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TÓPICO Sônia Godoy Bueno Carvalho Lopes Fanly Fungyi Chow Ho VÍRUS 9 LICENCIATURA EM CIÊNCIAS · USP/ UNIVESP 9.1 Introdução ao grupo dos vírus 9.2 Estrutura Viral 9.3 O ciclo de Replicação 9.4 Classificação dos Vírus 9.5 Vacinas 9.6 Doenças mais comuns causadas por vírus

153 9.1 Introdução ao grupo dos vírusrus... · Licenciatura em Ciências · uSP/univesp 153 9.1 Introdução ao grupo dos vírus ... Em geral, dentro do capsídeo está localizado

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  • TPI

    CO

    Snia Godoy Bueno Carvalho Lopes Fanly Fungyi Chow Ho

    VruS 9

    Licenciatura em cincias USP/ Univesp

    9.1 Introduo ao grupo dos vrus 9.2 Estrutura Viral 9.3 O ciclo de replicao 9.4 Classificao dos Vrus 9.5 Vacinas9.6 Doenas mais comuns causadas por vrus

  • Licenciatura em Cincias uSP/univesp 153

    9.1 Introduo ao grupo dos vrusOs vrus so pequenas entidades visveis em sua imensa maioria apenas com microscpio ele-

    trnico, e carregam uma quantidade mnima de material gentico constitudo por uma ou vrias

    molculas de DNA ou RNA. O material gentico protegido por um envoltrio proteico, o

    capsdeo. Em alguns vrus h tambm mais um envoltrio externo ao capsdeo, composto de uma

    bicamada fosfolipdica e por protenas imersas nessa bicamada. Os vrus no possuem organizao

    celular nem organelas ou ribossomos, no so capazes de produzir sua prpria energia metablica e

    precisam necessariamente invadir e controlar uma clula para poder se replicar e se dispersar, sendo

    considerados parasitas intracelulares obrigatrios. Aminocidos, nucleotdeos, ribossomos e energia

    metablica so obtidos a partir de seus hospedeiros. Alm disso, diferentemente dos organismos

    formados por clulas, os vrus so incapazes de crescer em tamanho e de se dividir autonomamente.

    Existe um grande debate em que se discute a origem dos vrus, sua classificao e at mesmo

    se representam um tipo de organismo vivo. O que sabemos certamente que as partculas virais

    so entidades naturais sujeitas a todas as foras evolutivas, inclusive mutao, recombinao, se-

    leo natural e derivao gnica. Por isso, a tendncia consider-los como formas particulares

    de vida. H tambm um grande debate sobre a origem dos vrus. Atualmente h duas grandes

    correntes: a que considera os vrus como derivados de seres celulares e, portanto, mais recentes

    na rvore da vida, e a que considera os vrus como as primeiras formas de vida.

    Independentemente dessas dvidas sobre a origem dos vrus, eles representam uma impor-

    tante fora ecolgica, pois parasitam todo tipo de vida na Terra, inclusive micro-organismos,

    como unicelulares eucariontes, bactrias e arqueias. Possuem grande importncia mdica e

    econmica, sendo a causa de dezenas de doenas infecciosas nos seres humanos. Por exemplo, a

    Sndrome da Imunodeficincia Adquirida (sigla Sida, derivada do portugus, ou Aids, derivada

    do ingls), causada pelo vrus HIV, desde a dcada de 1980 uma das principais causas de morte

    no planeta e a doena infecciosa que mais atinge pessoas.

    Antes de prosseguir a leitura do texto, realize a atividade 2: assista ao vdeo O terror das bactrias, do Museu de Microbiologia

    Agora com voc: No decorrer desta semana, participar da atividade online 1

    http://licenciaturaciencias.usp.br/ava/mod/page/view.php?id=3475http://licenciaturaciencias.usp.br/ava/mod/forum/view.php?id=3464
  • 154 Licenciatura em Cincias uSP/univesp

    ObjetivosEspera-se que o aluno compreenda:

    o debate em que se discute se os vrus representam um tipo extremamente reduzido de or-ganismo ou se poderiam ser derivados das primeiras formas vivas que surgiram no planeta;

    os diferentes tipos de vrus, classificando-os de acordo com a organizao do material gentico; os diferentes ciclos de vida e mtodos de replicao mais comuns; a impacto deste grupo, principalmente na rea da Sade.

