realidade plural, determinada por
elementos intra e extra escolares.
Partindo do exposto, compreendemos que precisamos propor uma
sintonia de entendimentos acerca das funções dos vários elementos que compõem
o processo educativo e também necessitamos construir compreensões sobre as
diversas influências que estes elementos estabelecem entre si dentro de uma
grande teia de relações. Isto significa construir um plano de ligações entre os
elementos e um acordo mútuo entre todos os sujeitos que participam da prática
educativa para a realização de um objetivo comum: promover processos de ensino-
aprendizagem da língua portuguesa na escola que contemplem os conhecimentos
gramaticais, os desempenhos linguísticos orais e escritos e principalmente que
fomentem compreensões sobre o mundo, seus objetos e seres.
Conforme Zeichner (2008, p. 546), “Os professores devem agir com
uma clareza política maior sobre quais interesses estão sendo privilegiados por meio
de suas ações cotidianas. Eles podem ser incapazes de mudar alguns aspectos da
situação atual, mas ao menos estão conscientes do que está acontecendo”. Partindo
desse pressuposto, o respeito pela outridade no processo educativo e investigativo
pode nos direcionar para práticas mais solidárias. Todos nós precisamos refletir
sobre o ‘outro’ nas nossas relações: “[...] as crianças podem falar o que pensam na
escola? Podem escrever o que falam? Podem escrever como falam? Quando? Por
quê?” (SMOLKA, 1988, p. 63). Os/as professores/as podem falar o que pensam na
escola? Os/as professores/as podem escrever o que falam? Podem escrever como
falam? Quando? Por quê? Os/as pesquisadores/as podem falar o que pensam na
207
academia? Podem escrever o que falam? Podem escrever como falam? Quando?
Por quê? Estes questionamentos são estendidos para outros locais sociais. Refletir
sobre o papel de cada sujeito e de suas relações leva para a busca de uma
compreensão do papel social dos grupos para a promoção de melhorias para todos.
Vamos, todos juntos, compreender que, muitas vezes, não escutamos
as várias vozes e desconsideramos os silêncios que influenciam a prática educativa
e investigativa, a construção identitária e social de professores/as, alunos/as,
pesquisadores/as, levando para a constituição de um processo educativo e
investigativo estruturado, principalmente, por específicos elementos em detrimento
de outros. As seleções são reais em mundo cheio de diferenças, e podem ser
entendidas como discordâncias apropriadas para uma evolução social, mas são, em
determinados pontos, prejudiciais, pois, se não existem acordos, união de
entendimentos para uma compreensão social da prática educativa, cada sujeito
realiza o processo de ensino-aprendizagem da língua com objetivos diferentes e,
consequentemente, utilizam mobilizações variadas de elementos.
Como desafios para superar a prática pedagógica do ensino de língua
portuguesa fragmentado, de um discurso social valorativo da norma culta, está a de
se buscar meios necessários para assegurar um ensino dinâmico, no qual seja
possível trabalhar a aprendizagem como um processo que leva em consideração a
cultura vigente e a sua transformação, como condição fundamental para a promoção
do conhecimento. Significa dizer que a aprendizagem vai além de se trabalhar um
conteúdo em todas as suas possibilidades de conhecimentos. É também uma
revisão da prática pedagógica do/a professor/a, que, dentre outros elementos,
precisa se empenhar para elaborar e colaborar na construção de um conhecimento
consequente.
Para tanto, será necessário uma formação consequente que subsidie
aos pensamentos e às práticas pedagógicas. Isto é, para intervir numa determinada
realidade, neste caso, nos discursos professorais consolidados. Mais do que
entendimento sobre o ensino da língua portuguesa, os conhecimentos advindos de
estudos ou formação continuada oferecerão condições para determinar que ações
pedagógicas poderão ser desenvolvidas para gerar atitudes novas, que levem à
participação e ao questionamento e, consequentemente, à transformação do que ora
se apresenta como absoluto. Portanto, precisamos construir uma sintonia de
208
entendimentos. Isso significa promover um acordo mútuo entre todos para a
realização de um projeto educativo comum.
