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 1 DESENVOLVA O CAPITAL PSICOLÓGICO NA SUA ORGANIZAÇÃO Arménio Rego Universidade de Aveiro [Versão sucinta do texto: Rego, A. (2007). O capital psicológico e a vantagem competitiva. A  publicar brevem ente na RH Magazine.] A expressão “capital humano” transformou-se numa espécie de mantra da gestão    por vezes, uma quase panac eia para a resolução dos problema s organizacionais (e do país) e a competitividad e. É necessário todavia, não confundi- la com “capital social” e “capital psicológico (Quadro 1). O leitor compreenderá facilmente a diferença pensando numa equipa repleta de pessoas com elevada craveira técnica e universitária (elevado capital humano), mas no seio da qual a confiança e as redes de cooperação são escassas (fraco capital social), e a confiança, o optimismo e a esperança andam  pelas “ruas da amargura” (fraco capital psicológico). O que as pesquisas sugerem é que o elevado capital humano não se traduz necessariamente em melhores desempenhos se não for complementado com vigorosos capital social e psicológico. Assim se compreende que uma empresa ou uma equipa de “génios” seja menos competitiva do que outra composta de “pessoas normais” que desenvolvem um vigoroso capital social (de cooperação, confiança e partilha) e são alimentados por fortes doses de optimismo, resiliência, esperança e auto- confiança. Pense o leitor numa equipa desportiva de estrelas, que pavoneiam o seu “capital humano”, mas não cooperam em prol do colectivo e se deixam quebrar pelo desânimo quando sofrem o golo do empate a cinco minutos do termo do desafio. É esta concepção que tem impelido alguns autores (destaca-se Fred Luthans) a tomar o capital  psicológico como a fonte por excelência da vantagem competitiva das empresas. As restantes formas de capital são importantes e não podem ser descuradas. Mas o que realmente funda a vantagem competitiva é uma combinação idiossincrática e dificilmente imitável de tecnologia, recursos financeiros, talento, cooperação, espírito de equipa, liderança pelo exemplo, criação e desenvolvimento de conhecimento tácito, entusiasmo, vigor, optimismo, resiliência, esperança e coragem. Neste contexto, a contratação dos talentos que trabalham numa empresa concorrente não é suficiente para aumentar a competitividade da minha organização    pois é difícil que eu consiga

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DESENVOLVA O CAPITAL PSICOLÓGICO NA SUA ORGANIZAÇÃO

Arménio Rego

Universidade de Aveiro

[Versão sucinta do texto: Rego, A. (2007). O capital psicológico e a vantagem competitiva. A

 publicar brevemente na RH Magazine.]

A expressão “capital humano” transformou-se numa espécie de mantra da gestão –  por vezes, uma

quase panaceia para a resolução dos problemas organizacionais (e do país) e a competitividade. É

necessário todavia, não confundi-la com “capital social” e “capital psicológico” (Quadro 1). O leitorcompreenderá facilmente a diferença pensando numa equipa repleta de pessoas com elevada

craveira técnica e universitária (elevado capital humano), mas no seio da qual a confiança e as redes

de cooperação são escassas (fraco capital social), e a confiança, o optimismo e a esperança andam

 pelas “ruas da amargura” (fraco capital psicológico).

O que as pesquisas sugerem é que o elevado capital humano não se traduz necessariamente em

melhores desempenhos se não for complementado com vigorosos capital social e psicológico.

Assim se compreende que uma empresa ou uma equipa de “génios” seja menos competitiva do que

outra composta de “pessoas normais” que desenvolvem um vigoroso capital social (de cooperação,

confiança e partilha) e são alimentados por fortes doses de optimismo, resiliência, esperança e auto-

confiança. Pense o leitor numa equipa desportiva de estrelas, que pavoneiam o seu “capital

humano”, mas não cooperam em prol do colectivo e se deixam quebrar pelo desânimo quando

sofrem o golo do empate a cinco minutos do termo do desafio.