    9.2 Estrutura ViralOs vrus so entidades com alto grau de reduo estrutural. So, em geral, extremamente

    pequenos. A maior parte deles muito menor que as menores bactrias (Figura 9.1), com bem

    menos de 1 m (1 micrmetro, equivalente milsima parte de um milmetro) e 1 nm (1 nan-

    metro, equivalente milsima parte de 1 m). No entanto, alguns vrus podem ter mais de 1 m,

    sendo maiores que algumas bactrias. Um exemplo o vrus popularmente chamado de Ebola,

    que tem 970 nm (ou 0,97 m), sendo maior que as bactrias do gnero Mycoplasma, causadoras de

    alguns tipos de pneumonia e que possuem geralmente 0,3 m (ou 30 nm) de dimetro.

    Figura 9.1: Esquema compa-rativo de tamanhos de vrus / Fonte Cepa; adaptado de Bio. 1. ed. - Editora Saraiva

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    Os vrus mais simples, chamados de no envelopados, so compostos apenas de material

    gentico envolto por um capsdeo proteico (Figura 9.2). O capsdeo, ou cpsula proteica,

    formado por protenas produzidas na clula parasitada sob o comando do material gentico

    do vrus. Em geral, dentro do capsdeo est

    localizado apenas o material gentico, mas

    podem estar presentes tambm algumas

    protenas que sero essenciais para a inva-

    so da clula hospedeira. Alguns vrus

    podem tambm utilizar parte da membra-

    na da clula hospedeira para recobrir a

    parte externa do capsdeo. Esses so co-

    nhecidos como vrus envelopados. O

    envelope , em geral, composto da bicama-

    da fosfolipdica da membrana celular da

    clula hospedeira (Figura 9.2), associada

    com protenas de origem viral. Um exem-

    plo de vrus que possui envelope o HIV.

    O material gentico (ou genoma) dos

    vrus pode ser organizado de diversas formas, sendo essa uma caracterstica dos vrus diferen-

    te de qualquer outro grupo biolgico. Diferentemente da maioria dos organismos que utiliza

    apenas DNA (cido desoxirribonucleico) para armazenar a informao gentica, os vrus podem

    tambm utilizar RNA (cido ribonucleico). Por exemplo, o HIV um vrus que utiliza RNA

    como material gentico, enquanto o vrus da catapora utiliza DNA. Em termos de formato, os

    genomas virais podem estar organizados em crculos (por exemplo, algumas formas de vrus da

    hepatite B), podem tambm ser lineares (como o HIV) ou at mesmo ser compostos de diversos

    pequenos fragmentos lineares (como o vrus da gripe). Essas caractersticas servem para classificar

    os vrus em diferentes grupos. O genoma viral pode adquirir essas formas independentemente

    do tipo de cido nucleico utilizado. O genoma viral pode ainda estar organizado como uma fita

    simples ou uma fita dupla, tambm independentemente do cido nucleico ou do formato.

    A grande variedade de arquiteturas genmicas encontradas nos vrus atribuda s diferentes

    estratgias que utilizam para penetrar clulas. No entanto, essa organizao do genoma no

    determina a letalidade ou infecciosidade do vrus. Todos os vrus so parasitas intracelulares

    obrigatrios. Como regra geral, os genomas de vrus so extremamente reduzidos, os menores

    Figura 9.2: Estrutura geral de um vrus envelopado. / Fonte: Cepa; adaptado de Bio. 1. ed. - Editora Saraiva

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    genomas virais codificam apenas duas protenas. O vrus da Aids, por exemplo, codifica apenas

    16 protenas (Figura 9.3). Porm, alguns vrus podem chegar a codificar centenas de protenas,

    como o caso de alguns vrus de amebas (mimivrus).

