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Fernando Brenha Ribeiro Eder Cassola Molina LICENCIATURA EM CIÊNCIAS · USP/ UNIVESP 10.1 Introdução 10.2 Como é possível? 10.2.1 Transferência de calor: condução 10.2.2 Transferência de calor: transporte 10.2.3 Transferência de calor: radiação 10.3 O calor perdido pela superfície da Terra 10.3.1 O fluxo de calor nos oceanos 10.3.2 O fluxo de calor nos continentes 10.4 Fontes de energia no interior da Terra 10.4.1 O núcleo atômico e a radioatividade 10.4.2 Os processos de decaimento e a geração de calor 10.4.3 Produção de calor na crosta continental e na crosta oceânica 10.5 Sólidos e fluidos 10.5.1 Comportamento reológico dos sólidos 10.5.2 Fluido viscoso e viscosidade dinâmica 10.5.3 A viscosidade do manto 10.5.4 Convecção no manto 10.5.5 Afinal, como é possível? 10.5.6 A definição de placa litosférica Referências Geofísica 10 AS FORÇAS QUE IMPULSIONAM AS PLACAS LITOSFÉRICAS

10.2.1 Transferência de calor: condução - iag.usp.breder/EAD/apostilas/plc0010_10.pdf · 10.2.3 Transferência de ... a indagação sobre os mecanismos que induzem os movimentos

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Fernando Brenha RibeiroEder Cassola Molina

Licenciatura em ciências · USP/ Univesp

10.1 Introdução10.2 Como é possível?

10.2.1 Transferência de calor: condução10.2.2 Transferência de calor: transporte10.2.3 Transferência de calor: radiação

10.3 O calor perdido pela superfície da Terra10.3.1 O fluxo de calor nos oceanos10.3.2 O fluxo de calor nos continentes

10.4 Fontes de energia no interior da Terra10.4.1 O núcleo atômico e a radioatividade 10.4.2 Os processos de decaimento e a geração de calor10.4.3 Produção de calor na crosta continental e na crosta oceânica

10.5 Sólidos e fluidos10.5.1 Comportamento reológico dos sólidos 10.5.2 Fluido viscoso e viscosidade dinâmica10.5.3 A viscosidade do manto10.5.4 Convecção no manto10.5.5 Afinal, como é possível?10.5.6 A definição de placa litosférica

Referências

Geof

ísic

a10AS FOrçAS que ImPulSIOnAm AS PlACAS lITOSFérICAS

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203Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2

Geofísica

10.1 IntroduçãoA teoria da tectônica de placas apresenta uma descrição exclusivamente cinemática da

movimentação das placas litosféricas. A teoria define o conceito de placa litosférica, descreve o

movimento das placas ao longo do tempo e descreve a interação entre as placas em movimento

através das suas bordas. O sucesso da teoria deriva principalmente do fato de ela explicar, de

forma unificada e coerente, um conjunto de observações geológicas, geofísicas, paleontológicas

e paleoclimáticas. A teoria, no entanto, não cogita sobre as forças que induzem o movimento

das placas, limitando-se a introduzir o conceito de espalhamento do assoalho oceânico.

Apesar de a teoria da tectônica de placas ter sido desenvolvida sem identificar a causa do

movimento, contornando de certa forma uma das objeções apresentadas pelos seus opositores,

a indagação sobre os mecanismos que induzem os movimentos descritos pela teoria não é, de

forma alguma, irrelevante.

10.2 Como é possível?Para responder a essa pergunta, existem dois aspectos da física envolvida que devem ser consi-

derados. O primeiro é: qual é a fonte de energia que alimenta o movimento das placas e permite a

sua deformação? A ocorrência de terremotos, a deformação das rochas da crosta durante a formação

de cadeias montanhosas, o estiramento da litosfera para a formação de bacias sedimentares e rifts

continentais e o vulcanismo são processos que requerem o fornecimento contínuo de energia.

O interior da Terra tem uma temperatura muito maior do que a sua superfície. O vulca-

nismo é a manifestação mais evidente desse calor interno, mas há muito tempo se sabe que,

mesmo longe dos vulcões, a temperatura aumenta como função da profundidade no interior

do planeta. Esse aumento de temperatura foi primeiro observado em minas profundas e, mais

recentemente no século XX, em poços profundos nas regiões continentais e em furos rasos

no assoalho oceânico. O aumento da temperatura implica, como será visto logo a seguir, a

transferência de calor do interior para a superfície da Terra. Calor é uma forma de energia e

o fato de que o calor é transportado para fora do planeta significa que a Terra armazena e/ou

produz energia no seu interior.

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204 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2

10 As forças que impulsionam as placas litosféricas

O segundo aspecto provém de uma aparente contradição. A teoria da tectônica de

placas postula que as placas litosféricas deslizam sobre um manto astenosférico deformável.

Para permitir os movimentos que vêm ocorrendo pelo menos desde o Cambriano, o manto

astenosférico precisa suportar grandes deformações. Na profundidade da astenosfera não

ocorrem terremotos, com exceção daqueles associados a zonas de subducção. Isso significa que

as rochas do manto astenosférico não se rompem como na litosfera e as deformações que lá

supostamente ocorrem devem ser semelhantes ao escoamento de um líquido.

A rigidez do manto astenosférico, no entanto, não é nula e a rigidez é uma característica

dos sólidos. Os fluidos, de uma forma geral, não têm rigidez. Se o manto astenosférico é sólido,

como é que ele pode escoar como um fluido?

Na sequência, esses dois aspectos serão discutidos, inicialmente de forma separada, come-

çando com a descrição de como o calor pode ser transportado por longas distâncias, e como o

calor pode ser gerado e pode ter sido armazenado no interior da Terra. Em seguida, veremos

como as rochas podem ser deformadas como se imagina que ocorra no manto e, por último,

veremos como o fluxo de calor contido no interior da Terra e a capacidade das rochas do

manto de se deformarem permitem que o Planeta tenha uma dinâmica interna.

10.2.1 Transferência de calor: condução

Entre meados do século XVIII e meados do século XIX, foram desenvolvidos os conceitos

fundamentais de temperatura, calor, energia mecânica e trabalho. O calor foi identificado

como uma forma de energia que podia ser tanto transformado em energia mecânica quanto

resultar do trabalho mecânico. Nesse período, também foram identificados outros tipos de

energia e foi demonstrada a inter-relação entre as diferentes formas de energia e trabalho

mecânico. Além disso, foi demonstrado que a eficiência da transformação de energia em

trabalho ou de trabalho em energia não pode ser absoluta, pelo menos em sistemas que

funcionam em ciclos fechados, ou seja, nas máquinas de uma forma geral. Existe uma parte

da energia fornecida para uma máquina que não produz trabalho

e é inevitavelmente desperdiçada em forma de calor. Por outro

lado, o trabalho realizado sobre um sistema não pode ser

completamente armazenado como energia1.

1 O ramo da física que trata das transformações entre energia e trabalho é a termodinâmica e o seu desenvolvimento é um dos capítulos mais interessantes da história da ciência. Ver, por exemplo, Antonio S.T. Pires, Evolução das Ideias da Física, Editora da Livraria da Física, São Paulo, 2008.

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205Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2

Geofísica

A teoria da transferência de calor por condução é essencialmente baseada em uma

experiência realizada muitas vezes por muitas pessoas diferentes e com materiais diferentes.

A experiência (Figura 10.1) consiste em expor as extremidades de uma barra de um

material qualquer, com comprimento ΔL e seção transversal ΔA, a temperaturas diferentes,

mas constantes. Inicialmente, a temperatura ao longo da barra varia com o tempo. Depois

de certo intervalo de tempo, essa variação se extingue. Nessa situação, a quantidade de calor

(ΔQ) que atravessa a barra por unidade de tempo (Δt) é dada por:

10.1

Um dos primeiros resultados verificados naquela época é conhecido como a lei zero da termodinâmica e estabelece que o calor flui sempre do corpo mais quente para o corpo mais frio. Uma das maneiras de o calor fluir é chamada condução. Na condução, o calor atravessa o meio material sem que haja movimento de massa associado. O calor atravessa o meio sem provocar movimento algum. Essa forma de transferência de calor é típica dos sólidos. Uma colher posta na chama de um fogão em pouco tempo transfere calor suficiente para queimar a mão de quem a segura, sem que haja qualquer tipo de deformação na colher.

Figura 10.1. Esquema de um arranjo experimental para verificar a lei de condução de Fourier.

TQ k A tL

∆∆ = − ∆ ∆

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206 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2

10 As forças que impulsionam as placas litosféricas

onde k é um coeficiente que depende do tipo de material que compõe a barra e é sempre

definido como um número positivo, e ΔT é a diferença entre as temperaturas das extremidades,

definida sempre de forma positiva, ou seja, a diferença da maior para a menor temperatura.

O sinal negativo foi introduzido para expressar o previsto pela lei zero da termodinâmica:

o fluxo de calor ocorre sempre no sentido contrário ao da diferença de temperatura.

A experiência pode ser realizada com barras com diferentes comprimentos, diferentes áreas das

seções transversais e com seções transversais com diferentes formas. O resultado é sempre o mesmo,

de forma que a equação 10.1 é considerada uma expressão matemática de uma lei da física.

A equação 10.1 mostra que a quantidade de calor que flui do extremo quente para o

extremo frio da barra aumenta com a duração do experimento e é tanto maior quanto maior

for a diferença de temperatura. Por outro lado, a quantidade de calor transferida, em um mesmo

intervalo de tempo, é tanto maior quanto maior for a área da seção transversal, mantido o seu

comprimento fixo, e tanto menor quanto maior for o comprimento da barra, mantida a área

da seção transversal fixa.

A capacidade de um material permitir o fluxo de calor através do seu volume é representada

pelo coeficiente k, conhecido como condutividade térmica2. A condutividade térmica é

igual à quantidade de calor que flui por unidade de tempo em uma unidade de área em um

material onde a temperatura varia de uma unidade ao longo de

uma distância igual a uma unidade de comprimento. A condutivi-

dade térmica é, portanto, uma propriedade do material e não uma

característica de um corpo feito desse material.

A condutividade térmica varia muito de material para material. A Tabela 10.1 apresenta a

condutividade de diferentes sólidos à temperatura ambiente. Os metais de uma forma geral são

bons condutores de calor ao passo que cerâmicas, rochas, madeiras e vidros são maus condutores

de calor. O motivo para essas diferenças é tema de um curso de estrutura da matéria. De uma

forma geral, a condutividade térmica depende da temperatura, mas, nos sólidos, essa dependência

é pequena e, na maioria dos casos, pode ser representada por:

2 Condutividade térmica ou condutibilidade térmica. As duas formas são consideradas corretas, pelo menos no português falado no Brasil, embora a segunda seja considerada uma forma mais erudita (ver Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 5a edição).

A condutividade térmica tem dimensão de [energia/(comprimento × tempo × temperatura)]. No sistema internacional, a sua unidade é joule/(segundo × metro × grau Kelvin) ou watt/(metro × grau Kelvin) – W/(m K).

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207Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2

Geofísica

10.2

onde ko é a condutividade térmica na temperatura de referência T

o e β é um coeficiente

pequeno e pode ser negativo, conforme o material, como no caso dos metais à temperatura

ambiente e a temperaturas mais altas. No caso do amianto, por exemplo, a condutividade

térmica é 0,18 W/(m K) a 323 K (50 °C) e o coeficiente β é 0,0003 W/(m K2) no intervalo

de 273 K a 423 K (0 °C a 150 °C).

Tabela 10.1: Condutividade térmica de alguns materiais à temperatura ambiente.

Material Condutividade térmica (W/(m K))Aço 45,4

Alumínio 209,3

Cobre 389,6

Ouro 312,8

Prata 418,7

Plástico vinílico 0,13

Baquelite 0,29

Vidro comum 0,74

Granito 3,14

Embora a transferência de calor por condução seja um processo típico dos sólidos, ela

ocorre também nos fluidos de uma forma geral. A condutividade térmica da água, por

exemplo, a 0 °C é de 0,551 W/(m K) e a 50 °C é 0,648 W/(m K). Compostos orgânicos

líquidos na temperatura ambiente (acetona, álcool etílico, álcool metílico, benzeno etc.)

têm condutividades térmicas típicas entre 0,13 W/(m K) e 0,28 W/(m K) a 50 °C, com

variações muito pequenas como função da temperatura. A condutividade térmica dos gases

varia com a pressão e com a temperatura. À pressão normal, a condutividade do ar a 20 °C

é 2,57 × 10-2 W/(m K) e a do hélio é 0,16 W/(m K).

A equação 10.1 pode ser reescrita como:

10.3

o o( )k k T T= +β −

Q Tq kA t L∆ ∆

= = −∆ ∆ ∆

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208 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2

10 As forças que impulsionam as placas litosféricas

onde q é chamado de fluxo de calor. O fluxo de calor é a quantidade de calor que atravessa

uma unidade de área por unidade de tempo de um meio material. Ele tem dimensão de

energia/(área × tempo) e a sua unidade no sistema internacional é watt/metro2 – W/m2.

Se na equação 10.3 for considerado o limite quando ΔL for a zero, a equação 10.3 assume

a forma diferencial

10.4

onde dTdL

é a derivada da temperatura. Mas, afinal o que significam limite quando ΔL for a zero

e derivada da temperatura?

A expressão 10.3 envolve a razão entre ΔT e ΔL, ou seja, envolve o resultado da divisão de ΔT

por ΔL. Isso significa que ΔL não pode ser feito igual a zero, porque, nesse caso, a operação divisão

perde o sentido. Não é possível dividir alguma coisa por zero. A consequência desse raciocínio é:

tomar o limite quando ΔL vai a zero não significa considerar ΔL igual a zero na expressão.

Para se tomar o limite de ΔT dividido por ΔL, é necessário que haja uma dependência da

variação da temperatura ΔT com a variação do comprimento ΔL. E não é uma dependência

qualquer. Ela deve satisfazer um número pequeno de condições. A primeira condição é: para

cada valor de ΔL deve existir um único valor de ΔT. No caso da relação 10.3, essa condição é

satisfeita, porque a experiência mostra que isso acontece. Escolhido um determinado material,

e mantidas as condições em que a experiência é realizada, uma vez estabelecida uma diferença

de temperatura ΔT ao longo de uma distância ΔL, o fluxo de calor q é sempre o mesmo.

Se as demais condições forem mantidas e a diferença de temperatura entre os extremos da barra

for alterada, é obtido um novo valor de q, que caracteriza esse novo arranjo. Por outro lado, se

a barra do material tiver o seu comprimento alterado e a variação de temperatura for mantida

constante, será obtido um novo valor de q, característico do novo arranjo.

