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OS “FRACOS” E OS “AVESSOS”: FORMAS DE RESISTÊNCIA SOCIAL NO LITORAL NORTE DA BAHIA Uma Análise dos Conflitos entre os Projetos da Pequena Produção e da Agroindústria Florestal Sociedade Civil Irmãs de Santa Cruz Centro Mineiro de Estudos e Pesquisas sobre Florestas Belo Horizonte Fevereiro de 1997 ADVERTÊNCIA Nesse trabalho, o leitor encontrará, ao lado do conjunto de informações decorrentes de um esforço de pesquisa participante, diversas lacunas que

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OS “FRACOS” E OS “AVESSOS”: FORMAS DE RESISTÊNCIA SOCIAL NO LITORAL NORTE DA

BAHIA

Uma Análise dos Conflitos entre os Projetos da Pequena Produção e da Agroindústria Florestal

Sociedade Civil Irmãs de Santa Cruz Centro Mineiro de Estudos e Pesquisas sobre Florestas

Belo Horizonte Fevereiro de 1997

ADVERTÊNCIA

Nesse trabalho, o leitor encontrará, ao lado do conjunto de informações decorrentes de um esforço de pesquisa participante, diversas lacunas que

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mereceriam ter sido aprofundadas. É suficientemente óbvio mas necessário dizer que isso foi resultado do trabalho dos autores dessa revisão e da versão original, que existiram tanto por causa das limitações de tempo quanto daquelas relativas à própria forma como o “problema” em análise foi percebido.

De modo a permitir que os leitores julguem por si mesmos a extensão dessas

lacunas, apresenta-se aqui, sem maiores aprofundamentos, aqueles elementos que, por sua natureza, devem constituir um objeto de aprofundamento da investigação: a) a questão da destituição social e ambiental das comunidades de pescadores e

da sua organização, tema que aparece em alguns momentos da análise mas que mereceria maior tratamento, uma vez que em pelo menos dois momentos associações desses sujeitos aparecem como reinvindicadoras de direitos contrários à expansão das monoculturas “florestais” - uma delas, inclusive, quando da constituição da Comissão Comunitária que negociou com a NORCELL S.A.;

b) a questão da migração para o sul do país, assunto que apareceu só

tardiamente nas falas de alguns dos agricultores e sindicalistas entrevistados, e que não foi efetivamente enfrentado ao longo do presente texto, em nenhuma das possibilidades que esse problema apresenta para interpretar as formas de fragilização ou sustentação do campesinato;

c) a questão da organização interna, dos pontos de vista econômico, social e

cultural da agricultura de pequena produção após as transformações causadas pelo “reflorestamento”. Apesar desse tema estar sugerido em alguns momentos e mesmo que ele não tenha sido constituído como uma problemática principal desde o momento inicial da pesquisa, ele não foi tratado com a ênfase que merece, principalmente por conta de inserir-se no âmbito das formas de resistência;

d) a nova organização social do espaço, principalmente em função da introdução

de restrições legais de origem ambiental e da definição da região como “pólo” turístico, tema também mencionado mas que merece um maior aprofundamento, uma vez que essa parece ser a questão principal que direcionará os conflitos sociais espacial e ambientalmente referidos no Litoral Norte da Bahia.

O Autor.

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ÍNDICE INTRODUÇÃO ............................................................................................. pág. 03 CAPÍTULO 1: Formação Econômica da Região ...................................... pág. 06 CAPÍTULO 2: A Política Agrícola no Brasil Pós-1964 ............................. pág. 17 2.1. Evolução da Agricultura no Litoral Norte Baiano ............................ pág. 25 CAPÍTULO 3: A Política Florestal Brasileira e seus Efeitos na Bahia ...... pág. 35 3.1. A Política Florestal Brasileira ............................................................. pág. 35 3.2. O Distrito Florestal do Litoral Norte - DFLN ...................................... pág. 40 CAPÍTULO 4: Expansão do "Reflorestamento" e Organização dos Sujeitos

Sociais Rurais no Litoral Norte da Bahia .......................... pág. 45 4.1. Um Esforço de Organização: a Comissão Comunitária................... pág. 53 4.2. A Criação do SINDIFLORA ................................................................. pág. 57 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................ pág. 64 GLOSSÁRIO ................................................................................................ pág. 68 ANEXO ......................................................................................................... pág. 69

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Os “Fracos” e os “Avessos”: Formas de Resistência Social no Litoral Norte da Bahia - Uma análise dos conflitos

entre os projetos da pequena produção e da agroindústria florestal 1

INTRODUÇÃO O presente documento constitui um “retorno” a um trabalho que foi feito por

uma equipe de pesquisadores do Centro Mineiro de Estudos e Pesquisa sobre Ambiente e Florestas - CEMEPAF no Litoral Norte da Bahia junto aos trabalhadores e produtores rurais e aos assalariados do plantio de maciços florestais homogêneos.

Nesse sentido, esse texto tem como sua primeira intenção tentar contribuir

para uma maior divulgação dos resultados da pesquisa, principalmente para os atores sociais locais. Da mesma forma que na primeira versão, o objetivo principal aqui é o de colocar algumas informações e hipóteses que sirvam para ampliar a compreensão sobre os motivos, os meios e as conseqüências mais evidentes que estiveram e estão em jogo no processo social de enfrentamento e de resistência ao projeto capitalista de produção de florestas homogêneas que se instalou na região.

Adicionalmente, foram feitas alterações em algumas das informações

contidas na versão anterior e, também, incorporados outros aspectos não discerníveis à época da realização da pesquisa e que são hoje bastante salientes, principalmente no que se refere à questão da organização da representação dos trabalhadores rurais e das soluções encontradas no âmbito da disputa entre os projetos capitalistas locais.

A introdução das atividades de plantio e exploração de florestas homogêneas

de espécies exóticas (pinus e eucaliptus) foi um dos resultados da estratégia de desenvolvimento adotada de forma combinada entre os interesses privados e os do Estado brasileiro, tanto ao nível federal quanto estadual.

Do ponto de vista do processo de introdução e expansão do reflorestamento

na Bahia, as justificativas que foram e ainda são apresentadas têm o mesmo sentido que as utilizadas para o restante do país. De acordo com o discurso 1 Versão reelaborada por Múcio Tosta Gonçalves do Relatório Final da Pesquisa

Expansão do "Reflorestamento" e Mudanças nas Condições de Vida no Litoral Norte da Bahia. O texto da pesquisa foi originalmente escrito por Carlos Wagner Costa Machado, Múcio Tosta Gonçalves e Rodrigo Speziali de Carvalho, do Centro Mineiro de Estudos e Pesquisa sobre Ambiente e Florestas - CEMEPAF, em janeiro de 1995. As expressões iniciais do título foram retiradas das falas de pequenos agricultores da região, referindo-se à condição deles (os “fracos”) e à dos que vem de fora (os “avessos”). Uma primeira leitura do rascunho dessa revisão foi feita por Ana Maria Baptista, que sugeriu algumas modificações adicionais bem como a inclusão do Glossário.

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dominante, o projeto de “reflorestamento”2 que foi implementado seria uma das melhores alternativas para promover o progresso, já que geraria empregos e renda para a região.

Entretanto, essa atividade não só ignorou a pequena produção agrícola e

suas potencialidades sociais e econômicas, como a desqualificou, já que o discurso governamental e empresarial, em geral, apresentou e ainda apresenta a agricultura de pequena escala como sendo atrasada, improdutiva e incapaz de auto sustentar-se. Outro argumento bastante utilizado foi o da impropriedade do solo. Além de revelarem um discurso equivocado sobre a realidade da pequena produção de subsistência e sobre a importância da agricultura no abastecimento alimentar da região, essas justificativas não resistem sequer a uma breve consulta ao Mapa de Aptidão da Terras do estado.

Como dito anteriormente, esses argumentos representam apenas o discurso

do capital frente a uma realidade social e econômica que não atende às suas necessidades específicas. Para as empresas agroindustriais capitalistas que estão se dirigindo para a região, a questão central é a de promover a modernização do campo, entendida essa como a incorporação de um contingente de pessoas à lógica produtiva orientada para o lucro; isso implica, portanto, fazer com que esses produtores e suas famílias não devem mais produzir preferencialmente para si e para os seus e, sim, para o mercado, atendendo a outros fins que não os de garantir alimentação, a moradia, o lazer etc.

Por isso é que Neves (1987: 106) diz que "os mecanismos que propiciam a

integração da agricultura [ao movimento de penetração do capital] se conformam a partir da imposição de atributos negativos" à agricultura local e continuam com a propaganda que diz ser a nova atividade (no caso do Litoral Norte, o reflorestamento) mais "racional, progressista, fundada em bases científicas". De acordo ainda com esta mesma autora, então, a modernização capitalista "implica, assim, entre outros aspectos, a domesticação".

Porém, há um outro aspecto a investigar: é ainda a mesma autora quem nos

diz (Neves, 1985: 236-237), em outro texto, que se de fato a penetração do capital no campo conduz a tais mudanças,

2 Nesse texto não será utilizada a expressão reflorestamento para qualificar as atividades

de plantio homogêneo e em larga escala de espécies exóticas. Reflorestar significa plantar de novo, o que efetivamente não ocorre nesses empreendimentos, que desmatam (substituindo as antigas formações vegetais) ou então ocupam áreas já desmatadas com uma monocultura. Nesse sentido, o termo correto para designar a atividade seria o de florestamento, mas existem dúvidas sobre se uma monocultura de árvores corresponde a uma floresta. Assim, ao invés de usar o termo consagrado pelo Estado e pelas empresas para referir-se a essa atividade de uso dos recursos naturais, serão utilizadas as expressões plantio(s) ou maciço(s) homogêneo(s). Para uma discussão crítica a respeito desse tema, pode-se consultar Barnett (1992) e Duarte (1993).

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Não são as políticas agrícolas e as inovações tecnológicas que geram de fora para dentro diferenciação, mas estas medidas têm uma base social e resultam de determinadas alianças, cooptações de grupos etc. que criam, legitimam e aderem à oferta desses novos recursos.

Ou seja, nenhuma sociedade muda se dentro dela já não se encontram

presentes alguns elementos que a movam no sentido da mudança. Por isso é que torna-se necessário resgatar a memória do desenvolvimento da região, identificando as forças sociais que se criaram, qual dentre elas assumiu a posição dominante (através de quais estratégias) e que estratégias os dominados construíram (ou não) para fazer frente a essa dominação.

Essas questões podem ser melhor visualizadas quando se sabe que, no Litoral Norte, os pequenos agricultores, os sindicatos, a Igreja e outros segmentos da população local firmaram posição contrária à expansão desmesurada dos plantios homogêneos, assim como lutam para garantir condições de trabalho no mínimo dignas para os trabalhadores do reflorestamento.

A pesquisa realizada, então, procurou resgatar a evolução geral das

transformações sociais e econômicas ocorridas no Litoral Norte. Por esse motivo, ela se insere no objetivo maior da parcela organizada da população da região que é a de intervir nas decisões que afetam e afetarão as suas condições de vida. Daí que ela procure servir como um instrumento à disposição dessa população para a consecução de seus objetivos de resgatar a memória histórica do seu desenvolvimento e construir alternativas para os problemas que o modelo capitalista de crescimento vem introduzindo na região.

Cabe salientar que o esforço empreendido aqui será mais o de sistematizar

as informações já existentes em documentos, boletins e outras publicações produzidos pelas organizações dos trabalhadores e outros setores da sociedade civil, cruzando-as com os depoimentos e informações obtidos através das entrevistas realizadas com diversas pessoas e empresas da região, dos documentos, publicações e estatísticas oficiais e da produção acadêmica.

No primeiro capítulo são descritos suscintamente alguns dos principais

aspectos do processo de ocupação da região que compreende o Litoral Norte, até meados do presente século. Pretende-se mostrar, mesmo que de uma forma não muito profunda, quais foram os tipos de relações sociais responsáveis pela formação de uma estrutura fundiária dominada pelo latifúndio e pela submissão da pequena produção agricultura.

O segundo capítulo faz uma caracterização da região a partir da década 70,

analisando a evolução da estrutura fundiária e das relações sociais no campo. Ainda dentro deste capítulo, será feita uma aproximação ao problema do plantio de maciços homogêneos, contrapondo-se os programas de incentivos governamentais ao reflorestamento aos "desincentivos" à pequena produção.

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No terceiro, procede-se a um levantamento dos principais aspectos da evolução da política florestal no país e no estado da Bahia, chamando a atenção para os aspectos relevantes da constituição do Litoral Norte como um dos “pólos” de atração dessa atividade e para os impactos ambientais e sociais daí decorrentes.

O quarto e último capítulo caracteriza as mudanças promovidas nas

condições de vida dos pequenos agricultores e, a partir do que foi discutido nos capítulo anterior, tenta analisar a constituição, as “virtudes” e os limites dos diversos mecanismos de resistência que foram utilizados no sentido de alterar as formas político-econômicas do crescimento predatório dessas monoculturas.

Ao final do trabalho é apresentado um Glossário que, além de complementar

as informações já analisadas ao longo do texto, fornece uma explicação um pouco mais detalhada de alguns termos que, não sendo de uso regular pela população, podem gerar alguma confusão ou dificultar o entendimento.

CAPÍTULO 1 Formação Econômica da Região

A ocupação comercial e populacional do Litoral Norte da Bahia seguiu o

mesmo padrão verificado na economia colonial e, por extensão, no restante do atual estado, voltando-se inicialmente para a formação e/ou sustentação das plantações de cana-de-açúcar e para a produção do açúcar e a sua exportação para a Europa.

Aqueles que foram os primeiros ocupantes da área, os índios Tupinambás,

foram expulsos pelas forças da Coroa Portuguesa, que conferiu a posse das terras aos seus membros e funcionários. A expansão para o interior do estado, a partir da segunda metade do século XVI, deu-se de forma muito rápida, consolidando a usurpação que se fazia da terra dos Tupinambás. Como descrevem Oliveira Filho et alii (1990: 6), "Apesar do processo de resistência oferecido por esses índios, a área em questão foi conquistada e conferida como posse a membros e funcionários que serviam à Coroa Portuguesa". Um exemplo disso foi Francisco Garcia D'Ávila, donatário da área que ia do norte de Salvador até o nordeste do estado da Bahia.

Entre 1609 e 1612 foram concedidas novas sesmarias nas bacias dos Rios

Real, Itapicuru e Inhambupe. Em 1663 todas as terras localizadas entre a margem direita do rio São Francisco até Paratinga e o rio Paraguaçu já estavam sob controle privado de donatários reais. Esse processo de doação de sesmarias, terras que os portugueses consideravam "incultas" e que deveriam ser dadas àqueles que se dispusessem a cultivá-las era, na verdade, uma das formas através das quais se "premiava" os que se empenhavam na defesa dos interesses dos reis de Portugal.

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A distribuição de terras pela Coroa, então, promoveu a formação de extensos latifúndios, sendo privilegiados os colonos que dispusessem de capital para a plantação de cana-de-açúcar e a instalação de engenhos ou para aqueles que se destacassem no "combate" aos índios. A constituição da região esteve, portanto, estreitamento vinculada aos interesses das classes dominantes e fundada num sistema de exploração econômica baseada no latifúndio e na cultura de exportação, bem como na exploração do trabalho escravo. Foi com base neste tripé que se deu a formação sócio-econômica da Bahia e de todo o país durante os períodos da Colônia (1500 até 1822) e do Império (1822 até 1889). Na verdade, a expansão do latifúndio escravista exportador deixou marcas profundas na organização social e econômica do campo até os dias de hoje.

Apesar do predomínio da grande agricultura monocultora, havia na economia

colonial uma brecha para a produção de alimentos. Uma destas brechas era dada pela existência de um campesinato que, mesmo não sendo em sua totalidade composto por pessoas livres, produzia em sua quase totalidade para subsistência. Não é preciso dizer que essa atividade ser secundária em relação ao escravismo dominante.

No âmbito das relações de trabalho escravistas típicas do período da

economia colonial agro-exportadora, houve efetivamente o desenvolvimento de atividades agrícolas realizadas por escravos que possuíam concessão de tempo para trabalhar em pequenas parcelas de terra - individuais e coletivas - dentro das fazendas.

Para Cardoso (1979: 137), essa brecha só foi possível porque a “atribuição

de uma parcela, e do tempo para cultivá-la, cumpria uma função bem definida no quadro do sistema escravista colonial: a de minimizar o custo de manutenção e reprodução da força de trabalho”. Além disso, para o escravo produtor "a margem de autonomia representada pela possibilidade de dispor de uma economia própria era muito importante econômica e psicologicamente" (op. cit.).

Nem todos, porém, se beneficiavam desta situação: os escravos domésticos

e urbanos e os solteiros que trabalhavam nas fazendas não podiam exercer outras atividades além daquelas que eram determinadas pelo senhor.

Mas o mais importante é que foi a partir da produção de alimentos feita por

esse contingente de produtores (inclusive através da "liberdade" de caça e pesca) que ocorreu a extensão de um mercado interno e, em conseqüência, uma ampliação da agricultura comercial. Afinal, não se pode pensar que o abastecimento das necessidades de uma população crescente empregada nas atividades de produção e comercialização do açúcar se fizesse apenas às custas de importações onerosas. Do mesmo modo, não se pode conceber que o desenvolvimento do mercado interno e a existência de agricultores capazes de atendê-lo só se tornou possível com a crise dos ciclos agro-exportadores.

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Como alertam Linhares & Silva (1981: 119), a implementação e crescimento da agricultura de mercado interno, inicialmente como agricultura de subsistência, deu-se progressivamente e

sobretudo a partir do século XVIII, será uma resposta às necessidades dos núcleos urbanos em expansão, às melhorias dos transportes, à abertura de estradas, à interiorização da economia monetária. Mas ela dependerá, também, da organização do comércio de gêneros de abastecimento, dos hábitos alimentares da população, das estruturas de consumo e, por conseguinte, das hierarquias sociais, assim como das condições em que se baseia o sistema produtivo (...) [Na realidade, por causa de] sua extensão e do número de pessoas que ela ocupa, a agricultura de subsistência torna-se ... a retaguarda da atividade maior que é voltada para o comércio metropolitano. Coube-lhe ... o papel de ocupar a terra, desbravando-a e povoando-a (...) A área que ela ocupa, e continuará ocupando, é aquela não ocupada pela agricultura comercial ... e não ambicionada por interesses mais poderosos ... daí o caráter precário e transitório do uso e da posse da terra por pequenos proprietários e lavradores sitiantes, como se fossem eles ocupantes ocasionais de glebas provisórias.

Os produtos alimentares necessários ao abastecimento dos engenhos e das

fazendas de gado eram, então, cultivados pelos escravos em terras marginais que eram “cedidas” dentro da área de propriedade do senhor de engenho e, também, por um razoável número de colonos que não preenchiam os requisitos exigidos para a obtenção de terras.

Além desses primeiros representantes de um campesinato no país, existiam

produtores rurais livres que alimentavam com sua produção as cidades. Deve-se sempre lembrar, porém, que apesar desta parcela da população dedicada às culturas alimentares constituir-se em um setor numericamente importante, sempre esteve submetido a uma situação de fragilidade e dependência, dispondo de pouca terra e sendo vítima constante de pressões dos latifundiários.

No Litoral Norte da Bahia, essa produção alimentar expandiu-se, lado a lado com a produção de cana. De acordo com os seguintes registros feitos por Mattoso (1978: passim), é possível reconstituir um pouco do que era essa agricultura de abastecimento das pequenas vilas e da cidade de São Salvador:

Ora, o Recôncavo é essencialmente uma região agrícola. Nas suas terras são plantadas as canas-de-açúcar, o tabaco e os gêneros de subsistência tais como a mandioca, o feijão, o milho, sem falar nas árvores frutíferas, cocos e laranjeiras, limoeiros e mangueiras, e dos mil e um jardins de hortaliças cujos produtos procuram abastecer uma cidade gulosa e sempre faminta. (...) Porém, uma coisa é certa: farinha de mandioca, farinha de pau, tapioca, aipim e inhame são a base da alimentação em toda a província a tal ponto que se chama ainda de mandioca 'qualquer comida' em todo o Brasil atual (...). E as condições são praticamente idênticas para o outro alimento de base da população brasileira: o 'feijão das águas' ... e o 'feijão da safra' ... Segundo Teodoro Sampaio, que escreve em 1923 sobre a agricultura baiana, os grandes mercados para a farinha de mandioca são, para o Recôncavo, Feira de Santana, Santo Amaro, Pojuca, Alagoinhas, Maragogipe, São Gonçalo e Nazaré das Farinhas; Mundo Novo, Morro

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do Chapéu, Saúde, Macaubas, Rio Branco e Barreiras para o sertão. Mas no século XIX é a mandioca plantada no litoral e somente ela que possui condições de transporte para abastecer a cidade do Salvador. (...) Numa carta ... datada de 5 de janeiro de 1865, José de Azevedo Almeida expunha da seguinte maneira o problema do fornecimento de carne verde à capital: '... Há três zonas de criação de gado na Bahia. A primeira que chamaria Sertão baixo colocada no norte da Província, compreende as Comarcas de Feira de Santa Anna, Inhambupe, Itapicuru, Geremuabo, Monte Santo, e Jacobina (...). Entre as Comarcas da primeira zona, as mais produtivas são as de Feira de Santa Anna, Monte Santo, e Geremuabo, pouco produzindo as de Itapicuru e Inhambupe, mas estas mesmas que mais produzem, quando encontram seguidos anos de chuvas, a raça dos gados é tão má, e a produção tão mal regulada que nunca chega para fazer abastecer o mercado que é o de Feira de Santa Anna'.

Tanto é assim que, já em 1587 um escritor português, Gabriel Soares de

Souza (citado por Linhares, 1979: 33-34), dizia que De tal forma é rica a terra, que parreiras, figueiras, romeiras, laranjeiras, limeiras, cidreiras e quantas árvores frutíferas mais, vicejam na Bahia melhor do que na Espanha e as hortaliças são de fazer inveja às melhores de Portugal (...) Em produtos naturais da terra, a Bahia não é menos rica: a mandioca, e o aipim, batatas das mais variadas espécies ... os carás, os mangarás, as taiobas, os amendoins, o milho, a pimenta, além das frutas fartas e gostosas. Alimentos abundantes e ao alcance de todos.

Da mesma forma Leão (1987) afirma que, tendo a ocupação da capitania da

Bahia se iniciado ao redor das terras da Baía de Todos os Santos, ela foi se estendendo lentamente para uma outra região tipicamente agrícola, a Zona da Mata. Esta ocupação começou com a cana de açúcar e foi seguida pelos cultivos alimentares, algodão e, principalmente, pelo gado. De fato, conforme argumentam Oliveira Filho et alii (1990: 7-8)

Nos fins do século XVII, a pecuária extensiva constituía-se numa das principais atividades econômicas desta área, cujas fazendas, que eram unidades de produção auto-suficientes, propiciavam o atendimento das demandas internas, especialmente as que se referem ao fornecimento da carne, já que a maior parte do couro era absorvida pela pauta de exportação.

Outra autora que analisou a forma como ocorreu a ocupação econômica da

região Norte da Bahia vai apresentar uma conclusão aproximada. Para ela, De 1571 até o fim do século XIX, a pecuária deslocou-se para fora da Zona da Mata, tornando-a dominantemente ocupada por uma seqüência de culturas comerciais orientadas para o mercado externo (cana-de-açúcar, fumo, café...) ao

lado de culturas alimentares para o abastecimento de Salvador (Leão, 1987: 73). Ainda de acordo com essa mesma autora, durante o processo de ocupação

da região, os vales dos Rios Paraguaçu, Inhambupe, Itapicuru, Real e Vaza Barris tiveram um papel importante, facilitando a penetração da pecuária no sertão.

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Algum tempo depois, em meados do século XVIII, o fumo e o algodão já eram cultivados e, no começo deste século, a produção da Zona orientou-se para o abastecimento não só do mercado externo (fumo e café), mas sobretudo de Salvador (cereais e cana).