    9.3 O ciclo de ReplicaoOs vrus infectam todos os tipos de organismos vivos. A estratgia bsica de um vrus pode

    ser entendida em seis estgios principais: 1. adeso; 2. penetrao; 3. remoo do capsdeo;

    4. replicao gentica; 5. montagem das partculas virais; e 6. disperso. Cada vrus segue

    uma estratgia diferente em cada um desses estgios, porm o princpio geral infeccioso

    o mesmo: utilizar a clula hospedeira para produzir mais partculas virais. Abaixo temos o

    exemplo do bacterifago, um vrus que ataca especificamente bactrias.

    Replicao dos bacterifagos

    Agora que j teve uma noo geral da replicao dos bacterifagos, vamos fazer um resumo das

    diferentes etapas do processo, ampliando para os demais tipos de vrus:

    a. Adeso do vrus clula: A adeso realizada por meio da utilizao de protenas espe-ciais do capsdeo, as quais interagem com protenas da membrana plasmtica da clula alvo.

    Figura 9.3: Esquema de organizao genmica do vrus da Aids, com anotaes de alguns dos 16 genes (em letras minsculas e itlico) que totalizam o material gentico do vrus HIV. / Fonte: Cepa; adaptado de HIV Databases

    Agora com voc: Caso ainda no tenha assistido ao vdeo O Terror das Bactrias, realize a atividade online 1 parte 1

    http://www.hiv.lanl.gov
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    b. Penetrao: Aps a adeso, a partcula viral insere seu material gentico no interior da clula. Diferentes vrus utilizam diferentes estratgias para alcanar esse objetivo.

    Bacterifagos injetam seu DNA na clula hospedeira. Em vrus envelopados, por exemplo,

    toda a partcula viral pode ser englobada pela clula por endocitose (processo pelo qual as

    clulas ingerem material formando vesculas chamadas endossomos) ou poder haver fuso

    do envelope viral com a membrana plasmtica da clula hospedeira (Figura 9.4).

    c. Remoo do capsdeo: Este estgio necessrio para os vrus que penetraram o meio intracelular por endocitose ou fuso. A digesto do capsdeo por enzimas presentes

    no citoplasma da clula invadida ou dentro da vescula de fagocitose contendo o vrus

    resulta na liberao do material gentico viral dentro da clula hospedeira. Vrus como

    os bacterifagos no necessitam deste estgio uma vez que o material gentico viral

    diretamente injetado na bactria infectada.

    d. Biossntese: Nesta fase, o vrus impede a sntese de protenas da clula hospedeira e promove a transcrio e traduo de seu prprio material gentico, utilizando a maqui-

    naria da clula hospedeira. Primeiramente, utiliza os nucleotdeos e as enzimas destes

    para a produo de diversas cpias do seu prprio material gentico (esse passo expli-

    cado mais detalhadamente abaixo). So utilizados ribossomos, enzimas e aminocidos da

    clula hospedeira para a sntese de protenas, e outros componentes virais para posterior

    composio de diversas outras partculas virais.

    Figura 9.4: Esquema de penetrao de vrus envelopado: (a) endocitose e subsequente lise da vescula; (b) fuso entre o capsdeo viral e a membrana plasmtica para liberao do material gentico viral. / Fonte: Cepa

    b

    a

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    e. Montagem de partculas virais: Tambm chamada de maturao, esta fase consiste na montagem de diversos componentes virais em partculas virais completas.

    f. Disperso: O ltimo estgio da multiplicao viral consiste na disperso das novas part-culas virais formadas, pela lise da clula hospedeira ou por brotamento (Figura 9.5). Na

    lise da clula hospedeira mais comum em vrus no envelopados , os vrus promovem a

    sntese da lisozima, uma enzima capaz de romper a membrana plasmtica. O rompimento

    resulta na morte da clula hospedeira e na liberao dos novos vrus formados para o meio

    extracelular. J o mecanismo de liberao por brotamento utilizado apenas por vrus

    envelopados (como o HIV), que saem para o meio extracelular ao adquirir o envelope a

    partir da membrana plasmtica da clula hospedeira, ou por vesculas que se fundem com

    a membrana plasmtica. Os novos vrus so, assim, capazes de infectar novas clulas, repe-

    tindo o ciclo da multiplicao viral. Quando o nmero de vrus liberados por brotamento

    muito elevado, a clula estoura e morre.

