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resumo
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Navegantes, bandeirantes, diplomatas: um ensaio sobre a formao das fronteiras do Brasil
Introduo
Quando Cabral chegou Terra de Santa Cruz j tinha esta uma fronteira, a linda de 370 lguas
a partir das ilhas de Cabo Verde, definida em Tordesilhas. O que no se sabia exatamente, nem
ento, nem mais de dois sculos depois, era onde passava.
Ao criar em 1534 o sistema de capitanias hereditrias, D. Joo III procurou respeitar os limites
de Tordesilhas. (Governo Geral estabelecido em 1549).
No fim do sculo XVI surgiu, entretanto, um fenmeno histrico diverso: um conjunto denso
de aes de penetrao territorial, com origem num nico local, objetivo predominante de
caa ao ndio e que ultrapassava com freqncia a linha de Tordesilhas, o bandeirantismo.
Os espanhis tiveram a sorte de achar grandes civilizaes, ricas em prata, j nos primeiros
anos aps o descobrimento. Os portugueses, no; s no final do sculo XVII descobririam ouro
na regio montanhosa que depois se chamou Minas Gerais e que em poucos anos se
tornaria o centro gavitacional da Colnia. A ocupao desse territrio no provocou, porm,
nenhum conflito de fronteira com os espanhis.
Do ouro ponto do territrio, Belm, fundada em 1616, os portugueses foram-se apossando de
lugares que deveriam ser espanhis pela partilha de 1494. J nas primeiras dcadas do sc.
XVIII tinham completado o feito excepcional de ocupar pontos estratgicos da imensa bacia
amaznica.
Em 1680, a coroa portuguesa patrocina a fundao da Colnia do Santssimo Sacramento, na
margem esquerda do Prata, em frente a Buenos Aires. Era uma tentativa de levar os limites do
Brasil at o grande rio; todavia, nunca se conseguiu estabelecer por terra uma ligao segura
entre esta e os ncleos portugueses mais ao sul, ficando sempre a colnia ilhada, sem poder
resistir s foras espanholas.
Com a descoberta de ouro em 1718, pelos bandeirantes, estabelece-se um sistema de
transporte atravs de rios, uma das originalidades da Histria do Brasil, as mones. Eram
comboios de canoas que, por mais de cem anos, ligaram So Paulo aos ncleos mineradores
do Centro-Oeste.
As bandeiras, apesar de terem tido imensas conseqncias polticas, foram basicamente um
movimento de inspirao econmica local.
Em 1750, Portugal e Espanha assinam o Tratado de Madri, que legalizava a ocupao de dois
teros do atual territrio brasileiro; previa tambm a troca da Colnia do Sacramento pelos
Sete Povos das Misses, aldeamentos fundados por jesutas espanhis no atual oeste do Rio
Grande do Sul. Ao lado do Tratado de Madri, o nico da histria que dividiu um continente,
todos os demais acordos de limites so de pouca importncia. Desenhado pelo brasileiro
Alexandre de Gusmo, estruturou-se em torno de dois princpios: o das fronteiras naturais
(cursos de rios e cumeadas de montanhas) e do utis possidetis, que determina que cada parte
conserve o que ocupa no terreno.
Em 1761 o Tratado de El Pardo anula o de Madri. Em 1777, entretanto, o Tratado de Santo
Ildefonso retoma as fronteiras de Madri, com exceo do extremo sul, onde os Sete Povos
retornam soberania espanhola. Em 1801 a guerra entre Portugal e Espanha provoca
ocupaes territoriais na Europa, e no Brasil tropas gachas conquistam para sempre a regio
dos Sete Povos.
As grandes preocupaes polticas do novo Imprio concentravam-se no Prata. A Argentina era
adversria. A situao no Uruguai no sc. XIX foi sempre tensa. Foi invadido por tropas
portuguesas em 1821 e incorporado ao Imprio de D. Pedro I, como Provncia Cisplatina;
tornou-se independente em 1828, ao final de uma guerra entre Brasil e Argentina, com o
nome de Repblica Oriental do Uruguai.
Na Amaznia foram necessrias quase trs dcadas para que se pudesse concluir um primeiro
tratado de limites. A partir de ento ficou perfeitamente estruturada uma slida poltica de
fronteiras, baseada no utis possidetis. Nessas bases houve acordo com Peru (1851), Venezuela
(1859) e Bolvia (1867).
O traado completo da linha divisria do Brasil obra do comeo da Repblica, e o grande
artfice da chamada poltica de limites foi o Baro do Rio Branco: sem guerras, conseguiu
consolidar e ampliar as fronteiras brasileiras.
A ocupao do territrio brasileiro
Bandeirismo: a superao de Tordesilhas
As bandeiras se iniciam como apresadoras de ndios, passando depois a assumir um carter
guerreiro no combate a indgenas rebelados ou negros aquilombados. Na sua fase final, as
bandeiras tornaram-se mineradoras, povoadoras e ligadas abertura de novas vias de
comunicao.
Os bandeirantes no denominavam assim suas incurses sertanejas, pelo menos na poca das
grandes campanhas contra os jesutas missionrios. Os lderes da bandeira, capites, alferes e
sargentos, eram portugueses ou colonos de terra. Os historiadores divergem entre o Tiet e o
So Francisco como o primeiro rio em importncia para a unidade territorial do pas. Apesar
disso, hoje em geral aceito que as bandeiras foram um movimento basicamente terrestre.
Suas rotas eram antigas trilhas indgenas , em sua grande maioria. Na verdade, os bandeirantes
viam os rios no como caminhos, mas como obstculos a serem transpostos.
O chamado bandeirantismo de apresamento deveu-se menos ao abastecimento de mo-de-
obra para os engenhos de acar do litoral, em especial do Nordeste, e mais s necessidades
da agricultura da regio em torno de So Paulo, a mais importante rea produtora de trigo de
toda a colnia. O perodo da Unio Ibrica (1580-1640) considerado por muitos fundamental
para o surgimentos das bandeiras, bem como para seu desenvolvimento e a conseqente
ocupao das terras alm-Tordesilhas. Com Portugal independente, os holandeses
possivelmente no haveriam ocupado Pernambuco e feitorias portuguesas na frica, fato que,
provocando a escassez de escravos negros, estimulou o bandeirismo de apresamento de
indgenas. discutvel o papel povoador que este movimento possa ter tido, sendo que alguns
autores fala at mesmo em um carter despovoador. Outra suposio que no se sustenta
a de que as bandeiras paulistas tiveram, alm de suas finalidades reconhecidas da caa ao
ndio e da procura de metais preciosos, o objetivo de conquistas territrios para Portugal.