Quando relações como essa acontecem, ou seja, como no exemplo dado, quando para cada valor

da variação de comprimento da barra existe um único valor da variação de temperatura associado,

se diz, em termos matemáticos, que existe uma função g que liga ΔT a ΔL e se escreve:

( )T g L∆ = ∆Como todos os ΔL podem ser definidos a partir de um comprimento L

o arbitrariamente

escolhido na forma

oL L L∆ = −

0lim LT dTq k kL dL∆ →

∆= − = −

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209Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2

Geofísica

e todos os ΔT podem ser escolhidos como

oT T T∆ = −onde T

o não é arbitrário e corresponde à temperatura mantida fixa em L

o, pode-se escrever

uma função

10.5

As funções que relacionam duas variáveis podem

ser graficamente representadas em um diagrama

cartesiano onde um dos eixos, chamado eixo das

abscissas, representa a variável independente e o

outro eixo, chamado eixo das ordenadas, representa a

variável dependente. A Figura 10.2 esquematiza uma

possível função dada pela equação 10.5.

A experiência mostra também que o gráfico de T

como função de L varia de forma contínua, ou seja,

sem interrupções na sua representação. Além disso, o

gráfico é suave, sem a ocorrência de mudanças bruscas

na direção do seu traçado. Continuidade e suavidade da função são as duas condições adicionais

satisfeitas pela função dada pela equação 10.5.

A Figura 10.3 representa um segmento da curva traçada na Figura 10.2 correspondente

ao intervalo L1 < L < L

2. O ponto L corresponde ao centro desse intervalo. Como a relação

( )T f L=

Figura 10.2: Em um instante t qualquer, a temperatura ao longo da barra é uma função da posição, mesmo que a barra não esteja em equilíbrio térmico.

Figura 10.3: Um pequeno segmento da curva esquematizada na Figura 10.2 é isolado para se determinar a derivada da temperatura em L.

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210 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2

10 As forças que impulsionam as placas litosféricas

entre T e L é uma função, existe um único valor T1 associado a L

1, um único valor T

2 associado

a L2 e um único valor T associado a L. Isso significa que existe uma única razão r

2 1

2 1

T TrL L−

=−

Se L1 e L

2 forem deslocados de uma mesma distância em direção a L , gerando os pontos Lʹ

1

e Lʹ2, mas mantendo L no centro entre eles, uma nova razão rʹ

2 1

2 1

T TrL L′ ′−′ =′ ′−

será obtida.

O processo pode ser continuado de forma indefinida. No início, os valores de r devem variar

entre si, mas quando

2 1n nL L L∆ = −

for pequeno,

2 1n nT T T∆ = −

deverá ser pequeno também, porque T é uma função contínua e suave de L. Isso significa que a

razão r existirá sempre, porque será sempre a divisão de dois números reais com o divisor diferente

de zero. Se a função é contínua e suave, a partir de um ΔL muito pequeno, o valor de ΔT deixa

de variar significativamente e varia cada vez menos quanto menor for ΔL, ou seja, o valor da razão

r tende a um valor fixo quando ΔL se torna tão pequeno quanto se queira imaginá-lo, sem que

ele seja igual a zero. Esse é o sentido da equação 10.4. Como o intervalo se fecha progressivamente

em torno do ponto L, o valor da razão, no limite definido por 10.4, é atribuído a L. Essa nova

função, que a cada valor de L associa um único valor do limite 10.4, se chama derivada de T em

relação a L e se representa como dT/dL. Da mesma forma que a razão ΔT/ΔL reflete a variação

média da temperatura no intervalo ΔL, a derivada reflete a variação da temperatura como função

do comprimento da barra no ponto L.

A equação 10.4 é uma das expressões de uma lei da física chamada Lei de Fourier3. A lei

de Fourier tem validade geral e não se limita às condições mencionadas na argumentação

apresentada até aqui. Validade geral significa que a expressão é válida para

outras situações além daquela descrita para se obter a expressão. Com um

3 Jean Baptiste Joseph Fourier foi quem, no início do século XIX, estabeleceu a teoria matemática da transferência de calor por condução.

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211Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2

Geofísica

pouco de paciência não é difícil demonstrar esse resultado, mas, no momento, é suficiente saber

que o fluxo de calor por condução, em torno de qualquer ponto de um meio material, satisfaz

sempre a lei de Fourier.

Quando a temperatura de um corpo é fixa no tempo, a quantidade de calor que flui através

de um meio material por condução depende apenas da condutividade térmica. Quando a

temperatura varia com o tempo, o valor do fluxo em qualquer ponto do meio continua sendo

dado pela equação 10.4, mas a variação da temperatura como função do tempo é consequência

de um efeito adicional, que tem de ser levado em consideração.

A quantidade de calor que é armazenada em, ou é retirada de, um corpo com massa m

qualquer, quando a sua temperatura sofre uma variação ΔT, é dada pela expressão:

10.6

O coeficiente c é uma característica do meio material conhecido como calor específico e

é sempre definido como uma grandeza positiva. Note que ΔQ e ΔT são números reais com o

mesmo sinal. Quando a variação de temperatura é positiva, o corpo absorve calor (ΔQ > 0)

e, quando a variação de temperatura é negativa, o corpo perde calor (ΔQ < 0). A dimensão

do calor específico é [energia/(massa × temperatura)]. No sistema internacional de unidades,

a unidade de calor específico é joule/(quilograma × grau Kelvin) – J/(kg K). A Tabela 10.2

apresenta os valores de calor específico para diferentes materiais à temperatura ambiente.

A equação 10.6 é rigorosamente válida quando o calor específico é constante. Quando o

calor específico varia com a temperatura a equação é uma aproximação válida para pequenas

variações de temperatura, quando c permanece praticamente constante.

Tabela 10.2: Calor específico de diferentes materiais à temperatura ambiente.

Material Calor específico (J/(kg K))Acetona 2180

Álcool etílico 2430

Água 4194

Aço 460

Alumínio 880

Prata 235

Quartzo fundido (Si02) 740

Q mc T∆ = ∆

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212 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2

10 As forças que impulsionam as placas litosféricas

O calor específico varia com a temperatura de formas diferentes para diferentes materiais.

Para os sólidos monoatômicos, metais principalmente, a temperaturas altas, iguais ou superiores

à temperatura ambiente, o calor específico segue aproximadamente a chamada Lei de DuLong

e Petit, que é uma relação empírica, que estabelece que o calor específico seja constante e igual

a 3R, onde R é a constante universal dos gases, o que corresponde a 25 J/(mol K). Aqui, o

calor específico está sendo fornecido não em relação a uma unidade de massa, mas em relação

à massa contida em um átomo-grama do material que forma o sólido. Existem exceções como,

por exemplo, o diamante, que é um sólido monoatômico formado por carbono e cujo calor

específico é 6,1 J/(mol K). Para temperaturas baixas, o calor específico diminui com a tempe-

ratura absoluta, tendendo a zero no zero absoluto.

Para os líquidos e para os gases, em geral, o calor específico aumenta com a temperatura, mas

há exceções. A mais conhecida corresponde à variação do calor específico da água, representada

na Figura 10.4. O calor específico da água cresce entre 0 °C e 5 °C e decresce no intervalo

entre 5 °C e 42 °C, voltando a aumentar a partir dessa temperatura.

A equação 10.6 mostra que a quantidade de calor armazenada ou removida varia de forma

proporcional à variação de temperatura. A constante de proporcionalidade é o produto mc, que

recebe o nome de capacidade calorífica e inclui as duas grandezas que definem a quantidade

de calor trocado: a massa, que é uma característica do corpo, e o calor específico, que é uma

característica do material que compõe o corpo. Para uma mesma variação de temperatura,

Figura 10.4: Variação do calor específico da água como função da temperatura entre 0 °C e 100 °C. / Fonte: StrauSS; Schubert, 1977.

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213Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2

Geofísica

quanto maior for a massa, o que equivale dizer, quanto maior for a quantidade de matéria, maior

é a quantidade de calor trocado por corpos compostos do mesmo material. Por outro lado,

para uma mesma variação de temperatura, quanto maior for o calor específico, maior é o calor

trocado por corpos de mesma massa, mas feitos de materiais diferentes.

Quando o calor é transferido por condução no interior de um meio material onde a

temperatura varia com o tempo, existem duas tendências competindo entre si: uma representada

pela condutividade térmica, que, quanto maior for o seu valor, mais eficiente é o transporte

de calor, e outra representada pela capacidade calorífica. Se um elemento de volume do corpo

estiver absorvendo calor, e essa absorção é tanto maior quanto maior for a capacidade calorífica,

parte do calor fica retido no elemento de volume, dificultando o seu fluxo. Por outro lado, se

o elemento de volume estiver cedendo calor, maior é a quantidade de energia liberada para o

fluxo. Isso significa que, quando a temperatura varia com o tempo, o fluxo de calor é controlado

por duas características térmicas diferentes, que podem ser representadas conjuntamente em

uma nova propriedade chamada difusividade térmica κ, definida como:

10.7

onde ρ é a densidade do meio e o produto ρc é a capacidade térmica por unidade de volume ou

volumétrica do meio. Do ponto de vista físico, a difusividade térmica representa a capacidade

do meio de propagar as variações de temperatura com o tempo que ocorram em uma parte do

seu volume para o resto do volume. Para os sólidos em geral, os valores típicos da difusividade

térmica variam entre 10-5 m2/s e 10-6 m2/s no sistema internacional de unidades.

A equação 10.6 é valida para as situações em que não há mudança de fase ou de estado físico.

Se um bloco de gelo inicialmente a -10 °C for submetido a uma variação de temperatura de 9 °C, a

temperatura final será de -1 °C. No final do processo, o gelo continua sendo gelo e o calor trocado

será aquele calculado através da equação 10.6 com o valor apropriado do calor específico. Da mesma

forma, se uma garrafa com água a 20 °C for posta em uma geladeira e resfriada até 1 °C, a quantidade

de calor trocado será dada pela equação 10.6, com o valor do calor específico correspondente à água.

A quantidade de calor trocada nos dois casos recebe o nome de calor sensível trocado, uma vez que a

troca de calor é acompanhada de variação de temperatura.

Quando há mudança de fase ou de estado, o problema se altera. Considerando que a um bloco

de gelo de massa m inicialmente a -5 °C seja fornecido continuamente calor, à medida que o bloco

kc

κ =ρ

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214 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2

10 As forças que impulsionam as placas litosféricas

absorve calor, a sua temperatura varia até atingir a temperatura de 0 °C (Figura 10.5). A quantidade

de calor absorvido pelo gelo é dada, aproximadamente, pela equação 10.6. Ao atingir a temperatura

de 0 °C, a experiência mostra que o gelo continua absorvendo o calor que lhe é fornecido, mas a

sua temperatura não varia. O que ocorre é o gelo derreter progressivamente passando a água líquida,

ou seja, mudando de estado. Enquanto houver água e gelo em equilíbrio, coexistindo, a temperatura

não se altera. Só depois que todo o gelo passa para o estado líquido é que a temperatura volta a subir,

seguindo aproximadamente o previsto pela equação 10.6. O termo aproximadamente foi utilizado,

porquê no caso da água, o calor específico varia com a temperatura.

A quantidade de calor trocada durante a fase em que gelo e água coexistiram é dada pela relação:

10.8

onde o coeficiente L, que recebe o nome de calor latente de fusão, corresponde à quantidade

de calor que deve ser fornecida para mudar completamente de estado uma unidade de massa

de gelo. A unidade do calor latente no sistema internacional é J/kg.

O calor latente de fusão varia de material para material. No caso do gelo, o calor latente é

334 kJ/kg, enquanto para o ferro, cuja temperatura de fusão é 1.530 °C, o valor do calor latente de

fusão é 293 kJ/kg. O chumbo, por sua vez, funde a 327,3 °C e tem um calor latente de 22,5 kJ/kg.

Embora a física envolvida nas mudanças de fase ou de estado seja simples e conhecida desde

o final do século XVIII, as equações de transferência de calor que incorporam os efeitos de

mudança de estado apresentam, até hoje, dificuldades importantes

para a sua solução4.

Figura 10.5: Variação da temperatura da massa de 1 kg de água como função do calor absorvido partindo de uma temperatura inicial de -5 °C. O calor específico do gelo entre -5 °C e 0 °C foi aproximado para 4,19 kJ/(kg K), constante, e o da água entre 0 °C e 5 °C foi aproximado para 4,21 kJ/(kg K), constante. A curva real de variação de temperatura se afasta um pouco da curva apresentada, uma vez que o calor específico varia um pouco com a própria temperatura.

Q mL∆ =

4 Ver, por exemplo, Vasilios Alexiades e Alan D. Solomon Mathematical Modeling of Melting and Freezing Processes, Hemisphere Publishing Corporation, 1993.

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Geofísica

10.2.2 Transferência de calor: transporte

Um fluido em movimento troca calor com o meio com o qual ele está em contato.

Uma situação onde essa troca de calor é clara ocorre nas serpentinas utilizadas para refrigerar

cerveja. A serpentina, que é um tubo de metal de diâmetro pequeno e parede fina, é mergulhada

em um sistema de refrigeração, por exemplo, em um banho com água e gelo em equilíbrio

térmico. A cerveja de um recipiente à temperatura ambiente é forçada a circular pela serpentina

e transporta consigo calor, na forma de calor sensível, do recipiente para ser progressivamente

trocado com a parede do sistema de refrigeração.

A expressão “progressivamente trocado” fica mais clara se for realizada uma experiência simples.

Se a serpentina tiver um comprimento muito pequeno, a passagem da cerveja pelo tubo de metal

tem um efeito muito pequeno sobre a temperatura da cerveja e, é claro, um efeito negativo muito

grande sobre o humor dos apreciadores de cerveja. À medida que o tubo de metal for sendo

substituído por tubos mais longos, maior será o resfriamento da cerveja, mas, a partir de um

determinado comprimento, a troca de serpentina deixa de ser útil, porque a cerveja atinge a sua

temperatura mais baixa possível – essencialmente a temperatura do sistema de refrigeração.

Em um aquecedor solar, o efeito é o oposto. A água fria de um reservatório é forçada a

circular por uma serpentina em contato com um reservatório de calor, que acumula a energia

captada do Sol, e se aquece progressivamente.

O sistema de arrefecimento de um automóvel é outro exemplo bem conhecido. A água

contida no reservatório do radiador é forçada a circular por um tubo cavado no bloco do

motor. Como a temperatura da água é menor do que a temperatura do bloco, o calor é

progressivamente transferido para a água. Depois de percorrer o tubo no bloco do motor, a

água é feita circular pelo radiador propriamente dito, que é um conjunto de tubos metálicos,

cobre ou alumínio na maioria das vezes, de diâmetro pequeno e parede fina e exposta a um

fluxo intenso de ar. O calor passa progressivamente da água mais quente para a parede mais fria

dos tubos. Finalmente, o fluxo de ar remove e carrega para longe o calor extraído do motor,

na forma de calor sensível. Dessa maneira, a grande quantidade de calor gerada pela queima do

combustível é retirada, de forma eficiente, do motor e dispersada na atmosfera.

A quantidade de calor ∆q, por unidade de tempo, cedida, por exemplo, pela cerveja ao

atravessar a serpentina, é obtida diretamente da equação 10.6 e é dada por

10.9 q cV T∆ = ρ ∆

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216 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2

10 As forças que impulsionam as placas litosféricas

onde V é o fluxo de cerveja ou o volume de cerveja que atravessa a serpentina em uma unidade

de tempo, ∆T é a diferença de temperatura da cerveja entre os extremos da serpentina e ρ é a

densidade da cerveja, aqui considerada constante, o que é uma aproximação.