    Quando h a liberao de novos vrus a partir da ruptura da membrana da clula hospedeira, o pro-

    cesso de multiplicao viral denominado ciclo ltico (Figura 9.6A e Figura 9.6B). No entanto,

    h ainda um ciclo alternativo de multiplicao viral denominado ciclo lisognico. Nesse mtodo

    de replicao viral, o material gentico do vrus integra-se ao cromossomo (material gentico)

    Figura 9.5: Liberao por brotamento e concomitante aquisio do envelope viral a partir da membrana plasmtica do hospedeiro. / Fonte: Cepa

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    da clula hospedeira (Figura 9.6C), que passa a ser chamada de clula lisognica, e o material

    gentico do vrus incorporado ao material gentico da clula e que permanece inativo chamado

    de prfago. Toda vez que o material gentico da clula hospedeira replicado, o material gentico

    do vrus replicado tambm, ou seja, todas as clulas-filhas da clula hospedeira tambm carregam

    o material gentico viral incorporado em seu genoma (Figura 9.6D). Eventualmente, o material

    gentico viral pode se separar do cromossomo da clula e dar incio ao ciclo ltico (Figura 9.6E).

    9.4 Classificao dos VrusEm todos os organismos dos domnios Eukarya, Bacteria e Archaea, o fluxo da informao

    gentica pode ser representado, em termos gerais, como:

    Figura 9.6: Esquema do ciclo ltico e lisognico em bacterifagos. / Fonte: Cepa; adaptada de Microbiology: An introduction media update. Editora Benjamin Cummings.

    Figura 9.7: Representao simplifi-cada do fluxo da informao gentica em todos os organismos celulares / Fonte: Cepa

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    Todas as informaes necessrias para a vida devem estar contidas primariamente nas mo-

    lculas de DNA, para que ento possam ser transcritas em molculas de RNA. Dentre os tipos

    de RNA, h o RNAm, que contm mensagens que sero traduzidas em protenas (juntamente

    com a participao dos ribossomos).

    No entanto, no grupo dos vrus, essa generalizao no se aplica em todos os casos. O

    material gentico primrio dos vrus pode ser tanto DNA como RNA. Essa caracterstica

    essencial para sua classificao.

    Vamos considerar uma classificao simplificada dos vrus em trs grandes grupos:

    a. Vrus de DNA: O material gentico o DNA e o fluxo da informao gentica , em linhas gerais, DNA RNA protenas. Um exemplo desse grupo a famlia Herpesviridae, em que os vrus so esfricos, com envelope e medem de 150 a 200 nm de dimetro. Causam uma

    doena chamada herpes. Outros exemplos so vrus do gnero Orthohepadnavirus, pertencentes

    famlia Hepadnaviridae. So vrus envelopados, esfricos, de aproximadamente 42 nm de di-

    metro. Esto associados a doenas como hepatite B, cirrose e carcinomas hepatocelulares.

    b. Vrus de RNA que no so retrovrus: O material gentico o RNA e no possuem a enzima transcriptase reversa; o fluxo da informao gentica RNA RNA protenas. A famlia Picornaviridae pertence a este grupo e inclui os gneros Hepatovirus e Enterovirus. O

    vrus da gripe Influenzavrus A, dentro da famlia Orthomyxoviridade, outro exemplo dentro

    deste grupo. So arredondados, mas podem ser filamentosos, envelopados e tm de 80 a

    120 nm de dimetro.

    c. Vrus de RNA que so retrovrus: O material gentico o RNA e possuem a enzima denominada transcriptase reversa, que produz primeiramente uma das cadeias

    do DNA, que, por sua vez, serve de molde a outra cadeia. Ao final, esse processo gera

    uma molcula de DNA, que poder ser integrada ao genoma do hospedeiro no ncleo

    e utilizada para a sntese de RNAm viral (Figura 9.8).