Segungo Arno e Maria Jos C. de Wehling, in Formao do Brasil Colnia (1994),
s vezes, as bandeiras tm sido excessivamente valorizadas na historiografia e na literatura
do sculo XX como forma de justificar a importncia ou mesmo a primazia de So Paulo na
federao brasileira. Nem por isso, entretanto, devem ser minimizadas. Uma avaliao
ponderada pode apontar, como suas principais conseqncias, o alargamento territorial do
pas, embora ao preo da escravizao em larga escala dos indgenas e da destruio de
misses jesuticas espanholas; a descoberta de metais preciosos em Minas Gerais, Gois e
Mato Grosso; o melhor conhecimento orogrfico e hidrogrfico do interior do pas; e a
constituio de um ncleo de poder autctone, em geral bem menos dependente das
autoridades e dos comerciantes metropolitanos do que o representado pelos senhores de
engenho.
Rio da Prata: a fronteira desejada
O rio Amazonas foi colonizado por portugueses, depois da fundao de Belm, na sua foz, em
1616. No rio da Prata, a histria oposta: descoberto por portugueses, foi ocupado por
espanhis.
O ouro de alguns pontos da costa, a caa aos ndios e o gado abundante das Vacarias Del
Uruguay comearam a atrair levas de paulistas ao litoral que ia de Canania, em So Paulo, ao
rio da Prata. Paranagu (1648), So Francisco (1650), a ilha de Santa Catarina (1675) e Laguna
(1676) so os pontos sucessivamente ocupados no litoral, sempre na direo do sul.
Por varias razes, o Governo portugus tinha decidido pouco antes de 1680 fundar um
estabelecimento na margem norte do grande rio: ocupar uma rea livre toda a margem
esquerda do Prata e concorrer com os lucros do prspero contrabando efetuado por
portugueses em Buenos Aires parecem ter sido os alvos imediatos. Aps a construo da
Colnia do Santssimo Sacramento, os espanhis tomaram o povoado nascente. A
permanncia castelhana durou at 1715, quando o Tratado de Ultrecht mandou restituir pela
segunda vez a Colnia soberania lusa. Os portugueses, em 1723, tentaram fortificar-se no
stio prximo, Montevidu. Falhando sua ocupao, estabeleceram-se mais ao norte, em outro
ponto intermedirio de importncia: o escoadouro da lagoa dos Patos, onde fundaram Rio
Grande de So Pedro, em 1737, origem do Estado do Rio Grande do Sul. O primeiro nome
dessa regio foi continente de So Pedro, certamente para distingui-lo da ilha de Santa
Catarina.
O prximo passo foi a assinatura do Tratado de Madri, em 1750, pelo qual Portugal, no sul,
trocou a Colnia de Sacramento pelos Sete Povos (oeste do Rio Grande do Sul) e legalizou a
posse das reas ocupadas, o Centro-Oeste e o Norte na atual diviso regional do pas. Todavia,
Portugal no entregou a Colnia, pois, com a guerra guarantica, no conseguiu pacificar os
Sete Povos. Em 1762 os espanhis tomam pela terceira vez a Colnia.
Rio Amazonas: a fronteira conquistada
O litoral norte da Amrica do Sul, no trecho hoje brasileiro e guianense, no foi ocupado no
sculo XVI: apresentando dificuldades para o estabelecimento humano, com costas quase
desrticas no Cear, de baixios nas proximidades do delta amaznico e de mangues nas
Guianas, no revelou, ademais, nada que estimulasse a conhecida ambio dos espanhis e
portugueses. Talvez por esse abandono a primeira navegao completa do Amazonas tenha
sido realizada a partir dos Andes e no a partir do delta marajoara, a entrada natural do
continente.
S em 1616 que os portugueses fundam, na foz do Amazonas, o Forte do Prespio, origem
da povoao de Nossa Senhora de Belm. Contudo no foram fceis as primeiras trs dcadas
de Belm, anos de lutas constantes com estrangeiros e ndios hostis; nas proximidades da
grande reentrncia amaznica havia estabelecimentos holandeses, ingleses e franceses,
expulsos somente por volta de 1645. Para assegurar melhor apoio da metrpole nova
conquista, havia sido criado, em 1622, o Estado do Maranho, com capital em So Lus,
diretamente subordinado a Lisboa.
Assegurados alguns pontos bsicos da bacia amaznica, percebeu a metrpole que teria
dificuldades em ocup-la sem ajuda da Igreja. Assim, a partir de 1657, quando jesutas
fundaram seu primeiro estabelecimento do rio Negro, foram os religiosos criando misses nas
margens de vrios rios da bacia (principalmente jesutas, mas tambm franciscanos,
carmelitas, capuchinos). A obra de catequese, fundamental para a ocupao portuguesa da
Amaznia, foi realizada nas misses que, integradas por nacionais e apoiadas pela Coroa,
agiam como representantes dos interesses de Portugal.
Entretanto, sem as drogas do serto no haveria base econmica para se estabelecer
permanentemente; prova disso que as misses que prosperaram foram as que tiveram
sucesso na explorao dessas especiarias americanas, valorizadas ainda mais no sculo XVIII,
quando j estavam perdidas as possesses portuguesas no Oriente.
Sobre o papel do Estado: a ocupao da Amaznia no foi apenas conseqncia da geografia,
que proporcionou aos portugueses, aps a fundao de Belm, o acesso magnfica avenida
de penetrao e s estradas fluviais dos afluentes do grande rio; nem foi somente obra dos
indivduos, cujos interesses, espirituais ou materiais, os levaram a entrar naquele imenso
serto florestal. A conquista da Amaznia teve sempre, em escalas variveis no tempo e no
espao mais ntida no norte, menos no sul a orientao e o apoio da Coroa portuguesa. Foi
empresa oficial.
Mones: a ocupao do Oeste
discutvel a incluso do tema mones no movimento bandeirante. Diferente das bandeiras,
as mones eram exclusivamente fluviais; seguiam roteiros fixos, passando por pontos
conhecidos, onde, com o tempo, se formavam arraiais; e tinham um nico objetivo, chegar s
minas de ouro dos rios Cuiab e Guapor. Como afirma Leando Arroyo, o rio e sua disciplina
natural estavam em contradio com a mobilidade do bandeirante, preador de ndios e
caador de ouro, mas se ajustavam rotina do povoador e do comerciante.
H, entretanto, pontos comuns entre as bandeiras e as mones, antes de tudo porque so
basicamente movimentos de expanso territorial: as primeiras levaram ao conhecimento da
terra em vrias regies do Brasil, as segundas garantiam o povoamento do centro do
continente. Srgio Buarque de Holanda v as mones como as continuadoras das bandeiras.