A densidade, com algumas exceções notáveis, diminui com o aumento da temperatura e

obedece, para pequenas variações da temperatura, a expressão:

10.10

onde γ é o coeficiente de dilatação volumétrica. A Tabela 10.3 apresenta os valores de γ à temperatura ambiente para diferentes líquidos.

Tabela 10.3: Valores do coeficiente de dilatação volumétrica para alguns líquidos à temperatura ambiente

Substância γ (x 10-4/K)Álcool etílico 11,0

Éter 1,63

Mercúrio 1,8

Acetona 14,3

Querosene 10,0

A exceção mais notável é a água, cuja variação da densidade como função da temperatura

é apresentada na Figura 10.6. Observe que, entre 0 °C e 4 °C, a densidade aumenta com o

aumento da temperatura (γ negativo).

o o(1 ( ))T Tρ = ρ − γ −

a

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217Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2

Geofísica

O mecanismo de transferência de calor descrito acima é chamado convecção forçada.

Ela ocorre sempre que um fluido é forçado a escoar e trocar calor com o meio por onde ele

escoa. Por exemplo, a secagem de uma coluna de material granulado pela passagem de um fluxo

de ar, forçado por uma bomba de circulação externa, através dos espaços vazios entre os grãos,

é um processo de convecção forçada. O termo convecção forçada é usado em contrapartida ao

termo convecção livre, que é a convecção induzida por processos decorrentes exclusivamente

da existência de variações de temperatura no volume do fluido como, por exemplo, diferenças

de densidade dentro do fluido ou diferenças de tensão superficial na superfície do fluido.

O processo de troca de calor descrito acima foi sempre entre um fluido e a parede de um

vaso onde ele flui, ou entre o fluido e um sólido interposto ao seu fluxo. A troca de calor, seja ela

forçada ou livre, pode ocorrer também entre regiões diferentes do fluido. Por exemplo, dentro

do reservatório de um radiador do automóvel, a agitação da água devido ao fluxo que vem do

motor distribui o calor no seu volume.

Um outro exemplo bem conhecido em que há troca de calor entre partes distintas do

volume de fluido é dado por uma panela de água sobre o queimador aceso de um fogão.

Todo mundo já passou algum tempo olhando, de maneira mais ou menos distraída, para uma

panela com água sendo aquecida em um fogão e, apesar de não prestar muita atenção, deve ter

notado o movimento que a água faz. O movimento feito de forma aparentemente espontânea

é consequência do aquecimento da água em contato com o fundo da panela.

Figura 10.6: Variação da densidade da água: a. entre -10 oC e 340 oC; b. entre 0 oC e 10 oC. / Fonte: StrauS; Schubert, 1977.

b

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218 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2

10 As forças que impulsionam as placas litosféricas

O calor, inicialmente transferido por condução, aquece a água, produzindo variação contínua

na sua temperatura, do fundo mais quente para a superfície mais fria. A variação de temperatura

induz uma variação na densidade da água. Olhando para a Figura 10.6, observa-se que, para

temperaturas acima de 4 °C, a densidade da água diminui com o aumento da temperatura e,

nesse caso, a água perto do fundo se torna menos densa do que a água próximo à superfície.

Como um material menos denso flutua em um material mais denso, os leitores hão de se lembrar

do princípio de Arquimedes: - a tendência da água quente é subir em direção à superfície e a

da água fria próxima à superfície é afundar em direção ao fundo da panela.

Figura 10.7: Correntes de convecção livre em uma camada rasa de água. Um pouco de tinta de caneta preta foi injetada com uma seringa e agulha fina no centro da camada de água. As fotografias 1, 2, 3, 4 e 5, dispostas em coluna do lado esquerdo da figura mostram a dispersão da tinta devido principalmente pela diferença de densidade entre a tinta e a água. Não há nessas fotografias fonte de calor para induzir convecção. As fotografias I, II, III, IV e V dispostas em coluna no lado direito da figura mostram o efeito da convecção devida a diferenças de densidade induzidas pelo calor liberado pela chama de uma vela a, aproximadamente, quatro centímetros abaixo do fundo da placa (ver o texto para uma discussão mais detalhada).

1 I

2 II

3 III

4 IV

5 V

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219Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2

Geofísica

No caminho para a superfície, a água quente vai trocando calor com as partes mais frias do

volume de água e, quando atinge a superfície, cede calor para o ar mais frio. A temperatura cai

o suficiente para que a sua densidade aumente a ponto de forçar o seu caminho de volta para

o fundo da panela. No caminho de retorno, a água absorve calor das partes mais quentes do

volume e, quando atinge o fundo, retira a quantidade de calor suficiente para voltar a flutuar.

Enquanto a panela for mantida sobre o fogão, e enquanto houver água na panela, o processo

permanece ativo. Esse processo de troca de calor é um processo de convecção livre.

A Figura 10.7 apresenta uma experiência simples onde o efeito da convecção livre pode

ser observado de forma ainda mais clara. Um pouco de água é colocado em um frasco raso de

vidro refratário e transparente. No caso da Figura 10.7 o frasco é a parte de baixo de uma placa

de Petri, que é um frasco desenhado especialmente para cultura de bactérias. A placa é circular

e tem um fundo plano. O seu diâmetro mede dez centímetros e a sua profundidade é de um

centímetro. No centro da placa é injetado com uma seringa e agulha fina um pouco de tinta de

caneta fazendo uma mancha escura.

A Figura 10.7 apresenta no seu lado esquerdo as fotografias 1, 2, 3, 4 e 5. O intervalo de

tempo entre as fotografias 1 e 5 é mais ou menos um minuto. A placa de Petri nesse caso não

foi aquecida e as figuras mostram o espalhamento da mancha de tinta devido ao fluxo induzido

pela diferença de densidade entre a tinta e a água e, em menor escala, à difusão da tinta na água.

Um pouco de agitação da água provocada pela vibração do suporte pode ser notado na parte

de baixo das figuras. O crescimento da mancha é perceptível começando com cerca de dois

centímetros de diâmetro e terminando com cerca de três centímetros de diâmetro. Essas figuras

foram postas como referência para o movimento que é observado no lado direito da figura.

O lado direito da Figura 10.7 apresenta as fotografias I, II, III, IV e V. O intervalo de tempo

entre a figura I e a figura V também é de mais ou menos um minuto. Nesse caso, o fundo da

placa de Petri foi aquecido pela chama de uma vela, mantida a mais ou menos quatro centí-

metros do fundo. As figuras mostram, em primeiro lugar, um espalhamento muito mais rápido

da mancha de tinta, com aproximadamente o mesmo diâmetro inicial. No intervalo de tempo

entre a fotografia I e a fotografia V a mancha inicial é totalmente dispersa na água. Além disso,

as fotografias mostram que a dispersão da tinta não se dá exclusivamente por um aumento no

tamanho da mancha. Logo na figura II pode-se notar que a tinta é arrastada pelo movimento da

água, formando faixas escuras, estreitas e contorcidas. As figuras III, IV e V mostram a ampliação

desse padrão na dispersão da tinta. A formação de vórtices, ou de redemoinhos, como se diz

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10 As forças que impulsionam as placas litosféricas

normalmente, é bem nítida na figura IV. Não é muito nítido nesse conjunto de fotografias feitas

de cima da placa de Petri, mas o fluxo induzido pelo calor da chama ocorre também ao longo

da espessura da camada de água.

O movimento registrado na Figura 10.7 é convecção livre devido a diferenças de densidade

induzidas pelo calor da chama da vela. O padrão de fluxo observado é mais vigoroso do que

se observa em uma panela de água sobre o fogão porque a vela representa uma fonte de calor

concentrada no centro da placa.

As condições para o estabelecimento de convecção livre no volume de um fluido não são tão

simples como a explicação dada acima pode sugerir. Elas incluem outros fatores como a geometria

do corpo de fluido. Por exemplo, é mais fácil induzir convecção livre em uma panela com água

do que em um tubo de vidro longo e estreito com o mesmo volume de água. Por outro lado, a

difusividade térmica do fluido tem um papel importante no estabelecimento das condições

necessárias para a ocorrência de convecção livre. O tratamento do problema exige um

conhecimento de física e matemática um pouco além do esperado dos

leitores neste momento e por isso não vai ser aqui apresentado5.

10.2.3 Transferência de calor: radiação

Em temperaturas altas, o calor contido em um sólido pode transformar-se em radiação

eletromagnética. Um ferro aquecido em um fogão, quando a sua temperatura é superior a

aproximadamente 500 °C, emite luz vermelha, que é mais facilmente observada na ausência

de qualquer outra iluminação. Outro exemplo de sólido emitindo luz, também vermelha, é o

carvão em uma churrasqueira.

A radiação eletromagnética é composta por ondas eletromagnéticas, onde campos elétricos

e magnéticos se propagam de forma análoga à propagação de qualquer outro tipo de onda,

como o som, por exemplo. Os campos elétricos e magnéticos que formam a onda

eletromagnética são sempre produto da aceleração ou oscilação de cargas elétricas.

Elas podem ser geradas por uma corrente alternada em um fio condutor longo, esticado ou

em forma de bobinas, dentro de cavidades onde um feixe de elétrons é acelerado, na transição

de elétrons na camada eletrônica dos átomos ou por processos que ocorrem no núcleo do

átomo. Propagação de forma análoga significa aqui que os campos elétricos e magnéticos

obedecem à mesma equação que representa a propagação das ondas mecânicas e do som.

5 Ver, por exemplo, D.L. Turcotte, G. Schubert, Geodynamics, John Wiley & Sons, New York, 1982.

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Geofísica

A diferença está no que é propagado: deformação em um sólido, pressão em um fluido e

energia acumulada nos campos elétricos e magnéticos. Outra diferença fundamental é a

necessidade ou não de um meio para a propagação da onda. Ondas mecânicas necessitam de

um meio material para se propagar. O som, por exemplo, não se propaga no vácuo. Por outro

lado, as ondas eletromagnéticas não precisam de meio material nenhum. A luz emitida pelo

Sol (luz é um exemplo de radiação eletromagnética) se propaga essencialmente no vazio até

atingir a superfície da Terra, ou seja, a

luz transporta praticamente toda a

energia do Sol, que torna a dinâmica

externa da Terra possível, a vida

inclusive, através do vácuo.

As ondas eletromagnéticas são carac-

terizadas por possuírem um intervalo

muito grande de comprimentos de onda.

A Figura 10.8 apresenta o chamado

espectro de radiações eletromagnéticas

como função do comprimento de onda

da radiação e da frequência da radiação.

A luz visível corresponde a um

intervalo pequeno do espectro

eletromagnético. Na luz visível, o que

caracteriza a frequência é a cor da luz.

A Tabela 10.4 apresenta a relação

entre cor, comprimento de onda e

frequência. A luz vermelha corresponde

às frequências mais baixas desse intervalo,

que crescem passando pelo laranja,

amarelo, verde, azul, até atingir o violeta,

que corresponde às frequências mais

altas do espectro visível.

Figura 10.8: Espectro das radiações eletromagnéticas.

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10 As forças que impulsionam as placas litosféricas

Tabela 10.4: Relação entre cor, comprimento de onda e frequência da luz visível.

CorComprimento de onda em

nanômetros -nm (1 nm = 10-9m)Frequência em Hertz (x1014)

Vermelho 770 – 622 3,90 - 4,82

Laranja 622 – 597 4,82 - 5,02

Amarelo 597 – 577 5,02 - 5,20

Verde 577 – 492 5,20 - 6,10

Azul 492 – 455 6,10 - 6,59

Violeta 455 – 390 6,59 - 7,69

O carvão em uma churrasqueira acesa emite radiação infravermelha e na região do vermelho,

e essa radiação transfere para a carne a maior parte do calor necessário para assá-la.

A emissão de radiação eletromagnética ocorre, na realidade, por qualquer corpo com temperatura acima do zero absoluto. O que varia é a quantidade de energia emitida e a região do espectro onde a maioria da energia é emitida (Figura 10.9). Quanto maior a temperatura, maior é a emissão de energia em forma de radiação e menor é o comprimento de onda da radiação emitida.

Figura 10.9: Potência da radiação emitida por unidade de área de um corpo negro aquecido a diferentes temperaturas. À medida que a temperatura aumenta, aumenta a potência emitida e diminui o comprimento de onda no qual a emissão de energia é máxima. O corpo negro perfeito é um emissor/absorvedor perfeito de radiação, que pode ser aproximado de forma experimental com boa precisão. Os corpos reais se afastam da aproximação de um corpo negro.

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Geofísica

Em temperaturas altas, dependendo da opacidade do meio por onde a radiação eletromagnética

se propaga, o transporte de calor por radiação pode ser significativo. A opacidade corresponde à

capacidade que um meio material tem de absorver a energia de uma radiação eletromagnética.

Em um meio com opacidade muito alta, a radiação eletromagnética praticamente não se propaga,

enquanto em um meio com opacidade zero, como o vácuo, a radiação não é absorvida. De uma

forma geral, a opacidade depende do comprimento de onda da onda eletromagnética.

O transporte de calor por radiação em meios materiais opacos se processa da mesma forma

que a condução de calor. Uma condutividade radioativa pode ser definida em termos da opa-

cidade e do índice de refração do meio, e essa condutividade substituída na equação de Fourier

fornece o fluxo de calor devido à radiação térmica.

10.3 O calor perdido pela superfície da TerraA Terra perde calor continuamente através da sua superfície. Existem lugares onde essa perda

de calor é bastante evidente, como nos vulcões em atividade, que lançam na superfície lava e

cinza vulcânica a altas temperaturas, vulcões momentaneamente inativos que liberam vapor e

gases aquecidos, conhecidos como fumarolas, geisers, que liberam água quente e vapor acompa-

nhados de outros gases, e fontes de águas quentes. Existem regiões, como a região de Larderello,

na Itália, e a Nova Zelândia, onde o calor proveniente do interior da Terra é suficiente para

acionar turbinas e produzir energia elétrica em quantidade suficiente para abastecer populações

numerosas. A maior parte da energia elétrica produzida na Nova Zelândia é de origem geotér-

mica, ou seja, produzida utilizando o calor proveniente da Terra.

A maior parte da Terra, ao contrário, perde calor de forma contínua, mas muito menos

espetacular. Os efeitos dessa perda de calor são praticamente invisíveis e são sentidos apenas em

minas ou túneis muito profundos.

O calor proveniente do interior da Terra pode ser medido tanto em áreas continentais quanto

em áreas oceânicas. Não há, no momento, necessidade de descrever em detalhe as diferentes

técnicas de medida de fluxo de calor6. A determinação de fluxo de calor envolve duas medidas

independentes: a primeira consiste em determinar a variação de temperatura

ΔT em um intervalo de profundidade Δz pequeno, de forma a ter uma

aproximação razoável da derivada da temperatura como função da

6 Ver, por exemplo, A.M. Jessop, Thermal Geophysics, Developments in Solid Earth Geophysics, 17, Elsevier Publishing Company, 1999.