Finalmente, ressaltamos a necessidade da abertura de um espaço na
escola para que todos/as os/as professores/as possam construir uma síntese
possível sobre o trabalho desenvolvido na sala de aula. Desta maneira, eles/as terão
a oportunidade de ressignificar a prática educacional, para que possam mobilizar e
articular todos os elementos contidos na prática educativa, em sintonia com a busca
da qualidade para o processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa na
escola.
209
REFERÊNCIAS
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SILVA, S. C. Educação especial: formação de professores e aprendizagem da docência dos professores que atuam em sala de recursos. 2008. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2008. SMOLKA, A. L. B. A criança na fase inicial da escrita: a alfabetização como processo discursivo. São Paulo: Cortez/Editora da UNICAMP, 1988. p. 135. (Coleção passando a limpo). SOARES, M. A reinvenção da alfabetização. Revista Presença Pedagógica. Julho/Agosto 2003. Disponível em: <http://www.presencapedagogica.com.br/capa6/artigos/52.pdf>. Acesso em: Acesso em: 20 set. 2010. SOARES, M. Alfabetização e letramento. 5 ed. São Paulo: Contexto, 2008b. SOARES, M. Letramento um tema em três gêneros. 3 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. SOARES, M. Linguagem e escola: uma perspectiva social. 17 ed. São Paulo: Ática, 2008a. 95 p. SOARES, M. Português na escola: história de uma disciplina curricular. Revista de Educação/AEC, n.101, ano 25, out./dez., 1996. SOUZA, G. T. Introdução à teoria do enunciado concreto do círculo Bakhtin/Volochinov/Medvedev. 2. ed. São Paulo :HUMANITAS/FFLCH/USP, 2002. TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 7 ed. Petrópolis: Vozes, 2002. 325 p. TARDIF, M. Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários: elementos para uma epistemologia da prática profissional dos professores e suas conseqüências em relação à formação para o magistério. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 13, p. 5-24, jan/fev/mar/abr. 2000. Disponível em: <http://educa.fcc.org.br/pdf/rbedu/n13/n13a02.pdf>. Acesso em: 25 jun. 2010. TFOUNI, L. V. Letramento e Alfabetização. 8 ed. São Paulo: Cortez, 2006. (Coleção Questões da Nossa Época; v. 47). VALA, J. Representações Sociais: para uma Psicologia Social do pensamento social. In: ______. (Org.). Psicologia Social. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007, p. 353-385. VILELA, M. C. S. A formação docente de Rondonópolis/MT: um olhar sobre o brincar no cotidiano das Unidades de Educação Infantil. 2007. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2007. VVGOTSKY, L. S.; LURIA, A. R. LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. Tradução Maria da Penha Villalobos. 10 ed. São Paulo: Cone, 2006.
220
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos superiores. Tradução José Cipolla Neto, Luís Silveira Menna Barreto e Solange Castro Afeche. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. (Psicologia e Pedagogia). VYGOTSKY, L. S. O desenvolvimento psicológico na infância. Tradução Cláudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 1998 (Psicologia e Pedagogia). WAGNER, W. Sócio-gênese e características das representações sociais. In: MOREIRA, A. S. P.; OLIVEIRA, D. C. de (Orgs.) Estudos interdisciplinares de representação social. Goiânia: AB, 1998, p.3-20. WEISS, L. Brinquedos & Engenhocas: Atividades Lúdicas com sucata. São Paulo: Scipcione, 1989. YAGUELLO, M. Introdução. In: BAKHTIN, M. M.; VOLOCHINOV, V. N. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Tradução Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 12 ed. São Paulo: HUCITEC, 2006, p. 12-20. ZABALA, A. A prática educativa: como ensinar. Tradução Ernani F. da F. Rosa. Porto Alegre: ARTMED, 1998. ZEICHNER, K. M. Novos caminhos para o practicum: uma perspectiva para os anos 90. In NÓVOA, A. Os professores e sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992. ZEICHNER, K. M. Uma análise crítica sobre a “reflexão” como conceito estruturante na formação docente. Revista Educação e Sociedade, Campinas, vol. 29, n. 103, p. 535-554, maio/ago. 2008. Disponível em http://www.cedes.unicamp.br. Acesso em: 20 jul. 2011. ZUIN, P. B.; REYES, C. R. O ensino da língua materna: dialogando com Vygotsky, Bakhtin e Freire. São Paulo: Ideias & Letras, 2010. 144 p.