Foram realmente as mones que consolidaram a posse das terras entre o planalto de
Piratininga e os campos e florestas do oeste, regies h muito trilhadas por bandeirantes e que
correspondem a boa parte dos atuais Estados de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e
Rondnia.
A histria das mones, que durou mais de cem anos, comea com o descobrimento de ouro
em afluentes do rio Cuiab. Essa riqueza fcil a abundante explica o excepcional deslocamento
populacional para aquelas regies, to distantes dos ncleos urbanos do Brasil Colnia. No
comeo do sculo XIX j estavam agonizantes, em sintonia com a decadncia da produo
aurfera.
A descoberta de ouro em Gois, em 1725, preencheu o perigoso vazio populacional que havia
no Planalto Central, ao norte da rota das mones, e justificou a abertura de um caminho
terrestre para Gois, mais tarde prolongado at Cuiab; introduziu na regio o ciclo do muar,
que acabou por substituir o das mones.
Se no h dvida quanto participao governamental na ocupao do Norte e do Sul, a
conquista do oeste vista geralmente como conseqncia, primeiro, das exploraes
bandeirantes, depois, da fixao dos aventureiros, agora transformados em mineradores.
Todavia, tambm se pode encontrar marcos da ao do Estado, embora bem menos ntidos do
que no Sul e no Norte.
No tempo da conquista de Mato Grosso, o Brasil estava dividido em dois Estados, sendo o
Estado do Maranho, com capital em So Lus e, a partir de 1737, em Belm, ligado
diretamente a Lisboa. No havia comunicao, nem fsica nem administrativa, entre ambas as
unidades coloniais. As ligaes por mar eram extremamente difceis e por terra praticamente
no existiam. O centro da Amrica do Sul era o grande serto desconhecido. A partir de Belm,
havia menos iniciativas para atingir o Centro-Oeste porque toda a energia da conquista
concentrava-se, nos primeiros tempos, na foz do grande rio, e, mais tarde, na penetrao pela
calha principal. Com as minas de Mato Grosso, descobertas poucos anos depois, que se foi
fixando a populao brasileira na rea.
Ao terminar a Guerra Platina (1735-1737), o ponto de tenso entre Portugal e Espanha
deslocou-se do Sul para o Centro-Oeste. A partir de 1752, o governo passa a estimular as
comunicaes entre Vila Bela e Belm, revertendo a poltica anterior e oficializando, assim, as
mones do norte. As mones do norte duraram menos que as cuiabanas; comearam depois
e morreram juntas na segunda dcada do sculo XIX. Nessa poca, a ligao terrestre entre
Vila Bela, Cuiab e as cidades da costa leste sempre mais importantes do que Belm
passaram a ser absolutamente dominantes, o que provocou a dependncia econmica
definitiva do Centro-Oeste para com o Sudeste.
As negociaes dos limites terrestres
O Tratado de Madri e Alexandre de Gusmo
O sculo XVI, o primeiro da colonizao portuguesa na Amrica, basicamente dedicado
ocupao de pontos isolados no litoral leste, viu surgirem as entradas pioneiras. O sculo XVII
foi o perodo das grandes bandeiras paulistas, trilhando o Sul e o Centro-Oeste; foi tambm a
poca da fundao de Belm, das tropas de resgate e das primeiras misses de religiosos
portugueses no rio Amazonas e seus afluentes; em 1680, o governador do Rio de Janeiro funda
a Colnia do Sacramento, na tentativa de assegurar a fronteira natural do Prata. A primeira
metade da centria seguinte foi o tempo das minas gerais, dos centros mineradores de
Gois e Mato Grosso e das mones cuiabanas que ligavam Cuiab a So Paulo; da
consolidao da presena portuguesa em vrios rios da Amaznia e das mones do norte, a
navegao entre Vila Bela e Belm; e, tambm, das lutas pela posse da Colnia e das tentativas
de ocupao do territrio que hoje se divide entre o Estado do Rio Grande do Sul e o Uruguai.
1750 um marco divisrio para o Brasil. Atingido o auge, comea a diminuir a produo
aurfera; morre D. Joo VI (reinado mais longo da Histria de Portugal) e sobe ao trono D. Jos
I, inaugurando, com seu ministro Pombal, a poca do despotismo esclarecido; completa-se,
com a extino das bandeiras paulistas, um ciclo muito importante da ocupao do territrio
brasileiro; e assinam o Tratado de Madri as potncias coloniais.
J em 1761 era o tratado anulado pelo Tratado de El Pardo. Retomado quase integralmente,
exceo da fronteira sul, pelo Tratado de Santo Ildefonso, de 1777, foi de novo anulado em
1801, com mais uma das guerras peninsulares. Durou, portanto, muito pouco; apesar dessa
curta vigncia, na Histria do Brasil o texto fundamental para a fixao dos contornos do
nosso territrio. Foi ele que legalizou a posse do Rio Grande do Sul, do Mato Grosso e da
Amaznia, regies situadas a oeste da linha de Tordesilhas. Ao fixar os limites brasileiros
estava tambm estabelecendo as lindes terrestres bsicas de todos os dez vizinhos do Brasil.
Ao se olhar um mapa do Brasil com a linha reta de Tordesilhas, tem-se a impresso de que a
Espanha cedeu muito; a explicao corrente que houve uma compensao global: no
Oriente, foi a Espanha quem legalizou a posse de regies que seriam portuguesas pela diviso
de 1494, como as ilhas Filipinas e Molucas.
Alexandre de Gusmo foi secretrio particular de D. Joo VI. Como principal artfice do Tratado
de Madri, foi o primeiro a expressar claramente os princpios que norteiam o acordo,
princpios posteriormente chamados de utis possidetis e das fronteiras naturais.
A ocupao dessa base fsica legalizada pelo Tratado se deu da seguinte forma:
a) Amaznia: o imprio colonial espanhol na Amrica do Sul estava centralizado em Lima, sede
do Vice-Reinado do Peru; fundada por Francisco Pizarro, em 1530, Lima era o principal porto
de sada das riquezas minerais que os espanhis descobriram na sierra. A famosa mina de
Potos, descoberta no alto Peru (atual Bolvia) em 1545, com suas imensas reservas de prata,
contribuiu para que boa parte da populao europia se fixasse nas montanhas; por volta de
1650, com cerca de 160 mil habitantes, Potos era o maior centro populacional das Amricas.
Bem diferente sorte tiveram os portugueses, que durante dois sculos percorreram em vo os
sertes para achar um outro Peru no Brasil. Por que iriam, ento, os espanhis descer a
montanha para aventurar-se na selva amaznica, se tinham mo as maiores riquezas do
universo?
