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PARTE I Química Atmosférica e Poluição do Ar Conteúdos da Parte I Capítulo 1 Química Estratosférica: A Camada de Ozônio Capítulo 2 Os Buracos na Camada de Ozônio Capítulo 3 A Química da Poluição Atmosférica à Superfície Capítulo 4 As Consequências da Poluição do Ar (Exterior e Interior) para o ambiente e para a Saúde Capítulo 5 A Química Detalhada da Atmosfera Análise Instrumental Ambiental I Determinação Instrumental de NO X via Quimiluminescência

106465486 Cap 1 Quimica Ambiental Colin Baird

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Qumica Atmosfrica e Poluio do ArContedos da Parte I Captulo 1 Qumica Estratosfrica: A Camada de Oznio Captulo 2 Os Buracos na Camada de Oznio Captulo 3 A Qumica da Poluio Atmosfrica Superfcie Captulo 4 As Consequncias da Poluio do Ar (Exterior e Interior) para o ambiente e para a Sade Captulo 5 A Qumica Detalhada da Atmosfera Anlise Instrumental Ambiental I Determinao Instrumental de NOX via Quimiluminescncia

CAPTULO

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Qumica Estratosfrica: A Camada de OznioNeste captulo, os seguintes tpicos introdutrios de qumica sero usados:

Mols; unidades de concentrao incluindo frao molar Lei dos gases ideais; presses parciais Termoqumica: H, Hf ; Lei de Hess Cintica: leis de velocidade; mecanismos de reao, energia de ativao, catlise

IntroduoA camada de oznio a regio da atmosfera chamada de escudo solar natural da Terra, uma vez que ela filtra os raios ultravioletas (UV) nocivos provenientes da luz solar antes que esses possam atingir a superfcie de nosso planeta, causando danos a seres humanos e outras formas de vida. Qualquer reduo substancial na quantidade de oznio pode colocar em perigo a vida na terra. Assim, o aparecimento de um gran- Uma menina aplica protetor solar para proteger sua pele contra os de buraco na camada de oznio raios UV do sol. [Fonte: Lowell George/CORBIS] sobre a Antrtida, em meados dos anos 80, representou uma crise ambiental de vital importncia. Embora algumas medidas tenham sido tomadas para prevenir sua expanso, o buraco continuar a aparecer a cada primavera sobre o Polo Sul; de fato, um dos maiores e profundos buracos na histria ocorreu em 2006. Assim sendo, importante entendermos a qumica natural da camada de oznio, tpico deste captulo. Os

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processos especficos em vigor no buraco de oznio e a histria da sua evoluo sero abordados no Captulo 2. Comeamos considerando como as concentraes dos gases atmosfricos so apresentadas e a regio da atmosfera onde o oznio est concentrado.

Regies da atmosferaOs componentes principais (desconsiderando o sempre presente, mas varivel, vapor de gua) de uma verso no poluda da atmosfera terrestre so nitrognio diatmico, N2 (cerca de 78% das molculas); oxignio diatmico, O2 (cerca de 21%); argnio, Ar (cerca de 1%); e dixido de carbono, CO2 (atualmente cerca de 0,04%). (Os nomes das substncias qumicas mais importantes de cada captulo esto impressos em negrito, junto com suas frmulas, quando so apresentadas. Os nomes das substncias qumicas menos importantes no presente contexto esto impressos em itlico.) Essa mistura de substncias qumicas parece no reativa nas camadas inferiores da atmosfera, mesmo em temperaturas ou intensidade de luz solar muito alm daquelas encontradas naturalmente na superfcie da Terra. A falta de reatividade perceptvel na atmosfera enganosa. Na realidade, muitos processos qumicos ambientalmente importantes ocorrem no ar, seja ele puro ou poludo. Nos prximos dois captulos, essas reaes sero exploradas em detalhes ao discutirmos as reaes que ocorrem na troposfera, a regio da atmosfera que se estende da superfcie at aproximadamente 15 quilmetros de altitude e que contm 85% da massa da atmosfera. No presente captulo, consideraremos os processos que ocorrem na estratosfera, a poro da atmosfera que abrange aproximadamente dos 15 at os 50 quilmetros de altitude (9-30 milhas) e que se situa logo acima da troposfera. As reaes qumicas a serem consideradas so de vital importncia para a continuidade da sade da camada de oznio, que se localiza na metade inferior da estratosfera. As concentraes de oznio e as temperaturas mdias a altitudes de at 50 km na atmosfera terrestre esto apresentadas na Figura 1-1. A estratosfera definida como a regio entre as altitudes onde a temperatura sofre uma mudana de comportamento: o limite inferior da estratosfera ocorre onde a temperatura para de sofrer diminuio com a altura e comea a aumentar, e o limite superior da estratosfera corresponde altitude onde a temperatura para de aumentar com a altura e comea a diminuir. A altitude exata na qual a troposfera termina e a estratosfera se inicia varia com a poca do ano e com a latitude.