221
APÊNDICE A - Roteiro de entrevista - estudo piloto – 1ª fase
ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA OS PROFESSORES
INFORMATIVOS CENSITÁRIOS
1 Escola em que trabalha:
2 Formação: ( ) ensino médio ( ) ensino superior ( ) especialização ( ) outros – Qual: __________ Completo: ( ) Sim ( ) Não
3 Participação em cursos de capacitação: ( ) sim ( ) não – Quantos por ano?
4 Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino
5 Idade:
6 Tempo de profissão como professor (a):
7 Tempo de serviço na educação:
8 Tempo de serviço na escola:
9 Vinculo Empregatício atual: ( ) Efetivo ( ) Contratado
10 Carga Horária: ( ) 20 horas ( ) 30 horas ( ) 40 Horas
QUESTÕES
SOBRE AS ATIVIDADES DE LEITURA E ESCRITA, POR GENTILEZA, APRESENTE SUA OPINIÃO: 1. O que as pessoas acham que seja leitura? 2. De um modo geral, qual é a importância que as pessoas dão às atividades de leitura? (sociedade, família, escola, professores, alunos). 3. Quais as dificuldades que normalmente têm os alunos nas atividades de leitura? 4. Quais as facilidades que normalmente têm os alunos nas atividades de leitura? 5. Quais as dificuldades que os professores mencionam quando ensinam a ler? (nas salas de crianças alfabetizadas). 6. Quais as facilidades que os professores mencionam para ensinar leitura? 7. . O que as pessoas acham que seja escrita? 8. Qual é a importância de escrever? 9. Quais as principais dificuldades dos alunos nas atividades de escrita? 10. Quais as principais facilidades dos alunos nas atividades de escrita? 11. Quais as dificuldades dos professores para ensinar a escrever? 12. Quais as facilidades dos professores para ensinar escrever? 13. Gostaria de contribuir com outras informações? Se a resposta é positiva, o quer gostaria de falar, dentre o que não foi perguntado, sobre o processo de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita?
Obrigada pelas suas contribuições!
222
APÊNDICE B – Lista de trabalhos sobre a língua portuguesa, localizados no
Portal Domínio Público, com informações da Plataforma Lattes
Título da tese/dissertação Título obtido
Ano da
defesa Formação do autor/a
1 A aprendizagem da língua portuguesa como segunda língua para os surdos: contribuições de estratégias metalingüísticas em língua de sinais
Dr. 2009
Graduação em Fonoaudiologia
Mestrado em Educação Especial
Doutorado em Educação
2 Aspectos mediadores e a identidade docente na sociedade contemporânea: o contexto do ensino de língua portuguesa
Dr. 2009
Graduação em Letras (Português/Inglês)
Mestrado em Estudos Literários
Doutorado em Educação
3 Atividade e sentido: análise de propostas de trabalho em língua portuguesa para quintas e sextas séries do ensino fundamental
Me. 2009 Graduação em Letras
Mestrado em Educação
4
Concepção de educação, formação de professores e ensino de língua portuguesa: história e memória nos anos 50 e 60 do século XX
Me. 2006 Graduação em Letras
Mestrado em Educação
5 Do quadro de giz ao teclado do computador: contextos educativos e desafios à formação do professor de língua portuguesa
Me. 2005
Graduação em Letras (Vernáculas)
Graduação em Pedagogia Mestrado em Educação
6 Educação lingüística continuada: a formação do professor com base nos PCN de língua portuguesa
Me. 2008 Graduação em Letras
Mestrado em Educação
7 Ensino de língua e metodologia de projetos: o caso do ensino médio no CEFET de Uberaba
Me. 2007
Graduação em Letras Mestrado em Educação
Agrícola Doutorado em Agronomia
8 Ensino de língua portuguesa: desafios e encantamentos
Me. 2007 Graduação em Letras
Mestrado em Educação
9 Ensino de português em cursos superiores: razões e concepções
Me. 2009 Graduação em Letras (Português, espanhol)
Mestrado em Educação
10 Escola e histórias em quadrinhos: o agon discursivo