Isso, no entanto, não significa reconhecer que a existência de alimentos

correspondesse a abastecimento para todos: mesmo com a idéia de fartura, passava-se fome na Colônia. Conforme analisa Silva (1994: 40), a crise da oferta de alimentos e, por extensão, da capacidade de garantir a subsistência das populações rural e urbana começava com o que se denomina “falta”. Ainda segundo esse estudioso da questão agrícola brasileira, a utilização desse termo exprimia o “desaparecimento de um ou mais gêneros - normalmente ... a farinha de mandioca”.

À medida em que a população afetada, os comerciantes e as autoridades

públicas iniciavam uma reação à falta, dois caminhos se faziam possíveis: ou se reestabelecia o abastecimento, pela via da regulamentação do consumo e da oferta (inclusive via controle de preço e de estoques) ou então havia um “recrudescimento da falta, originando um segundo momento de crise de subsistência: a ‘carestia’”:

A expressão carestia aparece já num documento de 1688, na Bahia como resultado de uma longa “falta” de mandioca. Esse documento da Câmara de Salvador descrevia uma situação de “preços excessivos” e “levantamento geral de preços”. Não se tratava, contudo, de uma explosão inflacionária: a carestia atingia apenas os gêneros ligados diretamente ao abastecimento: a mandioca, é claro, e todos os demais gêneros que pudessem substituí-la, como o milho e o feijão. (...) Nesse momento, não só o “povo miúdo” - consumidores de mandioca - era atingido. Também plantadores e senhores de engenho sentiam a ação da carestia, uma vez que a alimentação de suas vastas escravarias tornava-se problemática. Desse modo, a crise da economia alimentar, de alcance local, faz seu enlace com a grande economia de exportação, atingindo o comércio atlântico de artigos coloniais, como o

açúcar e o tabaco (Silva, 1994: 40). Dessa forma, não eram só a ocorrência de eventos naturais, como as secas,

e nem somente a expansão do plantio de cana e de outras culturas de exportação sobre as áreas de plantio de alimentos que ocasionavam a escassez e a fome. Melhor seria dizer que essas duas tornavam-se ainda mais graves por causa da estrutura da dominação colonial. Segundo analisa Silva (op. cit., p. 41),

As características da agricultura metropolitana portuguesa - deficitária e importadora de alimentos - tornavam imperiosa a produção, na colônia, dos alimentos necessários. Assim, o Brasil devia prover seu abastecimento, bem como o das naus que a caminho das Índias faziam pousada na Bahia, e o das demais colônias. (...) O problema principal residia nas relações entre a grande produção mercantil (açúcar, tabaco) e a produção para os mercados locais (mandioca, milho, feijão). Evidentemente, o comércio colonial oferecia rendimentos muito mais elevados,

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fazendo com que as roças de mandioca e feijão fossem consideradas “plantações de pobres”.

Mas, além do fato dos produtores de alimentos para o mercado interno terem

uma renda menor do que a que era gerada pela produção agrícola voltada para o comércio internacional, os pequenos produtores ainda tinham que obedecer a um grande número de regras e imposições derivadas da política mercantilista3 portuguesa. A conseqüência principal dessa dupla restrição à pequena produção era, pois, a sua subordinação às elites políticas e econômicas locais.

Essa submissão, conforme analisa Silva (1994: 41-42), exprimia-se através

de uma relação fortemente desigual: os roceiros de mandioca ou de feijão, com seus preços controlados, eram obrigados a comparecer como compradores em um mercado de preços livres. Isso gerava um violento processo de apropriação de parcela do trabalho dos roceiros pelos setores dominantes da economia colonial (...) Para alterar sua condição subalterna, a única saída para os produtores de alimentos era mudar o gênero cultivado. Tal mudança, entretanto, era condicionada pelo acesso aos fatores de produção - terra e mão-de-obra. (...) [Assim,] Em pouco tempo, no final do século XVII, grandes áreas da Bahia cobriram-se com as folhas verdes do fumo, provocando a falta da mandioca.

Entremeando esse processo de constituição de uma agricultura local

subordinada a uma atividade agrário-exportadora, foram se estabelecendo os núcleos populacionais que sustentaram administrativamente a ocupação portuguesa na região. O Quadro 1, apresentado a seguir, fornece uma rápida descrição da formação de algumas das atuais cidades do Litoral Norte, bem como dos seus "desdobramentos" em novos pólos urbanos no século atual 4.

Mas essa estrutura produtiva - nas suas duas vertentes, a agrícola e a

urbana - não foi construída da noite para o dia. Além dos problemas naturais, como excesso de chuva pela proximidade do litoral, os produtores de alimentos e matérias-primas não voltados para a exportação tinham que contar com a

3 O mercantilismo pode ser descrito como o conjunto das políticas econômicas adotadas

pelos países colonialistas europeus, durante os séculos XVII e XVIII, para administrar os tesouros reais e garantir a essas metrópoles a supremacia política e militar sobre as suas colônias e sobre as demais nações com as quais concorriam no mundo. Além disso, a utilização da política mercantilista teve ainda a função de promover a unificação desses países sob o comando unitário de um Estado Nacional, o que tornou-se a base para o desenvolvimento posterior do capitalismo.

4 Os principais municípios do Litoral Norte, como pode ser observado no Quadro 1, foram criados entre os séculos XVII e XVIII, a partir de um aglomerado urbano anterior, normalmente uma Capela ou um Povoado. A partir de 1953, vários municípios foram criados por desmembramento dos que já existiam, tal como também é indicado. Apenas os municípios de Araças, Aramari, Cardeal da Silva, Itanagra, Ouriçangas, Pedrão e Sátiro Dias não constam da relação apresentada por terem sido criados depois de 1958 ou 1962.

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concorrência da atividade monocultora da cana. De fato, as condições para o nascimento e fortalecimento desse segmento econômico de pequenos produtores e de criadores foram dadas pela chegada dos portugueses e pela forma como constituíram e "planejaram" o crescimento das áreas urbanas, principalmente a de Salvador.

QUADRO 1

Origens Históricas de Alguns dos Municípios do Litoral Norte da Bahia

Municípios Resumo do Histórico da Criação

Acajutiba Antiga Vila Rica, foi transformado em município em 1918 através do desmembramento da área dos municípios de Esplanada e Itapicuru.

Alagoinhas Originou-se nos arredores de uma capela construída na Fazenda Ladeira. Em 1816 foi criada a Freguesia com o nome de Vila de Santo Antônio de Alagoinhas. Em 1852 criou-se o município, desmembrado do de Inhambupe. Passou à condição de cidade em 1880.

Aporá Criado em 1958 a partir do desmembramento dos distritos de Aporá e Itamira, antes pertencentes ao município de Inhambupe.

Catu Criado como vila em 1868, com o nome de Santana de Catu, pertencia a São Francisco do Conde. Transformado em município em 1953.

Conde Criado em 1806 como Vila de N. Sra. do Conde de Itapicuru da Praia. Foi transformado em município em 1953.

Entre Rios Povoado criado no século XVI. Elevado à condição de Freguesia em 1804 com o nome de N. Sra. dos Prazeres de Inhambupe. Em 1872 passou à condição de vila com o nome de Entre Rios, desmembrado de Inhambupe. Transformado em cidade em 1938.

Esplanada O seu povoamento teve origem num pequeno aglomerado pertencente ao município de Conde. Em 1912 criou-se o distrito de Esplanada, que recebeu foros de cidade em 1921.

Inhambupe Em 1624 foi fundada uma povoação neste local e em 1801 foi criada a Vila de Inhambupe de Cima. Em 1816 fundou-se a Freguesia de Inhambupe e, em 1906 ela recebeu foros de cidade. Ao longo desse tempo, perdeu vários distritos que formaram outras cidades.

Jandaíra Criado em 1727 como Vila de Abadia, passou a chamar-se depois Cachoeira da Abadia. Ganhou a condição de município em 1953.

Mata de São João

Criado em 1846 como Vila da Mata de São João, foi transformado em município em 1953, quando foi desmembrado de Camaçari.

Pojuca Criado em 1913, foi desmembrado de Catu em 1953 e tornou-se município.

Rio Real Criado como vila em 1880. Foi desmembrado de Itapicuru e transformado em cidade em 1953.

São Sebastião do Passé

Criado em 1926 com o nome de São Sebastião, foi desmembrado de São Francisco do Conde em 1953.

Fonte: adaptado de BAHIA (1977) e BAHIA (1994a)

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Dessa forma, pode-se dizer que o que permitiu a existência da estrutura produtiva dominante na região hoje denominada Litoral Norte foi a combinação de três movimentos:

a penetração do colonizador português sobre terras indígenas, com a expulsão

dessa população e sua submissão a um modelo de produção centrado na plantation exportadora açucareira;

o da criação das "brechas" nesse sistema latifundiário escravagista, isso é, a existência de “aberturas” espaciais e sociais para a produção de alimentos para subsistência e comercialização local;

o da expansão da pecuária, que se caracterizou como um dos principais

elementos de expansão e ocupação do interior e desempenhou importante papel "para a interligação da região com outras áreas, inclusive externas à própria capitania" (cf. Oliveira et alii, 1990: 7).

Até fins do século XVIII não se perceberam grandes alterações nessa

estrutura produtiva, mesmo com as crises da produção açucareira do Nordeste, atingida pela entrada de novos concorrentes (principalmente as ilhas do Caribe) e pela produção de açúcar a partir da beterraba, na Europa. O assim chamado “ciclo” brasileiro da cana-de-açúcar - que começou por volta do ano de 1550 e foi declinando nos cento e cinqüenta anos seguintes - só voltou a apresentar tendência de crescimento no início do século XIX, quando as vendas para o exterior se expandiram num movimento que continuou até o início do século XX (conforme Einsenberg, 1977).

De um modo geral, pode-se dizer que a evolução da agricultura baiana foi

condicionada à sucessão de momentos de abundância e de escassez, movimento que vem ocorrendo desde o século XVI. Foi esse processo, por sua vez, que determinou que o ritmo de incorporação da população de pequenos produtores de alimentos ao mercado tenha sido bastante lento e, de qualquer forma, tenha sido feita sob a tutela do latifúndio.

De acordo com Mattoso (1978, p. 349-351) , a partir do século XVIII essa

evolução assumiu as seguintes características principais:

a) de 1787 a 1821: fase durante a qual a cana-de-açúcar foi a cultura predominante e foi estimulada por uma série de condições favoráveis, tais como as reduções de taxas cobradas pelo governo português, a introdução de novas técnicas produtivas, a desorganização da produção das Antilhas (Jamaica e Haiti) e a conjuntura econômica internacional próspera;

b) de 1821 a 1845: fase de depressão econômica na província, causada pelas inquietações e levantes populares, pela Guerra da Independência na Bahia (1821-1823), pela multiplicação dos engenhos e pelo deslocamento da mão-de-obra para a região Sudeste devido ao surto cafeeiro. Nesse período ocorre, também, a substituição do açúcar de cana pelo de beterraba, à qual se somam as dificuldades de obtenção de crédito e a diminuição no tráfico de escravos;

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c) de 1845-1860: fase de recuperação da economia baiana "ligada à comercialização de novos produtos que vêm ocupar lugar importante na pauta das exportações: diamantes, algodão e café", além do desenvolvimento do capital financeiro local;

d) de 1860 a 1887: nova fase de depressão, motivada pela Guerra do Paraguai, pelas dificuldades de contratação de crédito para o setor agrícola, pela depressão econômica européia, pela abolição da escravatura e pela concorrência da produção de diamantes do Cabo;

e) de 1887 a 1897: fase na qual notou-se uma relativa recuperação da economia do estado, devido à melhoria dos preços agrícolas no mercado internacional e ao aumento na exportação de cacau e borracha da maniçoba, além da existência de uma política de crédito mais favorável.

Ao longo desse período, várias foram as mudanças estruturais que

ocorreram na sociedade baiana, principalmente no século XIX. Foi sobre essas transformações sociais que se construiu e se consolidou a base a partir da qual se estabeleceu uma nova forma de dominação social. A primeira delas foi a abolição da escravidão, que ocorreu no Brasil em 1888.

Com o fim do regime de trabalho cativo, os ex-escravos liberados da

agricultura de exportação baiana somaram-se aos pequenos produtores que praticavam uma agricultura de subsistência. Entretanto, o aumento do número de pequenos plantadores não permitiu a formação de um modo de produção alternativo, no qual os pequenos produtores detinham o controle das decisões sobre o que produzir e sobre os meios de produção. A razão para esse impedimento foi o fato que as políticas agrícola e agrária do país estavam totalmente subordinadas à grande propriedade, que bloqueou juridicamente o acesso dos pequenos à terra através da Lei de Terras de 1850.

Desde 1822, quando se estabeleceu um Império "independente" no Brasil, as

terras anteriormente doadas a nobres ou a comerciantes que representavam os interesses da Coroa Portuguesa passaram a ser consideradas livres, podendo ser apropriadas simplesmente através da posse. Em 1850, porém, atendendo aos interesses dos latifundiários, o governo imperial editou a já citada Lei de Terras, cujo principal objetivo era o de impedir que a ocupação da terra fosse democratizada.

De acordo com Linhares & Silva (1981: 32), essa lei decorreu da

necessidade de atender aos interesses de uma nova classe de ricos fazendeiros do café instalados em São Paulo, Minas Gerais e no Rio de Janeiro. Mais especificamente, esses novos senhores se beneficiaram enormemente da "ausência de qualquer regulamento sobre o regime de terras no Brasil" entre 1823 e 1850. Nesse último ano, então, quando já haviam conseguido garantir o acesso às terras que necessitavam para sua produção, pressionaram as forças latifundiárias conservadoras presentes no Congresso nacional no sentido da adoção da Lei de Terras.

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Além disso, ainda de acordo com os autores citados acima, o projeto aprovado em 1850 legitima as sesmarias e as posses (ganhando com isso o apoio de amplos segmentos latifundiários): são criadas fortes penas contra os novos intrusos, ou seja, contra aqueles que após o registro das terras ocupassem o solo sem pagar por este ...; o imposto sobre propriedades com mais de meia légua (para cultivo) ou duas léguas (para a criação) é abandonado; por fim, o tamanho das posses deveria igualar as últimas sesmarias outorgadas, o que nunca é obedecido

(op. cit., p. 34).

O que esta Lei fez no caso da Bahia, então, foi reconhecer o direito de propriedade dos senhores de engenho do litoral e dos pecuaristas do sertão, considerando as terras até então desocupadas como "terras devolutas". As terras, a partir de então, só poderiam ser apropriadas através da compra. Dessa forma, alcançaram-se os objetivos dos grandes latifundiários, que era o de não permitir que os escravos (que seriam libertos) e os imigrantes europeus (que começaram a chegar ao país desde meados do século XIX) se estabelecessem em terras próprias, o que impediria os latifundiários de contratá-los como trabalhadores assalariados.

Assim, se for adicionado a essa transformação o fato que durante mais de

cinqüenta anos durante o século XIX a agricultura baiana sofreu os efeitos de recessões econômicas (tal como mostrado anteriormente), pode-se concluir que as condições de existência da pequena produção foram se tornando bastante precárias. Em função disso, as alternativas para a população rural pobre de todo o estado da Bahia não eram nada atraentes.

Uma alternativa seria arrendar um pedaço de terra dos grandes proprietários

para o cultivo de subsistência, submetendo-se a uma relação ainda maior de dependência, econômica e também política; a segunda alternativa seria migrar para o sul à procura de trabalho nas plantações de café; e a última seria manter a posse ou procurar ocupar de parcelas de terra, sem direito a título e sem a garantia de permanência no futuro.

O que permitiu a opção pelas duas primeiras alternativas foi o fato da região

se encontrar ligada a diversos outros centros econômicos e culturais importantes desde o século XIX. Em 1881, já havia sido feita a ligação da região, através de Alagoinhas, com a Estrada de Ferro de São Francisco, o que permitiria que na década de 20 do presente século já houvesse comunicação direta com o estado do Sergipe. Esse é um dado importante, porque sabe-se que as ferrovias desempenharam um papel importante na interiorização da produção, permitindo que as grandes unidades produtoras escoassem sua produção para os portos de forma mais rápida e segura.

Ora, à medida em que crescia a possibilidade de ocupar novas terras com o

cultivo de cana, algodão, fumo e a pecuária, crescia também a possibilidade

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daquela ocupação de áreas localizadas proximamente e mesmo dentro do latifúndio por um número de produtores transformados em "sem-terra".

Uma descrição da situação dos trabalhadores e produtores rurais das áreas

costeiras onde predominava o latifúndio exportador foi dada pelo cientista político Eul-Soo Pang (1979: 27), num estudo sobre o coronelismo na Bahia. De acordo com ele, nessas áreas

os trabalhadores recebiam salários muito baixos, mesmo no [início do] século vinte, o que aumentava sua dependência frente aos proprietários de terra. Além disso, na região norte do país, existiam pequenas oportunidades nas cidades no sentido de alternar os meios de subsistência que poderiam atrair a população rural para as áreas urbanas. Foi nas regiões costeiras que um sistema social “fechado” e “autocrático” emergiu.

Assim, apesar do declínio das atividades econômicas do Nordeste, as

classes dominantes rurais mantiveram seu poder, baseado sobretudo no "monopólio" da terra. Mesmo quando os pequenos produtores podiam deter a posse de pequenas frações de terra, como era o que acontecia na Bahia já no início do século XX, suas condições de produção eram precárias e sua reprodução e expansão encontravam-se condicionadas aos movimentos do latifúndio.

E, de fato, a presença da pequena produção era esmagadora no cenário

agrícola baiano - como de resto em quase todo o país. De acordo com Pang (1979: 210), em 1920 haviam 65.181 propriedades rurais em toda a Bahia, das quais 82% (ou 53.443 unidades) com menos do que 100 ha. É claro que esse tamanho de área (100 ha) é ainda grande para caracterizar uma definição de predomínio de minifúndios; mas isso não elimina a conclusão que mais de três quartas partes da terra agrícola existentes no estado ainda no início do século encontravam-se em mãos de pequenos e médios produtores. Entretanto, essa massa de pequenos produtores não tinha condições técnicas e econômicas de tornar-se independente dos grandes produtores de cana e/ou da dominação exercida pelo capital mercantil controlado pelos capitalistas urbanos.

Por outro lado, a própria agricultura baiana não estava experimentando uma

situação econômica favorável. Entre 1897 e 1905 o estado passou por uma nova fase de crise, causada por restrições de crédito, não recuperação de produção e comercialização do açúcar e declínio dos preços do cacau e do fumo além de secas prolongadas que atingiram o litoral. Mesmo que entre 1904 e 1928 tenha havido uma nova fase de recuperação, com o restabelecimento dos preços do cacau, do fumo e do açúcar, o revigoramento da produção de algodão e arroz e o aumento da produção de farinha de mandioca, que chegou mesmo a ser vendida no mercado externo, isso não significou um reestabelecimento da situação de auge da economia escravista canavieira (cf. Mattoso, 1978).

Por que razão não houve, então, uma recuperação da economia agrícola

baiana no início do século atual ? A resposta está no fato de terem ocorrido

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mudanças no padrão de desenvolvimento da economia brasileira durante este mesmo período, com o café assumindo a condição de principal produto de exportação nacional. Dessa forma, a economia baiana passou a ocupar uma posição que a literatura de ciências sociais denominou de "estrela de segunda grandeza", isto é, uma economia rural com população expressiva e com uma elite política ainda influente, mas sem condições de direcionar a partir de seus interesses as decisões mais importantes em termos de política econômica 5 .

Tendo essas informações como pano de fundo, pode-se observar que, à

medida em que avançavam os anos, a tendência da população rural de pequeno tamanho de área era a de sair da terra, procurando nas cidades o emprego e a renda que a agricultura não produzia em quantidade e qualidade suficientes. Para a situação de alguns dos principais municípios do Litoral Norte até meados do presente século, essa caracterização é bastante adequada.

A Tabela I, apresentada a seguir, dá um tipo de indicador dessa situação:

nela pode-se ver que, entre os anos de 1940 e de 1960, o crescimento relativo do número de habitantes da zona rural foi inferior ao crescimento demográfico da população total (como em Alagoinhas, Aramari, Entre Rios, Esplanada e Inhambupe). Apenas em Aporá e em Cardeal da Silva a população rural por quilômetro quadrado apresentou crescimento superior ao da população total.

Entre 1960 e 1970, manteve-se a mesma tendência, sendo que apenas

Inhambupe apresentou um aumento do número de moradores da zona rural superior ao aumento da população total. Na verdade, pode-se observar pelos dados da Tabela I que apenas esse município e os de Alagoinhas, Entre Rios e Esplanada apresentaram crescimento populacional. Nos demais, houve uma redução da densidade, o que indica que houve uma diminuição do número de habitantes.

Tabela I

Densidade Demográfica das Populações (Rural e Total) nos Municípios do Litoral Norte da Bahia - 1940-1970 (em habitantes por Km2)

Municípios 1940 1950 1960 1970 Total Rural Total Rural Total Rural Total Rural

Alagoinhas 28,4 16,2 38,4 19,3 57,0 23,0 66,9 18,6

Aporá 15,0 13,2 18,7 16,6 17,9 15,9 17,1 15,0

Aramari 15,6 11,1 24,0 16,8 29,3 20,5 26,9 17,2

5 Essa classificação do estado da Bahia faz parte de uma forma de análise desenvolvida

por vários estudiosos do período da República Velha (1889-1930). Segundo essa classificação, no Brasil existiam três tipos de economias estaduais: as de primeira grandeza, formadas por São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, produtoras de café; as de segunda grandeza, que eram a Bahia, o Rio Grande do Sul, Pernambuco e a Paraíba e, finalmente, os demais estados, que possuíam uma ordem de grandeza menor do que os anteriores.

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Cardeal da Silva

9,5

7,9

9,1

7,6

10,6

9,2

9,0

7,4

Entre Rios 11,2 10,2 11,3 10,1 13,7 11,8 15,0 11,3

Esplanada 9,8 6,9 10,7 7,5 11,3 7,7 13,5 8,6

Inhambupe 14,9 12,6 16,5 13,5 16,9 13,4 17,9 14,4

Fonte: BAHIA (1976) De toda forma, e à exceção de Inhambupe, o que se percebe é que durante

o período 1960-1970 o comportamento demográfico das zonas rurais desses municípios do Litoral Norte foi de queda absoluta.

Duas explicações são fundamentais para se entender porque isso aconteceu:

1º) a partir de 1950, a expansão e a implementação das redes rodoviária e ferroviária desempenharam um importante papel na transformação da agricultura do Litoral e do Agreste no Norte da Bahia, à medida em que permitiram uma maior comunicação entre o campo e a cidade e entre a região e outros estados (conforme Leão, 1987);

2º) nessa mesma data, foram introduzidas mudanças no modelo de desenvolvimento, que passou a centrar sua atenção na promoção da industrialização e nas mudanças da estrutura econômica, inclusive com a mudança de localização da capital do Brasil para a região central do país.

E foi a partir desse momento que se consolidou uma nova forma de inserção

da economia agrícola baiana ao modelo de desenvolvimento da agropecuária que estava sendo introduzido no país. Esse modelo, apoiado na adoção de um pacote agroquímico e mecanizado, de um lado, e em políticas agrícolas favoráveis à concentração da propriedade e da renda, de outro, forneceu as condições para a rápida mudança que se verificou na agricultura baiana e de todo o Litoral Norte. Esse é o tema do próximo capítulo.

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CAPÍTULO 2 A Política Agrícola no Brasil Pós-1964

No período 1964-1980, diversas foram as mudanças que aconteceram em

termos da política econômica brasileira. Várias foram as razões que motivaram tais mudanças, e elas podem ser resumidamente apresentadas da seguinte forma:

a) após um período de crescimento iniciado após a década 50, que foi estimulado

pelo Plano de Metas do governo de Juscelino Kubitschek, a indústria brasileira atingiu um nível máximo na sua capacidade produtiva. A partir daí, pode-se dizer que houve um esgotamento de uma fase do ciclo de acumulação de capital e, portanto, tornou-se necessário que fossem criadas novas condições para dar continuidade à expansão de algumas atividades consideradas estratégicas (principalmente os setores automobilístico, da construção civil, siderúrgico, petroquímico, de geração de energia elétrica);

b) para fazer frente às necessidades de continuar a expansão do crescimento capitalista, tornou-se necessário criar formas e fontes de financiamento da produção. Ora, como os empresários privados eram tidos como "incapazes" de bancar os recursos necessários para a expansão destas atividades, a forma escolhida para financiar a nova fase de crescimento foi a de passar ao Estado a direção e a execução dos investimentos, seja diretamente através de empresas estatais ou indiretamente, através de subsídios ao capital privado6 - principalmente o estrangeiro.