    O vrus representante deste grupo o HIV. Possui de 80 a 100 nm de dimetro, envelopado,

    com dois segmentos idnticos de RNA e as enzimas transcriptase reversa, integrase e protase.

    Estudaremos mais detalhadamente o ciclo de replicao deste vrus na seo 6 deste tpico.

    Figura 9.8: Esquema da formao de RNAm nos retrovrus / Fonte: Cepa

  • Licenciatura em Cincias uSP/univesp 161

    9.5 VacinasPor mais de 200 anos, vacinas tm sido vastamente utilizadas no combate a doenas infecciosas.

    Campanhas mundiais de vacinao erradicaram a varola e, em muitos pases, eliminaram a polio-

    mielite. A vacinao de crianas reduziu substancialmente a mortalidade infantil em pases desenvol-

    vidos e a vacinao anual contra o vrus da gripe tem um impacto mundial na reduo dessa doena.

    A vacinao um mtodo que visa preveno de doenas transmitidas por vrus ou bac-

    trias. Nesse mtodo so introduzidos antgenos atenuados que vo desencadear a produo de

    anticorpos especficos que combatem aquele antgeno. Nas vacinas, os antgenos podem ser

    micro-organismos enfraquecidos, toxinas produzidas pelos micro-organismos ou, ainda, prote-

    nas especficas dos micro-organismos causadores de doenas, que so capazes de desencadear

    no corpo uma resposta imunolgica, com a produo de anticorpos para o combate e destrui-

    o dos antgenos. importante ressaltar que os anticorpos produzidos so especficos para cada

    antgeno; portanto, a reao antgeno-anticorpo muito especfica.

    Assim, as vacinas constituem um mecanismo de imunizao ativa do organismo e prepa-

    ram o corpo para uma resposta imunolgica mais rpida quando em contato novamente com

    aquele vrus ou bactria.

    Na vacinao, quando h o primei-

    ro contato com o antgeno, ou seja, na

    primeira vez que o nosso organismo

    percebe o antgeno inoculado, a res-

    posta imunolgica primria lenta e a

    produo de anticorpos, pequena. No

    entanto, quando o mesmo corpo entra

    em contato em um segundo momento

    com o mesmo antgeno, h uma resposta

    imunolgica mais rpida, resultando em

    uma produo maior de anticorpos em

    um menor intervalo de tempo. Essa resposta chamada de secundria e ocorre, por exemplo,

    quando a pessoa j vacinada (primeira inoculao do antgeno) entra em contato com o agente

    causador da doena (segunda inoculao do antgeno). Nesse caso, a resposta secundria impede

    ou dificulta a manifestao da doena (Figura 9.9).

    Grfico 9.1: Grfico representando as respostas imunolgicas primria e secundria / Fonte: Cepa; adaptado de Bio. 1. ed. - Editora Saraiva

  • 162 Licenciatura em Cincias uSP/univesp

    Essa capacidade que nosso sistema imunolgico tem de reconhecer antgenos previamente

    presentes em nosso corpo chamada de memria imunolgica.

    Assim, quando o indivduo apropriadamente imunizado infectado pelo patgeno de alta viru-

    lncia, a memria imunolgica do nosso corpo permite que o sistema imunolgico reconhea pron-

    tamente o micro-oganismo invasor e desencadeie uma resposta de defesa potente e imediata para sua

    destruio. A infeco ser mais rapidamente curada e a doena poder ser mais branda ou inexistente.