Unidades de concentrao ambientais para gases atmosfricosPara gases presentes no ar, so comumente utilizados dois tipos de unidades de concentrao. Para as concentraes absolutas, a unidade mais comum a de nmero de molculas por centmetro cbico de ar. A variao na concentrao de oznio na unidade de molculas por centmetro cbico com a altitude mostrada na Figura 1-1a. As concentraes absolutas so algumas vezes ex-

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(a) 60 50 Altitude (km) 40 30 20 10 0 Estratosfera Camada de oznio

(b)

Troposfera 1 2 3 4 5 Concentrao de oznio em unidades de 1012 molculas/cm3 75 50 25 0 Temperatura (C) 25

FIGURA 1-1 Variao com a altitude de (a) concentrao de oznio (para regies de latitude intermediria) e (b) temperatura do ar, para diferentes regies da atmosfera inferior.

pressas em termos de presso parcial do gs, que expressa em unidades de atmosferas, quilopascal ou bars. De acordo com a lei dos gases ideais (PV nRT), a presso parcial diretamente proporcional concentrao molar n/V, e, portanto, concentrao molecular por unidade de volume, quando gases diferentes, ou uma mistura de componentes, so comparados mesma temperatura Kelvin T. As concentraes relativas geralmente esto baseadas na unidade, familiar para os qumicos, de frao molar (chamada pelos fsicos de razes de mistura), a qual tambm uma unidade de frao molecular. Pelo fato de as concentraes de muitos constituintes serem muito pequenas, os cientistas atmosfricos e ambientais expressam com frequncia a frao molar, ou molecular, como partes por. Assim, uma concentrao de 100 molculas de um gs, tal como o dixido de 6 carbono, disperso em 1 milho (10 ) de molculas de ar, seria expressa como 100 partes por milho, isto , 100 ppm, em vez de uma frao molar ou molecular de 0,0001. Analogamente, ppb e ppt representam partes por bilho (uma em 109) e partes por trilho (uma em 1012). importante enfatizar que, para gases, essas unidades de concentrao relativas expressam o nmero de molculas de um poluente (i.e., o soluto em linguagem qumica) que esto presentes em um milho, bilho ou trilho de molculas de ar. Dado que, segundo a lei dos gases ideais, o volume de um gs proporcional ao nmero de molculas que ele contm, as unidades de partes por tambm representam o volume que o gs poluente ocuparia, quando comparado a um determinado volume de ar, se o poluente fosse isolado e comprimido at que a sua presso se iguale do ar. Com o objetivo de enfatizar que a

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unidade de concentrao baseada em molculas ou volume e no em massa, um v (de volume) , s vezes, indicado como parte da unidade, por exemplo, 100 ppmv ou 100 ppmv.

A fsica e a qumica da camada de oznioPara entender a importncia do oznio atmosfrico, devemos considerar os vrios tipos de energia luminosa que so emanados pelo sol e considerar como a luz UV em particular filtrada seletivamente da luz solar pelos gases no ar. Isso nos leva a considerar os efeitos da luz UV sobre a sade humana, e como a energia da luz pode quebrar as molculas quantitativamente. Com essa base, podemos investigar os processos naturais pelos quais o oznio formado e destrudo no ar.