Assim, a partir da definição do estilo de crescimento e da forma de financiar

esse processo, formou-se no Brasil um modelo de desenvolvimento cujas bases permanecem ainda hoje tal como foram definidas. Conforme analisa Singer (1976), essa base envolve um parque industrial utilizador intensivo de energia, o transporte individual e a urbanização.

Esse estilo de crescimento, no entanto, não produziu apenas expansão da

indústria e do emprego nos centros urbanos. Alguns setores pagaram um preço elevado em termos de diminuição de seus mercados e mesmo de diminuição da população empregada neles. Esse é o caso do artesanato e da pequena indústria (como, por exemplo, a indústria têxtil nordestina) e, principalmente, da agricultura de subsistência. A urbanização e a abertura das grandes rodovias federais que passaram a integrar todo o país foram as primeiras grandes responsáveis por este resultado.

Antes de mais nada, como escreve Faria (1983: 124), isso derivou do fato que

6 Por capital privado entende-se a empresa ou grupo de empresas de propriedade

privada, isso é, não pertencentes ao quaisquer tipos de instituições públicas. Ao longo do período citado, vários foram os setores de atividade econômica de capital privado que se beneficiaram de subsídios, dentre os quais destacam-se: o siderúrgico, o de papel e celulose, o de máquinas e equipamentos para produção (como caldeiras, fornos, prensas etc.), o de informática, o de derivados de petróleo e o de álcool.

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Muito embora por volta de 1950 o Brasil já tivesse atingido um patamar de urbanização que gerava problemas urbanos e dava lugar a movimentos em torno de reivindicações urbanas (água, luz, transporte, habitação e carestia da vida urbana), pelo menos do ponto de vista ecológico-demográfico o país ainda era “essencialmente agrícola”.

Mas a partir daí, o ritmo de crescimento urbano acelerou-se de tal forma que,

entre os anos de 1950 e 1960 o número de cidade com 20.000 habitantes ou mais cresceu 79,2%, tendo passado de 96 para 172 cidades com esse tamanho de população. Entre 1960 e 1970, o total de cidades com essa quantidade de moradores passou a 300, tendo crescido 74,4% entre essas duas datas (aumento que chegou a 212,5% se for considerado o período 1950-1970). Ora, um crescimento tão espantoso em tão pouco tempo seguramente teve reflexos sobre a produção agropecuária, que passou a atender doravante não mais a uma população predominantemente rural, vivendo para subsistência e isolada de centros urbanos (conforme Faria, op. cit.). Como apontado acima, a integração regional pela via do transporte rodoviário e a urbanização produziram grande impacto sobre a estrutura da produção agropecuária e, também, sobre a estrutura agrária.

É importante fazer uma retrospectiva desses impactos nesse momento, uma

vez que eles decorreram do fato da agricultura brasileira ter evoluído até esse período assentada sobre uma dupla estrutura: de um lado essa produção para subsistência, produtora de alimentos para o abastecimento do mercado interno e, de outro, uma agricultura de plantation, produtora de café, açúcar, cacau, borracha, totalmente voltada para a exportação.

No entanto, essa caracterização de um dualismo não significa que a

agricultura se dividisse em um setor atrasado (de subsistência) e outro moderno, destinado a atender às demandas tanto da indústria quanto das cidades. Muitas vezes utilizado nas análises sobre o desenvolvimento, o modelo baseado na dicotomia moderno-atrasado serve para esconder que o processo de desenvolvimento capitalista baseia-se exatamente na unidade desses contrários; isto é, a expansão do chamado setor "moderno" da sociedade e da economia se alimenta e cresce a partir da existência do setor denominado "atrasado". Entretanto, a própria definição do que é um e do que é o outro só pode ser feita quando ambos são comparados entre si, ou seja, essas noções são relativas e não podem ser utilizadas de maneira absoluta para designar momentos ou etapas do desenvolvimento.

Enfim, se a organização do setor agropecuário nacional antes da década 50

ainda se baseava numa independência maior frente ao setor industrial, a partir desse momento as políticas agrícolas adotadas começaram a se preocupar basicamente com a transformação dos agricultores em fornecedores de alimentos e mão de obra baratos.

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Voltando, então, à década 50, podemos dizer que todo o esforço do Estado passou a ser orientado para a adoção de políticas que tornassem a agricultura uma "subsidiária" da indústria, entregando para essa última insumos e matérias-primas baratas e comprando dela máquinas e equipamentos mais elaborados e caros. O discurso oficial adotado a partir daí passou a dizer que a agricultura não deveria competir com a indústria por recursos e, sim, que ela seria modernizada pelo desenvolvimento industrial.

A forma adotada para conseguir realizar esse objetivo foi a introdução de um

pacote agrícola modernizante, totalmente influenciado pelas experiências promovidas pelas empresas multinacionais e pelo governo norte-americano no âmbito da "Revolução Verde". O aspecto central desse processo foi a introdução do uso de fertilizantes químicos, em primeiro lugar, e a substituição do trabalho humano e da tração animal pela mecanização. Depois vieram os pesticidas, fungicidas e todo tipo de agrotóxicos. Uma definição adequada desse processo é dada por Hathaway et alii (1993: 6), para os quais ele

É o processo de expansão do modelo agrícola dos países desenvolvidos para o Terceiro Mundo. A Revolução Verde se baseia na intensa utilização de sementes melhoradas, insumos industriais (fertilizantes e agrotóxicos) e mão-de-obra barata. As sementes milagrosas de trigo, arroz e milho já foram vistas como a solução para o problema da fome no Terceiro Mundo. Os efeitos perversos da Revolução Verde foram o aumento das despesas com o cultivo e o endividamento dos agricultores, o crescimento da dependência dos países, do mercado e da lucratividade das grandes empresas de insumos agrícolas e o agravamento da ... erosão genética das espécies agrícolas.

Isso sem falar nos impactos destrutivos sobre o meio ambiente. Em suma, a

conclusão a que se pode chegar é que o modelo de desenvolvimento agrícola adotado no Brasil a partir dos anos 50 permitiu o fortalecimento de uma agricultura moderna industrializada e voltada para o exterior, em contraposição a uma grande parcela de pequenos e médios produtores cada vez mais descapitalizados e cujas únicas saídas eram ou abandonar o campo ou, então, integrarem-se ao mercado via agroindústria.

Desse modo, daí em diante o Estado passou a ter um papel importante na

reformulação da estratégia de modernização rural, através do apoio ao aumento da produtividade agrícola. Na verdade, o desenvolvimento da agricultura ocorreu de forma totalmente integrada ao estilo de crescimento econômico que passou a ser praticado a partir da segunda metade dos anos 60. Por isso mesmo, teve como seu principal resultado a formação de cadeias produtivas agroindustriais que compreendem tanto os produtos alimentares como os insumos de ramos distintos, articulados aos interesses industriais (como os do setor automobilístico produtor de tratores ou o setor químico produtor de defensivos, por exemplo).

Ou seja, dos anos 50 em diante, o desenvolvimento da agricultura nacional

deixou de depender exclusivamente das relações existentes entre a produção

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para exportação e a de subsistência, que caracterizavam a organização da sociedade agrária tradicional até antes desse período. Ou seja, antes da 2ª Guerra Mundial (1939-1945), a sociedade brasileira tinha suas relações sociais estruturadas sobre uma ligação estreita entre as atividades agrícolas e fabris e sobre um mercado interno relativamente pequeno. Ocorre que, a partir do momento em que os interesses industriais e o Estado definiram um projeto de industrialização como primordial, essa realidade transformou-se.

De acordo com Oliveira (1981), a agricultura brasileira assumiu desde essa

época uma série de “funções” novas e importantes para permitir que houvesse acumulação de capital nas indústrias e transferência de recursos para as cidades. Isto é, o desenvolvimento da agricultura passou a ser conduzido para atender aos seguintes objetivos: 1º) produzir matérias primas e alimentos em quantidade e qualidade suficientes

para atender à demanda das cidades; 2º) transferir capital e trabalhadores para o meio urbano-industrial; 3º) criar mercados para os produtos industriais (tais como máquinas, venenos e

adubos químicos); 4º) gerar receitas externas através da exportação de alimentos e matérias-primas

agrícolas; 5º) baratear os preços dos produtos agrícolas (levando a um barateamento dos

custos de reprodução da força de trabalho).

Todas essas mudanças, por sua vez, foram bastante estimuladas após o golpe militar de 1964, que impediu que a industrialização e a urbanização do país pudessem ocorrer com uma distribuição mais justa dos benefícios que elas poderiam gerar. Com a implantação de um regime autoritário e o aumento das relações privilegiadas entre o Estado e os capitalistas, o setor agrícola passou a ter seu crescimento determinado por uma outra lógica, dessa vez centrada na industrialização do campo e na dependência dos setores produtores de bens de capital.

Assim, a produção agrícola tornou-se um elemento dentro de uma rede

composta pelas empresas dos setores industriais e pelas unidades de produção agrícola. A partir dos anos 70, portanto, estavam dadas as condições para a constituição do Complexo Agroindustrial brasileiro. De acordo com Hathaway et al. (1993: 2), tal complexo pode ser definido como sendo um

tripé composto, de um lado, pela indústria para a agricultura (“a montante”) produtora dos chamados insumos modernos como máquinas, fertilizantes, pesticidas, sementes, etc. e, de outro, pela indústria produtora de alimentos processados (“a jusante”). Entre ambas está a agricultura considerada “moderna” (de propriedade das próprias indústrias ou de agricultores “integrados” à agroindústria).

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O desenvolvimento desse complexo ocorreu, ainda, como uma conseqüência das imposições da lógica da produção capitalista à agricultura, através de dois tipos de movimentos, a saber (cf. Goodman; Sorj & Wilkinson, 1990):

1º) o apropriacionismo, que pode ser definido como sendo a transformação de

formas de organização da produção agrícola em setores específicos da atividade industrial (como, por exemplo, a mudança da tração animal para a moto-mecanizada e da adubação orgânica para química sintetizada);

2º) o substitucionismo, que pode ser definido como sendo a transformação dos produtos agrícolas, na sua forma natural de alimentos, em insumos industriais e, cada vez mais, a sua substituição por componentes não-agrícolas na produção de alimentos.

É por isso que a indústria de tratores e equipamentos agrícolas, nascida no

Brasil na década 60, representou um dos elementos fundamentais para a arrancada do complexo agroindustrial no desenvolvimento da agricultura brasileira. De fato, entre 1961 e 1970, a produção de tratores e de colheitadeiras e cultivadoras agrícolas mecanizadas cresceu quase 300%, ou 1,7% ao ano. De 1970 a 1986, esse crescimento atingiu a taxa anual média de 1,4% (cf. Mendonça de Barros & Manoel, 1988: passim), diminuindo seu incremento a partir daí, quando estrangulamentos estruturais da economia nacional forçaram uma queda da produção e do consumo desses insumos.

Deve-se chamar a atenção para o fato que não foram só os insumos

produzidos por esse setor que contribuiram para mudar o quadro no qual vinha sendo conduzido o desenvolvimento da agricultura. Também a elevação constante do consumo de produtos agro-químicos formou a base técnica sobre a qual expandiu-se a produção agropecuária. No caso específico dos fertilizantes, conforme demonstram Mendonça de Barros & Manoel (op. cit.), a produção de adubos químicos à base de Nitrogênio, Fósforo e Potássio (os três principais responsáveis pelo aumento forçado de produtividade do solo) aumentou 2.195% entre 1960 e 1986. No caso dos inseticidas, fungicidas e herbicidas, de acordo com a mesma fonte, a produção cresceu 322% entre 1975 e 1985.

Essa evolução, por sua vez, foi feita com base na entrada maciça de

empresas agroindustriais de capital estrangeiro, que contribuiram para gerar um Complexo Agro-industrial avançado tecnologicamente, mas a partir de técnicas quase sempre importadas e nem sempre adequadas às condições ecológicas e sociais de diversas partes do país.

Um outro elemento que teve importância fundamental nesse

desenvolvimento da agroindústria internacionalizada foi a adoção de políticas de crédito rural e de preços mínimos. No caso da primeira, a concessão de crédito para as atividades agrícolas dividiu-se em três tipos: crédito para investimento, para comercialização e para custeio.

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Entre 1970 e 1980, 51% do total de crédito concedido no país referiu-se ao custeio, modalidade de curto prazo voltada para a manutenção das propriedades em seu estado produtivo. Só que a distribuição desses recursos financeiros seguiram a lógica da concentração da propriedade e da produção, tal como objetivavam o governo militar e os empresários rurais e do setor agroindustrial (conforme Munhoz, 1982 e Delgado, 1985).

Tais características decorreram, fundamentalmente, do fato dos juros do

crédito terem sido "generosamente" subsidiados pelo governo federal de fins dos anos 60 até o início da década 80, através de cobrança de uma taxa de juros menor do que a taxa de inflação anual. Com a inflação, esses subsídios fizeram com que a procura por crédito aumentasse, inclusive por parte daqueles produtores que não necessitavam tanto dele - e que são os que ainda têm as maiores propriedades e estão localizados na região sudeste do país, produzindo em escala agroindustrial.

Mas a razão básica para a concessão de subsídios ao crédito foi que isso

também estimulava o uso dos chamados insumos modernos, ampliando o atrelamento do setor à indústria. De outro lado, a constituição e mobilização de grupos de pressão vinculados aos interesses empresariais industriais dificultaram a introdução de mudanças significativas na política vigente, o que permitiam que fosse possível a especulação financeira e fundiária por meio do uso dos recursos do crédito rural.

Contrariamente à política de crédito rural, a política de preços mínimos não

abrange todos os produtos. O alcance limitado dessa política pode ser atribuído à baixa eficiência dos beneficiadores e comerciantes de produtos agrícolas - e até dos industriais e exportadores - e da exclusão da maior parte dos pequenos produtores a eles subordinados. Mas, tanto quanto o crédito rural, a fixação de preços mínimos tende a premiar as transações de maior porte e de menor custo administrativo, as quais normalmente só podem ser efetuadas pelos grandes produtores e/ou pelos intermediários e beneficiadores (cf. Szmrecsányi, 1983).

Resultado da expansão do modelo de produção agropecuária modernizado,

os produtos que ocupam lugar de destaque na pauta produtiva da agricultura são aqueles produzidos pela ou para a agroindústria e com o uso de um pacote tecnológico criado pelas técnicas da Revolução Verde; os principais são a soja, o algodão, o milho, a carne, a laranja, a mamona, a cana, o café, o cacau etc.

Portanto, foram os produtos de exportação produzidos de forma empresarial

capitalista que se beneficiaram dos mecanismos do novo modelo de agricultura introduzido no país, tal como mostram o crescimento de 10,7% da área colhida de algodão, ou de 40,1% da de cacau, 39,1% da de laranja, 36,6% da de soja e 64,8% da de mamona, no período no período 1976-1980 (Szmrecsányi, op. cit.).

De acordo com Valente (1990), o crescimento médio anual da produção de

algumas destas culturas na década 80 ficou entre 6,5% e 7,2%, no caso de

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produtos como algodão, soja, laranja, trigo e cana, e entre 3,4% e 5,2% no caso do feijão, milho, arroz e tomate (resultando num crescimento médio global da agricultura equivalente a 3,9% ao ano na década).

Este crescimento explica-se por duas razões: pela expansão das áreas

plantadas e/ou pelo rendimento médio das culturas. No caso de aumento da área cultivada, ele explica o aumento da produção agrícola de: (a) soja em Goiás e Mato Grosso (seguindo o movimento iniciado em fins da década 70, quando a expansão da soja se deu nos estados de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Goiás); (b) milho em Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul; (c) arroz em Mato Grosso; (d) batata-inglesa em Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná; (e) cana no Paraná, São Paulo, Minas Gerais e Alagoas.

Já o aumento da produção derivado de incrementos no rendimento médio

ocorreu com os seguintes produtos e nas regiões: (a) soja no Rio Grande do Sul, Paraná e Mato Grosso do Sul; (b) milho no Rio Grande do Sul e Paraná; (c) arroz no Rio Grande do Sul, Maranhão e Minas Gerais; (d) feijão no Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Santa Catarina e Bahia (na verdade, no caso deste produto, o acréscimo da produção só se explica pelo incremento na produtividade a partir da safra 85/84); (e) batata-inglesa em Santa Catarina; (f) trigo no Rio Grande do Sul; (g) cana no Rio de Janeiro e (h) café em Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo e Paraná.

De um modo geral, então, pode-se dizer que o fator que tornou-se

predominante na expansão da produção agro-alimentar no Brasil foi o ganho de produtividade, principalmente naquelas regiões onde a "modernização" da agricultura ocorreu mais intensamente e onde a articulação com mercados consumidores urbanos e com as vias de escoamento da produção para o exterior foi mais intensa desde a primeira metade da década passada.

De modo a garantir que essa estratégia de aumento da produção e da

produtividade fossem espalhados por todas as regiões do país, mas não necessariamente para todos os produtores, as políticas agrícolas durante os anos 70 e 80 basearam-se nos seguintes elementos (cf. Sorj, 1986 e Nabuco, 1988): garantia de estímulos maciços à exportação de alimentos e produtos agro-

processados; criação dos programas especiais de crédito (tais como o Polocentro,

Polonordeste, Polamazônia etc.) como forma de realização de colonização em áreas de fronteira, como o cerrado, e de esvaziamento político da demanda por reforma agrária;

estímulo à integração vertical envolvendo agroindústrias processadoras e pequenos e médios produtores rurais em diversos ramos da produção (como os de aves, suínos, fumo, uva, cana, laranja, eucalipto etc.) formando os chamados produtores integrados;

realização de extensão rural pública e particular, através da exigência de assistência técnica para os beneficiários do crédito rural;

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organização de um sistema nacional de pesquisa voltado para a difusão e implementação do pacote tecnológico modernizador da Revolução Verde;

ampliação da infra-estrutura rodo-portuária nas regiões de fronteira e de implantação de "culturas novas".

introdução de novos mecanismos de valorização de preços (inclusive os praticados no mercado internacional), incentivos e preços mínimos para os produtos "modernos", isso é, os que são agroindustrializados e destinados à exportação.

Essas medidas, foram particularmente importantes a partir de 1980, quando

o crédito agrícola convencional tornou-se bastante caro, com juros acima da inflação anual (cf. Munhoz, 1982 e Delgado, 1985). De uma forma geral, pode-se dizer que a agricultura brasileira perdeu o tratamento financeiro "preferencial" que vinha recebendo desde o final da década 60, o que é exemplificado pelo fato do o volume do crédito rural ter se reduzido em mais de 50% entre 1979 e 1984.

A produção agropecuária, no entanto, não foi afetada significativamente,

tendo inclusive se expandido um pouco, principalmente no caso dos produtos utilizados como matérias-primas (algodão, milho, cana) e dos exportáveis (cacau, café, laranja, soja). No entanto, no caso dos produtos de mercado interno, no mesmo período mencionado anteriormente, apenas o trigo, o feijão e a banana conseguiram crescimento expressivo; essa situação foi causada pela alteração na forma de distribuição do crédito, que passou a ser concedido de forma mais seletiva e mais subsidiada que anteriormente.

Como resultados principais dessas reorientações, produziram-se elevados

saldos comerciais baseados no achatamento do consumo interno e nos novos mecanismos de subsídio e de preços. Ao mesmo tempo, o ritmo de incorporação de áreas agrícolas de fronteira foi muito mais lento que no período anterior e houve um aumento na área ocupada pelo minifúndio, sobretudo nos estados do Nordeste, do Sul e em Minas Gerais.

Obviamente que, ao contrário de ter caracterizado uma desconcentração da

propriedade da terra, esse aumento da quantidade de pequenos produtores e da área por eles ocupada tem a ver, também, com o fato que a partir de 1985, com a implantação da Nova República, a política agrícola combinou a atenção dada aos produtos exportáveis com a necessidade de atender melhor à demanda reprimida e crescente do mercado interno.

Reflexo disso foi que passaram a ser adotados preços de garantia mais elevados para os produtos da cesta básica, assim como foram retomados os programas públicos de modernização da produção em áreas de fronteira através da irrigação. Apesar de sua precariedade e da evidente ausência de interesse do Estado e das elites políticas e econômicas em garantir sua implementação, a adoção do Programa Nacional de Reforma Agrária também contribuiu para essa expansão do minifúndio.

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Entretanto, a derrota sofrida na Constituinte de 1988 jogou por terra toda a discussão de uma Reforma Agrária ampla e sob controle dos maiores interessados. De uma forma geral, a idéia de democratizar a propriedade da terra esbarrou nos interesses dos latifundiários e da agroindústria, tanto por causa da defesa irrestrita que fazem esses setores da propriedade privada quanto pelo fato que eles defendem um outro tipo de agricultura, aquela que é modernizada e produz e consome insumos para a e da indústria.

De outro lado, mesmo com o avanço da abertura política que marcou a

década 80, ocorreram apenas pequenas modificações na estrutura fundiária brasileira. Em conjunto com a ausência de uma política pública voltada para a produção e a oferta dos produtos de mercado interno, o resultado da manutenção da concentração da propriedade da terra implicou em que considerável parcela do excedente econômico da atividade rural tradicional produtora de alimentos fosse desviada para os setores industrial e agroindustrial da economia. Como argumenta Abranches (1986: 23),

Essa modalidade de avanço agrícola teve fundas conseqüências econômicas e sociais, assim como impacto decisivo sobre a qualidade de vida das populações de mais baixa renda. Provocou acentuada queda na disponibilidade de alimentos (...) Implicou alterações socialmente negativas nos preços relativos da agricultura, contribuindo não só para a pressão inflacionária, mas também para a redução do acesso das camadas de baixa renda a produtos de consumo essencial.

Daí, a conclusão a que se pode chegar é que, ao longo das décadas 70 e 80,

o desenvolvimento da agricultura brasileira não produziu melhorias nas condições econômicas e sociais dos pequenos produtores rurais, que foram perdendo sua capacidade de sobreviver no campo de forma sustentável. O paradoxo dessa situação é que ela não favoreceu os consumidores (com produtos de alta qualidade e preço reduzido) e acabou permitindo que o setor agroindustrial abocanhasse as vantagens decorrentes da chamada modernização.

Dessa forma, também a falta de uma política de abastecimento agrícola

interno é resultado da forma de inserção do capital no campo, que passou a funcionar como um setor produtivo capaz de produzir elevadas taxas de lucro. Transformada em um parque produtivo, a agricultura teve que responder mais rápida e eficazmente aos atrativos da modernização para continuar recebendo mais apoio e recursos.

Mas, e no caso da Bahia, o que aconteceu ao longo de todo este período de

modernização agrícola ? Como se comportou o setor agropecuário baiano desde os anos 60 e que conseqüências o crescimento da agroindústria trouxe para a estrutura fundiária e para a oferta de alimentos no estado ? A próxima seção tratará destes temas.

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2.1. Evolução da Agricultura no Litoral Norte Baiano Além dos aspectos referidos ao longo deste capítulo sobre o caráter da

política agrícola no Brasil, um outro tem que ser levantado quando se fala do Nordeste. É o fato desta região do país ser considerada uma espécie de área problema, em virtude da questão da seca. Isso, por si só, foi condição suficiente para modificar o padrão decisório relacionado com as políticas para o setor agrícola regional e, assim, também os seus resultados.