Dr. 2007 Graduação em Letras Mestrado em Letras
Doutorado em Educação
11 Estudo sobre os usos de mecanismos de coesão referencial na produção escrita de alunos de 5ª série
Me. 2010 Graduação em Letras
Mestrado em Educação
12 Eu iscrevu em internetês: o discurso de professores de língua portuguesa sobre a escrita na/da internet
Me. 2009 Gaduação em Letras
(Português/Inglês) Mestrado em Educação
13 Gêneros orais e ensino: trajetórias da construção do conhecimento pessoal prático na paisagem escolar
Dr. 2009 Graduação em Letras Mestrado em Letras
Doutorado em Educação
14 Ideias lingüísticas constitutivas do pensamento de João Wanderley Geraldi sobre o ensino de língua portuguesa
Dr. 2010 Graduação em Letras
Mestrado em Educação
15 Internetês: uma dentre as possíveis influências na escrita da internet sobre a escrita dos discentes do quarto ciclo do ensino fundamental
Me. 2010 Graduação: não publicada Mestrado em Cognição e
Linguagem
223
em três escolas (pública e privadas) de Campos dos Goytacaze
16 Jogos Pedagógicos: uma experiência em Lingua Portuguesa, no ensino médio
Me. 2001 Graduação: Não
publicada Mestrado em Educação
17 Leitura do fotojornalismo na escola: uma experiência com alunos da escola básica
Me. 2008
Graduação em Letras (Português, Inglês,
Espanhol e respectivas literaturas)
Graduação em Administração de
Empresas Mestrado em Educação
18 Língua portuguesa: incluir e participar para exercer a cidadania
Me. 2009
Graduação em Letras (Português-Inglês)
Mestrado em Educação Agrícola
19 O aluno surdo no ensino médio da escola pública: o professor fluente em libras atuando como intérprete
Dr. 2007
Graduação em Pedagogia Mestrado em Educação
Especial Doutorado em Educação
Escolar
20 O efeito de histeresis na constituição do habitus linguístico do professor de língua portuguesa
Dr. 2009 Graduação em Letras
Mestrado em Lingüística Doutorado em Lingüística
21 O jogo da enunciação em sala de aula e a formação de sujeitos leitores e produtores de textos
Me. 2009
Graduação em Pedagogia Mestrado Acadêmico em
Educação Doutorado em Educação
22 O jornal televisivo e o ensino/aprendizagem integrado de português língua materna e francês língua estrangeira
Dr. 2008 Currículo lattes não
publicado
23
O papel da disciplina língua portuguesa no desenvolvimento da oralidade do técnico agrícola para o exercício de sua função de agente rural
Me. 2008 Graduação: não publicada
Mestrado em Educação Agrícola
24 O professor regente, o professor orientador e os estágios supervisionados na formação inicial de futuros professores de letras
Me. 2009 Graduação em Letras
(Português/Inglês) Mestrado em Educação
25 O que é escrever bem? Com a palavra, os alunos do Ensino Médio
Me. 2008 Graduação em Letras
Mestrado em Educação
26 Organização e gestão da formação continuada dos professores de língua portuguesa no âmbito municipal: impasses e possibilidades
Me. 2010 Graduação em Letras
Mestrado em Educação
27 Representações de professores de Língua Portuguesa em formação acerca da profissão docente: mediações entre teoria e prática
Me. 2008
Graduação em Letras Mestrado em Educação Doutorado em Estudos
Lingüísticos
28 Um estudo sobre gramática e ensino da língua Dr. 2008 Graduação em Letras Mestrado em Letras
Doutorado em Educação
29 Um estudo sobre os significados atribuídos à língua portuguesa por surdos universitários
Me. 2007
Graduação em Pedagogia – (Educação Especial -
Deficiência Auditiva) Mestrado em Educação
224
APÊNDICE C – Roteiro para evocações livres – 2ª fase
ESCOLA:________________________________________________
ROTEIRO PARA AS ASSOCIAÇÕES DE PALAVRAS
Este instrumento se destina à obtenção de dados para a elaboração de um trabalho acadêmico no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMT.