Certamente mais importante para explicar por que foram os portugueses e no os espanhis
que ocuparam a Amaznia so as razes da geografia fluvial. Desde o comeo da colonizao
os portugueses haviam-se apossado das melhores portas de entrada da plancie. Pelo sul,
existiam as trilhas dos bandeirantes e, no sculo XVIII, a rota das mones; pelo norte,
ocupada a foz do Amazonas, estava assegurado o acesso o restante do rio. Com os espanhis
ocorria o oposto: era extremamente difcil deslocar-se para a Amaznia a partir da costa do
Pacfico e dos centros urbanos das regies andinas.
b) Centro-Oeste: aqui foi diferente: houve alguma resistncia ocupao portuguesa. Os
espanhis estavam mais perto, no Paraguai, e especialmente nas misses jesuticas. Em 1614
ocorreram os primeiros choques entre frentes bandeirantes e misses situadas ao sul da
regio. Assuno, fundada em 1537, foi um poderoso ncleo de expanso no incio do
processo colonizador. O grande Paraguai murchou junto com o esvaziamento da colonizao
espanhola nessa regio, ao passo que Buenos Aires despontava. E por que os espanhis, ao
conhecerem a penetrao da zona de Cuiab, no reforaram militarmente a rea? No se
pode ignorar que, nos anos imediatamente anteriores assinatura do Tratado de Madri, a
Espanha era um pas enfraquecido por crises e guerras e convencido de que na Amrica do Sul
no estava em condies de povoar o centro do continente, nem de impedir que os
portugueses o fizessem. Ademias, era nova regio no era muito importante para os
espanhis.
c) Sul: era uma rea bem menor mas que, para os dirigentes da poca, era muito mais
importante: a Colnia do Santssimo Sacramento. Em torno do Prata que se deram os conflitos
coloniais mais importantes; e, depois, no Imprio, as nicas guerras que envolveram o Brasil,
as do Uruguai (1820-1821, 1826-1827 e 1864), da Argentina (1850-1852) e a do Paraguai
(1864-1870). Era antigo o objetivo portugus de fazer os limites do Brasil chegarem ao Prata.
Nunca conseguiram, entretanto, ocupar os territrios que uniriam Sacramento ao resto do
Brasil.
Dentre as iniciativas para fazer do rio da Prata a divisa meridional do pas, a primeira foi uma
falsificao geogrfica to convincente que chegou a se difundir por outros pases europeus. A
outra foi a poltica de ocupao do atual Sul do Brasil. Antes da fundao da Colnia de
Sacramento, foi muito relevante o estabelecimento do ncleo irradiador de Laguna (1676);
depois houve a fundao, em 1737, da colnia militar de Jesus, Maria e Jos (Rio Grande), no
nico local possvel o canal de desge da lagoa dos Patos da costa sem portos. Mas o fato
mais notvel foi a grande imigrao organizada pela Coroa, na dcada de 1740, que previa o
transporte de 4.000 casais aorianos para Santa Catarina e o Rio Grande. Aqui desenvolveu-se
ento o chamado Porto dos Casais.
- Negociaes do Tratado: o que Portugal buscava era negociar tratado equilibrado, que,
custa de ceder no Prata, se necessrio, conservasse a Amaznia e o Centro-Oeste e criasse, no
Sul, uma fronteira estratgica que vedasse qualquer tentativa espanhola nessa regio, onde a
balana de poder pendia para Buenos Aires. J para a Espanha, o objetivo primeiro era parar
de vez a expanso portuguesa, que comia gradativamente pedaos de seu imprio na Amrica
do Sul; depois, reservar a exclusividade do esturio platense, evitando o contrabando da prata
dos Andes, que passava por Colnia; por fim, aproveitar que a paz proporcionada pelo acordo
impedisse que a rivalidade peninsular na Amrica fosse aproveitada por naes inimigas de
Madri (numerosas na Europa) para a se estabelecerem.
As propostas portuguesas, elaboradas por Alexandre de Gusmo, articulavam-se em torno das
seguintes linhas:
a) era necessrio celebrar um tratado geral de limites, e no fazer ajustes sucessivos sobre
trechos especficos;
b) tal tratado s poderia ser feito abandonando-se o meridiano de Tordesilhas (desrespeitado
por ambos);
c) as colunas estruturais do acordo seriam os princpios do utis possidetis e das fronteiras
naturais;
d) a Colnia do Sacramento e o territrio adjacente eram portugueses, se no pelo Tratado de
Tordesilhas, certamente pelo segundo Tratado de Utrecht, de 1715;
e) poder-se-ia admitir que uma parte troque com a outra partes mas proveitosas para um ou
para outro.
Com o decorrer das negociaes, foi-se singularizando o territrio das redues jesuticas dos
Sete Povos como a moeda de troca da Colnia do Sacramento. Alexandre de Gusmo
apresenta o Mapa das Cortes, que apresenta a linha de Tordesilhas deslocada para oeste...
Houve vrios atritos entre demarcadores portugueses e espanhis na Amania, mas foi no Sul
que as demarcaes chegaram ao impasse mais grave, com a resistncia dos jesutas e dos
indgenas dos Sete Povos ao xodo a que estavam condenados pelo Tratado. O episdio ficou
conhecido como Guerra Guarantica (1755-1756).
Assim, o Tratado se assentava sobre novas proposies: Portugal ocupou as terras na Amrica,
mas a Espanha se beneficiou no Oriente; as fronteiras no mais seriam abstratas linhas
geodsicas, como a de Tordesilhas, mas sim, sempre que possvel, acidentes geogrficos
facilmente identificveis; a origem do direito de propriedade seria a ocupao efetiva do
territrio; e, em casos excepcionais, poderia haver troca de territrio.
A deteriorao das relaes entre as Coroas, provocada, na Espanha, pela ascenso em 1760
de Carlos III, um opositor do acordo, e, em Portugal, pela consolidao do poder de outro, o
Marqus de Pombal, foi seguramente causa importante da rpida morte do acordo. Pombal
era contra o Tratado porque no concordava com a cesso da Colnia do Sacramento.
Em 1761 os dois pases assinaram o Tratado de El Pardo, pelo qual o de Madri ficava
cancelado. Voltava-se assim, pelo menos em teoria, s incertezas da diviso de Tordesilhas. Na
prtica, nenhuma nao pretendia renunciar a suas conquistas territoriais. O Tratado de El
Pardo apenas criava uma pausa at o momento propcio para um novo ajuste de limites. Esse
momento surgiu em 1777, ano em que D. Maria I sobe ao trono de Portugal, com uma poltica
de reao ao pombalismo. O Tratado de San Ildefonso reza que Portugal conservava para o
Brasil as fronteiras oeste e norte, mas cedia a Colnia do Sacramento sem receber a
compensao dos Sete Povos das Misses. Se foi um recuo em relao ao Tratado de Madri,
ainda assim, confirmava a incluso no territrio nacional de praticamente toda a rea dos
famosos dois teros do Brasil extra-Tordesilhas.