De fato, como descrevem Sampaio, Irmão & Gomes (1979: 313), a política

federal para o Nordeste sempre colocou o “problema” da região "como sendo solucionáveis dentro de um enfoque de política de desenvolvimento que privilegie as camadas mais penalizadas pelas secas e as áreas de maior potencial agrícola". Ocorre, como também ressaltam estes autores, que não se verificou no Nordeste a adoção de políticas que estivessem voltadas

para atender os interesses da população camponesa de baixa renda, a despeito da enfatização deste objetivo em praticamente todos os programas implementados no setor rural. Bem ao contrário, o que a prática da política agrícola parece ... [ter revelado] é uma atuação do governo coerentemente voltada para o objetivo de facilitar o crescimento da produção agrícola, em detrimento de quaisquer considerações distributivistas. Pelo menos nas condições em que esse estilo de política tem sido realizado ... seu efeito de concentração no objetivo de aumento da produção tem sido o de destruir empregos e de piorar a renda da maioria dos habitantes do campo, drenando mais e mais gente para as cidades, onde tampouco lhe esperam programas de política que assegurem adequada solução para o

problema do emprego (op. cit., p. 324). Assim, o sentido da evolução da agricultura nordestina foi totalmente

marcado pelo desejo governamental de promover os objetivos de 1º) melhorar a qualidade de vida da população rural e 2º) de aumentar a produção como meio de garantir a geração de divisas. Assim como aconteceu no restante do país, esse estilo de política teve como sua intenção real a conversão da população camponesa em uma categoria de agricultores capitalizados integrados ao mercado.

Para tanto, a estratégia de planejamento regional dos governos militares para

a agricultura nordestina foi a de realizar programas dirigidos de modernização agropecuária (tais como o Programa de Redistribuição de Terras e Estímulo à Agroindústria do Norte e do Nordeste - PROTERRA e o Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste e o Projeto Sertanejo - POLONORDESTE). Mas eles não obtiveram sucesso por três razões básicas:

1ª) a ineficiência e o despreparo da burocracia pública federal e regional, o que

contribuiu para frustrar o cumprimento de metas de alguns programas. Isso permitiu que houvesse uma repetição de programas com finalidades e

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estratégias semelhantes e, ao final, impediu que os objetivos fossem alcançados;

2ª) a verdadeira natureza da política agrícola regional, totalmente subordinada às decisões emanadas do governo federal e voltada para atender aos interesses das classes dominantes - isto é, aos tradicionais coronéis e aos novos investidores capitalistas vindos do Sudeste e mesmo da região, atraídos pelos esquemas de incentivos fiscais;

3ª) a intensificação da substituição da economia de subsistência pelas culturas agroindustriais, irrigadas e de exportação e pela pecuária, o que acarretou a expulsão e a redução dos níveis de renda de proprietários, posseiros e trabalhadores rurais.

Uma das principais conseqüências desse modelo de desenvolvimento foi que

o crescimento da produção agropecuária foi obtido basicamente pela incorporação de novas terras ao espaço produtivo. Dessa forma, a abertura da fronteira agrícola na década 70 constituiu-se num dos fatores importantes de determinação das mudanças operadas no meio rural nordestino e baiano (conforme Ivo, 1987: 31).

No caso da evolução da ocupação da fronteira agrícola no Litoral Norte,

pode-se perceber que além da presença da pequena produção cultivando pequenas lavouras, já estava se iniciando um movimento de "expansão de cooperativas voltadas para a produção de frutas (notadamente a laranja e o maracujá) dirigidas para a indústria de sucos e doces de frutas, para a exportação" principalmente em Alagoinhas e Inhambupe (op. cit., p. 33).

Mas, que fronteira é essa ? Ainda segundo Ivo (op. cit., 36), pode-se dizer

que no Litoral Norte há uma grande concentração de minifúndios ao lado de

um relativo processo de expansão da fronteira agrícola e de certa concentração de latifúndios ... promovido pela expansão da pecuária (...) a confluência de diferentes processos torna esta região bastante interessante ... sua estrutura produtiva devendo refletir ... a expansão das grandes propriedades através da ocupação da pecuária extensiva consorciada a uma policultura de subsistência (feijão, milho, mandioca etc.) produzida possivelmente em pequenas unidades.

Mas um outro fator de extrema importância para a determinação deste estilo

de crescimento da agricultura baiana deve ser mencionado: o fato que essa mesma agricultura vem perdendo posição como setor dinâmico da economia desde a década 70. Em seu lugar, a indústria petroquímica é que passou a dirigir o processo de investimentos, geração de empregos e expansão urbana, vinculando ainda mais a produção econômica da Bahia ao Centro-Sul do país.

De acordo com Carvalho Jr. (1992: 29-30), esta mudança foi conseqüência

da redução das possibilidades de sobrevivência e de mercado para os pequenos produtores rurais descapitalizados e sem condições de incorporar o progresso técnico. Foi, também, resultado de uma ausência de investimentos em melhorias de produtividade por parte dos "produtores tradicionais vinculados ao mercado

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externo, com produção em escala (...) e beneficiários de políticas governamentais de incentivo à exportação".

Como resultado, esta perda de importância relativa da agropecuária baiana

causou uma estagnação da oferta de produtos agrícolas tradicionais de exportação e seus subprodutos. Ainda de acordo com Carvalho Jr. (op. cit., p. 30),

o mesmo ocorreu com produtos de subsistência como a mandioca, com a casa de farinha, o milho, o beneficiamento do arroz, o dendê para o consumo alimentar, o coco, a banana e outras frutas para doces, etc. Estes produtos, em quase nada tiveram seus processos industriais modernizados dentro do estado se comparados com o que ocorreu no país

Segundo Barbosa et alli (1992), uma outra forma de perceber as alterações nas atividades predominantes dão uma dimensão do processo de transformação sofrido pela agricultura regional. Assim, entre 1970 e 1985 houve uma mudança significativa na

orientação da agricultura baiana (...) revelando uma mudança radical de orientação da agricultura nos municípios baianos, que passam em sua maioria de orientados para a agricultura (67,2%) em 1970, para orientadas para pecuária (68,2%) em 1985 (...) os dados disponíveis indicam uma tendência para pecuarização da agricultura, reflexo da decadência das lavouras tradicionais de exportação cana-de-açúcar, fumo, coco-da-baía, sisal, algodão, mamona, mandioca e mais recentemente o cacau que apresentam declínio ou estagnação da produção. Neste processo, o

Recôncavo e Nordeste são as regiões mais afetadas (op. cit., p. 79). De fato, nos principais municípios do Litoral Norte, ao longo do período 1960-

1985, os rebanhos bovino, eqüino, asinino e o de aves cresceram respectivamente 101,6%, 9,8% e 53%. No entanto, e sugerindo-se que de fato nessa microrregião houve uma “pecuarização orientada”, os rebanhos de suínos, ovinos, caprinos e de muares decresceram, respectivamente, 69,3%, 62,5% e 34,6% (cf. FIBGE, 1985). Esses dados indicam que pode estar ocorrendo uma certa especialização da pecuária, em dois sentidos: um primeiro, com a criação de animais de "ciclo curto" de vida - as aves - que vêm substituindo a carne bovina na alimentação humana e um segundo, com a pecuarização extensiva como forma de garantir a ocupação da fronteira pela grande propriedade.

Olhando especificamente para cada tipo de rebanho, pode-se notar o

seguinte:

a) o aumento do gado bovino ocorreu a partir de 1970, após um decréscimo de 9,7% entre 1960 e 1970. Os principais municípios criadores dentre os analisados são Entre Rios, Esplanada e Inhambupe, que responderam por cerca de 50% do plantel existente em todo o período. Alagoinhas, que era o município de maior rebanho em 60, passou a ser o quinto produtor dentre os analisados, recuperando a mesma quantidade de cabeças existente em 1960 apenas no ano de 1985;

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b) a evolução dos rebanhos asinino e eqüino7, que revela uma tendência ao não crescimento, deveu-se provavelmente à diminuição relativa do uso de força animal pela maior mecanização das operações agrícolas nas grandes propriedades e pela maior especialização das médias propriedades capitalizadas na produção de frutas;

c) no caso dos ovinos e caprinos, sua redução gigantesca deveu-se basicamente à quase eliminação do plantel de caprinos de Inhambupe, que de 8.368 animais em 1960 (equivalentes a 27% do total de cabeças dessas duas espécies), passou a ser de apenas 323 em 1980 (ou 2,8% do mesmo total apontado antes);

d) os casos das aves e dos suínos, por sua vez, retrata uma mesma tendência de substituição alimentar no meio urbano, de redução da área disponível para criação de animais de maior porte e de integração dos produtores à agroindústria (através das granjas). O aumento do número de aves e o decréscimo do número de porcos resulta da combinação desses três fatores apontados e, também, da diferença de preços entre as carnes de frango de granja e suína e da maior expansão das granjas com a diminuição do número de produtores rurais com espaço suficiente para criar porcos de forma sustentável.

Assim, o que esses dados significam é que permanece na região a “mesma

tendência histórica de destinar as melhores terras, quanto ao solo e clima, para o cultivo de produtos mais rentáveis, enquanto as culturas alimentícias ocupam espaços mais restritivos, do ponto de vista natural” (cf. Barbosa et al., 1992: 86).

Ainda conforme as mesmas autoras (op. cit., p. 79), essa pecuarização dos municípios baianos reflete-se negativamente, não apenas em seu efeito de restringir as possibilidades de abastecimento com produtos oriundos da lavoura, como ainda, pela sua contribuição ao crescimento desordenado dos centros urbanos, devido à migração de trabalhadores rurais, liberados da lavoura e não absorvidos com a mesma intensidade pela pecuária.

De fato, a agricultura baiana passou toda a década 70 perdendo posições em termos de emprego gerado, de renda, de produção e iniciou a década 80 com resultados muito desfavoráveis por causa da crise da economia nacional, da restrição ao crédito rural por parte do governo federal e de problemas climáticos.

Como aponta Lima (1992: 36-37), no entanto, essa situação mudou na

segunda metade dos anos 80, em função dos “ajustes realizados pelo Plano Cruzado”. De acordo com esse autor, a partir de 1986,

Com o objetivo de reduzir as taxas inflacionárias, o governo tomou medidas que incentivaram bastante os produtores agrícolas, tais como: extinção da correção monetária; política de crédito expansionista ... e estabelecimento de preços favoráveis aos agricultores. (...) Após dois anos de excelentes patamares de

7 Isso é, dos rebanhos de jumentos, asnos, mulas, burros e nos de cavalos e éguas.

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produção ... 1987 é marcado por uma forte estiagem que atingiu todo o estado (...) O quadro se apresentou ainda mais grave, pois o grande estímulo que os produtores tiveram na segunda metade do ano anterior fez com que estes ampliassem bastante a área plantada, assim a quebra tomou proporções significativas. (...) Finalizada a década de 80, a agropecuária baiana se deparou com crises de tradicionais culturas de exportação como o cacau, café e sisal, que já possui sinais de decadência, e de culturas alimentícias como feijão, milho e mandioca. No fim dessa década, o setor ainda se mantém atrasado em termos de modernização e desenvolvimento, em que a maioria das culturas apresentam bases precárias de produção com baixos níveis de produtividade.

Se a produção só conseguiu uma recuperação parcial após a segunda

metade dos anos 80, uma outra mudança já estava operando desde a primeira metade dessa mesma década: houve uma diminuição da área média em quase todos os estratos de área, marcando uma tendência à minifundização.

De fato, conforme pode ser observado na Tabela II apresentada a seguir, foi

apenas no Oeste do estado da Bahia que ocorreu um aumento da área média das propriedades com até 10 ha. De acordo com Ivo (1987: 38) , entre os anos de 1970 e 1980, não houve crescimento da área de pequenos estabelecimentos nas regiões Sul e Leste do estado, apesar da fronteira agrícola dessas regiões ter se expandido. Isso, por sua vez, foi resultado do fato dessa fronteira ter sido ocupada pelos grandes projetos de pecuária extensiva, pelos plantios de florestas homogêneas (ou “reflorestamento”) e também pela especulação imobiliária.

Ainda de acordo com essa autora (op. cit., p. 39), a região que apresentou a tendência de maior redução da área média dos pequenos estabelecimentos foi a do Litoral Norte. Assim, a conclusão é que

a expropriação dos ‘pequenos produtores’ de sua gleba comprime-os em áreas menores de agricultura de subsistência, levando-os, de um lado, a limitar as condições propícias à sua reprodução em padrões normais e, de outro, a se transformarem parcialmente em trabalhadores [assalariados].

Esse fenômeno, conforme já mencionado anteriormente nesse relatório, não

foi específico da Bahia, tendo acontecido em várias outras regiões do país. De uma forma geral, ele representou uma espécie de adaptação do processo distributivo de terra, fruto mais da falência do modelo adotado de política agrícola do que de uma mudança no padrão concentracionista da estrutura fundiária brasileira.

Tabela II

Área Média dos Estabelecimentos de 10 ha e menos, segundo as Regiões da Bahia

1970-1980

Regiões Área Média (em ha) Crescimento % da Área

1970 1975 1980 75/70 80/75 80/70

OESTE BAIANO 3,54 3,65 3,88 3,1 6,3 9,6

LESTE BAIANO 3,47 3,51 3,34 1,2 (4,8) (3,7)

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Litoral Norte 2,72 2,94 2,56 8,1 (12,9) (5,9)

SALVADOR 2,03 1,92 1,69 (5,4) (12,0) (16,7)

LITORAL SUL 4,21 4,36 4,08 3,6 (6,4) (3,0)

TOTAL 3,50 3,57 3,56 2,0 (0,2) 1,7 Obs.: os números entre parênteses representam o percentual de diminuição.

Fonte: adaptado de Ivo (1987: 42-45) Mas, no caso do Litoral Norte, essas tendências fizeram-se sentir de forma

bem mais intensa do que em outras regiões da Bahia, e isso de uma dupla maneira. Em primeiro lugar, pelo fato que

Do ponto de vista das atividades agrícolas, esta região, há vários decênios, passa por um processo de decadência das lavouras de cana-de-açúcar, fumo, coco-da-baía, mandioca, abacaxi, laranja, produtos em sua maioria seculares que estão sendo substituídos por outros usos. Os cultivos praticados em 1970 foram basicamente mantidos, acrescidos do cacau e da silvicultura. Por outro lado, confirma-se a redução da importância das lavouras e

aumento da pecuária (cf. Barbosa et al., 1992: 83). Em segundo lugar, porque a decadência da produção de alimentos foi

"estimulada" pela entrada de novos produtos comerciais de exportação. Assim, além dos produtos citados acima pelas autoras, encontram-se em plena expansão as culturas do caju e do maracujá. Além disso, como aponta Torres Sampaio (1992: 66),

O que se observou na região foi que, não só o solo foi sendo progressivamente ocupado pelas florestas em detrimento do seu uso anterior, como a expansão das florestas funcionou como mecanismo de pressão sobre a terra, de forma tal que à proporção que as florestas iam ocupando novos espaços, elas iam isolando e desvalorizando as propriedades vizinhas, favorecendo a barganha de preços com os pequenos proprietários das proximidades que se viam obrigados a venderem suas terras. (...) Esse processo conduziu à apropriação de boa parte das terras agricultáveis do distrito pelas reflorestadoras, fazendo com que o solo que antes era usado por culturas diversificadas, embora em pequena escala, fosse em certa medida subtraído a estas atividades, passando à atividade florestal.

E não era para menos. De acordo com o Estudo Sócio-Econômico complementar encomendado pela NORCELL, "no período 1970/80, o total de áreas ocupadas com a atividade de reflorestamento experimentou um crescimento de quase 1000%" (Oliveira Filho et al., 1990, cap. VI, s.p.). Por isso, também, é que o abastecimento das cidades da região passou a ser feito por importações de alimentos do Sudeste e Sul do país.

Verificando a evolução da produção do Litoral Norte, pode-se notar que entre

1960 e 1980, à exceção da produção de laranja, todas as demais culturas agrícolas da região apresentaram quedas significativas. Assim, avaliando a situação produto por produto, pode-se ver que:

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a) no caso da banana, a diminuição ocorreu desde a década 50, com uma recuperação expressiva entre as décadas 60 e 70, mas que não foi mantida até o início da década seguinte (quanto houve uma redução de dois terços da produção realizada em 70). A principal razão para este movimento foi a queda na capacidade de produção dos municípios de Alagoinhas e Inhambupe, que em 1950 representavam dois terços do total produzido pelos sete municípios analisados e, em 1960, responsabilizaram-se por apenas um quinto do mesmo total. Assim, em 1970, foi a recuperação da produção no município de Alagoinhas (que cresceu seis vezes com relação à de 1960) que garantiu o aumento do total para a região. Já em 1980, a oferta de bananas decresceu em seis dos municípios, exceto no de Cardeal da Silva, ficando num nível menor do que o existente em 1950;

b) o café, por sua vez, não é um produto expressivo na região e o comportamento de sua produção é marcado pelos movimentos de aumento e redução da oferta dos dois principais municípios produtores, Alagoinhas e Entre Rios. Assim, quando eles têm sua produção acrescida de um período para outro, aumenta também a oferta total da região estudada, sendo o contrário também verdadeiro;

c) o caso do milho, do arroz e da mandioca é o mesmo: aumento da produção entre 1950 e 1960 e uma enorme queda (superior a 50%) a partir de 1970. Este movimento, aliás, só não foi de queda contínua em todo o período analisado porque existiram variações entre a capacidade de oferta dos municípios, com o aumento da oferta de uns compensando a queda da de outros

d) para o coco, observa-se um movimento semelhante ao mencionado para os três produtos anteriores, com a diferença que a queda entre os anos 60 e 80 não foi tão violenta;

e) dentre os produtos de alimentação básica e destinados principalmente ao mercado interno, o feijão é o único que apresentou declínio da oferta ao longo de todo o período 1950-1980. A queda da oferta foi tão profunda que em 1980 esses municípios produziam menos do que um terço da quantidade que produziram em 1950. Além disso, deve-se observar que tal redução adveio da eliminação de mais de três quartas partes da capacidade de produção de Inhambupe e que ela só não foi maior e mais rápida graças ao aumento da oferta de feijão nos municípios de Esplanada e de Aporá;

e) no caso da cana, pode-se notar um movimento parecido com o de um pêndulo, isto é, esse é um produto que tem ora aumentada ora diminuída a sua oferta. O principal fator explicativo disso é, seguramente, o fato dela ser um insumo agroindustrial que tem grande dependência do mercado internacional. Assim, se o preço cai, a produção se retrai; se ele aumenta, a produção se expande;

f) no caso do fumo, outro dos produtos agroindustriais, o movimento da oferta é similar ao da banana e do café, se explicando pela expansão ou retração da produção nos municípios de Alagoinhas, Entre Rios e Inhambupe;

g) finalmente, no caso da laranja, observa-se um comportamento típico de um produto agroindustrial que recebeu forte incentivo governamental nos últimos anos: entre 1950 e 1980, o aumento da oferta de frutos foi de 383%. Boa parte desse aumento, por sua vez, ocorreu devido ao crescimento observado em Alagoinhas (apesar de uma diminuição de 22% entre 1970 e 1980), Entre Rios

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(que cresceu 25 vezes entre 1970 e 1980) e Inhambupe (que cresceu uma vez e meia no mesmo período). Esses três municípios, em todo o período, foram responsáveis por mais de 90% da oferta de laranja da região. Em 1990, o Litoral Norte passou a ser o principal produtor de laranja do estado (cf. BAHIA, 1994b).

De um modo geral, portanto, pode-se dizer que o sinal distintivo da produção

agrícola na região tem sido a diminuição da capacidade de produção agro-alimentar, o que tem acarretado tanto a necessidade de importar alimentos quanto a queda do emprego e da renda para a população local.

Um outro problema que os dados sugerem é o da formação de uma espécie

de agricultura cuja característica maior tem sido a evolução da produção em forma de um movimento de gangorra, com o sobe e desce da produção entre vários municípios.

De uma certa forma, parece não ser exatamente o movimento de

agroindustrialização e de expansão da produção dos produtos alimentares modernos o que explica esta situação. Na verdade, foi mais a expansão de uma outra cultura "agrícola" moderna, a de eucaliptos e pinus, que se responsabilizou por tal situação.

A partir do final da década 80, porém, algumas mudanças foram introduzidas

nesse contexto de expulsão da atividade de produção agrícola alimentar, principalmente a de pequeno tamanho, pela pecuarização e pelos plantios homogêneos. O Quadro 2, apresentado a seguir, ilustra o sentido da nova formação agrícola dos municípios do Litoral Norte, por ordem de importância dos principais produtos cultivados.

Esse tipo de alteração no padrão da agricultura representa o que se pode

chamar de uma nova "onda modernizante", cuja característica principal é a seguinte: ao lado das florestas homogêneas, vêm agora os pomares homogêneos, sendo que o fator de unificação dessas duas "agriculturas" é o de serem voltadas para o exterior e para a industrialização agrícola.

Mas existem alguns limites a essa interpretação. Se de fato esse processo

de transformação da base produtiva da agricultura local é real, e se de fato na década 90 a expansão das culturas de frutas tropicais parece ser mais intensa do que o plantio de árvores, daí não se pode concluir que os maciços homogêneos tenham perdido importância. Em primeiro lugar, essa ressalva deve-se ao fato que o processamento desses produtos frutícolas não é feito na região e nem predominantemente para a população local. Com isso, não só se elimina uma fonte local de produtos como se exporta a renda agrícola ...

Em segundo lugar, deve-se chamar a atenção para que a produção da

região durante a última década "foi muito pouco significativa dentro do contexto

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estadual - em termos de valor - visto que o solo vinha sendo ocupado cada vez mais pela silvicultura" (BAHIA, 1994b: 35).

Quadro 2

Principais Produtos Agrícolas do Litoral Norte, por Ordem de Importância da Produção - 1950 e 1990

Municípios Principais Produtos

1950 1990

Alagoinhas Laranja Mandioca Fumo Coco

Laranja Melancia Mandioca Maracujá Abacaxi

Aporá Mandioca Laranja Coco Fumo Batata-doce

Maracujá Coco Mandioca Laranja

Cardeal da Silva Mandioca Feijão Cana Coco Milho

Mandioca Maracujá Feijão Cana Milho

Conde Coco Coco

Entre Rios Coco Abacaxi Laranja Mandioca Caju

Maracujá Abacaxi Coco Mandioca Laranja

Esplanada Coco Mandioca

Maracujá Coco

Inhambupe Abacaxi Laranja Mandioca

Maracujá Abacaxi Mandioca Laranja

Fonte: adaptado de BAHIA (1994b: 37-38). Assim, o processo de modernização aludido tem gerado conseqüências

perversas, já que a substituição da agricultura voltada para atender à população local por uma agricultura comercial produz um aumento da dependência da região frente às economias externas a ela.

Um outro indicador dessas mudanças é o da utilização das terras. Conforme

os dados dos Censos Agrícolas de 1950 a 1980, a evolução do uso do solo ocorreu da seguinte maneira:

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ÁREA TOTAL: aumentou 24%, principalmente por causa do aumento da área agrícola dos municípios de Aporá, Cardeal da Silva, Esplanada e Inhambupe. No caso de Alagoinhas e Entre Rios, houve uma redução na área total destinada à agricultura;

LAVOURAS: aumentaram 190% no período, depois de uma redução ocorrida entre as décadas 60 e 70. O principal município responsável pelo aumento da área de lavouras foi o de Esplanada (que aumentou sua área de cultura em quase oito vezes entre 1970 e 1980);

PASTAGENS: houve um aumento de 95% na área dedicada à pecuária, mantendo-se o padrão de crescimento iniciado na década 60, com apenas uma pequena diminuição entre 1960 e 1970.

Mas, e quanto à estrutura fundiária da região ? Além da tendência à

minifundização observada a partir da década 80, que outros movimentos fizeram parte da formação histórica da posse da terra na região ?

Os dados disponíveis para o período 1960-1985 revelam que o processo de

minifundização foi mais profundo do que se poderia imaginar à primeira vista. De fato, se forem tomados os sete municípios que se localizam na área direta de influência do projeto NORCELL, nota-se que houve um aumento significativo do número de propriedades com menos de dez hectares. Esse crescimento da parcela relativa de pequenas propriedades foi expressivo nos municípios de Conde, Entre Rios, Esplanada e Inhambupe. No entanto, ao mesmo tempo em que cresceu a quantidade de estabelecimentos minifundiários, diminuiu a porção de área ocupada por eles.