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10 As forças que impulsionam as placas litosféricas

profundidade; a segunda consiste em medir a condutividade térmica do material contido no

intervalo de profundidade Δz. Se - e só se - o processo de transferência de calor que ocorre nesse

intervalo de profundidade for apenas condução, o fluxo de calor é calculado pela lei de Fourier. É

importante chamar a atenção para o fato de que, nas temperaturas existentes nas profundidades

acessíveis para a medida de fluxo de calor, o transporte de calor por radiação não ocorre.

O geofísico que se especializa em medidas de fluxo de calor sabe reconhecer, pelo menos

nos casos mais evidentes, quando o fluxo de calor é devido ou não apenas ao processo

de condução. Quando existem evidências de que calor esteja sendo transportado, além de

transferido por condução, é necessário introduzir correções. Essas correções dependem de

informações adicionais.

O principal – se não o único - agente de transporte de calor nas profundidades acessíveis para a

medida de fluxo de calor é o fluxo de água subterrânea através de rochas porosas e permeáveis.

Isso significa que, para uma determinação correta do fluxo de calor em regiões onde existe água

subterrânea em movimento, o fluxo de água tem de ser conhecido com antecedência, situação

muito pouco comum, ou estimado de alguma forma.

A Tabela 10.5 resume a distribuição do fluxo de calor na superfície da Terra. A quantidade total

de calor que a Terra perde por segundo ao longo de toda a sua superfície é 4,2 × 1013 W. O número

é muito grande e números grandes são normalmente escritos como produtos de um número

pequeno, em geral entre 1 e 10, chamado de mantissa, e uma potência inteira de dez (a base é o

número 10 e o expoente é um número inteiro). Nos números muito grandes o expoente é positivo,

o que significa que a mantissa é multiplicada por uma potência de dez, e nos números muito

pequenos o expoente é negativo, o que significa que a mantissa é dividida por uma potência de dez.

Para quem não está acostumado com a notação, o número é 42.000.000.000.000 ou 42 trilhões de

watts. O consumo de energia elétrica no mundo em 2009 foi da ordem de 17 trilhões de kWh7, o

que corresponde a uma potência média consumida nesse ano de 2,0 trilhões de watts. Até 2030

espera-se que esse número dobre. Isso significa que a Terra perde calor através da sua superfície a uma

taxa da ordem de 20 vezes maior que o consumo de energia elétrica

mundial no início do século XXI.

7Anuário Estatístico de Energia Elétrica, Empresa de Pesquisa Energética, Ministério das Minas e Energia, Rio de Janeiro, 2012.

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Geofísica

Tabela 10.5: Calor perdido pela superfície da Terra.

AmbientePerda de calor (W)

[Área (km2)]Continentes, incluindo a perda de calor por vulcões.

8,8 x 1012

[149,3 x 106]

Plataformas continentais. 2,8 x 1012

[52,2 x 106]

Total (continentes mais plataformas). 11,6 x 1012

[201,5 x 106]

Oceanos. 27,4 x 1012

[281,6 x 106]

Bacias marginais. 3,0 x 1012

[26,9 x 106]

Total (oceanos mais bacias marginais). 30,4 x 1012

[308,8 x 106]

Superfície da Terra 41,9 x 1012

[510,1 x 106]

Fluxo médio de calor e mW/m2.Continentes e plataformas continentais 57

Oceanos (observado) 66

Oceanos (teórico, considerando a formação da litosfera oceânica) 99

/ Fonte: Sclater, Jaupart, GalSon, 1980.

A maior perda de calor, aproximadamente 73% do total, ocorre nas bacias oceânicas e bacias

marginais. Essas estruturas correspondem a 60% da superfície da Terra. O fluxo de calor médio

nos continentes é de 57 × 10-3 W/m2, ou 57 mW/m2, incluindo as áreas de atividade vulcânica.

O fluxo de calor nos oceanos, bacias oceânicas e bacias marginais, é de 99 mW/m2, incluídos o

fluxo de calor por condução (66 mW/m2) e o fluxo de calor associado ao movimento de massa

(33 mW/m2). A origem da componente de advecção será descrita logo a seguir.

10.3.1 O fluxo de calor nos oceanos

A Figura 10.10 mostra a distribuição do fluxo de calor nas principais bacias oceânicas

e nas bacias marginais como função da idade do assoalho oceânico. É importante ter em

consideração que esses valores foram calculados assumindo que o processo de transferência

de calor seja condução. Isso acontece por causa da forma com que as medidas de temperatura

são feitas no assoalho oceânico.

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10 As forças que impulsionam as placas litosféricas

a

b

c

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Geofísica

d

e

f

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10 As forças que impulsionam as placas litosféricas

A informação contida nos diagramas da Figura 10.10 deve ser interpretada da seguinte

forma: os valores médios calculados para cada idade do assoalho oceânico são representados pelo

ponto preenchido. A variação dos valores individuais em torno do valor médio é representada

pelo segmento de reta em torno do ponto médio. Existe mais de uma maneira de se calcular

a variação de valores individuais em torno da média. A que foi usada na figura é chamada de

desvio padrão, que é definido e calculado pela equação:

10.11

onde x representa a média aritmética das n medidas individuais xi. A equação 10.11 representa,

essencialmente, a raiz quadrada da média do quadrado das diferenças entre os valores individuais

e o valor médio. Observe que a soma dos quadrados das diferenças é dividido por n - 1 e não

por n. O desvio padrão tem um significado estatístico que não é necessário discutir agora.

O importante é notar que, quanto mais próximos forem os valores individuais uns dos outros,

menor é o desvio padrão. Quanto mais se afastarem os valores individuais uns dos outros, maior

será o desvio padrão. Isso significa que o desvio padrão fornece uma medida da dispersão dos

valores individuais em torno do valor médio.

Em todas as bacias oceânicas, o fluxo de calor é maior no caso de assoalho oceânico jovem,

tipicamente mais jovem do que 20 milhões de anos (ou 20 Ma), embora haja alguma variação

entre as diferentes bacias. Por outro lado, a dispersão dos valores individuais de fluxo de calor

Figura 10.10: Variação do fluxo de calor observado em diferentes bacias oceânicas como função da idade do assoalho oceânico: a. Pacífico Norte; b. Pacífico Sul; c. Atlântico Norte; d. Atlântico Sul; e. Oceano Índico; f. Bacias marginais; g. Todos os oceanos. Fonte: modificado de Sclater; Jaupart; GalSon, 1980.

g

221 ( )

11 i

nx x

inσ = −

=− ∑

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229Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2

Geofísica

em torno dos valores médios é nitidamente maior para assoalhos oceânicos jovens. Sobre o

assoalho jovem, o fluxo de calor é alto, com valores médios bem acima de 75 mW/m2 e com

dispersões, no caso de bacias oceânicas, superiores a 100 mW/m2, acima e abaixo do valor

médio. Nas bacias marginais, sobre o assoalho jovem, o valor médio do fluxo de calor é da

ordem de 100 mW/m2, com uma dispersão de 40 mW/m2, acima e abaixo do valor médio.

A origem da grande dispersão dos valores de fluxo de calor nas bacias oceânicas é interpretada

como decorrente da circulação de água do mar através do assoalho oceânico jovem. O esquema

apresentado na Figura 10.11 ajuda a entender o processo. O assoalho oceânico que entra em

Figura 10.11: Esquema da formação de assoalho fraturado e permeável nas dorsais meso-oceânicas e da formação de sistemas convectivos.

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230 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2

10 As forças que impulsionam as placas litosféricas

contato com a água do mar nas dorsais meso-oceânicas é formado pela extrusão de lavas e pela

intrusão de diques. Esse material extremamente quente se resfria de forma brusca em contato

com a água, formando as “lavas almofada”, ou “pillow lavas”, como são chamadas na literatura.

O depósito todo é permeável e permite a circulação de água, porque tem uma estrutura que lembra

mesmo uma pilha de almofadas, com um espaço relativamente grande entre as almofadas. Além

disso, as almofadas são fragmentadas por um processo que toda dona de casa conhece. Se uma peça

de vidro refratário for aquecida no forno e, em seguida, resfriada bruscamente por acidente, existe a

possibilidade de que a peça se quebre por causa da contração muito rápida do vidro.

A circulação de água através desses espaços, induzida pela pressão hidrostática da água do

fundo oceânico, onde a coluna de água tem mais de 2.000 metros de altura, produz mais

fraturas devido à contração térmica, aumentando o volume de rocha quente exposto à água o

que, por sua vez, induz a formação de novas fraturas. A água em circulação forçada se aquece,

removendo calor da rocha. O processo de formação de fraturas para de atuar a partir de certa

profundidade devido ao esforço compressivo exercido pela coluna de rocha e/ou à alteração das

rochas intrusivas, que acabam limitando a permeabilidade do meio fraturado. Acredita-se que o

processo se estenda a uma profundidade entre 6 km e 8 km, o que corresponde a uma fração

significativa do volume da crosta oceânica.

A sedimentação em torno das dorsais meso-oceânicas é incipiente e esparsa de forma que a

região toda permite, pelo menos em princípio, a troca de calor descrita no modelo apresentado.

Além disso, perto das cadeias meso-oceânicas, foi identificada, em alguns lugares, a presença

de fontes de água quente contendo uma quantidade grande de minerais dissolvidos, o que

concorda com a ideia descrita no modelo.

A circulação de água altera a distribuição de temperatura e, como o cálculo de fluxo de calor

é feito assumindo que o processo de transferência de calor é condução, os valores obtidos são

O assoalho oceânico está em contínua expansão, o que significa que, com o tempo, o material fraturado se afasta da fonte de calor e dá espaço para a formação de novo material a ser fraturado. A presença desse material fraturado ao lado da fonte de calor fornece um caminho para que a água quente e menos densa circule pelo meio fraturado e permeável, e volte para o fundo oceânico, desde que a sedimentação não tenha selado o contato entre a água e a rocha do fundo oceânico.

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231Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2

Geofísica

valores perturbados, dependendo da direção do fluxo de água. Essa seria a origem da dispersão

dos valores de fluxo de calor no assoalho oceânico jovem.

O fluxo de calor nas bacias oceânicas deve ser, caso a hipótese de circulação de água através da

rocha fraturada seja correta, muito mais elevado do que as medidas apresentadas na Figura 10.10.

No entanto, não é possível estimar diretamente o efeito do transporte de calor, uma vez que essa

estimativa depende do conhecimento do fluxo de água nas rochas fraturadas.

As bacias oceânicas apresentam, como foi discutido na aula 2, um perfil de profundidades

muito simples e característico de todas as bacias. A profundidade varia de valores mínimos em

torno de 2.500 metros no eixo das dorsais, e aumenta progressivamente com o afastamento

desse eixo até atingir valores máximos e quase constantes em torno de 5.000 metros de pro-

fundidade. Se a hipótese do espalhamento do assoalho oceânico for aceita, é natural esperar que

a topografia tenha o padrão observado. As dorsais estão localizadas sobre uma fonte de calor

que se manifesta através da extrusão e da intrusão de magma basáltico. As rochas dessa região

são mais quentes e menos densas do que as rochas das planícies abissais e, por isso, flutuam mais

sobre o manto, que como será visto adiante, se comporta como um fluido viscoso.

Usando esse fato, foram construídos modelos de distribuição de temperatura no interior dos

segmentos oceânicos das placas litosféricas, considerando que as placas são criadas nas dorsais

meso-oceânicas. A descrição matemática desses modelos foge do objetivo deste curso. O que

importa reter na memória é o fato de que esses modelos fornecem uma previsão da profun-

didade do assoalho oceânico como função do afastamento das dorsais, que está em excelente

acordo com as observações. O mesmo modelo de distribuição de temperaturas permite calcular

um perfil de fluxo de calor em função do afastamento das dorsais.

Ao contrário do que acontece com a topografia, o fluxo de calor não se ajusta bem às observações.

Nas regiões de crosta oceânica jovem, o modelo fornece uma previsão de fluxo de calor, por condução,

muito mais alta do que é observado. Para a crosta oceânica mais antiga, o modelo apresenta boa

concordância com as observações. Além disso, existem regiões onde o assoalho oceânico jovem é

coberto por uma camada sedimentar suficientemente espessa para que a suposição de fluxo de calor

apenas por condução seja válida. A Tabela 10.6 mostra a variação do fluxo de calor como função

da idade observado nessas regiões, que concorda com as estimativas teóricas. Para assoalhos oceânicos

mais jovens do que 40 Ma, o fluxo de calor é superior a 80 mW/m2.

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232 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2

10 As forças que impulsionam as placas litosféricas

Tabela 10.6: Fluxo de calor em áreas oceânicas bem sedimentadas e com idades inferiores a 40 Ma.

RegiãoIntervalo de idade em Ma

Fluxo de calor ± um desvio padrão (erro padrão) em mW/m2

Cadeia de Juan de Fuca 3 – 4 268 ± 121 (58)

Cadeia do Explorador 3,5 – 7 239 ± 96 (20)

Sul do rift da Costa Rica 5 – 10 166 ± 17 (9)

Norte de Galápagos 5 – 10 176 ± 21 (9)

Pacífico equatorial 114 °W 10 – 20 100 ± 24 (9)

Cadeia de Reykjanes 32 – 40 83 ± 10 (9)

Fonte: Sclater, Jaupart, GalSon, 1980.

Isso significa que, se o modelo de circulação de água for adequado para a interpretação dos

valores de fluxo de calor, a quantidade de calor removida da crosta oceânica é muito maior

do que a estimada apenas por condução. Existe um excesso de calor retirado por convecção,

que corresponde à metade do calor médio removido apenas por condução (ver Tabela 10.5).

É importante lembrar que a condução de calor é atuante em toda a extensão das bacias oceânicas

e que a convecção induzida ocorre apenas em uma faixa estreita em torno das dorsais.

A Tabela 10.7 apresenta o valor do fluxo de calor total estimado para segmentos do assoa-

lho das bacias oceânicas caracterizados por diferentes idades. A Tabela 10.7 apresenta também

a fração da superfície total da Terra correspondente a esses segmentos.

Tabela 10.7: Estimativa do fluxo de calor total através do assoalho das bacias oceânicas.

IdadeFração da superfície

terrestre %Fluxo de calor

(mW/m2)Quaternário (0 a 1,8 Ma) 1,2 806

Plioceno (1,8 a 5,3 Ma) 2,4 286

Mioceno (5,3 a 23 Ma) 9,4 142

Oligoceno (23 a 33,9 Ma) 7,7 93

Eoceno (33,9 a 55,8 Ma) 7,8 75

Paleoceno (55,8 a 65,5 Ma) 3,9 65

Cretáceo superior (término a 65,5 Ma) 6,9 60

Cretáceo médio 11,2 54

Cretáceo inferior (início a 146 Ma) 4,3 51

Jurássico inferior (término a 146 Ma) 3,8 49

Todas as bacias 60,6 101

Fonte: pollack, hurter e JohnSon, 1993.

A estimativa apresentada na Tabela 10.7 foi feita com base em modelos de transferência de

calor, que assumem como ponto de partida a hipótese do espalhamento do assoalho oceânico.