Sua colaboração é muito importante e eu lhe sou muito grata por ela.
DADOS CENSITÁRIOS 1 SEXO: ( ) Feminino ( ) Masculino 2 ÁREA DE FORMAÇÃO:________________________________ 3 TITULAÇÃO : ( ) Graduação ( ) Especialização ( ) Mestrado 4 TEMPO DE SERVIÇO COMO PROFESSOR: _________ anos 5 TRABALHA NA ALFABETIZAÇÃO: ( ) Sim ( ) Não
QUESTÕES
Explicação: Eu lhe direi uma expressão e você me responderá dizendo as cinco primeiras palavras que vierem de imediato, a sua mente. Você deverá dizer as cinco palavras que lhe vierem à cabeça, palavras soltas mesmo, sem formar frases, que correspondam, aproximadamente, ao que seus colegas professores conversam sobre o assunto.
1. Apresente, POR FAVOR, CINCO palavras soltas, QUE NÃO FORMEM FRASES, PALAVRAS SOLTAS MESMO, que descrevam, caracterizem ou qualifiquem o que seus colegas professores falam sobre o
ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA:
1
2
3
4
5
Vamos, agora, retornar às palavras que você disse e ver se a ordem de importância delas deve ser mantida, ou modificada. Vamos numerar com 1 aquela que, no seu entender, é a mais importante; depois vamos marcar a segunda mais importante, e assim sucessivamente, está bem? Agora gostaria que você dissesse, de forma breve, Por que você escolheu cada uma dessas palavras? (Escrever a frase) Obs.: O pesquisador deve apresentar cada palavra evocada pelo sujeito e estimulá-lo a falar sobre cada uma delas. Preferencialmente, na sequência espontânea ditada pelo interlocutor, a fim de não excluir algum dos termos. 2. Apresente, POR FAVOR, CINCO palavras soltas, QUE NÃO FORMEM FRASES, PALAVRAS SOLTAS MESMO, que descrevam, caracterizem ou qualifiquem o que seus colegas professores falam sobre a
225
APRENDIZAGEM DE LÍNGUA PORTUGUESA:
1
2
3
4
5
Vamos, agora, retornar às palavras que você disse e ver se a ordem de importância delas deve ser mantida, ou modificada. Vamos numerar com 1 aquela que, no seu entender, é a mais importante; depois vamos marcar a segunda mais importante, e assim sucessivamente, está bem? Agora gostaria que você dissesse, de forma breve, Por que você escolheu cada uma dessas palavras? (Escrever a frase) Obs.: O pesquisador deve apresentar cada palavra evocada pelo sujeito e estimulá-lo a falar sobre cada uma delas. Preferencialmente, na seqüência espontânea ditada pelo interlocutor, a fim de não excluir algum dos termos.