Em 1801 a situao agravou-se com nova guerra entre as naes peninsulares. Na Amrica,
Portugal retoma, agora para sempre, o territrio dos Sete Povos, empurrando a fronteira at o
rio Quara.
Ao fim do perodo colonial, o mapa brasileiro estava quase definido. interessante notar que
isso no ocorreu no restante da Amrica do Sul, nem na Amrica do Norte, onde as grandes
alteraes de fronteiras deram-se depois da Independncia. Ao fim, era a posso, base do
Tratado de Madri, que continuava a definir o territrio.
As fronteiras do Imprio
Uma vez que no pudemos fazer do rio da Prata nossa fronteira natural, havia necessidade
de defender as fronteiras sulinas e impedir que a Argentina readquirisse, custa da
independncia do Uruguai e do Paraguai, as dimenses do antigo Vice-Reinado do Rio da
Prata. Todas as guerras de nosso passado imperial tiveram por cenrio a regio e se
centravam, do ponto de vista brasileiro, no Rio Grande do Sul, a provncia que tinha mais
contatos com os pases vizinhos e, por essa razo, aquartelava a maior parte das tropas
terrestres do pas.
Na Amaznia o novo Imprio teve tambm dificuldades para estabelecer suas fronteiras com
os sete vizinhos regionais. As comunicaes entre Belm e Rio de Janeiro, poca da
Independncia, continuavam to difceis quanto em 1621, quando se criou, exatamente por
essa razo, o Estado do Maranho.
A forma monrquica de governo que o Brasil assumiu tem sido em geral apontada como uma
das causas da unidade brasileira. No que concerne Amaznia, talvez as comunicaes fluviais
tambm tenham contribudo para essa unidade. A Independncia, s conhecida na Amaznia
mais de um ano aps sua proclamao, no foi a recebida com festas; ao contrrio, houve
resistncias e revoltas durantes as trs primeiras dcadas do Imprio (a Cabanagem 1835-
1840 teria deixado quarenta mil mortos numa populao que no passaria de cem mil). H
um relativo abandono da Amaznia no sculo XIX, pela importncia que nesse perodo
assumiram as chamadas questes platinas.
Por volta de 1850 ocorreram dois fatos que mudaram fundamentalmente a vida econmica da
regio amaznica: a navegao a vapor, que tornou muito mais acessveis os pontos mais
distantes da grande bacia fluvial, e a crescente produo de borracha, que atraiu contingentes
expressivos de nordestinos, que se deslocavam para zonas at ento inabitadas.
Quanto questo do uti possidetis, a doutrina da no-validade de Santo Ildefonso e do
conseqente recurso ao uti possidetis para resolver problemas de fronteira foi pouco a pouco
firmando-se na diplomacia imperial. Havia incertezas quanto s regras a serem utilizadas para
negociar tratados de fronteiras. A Duarte da Ponte Ribeiro cabe a primazia de ter aconselhado,
no Imprio, o uso do uti possidetis para resolver nossos problemas de limites. Esse princpio s
passou a ser norma geral da diplomacia imperial a partir de 1849. Hildebrando Accioly define
clara e simplesmente o uti possidetis: a posse mansa e pacfica, independente de qualquer
outro ttulo. Ficou tambm claro, a partir da metade do sculo XIX, que o Tratado de Santo
Ildefonso teria apenas valor indicativo, quando no houvesse a ocupao do terreno
disputado. A utilizao desse princpio foi, sem dvida, uma vantagem para o Brasil, nao
mais ativa na ocupao do territrio do que seus vizinhos amaznicos. Na verdade, o princpio
adapta-se como uma luva aos interesses da nao mais expansionista; a resposta diplomtica
dinmica a uma poltica territorial tambm dinmica. No est, pois, o uti possidetis entre os
princpios mais universalmente aceitos do Direito Internacional. Vinculado ao ato da ocupao,
s admissvel no perodo de formao das fronteiras, no mais o sendo quando o territrio
nacional j est definido por um tratado.
importante lembrar que na Amrica do Sul o Brasil o nico pas que no tem problema de
fronteira com nenhum pas limtrofe e que todos os outros os tm entre si.
Duarte da Ponte Ribeiro foi um dos grandes diplomatas do Imprio, estudioso das questes de
limites, hbil negociador e talvez o diplomata que mais tenha contribudo para a formulao e
execuo da bem sucedida poltica de fronteiras do Imprio.
O tratado de 1851 com o Peru
As fronteiras do Brasil com o Peru so as mais distantes da costa atlntica. Os Tratados de
Madri e Santo Ildefonso, fiis ao princpio dos limites naturais, estabeleciam nesse trecho uma
fronteira totalmente fluvial (os rios Javari, Solimes e Japur). Havia, pois, um tringulo de
terras hoje brasileiras, de dimenso equivalente a um tero do Acre, que pertencia ao Vice-
Reinado do Peru.
Nos cem anos que se passaram entre o Tratado de Madri e a assinatura, em 1851, do tratado
de limites com o Peru, luso-brasileiros pouco a pouco foram ocupando pontos na margem
norte do Solimes, inclusive no trecho que seria espanhol pelos tratados coloniais. Em 1766
funda-se, bem em frente boca do Javari, o forte de So Francisco Xavier de Itabatinga, que se
tornou a ncora que fixou a soberania lusa naquela parte da Amaznia.
Para limitar esses confins e pr ordem nesse caos, foi assinado o tratado de 1851, o primeiro
assinado e ratificado pelo Imprio e um pas amaznico. Esse tratado, cujo ttulo oficial
Conveno Especial de Comrcio, Navegao Fluvial, Extradio e Limites tem caractersticas
notveis: a) estabeleceu o padro pelo qual todos os outros tratados de limites com as naes
amaznicas seriam negociados, introduzindo a praxe de trocar facilidades de navegao pelo
rio Amazonas, porta de sada de toda a bacia, por vantagens territoriais; b) adotou pela
primeira vez, entre as naes sul-americanas independentes, o princpio do uti possidetis, na
verso brasileira, para o estabelecimento dos limites bilaterais; c) estabeleceu a prtica salutar
de se negociar apenas com uma repblica de cada vez; d) incorporou ao Brasil uma rea de
aproximadamente 76.500 km.
No Peru e seus vizinhos hispnicos o tratado foi mal recebido, suscitando veementes ataques
ao que parecia uma cesso de terras ao Brasil. Porm h que se ter em conta que o que
interessava ao Peru era a livre navegao no Amazonas.