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233Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2

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As estimativas correspondentes ao Quaternário, Plioceno e Mioceno são corrigidas levando em

consideração o calor de formação da litosfera que seria transportado por movimento de água.

Trata-se, portanto, de uma previsão feita por um modelo, ao que tudo indica, apropriado para

descrever o fluxo de calor nos oceanos.

10.3.2 O fluxo de calor nos continentes

O fluxo de calor observado nos continentes é mais difícil de ser interpretado. Existem muitos

fatores que controlam o valor de fluxo de calor nos continentes: erosão e sedimentação, idade da

região desde o último processo de deformação importante, glaciações, que são efeitos externos, mas

de longa duração e, por isso, os seus efeitos ainda perturbam significativamente as temperaturas em

profundidades de várias centenas de metros, movimento em escala regional de água subterrânea e

a presença de elementos radioativos em quantidades significativas. Todos esses fatores tornam mais

difícil entender o fluxo de calor continental dentro de um esquema geral válido para toda a Terra.

A Tabela 10.8 apresenta os valores médios do fluxo de calor em diferentes regiões conti-

nentais. Os valores apresentados foram subdivididos por idade do último processo de deformação

importante na região onde as medidas foram feitas e em dois ambientes: um dominado por rochas

ígneas e o outro dominado por rochas sedimentares e metamórficas. A Tabela 10.8 apresenta

também a fração da superfície da Terra correspondente aos ambientes geológicos descritos.

Tabela 10.8: Fluxo de calor em regiões continentais.

IdadeFração da superfície

da Terra %Fluxo de calor

(mW/m2)Plataformas continentais 9,1 70

Cenozoico: ígneassedimentares e metamórficas

1,18,1

9764

Mesozoico: ígneassedimentares e metamórfica

1,64,5

6464

Paleozoico: ígneassedimentares e metamórficas

0,45,9

6158

Proterozoico 6,2 58

Arqueano 2,5 53

Todos os continentes 39,4 65

*Cenozoico até 65 Ma, Mesozoico de 65 Ma a 248 Ma, Paleozoico 248 Ma a 545 Ma, Proterozoico 545 Ma a 2.500 Ma, Arqueano 2.500 Ma – 4560 Ma (idade da Terra). Fonte: Sclater, Jaupart, GalSon, 1980.

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234 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2

10 As forças que impulsionam as placas litosféricas

Além da dependência da idade do último episódio importante de deformação, o fluxo de

calor na crosta continental depende muito da radioatividade das suas rochas. Antes de discutir a

influência da radioatividade sobre o fluxo de calor continental, a importância da radioatividade

para a geração de calor será analisada para toda a Terra.

10.4 Fontes de energia no interior da TerraO fato de a Terra perder calor através da sua superfície significa que o planeta tem energia

em excesso no seu interior. Essa energia pode ser apenas energia acumulada por processos

ocorridos no passado ou pode ser o produto da ação de fontes de energia no seu interior e, é

claro, pode ser uma combinação das duas coisas.

O processo de formação do Sistema Solar e da Terra é um assunto longo que não será discutido aqui8. O que importa é ter em mente que o Sol e o Sistema Solar se formaram há 4,6 bilhões de anos, a partir de material produzido por várias gerações de estrelas anteriores e contido em uma nuvem de gás e poeira chamada nebulosa solar. Por uma série de processos, o material contido nessa nebulosa passou a se condensar nos pontos onde surgiriam no futuro o Sol e os planetas.

Durante a formação da Terra, grãos de poeira colidiram para formar um corpo um pouco maior e esses corpos colidiriam para formar corpos mais extensos. A partir de uma determinada dimensão desses corpos, a atração gravitacional entre eles passou a ser efetiva, o que promoveu ainda mais a condensação daquilo que viria a ser a Terra. Como os cor-

pos iniciais estavam em movimento e foram atraídos por corpos maiores, eles carregavam consigo energia cinética. Depois da colisão com os corpos maiores, a maior parte da energia cinética foi transferida para esses corpos na forma de deformação e calor.À medida que a futura Terra crescia em massa e em volume, a energia depositada aumentou a sua temperatura até que o material contido no planeta começou a se fundir. Esse processo de fusão deu origem a dois materiais diferentes: um material oxidado, formando compostos de alguns metais, silí-cio e oxigênio, os chamados óxidos e silicatos, e um material reduzido, essencialmente ferro e níquel em forma de metal. Como o material reduzido é muito mais denso que o material oxidado, houve uma migração do mais denso para o centro do planeta e do menos denso para a parte mais externa. Uma vez mais, energia gravitacional foi transformada, inicialmente, em deformação mecânica e, depois, em calor.

8 Ver, por exemplo, Teixeira e colaborado-res, Decifrando a Terra, segunda edição, Companhia Editora Nacional, 2009.Wallace S. Brocker, How to Build a Habitable Planet, Eldigio Press, Lamont-Doherty Geological Observatory, 1985.

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Geofísica

O processo descrito acima foi muito ativo em um período relativamente curto, provavel-

mente nas primeiras centenas de milhões de anos da história da Terra, e a maior parte do calor

produzido já foi dissipada, mas uma fração pequena desse calor ainda pode estar escapando pela

superfície da Terra. Além do calor de formação, outros processos mecânicos geraram calor no

interior do planeta durante a sua história. Por exemplo, a deformação da Terra devido ao efeito

de maré produzida pela atração da Lua foi, no passado em que a Lua estava mais próxima da

Terra, um processo que gerou calor em quantidades significativas. Um resto desse calor prova-

velmente ainda está sendo dissipado. A Terra, no entanto, perde calor a uma taxa muito alta que

não pode ser explicada apenas, e nem mesmo, principalmente, pelos processos descritos acima.

A origem da segunda e mais importante componente do calor que flui através da superfície

da Terra é calor gerado no interior do planeta, e a única fonte de calor que poderia gerar

quantidades tão elevadas de calor é a desintegração radioativa.

10.4.1 O núcleo atômico e a radioatividade

O fenômeno da radioatividade é um assunto estudado na física

nuclear. Na realidade, a física nuclear tem origem na descoberta da

radioatividade e na procura de uma explicação para a sua ocorrência9.

Em termos simples, alguns núcleos dos átomos existentes na

natureza e também de elementos produzidos artificialmente têm

um excesso de energia em relação à quantidade mínima de ener-

gia necessária para a sua estabilidade, ou seja, para garantir a sua

existência por um intervalo de tempo indefinidamente longo. Para atingir essa estabilidade, o

núcleo emite parte da energia acumulada na forma de partículas com massa e carga líquida e

que carregam consigo energia cinética e na forma de radiação eletromagnética. Como resulta-

do desse processo, conhecido como desintegração radioativa, um novo núcleo é gerado. Com

frequência, o novo núcleo também é radioativo.

A existência do núcleo atômico foi experimentalmente estabelecida por Ernest Rutherford,

Hans Wilhelm Geiger e Ernst Marsden, em 1911, e confirmada por experimentos mais precisos

feitos por Geiger e Marsden em 1913. O que se demonstrou foi o fato de que praticamente

toda a massa de um átomo está contida em uma pequena região do espaço, em um volume da

9 A história da radioatividade, que foi descoberta em 1898 e investigada em detalhe na primeira metade do século XX, é, por si só, extremamente interessante. O leitor interessado encontra um resumo muito bem escrito em S. Weinberg, The Discovery of the Subatomic Particles, revised edition, Cambridge University Press, 2003, ou em Segrè, E. From X-rays to quarks: Modern Physicists and Their Discoveries. New York: W. H. Freeman and Company, 1980.

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10 As forças que impulsionam as placas litosféricas

ordem de 3 × 10-34 cm3, que passou a ser chamada de núcleo atômico, e que essa massa tem

carga elétrica positiva. Em torno desse núcleo, existe uma região muito mais ampla, tipicamente

da ordem de 3 × 10-23 cm3, chamada de coroa eletrônica, onde estão dispostos os elétrons em

movimento contínuo com a sua carga negativa. A existência dos elétrons já era conhecida na

época – os elétrons foram descobertos por Joseph John Thomson em 1897.

Inicialmente, a forma como a carga elétrica positiva era distribuída no núcleo não era conhecida,

mas logo, em 1914, H.G.S. Moseley mostrou que a carga elétrica dos núcleos correspondia a um

múltiplo inteiro do módulo da carga do elétron. Moseley notou que a carga do núcleo correspondia,

na maioria dos casos, à posição dos elementos químicos na tabela periódica, que na época eram

ordenados pela massa atômica. Em 1920, Rutherford identificou a carga elétrica positiva com uma

partícula em tudo igual ao núcleo do hidrogênio, à qual ele atribuiu o nome de próton.

No século XIX, os elementos químicos foram catalogados, seguindo uma sistematização

proposta originalmente por Mendeleev, conhecida como tabela periódica. Na tabela periódica,

os elementos químicos são reunidos em famílias e grupos que têm propriedades químicas

semelhantes. A propriedade química que parecia ser a que determinava a inclusão de um ele-

mento nesta ou naquela família era a massa atômica, ou a massa do átomo de cada elemento

medido em relação à massa de um átomo padrão: ao longo do século XIX, iniciando com os

trabalhos de Dalton, foram usados como padrão o hidrogênio e o oxigênio.

Logo após a descoberta da radioatividade em 1897, percebeu-se a existência de átomos com

as mesmas propriedades químicas e com massas atômicas próximas, mas diferentes. A princípio,

essas espécies de elementos químicos foram identificadas em processos associados ao decaimento

radioativo. Por exemplo, o elemento químico chumbo era acompanhado por uma dessas novas

espécies. Minérios de urânio contêm chumbo, mas contêm também um elemento radioativo, em

tudo semelhante ao chumbo do ponto de vista químico. A partir de 1910, essas espécies passaram

a ser chamadas de isótopos, porque corresponderiam a átomos em princípio diferentes, mas que,

devido às suas propriedades químicas, ocupavam a mesma posição na tabela periódica.

No entanto, em 1913, J.J. Thomson demonstrou a existência de isótopos do gás neônio, que

é um elemento químico sem nenhuma relação com processos radioativos. Usando essencial-

mente a mesma técnica que ele utilizou para identificar o elétron, que consiste em observar a

trajetória de uma partícula com carga e massa em uma região onde existem campos elétricos e

magnéticos, Thomson demonstrou que o gás neônio existente na atmosfera se apresentava em

duas espécies diferentes: 10% dos átomos de neônio tinham massa igual a 22 vezes a massa do

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hidrogênio, e 90% tinha massa igual a 20 vezes a massa do hidrogênio. A média dessa compo-

sição é 20,2 vezes a massa do hidrogênio, que corresponde à massa atômica do neônio, medida

por outros métodos e que já era bem conhecida na época.

Nos anos que se seguiram à Primeira Guerra Mundial (1914–1918), Francis Aston, que havia

trabalhado com Thomson antes da guerra, aprimorou a técnica de medida de massa atômica

anteriormente utilizada, criando o primeiro espectrógrafo de massa. Com esse novo equipamento,

Aston descobriu um grande número de isótopos de vários elementos químicos. A essa altura,

ficou claro que o que determina o comportamento químico de um elemento é a carga contida

no seu núcleo, o que hoje é chamado de número atômico, e que a maioria dos elementos químicos

é uma mistura de isótopos com massas diferentes, o próprio hidrogênio inclusive. Depois da

descoberta do próton, o número atômico foi também identificado com o número de prótons

existentes no núcleo e com o número de elétrons na coroa eletrônica. O trabalho de Aston foi

continuado por muitos outros pesquisadores e hoje em dia o número de isótopos conhecidos,

naturais e artificialmente produzidos supera a casa dos 2.50010. Entre os muitos isótopos

identificados está o chumbo, com massa atômica pouco maior do que 210 vezes a massa do átomo

de hidrogênio, que é o chumbo radioativo presente em minérios de urânio. A massa atômica do

chumbo natural, composto por uma mistura de quatro isótopos

principais, que não inclui o chumbo radioativo, é 207,2.

10 Ver, por exemplo, Parrington e colaboradores, 1996, “Nuclides and Isotopes”, 15th edition, Lockheed Martin and General Electric Nuclear.

A existência de núcleos estáveis na natureza era, na década de 1920, um fato de difícil explicação. Se o núcleo é composto por prótons, o que impede que o núcleo se desintegre espontaneamente devido à força de repulsão elétrica entre eles? A resposta para isso é a existência de forças nucleares que se opõem à força de Coulomb, mas esse não é assunto para este curso. O que importa ter em mente é o fato de que, para os átomos mais pesados do que o hélio, a estabilidade é consequência da existência de uma terceira partícula no interior do núcleo, o nêutron. O nêutron é uma partícula sem carga elétrica e com uma massa muito próxima à massa do próton. Entre os nêutrons e entre os nêutrons e os prótons atua a mesma força nuclear, de forma que a soma das forças de repulsão elétrica é, na maioria dos isótopos naturais, superada em muito pelas forças de atração nuclear. O nêutron só foi descoberto em 1933 por James Chadwick.

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10 As forças que impulsionam as placas litosféricas

Com a descoberta do nêutron foi definida uma nova característica dos núcleos atômicos: o

número de massa. O número de massa é igual à soma do número de prótons mais o número

de nêutrons contidos no núcleo. O número de massa não pode ser confundido com a massa

atômica. Número de massa é o número de partículas presentes no núcleo, enquanto massa atômica

é a massa ou a quantidade de matéria existente no núcleo. Hoje em

dia, as massas atômicas são medidas em unidades atômicas de massa

e essa unidade é definida como 1/12 da massa do isótopo do carbono

que contém em seu núcleo 6 prótons e 6 nêutrons, ou seja, do

isótopo do carbono com número de massa 12. A esse isótopo se

atribuiu, arbitrariamente, a massa de 12 unidades de massa11. Uma

unidade atômica de massa é equivalente a 1,66053886 × 10-27 kg.

A massa do próton é 1,0072765 unidade atômica de massa e a

massa do nêutron é 1,0086649 unidade atômica de massa. A massa

do elétron é muito pequena: a razão entre a massa do elétron e a massa do próton é 0,00054.

A massa atômica do hidrogênio com número de massa igual a um - o isótopo mais leve da

natureza - é 1,00783, e a massa atômica do isótopo do urânio com número de massa igual a

238 - o isótopo natural mais pesado - é 238,05078.

O hidrogênio encontrado na natureza é a mistura dos isótopos com número de massa um,

chamado de hidrogênio leve ou hidrogênio, e com número de massa dois, chamado de deutério.

A massa atômica do deutério é 2,014102. Existe um terceiro isótopo natural do hidrogênio

- o trítio ou trício -, que é radioativo e produzido pela interação da radiação cósmica com

a atmosfera. A participação desse terceiro isótopo na composição do hidrogênio é mínima.

A massa atômica do elemento hidrogênio é 1,00794, o que reflete uma composição isotópica

de 99,985% de hidrogênio leve e 0,0148% de deutério.