226
APÊNDICE D – Elementos estruturais das representações sociais das professoras sobre o processo de ensino-
aprendizagem da língua portuguesa – motes hierarquizados por ordem de importância (OMI)
LÍNGUA PORTUGUESA
ELEMENTOS DO ENSINO ELEMENTOS DA APRENDIZAGEM
OMI < 3,00 ≥ 3,00
f NÚCLEO CENTRAL PRIMEIRA PERIFERIA
≥ 17
ATRIBUTOS F OME ATRIBUTOS F OME
Leitura 55 1,873 Produção 27 3,593
Escrita 40 2,875 Ortografia 20 4,100
Interpretação 23 2,652
Compreensão 18 2,500
< 17
ZONA DE CONTRASTE SEGUNDA PERIFERIA
ATRIBUTOS F OME ATRIBUTOS F OME
Conhecimento 16 2,625 Aprendizagem 12 3,667
Alfabetizacao 10 2,000 Dificuldade 12 3,417
Letramento 10 2,100 Oralidade 10 3,300
Necessário 10 2,600 Base 6 3,167
Importante 9 1,778 Gramática 6 4,167
Essencial 7 2,571
OMI < 3,00 ≥ 3,00
F NÚCLEO CENTRAL PRIMEIRA PERIFERIA
≥ 16
ATRIBUTOS F OME ATRIBUTOS F OME
Leitura 43 2,070 Produção 23 3,652
Escrita 32 2,844 Conhecimento 18 3,222
Dificuldade 21 2,905
Interpretação 17 2,647
< 16
ZONA DE CONTRASTE SEGUNDA PERIFERIA
ATRIBUTOS F OME ATRIBUTOS F OME
Importante 10 2,900 Oralidade 12 3,333
Desinteresse 9 2,667 Ortografia 11 3,091
Necessária 8 2,125 Complicada 7 3,286
Compromisso 7 2,714
Compreensão 6 2,833
Total de palavras do corpus: 500 Total de palavras diferentes: 159 Total de palavras dos quadrantes dos elementos estruturais: 291 Total de palavras do Núcleo Central: 136 Frequência mínima considerada no ponto de corte: 6
Total de palavras do corpus: 500 Total de palavras diferentes: 192 Total de palavras dos quadrantes dos elementos estruturais: 224 Total de palavras do Núcleo Central: 113 Frequência mínima considerada no ponto de corte: 6
Ilustração 11 Elementos estruturais das representações sociais
das professoras acerca do ensino da língua portuguesa - mote
hierarquizado
Ilustração 12 Elementos estruturais das representações sociais
das professoras referentes ao mote indutor aprendizagem da
língua portuguesa – mote hierarquizado
227
APÊNDICE E – Roteiro de entrevista – 3ª fase
ROTEIRO DE ENTREVISTA
DADOS CENSITÁRIOS
1 Escola em que trabalha:____________________________________________ 2 Formação: ( ) ensino médio ( ) ensino superior ( ) especialização ( ) outros – Qual: _______________________ Completo: ( ) Sim ( ) Não 3 Participação em cursos de capacitação: ( ) sim ( ) não – Quantos por ano?________________________ 4 Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino 5 Idade: ___________ 6 Tempo de profissão como professor (a):___________________ 7 Tempo de serviço na escola:_______________________ 8 Vinculo Empregatício atual: ( ) Efetivo ( ) Contratado 9 Carga Horária: ( ) 20 horas ( ) 30 horas ( ) 40 Horas 10 Ano que leciona: ( ) 1 ano ( ) 2 ano ( ) 3 ano ( ) 4 ano ( ) 5 ano
PERGUNTAS 1 Como é o ensino da língua portuguesa? 2 Como é a aprendizagem da língua portuguesa? 3 Como são os relacionamentos entre professores e alunos no processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa? 4 Quais são as dificuldades encontradas pelos professores no processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa? 5 Quais são as facilidades encontradas pelos professores no processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa? 6 De um modo geral, qual é a importância que a família atribui ao processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa? 7 De um modo geral, qual é a importância que o aluno atribui ao processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa? 8 Como o professor se vê neste processo educativo? 9 Gostaria de contribuir com outras informações? Se a resposta é positiva, o quer gostaria de falar, dentre o que não foi perguntado, sobre o processo de ensino e aprendizagem de língua portuguesa?
Obrigada pelas suas contribuições!