O tratado de 1859 com a Venezuela; negociaes com a Colmbia
prtico, no Imprio, tratar conjuntamente do estabelecimento dos limites do Brasil com a
Colmbia e com a Venezuela, primeiro porque o tema comeou a ser veiculado quando ambas
as unidades integravam a Gr-Colmbia; segundo porque, ao se separarem, ficaram
indefinidos os limites entre as duas naes na Amaznia. Os Tratados de Madri e Santo
Ildefonso eram particularmente vagos na regio ao norte do rio Amazonas, s muito mais
tarde perfeitamente conhecida. Basta lembrar que o Pico da Neblina, ponto culminante do
Brasil, s foi descoberto em 1964.
Logo depois da Independncia, a Gr-Colmbia e o Imprio do Brasil tentaram, sem sucesso,
negociar um tratado de limites; no havia, contudo, uma idia comum das bases para uma
negociao. Firmou-se um acordo, baseado no uti possidetis, com a Venezuela, em 1852, e
com a Colmbia, em 1853. Em 1859 o Brasil celebrou com a Venezuela um Tratado de Limites
e Navegao Fluvial que, sem mencionar especificamente o princpio do uti possidetis, definia
a mesma divisria do tratado de 1852, reconhecendo as posses portuguesas no alto rio Negro.
O governo colombiano logo protestou, alegando que o tratado dividia terras colombianas. Era
j a rotina de protestos de naes vizinhas, aps a celebrao de tratado de linhas fronteiras
entre uma repblica amaznica e o Brasil. Este seguia a regra geral de negociar com o vizinho
que tinha a posse efetiva da regio.
O tratado de 1867 com a Bolvia
As relaes do Imprio com a Bolvia, no incio de suas vidas independentes, viram-se
prejudicadas pelo ressentimento boliviano derivado da incorporao a Mato Grosso da
Provncia de Chiquitos mesmo desautorizado pelo Governo do Rio de Janeiro, o ato teve
conseqncias no relacionamento global do Imprio com as repblicas hispnicas. Tambm
dificultavam as relaes diplomticas a instabilidade poltica do pas andino, centro da riqueza
espanhola durante maior parte da Colnia, agora independente mas empobrecido.
A Bolvia insistia para que o Tratado de Santo Ildefonso fosse tomado como base do acordo.
Em 1867 foi assinado o Tratado de Amizade, Limites, Navegao, Comrcio e Extradio. O
trecho note da fronteira foi o mais importante do ponto de vista diplomtico, dado que anos
depois estaria no mago da Questo do Acre. Em 1867, em plena Guerra do Paraguai, o
Brasil precisava ter mais simpatia na Amrica Latina, tendo por isso pressa em resolver suas
incertezas fronteirias com a Bolvia, pas com o qual tem a mais longa divisa comum, razo
pela qual no podia esperar outro momento para negociar um acordo mais favorvel. Mato
Grosso incorporava, pelo tratado de 1867, uma faixa de terra a oeste da linha definida nos
tratados coloniais.
Formao das fronteiras do Sul: at 1776, ano da criao do Vice-Reinado do Rio da Prata, toda
essa grande aera era subordinada ao Vice-Reinado do Peru, cuja capital, Lima, era a maior
cidade do continente ao final do sculo XVIII. A distncia e as dificuldades de comunicao
entre Lima e Buenos Aires davam, entretanto, grande autonomia a esta no trato dos
problemas regionais. No sculo XVIII Assuno j estava em decadncia e Buenos Aires
firmara-se como o ncleo da regio platina. Ao final do sculo, assume tambm papel
preponderante entre as cidades do norte argentino. Sem dvida os conflitos regionais com o
Brasil foram motivo importante para a criao do Vice-Reinado. Na Argentina, como nas outras
colnias espanholas da Amrica, a interveno de Napoleo na Pennsula Ibrica precipitou o
movimento de independncia. Em 1810 Buenos Aires declara-se cabildo aberto e pretende
governar todo o Vice-Reinado em nome do monarca espanhol. Durante os longos anos de
batalhas (1810 a 1824) Buenos Aires tentou manter a integridade do territrio; porm,
Uruguai e Paraguai j tinham, a essa altura, as razes de uma nacionalidade prpria.
No Paraguai, Francia e sua ditadura decidiram isolar o pas. No Uruguai, a populao rural era
muito parecida com a do Rio Grande do Sul. A regio toda era chamada de vacarias do
Uruguai, uma terra de ningum. Incorporada ao territrio brasileiro, em 1821 passa a chamar-
se Provncia Cisplatina, o que vai gerar guerra entre Brasil e Argentina. Em 1828, com
interveno britnica, Brasil e Argentina do por encerrado o conflito e reconhecem a
independncia do Uruguai. O que se seguiu no novo pas foram dcadas de grande
instabilidade poltica. Dois partidos dividiam a cena: os blancos, em geral simpticos
Argentina, e os colorados, mais propensos ao Brasil.
A situao uruguaia em 1864 era de virtual guerra civil. Este estado de agitao refletia na vida
do Rio Grande, principalmente na regio fronteiria, onde havia muitos brasileiros
proprietrios de estncias no Uruguai. A presso gacha por interveno no Uruguai
contrariava a linha central da poltica do Rio de Janeiro. Quanto Argentina, as relaes e
tenses uruguaias eram ainda mais fortes. O Brasil, depois de 1828, no tinha mais nenhuma
inteno anexadora; a Argentina, sim.
Em 1864, o General Netto, veterano de guerras sulistas, foi enviado corte com queixas dos
estancieiros do Rio Grande do Sul. O Brasil ento exigiu compensao econmica pelos
prejuzos sofridos pelos gachos com a situao uruguaia. (Em 1864 assume Jos Maria da
Silva Paranhos).
Quanto ao Paraguai, o pas era ainda uma das naes mais fechadas do continente. As relaes
com o Brasil eram boas, apesar de o Paraguai ter uma reivindicao de fronteira, no Mato
Grosso. Com a Argentina, tinham divergncias fronteirias de maior vulto. Em 11 de novembro
de 1864, foi apreendido, aps zarpar de Assuno, um vapor mercante brasileiro que
transportava o novo governador do Mato Grosso. [O Paraguai tinha um exrcito disciplinado e
bem treinado de 64.000 homens, e a fora terrestre brasileira no passava de 18.000 homens;
a da Argentina, por volta de 8.000, e do Uruguai, 1.000]
Lpez dividiu suas foras: pelo norte invadiu Mato Grosso; pelo sul pretendia chegar a
Montevidu, ento sitiada pelos brasileiros. Cometeu ento um erro grave: apesar da derrota
dos blancos no Uruguai, achou que podia reverter a situao marchando para Montevidu (em
fevereiro de 1865, Flores o vencedor colorado da guerra civil uruguaia, com apoio de Brasil
e Argentina; o Paraguai perde o aliado blanco) ; pediu autorizao para atravessar Corrientes
e, como no a obteve, invadiu a provncia na suposio de que Urquiza o apoiaria. No pode
evitar a declarao de guerra da Argentina. Poucas semanas depois estava assinado o Tratado
da Trplice Aliana. Em 11 de junho, na batalha naval de Riachuelo, a marinha paraguaia
praticamente destruda. Em 5 de agosto, tropas paraguaias tomam Uruguaiana. A partir de
1866, quando tropas aliadas cruzam a fronteira, a guerra levada ao territrio paraguaio.