À primeira vista, mesmo que não se disponham dos dados para as

propriedades maiores, o que essas informações revelam é que está em curso um intenso processo de concentração fundiária, promovido pelos interesses das agroindústrias processadoras de madeira, por um lado, e de sucos e frutas, por outro.

Mas, o que todo este processo sinteticamente descrito revela, além do

aspecto da concentração fundiária ? Uma boa pista para responder a essa questão é dada por John Wilkinson (1982: 13-14). Para ele, o processo de modernização induzido pelo Estado e apoiado pelo capital agroindustrial é, por sua própria natureza, seletivo. Em razão disso,

A maioria dos pequenos produtores é excluída de acesso ao crédito e portanto continua sendo caracterizado pelo trabalho fora e produção de subsistência. Como resultado, são mais vulneráveis às pressões decorrentes do processo de modernização tanto do lado dos pequenos produtores “em vias de modernização”, quanto dos médios e grandes produtores na área ... Acentua-se uma divisão entre a faixa de minifundistas em vias de transformação em “family farms” e dependente da contratação da mão-de-obra e a maioria para quem a tendência à proletarização se acentua no sentido de uma dependência maior do trabalho fora, e também no sentido de sua expulsão.

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Ora, isso significa dizer que o processo de minifundização carrega junto de si

uma transformação da natureza do trabalho familiar. Caso fosse realizado um aprofundamento da pesquisa sobre essa questão no Litoral Norte, buscando observar a estrutura do emprego nas pequenas propriedades, principalmente nas menores que dez hectares, seguramente se poderia concluir que o que está ocorrendo é uma "semi-proletarização" dessa camada de produtores.

Essa tendência, como argumenta Wilkinson em um outro texto de sua autoria

(1986: 92)., é "o produto histórico da base latifundiária da agricultura capitalista" que, apoiada pelas políticas governamentais, produziram como resultado uma

crescente marginalização física do setor da pequena propriedade (expulsão da áreas mais férteis, queda da área média etc.) [que], combinada com uma progressiva mercantilização das condições de reprodução nas áreas rurais, têm produzido uma ainda maior dependência da renda monetária obtida fora da propriedade, principalmente através do assalariamento direto. (...) De forma semelhante, é provável que a mercantilização da força de trabalho tenha tendido a eliminar formas não-monetárias de troca de serviços, acentuando a inviabilidade de muitas unidades de produção.

A partir do conjunto de questões e hipóteses apresentadas nesse capítulo,

pode-se concluir que o estilo da modernização da agropecuária baiana reproduziu completamente o padrão introduzido no país. No próximo capítulo, de forma a verificar quais foram os principais efeitos sociais desse tipo de desenvolvimento agrícola, será feito uma análise das políticas orientadoras da expansão dos maciços florestais homogêneos no país e na Bahia.

Com a discussão que será iniciada pretende-se mostrar quais foram os tipos

de atores sociais que foram criados por esse tipo de atividade empresarial, chamando a atenção para os seus impactos no Litoral Norte, tanto do ponto de vista dos seus impactos quanto das alternativas sociais que foram geradas.

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CAPÍTULO 3 A Política Florestal Brasileira e seus Efeitos na Bahia

3.1. A Política Florestal Brasileira

Nessa parte do texto, será feito um esforço de análise inicial direcionado para

a compreensão da evolução da política florestal no Brasil. Essa interpretação tem o sentido de demonstrar que: a) até meados da década 70 era o desmatamento que se constituía no principal

fator de interferência das indústrias no espaço natural da região Litoral Norte da Bahia, tal como acontecia no restante do Brasil;

b) a partir desse momento, a região foi "incorporada" à lógica da acumulação das firmas siderúrgicas e de celulose pelo plantio homogêneo de essências exóticas (ou “reflorestamento”). Esse última, então, tornou-se a forma de modificação dos padrões de consumo e de degradação da vegetação nativa do Litoral Norte.

A história da formação social e econômica do Brasil está ligada, diretamente,

à exploração florestal. De fato, desde o início da colonização, as forças dominantes organizaram seus empreendimentos no sentido de extrair das matas costeiras e das florestas mais interioranas tudo o que propiciasse vantagens, tal como o pau-brasil.

A expansão da pecuária e a descoberta das minas de ouro ainda no século

XVIII propiciaram o aparecimento de vilas, lugarejos e cidades, as quais também necessitavam do fornecimento de produtos agro-alimentares. Absorvendo essa necessidade, e vislumbrando o mercado externo, foram implantadas outras culturas como o algodão, o tabaco, o cacau e o café, entre outras, abrindo novas fronteiras agrícolas, ou ocupando o espaço deixado por outras plantações como a cana, já em fase de decadência, caso que ocorreu no Litoral Norte, como já analisado no capítulo anterior.

Da mesma forma, na medida em que a pequena produção encontrava-se

subordinada aos interesses econômicos dos latifundiários e do Estado e era seu papel garantir a geração dos suprimentos para a população livre e escrava em crescimento, a exploração intensiva da terra gerava sua própria degradação e a das florestas que a cobriam, conforme relata Silva (1994).

Entretanto, apesar do processo de ocupação do território nacional por

culturas agrícolas e pela aglomeração humana em vilas e cidades ter causado uma destruição gigantesca de matas, o ritmo de destruição das florestas tornou-se mais significativo a partir do final do século XIX, quando teve início o processo de industrialização no Brasil.

Isso aconteceu porque a madeira foi transformada em um meio de produção,

isto é, passou a ser incorporada como insumo ou matéria-prima industrial. Inicialmente, essa utilização voltou-se para a fabricação de dormentes para

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ferrovias e de energia para as máquinas a vapor e fornos industriais e comerciais (na forma de lenha). A partir da aceleração da industrialização, após a década 50, esse uso da madeira passou a ser principalmente na forma de carvão, para produzir ferro-gusa e aço, e de pasta, para produzir papel (a esse respeito, consultar Dean, 1987 e Gonçalves, 1990).

Dessa forma, a pressão pelo desmatamento das florestas próximas aos

principais centros consumidores urbanos e industriais de madeira (São Paulo, principalmente) impôs custos adicionais para a obtenção da matéria-prima florestal, em função das maiores distâncias da fonte de exploração. Como forma de reduzir o impacto desses custos e de controlar o preço da madeira, algumas das grandes empresas consumidoras de madeira iniciaram o plantio de florestas homogêneas.

Essa opção das indústrias pelos plantios homogêneos deu origem a um

debate sobre os problemas do desmatamento e da conservação das florestas que ainda restavam. A discussão envolveu, de um lado, vários intelectuais e funcionários públicos com idéias conservacionistas e, de outro, os empresários industriais preocupados com aumentar a disponibilidade de matéria-prima florestal (para uma discussão mais detalhada dessa questão e dos próximos pontos apresentados nessa seção consultar Gonçalves, 1990).

Apesar de não terem solucionado o problema do desmatamento, essa

disputa forneceu a base para a criação de algumas leis que visavam regulamentar o processo de devastação florestal e incentivar o reflorestamento em regiões siderúrgicas. Em termos gerais, a nova legislação editada a partir dos anos 60 consolidou o conjunto de órgãos públicos e de leis relativas ao tema da proteção e uso de florestas nativas, assim como promoveu uma adequação da política de incentivo aos plantios florestais homogêneos.

Dessa forma, em 1965 foi promulgado um novo Código Florestal Brasileiro,

em substituição ao primeiro, que fora criado em 1934. Esse novo Código introduziu a obrigação da reposição integral das áreas desmatadas e proporcionou, tanto para pessoas físicas quanto jurídicas, a concessão de alguns incentivos para o plantio de florestas - como o desconto do imposto de renda devido pelo "reflorestador". Esses mecanismos, entretanto, não se mostraram eficientes.

No ano seguinte, com a lei nº 5.106, foi regulamentada a forma de aplicação

desses novos incentivos fiscais, permitindo às pessoas físicas abaterem de seu imposto de renda os valores realmente aplicados no "reflorestamento". A lei incluía, ainda, um desconto de 50% do imposto devido para pessoas jurídicas na mesma situação.

Em 1967, fundiram-se os seguintes órgãos públicos, que juntos formaram o

Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal - IBDF: Departamento de Recursos Naturais do Ministério da Agricultura, Instituto Nacional do Pinho,

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Instituto da Erva-Mate e Conselho Federal de Florestas. O então novo órgão federal tinha o objetivo de formular, orientar e executar a política florestal no país.

Mesmo que tenham provocado uma expansão da área plantada com

florestas, essas alterações não foram totalmente adequadas ao que estava sendo requerido pelas firmas e investidores privados. De forma a mudar tal situação e atender aos pedidos dos interessados, o Governo Federal instituiu o decreto nº 1.134 (em 16 de novembro de 1970), através do qual passou a ser permitido às empresas, antes mesmo de realizarem os gastos em formação de florestas, abaterem do imposto devido 50% do valor projetado do investimento.

Em 1974, foram editados mais dois Decretos-lei, que estabeleciam condições

mais favoráveis para a utilização de incentivos fiscais pelos empresários da agroindústria madeireira. O mais importante deles, de nº 1.376, criou o Fundo de Investimentos Setoriais - FISET, que abrangia as atividades de turismo, pesca e reflorestamento, sob a gestão do Banco do Brasil. Os recursos arrecadados através desse fundo deveriam ser aplicados pelos interessados na forma de participação em uma Sociedade Anônima ou na subscrição de ações das empresas aptas ao reflorestamento.

Em 1975, tentando dar cumprimento ao disposto no Código Florestal o IBDF

exigiu das empresas siderúrgicas consumidoras de carvão vegetal a apresentação de um Plano Integrado Floresta-Indústria - PIFI. Esse Plano tornava obrigatório o desenvolvimento de programas florestais que tornassem as empresas auto-suficientes no abastecimento de no mínimo 50% do seu consumo de carvão vegetal, num prazo máximo de 10 anos.

Em 1976, foi editado o Decreto-lei nº 79.046, estimulando os projetos

integrados ou verticalizados, fixando em cerca de 1000 hectares as áreas mínimas para plantio com incentivos. Isso demonstrava que o teor do projeto de modernização pretendido pelo Governo Militar, para o chamado setor florestal, era claramente concentrador e voltado ao atendimento das demandas do grande capital.

Foram criados, nessa mesma época, os programas de Distritos Florestais,

dentre os quais o Distrito Florestal do Litoral Norte. Essas seriam áreas que teriam prioridade para obter recursos de incentivos fiscais e deveriam atender ao objetivo formal de conciliar a produção com o consumo de madeira, pois grande parte dos investimentos em plantio de florestas era feito como uma forma de aumentar o valor do capital e de controlar terras.

De fato, porém, ele representou uma sinalização das esferas públicas

estadual e federal para os plantadores de florestas homogêneas. Garantindo a existência de um Distrito prioritário para receber os plantios, os governos estaduais favoreceram que as empresas se apropriassem gratuitamente, ou a preços simbólicos, de terras devolutas em regiões consideradas de fronteira, a maior parte das quais historicamente habitadas por pequenos produtores.

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Modificações no FISET, a partir de 1980, direcionaram os investimentos para

a área de atuação da SUDENE, estabelecendo os seguintes percentuais para alocação dos recursos do fundo na região: em 1980, 30%; em 1982, 40% e a partir de 1982, 50%.

Em 1983, o Decreto nº 88.207 obrigou as empresas a utilizarem capital

próprio em seus projetos. Ao mesmo tempo, tendo reduzido a área a ser beneficiada com incentivos a 200 mil hectares em todo o país e liberando apenas 50% dos recursos financeiros dispendidos anteriormente pelos investidores, os gestores da política florestal dificultaram o acesso das pequenas empresas “reflorestadoras” aos recursos do FISET.

A conseqüência principal dessas alterações introduzidas no início dos anos

80 foi a de reforçar a migração das empresas produtoras de florestas homogêneas para os estados do Nordeste, principalmente a Bahia. É claro que se a concentração das condições favoráveis para a obtenção de recursos públicos na área da SUDENE permitiu a migração desse capital para a região, também pesou o fato que os custos econômicos e sociais de aquisição de terra e de recursos financeiros no Sudeste estavam crescendo, tanto porque a fronteira agropecuária estava se fechando quanto pelo fato que outros grandes projetos de irrigação e hidroelétricos concorriam com os investidores em plantios homogêneos.

De fato, se entre 1970 e 1980 a área plantada com florestas para fins

industriais crescera 38,6% em todo o Nordeste, entre 1980 e 1985 essa expansão foi igual a 176%, muito maior do que a verificada em todo o país, que foi de apenas 18% ou do que a ocorrida na região Sudeste, que foi de 9%, e é onde se concentra a maior área plantada e os maiores consumidores de madeira e carvão vegetal de maciços de eucaliptos e pinus (conforme Bacha, 1992 e Gonçalves, 1995).

Uma outra razão que levou os plantadores desse tipo de monocultura a

correrem atrás dos incentivos fiscais que estavam sendo concentrados no Nordeste foi o fato que, a partir de 1986, a política de incentivos fiscais começou a ser questionada pelo próprio governo federal. O principal problema, do ponto de vista do Estado, era a evasão de recursos do FISET, que eram liberados pelo governo mas não utilizados no plantio pelas empresas.

Essa situação originou-se das brechas existentes na legislação que, por sua

vez, foram criadas para apoiar o crescimento desse setor da economia. De fato, um dos principais trunfos das empresas para obterem os recursos públicos dos incentivos fiscais era o seu enquadramento na forma de Sociedades em Conta de Participação 8. Assim, empresas demandantes de recursos de incentivos

8 As Sociedades em Conta de Participação constituem um tipo de firma privada que não

possui personalidade jurídica e não pode, portanto, sofrer falência ou concordata. Além disso, elas são dispensadas legalmente da exigência de apresentar balanços de suas

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aproveitaram-se disso para utilizar os recursos em outras atividades, sem a obrigatoriedade de prestar contas.

Outro fator que auxiliou na malversação dos fundos públicos foi o fato do

gerenciamento da aplicação dos mesmos ter ficado a cargo do IBDF, sem qualquer tipo de controle das relações que se estabeleciam entre os interesses dos empresários e o quadro dirigente desse órgão.

Diante de tantas dificuldades em controlar as relações ilegítimas

estabelecidas entre as empresas “reflorestadoras” e o Estado e tendo que conter o déficit público, em 1988, os incentivos fiscais baseados em isenção do Imposto de Renda devido foram extintos.

A partir de 1990, já sob o comando do IBAMA, que ocupou o lugar do extinto

IBDF, a política florestal brasileira resumiu-se a apenas dois objetivos: preservar ecossistemas florestais importantes (como a Mata Atlântica e a Amazônia), e regular a exploração florestal de matas nativas. Após um longo período de apoio direto às empresas utilizando fundos públicos, o Estado deixou inteiramente sob controle dos consumidores industriais as ações relativas aos plantios homogêneos.

Mas essa evolução do plantio de monoculturas florestais, principalmente com

o eucalipto, não interrompeu ou acabou com o desmatamento. Ele não só continuou como deverá continuar, pois pequenos consumidores (como padarias e olarias) e grandes consumidores (como as siderúrgicas e as fábricas de cimento) continuam utilizando mata nativa como fonte energética. Junte-se a isso o fato do anteriormente mencionado programa PIFI, que deveria ter regulado o uso da mata nativa substituindo seu uso por florestas plantadas, ter sido sucessivamente prorrogado. Em 1991, o IBAMA definiu que 1995 seria prazo final da "auto-suficiência" em 50%, o que efetivamente não aconteceu.

Uma outra modificação fundamental foi introduzida na política florestal, a

partir de 1989. Desde esse ano, foi permitido às empresas formar, com a participação de terceiros, florestas destinadas ao seu suprimento. De acordo com essa nova medida, a produção de tais florestas deve ser equivalente ao consumo efetivo da empresa. Assim, se de um lado o governo não conseguiu ou não teve interesse em fazer cumprir o PIFI, de outro ele cedeu aos interesses empresariais, concordando que a utilização de terras de terceiros para garantir a oferta de insumos para as siderúrgicas e fábricas de celulose (conforme Gonçalves, 1995).

O benefício advindo dessa mudança foi ainda maior para os grandes

consumidores se for observado que ela foi introduzida simultaneamente à extinção dos incentivos fiscais. Desse modo, aproveitando-se de uma nova vantagem,

contabilidades. Assim, esse tipo de pessoa jurídica tem grandes vantagens para obter recursos governamentais e/ou de outras firmas privadas, já que não há como comprovar a existência e nem o montante do lucro - ou do prejuízo - que elas realizam.

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várias empresas começaram - com ou sem o apoio de órgãos públicos estaduais - a realizar programas de apoio ao plantio de pequenas áreas de florestas de eucaliptos em propriedades rurais.

Essa iniciativa, inicialmente denominada Fomento Florestal, foi logo depois

batizada como projeto Fazendeiro Florestal em vários estados, inclusive na Bahia. Para as empresas, ele consiste em doar ou vender alguns insumos e mais as mudas das espécies desejadas aos produtores rurais instalados em um raio econômico de transporte adequado à empresa, de modo que o pequeno produtor de madeira de pequenos plantios homogêneos acabe vendendo exclusivamente a quem o “fomentou” e ao preço estabelecido na época pelo comprador (para uma discussão mais aprofundada, consultar Gonçalves et alii, 1994).

Assim, dois novos elementos passaram a predominar na evolução da política

e da economia dos plantios homogêneos após a segunda metade dos anos 80: o primeiro foi a maior autonomia que as empresas passaram a ter na determinação de seus projetos de localização e expansão de plantios, já que o papel do governo reduziu-se de “controlador” de recursos subsidiados para o de emprestador (via BNDES) e de fiscalizador de formações florestais nativas.

O segundo elemento, e que vem adquirindo uma importância crescente em

Minas Gerais, no Espírito Santo, no Paraná, em São Paulo e na Bahia foi a adoção do já mencionado programa Fazendeiro Florestal.

Além disso, o que ainda permitiu que essa atividade agroindustrial se

expandisse foi o fato de, ainda na década passada, existirem áreas de matas nativas em regiões como o Litoral Norte da Bahia e o Maranhão. Nesses casos, não é só a presença da floresta nativa que conta: nesses lugares, a presença do pequeno produtor e a dependência que ele tem da mata como local de extração de recursos é o resultado de uma determinada forma social de adaptação humana em ecossistemas complexos e ricos (para uma discussão dessas questões tendo em vista a região Amazônica, consultar Costa, 1988).

Destarte, a invasão dos plantios homogêneos com finalidade industrial pôs e

ainda põe em risco não só a diversidade biológica, substituída por uma única espécie vegetal; também destrói extensas áreas ocupadas por pessoas cujo estilo de vida e cuja economia não se enquadram, necessariamente, dentro do projeto capitalista de “modernização”.

3.2. O Distrito Florestal do Litoral Norte - DFLN

A implantação dos Distritos Florestais, já mencionada anteriormente, fez

parte do esforço governamental para reverter a situação deficitária da balança comercial brasileira, logo após os "choques" causados na economia pelo aumento expressivo do preço do barril de petróleo, no período 1974-1979. A adoção dessa política pretendia diminuir a demanda por petróleo através da ampliação da oferta interna de lenha e de carvão vegetal.

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Na verdade, em boa medida o Governo procurou estimular uma situação que

já vinha acontecendo. Desde o primeiro aumento dos preços internacionais do petróleo, várias foram as medidas tomadas pelos empresários e pelo próprio Governo, no sentido de substituir o uso dos derivados desse energético. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, por exemplo, criou um programa chamado CONSERVE, que tinha como objetivo financiar com juros baratos a introdução de técnicas poupadoras e/ou substituidoras de energia de fontes petrolíferas.

Além disso, contou também a favor dos projetos estaduais dos Distritos

Florestais a prioridade que o governo passou a dar, a partir de meados da década 70, à expansão da indústria de celulose. Essa prioridade tinha como meta promover a substituição das importações de papel e celulose. Assim, conforme analisou Gonçalves (1990) a proposta governamental era de

criar pólos de reflorestamento que fossem capazes de gerar e/ou sustentar pólos industriais. Isso coaduna-se perfeitamente com os objetivos propostos pelo Plano Nacional de Papel e Celulose - PNPC, criado em 1974 no Governo Geisel. Secundariamente, também influiu para sua concepção o Plano Siderúrgico Nacional a Carvão Vegetal, também de 1974. Nesse contexto, o governo do estado da Bahia articulou-se para participar do

projeto federal orientado para o aumento da oferta de madeira oriunda de plantios homogêneos de rápido crescimento. O governo baiano assegurou, então, as condições para a expansão do "reflorestamento", "de acordo com a política de desenvolver em território baiano as atividades consideradas prioritárias a nível nacional" (conforme BAHIA, 1983: 9), fornecendo apoio técnico e logístico para as empresas. Assim, e ainda de acordo com o documento elaborado pelo Centro de Estatística e Informações - CEI,

a penetração de capitais florestais teve maior ênfase após a criação dos Distritos Florestais do Litoral Norte e Extremo Sul indicados pelo programa de Zoneamento dos Distritos Florestais do Estado da Bahia. Posteriormente, dando prosseguimento à política de ordenamento do setor florestal, foi criado o Distrito Florestal do Além

São Francisco (op. cit., p. 7). De acordo com o governo baiano, os fatores que foram utilizados para a

demarcação desses Distritos Florestais foram: 1º) disponibilidade de terras adequadas a baixos preços; 2º) facilidade de obter mão-de-obra; 3º) proximidade dos centros de consumo e 4º) adequadas condições climáticas e hídricas.

No caso da área de instalação do DFLN, 24,9% do total das terras estavam

ocupadas por matas (sendo 24,21% de mata nativa) e 23,1% das terras eram improdutivas ou não utilizadas (conforme BAHIA, 1980). Portanto, cerca de 48% do total das terras do Litoral Norte estavam "livres" para a introdução do "reflorestamento", uma vez que não eram consideradas terras de agricultura. Além

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disso, o fato do relevo não ser acidentado e o reflorestamento não necessitar de grandes investimentos em correção do solo, tornava a silvicultura um investimento mais interessante para o capital do que a agricultura.

Nesse sentido, um fator importante, conforme analisou Torres Sampaio

(1990), foi a falta de planejamento estatal prévio para a região. Como ela é próxima de centros urbanos importantes e apresenta um nível de pluviosidade satisfatório, não havia merecido, até então, a atenção dos órgãos governamentais responsáveis pelo planejamento, principalmente da agricultura. A conseqüência imediata da combinação desses elementos foi a manutenção de uma economia estagnada e baseada em atividades de subsistência e na pecuarização.

Por outro lado, a presença de portos marítimos próximo dos plantios (o Porto

de Aratu ou o de Aracaju-SE, a 120 km do distrito), possibilitaria o escoamento da produção a custos de transporte viáveis. Além disso, a crescente demanda por insumos energéticos do Centro Industrial de Aratu e do Pólo Petroquímico de Camaçari, somada à demanda de Salvador, favorecia a implantação do distrito no Litoral Norte.

Esses fatores, então, mais o menor preço da terra, quando comparado com o

da região Sudeste, tornaram a região "atrativa" para os grandes empreendedores. No entanto, conforme ressaltou um entrevistado da região, se de fato não se podia dizer que a qualidade das terras do Litoral Norte eram as melhores e nem que fossem exclusivas para a prática da agricultura, por outro lado elas possuíam - e possuem -“uma localização geográfica privilegiada” (Entrevista nº 10, julho de 1994).

Assim, ao usar o argumento do baixo custo para defender a opção pela

atividade “reflorestamento”, os empresários e os técnicos governamentais favoráveis se esqueceram de acrescentar qual era o uso e quem usava a terra, dentro de um espaço econômico que era maior do que a própria área delimitada pelo DFLN.