A absoro de luz por molculasA qumica da depleo do oznio, como de muitos outros processos na estratosfera, controlada pela energia associada com a luz solar. Por essa razo, comeamos por examinar a relao entre a absoro de luz por molculas e a ativao resultante, ou energizao, das molculas que as capacita para reagir quimicamente. Um objeto que ns percebemos como de cor preta absorve luz de todos os comprimentos de onda do espectro visvel, que vai desde cerca de 400 nm (luz violeta) at cerca de 750 nm (luz vermelha); observe que um nanmetro (nm) 9 igual a 10 metros. As substncias diferem enormemente em sua tendncia de absorver luz em um dado comprimento de onda devido s diferenas nos nveis de energia de seus eltrons. O oxignio diatmico molecular, O2, no absorve luz visvel de modo significativo, mas absorve alguns tipos de luz ultravioleta (UV), que a luz que compreende os comprimentos de onda entre cerca de 50 e 400 nm. A poro mais relevante do espectro eletromagntico est ilustrada na Figura 1-2. Observe que a regio UV comea na extremidade violeta da regio visvel, por isso o nome ultravioleta. A diviso das regies UV em diferentes componentes ser discutida mais adiante neste captulo. No outro extremo do espectro, alm da poro vermelha da regio visvel, encontra-se a luz infravermelha, que se tornar importante quando discutirmos o efeito estufa, no Captulo 6. Um espectro de absoro, como o apresentado na Figura 1-3, uma representao grfica que mostra a frao relativa da luz que absorvida por um dado tipo de molcula em funo do comprimento de onda. Na figura, mostrada a eficincia no comportamento de absoro de luz da molcula de O2 para a regio UV entre 70 e 250 nm; uma quantidade minscula de absoro continua alm dos 250 nm, mas de forma sempre decrescente (no mostrada). Observe que a frao de luz absorvida pelo O2 (dada em escala logartmica na Figura 1-3) varia de forma bem drstica com o comprimento de onda. Esse tipo de absoro seletiva observado para todos os tomos e molculas, embora as regies especficas de absoro forte e absoro nula variem amplamente, dependendo da estrutura das espcies e dos nveis de energia dos seus eltrons.

C APTULO 1Comprimento de onda (nm) 0

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QUADRO 1-2

Velocidades de reao envolvendo radicais livres (Continuao)hidrognio da gua por um oxignio atmico no estado fundamental, considerando que a reao seja endotrmica por aproximadamente 69 kJ mol1. No mesmo diagrama, mostre o perfil de energia para a reao de O* com H2O para gerar os mesmos produtos, considerando que O* est acima do estado fundamental do tomo de oxignio (O) por 190 kJ mol. A partir dessas curvas prediga por que a abstrao pelo O* ocorre mais rapidamente, enquanto a abstrao pelo O extremamente lenta na atmosfera.

perar essa elevada barreira e permitir que a reao ocorra. Um exemplo a reao endotrmica: OH HF H2O F

Sua energia de ativao deve ser pelo menos igual a H +69 kJ mol e, consequentemente, a reao seria to lenta a temperaturas estratosfricas, que podemos ignor-las completamente.

PROBLEMA 1Desenhe um diagrama de energia similar ao da Figura 1b, para a abstrao de um tomo de

Destruio cataltica de oznio pelo xido de nitrognioA destruio cataltica do oznio ocorre mesmo em uma atmosfera limpa (aquela no poluda por contaminantes artificiais), uma vez que pequenas quantidades de catalisadores X sempre estiveram presentes na estratosfera. Uma verso natural importante de X isto , uma das espcies responsveis pela destruio cataltica do oznio em uma atmosfera no poluda a molcula de radical livre de xido de nitrognio, NO. Ele produzido quando as molculas de xido nitroso, N2O, sobem da troposfera para a estratosfera, onde podem eventualmente colidir com um tomo de oxignio excitado produzido pela decomposio fotoqumica do oznio. A maior parte dessas colises resultar em N2 + O2 como produtos, e algumas poucas resultaro na produo de xido de nitrognio: N2O O* 2 NO