Lpez perseguido e morto.
A Guerra do Paraguai um fato marcante na evoluo poltica do Imprio: provoca o
crescimento do exrcito brasileiro e o incio de sua atuao como fora poltica interna (com
implicaes decisivas para o fim do Imprio); o problema da escravido ficou mais evidente
com a contradio das tropas brasileiras, compostas em boa medida por gente negra,
defendendo um sistema que as oprimia.
Terminada a guerra, acentuam-se as divergncias entre Brasil e Argentina. Contrariando
disposies do Tratado da Trplice Aliana, o Brasil faz uma paz em separado, em 1872, fixando
definitivamente sua fronteira com o Paraguai. Foi a ltima fronteira estabelecida no Imprio.
O Baro: em 1902 foi convidado por Rodrigues Alves para ser Ministro das Relaes Exteriores,
e completou sua grande obra com o fechamento definitivo, atravs de acordos solenes e
indiscutveis, das fronteiras do Brasil. A chamada questo do Acre, com a Bolvia, que estava
em fase explosiva quando assumiu o Ministrio, foi se teste de estadista. Atuou, ento, em
mltiplos planos: mudou a interpretao brasileira do Tratado de 1967; criou fatos novos ao
denunciar o arrendamento da regio a um sindicato anglo-americano; e conseguiu, finalmente,
com grande habilidade negociadora, chegar a acordo satisfatrio em uma crise que parecia a
muitos sem sada pacfica. Saliente-se uma vez mais que o Brasil, hoje, no tem problemas de
fronteiras com nenhum de seus dez vizinhos. Rio Branco faleceu em 1912 em seu gabinete no
Palcio do Itamaraty. Como ministro, fechou, atravs de acordos bilaterais com nossos
vizinhos, a linha das fronteiras brasileiras, fato inigualvel; deu relevo aliana com os Estados
Unidos da Amrica, deslocando da Europa para nosso continente o eixo da poltica exterior
brasileira; e props o estreitamento das relaes com os pases do sul do continente, a
Argentina e o Chile.
A questo de Palmas
A fronteira entre o Brasil e a Argentina totalmente fluvial, exceo de um pequeno trecho
terrestre de cerca de 24 km que liga pelas cumeeiras as nascentes de dois afluentes, do Rio
Uruguai e do Iguau. Essas divisas, como quase todas as outras do Brasil, vm dos tempos
coloniais, definidas que foram pelo Tratado de Madri. O Tratado de Santo Ildefonso mudou as
fronteiras no sul do Brasil. Colocando a regio dos Sete Povos sob a soberania espanhola, fez
do Uruguai um rio exclusivamente espanhol at a foz do Peperi.
Terminada a Guerra do Paraguai, em 1870, houve vrias tentativas de se resolver a questo,
que se agravou em 1888 quando a Argentina levou ainda mais para leste (e, portanto, mais
para dentro do territrio brasileiro) suas reivindicaes. Os governos do Brasil e da Argentina
assinaram em 7 de setembro de 1889 um tratado que submetia a questo deciso arbitral do
Presidente dos Estados Unidos. O territrio contestado acabou dividido em duas partes iguais,
e o acordo no foi bem recebido no Brasil. O Congresso refutou o acordo, em 1891.
O que a Argentina reivindicava era uma poro do nosso territrio que, se obtida, deixaria o
Rio Grande do Sul unido ao resto do Brasil por uma estreita faixa de terra de pouco mais de
200 km. E o Rio Grande do Sul era o Estado que justamente merecia mais cuidados: no comeo
do Imprio houve a Revoluo Farroupilha e agora, no comeo da Repblica, estava ocorrendo
a guerra entre federalistas e republicanos (1893-1895). O envolvimento de tropas gachas em
problemas das naes platinas e vice-versa, a similitude das formaes sociais entre os
gachos do Uruguai, da Argentina e do Rio Grande do Sul e a prpria especificidade do Estado,
to defendida pelos republicanos comtistas de Jlio de Castilhos e consagrada na
constituio de 1891, deixavam no ar um perigoso cheiro de separatismo. O territrio
contestado tinha pouco mais de 30.000 km e se dividia entre Santa Catarina e o Paran.
Chama-se questo de Palmas porque na poca pertencia comarca do mesmo nome.
No fundo, a questo que se submetia ao Presidente dos Estados Unidos era saber se a
fronteira era pelos dois rios que o Brasil indicava, o Peperi e o Santo Antnio, ou se era pelos
que a Argentina indicava, com esses mesmos nomes, isto , os nossos Chapec e Jangada. A
sentena arbitral do Presidente Grover Cleveland foi favorvel ao Brasil, em 1895.
A questo do Amap
Fundada Belm em 1616, os portugueses lograram expulsar os estrangeiros que tentavam
fixar-se em pontos estratgicos da imensa e complexa foz do Amazonas. Para consolidar sua
posio na margem esquerda do baixo Amazonas, criaram, em 1637, a Capitania do Cabo
Norte, cuja rea corresponderia do atual Estado do Amap, dilatado para o interior do
continente. No litoral, a capitania estendia-se da foz do Amazonas at o rio Oiapoque. Nessa
poca, os franceses j se haviam estabelecido na vizinha Guiana e tinham pretenses sobre a
rea do Cabo Norte. As disputas se prolongam ao longo dos anos; finalmente, em 1897, firma-
se um compromisso arbitral, atribuindo-se ao Presidente do Conselho Federal Suo a deciso
do conflito. Pela segunda vez soava a hora de Rio Branco, novamente designado para
advogado brasileiro. Considerava ele a questo mais difcil de ser vencida, por tratar-se de
conflito com uma das potncias mundiais da poca. No fundo, como em Palmas, a questo
bsica era identificar corretamente um curso dgua. Em dezembro de 1900 foi dada a
sentena, inteiramente favorvel ao Brasil, garantindo o limite do rio Oiapoque.