Também nesse sentido, houve uma outra dimensão da ação das instituições

públicas estaduais que foi importante. Ao não se envolverem nas questões de titulação e nem estabelecerem condições limitantes para a instalação das empresas plantadoras de pinus e eucalipto no Litoral Norte, o governo baiano deu como que um “sinal verde” para a realização de grilagens. Como argumentou um pequeno produtor e sindicalista da região entrevistado por essa pesquisa, a chegada das empresas “reflorestadoras” na região causou graves problemas para os pequenos produtores, principalmente por causa da forma como elas tomavam a terra. De acordo com o entrevistado

Coisas que não é deles, isto aí dos nossos antiguíssimos anos. Terrenos que era do pessoal do povo, não era nada deles, e aí os grandes fazendeiros, os grileiros dizer melhor, não tinham terra, nunca foram herdeiros de lá, e foi comprando os taco, os taco, os taco, e vendendo pra firma os poucos; os cartórios também tem um pouco

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de culpa porque eles fizeram papel duas, três vezes, vendendo pra as pessoas sem conhecer a realidade, que muitas vezes a gente vai ver a realidade, eles, por causa de um que tem dinheiro, eles encobre o direito do pobre trabalhador. E dá razão à própria firma porque tem dinheiro. (...) Ficou por isso mesmo que eles tapearam, tapearam, e ficou foi nisso mesmo dando razão à própria firma. A Justiça não quer

dar razão a quem tem direito, quer dar direito a quem tem dinheiro (Entrevista nº 04, julho de 1993).

Do ponto de vista do governo baiano, a implantação dos Distritos Florestais possibilitaria a instalação de fábricas de celulose, de acordo com os objetivos que então estavam sendo priorizados pelo governo federal. Inicialmente, no DFLN, existiu uma previsão de implantação de duas unidades, uma da Torras e outra da Plantar, que incorporariam ao seu projeto inicial áreas estipuladas em 112.600 ha e 120.000 ha, respectivamente (conforme BAHIA, 1977 e BAHIA, 1980).

Além da existência de todas essas condições, a presença de empresas como

a FERBASA, a SOLUM, a TORRAS e a SIBRA, todas consumidoras de madeira para produção de carvão vegetal para siderurgia, e a criação da COPENE Energética - COPENER, garantiram a consolidação da atividade "reflorestadora" como uma das principais na região. De acordo com os dados apresentados em documento do CEI (BAHIA, 1983), em 1975 existiam implantados cerca de 2500 ha de matas plantadas no DFLN. Em 1985, conforme dados desse mesmo Centro, essa área já era superior aos 240 mil ha (BAHIA, 1994a), indicando um crescimento de mais de 9500% nesse período de dez anos !!! 9

No entanto, algumas dificuldades foram criadas para a execução do objetivo

de transformar o DFLN em um “pólo” produtor de celulose. De acordo com um documento do próprio governo baiano,

Mesmo as empresas que já atuavam na área tiveram, face ao problema e a conformação fundiária, de pulverizar seus projetos florestais em várias glebas, a exemplo da Torras S.A., que distribui os maciços por 11 áreas nos municípios de Entre Rios, Esplanada e Conde, sugerindo ainda possíveis problemas de topografia e regularização fundiária, criando maiores exigências de investimento em infra-

estrutura (BAHIA: 1980). Outros fatores adicionais inviabilizaram a construção das fábricas de celulose

originalmente propostas. Dentre eles, os principais foram a perspectiva de retração do consumo nos países industrializados, a queda nos preços internacionais do produto e a pouca receptividade dos produtores estrangeiros de papel e outros produtos à base de celulose para a pasta feita de eucalipto.

Após o segundo choque dos preços do petróleo, em 1979, o Conselho Nacional do Petróleo editou medidas visando dinamizar a substituição energética, induzindo a utilização dos recursos do FISET nessa direção. Com esse novo

9 De acordo com Soares & Silva (1994: 106), em 1994 a área plantada com florestas de

uso industrial era de aproximadamente 200 mil ha, usada quase totalmente para a produção de carvão vegetal e para a exportação de madeira em toras.

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direcionamento, os projetos energéticos ganharam força e proporcionaram novos investimentos na região. No entanto, em função disso, os projetos de celulose foram sendo abandonados (conforme BAHIA, 1980).

Foi a partir desse instante que a COPENE Petroquímica do Nordeste, central

de fornecimento de matérias-primas do Pólo Petroquímico de Camaçari, criou a Copene Energética S.A. - COPENER, para implantar 150.000 ha de florestas homogêneas na região.

O estudo de localização da COPENER apontou o Distrito Florestal do Litoral

Norte como sendo uma região que, apesar de ter uma baixa fertilidade do solo, tinha como vantagens menores custos de transporte, dada a proximidade do pólo de Camaçari, e de aquisição de terras.

Nos anos de 1983 e de 1984, o preço do petróleo estabilizou-se em torno de

US$ 12.00 o barril, o que tornou inviável a utilização da madeira como geradora de energia. De acordo com um representante da COPENER, entrevistado em julho de 1994 (Entrevista nº 11, julho de 1994), a madeira competia com o óleo a partir de US$ 20.00 o barril. Sendo assim, a reserva florestal homogênea que a COPENER formou para produzir insumos energéticos tornou-se obsoleta.

O problema é que essa reserva, em 1988, totalizava mais de 50 mil ha

distribuídos em dezessete dos vinte municípios da região Litoral Norte e em outros quatro próximos (conforme COPENER,1988). Nesse momento, então, a COPENER ocupava 4% da superfície total desses vinte e um municípios e não mais utilizaria essa área para as finalidades propostas.

A alternativa eleita pela COPENER, então, diante da restrição econômica ao

uso dos maciços plantados para produzir carvão vegetal foi a construção de uma fábrica de celulose. De acordo com o mesmo funcionário da empresa entrevistado pela pesquisa, “A gente começou em 84, com quase 40.000 ha de florestas plantadas. Já nesta época então, estudando a alternativa das florestas, onde se optou pela construção de uma fábrica de celulose" (Entrevista nº 11, julho de 1994).

A opção foi a criação da NORCELL, em parceria com a RIOCELL, uma das

cinco maiores empresas fabricantes de celulose de exportação do país, localizada no Rio Grande do Sul. No ato de sua criação, a nova empresa incorporou os ativos da COPENER. A criação da NORCELL deu-se, portanto, como uma forma de viabilizar uma área onde já se tinha investido muito capital.

Tendo em vista o elevado montante de recursos necessários para instalar a

fábrica, a NORCELL, de acordo com o mesmo entrevistado, foi concebida a partir de uma estrutura tripartite: a COPENE entraria com as florestas da COPENER, a RIOCELL seria responsável pela tecnologia, administração e parte do capital, e ainda era previsto um terceiro sócio que aportaria o restante dos recursos financeiros.

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Entretanto, nesse mesmo momento a COPENE estava em fase final de

duplicação e bastante endividada. A RIOCELL, por sua vez, havia iniciado o projeto de expansão de sua unidade no sul do país, e o sócio estrangeiro sondado, um banco norte-americano, condicionou a realização do investimento à conversão de dívida externa no valor de 310 milhões de dólares, alternativa cortada pelo Governo Collor. Juntou-se a isso uma nova tendência de queda nos preços internacionais de celulose. Esses foram os motivos listados pela empresa para explicar a paralisação do projeto.

Mas existiram outras razões, de ordem não diretamente econômica. Esse

será o tema do próximo capítulo.

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CAPÍTULO 4 A Expansão do Reflorestamento e a Organização dos Sujeitos

Sociais Rurais no Litoral Norte da Bahia Nos capítulos precedentes, esboçou-se uma caracterização da evolução da

ocupação da região Litoral Norte como sendo um movimento inserido no processo de modernização regional que, em muitos de seus aspectos, não difere do que ocorreu em outras regiões de pequena produção no Brasil.

De fato, pode-se citar o Extremo-Sul da Bahia, o norte do Espírito Santo, os

Vales dos Rios Doce e Jequitinhonha em Minas Gerais, o norte do estado do Tocantins e toda a área do Programa Grande Carajás - PGC nos estados do Pará e do Maranhão como exemplos de outros espaços que foram historicamente formados por populações inicialmente vinculadas à produção para auto-consumo e para mercados locais e que foram pouco a pouco vendo suas estratégias econômicas, sociais e culturais de garantia de sobrevivência sendo modificadas pela penetração de monoculturas comerciais, as quais, por sua vez, foram substituídas total ou parcialmente pelos plantios homogêneos de eucaliptos e pinhos.

Pode-se dizer, então, que a expansão do reflorestamento para a produção

de matérias-primas destinadas aos consumidores europeus, norte-americanos e japoneses de ferro e aço (produtos que usam as florestas como fonte de carvão vegetal) e de celulose e papel faz parte de um estilo de desenvolvimento que privilegia a quantidade produzida em detrimento das definições sobre o como e o para quem se produz este tipo de matérias-primas.

Por isso, como argumentam Shiva & Bandyopadhyay (1991: 98), Os plantios de Eucalipto, uma prosperidade para os donos da terra são, ao mesmo tempo, uma ameaça à sobrevivência de milhões de camponeses marginais e sem terra ... Este impacto conflitante dos plantios de Eucalipto constitui a base da controvérsia intensa e disseminada sobre os benefícios e riscos da expansão, em grande escala, dessa espécie nas terras de cultura, especialmente em áreas alimentadas pela chuva. (...) Enquanto que a propriedade da terra e os benefícios dela derivados têm limites claros, o impacto ecológico do uso da terra não conhece limites. A combinação de fatores - que inclui destruição da água do solo, fertilidade do solo, organismos do solo e habitats para predadores de pestes ... tem desgastado lentamente as condições ecológicas que tornam possível o cultivo de culturas alimentares ... Diferentemente de outras tecnologias de deslocamento de mão-de-obra, os plantios de Eucalipto destroem o emprego de maneira irreversível, uma vez que eles não envolvem meramente uma mudança da produção de alimentos para a produção de madeira, que poderia, em princípio, ser reversível. Os plantios de Eucalipto tornam tal mudança irreversível porque, através de seu impacto ecológico, destroem as próprias condições da produtividade biológica do solo.

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Mas, e quanto aos produtores que perderam suas terras, foram expulsos e tiveram sua identidade social e cultural enquanto agricultores negada, quem são eles ? Por que "aceitaram" sair da terra ? Que tipo(s) de resistência ofereceram ?

Estas perguntas, que serão aqui respondidas de modo preliminar, tem o

sentido de recordar uma história na qual não existiram apenas os interesses do Estado e do grande capital, mesmo que se possa dizer que os dois, em associação, tenham garantido um pacto de dominação avassalador.

Os relatórios sobre os impactos econômico-sociais e ambientais feitas para o

projeto NORCELL apresentam alguns dados interessantes sobre os proprietários rurais que teriam vendido sua terra para a empresa. Estes dados são apresentados no Anexo XII do volume VI do Estudo sócio-econômico complementar ao EIA-RIMA do projeto da fábrica de celulose (Oliveira Filho et alii, 1990).

Os dados mostram que, de cerca de 570 pessoas domiciliadas na região de

influência direta do projeto que venderam as suas propriedades para a COPENER/NORCELL, 65,2% tinham domicílio nos municípios da região Litoral Norte, 22% moravam em Salvador e 12,8% em outras cidades da Bahia ou de outros estados do país.

Isso, por si só, revela que o maior impacto da aquisição de terras para

reflorestamento recaiu mesmo sobre a população local. Além disso, as informações sobre as atividades dos vendedores apresentadas pelo mesmo documento mostram que do total de 574 vendedores confirmados pela empresa, 35,5% eram agricultores e 5,4% pecuaristas; 6,6% eram reflorestadores; 19,9% eram empresários urbanos, sendo igual o percentual de empregados em atividades urbanas e 12,7% exerciam outras profissões além destas.

Esses dados, se cruzados com os que se referem à situação domiciliar dos

agricultores após venderem a terra, torna clara a conclusão que se de fato o impacto do reflorestamento para o projeto da fábrica foi localizado, ele não atingiu exatamente a população rural. Segundo a empresa, em seus quadros apresentados no Estudo acima citado, 61% dos agricultores que venderam terra para ela já moravam na cidade.

Mas a fala dos agricultores mostra uma realidade distinta. Uma das

entrevistadas pela pesquisa, moradora de Subaúma-Mirim, disse que a empresa começou a comprar terra na região "dizendo que só queria as terras fracas". Mas terras de quem ? Fracas de acordo com que critérios econômicos, agronômicos e sociais ? Segundo a entrevistada, tratava-se de terra de quem plantava, pois "todo mundo vivia da roça ... todo mundo se conhecia" (Entrevista nº 01, sem data).

Ora, isso significa que a entrada da atividade de plantio de eucaliptos e pinus

na região deslocou produtores que, mais do que empresários rurais, eram moradores do lugar, pessoas cujas famílias construíram sua história através da

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permanência na terra. Esse, aliás, é um dos traços distintivos das chamadas comunidades camponesas, e que só pode existir na medida em que a terra não é um objeto de compra e venda ou uma mercadoria, e sim o meio de manter a sobrevivência da família produtora.

É nesse mesmo sentido que um outro entrevistado, do município de

Esplanada, disse que O pessoal vivia de plantação, cada qual tinha suas terras, né, vivia do plantio de arroz, milho, feijão, fumo, tinha muita plantação de feijão de corda. (...) Mandioca, vendia dos coqueiros também, ainda tem muito coqueiro por lá. (...) Pouca gente tinha escritura. Agora, todo mundo tinha seu recibo, sabia onde começava e onde terminava [suas terras] (...) Tinha tempo que dava tanto caju que o povo nem ligava mais além apanhar as castanhas. Não ligava porque não tinha condição de fazer nada. Jaca, Nossa Senhora. Jaca, o povo nem sabia, nem ligava. E bananeira, mas tinha bananeira, só vendo, todo mundo tinha seus quintais de banana, era cada cacho de banana enorme, eu fazia era todo doce, o povo me dava banana, eu tinha banana, dava ao povo, só vendo que fartura. A fartura era uma beleza. Era uma fartura, mas era uma beleza ! Não faltava de tudo nem farinha, nem carne. Não faltava ... Todo mundo tinha carneiro, um porco, galinha, peru, tudo solto à vontade onde quisesse criar (mas era uma coisa linda aquele lugar mesmo). Teve uma

ocasião que eu tinha 50 perus de roda (Entrevista nº 02, julho de 1993). Da mesma forma, outra entrevista realizada com uma moradora de Aporá

revelou que quando a gente começou morar aqui, o estilo da vida das pessoas era pouco diferente. Eles não tinha tanta dificuldade de encontrar lenha pra queimar produzindo a farinha nem pra as olarias. E agora, por causa das vendas de terras ... eles destroem toda a mata nativa pra plantar, fazer pastagens e destruindo também o meio ambiente, não é ? As caças que antes eram abundantes, tá desaparecendo. É, o clima também um pouco tá se modificando. Os reservatórios naturais, é, ficam destampados e a evaporação faz que seque mais rápido, e tudo está ficando assim cercado, né? As pessoas que tem poucas terras estão sentindo mais dificuldade de sobreviver. (...) Tinha mais roças - tinha, tinha mais, tinha reservas naturais. Ah, sim, tinha reservas assim que as pessoas, bom, era um outro meio de sobrevivência. Eles entraram dizendo que estavam sem uso, mas era outra forma de sobrevivência, não é ? Que muita gente não precisava comprar, comprar carne, comprar nada, não é ? Tinha caça. Elas plantavam a mandioca e criavam solto também, criavam porco, gado, é, criavam cabra, tudo solto, criavam solto, como se dizia antigamente, gado de solta, é, no tabuleiro, e não precisavam de comprar tanto (Entrevista nº 05, outubro de 1993). Assim, esses relatos revelam que o padrão de vida que existia era típico de

uma população para a qual a apropriação privada e a mercantilização da terra não eram os elementos centrais da organização social. Nesse sentido, os argumentos utilizados pelas empresas, que diziam que as terras não produziam ou por fraqueza natural-biológica ou pela ineficiência técnica dos pequenos agricultores,

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são totalmente inadequados para explicar porque esses camponeses produtores de subsistência produziam não necessariamente para vender.

Da mesma maneira expressa-se outro pequeno produtor entrevistado numa

roda de conversa em Inhambupe, comparando as condições de vida antes e após a entradas dos plantios homogêneos:

Na época de 60, 70 e até 74 pra trás, a gente tinha uma outra vivência, né ?, que hoje nós não temos. Isso que já foi colocado porque os pequenos cada um tinha um pedaço de terra pra trabalhar, tinha suas 8, 10, 15, 20 até 30 cabeça de gado, ovelha, e que era criado aí solta, onde eles se beneficiavam com essa criação, é ... quando tinha necessidade ele vendia um ou matava, né ?, trazia um pedaço vendia ou trazia uma banda vendia, trazia aquele e ficava com a outra e com aquilo ele ia passando a vida melhor. Quando chegou o reflorestamento e que foi apertando o círculo aos pouco e que hoje os criadores, os pequenos criadores que tinha nessa localidade, resta bem pouquinhos. Esse pouquinho bem resumido. É. Inclusive os meus pais eles criavam também solto. na época era 25, 28 no máximo, mas tinha, e

hoje o velho mesmo só tem duas cabeça (Entrevista nº 04, julho de 1993). Essas três últimas falas mostraram um aspecto central da economia

camponesa que se diferencia radicalmente da economia agrícola capitalista: o da fartura. Para o capitalismo, a abundância é apenas uma enorme disponibilidade de produtos que só podem ser comprados; para uma sociedade não capitalista, a fartura é dada mais pela disponibilidade dos recursos e meios naturais e sociais considerados suficientes para garantir a reprodução sadia do produtor e de sua família.

Partindo de uma observação semelhante sobre uma comunidade rural do

estado de Goiás, Brandão (1981: 55) concluiu que a saúde das pessoas, da colheita e das criações era considerada melhor por que

as relações entre produtores e a natureza - emersas de um tempo anterior de dependência daqueles com relação a esta - eram equilibradas: a) pela existência de uma proporção tida como adequada entre as pessoas e o espaço de natureza utilizada (“muito mato, pouca roça”, “muito pasto, pouco rastro”); b) pela inexistência de atitudes devastadoras dos homens sobre a natureza, até mesmo nas queimadas “de agosto”, consideradas como uma atividade necessária, não predatória e, em parte, fortalecedora do terreno sobre o qual seria plantada a lavoura.

Desse modo, a fórmula que garantia uma vida sem privações era a que

combinava terra e homens livres que podiam, pois, produzir o quanto necessitavam para si próprios.

E é por isso que para garantir o controle do processo de tomada das terras

dessa população que a empresa usava (e ainda usa) o argumento da improdutividade do solo. Para as empresas capitalistas o que interessa é que a terra é uma mercadoria, um produto como qualquer um outro. Por isso é que, na verdade, o que estes grupos capitalistas procuravam fazer era desqualificar social e economicamente aquilo que era mais prezado pelos produtores.

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Um técnico de uma das agências governamentais que atuam na região e que

foi entrevistado deu a seguinte opinião acerca dessa questão, mostrando como o argumento das empresas estava errado:

As empresas ... ficaram só com a área plana, e não gostavam de comprar áreas íngremes ou áreas de baixada. E até trocavam seus pedaços de baixada em outras por pedaços planos de outros proprietários. [E mesmo que] ... nossas terras não são das melhores do Brasil ... elas tem boa profundidade, bom clima ... podendo

produzir até feijão e milho e produtos de subsistência (Entrevista nº 08, março de 1994). No entanto, dada essa realidade, por que estas pessoas saíram de suas

terras para dar lugar a uma atividade que lhes era (e ainda é) completamente estranha ? Segundo os entrevistados, elas "venderam" porque as empresas usaram vários meios bastante persuasivos. Ou, como disseram outros dois entrevistados que permaneceram na terra, os representantes da empresa chegaram em sua comunidade e foram

entupindo logo pra comprar; encontraram aqueles bobos de boca aberta, tome, tome, tome, dê cá o dinheiro; nada desta vida, não é ? (...)

Pergunta: Não falava de nada, só do dinheiro ?

Resposta: Não, eles só chegavam na porta como cigano, atraindo, botando pra

trás. (...) e não veio ainda uma pessoa dizendo que pudia vender essas terras e pra que terra pra trabalhar ? E eles vem, batendo de porta em porta: venda a sua,

venda a sua. (...)A gente também sabe de muitas coisas que aconteceram de

cartórios daqui de Itamira que fez escrituras falsas aumentando, inclusive, a quantidade de terra porque ao redor sem dúvida tava com alguém assim sem documento, porque a maioria das terras daqui era assim passada, né ?, tinha os donos; quando morria era da família e ninguém ... sabia que a terra era de todos não se preocupava de dizer assim, ali é meu. Era de todos, e o pessoal plantava nas, criava nas soltas que era assim bem, não tinha essas preocupações, não

(Entrevista nº 05, outubro de 1993). Mas não era apenas utilizando dinheiro e testas-de-ferro que se pressionava.

As empresas usaram também o artifício de afirmar que todos os que vendessem a terra arrumariam trabalho para a família na cidade, tal como narrou outro entrevistado. Segundo ele, os "compradores" de terra das empresas disseram a ele que "vai ter trabalho pra você, você vai se empregar, vai trabalhar, vai ganhar seu dinheiro, bom, acaba vai ter emprego aí pra todo mundo" (Entrevista nº 07, novembro de 1993).

Um outro exemplo dessas formas de pressão das empresas for o seguinte,

conforme a transcrição de um depoimento de uma das mulheres entrevistadas que possuíam terra e a venderam para uma das “reflorestadoras”, a Duraflora:

Pergunta: Me diz uma coisa: a senhora se lembra duma estória que saiu logo no início [do processo de compra pelas empresas] quando aquelas terras todo mundo

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ia ser obrigado a vender porque iam fazer um aeroporto ali e quem não vendesse a firma ia tomar, não era ? E as águas iam ficar poluídas, ninguém mais podia beber as águas do rio, não ia ter água nem para beber. Quer dizer, as pressões eram desse tipo ? Resposta: As pressões eram assim. Pergunta: E por isso todo mundo se apressou de vender logo ? Resposta: Eu me lembro que tinha isso. Tinha essa conversa das águas. Dizendo que a água ia acabar, e ser poluída, é. Diziam que os riachos iam secar ... e ia acabar aqueles riachos ... a água ia poluir e não ia prestar mais para nada. E de fato a água tá acabando. Nisso eles falaram a verdade. E aquilo o povo ficou com medo foi entregando as terras por qualquer tostão. Eu me lembro que o povo tinha muito

medo mesmo, a conversa que rolava era essa (Entrevista nº 02, maio de 1993). Aprofundando essa discussão, os relatos da população mostram que não

foram apenas as ofertas de emprego e de dinheiro que forçaram os produtores da região a vender suas terras. Conforme lembra uma de nossas entrevistadas, atualmente morando em Entre Rios, as empresas chegaram e disseram

que o fraco não tinha condições de ficar com tanta terra, e que eles é que tinha condição. Que podia assim pagar muita gente que é pra botar na terra pra trabalhar. Nós fraco não tinha condições. Pra que nós queria tanta terra ? Os filhos tudo pequeno, se já tivesse grande, mas tudo pequeno (...). A gente pensava assim: - “Ai, meu Deus, o que será que vai acontecer ? Essa firma vai espantar com todo mundo”. É, o jeito era vim pra rua. Com pouca vem os trator pra derrubar minha casa. É com pouca. Ai meu Deus. As máquinas vinha um bocado minha irmã derrubando casas com mil e quinhentos telhas, nem os donos, acho que nem os donos deixava tirar as telhas. Nem os donos deixar tirar as telhas. Acabou lá tanta telha assim, do jeito que tá telha, deixar assim. Eu mesmo tô morando numa casa aqui porque depois que vim pra aqui foi ele que comprou, viu ? Toda remendada ali, mas quando eu vim de lá nem o direito numa casa eu trouxe quando eu vim (Entrevista nº 02, maio de 1993). Mas, mais do que efetivada apenas através da retórica, a pressão para

adquirir terra para o plantio de eucaliptos e pinheiros envolveu também a violência física. Outro depoimento é expressivo nesse sentido:

Alguns arrancavam, jogavam máquina em cima. Agora as casas, o primeiro que fazia era derrubar. Tirar. Metiam a máquina nas casas de farinha. (...) Tinha que passar máquina em cima, senão não derrubava. É pra eles não voltar. Na pressa eles espedaçavam logo tudo que é pro dono não querer voltar. Se arrepender e

querer voltar (Entrevista nº 02, maio de 1993). Da mesma forma como acontecia com o discurso, também a violência

revestia-se de enganação. Para um dos entrevistados, da antiga comunidade de Cardoso, que foi ocupada por um plantio de pinus, as empresas

roubavam muito o povo na medição das terras (...) As pessoas tinham assim uma quantidade de terra, quando eles mediam por hectares, o povo não entendia de

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hectares e botavam o que queriam na escritura. Vamos dizer que tivesse 100 hectares, eles botavam 30, 40, enganavam o povo. Isso eles faziam mesmo. Pergunta: Pagou, mas pela medição que eles queriam.

Resposta: É. Que eles queriam. (Entrevista nº 02, maio de 1993). Assim, a descontrução de uma região que desde a alguns séculos era

produtora de alimentos e sua transformação em um Distrito Florestal foi feita através:

a) da supressão do ecossistema dos tabuleiros, b) do aprisionamento da terra a uma monocultura de exportação e c) expulsão dos moradores originais desse espaço. Com isso, essas pessoas e famílias perderam também a sua identidade

como produtores e sujeitos dependentes da terra. Uma pesquisa feita em 1987 pelos agentes pastorais atuantes na região,

com 75 chefes de família (homens e/ou mulheres) que se mudaram para Entre Rios, mostrou que 81% deles (e seus familiares, consequentemente) passaram a sobreviver de outras atividades não vinculadas à agricultura, sendo que os 29% restantes transformaram-se em assalariados rurais temporários ou trabalhadores das empresas reflorestadoras.

Como disse uma de nossas entrevistadas, quase todos venderam suas terras e quase todos depois descobriram que tinham que comprar terra, e tinham uma parte bem menor, né ?, porque não conseguiram comprar. E outra coisa que eles estavam se queixando é que o preço da terra aqui subiu assustadoramente, né ? (...) naquele tempo qualquer pessoa podia adquirir um pedaço de terra e hoje em dia ninguém consegue, tá muito caro, (...) ficou

escassa e tá muito caro (Entrevista nº 05, outubro de 1993). Assim, à expulsão seguiu-se a perda da identidade e da condição social e,

por fim, a transformação dos antigos produtores em marginalizados urbanos. Mas, diante desta realidade, o que foi colocado como resistência ?

Do ponto de vista do uso do mais tradicional dos instrumentos de defesa do

trabalhador rural, parece que muito pouco. Essa constatação é procedente principalmente se for levado em conta que a criação dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais - STR em alguns dos principais municípios da região atingida pelo reflorestamento e pelo projeto da NORCELL só se deu depois da segunda metade dos anos 80, à exceção dos de Alagoinhas e de Entre Rios, conforme pode ser observado a seguir. STR de Acajutiba ........................ criado em 1991 STR de Alagoinhas e Aramari .... criado em 1979 STR de Aporá ............................. criado em 1993 STR de Conde ............................ criado em 1989

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STR de Entre Rios ...................... criado em 1977 STR de Esplanada ...................... criado em 1987 STR de Inhambupe ..................... criado em 1987 STR de Sátiro Dias ..................... criado em 1988

Mas essa questão da criação tardia de sindicatos não é a mais importante;

mais significativo é o fato destes organismos terem identificado no problema da expansão do reflorestamento apenas a dimensão da perda da terra, omitindo todo um outro lado que é o da transformação dos produtores em assalariados da agroindústria.

Noutros termos, a ênfase da luta sindical rural da região contra a expansão

do reflorestamento, em sua fase inicial, levou em conta muito mais o aspecto da necessidade de reverter o movimento de apropriação capitalista da terra, o que direcionou a luta para o campo da reforma agrária. Contudo, a situação de muitos antigos produtores que passaram a trabalhar para as empresas reflorestadoras ou outras agroindústrias em áreas que já haviam sido suas antes não foi considerado como um objetivo específico de luta.

Essa separação entre os mundos do produtor e do trabalhador assalariado

rural não foi um fato específico dos STR do Litoral Norte; ela faz parte de toda a história do sindicalismo rural no Brasil. Só que, no caso das empresas de reflorestamento, foi muito interessante que essa separação acontecesse - e continua sendo interessante que aconteça - porque assim elas se viram livres da organização dos trabalhadores rurais assalariados em suas áreas.

Desse modo, o aparecimento tardio dos STR e sua indefinição com relação

aos objetivos reais da luta dos agricultores e familiares que foram transformados em assalariados facilitaram o crescimento das empresas sem maiores problemas com relação às suas práticas de coerção e exploração do trabalhador. Mas por que isso foi possível?

Pode-se dizer que por duas razões estruturais: uma primeira, que se refere à

própria crise do modelo convencional de sindicalismo em vigor no Brasil e que se expressa no

desafio de articular frentes de luta tão distintas, de elaborar uma estratégia de relacionamento com os projetos 'participacionistas' do Estado etc. No centro da crise sem dúvida está a dificuldade de manter o modelo sindical que foi um importante instrumento para dar expressão política aos conflitos que se desenvolviam no campo, mas que num momento de transição democrática não foi capaz de ser direção para os trabalhadores e de levar à prática princípios que lhes eram caros, mas que implicavam, em última instância, no questionamento do modelo de

corporativismo sindical (Medeiros, 1989: 209).

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Quanto à segunda razão estrutural, ela prende-se a dois elementos que estão na raiz dessa crise do sindicalismo rural convencional e que, na região, assumiram uma dimensão especialmente significativa, a saber:

a) a intensidade da articulação entre os produtores rurais e seus sindicatos e os

atores políticos urbanos; b) a forma como a Igreja se posiciona enquanto mediadora do movimento social

rural. No tocante às relações entre os STR e o movimento social urbano na região,

elas foram e ainda são bastante frágeis, impedindo mesmo a formação de um projeto político comum para o desenvolvimento regional. Isto ocorre porque, além do isolamento das posições alternativas existentes nas cidades, elas via de regra não reconhecem nos produtores e trabalhadores rurais e nos marginalizados urbanos expulsos do campo uma força social que, no caso da região, ocupa uma posição essencialmente de ponta para a construção de um modelo de desenvolvimento distinto do vigente.

No que diz respeito ao papel da Igreja na região, ele se revestiu de um

sentido impulsionador da articulação do movimento camponês, de acordo com o que tem sido a prática desta instituição em diversos pontos do país. Não obstante, esse mesmo papel revelou-se limitante à própria criação e expansão de alguns sindicatos, uma vez que acabou também por envolvê-los excessivamente dentro de um projeto de Escola Família Agrícola, voltado para a formação de jovens agricultores e para a melhoria de sua profissionalização além da formação de animadores para as comunidades.

Esse projeto, no entanto, vinculou-se basicamente à difusão de formas

alternativas de produção, criando junto aos produtores rurais e aos seus sindicatos uma relação de dependência no uso de instalações e equipamentos. Isso, por sua vez, gerou uma substituição do referencial de trabalho organizativo e de luta dos próprios sindicatos, muitas vezes reduzidos a coordenadores da utilização de veículos e casas de farinha.

Os limites à organização da população rural não impediram, porém, que o

papel conscientizador da Pastoral Rural e de várias religiosas que atuavam na região promovessem uma ação cujos resultados acabaram sendo notáveis do ponto de vista da formação de um novo padrão de negociação entre empresa (no caso a NORCELL) e a população atingida. Estamos nos referindo ao movimento "Basta ao Reflorestamento", iniciado em 1987 e que envolveu um número considerável de participantes.

4.1. Um Esforço de Organização: a Comissão Comunitária De acordo com o Relatório final produzido no IV Encontro da Articulação

Sindical da região de Alagoinhas, que aconteceu em dezembro de 1988,

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A luta do BASTA AO REFLORESTAMENTO teve início quando o movimento sindical da região tomou conhecimento do projeto de implantação de uma fábrica de celulose no município de Entre Rios (...) Em 1988, no mês de janeiro, houve a Assembléia pública no município de Entre Rios; no mesmo ano, no mês de maio, houve um seminário no município de Inhambupe. Vários comitês foram organizados nos municípios.

Na verdade, o movimento foi criado por um número muito grande de

entidades, entre elas partidos políticos, os sindicatos, associações de moradores e de produtores rurais e pela Igreja. Seu objetivo imediato era o de pressionar os órgãos públicos municipais e estaduais para conseguir a mudança na política agrícola da região, que até o momento vinha garantindo apoio apenas ao reflorestamento.

Conforme ressaltou uma antiga agricultora de Aporá, Esse movimento foi regional; eu não sei bem como começou, mas sei que também participei de algumas, inclusive uma ... é, uma ... Audiência pública lá em Entre Rios. A gente participou, fomos aqui, arrumamos um caminhão de pessoas, fomos, é, pra também dar um força, né ?, fazer valer a proposta do povo que tava

descobrindo, não sei (Entrevista nº 05, outubro de 1993). Um informe mimeografado da época, entitulado "A raiz da Pobreza" e datado

de 1987, no qual se apresentavam as reivindicações e mostrava-se que a região já fora grande produtora de alimentos, mostra a força inicial do movimento: nesse documento estavam reunidas as assinaturas de três partidos políticos atuantes em seis municípios da região, de seis STR, de quinze Associações de Agricultores e de Pescadores, de nove Prefeitos municipais e de outras nove entidades atuantes na região e fora dela (incluindo-se aí alguns órgãos públicos estaduais).

Ainda no ano de 1987 foi divulgada a decisão da COPENE de implantar a

fábrica de celulose. No mês de novembro, dado o acúmulo de discussão atingido pelo Movimento, foi realizado um Seminário para aprofundar o entendimento e criar propostas de alternativas ao processo de reflorestamento na região (conforme publicado no jornal A Tarde, de 06/01/1988).

Estiveram presentes neste Seminário, além dos trabalhadores rurais, dos

sindicatos, de membros da Igreja e de outras entidades, os representantes do CRA e da COPENER. Ao final do encontro, formou-se um grupo, constituído por representantes da Pastoral Rural e de trabalhadores da comunidade, com o intuito de analisar alguns pontos do projeto.

Em janeiro de 1988, já como resultado da movimentação e das críticas feitas

pelas forças sociais atuantes da região, foi realizada a primeira Audiência Pública para análise e licenciamento do projeto NORCELL em Entre Rios. Essa audiência contou com a presença de 440 trabalhadores rurais da região, os representantes

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da empresa, autoridades públicas municipais, representantes do Estado e das entidades da sociedade civil.

Entretanto, conforme relata uma das participantes dessa primeira reunião, apesar dos esforços da Pastoral Rural e das religiosas na discussão e na tentativa de conscientizar as comunidades rurais dos impactos negativos decorrentes da implantação de uma fábrica de celulose,

na primeira audiência foi muito difícil porque o prefeito estava, assim, com jagunços, e professoras armadas com faixas e tudo em favor a fábrica e nem ia deixar os trabalhadores e o Sindicato entrarem na Audiência; bagunçaram a, não deixaram as pessoas perguntar as coisas e, no fim, o sr. Neto do CRA lutou, lutou, lutou a tarde toda para tentar fazer uma reunião pública decente. Mas não se satisfez e falou logo na hora que ia fazer outra, que se deu no outro ano, em outro mandato, com outro prefeito que é do mesmo lado, só que ... um pouco mais educado, faz uma reunião

um pouco mais camuflado (Entrevista nº 15, setembro de 1996) O órgão estadual de licenciamento, apesar de sua decisão em convocar

outra Assembléia, dando ares de transparência ao debate sobre os impactos positivos e negativos de um empreendimento desse tipo e tamanho, assumiu uma posição favorável à implantação da fábrica naquele mesmo ano de 1988. Como pode ser depreendido do pronunciamento de seu então Diretor Executivo, o sr. Joviniano Neto, a posição do Centro de Recursos Ambientais - CRA era a de “definir condições para que a fábrica de celulose possa ser implantada sem grandes custos sociais e sem mutilar a economia. A comunidade até a implantação do projeto - provavelmente em 1991 - vai ser ouvida, apontando também possíveis soluções” (conforme publicado em A Tarde, de 06/01/1988).

Na verdade, essa declaração não surpreende, se for analisada a condição

em que se deu o processo de criação e implantação da fábrica, que tem como sócios um dos principais grupos capitalistas da Bahia, que é uma empresa de capital misto. Como foi discutido no capítulo anterior, o "reflorestamento" se expandiu através do enorme apoio do Estado, tanto ao nível federal quanto estadual.

Além do CRA, podia-se notar que dentro do Estado a posição de incentivo ao

projeto era clara: os órgãos como a Secretaria de Planejamento e Tecnologia - SEPLANTEC, a Fundação Centro de Estudos e Projetos - CPE, para citar duas das principais agências públicas baianas, eram declaradamente favoráveis à fábrica, inclusive tendo conhecimento dos prováveis impactos que seriam gerados na região (conforme Torres Sampaio, 1990: 134).

Mas a NORCELL não atraiu somente simpatias. A Federação das Indústrias

do Estado da Bahia - FIEB posicionou-se contra o projeto em função dele ser potencialmente perigoso para a "indústria do turismo". Como alguns dos principais grupos industriais do estado têm interesses vinculados à especulação imobiliária, que está vinculada aos negócios do turismo, a implantação de uma fábrica de celulose altamente poluente na região geraria grandes prejuízos para

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estes capitalistas. Em função disso é que a Federação se colocava como opositora e, para tanto, utilizou-se inclusive do discurso ambientalista.

Outro opositor ao projeto foi o grupo Odebrecht, um dos maiores investidores

baianos na região. A articulação entre esse grande grupo e o governador Antônio Carlos Magalhães para a construção da Linha Verde e também em um projeto turístico na região dá uma idéia da grande articulação que existe para a ocupação da região e que passa pela associação entre a indústria do turismo, a da construção civil, a imobiliária e as elites políticas baianas 10.

Em função da polarização de posições em torno de seu projeto, a

COPENER/NORCELL acatou uma sugestão apresentada pelo representante da FUNDIPESCA, logo após a 1ª Audiência Pública. Assim, foi constituida uma Comissão Popular que reuniu representantes dos agricultores, pescadores, fazendeiros, comerciantes, representantes das áreas da saúde, educação e do poder público, além dos representantes da NORCELL.

A Comissão reuniu-se durante doze meses. Na primeira reunião, realizada

em 27 de abril de 1988, foram definidos os objetivos de seu trabalho, conforme os itens descritos a seguir: 1) reflexão e procura da verdade com objetividade; 2) compreensão de todos os passos do processo industrial; 3) identificação e quantificação dos riscos do processo; 4) eliminação dos aspectos duvidosos; 5) busca de soluções dos problemas em benefício de toda comunidade; 6) Criação de instrumentos que possa manter bem informada toda a comunidade,

com isenção de paixões, das várias etapas do projeto celulose da COPENER,

10 Um exemplo típico desta articulação é o fato que a Odebrecht pretende construir um

resort na região de Sauípe, área na qual ela está atualmente criando o Parque Ecológico Porto Sauípe, com 1750 ha (conforme publicado na Folha de São Paulo, de 27/08/1994). De acordo com informações publicadas no jornal Gazeta Mercantil de 04 de fevereiro de 1997 (p. C-6), o projeto passou a ser denominado “Complexo Turístico Sauípe” e sua implementação custará o total de US$ 215 milhões. O projeto prevê a instalação de cinco hotéis e seis pousadas, num total de 1650 quartos, além de um campo de golfe com 18 buracos, uma academia de tênis com 24 quadras, um parque aquático e um centro hípico. Segundo a notícia citada, para a realização desses empreendimentos serão necessários apenas 171,9 ha, ”já que a maior parte das terras é área de proteção ambiental”. Para a instalação do “Complexo” está prevista a realização de obras de saneamento e fornecimento de água e energia elétrica por parte do governo baiano, no valor de US$ 22 milhões, ou cerca de 10,2% do valor total do projeto. Isso sem contar o valor já gasto com a construção da Linha Verde que, segundo o jornal, foi o que “tornou viável” o projeto. As perguntas que vêm à mente são as seguintes: por que o governo não investiu e nem investe esse montante para garantir a produção de alimentos e a permanência da população na terra ? Por que esses projetos turísticos são mais importantes ? Quem ganha - e o que ganha - com isso ?

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desde seus estudos iniciais até a execução de todas as decisões (ver COMISSÃO COMUNITÁRIA, 1989: 3).

Ora, por si sós esses objetivos demonstram o caráter ambíguo que esse

instrumento de ação possuía. De um lado, a Comissão permitiu que fosse aberto um espaço privilegiado para a negociação de aspectos importantes dos processos de planejamento e de implantação da fábrica, colocando alguns limites às intenções dos seus proprietários.

Por outro lado, no entanto, a Comissão reuniu adversários com condições e

forças desiguais para a luta; assim, à força da pressão popular e ao peso político de vários dos aliados do Movimento “Basta ao Reflorestamento”, a empresa contrapunha o acesso e o controle de informações privilegiadas e a influência direta sobre os órgãos do Executivo e do Legislativo baiano e federal. Com isso, a NORCELL pôde dirigir em boa parte o rumo do debate, fazendo com que as questões decisivas sobre o local da instalação, o controle da poluição e a expansão do reflorestamento fossem diluídas em meio a muitas outras discussões polêmicas e efetivamente pouco relevantes para reverter o processo de entrada da fábrica em operação.

Exemplo disso é o fato que a elaboração dos termos do documento final

publicado pela Comissão (ver COMISSÃO COMUNITÁRIA, 1989) não contou com a participação de pelo menos um dos seus principais articuladores, o padre André De Witte, da Pastoral Rural. Em função do que parece ter sido uma exclusão politicamente motivada, o representante da Pastoral divulgou junto com o livreto uma nota de esclarecimento, datada de 10 de abril de 1989 e que, entre outras observações, diz o seguinte:

Este relatório não menciona quantas pessoas da Comissão participaram do último debate e como o votaram. Por coincidência infeliz NÃO FUI CONVIDADO para esta reunião decisiva da Comissão, de 31/03/89. Não sei como CERTAS COLOCAÇÕES puderam passar. (...) No fim, isto e outros pontos menores, dão a impressão que a COMISSÃO se preocupa mais em ser “DA COPENER” do que “COMUNITÁRIO” e independente !!! Deixa fora ou ameniza as expressões das quais a empresa discorda ou não gosta !!! Achei um tropeço infeliz na caminhada tão valiosa da Comissão. Sabemos que a Comunidade é mais do que a Comissão que da primeira deve ser representativa e servidora !

Os pontos principais contidos no documento e criticados pelo padre foram os

relativos à identificação das terras do Litoral Norte como não propícias à agricultura e aos procedimentos quanto às denúncias feitas sobre as práticas da COPENER na região. Em ambos os casos, disse ele na nota de esclarecimento, o relatório final divulgado continha meias-verdades e omitiu o debate realizado.

Assim, um fator limitante dos trabalhos da Comissão foi que a empresa

buscou sugerir alguns representantes para participarem das discussões,

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observando o caráter democrático proposto por todos os participantes. No entanto, esse caráter tinha para a empresa uma função tática, pois possibilitou que eles pudessem influir diretamente no rumo dos trabalhos sem perder o apoio institucional dos membros da Comissão.

É importante ressaltar que a empresa optou em aceitar a Comissão por

causa disso representar a troca do fórum amplo por um restrito. De acordo com a análise de Torres Sampaio (1990), era interessante para a empresa adotar essa posição na medida em “que os setores mais mobilizados eram justamente aqueles que tinham uma postura crítica em relação ao projeto”.

Juntava-se a esse ponto a perspectiva da empresa em manipular a

Comissão, ocasionando uma desarticulação da organização atingida pela sociedade, que agora participava do debate de forma restrita através de seus "líderes". Este tipo de preocupação também foi levantado pelo então representante do Grupo Ambientalista da Bahia - GAMBA, que ressaltava a necessidade de serem ampliados os debates.

Quanto ao Estado, ele teve o papel de assessor da Comissão, participando apenas quando solicitado, não exercendo o seu papel de mediador ou de interventor político (ao menos dentro da Comissão e de forma explícita).

Em função de sua própria composição, das contradições existentes entre os

representantes da comunidade e da forma como foi negociada sua criação, a Comissão não teve a condição de agir como decisora quanto ao destino da fábrica, sendo apenas uma repassadora de informações. Ou seja, ela não tinha o caráter e menos ainda o poder de impedir a implantação da empresa na região. Conforme aponta Torres Sampaio (1990), a Comissão procurou "estabelecer condições para a implantação do empreendimento, procurando garantir do Estado o atendimento de algumas das reivindicações dos atingidos".

Em 10 de abril de 1989, após um ano de existência da Comissão, foi

realizada a segunda Audiência Pública, durante a qual foi liberada a Licença de Localização da fábrica. Mas o fato mais surpreendente que ocorreu simultaneamente a essa audiência foi que a NORCELL abandonou o projeto naquele momento, declarando falta de recursos financeiros. Com isso, foi também determinado o fim da Comissão Comunitária e de seu papel de representante da Comunidade.

Após 1989, com o fim desse mecanismo de representação, intensificaram-se

os debates entre as entidades que haviam se engajado no movimento “Basta ao Reflorestamento”. No novo contexto criado pela indefinição da empresa e do crescente acirramento das diferenças entre segmentos dos representantes do movimento social rural, uma nova questão passou a se apresentar como um canal importante para a redefinição da luta: a criação de um sindicato de trabalhadores assalariados rurais.

4.2. A Criação do SINDIFLORA

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Como já foi apresentado anteriormente, com a entrada do "reflorestamento"

na região, as condições de reprodução das formas sociais de trabalho, produção, propriedade e consumo sofreram significativas mudanças. Nesse processo, que levou a uma ainda maior concentração fundiária e à expulsão de muitos pequenos produtores rurais, uma das conseqüências mais negativas foi o aumento do número de trabalhadores assalariados.

No final de 1987, ano que foi marcado por uma mobilização expressiva da

população frente a esses problemas, realizou-se o 1º Seminário Ecológico de Entre Rios, que reuniu representantes da comunidade, da Prefeitura da cidade, da EMATERBA e dos STR da região. Um dos resultados atingidos pelo encontro foi uma moção em apoio aos trabalhadores da REFLORA, uma das firmas “reflorestadoras” atuantes na região.

O que motivou a manifestação foi um abaixo-assinado feito por 68

trabalhadores, em sua maioria mulheres, cujo intuito era o de conseguir os sábados livres, sem prejuízo para a empresa no cumprimento da carga horária semanal de 48 horas. As reivindicações apresentadas na moção pediam melhores condições de trabalho, principalmente no que se referia a:

1) falta de equipamentos protetores para manuseio de agrotóxicos e das

ferramentas de trabalho; 2) deficiência e insegurança no transporte da cidade para o local de trabalho; 3) falta de material de primeiros socorros para o atendimento dos constantes

acidentes de trabalho 4) desrespeito ao repouso remunerado, inclusive feriados nacionais; 5) carga de trabalho superior a 48 horas semanais.

Todos esses problemas relativos ao descumprimento da legislação estavam

presentes com freqüência em todas as empresas reflorestadoras atuantes na região, e eram bastante graves nas carvoeiras, principalmente no que se refere ao pagamento da produção.

No ano de 1988, a partir das discussões sobre a fábrica da NORCELL, várias

lideranças foram despertando para esses problemas e para o número crescente de trabalhadores assalariados que viviam em condições péssimas. A partir do STR de Esplanada, que havia sido recentemente criado, foi então formada uma Coordenação Sindical:

Depois veio aquilo que nós chamamos de equipe sindical, onde envolvia os sindicatos, nós levamos essa discussão para a equipe maior e lá nós tiramos uma comissão de cinco companheiros, um de cada sindicato, dos sindicatos mais, onde

tinha problemas com assalariados (Entrevista nº 09, abril de 1994). Em junho de 1989, aconteceu o VIII Encontro da Articulação Sindical da

região de Alagoinhas, cuja pauta voltou-se para a organização da Central Única

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dos Trabalhadores - CUT Regional, a luta contra o “reflorestamento” e o plano de desenvolvimento regional.

A percepção que se tinha em função da organização da CUT era que o

movimento sindical regional como um todo se fortaleceria, sendo necessário para tanto promover a filiação dos sindicatos locais à Central. Mesmo que esse objetivo tenha sido alcançado, ainda permanecia um problema: a excessiva vinculação do trabalho dos sindicatos existentes à questão da produção agrícola, devido à forte presença e trabalho desenvolvido pela Pastoral Rural. Além disso, a preocupação principal desses STR era a de garantir o acesso à terra.

Em 1990 foi realizado o 1º Seminário de Assalariados na região. Um 2º

Encontro deu-se em Inhambupe, no mês de setembro de 1992. Nesses dois fóruns, as discussões travadas por alguns dos presentes indicavam a necessidade de criação de um sindicato específico de assalariados rurais. Tal discussão foi orientada pela seguinte constatação: faltava reconhecimento aos STR por parte dos empregadores, os quais consideravam esses sindicatos ilegítimos para representarem os assalariados.

Não obstante, e apesar de todo o trabalho que passou a ser desenvolvido

por alguns sindicalistas, assessores do movimento e agentes pastorais, houve pressão contrária de outros agentes do mesmo "lado", que acreditavam que um sindicato específico da categoria de assalariados do reflorestamento provocaria uma perda de hegemonia dos STR na região. Na verdade, conforme nos disse um dos envolvidos nessa questão, em entrevista, "os sindicatos dos pequenos produtores sentiram isso como uma ameaça a eles" (conforme Entrevista nº 09, abril de 1994).

Em razão disso, passou a existir um clima de desconfiança mútua no trabalho, principalmente no envolvimento com a Pastoral Rural, que passou a ser uma espécie de fiel da balança entre os que queriam e lutavam pela criação do novo sindicato e aqueles que ou não queriam essa criação ou apenas não estavam dispostos a perder o apoio da Pastoral 11.

Em abril de 1993, em Esplanada, foi realizado o 2º Encontro de Assalariados,

cujo objetivo, definido no texto do Relatório final do Encontro era o de "Discutir com os representantes da CUT-BA a situação dos trabalhadores no reflorestamento e agroindústrias e o processo de construção do Sindicato Regional da categoria".

A partir desse Encontro foi deflagrado o processo final que levaria, quatro

meses mais tarde, à criação do Sindicato Regional dos Trabalhadores do Reflorestamento, da Agroindústria e do Carvoejamento - SINDIFLORA. Durante este tempo, aprofundou-se ainda mais a distância entre as concepções e a prática

11 É importante salientar que perder o apoio da Pastoral Rural significava perder o acesso

a recursos financeiros vindos do exterior e derivados de projetos de apoio obtidos pelos padres belgas.

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dos agentes contrários ao Sindicato de Assalariados e as dos seus fundadores e apoiadores. Essa diferença foi se tornando tão forte que provocou a saída de importantes quadros de dentro da Pastoral Rural, marcando de forma definitiva os rumos e estratégias do movimento rural da região.

Um dos trabalhadores fundadores do SINDIFLORA, em entrevista, narrou da

seguinte maneira o que aconteceu desde 1988, quando os membros e assessores do STR de Esplanada começaram

a fazer um trabalho com um grupo pequeno, a fazer um trabalho com assalariados. Pequenas empresas, em Esplanada. Depois, veio aquilo que nós chamamos de equipe sindical onde envolvia os sindicatos, nós levamos essa discussão pra equipe maior e lá nós tiramos uma comissão de cinco companheiros, um de cada sindicato, dos sindicatos mais onde tinha problema com assalariados. (...) A gente começou a discussão com as empresas, as questões do campo, a exploração, as dificuldades dos trabalhadores de transporte essa coisa toda. E aí as empresas começaram também a falar pra nós, diretores do Sindicato, que a gente não representava aquela categoria. Mas o objetivo do trabalho era exatamente esse, era a gente ir pegando os STRs, levando essa discussão, reivindicando alguns direitos e aquilo que não tava sendo cumprido. (...) E foi surgindo a idéia de fazer o processo mais rápido, de se fundar um Sindicato regional do reflorestamento e da agroindústria e do carvoejamento. E fomos fazendo essa discussão. Que o sindicato tinha que ser fundado em 90, depois de 90, 92, e finalmente a gente junto com um grupo grande, tomamos a decisão de fundar o sindicato em agosto de 93. (...) Os STRs, alguns deles deram apoio aberto mesmo, outros recuaram no sentido de não consentir. Mas foram poucos, 1 ou 2 sindicatos. Pessoas que estavam por trás que manipulavam. (...) Aí fundamos o Sindicato com um grande número de trabalhadores, tinha 600 e poucos trabalhadores na fundação. (...) Depois da fundação do SINDIFLORA nós começamos um trabalho de sindicalização, e o que tá atrapalhando um pouco o andamento do SINDIFLORA que não tá dando pra sindicalizar os [trabalhadores dos] empreiteiros, porque são pessoas que passam 2

meses na região, e volta ao seu município, a 200, 300 km (Entrevista nº 09, abril de 1993). Ao mesmo tempo, várias dificuldades materiais (inclusive financeiras) para a

manutenção do Sindicato e de seus fundadores - que iam sendo demitidos das empresas ou impedidos de se movimentar para as reuniões à medida em que eram descobertos - e a impossibilidade de constituição de uma assessoria permanente, geraram o aparecimento de alguns problemas para a sua consolidação. Um dos fundadores expressou essas dificuldades da seguinte maneira:

Agora, você pega um SINDIFLORA hoje, ele tem pra trabalhar mesmo 11 municípios, você imagine. Você pega o município de Inhambupe, que é forno pra caramba, a SIBRA é grande, planta muito eucalipto, depois você volta pra Entre Rios, que é a REFLORA. Você pega Entre Rios ali pertinho pro R-10, por dentro daqueles matos aí, então você não consegue dar conta. E a REFLORA ela vai até Pojuca que é outra cidade que vocês vão passar e vão ver. Então pra direção dar conta era preciso que tivesse pelo menos una 10 diretores liberados, da empresa

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mesmo. (...) a gente tem que exigir que a empresa libere o cara; mas a empresa se libera o cara, ela não remunera o cara, entendeu ? Quando a empresa libera, você só tem seu emprego garantido de volta. Vence seu mandato e volta pra trabalhar, aconteceu comigo. Exigiram isso de mim, mas eu não ia aceitar isso, porque como é que eu ia sobreviver? Pagaram meus tempos direitinho, tudo bem. (...) Quando nós paramos lá na Duraflora, a primeira coisa que fizeram foi me mandar embora. O sindicato naquela época não tinha um advogado que brigasse; vamos discutir estabilidade, entrar na justiça, não houve. Hoje esses diretores, nós mandamos ofício quando quer que libere um companheiro um dia a gente consegue. Manda segunda, pro companheiro vir sexta-feira pro sindicato, aí as empresas aceitam

(Entrevista nº 09, abril de 1993). Mesmo assim, a partir do momento em que foi criado, o SINDIFLORA deu

ânimo novo para o movimento dos trabalhadores, principalmente porque daquele momento em diante as empresas atuantes na região teriam alguém para fiscalizar suas práticas exorbitantes de exploração. Assim, o principal problema que tomou conta das primeiras ações do Sindicato foi o da terceirização.

No Litoral Norte, assim como em todas as regiões do país em que as

atividades de exploração florestal tem se expandido utilizando a contratação de trabalhadores por meio de empreiteiras, essa terceirização dificulta - quando não impede totalmente - o trabalho de formação e sindicalização. De acordo com um dos diretores do SINDIFLORA que foi entrevistado, então, "O complicado é você sindicalizar o cara que trabalha com empreiteira. Você tem contato com ele hoje, amanhã você não vê mais, entendeu ? Então tá assim, um pouco difícil a questão da sindicalização" (Entrevista nº 09, abril de 1994).

O problema com este tipo de modalidade de organização do trabalho é que

os responsáveis pela contratação dos trabalhadores não se preocupam em absoluto com o mínimo cumprimento da legislação trabalhista. Isso resulta do fato destes empregados serem analfabetos e serem trazidos de regiões às vezes muito distantes onde não encontram emprego e onde as condições de vida são miseráveis. Para se ter uma idéia, o descaso para com os trabalhadores por parte dos empreiteiros - os "gatos" - é tão grande que não se consegue obter sequer o nome completo dos seus "contratados", conforme relatou o mesmo entrevistado (Entrevista nº 09, abril de 1994):

eu fui pegar uma lista agora essa semana da mão de um gato que tinha lá, ele me deu só os nomes dos caras sem sobrenome; não sabia: era Chico, era João, era Manuel. Só dizia assim: - “Esse é o meu povo, os meus trabalhadores que eu trouxe, meus amigos”. É que os caras não tem mesmo um nome, eles pegam lá e traz. Uma outra dificuldade do trabalho do Sindicato reside no fato que as

empreiteiras relutam em regularizar a situação, em assinar a carteira, em garantir o acesso do trabalhador a condições de segurança e conforto etc.

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Mas além disso tudo, as empresas são responsáveis pela criação e manutenção de formas de controle e exploração do trabalhador que geram a escravidão por dívidas contraídas com a própria empresa. É comum na região a existência de "mercearias", chamadas "cai-duro" pelos trabalhadores, nas quais são vendidos produtos por preços nunca conhecidos pelos compradores e muitas vezes superiores aos praticados em qualquer outro lugar dentro da mesma cidade. Em uma entrevista realizada com um trabalhador de uma destas empresas, ficou evidente quão violenta tem sido esta forma de exploração do trabalhador:

Pergunta: Já trabalhou na madeira em outro lugar ? Resposta: Não, só aqui mesmo. Na Solum mesmo. Pergunta: Tá gostando ? Resposta: Mais ou menos. Dá prá, dá prá livrar, né? Alguma coisa. Pergunta: E o salário que você ganha aqui ? Resposta: O salário não, tá pouco. O que nós ganhamos aqui não dá pra comer. Só o "cai-duro" come tudo. Pergunta: "Cai-duro". Preço alto, é ? Resposta: Preço alto. A mercadoria de dez ele vende por vinte, vende por trinta, os de cinqüenta vende por setenta, então nós compramos duzentos, ganha cem no dia, compramos duzentos, não tem condição nunca de ter saldo, né ? Só prejuízo. É isso mesmo, não temos segurança, nem de trabalho não temos, falta de higiene, limpeza, organização, tudo desarrumado, é barbeiro, muitos insetos, cobras perigosas que tem muitas aí, né ? É isso mesmo, tem que viver como Deus quer, né

? Não tem condições (Entrevista nº 03, maio de 1993). Esses escravos modernos, trabalhadores que trocam sua força de trabalho

por alimentação e alojamento, enfim, que trabalham apenas para sobreviver, são uma realidade nos fornos de carvão por toda a região. Essa situação existe, inclusive, em empresas grandes como a FERBASA, a SOLUM (que opera na fazenda da COPENER), SIBRA etc. que utilizam também trabalho infantil (conforme publicado em A Tarde, de 25/05/1993).

Tendo em vista esse conjunto de questões e dado o acirramento dos

conflitos entre os trabalhadores e os “gatos”, principalmente, o SINDIFLORA iniciou sua ação sindical com a organização de greves por empresa. A fala do presidente do Sindicato sobre essa experiência é expressiva das motivações, das dificuldades e das limitações envolvidas no tipo de ação proposta pelos trabalhadores organizados: a primeira paralisação, em novembro de 1993, foi feita

porque o alojamento que os trabalhadores estavam dormindo era um alojamento terrível, era um chiqueiro assim, parecendo de porco. Vaso sanitário quebrado, lama dentro dos banheiros, uma coisa terrível. E o transporte que tava transportando o pessoal até o local de trabalho também era terrível. Então a gente chegamos pro pessoal, e conversamos com eles. Além do alojamento ruim tinha outras coisas, questão do salário, da produção, que era muito alta a produção [para atingir o salário mínimo]. E nós conversamos com os companheiros e eles decidiram que no dia seguinte ninguém ia trabalhar. Reunimos umas 5 h de tarde, e no dia seguinte fizemos uma pauta de reivindicação, que quase que não é reivindicação porque os caras não estão cumprindo com o que tá na lei. Então era exatamente para cumprir

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o que tá na lei. Nós paramos 1 dia, entendeu ? Não aceitamos negociar com os gatos, eles queriam negociar e nós não queremos negociar com eles. Esperamos que a empresa [a COPENER] mandasse um diretor dele pra negociar com a gente. (...) [A segunda greve, realizada em março de 1994] nós decidimos diferente, nós paramos na segunda feira, que era pra chamar os empresários atenção, e tomamos a decisão que a gente pararia ou quarta-feira ou quinta-feira, e deixamos certo pra os caras não tirar os trabalhadores do local de trabalho. Quando foi na quinta-feira nós paramos com mais determinação, porque nós bloqueamos as estradas. Jogamos madeira, bloqueamos a estrada, madeira não saiu, trator não saiu, os encarregados ficou também lá preso. Dois caminhões fugiram por um lugar onde nós não conseguimos tapar, os caras saíram pelo fundo, levaram mais ou menos uns 20 trabalhadores com eles. E a grande maioria ficou com a gente. Isso na quinta-feira o dia inteiro, e os empresários chegou pra negociar com a gente e eles queriam o seguinte: se a gente tirasse a madeira da estrada eles negociavam, se não retirasse não tinha negociação. Então tomamos a decisão: não, vamos negociar com as estradas bloqueadas e não abrir. Só abre depois que a negociação sair, com as garantias que nós estamos exigindo, né? Quando foi 3 horas da tarde, 3 e meia, os caras chegaram. Mandaram recado que a gente podia ir até o escritório da empresa, pra gente negociar. (...) Aí conversamos, saímos do escritório, nós exigimos que saísse do escritório e fosse até o alojamento ver a situação, que a gente não queria discutir sem eles ver aquela situação de miséria, do pessoal dormindo no chão, em cima de papelão. Aí fomos até os alojamentos em Esplanada, mostramos vários galpões maior do que isso aqui, que criou galinha, era uma granja de criatório de galinha, tudo podre, onde o pessoal não tinha lugar de fazer serviço, nada. Tava todo rodeado de sujeira, sabe? A água mesmo era uma coisa terrível, os caras cavou um buraco, puseram um plástico, uma lona preta dentro do buraco, e aquela água que minava ali, é que eles bebiam, tomavam

banho. Uma situação da peste mesmo (Entrevista nº 09, abril de 1994). Diante dessa situação, o que se pode dizer é que se a atuação do

SINDIFLORA introduziu um novo elemento na dinâmica das disputas sociais no Litoral Norte, ela também foi prejudicada pela forma como se deu o envolvimento de seus membros nessa dinâmica. Ou seja, sem condições financeiras, sem apoio expressivo das demais forças sociais locais, sem assessoria jurídica eficaz e sem condições de impor a liberação total de seus membros, a Diretoria do SINDIFLORA passou a ter graves problemas de manter-se como um conjunto capaz de organizar os trabalhadores.

Essa dificuldade tornou-se ainda maior quando se sabe que esses mesmos

assalariados estão sendo transferidos cada vez mais para empreiteiras, o que impede bastante o contato deles com o Sindicato, dadas as condições de trabalho já anteriormente descritas.

Adicionalmente, deve-se levar em consideração que as barreiras expressivas

à organização das lutas populares que hoje existem no Litoral Norte não se restringe aos sindicatos rurais. Elas envolvem também várias entidades populares que se posicionam contrariamente às formas perversas assumidas pela modernização agroindustrial e turística na região. A estrutura de poder local do estado da Bahia, auxiliada pela ineficiência e pela ausência de políticas públicas

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voltadas para o fortalecimento da pequena produção e das alternativas populares de organização da produção e do consumo, impõem limites muito severos para o fortalecimento dessas entidades.

Portanto, partindo da observação sobre a realidade da região, pode-se dizer

que todas as dificuldades existentes para a construção de um modelo de desenvolvimento adaptado às necessidades da população do Litoral Norte resultaram da combinação de dois fatores, a saber: 1º) a articulação que se estabeleceu entre as empresas reflorestadoras e o

Estado; 2º) a fragilidade das organizações e das ações populares no enfrentamento dessa

articulação. A criação do SINDIFLORA poderia ter constituído, porém, o elemento que

permitiria a modificação dessa segunda condição, se ele tivesse conseguido resgatar os elementos positivos que foram lançados e estavam presentes no movimento “Basta ao Reflorestamento”. Esses ingredientes, mesmo que revelassem uma incipiente composição organizativa, foram os que, ao longo dos últimos dez anos, geraram possibilidades extremamente positivas no tocante à construção de alternativas aos projetos “modernizantes” impostos ao Litoral Norte.

É possível fazer essa conclusão a respeito do SINDIFLORA porque o seu

surgimento foi o resultado de um duplo processo, marcado pela: a) construção da identidade dos trabalhadores assalariados rurais, já destituídos da sua anterior condição de produtores e proprietários rurais e b) afirmação de um "movimento" de negação do projeto de desenvolvimento centrado no plantio de madeira como substituto da atividade agrícola, notadamente a de pequena produção.

A questão que se coloca, no entanto, é a de saber até que ponto essa dupla

determinação passou a existir como algo concreto para aqueles sujeitos diretamente "atingidos" por essa “modernidade” representada pelos maciços homogêneos. Ou seja, até que ponto a criação do SINDIFLORA revelou - e ainda revela - uma ação consciente da massa de trabalhadores a respeito do seu presente e do seu futuro ?

Em continuação à essa questão, pode-se também perguntar até que ponto a

constituição de mais esse ator representativo dos interesses dos "excluídos" da região estabeleceu ou ampliou as bases da articulação social necessária para a construção de um novo modelo de desenvolvimento, ambientalmente sustentável e socialmente justo ? E até que ponto ele ainda o faz, no atual momento ?

Essas são questões que parecem estar na base da própria "crise" que hoje

acomete o movimento na região, inclusive o novo sindicato, que deixou de funcionar efetivamente desde o ano de 1995. Os problemas de organização e representação de uma categoria completamente destituída de seus direitos mais elementares, aliados às demandas conflitantes acerca da defesa de uma outra

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modalidade de desenvolvimento parecem ter colocado os atores do Litoral Norte numa posição de Davi contra Golias.

Assim, e ao que tudo indica, as fragilidades existentes só poderão ser

derrotadas pelas próprias ações dos sujeitos sociais que vêem procurando resgatar sua história. A esperança fica depositada, pois, na capacidade deles em definir qual serão as ferramentas adequadas a serem usadas.

Page 73: 1997 RELATORIO Fracos e Avessos

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GLOSSÁRIO Agricultura “Moderna” e Agricultura “Atrasada”: Essas são as designações

com as quais o Estado, os empresários e os pesquisadores vinculados às empresas privadas agro-industriais tratam os dois modelos de organização da produção agropecuária. A primeira é a agricultura das empresas rurais, utilizadora de insumos modernos e voltada para atender o mercado nacional ou internacional. A segunda é a agricultura praticada pelos pequenos produtores, que não utlizam as técnicas “modernas” e produzem para subsistência e para o abastecimento de suas comunidades locais.

Áreas de Fronteira: É a denominação que se dá àquelas áreas que não formam

parte do território econômica e populacionalmente ocupado e que fazem parte do território nacional. Em termos do modelo de desenvolvimento da agricultura adotado no Brasil, a fronteira agrícola foi definida como sendo composta pelas regiões amazônica e dos cerrados, principalmente no Centro-Oeste e no norte de Minas Gerais.

Celulose: Composto básico dos vegetais, é uma fibra que forma as estruturas

lenhosas das plantas. No caso da economia, é o nome normalmente utilizado para designar a pasta de celulose, que é uma das matérias-primas básicas para a produção de todos os tipos de papel. Sua obtenção dá-se, basicamente, através do desfibramento de espécies vegetais por intermédio de processos mecânicos, químicos ou pela combinação de ambos.

Complexo Petroquímico: Denominação dada ao conjunto de empresas

produtoras de produtos químicos derivados do petróleo, desde combustíveis até plásticos. A maior parte desses produtos é utilizada como matérias-primas na fabricação de outras mercadorias por outros tipos de indústrias. Na Bahia, o Pólo Petroquímico de Camaçari é um exemplo desse tipo de complexo.

Corporativismo Sindical: A formação do sindicalismo no Brasil, desde os anos

30, obedeceu ao princípio corporativista que, em suma, baseia-se na organização dos interesses sociais de trabalhadores ou de empresários com base no reconhecimento e autorização concedidos pelo Estado. De acordo com esse princípio, os conflitos sociais devem e podem ser resolvidos no âmbito de um acordo entre as partes, acordo esse que é tutelado pelo Estado, ao qual cabe confirmar ou não as decisões tomadas pela sociedade.

Desenvolvimento Sustentável: De acordo com Shiva (1991), o desenvolvimento

sustentável é definido como um estado no qual os processos de produção de mercadorias não podem se expandir às custas da estabilidade da natureza. Nesse sentido, a conservação dos recursos

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deve ser tomada como um fim em si mesma e tem que ser, portanto, a base para a produção e a troca. O desenvolvimento sustentável, pois, é um processo no qual a sociedade crie formas de produção que, garantindo a prosperidade para a vida humana, não destrua a diversidade e a complexidade dos sistemas ecológicos que sustentam a vida (ver também Sachs, 1993).

Essências Exóticas: Nome utilizado pela Ciência Florestal ou pela Engenharia

Florestal para indicar as espécies florestais que não são nativas de um país ou região

Idéias Conservacionistas: Esse termo designa o conjunto de idéias e práticas

que foram e são utilizadas para promover a utilização racional e planejada dos recursos naturais como a água, o ar, as florestas e o solo.

Insumos: Compreendem o conjunto de fatores de produção, como matérias-

primas, energia, horas trabalhadas pelos trabalhadores etc. e que são utilizadas na produção de uma mercadoria, seja ela um bem ou um serviço.

Preços Mínimos: São os preços garantidos pelo governo para determinados

produtos agrícolas considerados básicos (como arroz, feijão e milho) e que servem de referência para a sua comercialização. Como política, a adoção de preços mínimos serve como uma garantia de renda para os agricultores, já que a produção agrícola está sujeita a uma série de problemas naturais e muitas vezes os produtores tem que se sujeitar a um mercado dominado por poucos ou um só comprador, que dita os preços.

Produtividade: Relação entre a quantidade produzida de um determinada

mercadoria e a quantidade de insumos, normalmente horas trabalhadas, requerida para a produção. A produtividade indica, assim, o grau ou o índice de aproveitamento de insumos tendo em vista as condições técnicas da produção.

Proletarização: Processo social pelo qual sujeitos livres perdem sua condição e

transformam-se em proletários, isso é, indivíduos que dependem do assalariamento para garantir a sua reprodução individual e social.

Silvicultura: Nome que se dá à cultura de espécies florestais ou, ainda, à ciência

que estuda o cultivo e a exploração de florestas.

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ANEXO

MAPA TERRITORIAL DA REGIÃO LITORAL NORTE DA BAHIA

Fonte: BAHIA (1994a)

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RELAÇÃO DAS ENTREVISTAS CITADAS NOS CAPÍTULOS 3 e 4

Nº Da Entrevista

Entrevistados Datas Arquivos

Dona Maria e Morador de Subaúma-Mirim sem data ??

Dona Lita e moradores de Cardoso, Esplanada

Maio de 93 CARDOSO

Epídio José, peão da Solum Maio de 1993 SOLUM

Luis + Cipriano, em Inhambupe Julho de 1993 HISTORIA

Edite + Seu André + D. Justina Outubro de 1993 APORÁ

Moradores da Comunidade de Catuzinho Novembro/ 1993 ??

Wellington Régis, Alagoinhas Março de 1994 WELLINTO

Adriano Abril de 1994 ADRIANO

Elionaldo Julho de 94 ELIONALD

Antônio Nascimento, da Copener Florestal Julho de 1994 NASCCOPE

Ellen Bush, em Belo Horizonte Setembro/ 1996 não digit.