O urânio encontrado na natureza é composto do isótopo com número de massa 238, do

isótopo com número de massa 235 e de outro isótopo presente em quantidades muito pequenas,

o isótopo com número de massa 234. A massa atômica do isótopo com número de massa 235

é 235,04406 e a massa atômica do urânio natural é 238,0289, o que reflete uma composição

isotópica de 99,3% em número de átomos do isótopo mais pesado e de 0,7% do isótopo com

número de massa 235. Essa composição isotópica, que é a composição média do urânio é

essencialmente constante na Terra. No entanto, existe pelo menos um local na África - a região

da mina de Oklo, que fica no Gabão, África Equatorial, onde essa composição é diferente.

11 A atribuição de uma massa arbitrária ao 12C não deve causar surpresa a ninguém. A medida de massa, seja da massa ou do peso, como erradamente se diz no dia a dia, de carne adquirida no supermercado seja a massa do próton, é sempre uma medida comparativa. Não existe um padrão absoluto de massa. O máximo que pode ser feito é comparar a massa ou a quantidade de matéria, contida em diferentes corpos. Para o comércio em geral, o padrão estabelecido por convenção inter-nacional é o quilograma, que corresponde à quantidade de matéria contida em um bloco de uma liga de irídio e platina, mantido no Bureau Internacional de Pesos e Medidas, em Sèvres, na França.

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Geofísica

10.4.2 Os processos de decaimento e a geração de calor

Os processos de decaimento radioativo que ocorrem na natureza podem ser classificados em

três famílias: o decaimento alfa, o decaimento beta e o decaimento gama. Os decaimentos alfa e

beta foram inicialmente identificados, em 1898, por Rutherford, que demonstrou também a

natureza corpuscular da radiação produzida nesses decaimentos. A radiação gama foi inicialmente

identificada por P. Villard em 1900, mas a natureza dessa radiação só foi perfeitamente definida por

Rutherford e Costa Andrade em 191412. Ao contrário do que ocorre com as radiações alfa e beta,

a radiação gama é um tipo de radiação eletromagnética. Rutherford e Costa Andrade mostraram

a natureza ondulatória da radiação gama e mediram o comprimento

de onda dessa radiação, usando a técnica de difração em cristais e

concluíram que a radiação gama é essencialmente o mesmo tipo de

radiação dos raios, X, já conhecidos na época.

Para simplificar a escrita, um isótopo qualquer é representado

pelo símbolo AZ X . Nessa representação, X substitui o símbolo do elemento químico, A

corresponde ao número de massa e Z corresponde ao número atômico. Por exemplo, o urânio

com número de massa 238 se representa como 23892 U , o número atômico do urânio é 92.

O deutério se representa como 21H e o carbono com número de massa 12 se representa como 12

6C.

No decaimento alfa, um isótopo radioativo com número de massa A e número atômico Z

se desintegra, seguindo a equação geral:

10.12

Nessa equação, a partícula alfa já foi identificada com o núcleo do elemento químico hélio com

número de massa 4 e número atômico 2. A identificação da partícula alfa com o núcleo de hélio foi

inicialmente sugerida por Rutherford e demonstrada por William Ramsay e Frederick Soddy, em

1903, e definitivamente confirmada pelo próprio Rutherford e por T.D. Royds entre 1907 e 1908.

12 Embora o nome seja de origem ibérica, Edward Neville da Costa Andrade era inglês. A família Costa Andrade emigrou para a Inglaterra em consequência da perseguição contra os judeus, que ocorreu na Península Ibérica no final do século XV e no começo do século XVI, mas conservou o nome de forma inalterada).

4 41 2 He energia na forma de energia cinéticaA A

Z zX Y−−→ + +

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10 As forças que impulsionam as placas litosféricas

As partículas alfa são emitidas com velocidades variáveis, dependendo do núcleo emissor,

mas os valores mais comuns estão no intervalo entre 1,5 × 107 m/s e 2,1 × 107 m/s. Existem

partículas emitidas com velocidades maiores. Para conservar a quantidade de movimento do

sistema inicialmente composto apenas pelo núcleo emissor em repouso, o núcleo produzido, A-4Z 2Y− na equação 10.12, algumas vezes chamado de núcleo residual, também é emitido com

uma velocidade normalmente muito menor, na mesma direção, mas no sentido oposto da

trajetória da partícula alfa. A diferença significativa de velocidade se deve ao fato de que,

normalmente, o núcleo residual tem uma massa muito maior do que a massa da partícula alfa.

Como tanto o núcleo residual como a partícula têm carga elétrica diferente de zero, uma série

de ionizações ocorre ao longo da trajetória das duas partículas. Ionização significa remoção

de um ou mais elétrons da coroa eletrônica dos átomos existentes ao longo das trajetórias.

Para que a remoção ocorra, é necessário realizar trabalho sobre os átomos e esse trabalho é reali-

zado à custa do consumo da energia cinética da partícula alfa e do núcleo residual. A velocidade

das duas partículas decresce até o ponto em que elas absorvem o número de elétrons necessário

para a sua neutralização elétrica, parando logo em seguida.

O resultado do processo descrito acima é a produção de calor no meio, que absorve a partí-

cula alfa e o núcleo residual. Além de o argumento acima fazer sentido, uma vez que se trata de

uma conclusão obtida através da lei da conservação da energia, o efeito pode ser demonstrado

experimentalmente. O fato de a desintegração alfa produzir calor foi observado, pela primeira

vez, por Pierre Curie e A. Laborde em 1903, logo após a descoberta do elemento químico rádio,

em 1898, pelo casal Pierre e Maria Curie.

O isótopo mais abundante do rádio é o 22688 Ra, que é radioativo e emite partículas alfa.

A observação feita por Curie e Laborde consistiu na preparação de duas amostras com massas

iguais de cloreto de bário e de cloreto misto de bário contendo aproximadamente 0,1 grama

de rádio. O rádio é um elemento químico da mesma família do bário, os elementos alcalinos

terrosos. Ambos têm propriedades químicas muito semelhantes, precipitam de soluções nas

mesmas condições e formam compostos químicos onde o rádio substitui parte do bário.

Cada uma das massas de sal foi encerrada em calorímetros iguais, e a temperatura do calo-

rímetro que continha cloreto de bário e o que continha cloreto de bário e de rádio atingiu,

em equilíbrio, a diferença de temperatura de 1,5 °C. Não há nenhuma reação química possível

envolvida no processo. Os sulfatos são compostos estáveis no intervalo de temperaturas em que

a observação foi feita. Os calorímetros foram mantidos no mesmo ambiente e submetidos às

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mesmas condições externas. Como o rádio é radioativo, a diferença de temperatura foi atribuída

à absorção da radiação emitida por esse elemento.

Uma vez que a energia transportada pela radiação alfa emitida é extraída do átomo, na

realidade do núcleo atômico, mas a existência do núcleo ainda não era conhecida na época, uma

série de especulações sobre o aproveitamento da energia contida nos átomos, para uso militar

inclusive, foi feita já naquela ocasião.

A descrição das outras famílias de decaimento radioativo não é necessária nem oportuna no

momento. O que é importante que se leve em consideração é o fato de que, do mesmo modo

que a partícula alfa cede sua energia para o meio que ela atravessa, as outras radiações também

cedem. O mecanismo não é exatamente o mesmo, os processos de interação de cada tipo de

radiação com a matéria são diferentes, mas o resultado final é sempre o mesmo: a ionização do

meio que é feita à custa da energia transportada pela radiação. No final do processo, quando os

átomos do meio readquirem a neutralidade elétrica, o que sobra é calor cedido para o meio.

A mesma observação feita por Curie e Laborde em 1903 foi repetida em muitas ocasiões

com os outros processos de decaimento. Essencialmente, medidas feitas com calorímetros, que

confirmam a produção de calor em um meio material como consequência da absorção da

energia liberada pelos diversos processos de decaimento radioativo.

Com alguma frequência, um núcleo radioativo dá origem a um novo núcleo radioativo. Por

exemplo, o urânio 23892 U decai por emissão alfa para o isótopo do tório com número de massa 234,

o 23490Th. O 234

90Th também é radioativo, mas decai por emissão beta. O seu produto de decaimento

é isótopo do elemento químico protactínio com número de massa 234, o 23492 Pa. E não para por aí.

O processo continua até a produção de um núcleo do isótopo 20682 Pb, que é estável.

Decaimentos como o descrito acima formam o que se chama uma série radioativa.

Na natureza, existem três séries radioativas que se iniciam, respectivamente, com o 232

90Th, conhecida como série do tório, o23592 Ue o 238

92 U. Por razões históricas, a série iniciada

pelo isótopo do urânio com número de massa 235 é chamada de série do actínio e a

série iniciada pelo 23892 U é chamada de série do urânio. As Figuras 10.12, 10.13 e 10.14

apresentam as três séries radioativas. Todos esses isótopos são importantes para a geração

de calor nas rochas do interior da Terra e, em particular, nas rochas que formam a crosta

continental. Além dos isótopos pertencentes às séries radioativas naturais, o isótopo 40K

também contribui significativamente para a produção de calor no interior da Terra.

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10 As forças que impulsionam as placas litosféricas

Figura 10.13: Série do decaimento do 235U ou série do actínio, como é historicamente chamada. A série é conhecida por ter o número de massa de seus membros dado pela expressão 4n+3. O pai da série, o 235U, tem uma meia-vida de 7,13 x 108 anos. / Fonte: adaptado de bonotto, 1986.

Figura 10.12: Série do decaimento do 238U ou série do urânio. A série é conhecida por ter o número de massa de seus membros dado pela expressão 4n+2. O pai da série, o 238U, tem uma meia-vida de 4,49 x 109 anos. / Fonte: adaptado de bonotto, 1986.

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Figura 10.14: Série do decaimento do 232Th ou série do tório. A série é conhecida por ter o número de massa de seus membros dado pela expressão 4n. O pai da série, o 232Th, tem uma meia-vida de 1,39 x 1010 anos. / Fonte: adaptado de bonotto, 1986.

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10 As forças que impulsionam as placas litosféricas

O potássio tem três isótopos naturais e vários artificiais. Os isótopos naturais são o 39K, que

responde por 93,1% da composição isotópica em número de átomos; o 40K, correspondendo a

0,012% da composição isotópica; e o 41K, que representa 6,88 % da composição isotópica do

potássio natural. Só o 40K é radioativo.

A lei do decaimento radioativo, proposta por Rutherford e

Soddy em 1903, estabelece que a taxa de decaimento radioativo é

uma característica do núcleo13 descrita pela equação

10.13

onde N é o número de núcleos radioativos de uma determinada espécie e λ é uma constante

característica dessa espécie de núcleo. A equação 10.13 é equivalente a

10.14

A constante λ, também chamada de constante de decaimento, é uma característica de uma

espécie de núcleo definida por um número atômico Z e um número de massa A, mas não só

por eles. Alguns núcleos idênticos em número de massa e número atômico podem desintegrar

com diferentes valores de λ. Núcleos com os mesmos números atômicos e de massa, mas com

propriedades nucleares diferentes, são chamados isômeros. Por exemplo, existem dois núcleos

com número atômico 91 e número de massa 234, que são radioativos, decaem por emissão beta

e têm constantes de decaimento diferentes.

O 23491Pa é um dos isótopos do elemento químico protactínio. Esse isótopo é produzido

pelo decaimento da série do urânio, sendo o produto direto do decaimento do 23492Th.

O decaimento do 234Th gera núcleos de 234Pa, que podem ter uma entre duas distribuições de

energia diferentes. Essa diferença na distribuição de energia interna do núcleo é o que causa a

existência de duas constantes de desintegração.

A taxa de produção de calor, ou seja, a quantidade de calor produzida por unidade de tempo, ou potência liberada, pela desintegração nuclear depende da taxa de decaimentos radioativos sofridos pelos vários isótopos. Todos os processos de decaimento radioativo conhecidos obedecem a uma expressão simples chamada lei do decaimento radioativo.

13 Rutherford e Soddy estabeleceram a lei do decaimento radioativo antes da descoberta do núcleo atômico e por isso eles tratavam, nessa época, a radioatividade como um fenômeno atômico.

dN NdE

= −λ

0( ) tN t N e−λ=

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A equação 10.14 mostra que o número de isótopos de uma determinada espécie

decresce com o tempo seguindo uma função exponencial. As Figuras 10.15a e 10.15b

apresentam, esquematicamente, o decréscimo do número de isótopos 14C em função do

tempo. A Figura 10.15a apresenta esse decréscimo em um diagrama cartesiano, onde o

eixo das ordenadas representa o número de isótopos e o eixo das abscissas representa o

tempo em milhares de anos. A Figura 10.15b representa a mesma coisa, mas o eixo das

ordenadas representa o logaritmo natural do número de isótopos. Olhando para essa figura,

pode-se perceber que, começando com o tempo igual a zero, depois de um determinado

Figura 10.15: Esquema do decaimento do radiocarbono (14C) como função do tempo, expresso em meias- vidas desse isótopo (5.730 anos). O radiocarbono decai por emissão beta. a. a escala das ordenadas é linear; b. a escala das ordenadas é logarítmica. Observe que a ativi-dade do radioisótopo é dividida pela metade cada vez que decorre o período de uma meia-vida.

a

b

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10 As forças que impulsionam as placas litosféricas

intervalo de tempo, o número de isótopos cai pela metade. Contando o tempo a partir

desse ponto, depois de um intervalo de tempo exatamente igual ao anterior, o número de

isótopos cai para a metade da metade do número inicial. O tempo para que isso aconteça

é, na realidade, uma característica da função exponencial e é uma constante. No caso da

lei do decaimento radioativo, essa constante recebe o nome de meia-vida (T1/2) do isótopo

e representa o tempo necessário para que o número de isótopos, independentemente de

quando comece a observação, caia para a metade. Não é difícil demonstrar que a relação

entre a meia-vida e a constante de decaimento é

10.15

A taxa de produção de calor por decaimento radioativo depende, portanto, de três fatores

independentes: a energia liberada em cada desintegração, o número de isótopos presentes em

um determinado instante e a constante de decaimento.

No caso das séries radioativas, pode ocorrer uma situação muito particular, conhecida como

equilíbrio radioativo natural, onde todos os isótopos da série decaem com a mesma taxa de decaimento

do primeiro isótopo da série. A primeira condição para que isso ocorra é a de que a meia vida do isótopo

que inicia a série seja muito maior do que as meias-vidas dos demais isótopos produzidos na série.

No caso das três séries radioativas naturais, isso acontece (ver Figuras 10.12, 10.13 e 10.14). A segunda

condição é os diversos isótopos serem mantidos confinados juntos e isolados em uma região limitada,

sem troca com o meio externo, por um intervalo de tempo correspondente a aproximadamente oito

meias-vidas do isótopo da série com a maior meia vida, excluindo-se o isótopo inicial. No caso da

série do urânio, por exemplo, o isótopo inicial tem uma meia-vida de 4,5 × 109 anos e o isótopo da

série com maior meia-vida depois do 238U é o 234U. A meia-vida desse isótopo é 2,5 × 105 anos, o

que significa que o equilíbrio radioativo secular na série do urânio é atingido após 2.000.000 de anos.