A questo de Pirara
Ao contrrio de nossas outras questes de limites levadas ao arbitramento, os problemas com
a Guiana Britnica no se iniciaram na Colnia, mas sim no sculo XIX, no incio do Segundo
Reinado, pela ao de um nico homem, um gegrafo alemo naturalizado ingls que, em
1835, fez uma viagem de explorao pelo interior da Guiana Inglesa. Em sua segunda viagem,
agora a servio do governo ingls, encontra desarmado o posto militar brasileiro no Pirara, e
reduzida guarnio no Forte So Joaquim. Era a poca da Cabanagem e o Par passava por um
perodo de imensas dificuldade. Resolveu ento o gegrafo formar um movimento apoiando a
apropriao da rea pelo seu governo. Em 1842, ambos os governos resolvem neutralizar a
zona em litgio, mas o fazem de uma forma prejudicial ao Brasil. Em 1898, a Inglaterra prope
uma fronteira natural, que deixava cada pas com praticamente metade da rea contestada;
no foi aceita pelo governo brasileiro.
Para sair do impasse, a Gr-Bretanha e o Brasil decidiram pelo arbitramento, entregando a
questo ao Rei da Itlia, Vitorio Emanuelle III. Joaquim Nabuco, em 1899, foi designado como
advogado brasileiro. A doutrina em que se baseava a defesa centrava-se em dois princpios: o
do inchoate title (ttulo incompleto), que d ao possessor temporrio ou intermitente direito
contra terceiros; e o do watershed (separao das vertentes), que d ao ocupante de um rio
certos direitos sobre seus afluentes. Contudo, a deciso de 1904 decepciona os brasileiros. O
territrio dividido em duas reas, ficando a Gr-Bretanha com 60% e o Brasil com 40% do
especo em litgio. Por essa sentena, a Inglaterra ganhou mais do que havia proposto
anteriormente em negociaes diretas; a regio do Pirara, origem do conflito, passou tambm
soberania inglesa.
O Acre
A produo da borracha atraiu Amaznia, entre 1860 e 1900, cerca de quinhentos mil
nordestinos, expelidos de sua terra pelas secas. Pela calha do grande rio, eles foram subindo
os afluentes da margem direita e, no final do sculo, j estavam no alto Purus e alto Juru,
regies onde eram mais abundantes as seringueiras. Conforme avanavam, entravam, sem
saber, em territrio boliviano. A terra mal era conhecida e, onde o seringueiro fincou o p, o
territrio ficou brasileiro, como ocorrera com os bandeirantes. O governo brasileiro, todavia,
ao tomar conhecimento do fato, continuou a reconhecer que eram bolivianas as terras
ocupadas pelos seringueiros. Em abril de 1899, agindo por iniciativa prpria, os acreanos
ocuparam pela fora o recm-fundado posto alfandegrio boliviano. O governo da Bolvia
determina que uma expedio militar restabelea a autoridade sobre a regio, ao que no se
ope o governo brasileiro. Contudo, em junho de 1901 noticiado que a Bolvia havia
arrendado a rea a uma companhia anglo-americana, com poderes quase soberanos sobre a
rea, o que colocaria em perigo a prpria soberania brasileira na Amaznia. O Brasil protesta e
os acreanos proclamam o Estado Independente do Acre. Quando a situao comea a assumir
ares de confronto armado, o Brasil intervm e determina que tropas regulares do exrcito e da
marinha ocupem o Acre, a fim de garantir a segurana dos brasileiros que l se encontravam.
As tratativas ocorreram em Petrpolis, contando ainda com Rui Barbosa e Assis Brasil. Em
novembro de 1903 assinado o Tratado de Petrpolis, pelo qual o governo boliviano cedia ao
Brasil um territrio de quase 200.000 km; o Brasil dava em troca uma rea de pouco mais de
trs mil quilmetros quadrados habitada por bolivianos, indenizao de dois milhes de libras
esterlinas e a construo de uma estrada de ferro entre Porto Velho e Guajar-Mirim
(Madeira-Mamor).
O Tratado de Petrpolis considerado o mais importante de toda a obra de Rio Branco.
O tratado de 1904 com o Equador e o de 1907 com a Colmbia
Em maio de 1904, o Baro do Rio Branco negocia com o plenipotencirio equatoriano um
acordo que reconhece, como limite de ambos os pases, a mesma linha do tratado de 1851
com o Peru.
Em 1907, conclui tratado de limites com a Colmbia, ltimo pas amaznico a aceitar um
acordo baseado no uti possidetis. Esse acordo fixa uma linha de limites atravs de territrios
disputados por quatro naes diferentes: Venezuela, Colmbia, Equador e Peru.
O tratado de 1909 com o Peru
Na Repblica nosso maior problema de limites na Amaznia, pela extenso do territrio
envolvido, foi com o Peru, no com a Bolvia. O Peru reivindicava, no comeo do sculo XX, um
territrio imenso de 442.000 km, que inclua o Acre e tambm uma grande rea contgua, o
sul do Estado do Amazonas. Ao final, 39.000 km passavam soberania peruana, e o Acre
diminua seu territrio de 191.000 km para 152.000 km. Finalmente se enterrava Santo
Ildefonso, e o Brasil se tornava o primeiro pas sul-americano a ter seus limites reconhecidos
por solenes e incontroversos tratados bilaterais.
Nota
A Regncia (1831-1839) foi, sem dvida, o perodo em que a unidade territorial esteve mais
em risco, pelas vrias revoltas regionais ocorridas, geralmente inspiradas por idias
descentralizadoras ou at separatistas.
Por que, apesar de tudo, manteve-se a unidade? A homogeneidade cultural das elites polticas
do Imprio teve um papel importante; seus interesses econmicos, fundados na agricultura
escravista, tambm se constituram um slido trao de unio. Outro fator favorvel foram as
tradies unitrias de Portugal, bem centradas, no Brasil independente, na figura de nossos
dois imperadores , herdeiros dos reis lusitanos. Lembre-se tambm que, de 1808 a 1821, o Rio
de Janeiro era a sede da monarquia portuguesa: a Independncia, em 1822, com uma
monarquia agora brasileira, encontrou, portanto, uma estrutura governamental centralizada e
em funcionamento, ao contrrio do que ocorreu na Amrica Hispnica, onde no havia ntidos
ncleos centrpetos que neutralizassem as foras secessionistas.
O pas, com 15.719 km de fronteiras, o nico que no tem problema de limites com nenhum
de seus vizinhos.
........................................
GOES FILHO, Synesio Sampaio. Navegantes, bandeirantes, diplomatas: um ensaio sobre a
formao das fronteiras do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exrcito Ed.; So Paulo: Martins
Fontes, 2000.