Podemos ignorar a possibilidade de que o NO produzido na troposfera ir migrar para a estratosfera. Como explicado no Captulo 2, o gs , de modo eficiente, oxidado a cido ntrico, solvel na chuva e, assim, prontamente removido do ar troposfrico antes que esse processo ocorra. As molculas de NO que so produtos dessa reao destroem cataliticamente o oznio pela abstrao de um tomo de oxignio do oznio, formando o dixido de nitrognio, NO2. Elas atuam com X no Mecanismo I: NO O3 NO2 + O global O3 + O NO2 O2 NO + O2 2 O2

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PROBLEMA 1-6 Nem todas as molculas XO, como o NO2, sobrevivem por tempo suficiente para reagir com os tomos de oxignio; algumas so decompostas fotoquimicamente a X e oxignio atmico, que ento reage com O2 para regenerar o oznio. Escreva as trs etapas (incluindo uma para a destruio do oznio) para esse processo e combine-as para deduzir a reao global. Essa sequncia destri o oznio total ou um ciclo nulo, definido como um ciclo que envolve uma sequncia de etapas com nunhuma mudana qumica global? Outro importante catalisador X presente na estratosfera o radical livre hidroxila, OH. Ele se origina da reao dos tomos de oxignio excitados, O*, com as molculas de gua ou com o metano, CH4: O* CH4 OH CH3

O metano se origina na superfcie terrestre, e uma pequena frao sobrevive por um tempo suficiente para migrar para a estratosfera. PROBLEMA 1-7 Escreva o mecanismo de duas etapas pelo qual o radical livre hidroxila destri cataliticamente o oznio pelo Mecanismo I. Pela combinao das etapas, deduza a reao global. PROBLEMA 1-8 Analogamente s reaes com o metano, escreva uma equao balanceada para a reao pela qual o O* produz OH a partir de vapor de gua.

Destruio cataltica do oznio sem oxignio atmico: Mecanismo IIUm fator que minimiza a destruio cataltica do oznio pelo Mecanismo I em fase gasosa a necessidade da presena de tomos de oxignio para completar o ciclo pela reao com XO, que permite a regenerao do catalisador X sob uma forma utilizvel: XO O X O2

Como discutido acima, a concentrao de tomos de oxignio muito baixa na baixa estratosfera (15-25 km de altitude), de tal forma que a destruio de oznio na fase gasosa por reaes que necessitam de oxignio atmico lenta neste local. Existe um outro mecanismo cataltico geral, daqui em diante designado de Mecanismo II, que diminui o oznio na baixa estratosfera, particularmente quando as concentraes dos catalisadores X so relativamente altas. Primeiro, duas

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molculas de oznio so destrudas pelos catalisadores discutidos e pela mesma reao inicial: X O3 X O3 XO O2 XO O2

Empregamos X para simbolizar o catalisador na segunda equao e para indicar que ele no precisa ser necessariamente idntico a X, o catalisador da primeira equao. Tanto X quanto Xdevem ser um tomo de cloro. Nas etapas seguintes, as duas molculas XO e XO, que tiveram adicionadas um tomo de oxignio, reagem entre si. Como consequncia, os catalisadores X e X so regenerados, normalmente aps a formao e decomposio pelo calor ou pela luz da molcula combinada, mas instvel, XOOX: XO XO [XOOX] X X O2

(Por conveno, em qumica, uma espcie apresentada em colchetes tem uma existncia transitria.) Quando somamos essas etapas, a reao global a seguinte 2 O3 3 O2

Veremos vrios exemplos de Mecanismos catalticos II ocorrendo nos buracos de oznio (Captulo 2) e na baixa estratosfera em latitudes mdias. De fato, a maioria da perda de oznio na baixa estratosfera ocorre de acordo com a reao global. Os Mecanismos I e II esto resumidos na Figura 1-10. Finalmente, notamos que, enquanto a velocidade de produo do oznio a partir de oxignio depende somente das concentraes de O2 e O3 e da da luz UV a uma dada altitude, as razes que determinam a velocidade de destruio so mais complexas, de certa forma. A velocidade de decomposio pelo UV-B ou por catalisadores depende da concentrao do oznio multiplicada ou pela intensidade da luz solar ou pela concentrao do catalisador, respectivamente. Em geral, a concentrao do oznio aumentar at que a velocidade global de destruio se iguale velocidade de produo, permanecendo, assim, constante nessa condio de estado estacionrio desde que a intensidade de luz solar permanea a mesma. Se, no entanto, a velocidade de destruio for temporariamente aumentada pela introduo de molculas adicionais de catalisadores, a concentrao no estado estacionrio do oznio dever, ento, diminuir para um valor menor, no

Mecanismo II Mecanismo I X O3 XO O O3 O XO O2 X O2 2 O2 global X O3 X O3 XO XO 2 O3 XO O2 XO O2 X X O2 3 O2 global

FIGURA 1-10 Resumo dos Mecanismos I e II da destruio cataltica do oznio.

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qual as velocidades de formao e destruio so novamente iguais. Entretanto, deve ficar claro, a partir dessa discusso, que, em funo das constantes reaes de regenerao, o oznio atmosfrico no pode ser permanentemente e totalmente destrudo, independentemente de quo elevada seja a concentrao do catalisador. Deve-se tambm perceber que qualquer diminuio na concentrao de oznio a altitudes elevadas permite a penetrao de mais UV a baixas altitudes, o que produz mais oznio local; assim, existe uma espcie de autorrestabelecimento na perda total de oznio.

Cloro e bromo atmicos como catalisadores XA decomposio de gases sintticos contendo cloro na estratosfera, durante as ltimas dcadas, tem gerado uma quantidade substancial de cloro atmico, Cl, nessa regio. medida que as concentraes de cloro estratosfrico aumentam, tambm aumenta o potencial de destruio do oznio, uma vez que o radical livre Cl um eficiente catalisador X. No entanto, os gases sintticos no so as nicas fontes de cloro na camada de oznio. Sempre existiu um pouco de cloro na estratosfera como resultado de uma lenta migrao ascendente do gs cloreto de metila, CH3Cl (tambm chamado clorometano), produzido na superfcie da Terra principalmente nos oceanos, como resultado da interao do on cloreto com a vegetao em decomposio. Recentemente, uma outra grande fonte de cloreto de metila, as plantas tropicais, foi descoberta; essa pode ser a fonte do composto que os cientistas vm procurando. Somente uma poro das molculas de cloreto de metila destruda na troposfera. Quando essas molculas intactas atingem a estratosfera, elas so decompostas fotoquimicamente pelo UV-C ou atacadas pelos radicais OH. Em ambos os casos, o cloro atmico, Cl, inexoravelmente produzido. CH3Cl UV-C Cl CH3 ou OH CH3Cl Cl outros produtos

Os tomos de cloro so catalisadores X eficientes na destruio de oznio pelo Mecanismo I: Cl O3 ClO + O global O3 + O ClO O2 Cl + O2 2 O2

Cada tomo de cloro pode destruir cataliticamente milhares de molculas de oznio dessa maneira. Em qualquer momento, entretanto, a grande maioria do cloro estratosfrico no existe normalmente como Cl nem como o radical livre monxido de cloro, ClO, mas como uma forma que no um radical livre e que inativa como catalisador na destruio de oznio. As duas principais molculas cataliticamente inativas (ou reservatrios) contendo cloro na estratosfera so o gs cloreto de hidrognio, HCl, e o gs nitrato de cloro, ClONO2.

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O nitrato de cloro formado pela combinao entre monxido de cloro e dixido de nitrognio; aps poucos dias ou horas, a molcula de ClONO2 formada fotoquimicamente decomposta de volta a seus componentes, e ento o ClO, que cataliticamente ativo, regenerado. ClO NO2 ClONO2

No entanto, sob circunstncias normais existe mais cloro no estado estacionrio como ClONO2 do que como ClO. (Processos similares a essa reao ocorrem para vrios outros constituintes da estratosfera; como veremos no final do Captulo 5, as reaes so facilmente sistematizadas, de maneira que o nmero de processos a ser aprendido torna-se muito reduzido.) A outra forma cataliticamente inativa de cloro, HCl, formada quando o cloro atmico abstrai um tomo de hidrognio da molcula de metano estratosfrico: Cl CH4 HCl CH3

Essa reao ligeiramente endotrmica, de modo que sua energia de ativao no zero, e ela ocorre, portanto, a uma velocidade lenta, mas significativa (ver Quadro 1-2). O radical livre metila, CH3, no atua como um catalisador X, uma vez que se combina com uma molcula de oxignio e, com o tempo, degradado a dixido de carbono pelas reaes discutidas no Captulo 5. No final, cada molcula de HCl novamente convertida para a forma ativa, ou seja, tomos de cloro, pela reao com o radical hidroxila: OH HCl H2O Cl

Novamente, comum existir muito mais cloro como HCl do que como tomo de cloro em qualquer momento sob condies de estado estacionrio normais.O

Cl O3CH4 OH

ClO O2NO2 luz

HCl

ClONO2

Quando as primeiras previses relacionadas depleo de oznio estratosfrico foram feitas, na dcada de 70, no foi constatado que cerca de 99% do cloro estratosfrico est normalmente latente em suas formas inativas. Quando a existncia de cloro inativo foi descoberta, no incio da dcada de 80, a extenso da perda de oznio prevista para o futuro foi signficativamente diminuda. Como veremos, no entanto, existem condies sob as quais o cloro inativo pode tornar-se

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temporariamente ativo e pode destruir maciamente o oznio, descoberta que no havia sido feita at o final dos anos 80. Embora alguma quantidade de cloro sempre tenha estado presente na estratosfera devido a emisso natural de CH3Cl a partir da superfcie, nas ltimas dcadas ela tem sido completamente suplantada por quantidades muito maiores de cloro produzido a partir de compostos gasosos sintticos que so emitidos no ar durante sua produo ou uso. A maioria dessas substncias so clorofluorcarbonetos (CFCs); sua natureza, uso e substituies sero discutidas em detalhes no Captulo 2. Como no caso do cloreto de metila, grandes quantidades de brometo de metila, CH3Br, tambm so produzidas naturalmente e, com o tempo, parte dele eventualmente atinge a estratosfera, onde decomposto fotoquimicamente para produzir bromo atmico. Como o cloro, os tomos de bromo podem destruir cataliticamente o oznio pelo Mecanismo I: Br O3 BrO O BrO O2 Br O2

Em contraste ao cloro, quase todo o bromo na estratosfera permanece nas formas ativas de radicais livres Br e BrO, j que as formas inativas, o brometo de hidrognio, HBr, e o nitrato de bromo, BrONO2, so fotoquimicamente decompostas pela luz solar. Alm disso, a formao de HBr pelo ataque do bromo atmico ao metano uma reao mais lenta que o processo anlogo envolvendo cloro atmico, muito mais endotrmico e, portanto, com uma energia de ativao mais elevada: Br CH4 HBr CH3

Uma porcentagem menor de bromo estratosfrico existe na forma inativa quando comparado ao cloro, pelo fato da velocidade de reao ser mais lenta e por causa da eficincia das reaes fotocatalticas de decomposio. Por essas razes, o bromo estratosfrico mais eficiente na destruio do oznio que o cloro (por um fator de 40 a 50 vezes), mas existe muito menos dele na estratosfera, de tal forma que, em geral, ele menos importante. Quando molculas como HCl e HBr se difundem da estratosfera de volta alta troposfera, elas se dissolvem em gotculas de gua e so subsequentemente carregadas para altitudes menores, sendo transportadas at a superfcie pela chuva. Assim, ainda que o tempo de vida do cloro e do bromo na estratosfera seja longo, no infinito, e os catalisadores so por fim removidos. No entanto, tomos de cloro destroem em mdia cerca de 10.000 molculas de oznio antes de serem removidos!

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Questes de revisoAs questes abaixo e dos captulos seguintes foram planejadas para testar seu conhecimento, principalmente sobre o material apresentado no captulo. Os problemas abordados nos captulos e os Problemas adicionais, mais elaborados, que sucedem as questes, foram planejados para testar sua capacidade de resolver problemas. 1. Quais so os trs gases que constituem a maior parte da atmosfera da Terra? 2. Em qual faixa de altura situa-se a troposfera? E a estratosfera? 3. Qual a faixa de comprimento de onda para a luz visvel? A luz ultravioleta tem comprimentos de onda mais curtos ou mais longos que a luz visvel? 4. Que gs atmosfrico o principal responsvel pela filtrao da luz solar na regio entre 120 a 220 nm? Qual gs, se algum, absorve a maioria dos raios solares na regio de 220 a 320 nm? Qual os absorve principalmente na regio entre 320 a 400 nm? 5. Qual o nome dado aos pacotes finitos de luz absorvidos pela matria? 6. Quais so as equaes que relacionam a energia dos ftons E com a frequncia da luz e o comprimento de onda ? 7. O que significa a expresso dissociao fotoqumica quando aplicada ao O2 estratosfrico? 8. Escreva a equao para a reao qumica pela qual o oznio formado na estratosfera. Quais so as fontes das diferentes formas de oxignio usadas como reagentes? 9. Escreva as duas reaes, alm das reaes catalisadas, que contribuem mais significativamente para a destruio do oznio na estratosfera. 10. O que significa a expresso estado excitado quando aplicada a um tomo ou molcula? Simbolicamente, como um estado excitado representado? 11. Explique por que o termo camada de oznio uma designao incorreta. 12. Defina o termo radical livre e d dois exemplos relevantes na qumica estratosfrica. 13. Quais so as duas etapas e a reao global pelas quais as espcies X, tais como o ClO, destroem cataliticamente o oznio na estratosfera mdia e superior, via Mecanismo I? 14. O que significa o termo estado estacionrio quando aplicado concentrao de oznio na estratosfera? 15. Explique por que, tomo por tomo, o bromo estratosfrico decompe mais oznio que o cloro. 16. Explique por que a destruio de oznio, via reao de O3 com oxignio atmico, no ocorre de modo significativo na baixa estratosfera.

Problemas adicionais1. Um possvel mecanismo adicional que pode existir para a criao de oznio na alta estratosfera comea com a criao de O2 excitado (vibracionalmente) e oxignio atmico no estado fundamental originados da absoro de ftons com comprimentos de ondas menores de 243 nm. O O2* reage com a molcula de O2 no estado fundamental para produzir oznio e outro tomo de oxignio. Qual a reao global, a partir dessas duas etapas? Qual o destino dos dois tomos de oxignio, e qual seria a reao global considerando tal destino? 2. Em uma atmosfera no poluda, um importante mecanismo para a destruio de oznio na baixa estratosfera : OH O3 HOO O3 HOO O2 OH 2 O2

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Esse par de etapas corresponde ao Mecanismo I? Se no, qual a reao global? 3. Um mecanismo proposto para a destruio de oznio no final da primavera sobre as latitudes norte inicia-se na baixa estratosfera pela decomposio fotocataltica do ClONO2 a Cl e NO3, seguida pela decomposio fotocataltica deste ltimo a NO e O2. Deduza um ciclo de destruio cataltica do oznio que no necessite de oxignio e que incorpore essas reaes. Qual a reao global? 4. Deduza as etapas possveis de reao, nenhuma delas envolvendo fotlise, para o Mecanismo II, partindo da etapa X + O3 XO + O2, de tal forma que a soma de todas as etapas do mecanismo no destrua nem crie oznio. 5. Como ser discutido no Captulo 2, cloro atmico produzido sob as condies do buraco de oznio pela dissociao do cloro diatmico, Cl2. Dado que o gs de cloro diatmico a forma estvel do elemento e que o valor de Hfo para o cloro atmico +127,7 kJ mol1, calcule o comprimento de onda mximo de luz que pode dissociar o cloro diatmico para a forma monoatmica. Tal comprimento de onda corresponde luz na regio do visvel, UV-A ou UV-B? 6. Sob condies de baixa concentrao de tomos de oxignio, o radical HOO pode reagir reversivelmente com NO2 para produzir uma molcula de HOONO2; HOO + NO2 HOONO2

riam voar os avies supersnicos no caso de emitirem quantidades substanciais de xido de nitrognio em sua exausto? 7. A uma altitude de cerca de 35 quilmetros, as concentraes mdias de O* e de CH4 so aproximadamente 100 e 11011 molculas cm3, respectivamente; a constante de velocidade k para a reao entre eles de aproximadamente 31010 cm3 molculas1 s1. Calcule a velocidade de destruio do metano em molculas por segundo por centmetro cbico e em gramas por ano por centmetro cbico sob essas condies. [Sugesto: Lembre-se de que a lei de velocidade para um processo simples sua constante de velocidade k vezes o produto das concentraes de seus reagentes.] 8. As constantes de velocidade das reaes do cloro atmico e do radical hidroxila com o oznio so 3 1011 e250/T e 2 1012 e940/T, onde T a temperatura em Kelvin. Calcule a razo das velocidades de destruio por esses catalisadores a 20 km, sabendo que a essa altura a concentrao mdia de OH cerca de 100 vezes a do Cl, e que a temperatura aproximadamente 50C. Calcule a constante de velocidade para a destruio do oznio pelo cloro sob as condies do buraco de oznio na Antrtida, onde a temperatura de cerca de 80C, e a concentrao de cloro atmico aumenta por um fator de 100 vezes, at cerca de 4 105 molculas por centmetro cbico e que a do O3 2 1012 molculas/cm3. 9. A equao de Arrhenius (consulte livro de Qumica Geral) relaciona a velocidade de reao com a temperatura via energia de ativao. Calcule a razo das velocidades a 30oC (uma temperatura tpica da estratosfera) para as duas reaes tendo o mesmo fator A de Arrhenius e as mesmas concentraes iniciais, sendo uma delas endotrmica e com uma energia de ativao de 30 kJ mol1, e a outra, exotrmica, com energia de ativao de 3 kJ mol1. Em unidades de energia, R 8,3 J K1 mol1.

(a) Deduza por que a adio de xidos de nitrognio na estratosfera inferior poderia levar a um aumento na concentrao do oznio no estado estacionrio como consequncia desta reao. (b) Deduza como a adio de xidos de nitrognio na mdia e alta estratosfera poderia diminuir a concentrao de oznio como consequncia de outras reaes. (c) Dadas as informaes fornecidas nos itens (a) e (b), em qual regio da estratosfera pode-

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P ARTE I

Qumica Atmosfrica e Poluio do Ar

Leitura complementar1. S. A. Montzka et al, Present and future trends in the atmospheric burden of ozone-depleting halogens, Nature 398 (1999): 690-693. 2. R. McKenzie, B. Connor, and G. Bodeker, Increased summertime UV Radiation in New Zealand in Response to Ozone Loss, Science 285 (1999): 1709-1711. 3. T. K. Tromp et al., Potential Environmental Impact of a Hydrogen Economy on the Strato-sphere, Science 300 (2003): 1740. 4. (a) S. Madronich and F. R. de Gruijl, Skin cancer and UV radiation, Nature 366 (1993): 23. (b) J.-S. Taylor, DNA, sunlight, and skin cancer, Journal of Chemical Education 67 (1990): 835-841. 5. C. Biever, Bring me sunshine, New Scientist (9 August 2003): 30-33.

Material onlineAcesse o site www.bookman.com.br e leia o material complementar deste captulo, com dicas sobre o que voc pode fazer.