    9.6 Doenas mais comuns causadas por vrusGripe: O vrus Influenzavrus o causador da gripe em vertebrados, incluindo aves,

    sunos, humanos e outros mamferos. Pode ser do tipo A, B ou C, sendo o Influenzavrus

    A o responsvel por todos os surtos mundiais de gripe. Esse vrus consiste em 7 ou 8

    segmentos de RNA, encapsulados pelo envelope proteico. Pandemias de gripe foram

    marcantes na histria. A mais devastadora, a gripe espanhola de 1918, foi causada pelo

    vrus Influenza A, subtipo H1N1, e estima-se que em um ano matou de 40 a 100

    milhes de pessoas. Esse mesmo subtipo da gripe A H1N1 foi identificado no surto

    de gripe suna que ocorreu em 2009. J a gripe aviria identificada como subtipo

    H5N1. As letras H e N, que identificam o subtipo de Influenza A, so letras iniciais das

    palavras hemaglutinina e neuroaminidase. Essas duas protenas compem a superfcie

    viral e so os antgenos reconhecidos pelo nosso sistema imunolgico para combater a

    gripe. H 16 variedades de hemaglutinina e 9 variedades de neuroaminidase que podem

    ser combinadas resultando em diferentes nveis de patogenicidade. A grande variedade

    encontrada nessas protenas de superfcie, bem como em todo o material gentico viral,

    provm de mutaes e recombinaes dos segmentos de RNA que compem o genoma

    do Influenzavrus. O acmulo gradual de mutaes que, ao longo do tempo, culmina em

    verses diferentes, porm efetivas, de protenas de superfcies virais chamado de deriva

    antignica (Figura 9.10). A evoluo dessas molculas torna os anticorpos produzidos

    para combater o vrus da gripe ancestral incapazes de reconhecer o novo subtipo viral,

    tornando-os ineficazes no combate doena. A deriva antignica uma das razes pela

    qual vacinas para a gripe devem ser desenvolvidas anualmente, a cada temporada de gripe.

    Cientistas realizam estudos no intuito de prever as mudanas mais provveis de ocorrer

  • Licenciatura em Cincias uSP/univesp 163

    nas protenas presentes nos vrus que circulam atualmente no ambiente e, a partir dessa

    previso, desenvolver vacinas. Existe, portanto, uma probabilidade de a vacina produzida

    ser efetiva, bem como uma probabilidade de no ser, caso a previso das mudanas no

    for acurada. Outro processo genmico que ocorre com o vrus da gripe mudana ou

    redistribuio antignica (Figura 9.10). Nesse processo, dois ou mais tipos diferen-

    tes do vrus Influenzavrus A se combinam e formam um vrus totalmente diferente dos

    vrus ancestrais, criando novos subtipos de hemaglutinina e neuraminidase. Esse processo

    de rearranjo gnico pode ocorrer principalmente com o vrus Influenzavrus A, pois

    esse subtipo viral capaz de infectar grande diversidade de hospedeiros: porcos, aves,

    humanos, ces, cavalos etc. Assim, um vrus suno e outro humano podem se recombinar

    em uma ave e dar origem a um novo tipo radicalmente diferente de vrus, contendo

    antgenos completamente desconhecidos para o nosso organismo.

    Hepatite: Grande parte dos casos de hepatite (inflamao do fgado) causada por vrus,

    porm esta doena tambm pode ser causada por bactrias, protistas e fungos. Causadas

    por vrus, so as chamadas hepatite A (causada por um Picornaviridae), hepatite B (causada

    por um Hepadnaviridae), hepatite C (causada por um Flaviridae), hepatite D (causada pelo

    vrus da hepatite D) e, ainda, hepatite E (causada por um Caliciviridae).

    Vrus e cncer: A relao entre certos tipos de cncer com a infeco por vrus foi de-

    monstrada somente no incio do sculo XX. Essa relao permaneceu obscura em funo:

    Figura 9.10: Representao dos processos de redistribuio e deriva antignica no vrus da gripe (obs.: tringulos so hemaglu-tininas e no tringulos so neuraminidases) / Fonte: Cepa

  • 164 Licenciatura em Cincias uSP/univesp

    1. da infeco viral nem sempre desencadear o desenvolvimento de clulas cancergenas;

    2. do cncer poder se desenvolver muito tempo aps a infeco viral; e 3. do cncer em

    si no ser contagioso. Os vrus capazes de promover o desenvolvimento de tumores em

    animais so chamados de oncovrus e podem pertencer a diversas famlias virais, como

    Adenoviridae, Hespesviridae, Poxviridae, Papovaviridae e Retroviridae.