É esta concepção que tem impelido alguns autores (destaca-se Fred Luthans) a tomar o capital

 psicológico como a fonte por excelência da vantagem competitiva das empresas. As restantes

formas de capital são importantes e não podem ser descuradas. Mas o que realmente funda a

vantagem competitiva é uma combinação idiossincrática e dificilmente imitável de tecnologia,

recursos financeiros, talento, cooperação, espírito de equipa, liderança pelo exemplo, criação e

desenvolvimento de conhecimento tácito, entusiasmo, vigor, optimismo, resiliência, esperança e

coragem. Neste contexto, a contratação dos talentos que trabalham numa empresa concorrente não é

suficiente para aumentar a competitividade da minha organização  –  pois é difícil que eu consiga

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reproduzir o capital de relacionamentos e o capital psicológico construído ao longo de anos e que

está impregnado no “modo de ser” da empresa concorrente. 

Quadro 1Três formas de capital

Formas Lema Componentesimportantes

Exemplos de actuações apropriadas

Humano O que sabemos  Conhecimento explícito Conhecimento tácito Experiência

 Métodos e critérios apropriados de recrutamentoe selecção de pessoas

 Selecção de pessoas com potencial paraaproveitarem e desenvolverem o conhecimentotácito impregnado na empresa

 Formação e desenvolvimento Mentoria e coaching  

 

Construção do conhecimento tácito (através, porexemplo, da rotação de funções e da expatriação –  mas também de políticas de segurança noemprego)

Social Quem

conhecemos Redes de

relacionamento Confiança  Normas (formais einformais) e valoresque pautam as relações

 Espírito de cooperação Empenhamento na

organização

 Fomento da comunicação aberta e franca Equipas trans-funcionais

 Programas de conciliação trabalho-família Programas de apoio ao bem-estar psicológico dos

colaboradores Envolvimento dos colaboradores em programas

de voluntariado e na comunidade Incentivo ao desenvolvimento dos colaboradores

como verdadeiros cidadãos locais e comunitários

Psicológico Quem somos  Auto-eficácia Esperança Optimismo Resiliência

 Auto-eficácia: liderar pelo exemplo; facultarfeedback positivo acerca do desempenho.

 Esperança: definição de objectivos; celebraçãode pequenas vitórias; iniciativas de participação;transmissão de confiança nas pessoas.

 Optimismo: leniência para com o passado;apreciação pelo presente; procura deoportunidades futuras; adopção de perspectivasrealistas.

 Resiliência: criação de activos de resiliência;adopção de estratégias destinadas a diminuir os

riscos.

As quatro componentes que têm recebido recentemente mais atenção nos estudos são a auto-

eficácia (ou auto-confiança), a esperança, o optimismo e a resiliência, designadas no seu conjunto

como o capital psicológico positivo –  ou simplesmente PsyCap (de psychological capital ):

  As pessoas com maior auto-eficácia, isto é, mais auto-confiantes, acreditam nas suas

capacidades de acção e intervenção, escolhem objectivos desafiantes, desenvolvem elevada

motivação e esforços para serem bem sucedidas no alcance desses objectivos, e são

 perseverantes perante os obstáculos.

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  As pessoas mais esperançosas  revelam elevada determinação para investirem a energia

necessária ao alcance dos objectivos, e desenvolvem caminhos alternativos que lhes permitem

 prosseguir esses objectivos quando surgem obstáculos e dificuldades.

  As pessoas mais optimistas  atribuem os eventos positivos a factores externos (não a eles

 próprios), temporários (“o facto de ter sido mal sucedido hoje não me impede de ser bem

 sucedido amanhã”) e situacionais (“aconteceu-me nesta situação, mas não tem que ocorrer

noutras”). E atribuem os eventos positivos a factores internos (as suas próprias capacidades e

recursos), permanentes (“ sou capaz de repetir os meus sucessos”) e recorrentes (“ serei bem

 sucedido também noutras situações”). Por conseguinte, os optimistas creditam os sucessos a si

 próprios, distanciam-se psicologicamente de eventos negativos, nutrindo-se assim de auto-

estima e entusiasmo.

 

As pessoas resilientes aceitam a realidade tal como é, denotam uma crença profunda de que avida pode ser vivida com significado e relevam uma grande capacidade para improvisarem e

adaptarem-se às mudanças. São pois menos atreitas ao stresse e atravessam com vigor, energia

e confiança as dificuldades e obstáculos.

Estas quatro forças relacionam-se entre si. Por exemplo, a resiliência pode permitir restaurar a auto-

eficácia depois de um grande fracasso. E cada uma destas forças pode suscitar melhores

desempenhos quando as restantes forças também estão presentes. Por conseguinte, é mais

apropriado encarar o capital psicológico como uma teia intrincada de forças do que encarar cada

força isoladamente.

Uma das evidências porventura mais claras da relevância do PsyCap pode ser encontrada no filme

The pursuit of happiness, que revela a história verídica de Chris Gardner. A uma história familiar

trágica, marcada pelo alcoolismo, a violência e o abandono, acrescenta-se a sua paternidade como

 jovem homem solteiro, que tem a seu cargo um filho de tenra idade. Sem recursos para uma

habitação, é um sem-abrigo cuja condição é desconhecida por empregadores e colegas. Sempre

acompanhando o filho, por quem revela um amor incomensurável, mudam-se frequentemente em

 busca de abrigo  –  atravessando contingências extremas que apenas o capital psicológico permite

encarar positivamente. Com tamanha tenacidade, acaba por encontrar recursos para sustentar uma

habitação –  e torna-se milionário alguns anos mais tarde! Numa entrevista televisiva, Chris refere-se

várias vezes à esperança  como a força essencial que lhe permitiu manter-se firme no desejo de

quebrar o ciclo negativo das histórias de vida familiar e de ser bem sucedido. Uma análise atenta

 permite porém compreender que os restantes recursos do PsyCap estão presentes: uma enorme

resiliência para lidar com os obstáculos, uma crença inabalável na capacidade de alcançar sucesso

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(auto-eficácia), e um optimismo redobrado para encarar os fracassos como temporários e

ultrapassáveis e os sucessos como passíveis de repetição.

Se estes recursos são fundamentais para lidar com contingências de vida tão perversas como as de

Chris, não parece haver dúvidas da sua relevância para as contingências da vida organizacional. As pesquisas dão guarida a essa possibilidade, sugerindo que as pessoas com maior capital psicológico

 positivo denotam melhor desempenho e melhor bem-estar psicológico –  ou seja, são mais felizes e

 profissionalmente mais eficazes. A questão que então emerge é: como promover estas capacidades?

As investigações sugerem que uma parcela destes recursos provém da personalidade dos indivíduos,

 por conseguinte duráveis e dificilmente mutáveis. Nesta lógica, as organizações e os gestores

necessitam de seleccionar as pessoas com essas características. Mas as investigações sugerem

também que a auto-eficácia, a esperança, o optimismo e a resiliência são estados individuais (e nãotraços da personalidade) que as organizações e os seus líderes podem influenciar. O Quadro 2

faculta uma leitura breve de acções de gestão/liderança que podem exercer tal impacto.

Quadro 2

Como promover o capital psicológico positivo na organização

Fomente a

auto-

confiança

 Conceda aos colaboradores oportunidades para exercerem actividades em que sejam bem

sucedidos. Isso requer que sejam estabelecidos objectivos alcancáveis, realistas, concretos,

específicos e próximos no tempo.

 Disponibilize mentores e coaches aos colaboradores.

 Divulgue comportamentos exemplares e bem sucedidos levados a cabo pelos líderes e/ou outras

 pessoas.

 Estimule as pessoas a imaginarem-se como bem sucedidas numa dada tarefa (veja Quadro 5.6 do

livro Coaching para executivos; 14).

 Forneça feedback positivo (e.g., elogio e outras recompensas) aos colaboradores quando alcançam

 bons desempenhos.

Fomente aesperança

 

Estabeleça objectivos realistas, específicos, mensuráveis e desafiantes para os seus colaboradores. Fraccione objectivos mais amplos em objectivos parcelares. Os colaboradores experimentarão

 progressos graduais e poderão ir celebrando “pequenas vitórias” (em vez de terem que aguardar

 por uma grande vitória longínqua no tempo).

 Transmita confiança aos seus colaboradores. Convide-os a participar em iniciativas importantes e

faculte-lhes empowerment.

 Prepare os colaboradores para eventos importantes, facultando-lhes ou ajudando-os a desenvolver

 programas de contingência para lidarem com tais eventos.

 Ajude os colaboradores a redefinir objectivos quando os anteriores se revelam inacessíveis (a

insistência em objectivos inalcançáveis conduz ao desespero!).

Fomente o  Evite que se “chore sobre leite derramado”. Crie um clima em que as pessoas aprendam a

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optimismo reenquadrar e aceitar os insucessos passados, concedam a si próprias o benefício da dúvida, e

esqueçam erros que de modo algum podem ser minorados.

 Aprecie o presente, desenvolva a gratidão e a alegria com os aspectos positivos da vida.

 Transmita a convicção de que o futuro é repleto de oportunidades que podem ajudar os indivíduos

a desenvolverem-se.

 

Fomente o optimismo realista  –   e não o que simplesmente descarta todo o tipo de

responsabilidades pessoais por erros cometidos.

Fomente a

resiliência

 Fomente factores que aumentam os níveis de resiliência. Exemplos são a melhoria dos níveis de

formação/educação, as políticas de conciliação trabalho-família favoráveis à estabilidade familiar,

a melhoria das condições de empregabilidade dos colaboradores e a selecção/promoção de líderes

com forte capital psicológico.

 Remova factores nefastos à resiliência. Eis alguns exemplos: evitar condições de trabalho que

dificultem a vida familiar; facultar cuidados de saúde e de bem-estar; adoptar medidas de

 prevenção de consumo de drogas álcool; implementar medidas de prevenção e combate ao stresse.

Seja um líder

autêntico

 Promova um clima organizacional caracterizado por transparência, confiança e integridade.

 Seja verdadeiro consigo próprio e com os outros  –   mas seja prudente, ponderando as

consequências das suas decisões e acções.

 Expresse o que realmente pensa e acredita, e actue em conformidade  –   em vez de se deixar

manietar por contingências externas ou por pressões de outros (e.g., o desejo de agradar ou o

acesso a recompensas financeiras).

 Aceite/compreenda as suas forças e fraquezas.

 Desenvolva o seu próprio capital psicológico, e assim contagiará os seus colaboradores. A sua

auto-estima e o seu bem-estar psicológico podem gerar optimismo, confiança, esperança e

resiliência nos seus colaboradores. 

O exposto elucida três aspectos. Primeiro: a gestão de pessoas é uma função complexa, porventura

mais até do que a gestão tecnológica e financeira. Segundo: as empresas mais competitivas não são

necessariamente as que possuem os colaboradores mais talentosos. Tão ou mais importante do que

o talento é o capital impregnado nas relações de cooperação e confiança, no conhecimento implícito

adquirido ao longo de anos pelo conjunto de colaboradores, no modo empenhado e comprometidocomo as pessoas actuam perante a organização. Terceiro: as empresas mais competitivas são as que,

 para além dos talentos e de um rico capital social, nutrem e beneficiam do capital psicológico que

resulta da auto-confiança, da esperança, da resiliência, do optimismo e da coragem dos seus

colaboradores. O que torna distintiva uma equipa desportiva não é apenas a riqueza das suas infra-

estruturas desportivas, o talento dos seus jogadores e o modo como conseguem trabalhar em equipa

 –  é também o capital psicológico que lhes permite sofrer sem afrouxar, encarar os contratempos

com vigor e energia, e lutar pelo resultado até ao último segundo do desafio.

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Para aprofundar o assunto

Avolio, B., & Gardner, W. (2005). Authentic leadership: Getting to the root of positive forms of

leadership.  Leadership Quarterly, 16(3), 315-338.

Luthans, F., & Youssef, C. (2004). Human, social, and now positive psychological capital

management: Investing in people for competitive advantage. Organizational Dynamics,

33(2), 143-160.

Luthans, F., Youssef, C.M. & Avolio, B.J. (2007).  Psychological capital . Oxford : Oxford

University Press.

Rego, A., Cunha, M. P., & Cunha, R. C. (2007). Organizações positivas. Lisboa: D. Quixote.

Rego, A., Cunha, M. P., Marcelino, R. & Oliveira, C. (2007). Coaching para executivos. Escolar

Editora.