Com as séries em equilíbrio radioativo secular, a taxa de produção de calor é calculada considerando a

soma da energia liberada por todos os isótopos da série e a constante de decaimento do isótopo inicial.

A Tabela 10.9 apresenta as constantes de decaimento dos principais isótopos responsáveis

pela geração de calor no interior da Terra, as energias liberadas em cada decaimento, conside-

rando que as séries estejam em equilíbrio radioativo secular, a taxa de produção de calor por

unidade de massa do isótopo. Considerando a composição isotópica natural, a taxa de produção

de calor por unidade de massa do elemento químico urânio é 98,4 μW/kg (9,84 × 10-4 W/kg)

dN/dE= − λN

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e a do elemento químico potássio é 0,0035 μW/kg (3,5 × 10-9 W/kg). Como o tório natural é

composto essencialmente por um único isótopo, a produção de calor por unidade de massa do

elemento é a dada na Tabela 10.8. Existem cinco outros isótopos desse elemento na natureza,

mas, além de uma participação muito pequena na composição isotópica, quatro desses isótopos

pertencem às outras séries radioativas.Tabela 10.9: Energia gerada pelo decaimento radioativo dos principais isótopos radioativos naturais.

Isótopo Meia-vida em anosEnergia liberada por decaimento (joule)

Potência (μW/kg do isótopo)

238U 4,468 x 109 7,63 x 10-15 95,0235U 7,038 x 108 7,02 x 10-15 562,0

232Th 1,401 x 1010 6,48 x 10-15 26,640K 1,250 x 109 1,14 x 10-16 30,0

Fonte: adaptado de Stacey, 1977.

As rochas que compõem o manto, a crosta e o manto contêm quantidades variáveis de

elementos radioativos. A Tabela 10.10 apresenta um resumo da concentração média dos prin-

cipais elementos calorígeros, que geram calor, em alguns tipos de rocha e a taxa de produção de

calor por unidade de volume dessas rochas.Tabela 10.10: Concentração de urânio, tório e potássio e taxa de produção de calor típico de diversos tipos de rocha.

Rocha U (ppm) Th (ppm) K (%) A (µ W/m2)Granito/riolito 3,9 16,0 3,6 2,45

Granodiorito/dacito 2,3 9,0 2,5 1,48

Diorito/quartzodiorito 1,7 7,0 1,1 1,08

Gabro/basalto 0,5 1,5 0,4 0,309

Peridotito 0,02 0,06 0,006 0,0117

Dunito 0,003 0,01 0,0009 0,00188

Migmatito 2,7 18,5 4,0 2,4

Gneisse 4,85 13,1 3,11 2,44

Granulito 1,0 4,4 1,76 0,9

Filito 1,96 5,85 1,80 1,18

Quartzito 0,6 1,8 0,9 0,32

Dolomito 1,0 0,8 0,7 0,36

Calcário 2,0 1,5 0,3 0,62

Anidrito 0,1 0,3 0,4 0,012

Folhelhos e siltitos 3,7 12,0 2,7 1,8

Folhelhos escuros 20,2 10,9 2,6 5,5

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10 As forças que impulsionam as placas litosféricas

Com base em argumentos geoquímicos e cosmoquímicos, principalmente sobre a presença

dos principais elementos calorígeros nos diferentes tipos de meteoritos14, a taxa total de produ-

ção de calor no interior da Terra pode ser estimada em 31,4 × 1012 W,

o que corresponde a pouco menos de 75% da estimativa de fluxo de

calor total na superfície da Terra.

10.4.3 Produção de calor na crosta continental e na crosta oceânica

Como foi descrito na aula 7 desta disciplina, a crosta continental tem uma estrutura e

composição muito mais complexa do que a crosta oceânica. Enquanto a crosta oceânica, na

maior parte da sua extensão, apresenta uma estrutura composta por três camadas distintas: a

primeira formada por rochas sedimentares; a segunda e a terceira formadas, respectivamente,

por basaltos e gabros, a crosta continental só em primeira aproximação, ou melhor dizendo,

em uma aproximação inicial e muito grosseira, tem uma estrutura em camadas. Além disso, a

composição da crosta continental é muito variada.

As rochas da crosta oceânica são caracteristicamente muito empobrecidas nos elementos

urânio e tório quando comparadas com as rochas da crosta continental. Os basaltos toleíticos,

que são os basaltos produzidos nas cadeias meso-oceânicas e que representam um volume signi-

ficativo das bacias oceânicas, têm concentrações de urânio da ordem de 0,75 μg para cada grama

de rocha (0,75 μg/g ou 0,75 ppm, que significa partes por milhão em massa). A concentração

típica de tório nesse tipo de rocha é 2,5 μg/g. Nos granitos, que são rochas comuns na crosta

continental, a concentração de urânio é da ordem de 4,6 μg/g, cerca de seis vezes maior do que

a dos basaltos toleíticos. A concentração típica de tório nos granitos é da ordem de 18 μg/g,

pouco mais do que sete vezes a concentração nos basaltos.

O terceiro elemento calorígero importante - o potássio - também é empobrecido nas rochas

da crosta oceânica em comparação com as rochas da crosta continental. No caso dos basaltos

toleíticos, a concentração do elemento potássio é da ordem de 1,2% em massa e, no caso dos

granitos, da ordem de 3,3% em massa15.

A diferença de concentração de U, Th e K nas rochas continentais

e nas rochas oceânicas indica que as rochas da crosta continental

produzem significativamente mais calor por unidade de massa do

que as rochas da crosta oceânica.

14 Ver, por exemplo, Wallace S. Brocker, How to Build a Habitable Planet, Eldigio Press, Lamont-Doherty Geological Observatory, 1985.

15 Em trabalhos de geoquímica, é comum apresentar-se a concentração de potássio na forma de óxido de potássio (K

2O) e não na

forma do elemento potássio. A concentração de 1% do elemento químico potássio (K) corresponde à concentração de 2,4% de K

2O.

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Considerando que a taxa de produção de calor por unidade de massa do elemento químico

urânio é 98,4 μW/kg, a taxa de produção de calor por unidade de massa do tório é 26,6 μW/kg

e a do elemento químico potássio é 0,0035 μW/kg, a taxa de produção de calor por unidade de

massa (Ho) de uma rocha que tenha uma concentração de potássio C

K em % de massa, de urânio

natural CU em μg/g e de tório C

Th em μg/g, é

10.16

A taxa de calor por unidade de volume (A) de rocha é dada por

10.17

onde ρ é a densidade da rocha em kg/m3.

Usando a equação 10.16 tem-se que a produção de calor por um basalto toleítico típico é

de 180 × 10-12 W/m3, pouco menos de seis vezes menor do que a taxa de produção de calor de

um granito típico, que é de 1050 × 10-12 W/m3.

A crosta continental não é formada apenas por granitos e a crosta oceânica não é formada

apenas por basaltos toleíticos. A Tabela 10.10 apresenta a taxa de produção de calor nos

principais tipos de rocha encontrados nos continentes e nos oceanos. A diferença nas taxas

de produção de calor em um caso e no outro e a diferença de volume das crostas continental

(~8.000 km3) e oceânica (~2.200 km3) mostram que se deve esperar uma produção de calor

significativamente maior nos continentes do que nos oceanos.

A estrutura complexa da crosta continental torna difícil estimar como os elementos produtores

de calor estão distribuídos no seu volume. Existem diversas regiões que são interpretadas como

se fossem seções crustais verticais que foram tectonicamente expostas na superfície. A medida

da taxa de produção de calor nas rochas dessas seções sugere que as rochas da crosta inferior

apresentam taxas de produção de calor significativamente inferiores às das rochas da crosta superior.

A taxa de produção de calor também varia significativamente na superfície da crosta.

Em muitas regiões, pode-se observar uma relação linear entre a taxa de produção de calor (Ho),

medida nas rochas da superfície, e a do fluxo de calor (Q) observado em uma região com a forma

10.18

12o u Th K(98,4 26,6 35 ) 10 W/kgH C C −= + + ×

12 3U Th K(98,4 26,6 35 ) 10 W/mA C C C −= ρ + + ×

o oQ Q DH= +

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10 As forças que impulsionam as placas litosféricas

Essa relação empírica tem sido alvo de diferentes explicações. A mais simples relaciona

a inclinação D à espessura da camada produtora de calor e a intersecção Qo ao fluxo de

calor proveniente do interior da Terra e que cruza a base da camada superior. Um outro

modelo simples associa D à profundidade característica de uma distribuição vertical de

calor com a forma

10.19

Nenhum desses modelos simples corresponde à complexidade observada na crosta continental

e da distribuição de elementos radioativos no seu volume. O modelo dado pela equação 10.19 é

uma tentativa de representar, de forma simples, a diminuição da taxa de produção de calor como

função da profundidade que é observada em algumas seções crustais tectonicamente expostas.

Esses modelos, embora muito simples, são úteis no cálculo de geotermas aproximadas para

diversas regiões e para estimativas do fluxo de calor proveniente do manto subcontinental.

A origem da relação linear entre a taxa de produção de calor e o fluxo de calor não é, até

hoje, bem entendida e existe dúvida sobre a validade das diferentes interpretações que foram

feitas a respeito do seu significado físico.

O fluxo de calor proveniente do manto abaixo dos continentes deve variar entre 17 mW/m2

e 31 mW/m2 em regiões estáveis. Em bacias oceânicas longe das dorsais e caracterizadas por

uma topografia plana, as estimativas do fluxo de calor proveniente do manto inferior variam

entre 25 mW/m2 e 38 mW/m2.

10.5 Sólidos e fluidosUma das principais características mecânicas dos sólidos é o fato de eles possuírem rigidez,

ou seja, resistirem às tentativas de alteração da sua forma. Os fluidos, por sua vez, não têm rigidez

alguma e escoam de forma a anular as componentes que não sejam de compressão dos esforços

aplicados sobre eles. A consequência disso é os fluidos não terem forma definida e, por isso, se

adaptam à forma do recipiente que os contém. Essa diferença marcante de comportamento sob

a ação de esforços externos, ou de comportamento reológico, é normalmente utilizada para

distinguir os sólidos dos fluidos.

o( ) zH z H eD−

=

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Geofísica

O uso dessa diferença como critério para distinguir uma coisa da outra pode levar, no

entanto, a alguma imprecisão. O vidro comum é para qualquer pessoa que manuseie um copo

ou uma garrafa, um sólido. O fato de segurar com firmeza um copo de vidro não altera em

nada a sua forma, e uma garrafa desse material revela um volume e uma forma constante para

as observações corriqueiras, diárias.

No entanto, o vidro em repouso, quando observado durante muito tempo - da ordem de

vários séculos -, apresenta um comportamento que lembra o dos fluidos. O vidro de vitrais de

catedrais muito antigas apresenta forma semelhante à de um fluido muito viscoso escoando,

com o alargamento da base e afinamento da parte superior. Isso sugere que o vidro se comporta

como um sólido quando a observação tem uma duração curta, mas se comporta de uma forma

diferente quando a observação tem uma duração muito longa.

O comportamento dos sólidos sob a ação de esforços externos é, de um lado, muito mais

complexo do que a experiência diária sugere, e de outro, em parte conhecido há muito tempo,

na realidade, pelo menos desde que o homem começou a utilizar os metais.

10.5.1 Comportamento reológico dos sólidos

Os sólidos podem ser, em uma primeira

aproximação, classificados como sólidos rúpteis,

que se rompem ou quebram sob a ação de esforços,

e sólidos dúcteis, que se amoldam sob a ação de

esforços. Todo mundo sabe que o vidro se quebra

sob a ação de esforços grandes, sem apresentar

grandes deformações além da formação da

fratura. Por outro lado, qualquer pessoa que tenha

manuseado uma folha de alumínio ou cobre sabe

que esses metais se adaptam a formas diferentes.

A diferença entre sólidos rúpteis e dúcteis

pode ser mais bem observada através de uma

experiência simples. Imagine que um tarugo

reto de vidro seja preso entre as mandíbulas de

uma morsa, ou posta em uma prensa, e apertada

Figura 10.16: Esquema de um ensaio de compressão uniaxial feito com uma barra de vidro (material rúptil se a carga for rápida). A deformação não elástica principal é a formação de fraturas no corpo de prova.

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10 As forças que impulsionam as placas litosféricas

lentamente. A Figura 10.16 mostra esquematicamente o que acontece. Durante certo intervalo

do valor do esforço aplicado - um intervalo muito curto na realidade -, a deformação do vidro

é uma deformação elástica. O vidro se deforma seguindo o previsto pela teoria das deformações

infinitesimais (ver texto O campo magnético terrestre). Se o esforço for removido, o vidro

recupera o seu estado inicial.

Aumentando o esforço aplicado, o vidro se rompe, ou seja, desenvolve um conjunto de

fraturas. Juntando os pedaços do vidro fraturado, pode-se perceber que as fraturas são as

deformações principais e que não há uma deformação permanente importante antes do

desenvolvimento da fratura. Esse é o comportamento rúptil típico.

A mesma experiência pode ser repetida

com um tarugo de chumbo. O resultado

agora é diferente. Existe um intervalo,

também curto de esforços, onde a

deformação é elástica, mas logo o chumbo

apresenta deformações permanentes

grandes. O chumbo vai-se deformando

progressivamente sem se romper. Esse é o

comportamento dúctil típico.

O comportamento dúctil é típico

dos metais e essa propriedade é o que

permite que os metais, ou pelo menos

alguns deles, sejam moldados. Graças à

ductilidade do alumínio, por exemplo,

uma chapa plana desse metal pode ser

moldada em uma prensa para assumir a

forma de uma assadeira.

O comportamento rúptil ou dúctil

de um sólido depende da temperatura

e pressão. O ferro à temperatura

ambiente é difícil de ser moldado; mas,

se for aquecido a ponto de emitir luz

vermelha, se torna muito mais maleável.

Figura 10.17: Esquema do perfil de comportamento reológico em uma região continental caracterizado por um gradiente de temperatura normal (~20 °C/km). A escala da rigidez é arbitrária. Com o aumento de profundidade no interior da crosta continental, a rigidez aumenta em consequência do aumento da pressão confinante média, que é o fator dominante no controle da reologia da rocha até aproximadamente 30 km de profundidade. A partir dessa profundidade, a influência da temperatura passa a ser dominante sobre o comportamento reológico, que transita de rúptil para dúctil. Na base da crosta continental, devido à mudança de material, o comportamento volta a ser rúptil até aproximadamente 40 km de profundidade. / Fonte: adaptado de Molinar, 1988.

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Geofísica

O aço, que na temperatura ambiente apresenta uma grande rigidez, a ponto de se utilizarem

vigas de aço para a sustentação de edifícios, quando aquecido a uma temperatura da ordem de

metade da sua temperatura de fusão, cede muito rapidamente a esforços de cisalhamento. Essa

é uma das causas do desabamento de edifícios sustentados por vigas e colunas de aço no caso

de grandes incêndios.

O comportamento reológico depende também da pressão confinante, que é definida como o

esforço médio de compressão ao qual o material é submetido. Quanto maior for a pressão confinante,

maior é a rigidez do material.

O comportamento reológico do material que compõe a crosta e o manto superior varia

como função da profundidade, refletindo a variação das condições de pressão, temperatura

e composição química e mineral desse material. Considerando uma crosta continental

típica, com uma espessura de 35 km e com um gradiente térmico normal, da ordem

de 20 °C/km, a rigidez aumenta como função da profundidade até cerca de 30 km de

profundidade (Figura 10.17). O aumento de rigidez reflete o efeito do aumento da pressão

confinante. A essa profundidade, a rigidez começa a diminuir como função da profundidade,

refletindo o aumento da temperatura,

e o comportamento reológico passa

progressivamente de rúptil para

dúctil. No topo do manto superior,

devido à mudança de material, a

rigidez aumenta bruscamente e o

comportamento volta a ser rúptil

até cerca de 40 km de profundidade,

quando a rigidez volta a decrescer.

A limitação da profundidade dos

hipocentros a menos de 50 km de

profundidade em ambientes como

esse reflete o comportamento

reológico descrito.

A Figura 10.18 apresenta o

comportamento reológico em regiões

de planícies abissais, longe dos centros

de espalhamento do assoalho oceânico. Figura 10.18: Esquema do perfil de comportamento reológico em uma bacia abissal. A escala da rigidez é arbitrária. / Fonte: adaptado de Molinar, 1988.

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10 As forças que impulsionam as placas litosféricas

A rigidez do material aumenta como função da profundidade até cerca de 30 km de profundidade,

caindo de forma monotônica para profundidades maiores. Em ambientes com alto valor do fluxo

de calor, a espessura da camada rígida é muito reduzida.

O aumento da ductilidade do material no interior da Terra favorece o seu fluxo quando

submetido a esforços persistentes, fazendo com que o manto escoe de forma semelhante a um

fluido viscoso. Por outro lado, a passagem de uma onda sísmica produz um ciclo de deformação

que tem a duração de poucos segundos, no caso das ondas de volume, e a pouco menos de uma

hora, no caso das oscilações livres. A deformação associada à passagem de uma onda sísmica de

volume é muito pequena, da ordem de 10-5 ou menor. É conveniente lembrar que a defor-

mação, seja ela de volume ou de forma, é uma grandeza adimensional. Para deformações tão

pequenas impostas em uma escala de tempo de menos de dez segundos, o material do manto

se comporta essencialmente como um sólido elástico, ou seja, um material dotado de rigidez.

10.5.2 Fluido viscoso e viscosidade dinâmica

Um fluido escoa sempre que houver esforços tangenciais agindo sobre a sua superfície.

O escoamento ocorre sempre no sentido de anular os esforços tangenciais. Em um fluido em

equilíbrio estático, não existem esforços tangenciais e os esforços compressivos são idênticos

em todas as direções (pressão hidrostática). O escoamento de um fluido real encontra sempre

uma resistência causada pelo próprio fluido, que pode ser mais bem compreendida através

do experimento esquematizado na Figura 10.19. Nesse experimento, na superfície de uma

camada de fluido com uma espessura grande é arrastada uma placa de um sólido rígido. Para

simplificar o raciocínio, considere que o fluido seja mel e a placa seja de madeira.

Um outro fator importante para a definição do comportamento reológico dos sólidos é a velocidade com que a deformação se processa. O motivo para isso é ligado à difusão dos átomos, íons ou moléculas no interior do sólido e a sua explicação detalhada foge muito do objetivo do curso. O importante é ter em consideração que deformações lentas, produzidas por esforços pequenos, permitem ao sólido que se adapte à deformação, favorecendo o comportamento dúctil. Deformações muito rápidas na presença de esforços grandes tendem a produzir fraturas no material, ressaltando um comportamento rúptil.

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Geofísica

Se o movimento for lento, o mel se adere à placa de forma que a sua velocidade no contato

com a superfície sólida é igual à velocidade da placa. Para distâncias maiores, a velocidade do

mel diminui, mas a direção e o sentido se mantêm. O fluxo, nesse

caso, é chamado fluxo laminar, uma vez que o fluxo se processa

como se fosse em lâminas ou camadas finas superpostas16.

O fluido imediatamente abaixo da placa oferece uma resistência

ao arraste na forma de uma força paralela à sua superfície e distribuída sobre a superfície.

Em contrapartida, o fluido é arrastado pela placa com a mesma força. O fluido abaixo da camada

em contato imediato com a placa resiste ao fluxo logo acima e é arrastado por ele. Como

resultado, no volume do fluido, forma-se um padrão de fluxo onde a velocidade é paralela à

superfície e varia como função da profundidade (ver Figura 10.19). A relação entre a força

(Ft) por unidade de área (ΔS), que age sobre o fluido, e a variação vertical da velocidade dv/dz

10.20

define o que se chama viscosidade dinâmica do fluido. Quando a viscosidade é constante ao

longo da camada de fluido, ou seja, a viscosidade não depende da taxa de variação vertical da

velocidade, o fluxo é chamado de fluxo newtoniano e o fluido é chamado de fluido de Newton.

Figura 10.19: Definição de viscosidade. No exemplo da figura, a viscosidade não é constante e varia como função da velocidade.

16 Isso ocorre se a velocidade de arraste for pequena. Se a velocidade de arraste for alta, há a formação de turbilhões ou vórtices no fluido, e o fluxo passa a ser chamado de turbulento. A transição de um tipo de fluxo para outro ocorre seguindo condições específicas, que são assunto para um curso de hidrodinâmica.

tFS

dvdz

∆η =

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10 As forças que impulsionam as placas litosféricas

A viscosidade dinâmica tem dimensão de (força × tempo)/área e, no sistema SI, a sua

unidade é Pa.s. A maioria dos fluidos comuns encontrados em uma residência (água, acetona,

álcool etílico) varia entre 3 × 10-4 Pa.s e 10-3 Pa.s. Azeite de oliva tem viscosidade da ordem

de 8,4 × 10-1 Pa.s. Óleos de máquinas leves têm viscosidade da ordem de 1,1 × 10-1 Pa.s.

Gases de um forma geral têm, a 20 °C, viscosidade da ordem de 10-5 Pa.s.

10.5.3 A viscosidade do manto

Um dos postulados da teoria da tectônica de placas é o de que as placas litosféricas deslizam

sobre um manto deformável. Para justificar esse postulado, foi necessário encontrar uma evi-

dência da ocorrência desse fluxo. Essa evidência foi fornecida através da observação da variação

como função do tempo da topografia da região da Escandinávia. Levantamentos topográficos

de detalhe mostram que a Escandinávia está se erguendo a uma taxa que chega a 100 cm por

século no vértice do golfo de Bótnia, entre a Suécia e a Finlândia. Esse soerguimento fica

evidente quando se observam as diferentes antigas linhas de praia que com o tempo vão se

afastando do contato com o mar.

A região da Escandinávia foi muito afetada pela última glaciação, que ocorreu durante o

Pleistoceno e atingiu o acúmulo máximo de gelo há cerca de 18.000 anos. O gelo acumulado

representou uma carga adicional sobre a crosta e esse excesso de peso formou uma depressão

na crosta. Uma situação semelhante ocorre em parte do continente antártico, onde o peso da

camada de gelo faz com que a superfície da crosta continental esteja abaixo do nível do mar.

Com o fim da glaciação no início do Holoceno há 10.000 anos, o gelo foi removido e o soer-

guimento observado é interpretado como consequência do alívio de carga. Como se imagina

que a depressão foi formada e está sendo agora anulada?

O que se imagina é o excesso de peso possa ter comprimido a superfície da Terra. Em

resposta (Figura 10.20), o manto fluiu lateralmente para permitir a formação da depressão. O

processo de formação da depressão foi ativo até que a resistência à deformação, em parte em

virtude da força elástica gerada pela flexão da crosta e do manto superior e em parte devido ao

empuxo gerado pelo manto deformável, compensou a carga externa. Com a remoção da carga

no início do Holoceno, a placa deformada e o empuxo do manto estão empurrando a super-

fície para uma nova posição de equilíbrio. Admitindo que esse modelo, que não tem nenhuma

relação com a teoria da tectônica de placas, represente de forma satisfatória o que aconteceu na

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Geofísica

região da Escandinávia, é possível estimar a viscosidade do manto nos primeiros 75 km abaixo

da camada elástica em 4 × 1019 Pa.s e, para profundidades maiores, em torno de 1021 Pa.s.

10.5.4 Convecção no manto

O fato de o manto poder escoar como um fluido permite imaginar que ele possa entrar em

convecção. Na realidade, muitas são as evidências de que isso ocorra e existe atualmente pouca

ou nenhuma dúvida de que o manto terrestre esteja em convecção. A grande discussão é como

essa convecção se processa.

Figura 10.20: Esquema do processo de formação de uma depressão na litosfera continental devido à carga de uma geleira e do processo de soerguimento após o degelo.

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10 As forças que impulsionam as placas litosféricas

Nos últimos quarenta anos, um número muito grande de modelos foi proposto para descrever

a convecção do manto. Inicialmente, foram considerados modelos em duas dimensões muito

simples de convecção livre em camadas planas e de espessura constante, com o fluxo convectivo

percorrendo toda a camada de fluido. Foram propostos também modelos em que a convecção

é forçada por esforços que atuam sobre os contornos da camada convectiva. Posteriormente,

considerou-se a possibilidade da ocorrência de convecção livre, mas estratificada, com o fluxo

convectivo dividido em dois grandes domínios separados pela descontinuidade dos 670 km.

Mais recentemente, surgiram modelos que consideram a convecção processando-se em três

dimensões e em estado transiente, alguns considerando que o fluxo ocorre em uma camada

esférica, que é a geometria adequada para representar o manto. A influência das transições de

fase que ocorrem no manto foi incorporada nos modelos e dados geoquímicos passaram a ser

utilizados como guias para a proposição de modelos mais realistas.

A solução das equações que descrevem o movimento convectivo, mesmo considerando

modelos muito simples, é complicada e só pode ser feita através da aplicação de métodos

numéricos e do uso de computadores com grande capacidade de cálculo e de memória.

Por isso, a evolução dos modelos numéricos sobre a convecção no manto acompanhou a

evolução da computação científica nos últimos quarenta anos. Apesar de todo esse esforço,

muito pouco se sabe sobre os detalhes de como se processa a convecção no manto terrestre.

10.5.5 Afinal, como é possível?

A Terra se comporta como uma grande máquina térmica. O calor gerado na formação do

planeta e ainda retido no seu interior, o lento resfriamento do núcleo terrestre e principal-

mente o calor produzido pelo decaimento radioativo fornecem a energia necessária para o

acionamento da máquina. Por outro lado, o fato de o material do manto poder escoar como

um fluido e de esse fluido poder entrar em convecção fornece as condições necessárias para o

desenvolvimento de uma dinâmica interna no planeta. Como toda máquina térmica, a Terra

tem uma eficiência limitada de conversão de calor em trabalho. O fluxo de calor observado

ao longo de toda a superfície da Terra corresponde ao calor não aproveitado pela máquina.

Os fenômenos descritos de forma coerente e unificada pela teoria da tectônica de placas são,

em última análise, o reflexo observável na superfície do funcionamento dessa máquina térmica.

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Geofísica

10.5.6 A definição de placa litosférica

Na aula anterior, foram introduzidos os conceitos de litosfera e de astenosfera. O conceito

de litosfera, ou melhor dizendo, de placa litosférica precisa, no entanto, ser mais bem explicado.

O motivo decorre do fato de que o comportamento reológico depende da duração da

aplicação dos esforços. Usando a propagação de ondas sísmicas, onde os esforços são aplicados

em um tempo muito curto, a espessura da litosfera é da ordem de 100 km sob as bacias

abissais. Abaixo dos continentes, a espessura pode atingir o dobro desse valor. Por outro lado,

se a espessura da litosfera é estimada considerando a camada de rocha que resiste de forma

elástica à carga representada por ilhas oceânicas, como o Havaí, por exemplo, o resultado é

muito menor, entre 1/3 e metade da estimativa. Nesse segundo caso, os esforços são aplicados

em uma escala de tempo de Ma.

De uma forma geral, define-se placa litosfera como a camada de rocha cujo limite inferior

é uma superfície isotérmica (com a temperatura constante) com valor típico da ordem de

1.600 K. Abaixo dessa camada, o manto flui como um líquido viscoso. A litosfera, definida

dessa forma, inclui a litosfera elástica, aquela que se comporta aproximadamente como um

corpo elástico, e parte do manto deformável para esforços de longa duração. A litosfera elástica

e o material deformável abaixo dela e acima da superfície isotérmica se movem, no entanto,

de forma coerente e, por isso, definem uma camada, algumas vezes chamada de camada de

contorno, onde o fluxo vertical de calor se processa essencialmente por condução.

ReferênciasBonotto, D.M. 1986. Aplicações hidrogeoquímicas dos isótopos naturais das séries

do U (4n + 2) e Th (4n) no Morro do Ferro. 1986, Poços de Caldas (MG). Tese de

doutorado, IAG – USP.

Molnar, P. Continental Tectonics in the aftermath of plate tectonics. Nature,

Massachusetts, v. 335, n. 6186, p. 131-137, September 1988.

Pollack, H.N.; Hurter, S.J.; JoHSon, J.R. Reviews of Geophysics, v. 31, p. 269-311, 1993.

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10 As forças que impulsionam as placas litosféricas

Segrè, e. From X-rays to quarks: Modern Physicists and Their Discoveries.

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Sclater, J.G.; JauPart, C.; galSon, D. Reviews of Geophysics and Space Physics, v. 18,

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StrauS, J. M; ScHuBert, G. Thermal convection of water in a porous medium: Effects of

temperature- and pressure-dependent thermodynamic and transport properties. Journal

of Geophysical Research, v. 82, P. 326-353, january 1977.

GlossárioGeoterma: Geoterma é o nome que se dá a perfis de temperatura como função da profundidade no

interior da Terra.

Reologia: O termo reologia é novo para a maioria das pessoas. A palavra é proveniente do grego (rheos = fluxo, corrente) e significa o estudo da deformação e do fluxo de matéria.

Rochas porosas e permeáveis: Uma rocha é porosa quando ela tem, no seu interior, interstícios vazios não preenchidos por material sólido. Esses interstícios ou poros podem ter origens muito variadas e são preenchidos por um fluido: gases, água, hidrocarbonetos. Define-se porosidade como a razão do volume total dos poros dividido pelo volume total da rocha, que inclui os poros. Permeabilidade representa a capacidade de uma rocha permitir o fluxo de um fluido no seu interior através de poros interconectados e fraturas. A permeabilidade de uma rocha depende da existência de um espaço por onde o fluido possa escoar, mas depende também de propriedades do fluido e da estrutura da rocha. Uma rocha pode ser muito porosa e impermeável. As rochas sedimentares formadas por grãos de argila, que são muito pequenos com dimensão inferior a 0,004 mm, são exemplo desse tipo de rocha.

lista de ImagensEder Cassola Molina: Figuras 5.7, 5.8.

José Barbosa (grupo de Sismologia IAG/USP): Figuras 3.5, 3.9 (cortesia).

Thinkstock: Figura 1.10.