    Sndrome da Imunodeficincia Adquirida (Sida, em portugus, Aids, em ingls).

    A Aids causada pelo vrus HIV e caracteriza-se pelo comprometimento do sistema imu-

    nolgico em humanos. Assim, esta doena torna as pessoas infectadas muito mais susceptveis

    a outras doenas oportunistas (como pneumonia, tuberculoses, gastroenterite e cncer), que

    poderiam ser mais facilmente combatidas em pessoas com o sistema imunolgico saudvel.

    A depleo do sistema de defesa do organismo se deve ao fato de o vrus HIV apresentar

    grande afinidade com a protena CD4 e os linfcitos T auxiliadores (glbulos brancos com

    a funo de ativar e direcionar outras clulas de defesa ao combate contra organismos in-

    vasores). Diversas outras clulas apresentando a protena CD4 na membrana celular podem

    tambm ser invadidas pelo HIV. A Figura 9.11 esquematiza o ciclo reprodutivo do HIV.

    1. O HIV entra nas clulas pela adeso de protenas presentes em sua superfcie com receptores CD4 presentes nas clulas do hospedeiro.

    2. Ocorre a fuso do envelope viral com a membrana celular, liberando o capsdeo dentro da clula. O RNA viral e enzimas, como a transcriptase reversa, ribonuclease,

    integrase e protase, so injetados na clula.

    3. A transcriptase reversa promove a transcrio reversa, sintetizando uma fita de DNA a partir da fita de RNA. A fita complementar ao DNA tambm sintetizada

    formando uma fita dupla de DNA viral dentro da clula. A enzima ribonuclease

    degrada o RNA viral.

    4. O DNA viral ento transportado ao ncleo e pela ao da enzima integrase une-se ao genoma hospedeiro.

    5. A partir do DNA viral integrado, RNA virais so transcritos e transportados para o citoplasma.

    6. Alguns RNA virais so traduzidos em protenas e outros constituem o genoma viral de novos vrus.

    7. A enzima protase quebra longas cadeias peptdicas em diferentes protenas virais.8. Ocorre a montagem e liberao de novos vrus por brotamento.

  • Licenciatura em Cincias uSP/univesp 165

    Nem sempre a infeco pelo vrus HIV leva a Aids. Na fase latente da infeco, o DNA

    viral incorporado ao genoma, porm, no h transcrio do RNA viral e, portanto, no

    h produo de novas partculas virais. No entanto, mesmo sem manifestar os sintomas da

    Aids, o portador assintomtico do vrus pode transmitir o vrus a outras pessoas por meio

    de fluidos corporais das formas j conhecidas de transmisso: contato sexual sem uso de

    preservativos, materiais cortantes ou penetrantes (agulhas) contaminados, leite materno de

    mes contaminadas e atravs da placenta diretamente para o feto. A taxa de mutao do

    vrus HIV em geral maior do que a maioria dos outros vrus, tornando o HIV um vrus

    muito varivel geneticamente. Possui uma taxa alta de replicao, chegando a produzir

    Figura 9.11: Esquema do ciclo reprodutivo do HIV. / Fonte: Cepa

  • 166 Licenciatura em Cincias uSP/univesp

    bilhes de cpias a cada dia. medida que faz cpias, naturalmente produz pequenos

    erros que se acumulam com o tempo. Essa alta taxa de mutao do vrus HIV torna o

    desenvolvimento de vacinas um grande desafio no h ainda uma vacina eficaz contra a

    Aids e ainda traz dramtica consequncia para o tratamento da sndrome: o vrus pode

    rapidamente desenvolver resistncia a novas drogas anti-HIV, tornando obsoletas drogas j

    existentes e exigindo o desenvolvimento acelerado de novas opes farmacolgicas.

    Alm das doenas virais acima descritas detalhadamente, a Tabela 9.1 rene as doenas

    virais mais comuns atualmente, apontando a famlia e o gnero viral a que pertencem.