228
APÊNDICE F – Informativos censitários das participantes
Ind. Formação Tempo de serviço
(professor)
Tempo de serviço (escola)
Vínculo Carga horári
a
Ano (Série)
1 graduação 1 mês a 10 anos 1 mês a 10 anos efetivo 20 3
2 graduação 11 a 20 anos 11 a 20 anos efetivo 30 5
3 especialização 21 anos em diante 11 a 20 anos efetivo 40 2
4 especialização 11 a 20 anos 1 mês a 10 anos efetivo 30 5
5 especialização 11 a 20 anos 1 mês a 10 anos efetivo 30 1
6 graduação 1 mês a 10 anos 1 mês a 10 anos efetivo 30 3
7 graduação 1 mês a 10 anos 1 mês a 10 anos efetivo 60 2
8 graduação 11 a 20 anos 1 mês a 10 anos efetivo 40 2
9 especialização 11 a 20 anos 11 a 20 anos efetivo 40 1
10 especialização 21 anos em diante 11 a 20 anos efetivo 60 2
11 especialização 21 anos em diante 1 mês a 10 anos efetivo 40 3
12 graduação 11 a 20 anos 1 mês a 10 anos efetivo 40 2
13 especialização 11 a 20 anos 11 a 20 anos efetivo 40 3
14 graduação 11 a 20 anos 1 mês a 10 anos efetivo 30 1
15 graduação 1 mês a 10 anos 1 mês a 10 anos efetivo 40 3
16 especialização 21 anos em diante 1 mês a 10 anos efetivo 30 1
17 especialização 1 mês a 10 anos 1 mês a 10 anos efetivo 40 3
18 especialização 11 a 20 anos 1 mês a 10 anos efetivo 40 1
19 especialização 1 mês a 10 anos 1 mês a 10 anos efetivo 40 2
20 especialização 11 a 20 anos 1 mês a 10 anos efetivo 40 1
21 especialização 1 mês a 10 anos 1 mês a 10 anos efetivo 40 5
22 graduação 11 a 20 anos 1 mês a 10 anos efetivo 40 2
23 graduação 11 a 20 anos 11 a 20 anos efetivo 30 1
24 especialização 11 a 20 anos 1 mês a 10 anos efetivo 40 4
25 especialização 1 mês a 10 anos 1 mês a 10 anos efetivo 40 2
26 especialização 1 mês a 10 anos 1 mês a 10 anos efetivo 30 2
27 graduação 11 a 20 anos 11 a 20 anos efetivo 30 3
28 especialização 1 mês a 10 anos 1 mês a 10 anos contratado 20 2
29 especialização 11 a 20 anos 11 a 20 anos efetivo 40 1
30 graduação 1 mês a 10 anos 1 mês a 10 anos efetivo 40 1
31 especialização 1 mês a 10 anos 1 mês a 10 anos contratado 40 4
32 especialização 11 a 20 anos 1 mês a 10 anos efetivo 40 4
33 especialização 11 a 20 anos 1 mês a 10 anos efetivo 40 4
34 especialização 1 mês a 10 anos 1 mês a 10 anos contratado 40 5
35 graduação 11 a 20 anos 11 a 20 anos efetivo 40 3
36 graduação 1 mês a 10 anos 1 mês a 10 anos efetivo 30 2
37 especialização 11 a 20 anos 1 mês a 10 anos efetivo 40 2
38 especialização 11 a 20 anos 1 mês a 10 anos efetivo 40 2
39 especialização 1 mês a 10 anos 1 mês a 10 anos efetivo 20 3
40 especialização 11 a 20 anos 1 mês a 10 anos contratado 40 3
41 especialização 1 mês a 10 anos 1 mês a 10 anos contratado 40 1
42 graduação 11 a 20 anos 11 a 20 anos efetivo 20 2
43 especialização 11 a 20 anos 1 mês a 10 anos efetivo 60 2
44 especialização 1 mês a 10 anos 1 mês a 10 anos efetivo 40 1
45 especialização 21 anos em diante 1 mês a 10 anos efetivo 30 3
46 especialização 11 anos a vinte anos 1 mês a 10 anos efetivo 30 5
47 especialização 21 anos em diante 1 mês a 10 anos efetivo 40 5
48 especialização 11 anos a vinte anos 11 a vinte anos efetivo 60 1
49 especialização 1 mês a 10 anos 1 mês a 10 anos efetivo 60 3
50 especialização 11 anos a vinte anos 11 a vinte anos efetivo 60 3
229
ANEXO A – Autorização para entrada dos/as pesquisadores/as nas
escolas
230
ANEXO B – Aprovação do projeto da pesquisa junto ao Comitê de Ética
231