    Famlia viral Gneros importantes Doenas associadas

    DNA

    ParvoviridaeParvovirus

    Erithrovirus

    Causador da danos gastrointestinais em cesEritema infeccioso

    HerpesviridaeVaricellovirusLymphocryptovirusRoseolovirus

    CataporaMononucleoseRosola

    Papipllomavirus Papillomavirus Verrugas e papilomas humanos (HPV)

    Hepadnaviridae Orthohepadnavirus Hepatite B

    RNA

    (no retrovrus)

    PicornaviridaeEnterovirusRhinovirusvrus da Hepatite A

    PoliomieliteResfriado comumHepatite A

    Caliciviridae Norovirus, Sapovirus Gastroenterite

    Togaviridae Rubivirus Rubola

    Flaviviridae FlavivirusHepacivirusDengue, febre amarelaHepatite C

    Rhabdoviridae Lyssavirus Raiva

    vrus Hepatite Delta Deltavirus Hepatite D (requer coinfeco com hepatite B)

    Orthomyxoviridae Influenzavirus A Gripe

    Paramyxoviridae MorbilivirusRubulavirusSarampoCaxumba (paratidite infecciosa)

    Bunyaviridae Hantavirus Sndrome cardiopulmonar, febre hemorrgica com sndrome renal

    Filoviridae Ebolavirus Ebola

    Reoviridae Rotavirus Gastroenterite

    RNA

    (retrovrus)Retroviridae

    Lentivirus

    Deltaretrovirus

    Sndrome da imunodeficincia adquirida (AIDS)Linfoma de clulas T

    Tabela 9.1: Doenas virais mais comuns

  • Licenciatura em Cincias uSP/univesp 167

    Fechamento do TpicoOs vrus representam um interessante fenmeno natural, no limite da vida, devido sua

    existncia extremamente reduzida e absoluta necessidade de utilizar clulas hospedeiras para a

    reproduo. Existe um grande debate em que se discute se so vivos ou no. Os vrus geralmen-

    te possuem uma estrutura muito reduzida, consistindo apenas em um capsdeo e do material

    gentico. A replicao viral de bacterifagos pode ser feita de duas maneiras: diretamente aps a

    infeco, no chamado ciclo ltico, ou o material gentico viral pode ser incorporado ao genoma

    da bactria, ficando dormente, no chamado ciclo lisognico. Um mtodo comum de preveno

    para doenas virais so as vacinas, que consistem em apresentar o antgeno viral (que pode ser

    protena, capsdeo ou linhagem enfraquecida do vrus) com antecedncia para que o corpo possa

    construir anticorpos no caso de uma infeco. A Aids, causada pelo vrus HIV, atualmente a

    doena infecciosa que mais afeta pessoas no mundo, para a qual ainda no existe vacina.

    Referncias BibliogrficasAbbAs, A. K.; LichtmAn, A. H.; PiLLAi, S. Imunologia celular e molecular. 6 ed. Rio de

    Janeiro: Elsevier, 2008. 564 p.

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    Science, Taylor & Francis Group, 2008. 1.268 p.

    cArter, J.; sAunders, V. Virology: Principles and Applications. Chichester: Wiley, 2007. 382 p.

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    Lippincott Williams & Wilkins, 2003. 2.700 p.

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    So Francisco, Califrnia: Editora Benjamin Cummings, 2002. 887 pp.

    Website

    Viralzone. (Disponvel em :. Acesso em: 17.Abril.2012)

    Agora com voc: Realizar a atividade online 2 questes 1, 2 e 3.

    9.1 Introduo ao grupo dos vrus9.2 Estrutura Viral9.3 O ciclo de Replicao9.4 Classificao dos Vrus9.5 Vacinas9.6 Doenas mais comuns causadas por vrusSumPagImpar: Page 2: OffPage 4: Page 6: Page 8: Page 10: Page 12: Page 14: Page 16: SumPagPar: Page 3: OffPage 5: Page 7: Page 9: Page 11: Page 13: Page 15: