1ª. edição - CGU

Embed Size (px)

Citation preview

Controladoria-Geral da Unio

Revista da CGU

Braslia, DF 2006

Jorge Hage Ministro de Estado do Controle e da Transparncia Luiz Navarro de Britto Filho Secretrio-Executivo da Controladoria-Geral da Unio Valdir Agapito Teixeira Secretrio Federal de Controle Interno Eliana Pinto Ouvidora-Geral da Unio Marcelo Neves da Rocha Corregedor-Geral da Unio Virgnia Charpinel Junger Cestari Secretria de Preveno da Corrupo e Informaes Estratgicas

A Revista da CGU editada pela Controladoria-Geral da UnioTiragem: 1.000 exemplares Periodicidade: semestral Distribuio gratuita Permitida a reproduo parcial ou total desta obra desde que citada a fonte. O contedo e a opinio dos artigos assinados no so de responsabilidade da CGU, mas sim de seus respectivos autores. Projeto grfico, diagramao e arte: Via BrasliaCatalogao na fonte: Eliane Maria de Medeiros e Silva CRB-1 regio/ 1678

Revista da CGU./ Presidncia da Repblica, Controladoria-Geral da Unio. - Ano 1, n. 1, 2006. Braslia: CGU, 2006. Coletnea de artigos. 1.Auditoria pblica. I. Controladoria-Geral da Unio. CDD 352.17

S

umrio

Editorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .5 Apresentao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .7 possvel evitar a corrupo? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9 O controle das parcerias pblico-privadas pelo Tribunal de Contas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .16 A Comunidade Internacional e a corrupo transnacional: razes para combater a corrupo . . . . . . . . . . . . . . . . . .43 Uma longa histria de corrupo: dos anes s sanguessugas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .61 Sistema Nacional de Ouvidorias do poder executivo federal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .77 Emendas Oramentrias Individuais: "Pork Barrel" brasileiros? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .86 Corrupo e crescimento econmico . . . . . . . . . . . . . . . . .103 Percepes pantanosas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .117

Prezados leitores,

ERevista da CGU

ditorial

O fenmeno da corrupo afeta praticamente todos os pases do mundo, e o debate sobre os mecanismos para sua preveno, represso e controle vemse ampliando e mobilizando tanto instituies pblicas quanto entidades privadas, em fruns nacionais e internacionais. No intuito de contribuir para o aprofundamento dessa discusso, a Controladoria-Geral da Unio anuncia, com muita satisfao, a criao da Revista da CGU. Com a publicao, a CGU d mais um passo no sentido de consolidar essa nova linha de atuao integrada, que aborda o fenmeno da corrupo por todos os seus ngulos preventivo, de controle e de persecusso administrativa e criminal , em lugar da nfase tradicionalmente posta apenas em medidas de carter repressivo. A publicao se prope a veicular trabalhos cientficos relativos a auditoria, fiscalizao, ouvidoria, correio, preveno e combate corrupo, produzidos por servidores da prpria Controladoria, por servidores de outros rgos do Governo e por colaboradores de diversas reas de atividade, acadmica, governamental e da sociedade civil. Alm desses trabalhos, o leitor pode encontrar na Revista da CGU doutrina especializada e sees de legislao e jurisprudncia sobre temas relacionados ao seu foco central. Excepcionalmente, no entanto, devido ao grande volume de contribuies dos nossos servidores, acumuladas espera de oportunidade de divulgao, o que revela a intensidade da produo intelectual sobre o tema, esta primeira edio composta, exclusivamente, de artigos tcnico-cientficos. A comunidade internacional e a corrupo transnacional, o controle das parcerias pblico-privadas pelo Tribunal de Contas da Unio, o incremento da transparncia pblica, a regulamentao dos conflitos de interesses e outras5

medidas preventivas da corrupo, alm da anlise da atuao da prpria Controladoria-Geral da Unio, so alguns dos assuntos abordados nesta primeira edio, que certamente instigaro a reflexo do leitor. Com isso, a Controladoria espera contribuir para o incremento do debate e aproveita a comemorao do Dia Internacional contra a Corrupo, celebrado em 09 de dezembro, para, com muita honra, apresentar ao pblico a primeira edio da Revista da CGU. Jorge Hage Sobrinho Ministro do Controle e da Transparncia

Revista da CGU

6

A

presentao

A luta contra a corrupo e o rigor no controle dos gastos pblicos, para a constatao da aplicao correta desses recursos, so duas marcas essenciais do atual governo brasileiro. Esse trabalho orientado pela ao articulada e intercomplementar entre diversos organismos do Estado e pelo incentivo participao da sociedade no controle sobre a aplicao dos recursos pblicos. Criada em janeiro de 2003, com atribuies definidas pela Lei n 10.683, de 28 de maio de 2003, a Controladoria-Geral da Unio (CGU) tem por misso a defesa do patrimnio pblico e o combate aos desvios e desperdcios de recursos pblicos federais. Sua atuao se faz mediante a realizao de auditorias, fiscalizaes, anlise e apurao de denncias, implementao de polticas de preveno corrupo e de promoo da transparncia. Sua estrutura conta com a Secretaria Federal de Controle Interno, a Ouvidoria-Geral da Unio, a Corregedoria-Geral da Unio, a Secretaria de Preveno da Corrupo e Informaes Estratgicas, e o Conselho de Transparncia Pblica e Combate Corrupo. A CGU trabalha de forma articulada com outras instituies relacionadas ao enfrentamento da corrupo. Atua em articulao com o Tribunal de Contas da Unio e em parceria com o Ministrio Pblico da Unio, a Advocacia-Geral da Unio, o Conselho de Controle das Atividades Financeiras, a Polcia Federal, a Secretaria Nacional de Justia, a Secretaria da Receita Federal, entre outras instituies. Com o objetivo de aprofundar a discusso sobre o combate corrupo e fortalecer o trabalho integrado entre os diversos atores envolvidos, a Controladoria-Geral da Unio cria a Revista da CGU. Com a publicao deste peridico, a Controladoria refora uma das aes mais importantes de sua atuao a preveno da corrupo e fornece sociedade mais um instrumento para vencer esse desafio.Revista da CGU

7

possvel evitar a corrupo?Jorge Hage, Ministro de Estado do Controle e da Transparncia

O debate internacional sobre o fenmeno da corrupo, que afeta praticamente todos os pases do mundo e, sem distino, tanto instituies pblicas quanto corporaes privadas, tem-se concentrado, cada vez mais, no campo das medidas preventivas, em lugar da nfase tradicionalmente posta apenas naquelas de carter repressivo. Isso ocorre porque se reconhece hoje que a punio depois de consumado o fato ilcito no suficiente para impedir sua repetio, muito embora no se deva minimizar a importncia do efeito exemplar da sano dura e tempestiva. No por outra razo que as convenes internacionais contra a corrupo dentre elas a Conveno Interamericana, de 1996, incorporada ao nosso direito interno em 07 de novembro de 2002, pelo Decreto 4.410, e a das Naes Unidas, de 2003, promulgada aqui h poucos meses pem toda sua nfase na adoo, pelos pases signatrios, de medidas preventivas, reconhecidas, cada vez mais, como o caminho adequado para atacar as razes do problema que hoje atormenta o mundo. O tema reuniu, em setembro deste ano, em So Petersburgo, naRevista da CGU

Rssia, sob os auspcios da ONU, delegados e especialistas de cerca de 50 pases (inclusive o Brasil), para discutir exatamente medidas de preveno da corrupo; e, em outubro, na Repblica da China, cerca de cinco mil pessoas de todo o mundo se juntaram em outra grande conferncia a respeito.

9

Na China, as penas

para o crime de corrupo chegam at pena de morte; entretanto, melhorou

nem por isso, a situao

Fao aqui um ligeiro registro, bastante ilustrativo: na China, as penas para o crime de corrupo chegam at pena de morte; entretanto, nem por isso, a situao melhorou, e a corrupo l tida como um dos maiores problemas nacionais; uma das razes apontadas para isso vem a ser justamente a ausncia de medidas de natureza preventiva, inclusive daquelas associadas ao incremento da transparncia pblica, rea em que o pas gigante do leste, por razes bvias, ainda no progrediu tanto quanto em outros aspectos.

Por isso mesmo, tivemos a satisfao de receber recentemente, na Controladoria-Geral da Unio (CGU), uma delegao chinesa que veio conhecer o nosso Portal da Transparncia, hoje referncia internacional na matria. O campo das medidas preventivas , evidentemente, muito vasto, e comporta iniciativas e providncias de naturezas as mais diversas, nem todas elas, certo, ao alcance de uma instituio especfica, como a Controladoria-Geral da Unio, nem mesmo ao alcance do Poder Executivo, por seus prprios meios.

tradies e culturas de outra ordem, como aquelas relativas ao dogma dos sigilos bancrio, fiscal e telefnico, muitas vezes utilizados, entre ns, para proteger a fraude, o desvio e o enriquecimento ilcito, enfim, para proteger criminosos e corruptos, e no para preservar a privacidade legtima do cidado de bem. Se tudo isso de difcil alterao, no deve ser, porm, motivo para que no se procure avanar onde e at onde for possvel. o que temos feito na CGU, nesses quatro anos do primeiro mandato do governo do Presidente Luiz Incio Lula da Silva, inaugurando, no Pas, uma linha de atuao governamental consistente e sem precedentes no campo das medidas preventivas, capazes de assentar as bases para reduzir o problema da corrupo, e dando, ao mesmo tempo, cumprimento aos compromissos assumidos pelo Brasil nos acordos internacionais acima mencionados. Esse cardpio de medidas preventivas iniciou-se com a construo e o lanamento do Portal da Transparncia, stio na Internet, que apresenta a destinao dos recursos pblicos de maneira detalhada e simples, com o foco em quem recebeu o recurso pblico, com os valores e a finalidades da destinao, identificando-os por meio do CPF, CNPJ, NIS etc, estimulando o controle social e o fortalecimento da cidadania. A lgica de comear por ele corresponde ao nosso entendimento de que10

Os sigilos bancrio, e telefnico muitas vezes so utilizados entre ns para proteger a fraude, o desvio e o enriquecimento ilcito

Refiro-me, por exemplo, a medidas como a necessria reforma poltico-partidria e eleitoral, com a necessria emenda constitucional que toque em questes de fundo como o voto proporcional em listas, a fidelidade partidria e o financiamento pblico exclusivo de partidos e de campanhas, para citar apenas as mais evidentemente relacionadas com a corrupo. Quero reportar-me, tambm, necessidade de alterarem-se normas,Revista da CGU

o primeiro e melhor antdoto para as prticas mprobas e ilcitas exatamente a "luz do sol", a visibilidade plena, a publicidade e a transparncia maior possvel dos atos praticados nos rgos pblicos, sobretudo aqueles relativos execuo das despesas pblicas, e tudo o mais que seja a elas relacionado contratos, licitaes, convnios, pagamentos etc. O segundo passo, nessa mesma direo, foi a criao das Pginas de Transparncia Pblica de cada ministrio e entidade da administrao indireta autarquias, fundaes, empresas pblicas e sociedades de economia mista que hoje exibem, em seus sites, detalhes ainda maiores que o Portal, sobre todos os seus gastos, licitaes e contrataes. Em outra ordem de iniciativas, foi lanado pela Controladoria, em 2003, sob a inspirao do ento Ministro Waldir Pires, o Programa de Fiscalizao, mediante sorteios pblicos, dos recursos federais aplicados nos Municpios, com o objetivo expresso de inibir a corrupo, pela dissuaso que resulta da possibilidade, sempre presente, para o gestor, de ser ele o prximo sorteado para ser fiscalizado. Paralelamente, esse mesmo projeto foi capaz de produzir um outro efeito da maior importncia no campo da preveno, qual seja, o de despertar e estimular a participao social, dos cidados, para a fiscalizao e o controle sobre os administradores do dinheiro pblico.Revista da CGU

J em outra esfera, integram esse conjunto de iniciativas de vis claramente preventivo medidas legislativas que foram propostas pela Controladoria, dentre as quais vale destacar os Projetos de Lei sobre Enriquecimento Ilcito e sobre Conflito de Interesses.

O primeiro e melhor antdoto para as prticas mprobas e ilcitas exatamente a "luz do sol", a visibilidade plena, a publicidade e a transparncia

O primeiro prope tipificar como crime, no Cdigo Penal Brasileiro, com pena de recluso de 3 a 8 anos, o enriquecimento de agentes pblicos em montante desproporcional aos seus vencimentos, e que no seja explicado por outras fontes legtimas de renda. O projeto de lei encontra-se no Congresso Nacional desde julho de 2005. O segundo, o Projeto de Lei sobre Conflito de Interesses, foi encaminhado recentemente pelo Presidente da Repblica, define, regula e estabelece formas de preveno e fiscalizao de tais conflitos, isto , do choque entre as responsabilidades pblicas e o interesse pessoal de um agente pblico, que ocorre quando os interesses pessoais do agente possam influenciar indevidamente o desempenho dos seus deveres funcionais. Modernamente, novas e mais complexas formas de relaes entre o

11

pblico e o privado tm aumentado o espectro de possibilidades desses conflitos, em todos os pases, especialmente naqueles mais desenvolvidos. Por isso, a preocupao crescente com o tema e sua incluso em todos os fruns internacionais em que se discutem aes contra a corrupo.

Novas e mais complexas formas de relaes entre o pblico e o privado tm aumentado o espectro de possibilidades dos conflitos de interesses

Sendo impossvel, como de fato , identificar previamente todas as hipteses de conflito que podem surgir, para simplesmente proibi-las todas, o que os pases fazem procurar identificar os pontos de maior risco e adotar medidas e procedimentos capazes de localizar antecipadamente os casos em que os conflitos podem ocorrer, para evit-los, e, quando isso no for possvel, tomar medidas para elimin-los rapidamente, aplicando as sanes devidas, quando for o caso. O projeto do governo brasileiro dispe sobre conflito de interesses no exerccio de cargo ou emprego no Poder Executivo e sobre impedimentos posteriores ao exerccio da funo pblica. Depois de elaborado pela CGU, foi ele amplamente debatido no mbito do Conselho daRevista da CGU

Transparncia Pblica, onde esto representadas dez entidades da sociedade civil (dentre elas a OAB, a ABI, a Transparncia Brasil, a CNBB, a Abong, o Instituto Ethos e entidades de trabalhadores e patronais), ao lado de outros tantos rgos pblicos, como o Ministrio Pblico, o TCU, a Comisso de tica Pblica e os Ministrios do Planejamento, Fazenda, Justia, Relaes Exteriores, Casa Civil e AGU. Em seguida, o projeto foi, ainda, submetido consulta pblica e recebeu vrias sugestes de cidados e entidades, chegando, ento, a sua forma final, encaminhada pelo Presidente ao Congresso. Ele estabelece requisitos e restries aos ocupantes de cargos ou empregos pblicos que tenham acesso a informaes privilegiadas, de modo a evitar seu uso em proveito prprio ou de terceiros; dispe sobre impedimentos durante e aps o exerccio de funes pblicas; define as competncias para a fiscalizao e avaliao de conflitos de interesse e estabelece as sanes para o caso de infrao. Entre os impedimentos previstos no projeto para os ocupantes de cargos ou empregos, inclusive em gozo de licena ou em perodo de afastamento, esto: exercer atividade que implique a prestao de servios ou a manuteno de relao de negcio com pessoa ou empresa que tenha interesse em deciso sua ou de colegiado do qual participe; prestar servios a empresa cuja atividade seja regulada ou fisca-lizada pelo rgo a que pertena o agente.12

J os impedimentos para ocupantes de cargos depois que deixam a funo incluem, entre outros, a ve-dao, por um perodo de um ano, a contar da data da exonerao ou aposentadoria, de prestar qualquer tipo de servio a pessoa fsica ou jurdica com quem tenham estabelecido relacionamento em razo do cargo exercido.

No ser devida qualquer remunerao compensatria, no perodo da quarentena, a servidores que tenham vnculo permanente com o servio pblico ou que se aposentem

em quarentena, at os que pensam exatamente o contrrio. O mesmo ocorre com respeito aos prazos. E a experincia internacional , tambm, a mais variada possvel. Assim, como era de se esperar, as primeiras verses do anteprojeto receberam crticas diametralmente conflitantes entre si, inspiradas em opinies as mais contraditrias. E, no final, como ocorre sempre que se exercita a boa prtica democrtica, encontrou-se uma soluo equilibrada, que satisfaz em parte a todos e, integralmente, s ao interesse coletivo. A CGU e a Comisso de tica Pblica ficaro responsveis pela fiscalizao e avaliao da ocorrncia de conflitos, cabendo a elas definir circunstncias que objetivem prevenir ou impedir eventual conflito; responder a consultas sobre o tema e auto-rizar o ocupante a exercer atividade privada, quando no houver conflito. Uma vez aprovado o projeto, devero submeter-se nova lei os ocupantes de cargos de ministro de Estado, secretrios-executivos e outros de natureza especial ou equivalente; presidentes ou diretores de autarquias, fundaes pblicas, empresas pblicas ou sociedades de economia mista e cargos do grupo DAS nveis 6 e 5. Alm disso, as normas se aplicaro tambm a ocupantes de cargos efetivos em reas que permitam acesso a informaes privilegiadas capazes de representar vantagem econmica ou financeira.

Cabe ressaltar que no ser devida qualquer remunerao compensatria, no perodo da quarentena (um ano), a servidores que tenham vnculo permanente com o servio pblico ou que se aposentem. Somente os ex-ocupantes de cargos de confiana sem qualquer outro vnculo com o servio pblico, e ainda assim, quando comprovarem a impossibilidade do exerccio de atividade privada no-conflitante, faro jus remunerao compensatria. Essa foi, alis, uma soluo do consenso, construda com muita pacincia e persistncia, pois, como se sabe, existem posies extremadas sobre essa questo: desde os que entendem que deve haver remunerao sempre, para todos os que entremRevista da CGU

13

As sanes previstas para o descumprimento dessas normas incluiro a demisso do servio pblico, aplicvel mediante processo administrativo; j por meio de ao judicial de improbidade administrativa, podero acarretar tambm a suspenso de direitos polticos, o pagamento de multa civil e a proibio de contratar com o Poder Pblico.

No tenho a menor dvida de que a poltica contra a corrupo, para ser completa e eficaz, tem que pr igual nfase em medi das preventivas e em medi das punitivas, persecutrias e repressivas

como complexo e multifacetado o fenmeno em si, uma poltica que no aposta nem acredita em respostas simplistas, voluntaristas ou imediatistas, que recusa as solues milagrosas e as expectativas ingnuas, assim que o Brasil passou, nos ltimos quatro anos, a encarar esse velho e histrico mal que sempre afetou suas instituies pblicas a questo da corrupo nas corporaes privadas outra questo, que foge ao escopo deste artigo e s atribuies da CGU. No tenho a menor dvida de que tal poltica, para ser completa e eficaz, tem que pr igual nfase em medidas preventivas e em medidas punitivas, persecutrias e repressivas. Ocorre que, neste ltimo campo, j foram feitos progressos inegveis, nos ltimos anos, inclusive com maior visibilidade pblica. o caso da vitoriosa parceria entre a CGU e a Polcia Federal, sem falar na intensa colaborao com instituies externas e independentes, como o Ministrio Pblico e o Tribunal de Contas da Unio. tambm nesse campo que se situa uma outra iniciativa destes ltimos anos, que foi a criao e implantao do Sistema de Correio do Poder Executivo Federal, que dotou cada Ministrio de uma Corregedoria, ligada CGU, para reverter uma tradio secular de inrcia sancionatria tambm no mbito disciplinar interno da Administrao, que retroalimentava e potencializava a cultura da certeza da impunidade, garantida, no mbito14

Uma outra medida legislativa que est sendo elaborada pela CGU o anteprojeto de lei sobre acesso informao. A proposta j passou tambm por vrias discusses no Conselho da Transparncia e brevemente ser submetida consulta pblica. Ele atende a uma antiga reivindicao das entidades da sociedade civil, principalmente aquelas que integram Frum do Direito de Acesso a Informaes Pblicas, e vai regulamentar o inciso XXXIII do art. 5 da CF de 1988, preenchedo mais uma lacuna deixada pelos governos que antecederam o atual. com uma poltica consistente de enfrentamento assim amplo do fenmeno da corrupo, to complexaRevista da CGU

externo, pela lentido dos processos judiciais. E no centro de todo esse esforo, servindo a ambas as perspectivas a preventiva e a repressiva situa-se o trabalho j de mais tempo consolidado, representado pelas atividades de auditoria e fiscalizao, trabalho esse que serve de base, tanto s aes repressivas a cargo do Tribunal de Contas, da Polcia Federal e do Ministrio Pblico, quanto preveno, na medida em que funciona como sistema de alerta e advertncia permanente ao gestor, para evitar que irregularidades se consumem.

em reas relacionadas auditoria investigativa, auditoria de sistemas e s atividades de inteligncia, so algumas das novas frentes que ganham prioridade na atual estratgia de enfrentamento da corrupo. , enfim, de todo esse conjunto de medidas, e de outras que deixo de detalhar aqui por conciso mas que me permito apenas enunciar, como sejam a identificao e o mapeamento das instituies e setores de maior de risco de corrupo, o acompanhamento da evoluo patrimonial atpica de agentes pblicos, as sindicncias patrimoniais, a identificao e o acompanhamento mais rigoroso das pessoas politicamente expostas (PEPs), o compartilhamento de dados com a Coaf e a Receita Federal, e a estratgia nacional integrada de combate lavagem de dinheiro (Encla) dessa abordagem abrangente e integrada de enfrentamento que acredito pode-se esperar, sem iluses de resultados completos e cabais em curto prazo, mas com a certeza inspirada pelo trabalho sistemtico, srio e persistente de uma equipe extraordinria, engajada e multidisciplinar, de profissionais competentes e dotados de forte esprito pblico, repito, acredito pode-se esperar a reduo progressiva dos ndices de corrupo em nosso Pas. Para isso, basta que se assegure uma condio absolutamente indispensvel: a persistncia e a continuidade de todo esse esforo, nas mesmas linhas e nos mesmos rumos, ao longo dos prximos anos, sem interrupes nem retrocessos.

As atividades de auditoria e fiscalizao servem de base para as aes repressivas a cargo do Tribunal de Contas, da Polcia Federal e do Ministrio Pblico

Nessa rea, tambm, esto ocorrendo progressos importantes no presente momento, capazes de coloc-la em melhores condies para cumprir esse papel de preveno e controle da corrupo, sem descurar da sua funo paralela de avaliao dos programas governamentais. A reviso do escopo e do contedo de cada uma das diferentes espcies de auditoria levadas a cabo, e a reciclagem e capacitao dos auditoresRevista da CGU

15

O controle das parcerias pblico-privadas pelo Tribunal de ContasBenjamin Zymler, Bacharel em Direito e Mestre em Direito e Estado pela UnB, Ministro do Tribunal de Contas da Unio Guilherme Henrique de La Rocque Almeida, Bacharel em Direito e Especialista em Direito Pblico e em Avaliao de Polticas Pblicas pela UnB, Assessor de Ministro do TCU

1. Introduo As Parcerias Pblico-Privadas PPP guardam pertinncia com a nova viso de Estado infundida pelas contnuas mutaes que vm ocorrendo no mundo moderno e que esto gradativamente impondo alteraes no ordenamento jurdico. Nesse contexto complexo, ganha realce a funo de controle. Controlar substancialmente estabelecer padres e confront-los com resultados obtidos. Mas, afinal, quais padres devem ser adotados? Em momentos de transio, difcil estabelecer critrios para aferir o desempenho do Estado e dos entes privados que, por meio das parcerias pblico-privadas, viabilizam a prestao de servios pblicos lato sensu. Para descrever o funcionamento do novo sistema de controle da Administrao Pblica, imperioso delimitar exatamente os contornos da atividade a ser controlada. Necessidade essa que se acentua quando se fala do controle de parcerias pblicoRevista da CGU

privadas, que so uma novidade em nosso ordenamento jurdico. Assim sendo, inicialmente, ser exposto um breve histrico do processo de criao das PPP. Em seguida, sero exaradas consideraes bsicas sobre as parcerias pblico-privadas, com destaque para o conceito, o mbito de aplicao, as diferenas existentes entre essas parcerias e as concesses de servios pblicos e a avaliao doutrinria. Tendo em vista a relevncia do tema, na seqncia, sero abordadas as licitaes realizadas no mbito das PPP e a relao entre as parcerias e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Aps oferecer essa viso geral do tema, sero elaboradas consideraes crticas sobre a Lei regente das parcerias pblico-privadas. Por fim, ser visto como se insere o controle neste contexto. Em especial, buscar-se- discutir o papel dos Tribunais de Contas nesse ambiente caracterizado pela coexistncia de mltiplos controles.16

2. A prestao de servios pblicos no estado moderno A instituio das Parcerias PblicoPrivadas PPP est inserida no contexto da ampla reforma do aparelho estatal brasileiro, iniciada no comeo da dcada de 1990, guardando pertinncia com a nova viso de Estado que decorreu das profundas e contnuas mutaes ocorridas nas esferas poltica e social e da crise fiscal experimentada pelo Brasil e pelos demais pases, a qual demonstrou a inviabilidade da prestao direta de servios pblicos pelo Poder Pblico. A partir do questionamento dos objetivos, dos fundamentos, da estrutura e, at mesmo, da razo de ser do Estado, surgiu e est amadurecendo um novo modelo estatal, sucessor do Estado intervencionista e provedor.

institutos do "direito global", que acarretou, no entendimento de SUNDFELD1, gradativas e profundas alteraes no nosso ordenamento. Como exemplo desse processo, pode ser citada a implementao entre ns das agncias reguladoras. As mudanas na estrutura do aparelho estatal foram aceleradas pela colossal expanso das atividades produtivas observada nas ltimas dcadas, que ensejou a estruturao de sofisticados mecanismos de regulao e controle. Afinal, em virtude das privatizaes e das delegaes, os servios pblicos passaram a ser providos por empreendedores privados e pelos agentes pblicos remanescentes, quase todos eles atuando como monopolistas ou oligopolistas em seus setores de mercado. Para dar conta de regular esse novo ambiente, foi necessrio construir todo um aparato institucional e normativo, visto que at ento no havia uma distino clara entre poder conce dente e concessionrio num cenrio antes dominado pelo setor pblico. Nesse contexto, impe-se rever a atuao estatal na prestao dos servios ditos pblicos, os quais, na precisa lio de DI PIETRO2, englobam "toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exera diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente as necessidades coletivas, sob regime jurdico total ou parcialmente pblico." No Brasil, essa conjuntura levou proposta de implementao das

Em virtude das privatizaes e das dele gaes, os servios pblicos passaram a ser providos por empreendedores privados e pelos agentes pblicos remanescentes

A essas mudanas no modelo do Estado corresponderam alteraes necessrias tanto no ordenamento jurdico quanto na estrutura funcional do aparelho estatal. As modificaes na esfera jurdica esto relacionadas implantao no Brasil deRevista da CGU

17

Parcerias Pblico-Privadas, por meio das quais o Poder Executivo pretende viabilizar a realizao de investimentos em infra-estrutura sem utilizar recursos fiscais, que esto praticamente indisponveis no momento. Caso esse modelo prospere, as atividades produtivas sero dinamizadas, gerando conseqncias benficas para a sociedade, especialmente no que concerne ao nvel de emprego. Alm disso, devero ser criadas as condies necessrias retomada do crescimento da economia de forma continuada e sustentada. Por outro lado, tanto para o governo federal como para os governos estaduais e municipais, a Parceria Pblico-Privada significa uma tentativa de contornar os rgidos limites de endividamento pblico vigentes. 3. Origens das parcerias pblico-privadas 3.1. No plano internacional As Parcerias Pblico-Privadas tm origem nas concesses, que experimentaram uma notvel aplicao a partir do final do sculo XIX. Naquela poca, os governos constataram a impossibilidade de atender com recursos prprios s necessidades de investimentos no setor de infra-estrutura. Alm disso, nesse perodo histrico, prevalecia o iderio liberal. Posteriormente, o advento do Estado do Bem-Estar Social provocou o incremento da interveno estatal no domnio econmico e na prestao de servios pblicos.Revista da CGU

Nas ltimas dcadas do sculo XX, as Parcerias Pblico-Privadas difundiram-se por vrios pases, devido necessidade praticamente universal de controlar a despesa pblica e redimensionar o equilbrio entre os setores pblico e privado. Alm disso, deve ser devidamente ponderado o fato de que o conceito de parceria entre esses setores foi adotado como um novo paradigma poltico nos pases de orientao social-democrata. Finalmente, deve-se considerar que a diviso dos riscos dos empreendimentos entre os setores pblico e privado e a possibilidade de utilizao de novas fontes de financiamento esto subjacentes adoo dessas parcerias. Ressalte-se que as parcerias celebradas no plano internacional visam ao atendimento de um amplo espectro de necessidades da sociedade civil. Assim, por exemplo, na Inglaterra, foram construdos e esto sendo operados hospitais, presdios, escolas e rodovias. Tal observao tambm verdadeira no que concerne s parcerias contratadas em Portugal, onde, sob a gide do Decreto-Lei n 86/2003, podem ser firmadas vrias modalidades de associao ou de colaborao, todas elas configuradas de forma a assegurar, por um lado, a qualidade e a efetividade do bem entregue ou do servio prestado e, por outro, a rentabilidade do investimento privado. A Parceria Pblico-Privada apresenta um grau de complexidade superior concesso, devido 18

distribuio de responsabilidade e ao estabelecimento de contrapartida financeira para o risco de longo prazo assumido pelo parceiro privado. Conseqentemente, as PPP devem ser analisadas luz do conceito de project finance. O project finance uma modalidade de financiamento cuja particularidade reside no fato de ser garantido pelas receitas, ativos e direitos de concesso de um empreendimento especfico. Sua atratividade para os agentes financeiros privados decorre da viabilidade de um dado projeto, no da anlise de crdito tradicional da entidade privada executora desse projeto que seria fundamental para a aprovao de um corporate finance. Conseqentemente, a deciso de financiar um project finance decorre da capacidade de um projeto gerar recursos suficientes para remunerar de forma adequada o capital investido. Trata-se de uma tcnica de financiamento que teve origem nos mercados financeiros privados e que passou a ser utilizada nas finanas pblicas a partir de 1973, quando, sob o impacto da crise do petrleo, ocorreu um crescimento exponencial dos deficits pblicos em todo o mundo, o que tornou compulsria a busca por alternativas menos onerosas de investimentos. No direito comparado, a utilizao do project finance tem sido mais intensa na Gr-Bretanha, onde asRevista da CGU

Parcerias Pblico-Privadas sucederam o project finance iniciative (PFI). As origens das PFI remontam ao incio da dcada de 1990, quando o Governo ingls, apesar de desejar melhorar a infra-estrutura e a qualidade dos servios pblicos, achava-se impedido de realizar investimentos lastreados em recursos pblicos3. Nesse contexto, a soluo encontrada pelo Governo Margaret Thatcher foi lanar as parcerias. Posteriormente, a partir de 1997, o ento Primeiro-Ministro Tony Blair conferiu prioridade ao tema e celebrou PPP cujo valor supera US$ 50 bilhes. Tambm em Portugal, as parcerias tm desempenhado papel relevante, sendo que, no presente momento, esto sendo analisados projetos que envolvem investimentos privados da ordem de 25 bilhes de euros. A Comisso Europia tem enfatizado as vantagens decorrentes da utilizao desse instrumento, chegando a afirmar que, nos ltimos anos, devido s restries oramentrias, vontade de limitar a interveno dos poderes pblicos e necessidade experimentada pelo setor pblico de se beneficiar da experincia e dos modos de operao do setor privado, tem ocorrido um ressurgimento da concesso e, por via de conseqncia, das iniciativas ligadas ao estabelecimento da cooperao entre o Governo e os agentes privados. A referida Comisso no definiu regras especficas para as Parcerias Pblico-Privadas, as quais devero subordinar-se ao Tratado de

19

Constituio da Unio Europia e ao direito comunitrio. Alis, no se pode olvidar que o Pacto de Estabilidade e Crescimento, firmado com fulcro no artigo 104 do Tratado da Comunidade Europia e na Resoluo do Conselho Europeu de 17/7/1997, determinou aos pasesmembros que fossem ensejados esforos no sentido de atrair capitais privados para o financiamento de obras pblicas. Reforando essa recomendao, esse Pacto estabeleceu limites para o dficit pblico, o que diminuiu drasticamente a capacidade de investimento dos Estados europeus. Finalmente, destaque-se que, em face da ampla utilizao internacional das parcerias, que j foram adotadas em pases como o Japo, a Austrlia, o Canad, o Mxico e a frica do Sul, alm de vrios pases europeus, a Comisso das Naes Unidas para o Desenvolvimento do Comrcio Internacional editou, em julho de 2001, Legislative Guide on Privately Financed Infrastructure Projects, o qual contm uma srie de recomendaes visando harmonizar as diversas regras nacionais que regulam essa matria. 3.2 No plano interno A adoo de medidas tendentes a atribuir a agentes privados a prestao de servios pblicos tem-se acentuado nos ltimos anos. Nesse sentido, foram marcantes as emendas constitucionais que alteraram o antigoRevista da CGU

modelo intervencionista estatal e permitiram a opo por solues muito mais flexveis que aquelas anteriormente previstas em nossa Lei Maior, em especial a Emenda Constitucional n 19, de 1998. Essas mudanas no ordenamento jurdico visaram reduzir a atuao direta e unilateral do Estado, o que s possvel por meio da implementao de consensos entre o Poder Pblico e setores da sociedade civil, os quais passam a agir como parceiros do Governo. Dentro desse enfoque, incumbe ao Estado atuar como regulador e indutor da atividade econmica, s intervindo diretamente na prestao de servios quando for absolutamente necessrio. reduo do intervencionismo estatal correspondeu um processo de desonerao de um conjunto de tarefas de natureza econmica, maxime da prestao de bens e servios pblicos, a qual foi transferida para a esfera privada, acompanhada da instituio de mecanismos de regulao e de fiscalizao da performance dos agentes privados. Consoante exposto acima, essa privatizao de tarefas implicou a reestruturao do aparelho estatal, no sentido da descentralizao, da contratualizao e da associao entre o pblico e o privado, o que conduziu a uma "fuga para o direito privado." 4 Como precursores das PPP em nosso Pas, podem ser citadas as20

organizaes sociais (OS) e as organizaes da sociedade civil de interesse pblico (Oscip), pois ambas visaram estimular o estabelecimento de uma cooperao entre os setores pblico e privado.

A Lei n 9.074/1995 deu respaldo jurdico s parcerias efetuadas para viabilizar a construo das usinasRevista da CGU

Podem tambm ser mencionadas as associaes de recursos pblicos e privados que viabilizaram a construo das Usinas Hidreltricas de Serra Mesa (GO), It e Machadinho, essas duas ltimas localizadas no Rio Grande do Sul. Naquela poca, incio da dcada de 90, havia uma demanda crescente por servios pblicos, especialmente na rea de energia. Tendo em vista que, nessa mesma fase histrica, o Estado brasileiro enfrentava uma crise fiscal, foram desenvolvidos mecanismos inovadores visando a atender a essa demanda. Assim sendo, mesmo antes da edio da Lei n 8.987/1995, denominada Lei Geral de Concesses, registraramse experincias que em muito se assemelhavam a esse instituto. Nesses casos, a ao estatal moveuse no sentido de superar um ordenamento jurdico que havia sido ultrapassado pela conjuntura polticoeconmica. Ressalte-se que o TCU, ciente de que o Direito no pode sobrepor-se aos fatos, analisou a condu21

ta dos gestores pblicos envolvidos de modo flexvel. Naquelas oportunidades, a Corte de Contas Federal buscou, precipuamente, no engessar reas da atuao estatal onde o direito pblico e o privado se confundem. Posteriormente, a promulgao da Lei Geral das Concesses e das leis especficas dos setores eltrico, de telecomunicaes e do petrleo forneceram o necessrio embasamento jurdico para a adoo de providncias semelhantes s que, por fora da realidade, j vinham sendo adotadas. Ademais, a Lei n 9.074/1995 deu respaldo jurdico s parcerias efetuadas para viabilizar a construo das usinas acima citadas, ao mesmo tempo em que salientou a proximidade conceitual dessas parcerias com as concesses de servios pblicos precedidos da construo de obra pblica. 4. Consideraes bsicas sobre as parcerias pblicoprivadas A Lei n 11.079, de 30/12/2004, instituiu normas gerais para licitao e contratao de Parceria Pblico-Privada no mbito da Administrao Pblica. Preliminarmente, cumpre salientar que, alm dessas normas gerais, a referida Lei contm disposies aplicveis exclusivamente Unio, as quais esto contidas no captulo VI desse diploma legal. interessante notar que a promulgao dessa Lei ensejou a necessidade de alteraes na legislao estadual existente sobre o tema, visando adequar essa legislao s

normas gerais editadas em nvel nacional. 4.1. Conceito Em consonncia com o disposto no art. 2 da Lei n 11.079/2004, a Parceria Pblico-Privada um contrato administrativo de concesso, nas modalidades patrocinada ou administrativa. Uma concesso de servios pblicos patrocinada quando envolve, adicionalmente tarifa cobrada dos usurios, uma contraprestao pecuniria do parceiro pblico ao privado. Dito de outra forma, essa modalidade de concesso utilizada para permitir a prestao de servios pblicos que no sejam auto-sustentveis, cuja receita oriunda do recebimento das tarifas seja insuficiente. J a concesso administrativa o contrato de prestao de servios de que a Administrao seja a usuria direta ou indireta, ainda que envolva a execuo de obra ou fornecimento e instalao de bens. Aduz-se que a concesso de servios pblicos ou de obras pblicas de que trata a Lei Geral de Concesses no constituir parceira pblico-privada quando no existir a contraprestao pecuniria do parceiro pblico ao privado. A Lei em exame rege tanto as concesses administrativas quanto as patrocinadas, no sendo aplicvel s concesses comuns, que continuam submetidas Lei n 8.987/1995 e legislao correlata. Em carter supletivo, as concesses administrativas so regidas pelos arts. 21, 23 a 25 e 27 a 39 da Lei n 8.987/1995Revista da CGU

e 31 da Lei n 9.074/1995. J as concesses patrocinadas observam, subsidiariamente, o disposto na Lei n 8.987/1995. Finalmente, os contratos administrativos que no caracterizarem concesses continuam tendo como legislao regente a Lei n 8.666/1993 e demais normas correlatas. A Parceria Pblico-Privada ser celebrada pela Administrao Pblica e por entes privados, devendo seu valor ser igual ou superior a vinte milhes de reais e no podendo sua vigncia ser inferior a cinco nem superior a trinta e cinco anos, incluindo eventual prorrogao. Alm disso, obrigatria a observncia das seguintes diretrizes: I - eficincia no cumprimento das misses de Estado e no emprego dos recursos da sociedade; II - respeito aos interesses e direitos dos destinatrios dos servios e dos entes privados incumbidos da sua execuo; III - indelegabilidade das funes de regulao, jurisdicional, do exerccio do poder de polcia e de outras atividades exclusivas do Estado; IV - responsabilidade fiscal na celebrao e execuo das parcerias; V - transparncia dos procedimentos e das decises; VI - repartio objetiva dos riscos entre as partes;22

VII - sustentabilidade financeira e vantagens scio-econmicas dos projetos de parceira. 4.2. mbito de aplicao As Parcerias Pblico-Privadas podem ser utilizadas para viabilizar a prestao de servios pblicos, precedida ou no da execuo de obra pblica, que atualmente est sujeita legislao relativa concesso, bem como a prestao de servios de que a Administrao Pblica seja a usuria direta ou indireta, ainda que envolva a execuo de obras ou o fornecimento e a instalao de bens, excetuadas as atividades exclusivas do Estado. O conjunto de servios pblicos aqui previsto supera largamente aquele a que se refere o art. 175 da Constituio Federal de 1988. Afinal, o citado artigo da Lei Maior regula a prestao de servios pblicos que tem acentuado contedo econmico, como, por exemplo, o fornecimento de energia eltrica. J as Parcerias Pblico-Privadas podero propiciar o atendimento de necessidades da populao em setores onde no haja interesse econmico por parte dos agentes privados. Assim, podero ser construdas e operadas desde prises a hospitais ou escolas, precipuamente, por meio de concesses administrativas, passando por estradas e portos, esses ltimos sob a forma de concesses patrocinadas. Contudo, cabe salientar que, em um primeiro momento, o Governo Federal pretende concentrar investiRevista da CGU

mentos nas reas de transportes, energia e irrigao, visando viabilizar o crescimento sustentado da economia. 4.3. Diferenciais em relao s concesses de servios pblicos As concesses tradicionais continuaro sendo utilizadas quando se tratar de projetos economicamente viveis e auto-sustentveis do ponto de vista financeiro. J as Parcerias Pblico-Privadas sero utilizadas quando a implementao dos projetos em questo demandar o aporte de recursos fiscais. Isso ocorrer quando a prestao de servios ou a construo de obras de infra-estrutura no for atraente para os agentes privados, devido limitao dos ganhos passveis de serem auferidos ou ao elevado nvel dos riscos inerentes ao empreendimento em questo. Nessa hiptese, haver uma contraprestao da Administrao Pblica, que poder ser parcial ou integral. Saliente-se que a remunerao do parceiro privado poder ser varivel e vinculada ao desempenho desse agente na execuo do contrato. Para avaliar esse desempenho, sero utilizados metas e padres de qualidade e de disponibilidade definidos no contrato. O pagamento da contrapartida estatal poder ser feito por meio de ordem bancria, de cesso de crditos no tributrios, de outorga de direitos em face da Administrao ou sobre bens pblicos dominicais ou, ainda, utilizando-se qualquer outro meio

23

admitido em lei. Em princpio, esse pagamento s poder ocorrer aps a disponibilizao ou o recebimento do objeto do contrato de parceria. Excepcionalmente, parte da contraprestao poder ser entregue ao agente privado quando da disponibilizao ou da entrega parcial do objeto do contrato. Para tanto, essa parcela dever ser til ao usurio do servio ou Administrao Pblica. Cumpre frisar que as PPP no constituem uma forma de privatizao. A uma, porque os bens construdos ou produzidos pelos par ceiros privados sero, aps o trmino do prazo de vigncia dos respectivos contratos, revertidos para o Estado. A duas, porque, embora transfira para o domnio privado a prestao de um servio pblico, no haver o repasse da competncia atribuda ao Poder Pblico. Uma caracterstica relevante dessas parcerias a maior segurana oferecida tanto ao executor do projeto quanto aos seus financiadores. Nesse sentido, procurou-se evitar a adoo do mecanismo de pagamentos por meio de precatrios, considerado danoso aos interesses dos agentes privados. Com o intuito de garantir o pagamento de obrigaes pecunirias assumidas pelos parceiros pblicos federais em virtude da celebrao de PPP, a lei sob comento prev a instituio do Fundo Garantidor de Parcerias Pblico-Privadas FGP. Referido fundo possui as seguintes caractersticas:Revista da CGU

a) sua natureza privada; b) possui patrimnio prprio, separado do patrimnio dos cotistas. O Fundo sujeito de direitos e obrigaes prprias; c) visa garantir o pagamento de obrigaes pecunirias assumidas pelos parceiros pblicos federais em virtude das PPP, sendo vedada a prestao de garantia para qualquer outro tipo de obrigao; d) a Unio sua cotista inicial. Pode ser autorizada a subscrio de cotas por autarquias e fundaes pblicas federais; e) seu patrimnio formado pelo aporte de bens e direitos realizado pelos cotistas, por meio da integralizao de cotas e pelos rendimentos obtidos com sua administrao; f) responder por suas obrigaes com os bens e direitos integrantes de seu patrimnio; g) possui limite global de R$ 6 bilhes, dos quais aproximadamente R$ 3,2 bilhes j foram integralizados, mediante a cesso de aes de propriedade da Unio (Decreto n 5.411/2005); h) administrado pelo Banco do Brasil, a quem caber deliberar sobre a gesto e a alienao dos bens e dos direitos do FGP, sempre visando manuteno de sua rentabilidade e liquidez.24

No caso de crdito lquido e certo, constante de ttulo exigvel aceito e no pago pelo parceiro pblico, a garantia poder ser acionada pelo parceiro privado a partir do quadragsimo quinto dia do seu vencimento. O parceiro privado tambm poder acionar a garantia relativa a dbitos constantes de faturas emitidas e ainda no aceitas pelo parceiro pblico, desde que, transcorridos mais de noventa dias de seu vencimento, no tenha havido sua rejeio expressa e motivada.

d) empresa estatal criada para esse fim poder participar da celebrao do contrato de parceria, na qualidade exclusiva de interveniente garantidor das obrigaes pecunirias assumidas pelo parceiro pblico; e) emisso de empenhos diretamente em nome dos agentes financeiros e atribuio de legitimidade a esses agentes para receber pagamentos efetuados por meio dos fundos especiais e do fundo garantidor. Essa transferncia direta de recursos para os agentes financeiros independe de uma eventual inadimplncia do parceiro privado, o que aumenta significativamente as garantias de que dispem esses agentes. Tendo em vista que uma parcela significativa do spread bancrio corresponde ao risco de crdito, a Lei sob comento prev o compartilhamento com a Administrao Pblica dos ganhos econmicos efetivos obtidos pelo parceiro privado que decorram da reduo desse risco. Finalmente, deve-se salientar que o fato de os parceiros privados somente serem remunerados aps a realizao do investimento um dos fatores distintivos das Parcerias Pblico-Privadas. Essa caracterstica adquire maior relevo por permitir que o Estado promova a execuo de obras e o oferecimento de servios pblicos em geral ainda que no possua recursos financeiros e operacionais prprios disponveis e suficientes para tal.

O fato de os parceiros privados somente serem remunerados aps a realizao do investimento um dos fatores distintivos das Parcerias Pblico-Privadas

Aduz-se que podero ser prestadas aos agentes privados as seguintes garantias adicionais: a) vinculao de receitas, observado o disposto no art. 167, IV, de nossa Lei Maior; b) instituio ou utilizao de fundos especiais previstos em lei; c) contratao, junto a entidade legalmente autorizada e que no tenha vnculo de controle com a Administrao Pblica contratante, de seguro garantia de pagamento;Revista da CGU

25

Assim sendo, essas parcerias so um instrumento adequado a uma poca de contingenciamento oramentrio, como a atual. 5. As parcerias pblico-privadas e as licitaes Os parceiros privados sero escolhidos por meio de concorrncia pblica, estando a abertura desse processo licitatrio condicionada autorizao da autoridade competente. Essa autorizao dever ser fundamentada em estudo tcnico que demonstre a convenincia e a oportunidade da contratao, mediante a identificao das razes que justifiquem a opo pela PPP. Adicionalmente, o Poder Pblico deve adotar as seguintes providncias antes da abertura do certame licitatrio: I - elaborao de estimativa do impacto oramentrio-financeiro nos exerccios em que deva vigorar o contrato de Parceria Pblico-Privada; II - declarao do ordenador da despesa de que as obrigaes contradas pela Administrao Pblica no decorrer do contrato so compatveis com a lei de diretrizes oramentrias e esto previstas na lei oramentria anual; III - estimativa do fluxo de recursos pblicos suficientes para o cumprimento, durante a vigncia do conRevista da CGU

trato e por exerccio financeiro, das obrigaes contradas pela Administrao; IV - incluso de seu objeto no plano plurianual em vigor no mbito onde o contrato ser celebrado. Cumpre salientar que as minutas de edital e de contrato devero ser submetidas consulta pblica. Com esse desiderato, dever ser promovida a publicao dessas minutas na imprensa oficial, em jornais de grande circulao e por meio eletrnico. Nessa oportunidade, devero ser divulgadas a justificativa para a contratao, a identificao do objeto, o prazo de durao do contrato e respectivo valor estimado. Dever, ainda, ser fixado um prazo mnimo de trinta dias para recebimento de sugestes, cujo termo dar-se- pelo menos sete dias antes da data prevista para a publicao do edital. A Administrao Pblica dever providenciar, ainda, a emisso de licena ambiental prvia ou a expedio das diretrizes para o licenciamento ambiental do empreendimento, na forma do regulamento, sempre que o objeto do contrato exigir. interessante observar que dever ser preservada a atualidade do estudo tcnico acima mencionado, visando conferir maior confiabilidade a esse estudo, que fundamenta a autorizao emitida pela autoridade competente para a celebrao do contrato de parceria. Nesse sentido,26

est prevista a exigncia de elaborao de novo estudo tcnico caso a assinatura do contrato em exame ocorra em exerccio diverso daquele em que foi publicado o instrumento convocatrio.

a) uso opcional da arbitragem como instrumento para soluo dos conflitos decorrentes da execuo do contrato; b) exigncia de constituio de sociedade de propsito especfico SPE pelo licitante vencedor, a qual ficar incumbida de implantar e gerir o objeto da parceria. Referida SPE poder assumir a forma de companhia aberta, com valores mobilirios admitidos a negociao no mercado. Em qualquer hiptese, essa sociedade dever obedecer a padres de governana corporativa e adotar contabilidade e demonstraes financeiras padronizadas; c) a Administrao Pblica no poder deter a maioria do capital votante dessas sociedades de propsito especfico, exceto no caso de eventual aquisio da maioria do capital votante da SPE por instituio financeira controlada pelo Poder Pblico, o que poder ocorrer em caso de inadimplemento de contratos de financiamento. O processo de julgamento das propostas observar a legislao vigente sobre licitaes e contratos administrativos, alm das seguintes regras: a) opcionalmente, poder haver uma etapa de qualificao de propostas tcnicas, na qual sero desclassificados os licitantes que no alcanarem a pontuao mnima,

Revista da CGU

Uma previso relevante refere-se responsabilidade do contratado pela elaborao dos projetos executivos das obras

A Lei sob comento contm algumas previses que merecem destaque, a primeira das quais se refere possibilidade de serem estabelecidas garantias de proposta e de execuo do contrato que sejam consideradas suficientes e compatveis com os nus e os riscos decorrentes da no manuteno da proposta ou do descumprimento das obrigaes contratuais. Tais garantias precisaro observar os valores definidos no art. 31, III, da Lei n 8.666/1993 e, no que se refere s concesses patrocinadas, o disposto no inciso XV do art. 18 da Lei n 8.987/1995. Outra previso relevante refere-se responsabilidade do contratado pela elaborao dos projetos executivos das obras, respeitadas as condies fixadas nos incisos I e II do art. 18 da Lei n 8.987/1995. Merecem destaque, ainda, as seguintes disposies constantes da Lei em tela.27

os quais no participaro das etapas subseqentes; b) o exame das propostas tcnicas, para fins de qualificao ou julgamento, ser feito por meio de ato motivado, com base em exigncias, parmetros e indicadores de resultado pertinentes ao objeto definidos com clareza e objetividade no edital; c) podero ser adotados os seguintes critrios: menor tarifa do servio pblico a ser prestado, menor tarifa e melhor tcnica, menor contraprestao a ser paga pela Administrao, menor contraprestao e melhor tcnica, de acordo com os pesos estabelecidos no edital; d) o edital definir a forma de apresentao das propostas econmicas, admitindo-se a apresentao de propostas escritas em envelopes lacrados ou de propostas escritas seguidas de lances em viva voz, estando restrita a apresentao desses lances aos licitantes cuja proposta escrita seja, no mximo, 20 % maior que o valor da melhor proposta. Caso existam, os lances em viva voz sero sempre oferecidos na ordem inversa da classificao das propostas escritas, sendo vedado ao edital limitar a quantidade de lances; e) o edital poder prever a possibilidade de saneamento de falhas, de complementao de insuficincias ou de correes de carter formal no curso do procedimento, desde que o licitante possa satisRevista da CGU

fazer as exigncias dentro do prazo fixado no instrumento convocatrio; f) poder ser prevista a inverso da ordem das fases de habilitao e julgamento. Nessa hiptese, encerrada a fase de classificao das propostas ou o oferecimento de lances, ser aberto o invlucro com os documentos de habilitao do licitante melhor classificado, para verificao do atendimento das condies fixadas no edital. Verificado o atendimento das exigncias do edital, o licitante ser declarado vencedor. Inabilitado o licitante melhor classificado, sero analisados os documentos habilitatrios do licitante com a proposta classificada em segundo lugar, e assim sucessivamente, at que um licitante classificado atenda s condies fixadas no edital. Proclamado o resultado final do certame, o objeto ser adjudicado ao vencedor nas condies tcnicas e econmicas por ele ofertadas. 6. As parcerias pblicoprivadas e a lei de responsabilidade fiscal Em consonncia com o disposto nas alneas "b" e "c" do inciso I do art. 10 da Lei ora sob enfoque, as despesas criadas ou aumentadas no podero afetar as metas de resultados fiscais previstas no anexo referido no 1 do art. 4 da Lei Complementar n 101/2000, devendo seus efeitos financeiros, nos perodos seguintes,28

serem compensados pelo aumento permanente de receita ou pela reduo permanente de despesa. Alm disso, quando for o caso, devero ser observadas as normas editadas pela Secretaria do Tesouro Nacional. Finalmente, devero ser obedecidos os limites e as condies decorrentes da aplicao dos arts. 29, 30 e 32 da Lei Complementar n 101/2000. Os contratos de Parceria PblicoPrivada tm por objeto a prestao de servios pblicos ou de servios Administrao Pblica, direta ou indiretamente, podendo haver ou no a realizao prvia de obras. Em ambos os casos, eles geraro despesas no financeiras, primrias, continuadas, as quais podero afetar as metas de resultados fiscais. 7. Consideraes crticas sobre a lei que rege as parcerias pblico-privadas Foi questionada a falta de uma definio mais precisa do processo de seleo das Parcerias Pblico-Privadas. Nesse sentido, foi sugerido, na fase de discusso do projeto de lei, que as propostas apresentadas pelos licitantes sejam avaliadas por duas instituies dotadas de notrio conhecimento, as quais devero pronunciar-se sobre a qualidade, a viabilidade e a adequao dessas propostas. Seria uma "blindagem" contra eventuais abusos praticados pelo Poder Executivo no exerccio de sua competncia discricionria. Entretanto, essa sugesto no foi acolhida pelo Congresso Nacional.Revista da CGU

Uma segunda crtica refere-se possibilidade de um determinado governo celebrar Parcerias PblicoPrivadas em nmero excessivo, de forma a gerar despesas continuadas de tal ordem que inviabilizem a gesto oramentria e financeira dos seus sucessores. Afinal, ao contrrio do que ocorre com uma concesso ou permisso, a PPP cria para a Administrao Pblica uma obrigao pecuniria de carter continuado e de longo prazo, que consiste na contrapartida a ser paga pelo Poder Pblico. Uma das solues alvitradas para esse problema consistia na exigncia de autorizao legislativa prvia para a celebrao das parcerias. Os referidos projetos de lei, de iniciativa do Poder Executivo, deveriam ser instrudos com as demonstraes da inviabilidade financeira de sua execuo mediante o regime de concesso ou permisso e da impossibilidade oramentria de sua realizao pela Administrao Pblica. Tal sugesto no foi acatada pelas seguintes razes: a) a autorizao da autoridade competente para a realizao da concorrncia visando celebrao de uma PPP deve, obrigatoriamente, estar fundamentada em estudo tcnico que demonstre a compatibilidade das despesas contratadas com o Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes Oramentrias e a Lei Oramentria Anual respectivas. Logo, essas despesas tero de estar previstas nesses diplomas legais. Assim sendo, elas j contaro com as

29

necessrias autorizaes legislativas, ainda que essas ltimas no sejam especficas; b) a licitao dever ser precedida pela demonstrao de que as despesas criadas ou aumentadas no afetaro as metas de resultados fiscais previstas no Anexo de Metas Fiscais que acompanha os projetos de leis de diretrizes oramentrias; c) os efeitos financeiros dessas despesas, nos perodos seguintes, tero de ser compensados pelo aumento permanente de receita ou pela reduo permanente de despesa; d) lei ou resoluo do Senado poder determinar a observncia compulsria dos limites e condies decorrentes da aplicao da Lei Complementar n 101/2000; e) a tramitao de projetos de lei especficos para cada uma das PPP poderia atrasar a celebrao dos respectivos contratos, gerando um nus desnecessrio para todos os envolvidos. Entretanto, caso a contraprestao do Estado corresponda a mais de 70% do valor da remunerao do parceiro privado, a assinatura do contrato de PPP estar condicionada autorizao legislativa especfica. Afinal, nessa hiptese muito especial, haver um comprometimento significativo dos recursos pblicos.Revista da CGU

Releva destacar, tambm, a necessidade de avaliar os impactos da contrapartida sobre os oramentos governamentais referentes aos anos vindouros, sob pena de promover ciclos de crescimento seguidos por ciclos de endividamento. Afinal, tendo em vista que o prazo de maturao dos investimentos muito alto (os contratos celebrados podero ter vigncia de at 35 anos), est-se diante de um verdadeiro "pacto de geraes", por meio do qual uma determinada gerao obter determinados servios pblicos que depois sero pagos por ela e pela seguinte. Essa necessidade foi reconhecida pelos legisladores, que, visando minimizar o risco acima mencionado, adotaram as seguintes medidas: a) fixaram o limite de 1% da receita corrente lquida anual, tal qual definida pelo art. 2 da Lei Complementar n 101/2000; b) determinaram a incluso dos valores presentes e atualizados dos passivos futuros decorrentes de PPP j contratadas, ano a ano, no anexo de riscos fiscais que acompanha a proposta de lei oramentria anual; c) reiteraram a obrigatoriedade de ser observada a Lei de Responsabilidade Fiscal. Nesse mesmo sentido, conveniente que as leis que institurem as parcerias nos Estados e nos municpios30

tambm faam referncia ao limite de 1% da receita corrente lquida, a exemplo do que ser feito no mbito da Unio. Alis, visando coibir a celebrao de parcerias no mbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios que impli-quem a extrapolao desse limite, o art. 28 da Lei em exame prev que a Unio no poder conceder garantia nem realizar transferncia voluntria aos demais entes da Federao se a soma das despesas de carter continuado derivadas do conjunto das parcerias j contratadas por esses entes tiver excedido, no ano anterior, a 1% da receita corrente lquida do exerccio ou se as despesas anuais dos contratos vigentes nos dez anos subseqentes excederem a 1% da receita corrente lquida projetada para os respectivos exerccios. Cumpre salientar que, para fins do clculo acima mencionado, as despesas da Administrao direta, dos respectivos fundos especiais, autarquias, fundaes pblicas, empresas pblicas, sociedades de economia mista e demais entidades controladas, direta ou indiretamente, integram os dispndios do Distrito Federal e de cada um dos Estados e Municpios. Visando viabilizar o cumprimento dessa determinao, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios que contratarem empreendimentos por meio de PPP devero encaminhar as informaes necessrias ao Senado Federal e Secretaria do Tesouro Nacional, previamente contratao da parceria em questo.Revista da CGU

Consoante demonstrado em diversos pases, a anlise de um projeto de Parceria Pblico-Privada deve ser cuidadosa, detalhada e individualizada. Afinal, cada projeto nico, devido s suas caractersticas peculiares. Ademais, deve ser sopesado o fato de que ele envolve volume significativo de recursos tanto pblicos quanto privados e possui relevante interesse social. Assim sendo, eventuais erros de projeto podem acarretar conseqncias danosas de grande monta e por muitos anos. Outra questo relevante refere-se ao estabelecimento de um patamar mnimo de participao do parceiro privado, com recursos prprios, nos empreendimentos que sero realizados por meio de Parcerias PblicoPrivadas. Afinal, considerando que um dos pressupostos da adoo dessas parcerias o aporte de capitais privados, se esse parceiro no investir um mnimo de capital prprio esse novel instituto perder muito de sua razo de ser. Nesse sentido, as operaes de crdito efetuadas por empresas pblicas ou sociedades de economia mista controladas pela Unio no podero exceder a 70% (setenta por cento) do total das fontes de recursos financeiros da sociedade de propsito especfico. Adicionalmente, no podero exceder a 80% (oitenta por cento) do total das fontes de recursos financeiros da sociedade de propsito especfico, as operaes de crdito ou contribuies de capital realizadas cumulativamente por entidades fechadas de previdncia

31

complementar patrocinados pela Unio ou por Estado, Distrito Federal ou Municpio; por entidades fechadas de previdncia complementar patrocinadas por empresas pblicas ou sociedades de economia mista controladas pela Unio ou por Estado, Distrito Federal ou Municpio ou por empresas pblicas ou sociedades de economia mista controladas pela Unio. Ressalte-se que as fontes de recursos financeiros compreendem as operaes de crdito e as contribuies para a formao do capital da sociedade de propsito especfico. interessante notar que, apesar de a instituio das parcerias visar, precipuamente, conferir maior grau de segurana aos agentes privados envolvidos, existe um dispositivo na Lei em exame que aumenta os riscos corridos por esses agentes. O inciso III do art. 5 dessa norma prev a repartio de riscos entre as partes, inclusive os referentes a caso fortuito, fora maior, fato do prncipe e lea econmica extraordinria. Tal dispositivo permite a atribuio de responsabilidade aos agentes privados em decorrncia de eventos que, tradicionalmente, so considerados excludentes dessa responsabilidade. Assim sendo, parece que esse inciso vai de encontro orientao que perpassou toda a elaborao dessa lei. Acrescente-se que, do ponto de vista da garantia do interesse pblico, oportuna e adequada a previso de vistoria dos bens reversveis e de reteno dos pagamentos aoRevista da CGU

parceiro privado no valor necessrio ao custeio dos reparos eventualmente necessrios nesses bens. Cumpre, ainda, tecer algumas consideraes sobre um ponto da maior relevncia. Ainda que o marco legal seja bem elaborado, as Parcerias PblicoPrivadas no obtero sucesso se esse marco no for estvel ou se outros fatores incrementarem o risco regulatrio. Nesse sentido, fundamental que as agncias reguladoras, ao tratarem de assuntos de sua rea de competncia, tenham o respectivo mbito de discricionariedade rigorosamente respeitado. Caso o Tribunal de Contas da Unio ou outro rgo governamental invada esse mbito, essa interferncia indevida poder contribuir para o agravamento da "incerteza jurisdicional" e para o incremento do custo indireto de transao associado s incertezas regulatrias. Levada ao limite, a multiplicidade de controles e interpretaes sobre assuntos relacionados regulao de um servio pblico pode ensejar o recuo dos investidores privados, colocando em perigo a sobrevivncia do modelo das parcerias. Conclui-se que o sucesso das PPP depender em larga escala da confiabilidade angariada pelas instituies poltico-administrativas brasileiras. Afinal, trata-se de contratos de longo prazo, cujo cumprimento garantido por essas instituies, mais do que por leis ou garantias apostas nos instrumentos contratuais. Finalmente, cumpre salientar que a adoo da arbitragem para dirimir32

conflitos resultantes da celebrao das PPP interessante, pois pode proporcionar a prolao de decises rpidas e bem embasadas do pontode-vista tcnico. Entretanto, para que ela seja eficaz, os direitos envolvidos devem ser explicitamente considerados disponveis. oportuna a previso de que a arbitragem seja realizada no Brasil, em lngua portuguesa e perante rbitros brasileiros, pois esse dispositivo afasta a possibilidade de ocorrerem conflitos de competncia entre rbitros locais e internacionais, assegurando a adoo do foro brasileiro, que parece ser o mais adequado. Feitas essas consideraes sobre aspectos gerais da Lei ora sob comento, cabe, agora, analisar especificamente as licitaes realizadas no mbito das Parcerias Pblico-Privadas. Tendo em vista que um dos principais objetivos da instituio das PPP conferir maior segurana ao agente privado, indispensvel que os procedimentos licitatrios contribuam para a preservao da intangibilidade dos contratos de parceria. Se as concorrncias realizadas visando celebrao de parcerias forem transparentes e permitirem a participao ativa da sociedade, haver uma legitimao dessas parcerias, a qual ajudar a afast-las das injunes polticas. Ademais, um processo confivel de licitao evitar futuros questionamentos por parte dos rgos de controle ou do Ministrio Pblico, no dando ensanchas s paralisaes de licitaes to freqentes hoje em dia.Revista da CGU

Poder-se-ia questionar a viabilidade prtica da participao popular nessas licitaes. Entretanto, tal questionamento, se relevante no caso das licitaes comuns, no o no caso daqueles certames relativos s Parcerias Pblico-Privadas. A uma, porque o nmero de concorrncias que sero realizadas diminuto se comparado ao quantitativo total de licitaes. A duas, porque os interesses envolvidos nas parcerias so de grande monta, significando uma maior disposio e organizao das entidades representativas da sociedade civil. A trs, porque deve ser do interesse tanto do governo quanto dos parceiros privados angariar o mximo de apoio para as parcerias. A especificidade das licitaes promovidas no mbito das PPP acarreta a necessidade de constituio de comisses de licitaes muito bem preparadas, do ponto-de-vista tcnico, e bem equipadas do ponto-devista material. Afinal, sero abordadas matrias complexas, cuja anlise demanda conhecimentos especializados. Por via de conseqncia, deve ser encarada com especial ateno a formao tcnico-profissional dos integrantes das comisses de licitao referentes s parcerias. Quando da elaborao do modelo das concesses do setor eltrico, houve uma preocupao acentuada com a eficincia das concessionrias, tanto no que concerne ao seu incentivo quanto ao que pertine diviso dos ganhos dela decorrente com os

33

usurios. Essa preocupao deve estar presente tambm nesse caso, o que implica dizer que devem ser estipuladas frmulas matemticas que prevejam a repartio desses ganhos. Da mesma forma, na equao relativa ao equilbrio econmico-financeiro devero estar previstos prmios para as empresas mais eficientes e sanes para aquelas que se mostrarem ineficientes.

n 8.987/1995, pois est prevista a observncia do segundo normativo legal. Outra questo interessante referese possibilidade de utilizao de um sistema de lances orais, semelhante ao utilizado no prego, nas concorrncias a serem realizadas visando celebrao de PPP. foroso reconhecer que a eliminao da possibilidade de serem apresentadas propostas alternativas, que estava contida no projeto de lei original, propiciou uma simplificao considervel do processo licitatrio, especialmente no que concerne viabilizao do julgamento tempestivo dos lances orais oferecidos pelos licitantes. Entretanto, se, do ponto de vista tcnico, a utilizao dos lances orais mostra-se facilitado, deve ser sopesado o fato de que as parcerias sero adotadas visando prestao de servios de um certo nvel de complexidade, que os distingue de servios comuns. Aduz-se que, em alguns casos, esse nvel de complexidade atinge tal magnitude que dever ser realizada uma etapa de qualificao tcnica. Assim sendo, o objeto das parcerias difere fundamentalmente daquele dos preges. Logo, parece questionvel a realizao de lances orais para selecionar propostas de PPP. Merece registro a previso no edital das garantias a serem concedidas ao parceiro privado, a qual, alm de evitar futuros questionamentos judiciais ou extrajudiciais, contribui de forma significativa para a transparncia do processo licitatrio.34

No caso das parcerias, cujo prazo de vigncia muito grande, o risco de interferncias polticas supervenientes ganha maior relevo

necessrio analisar, tambm, a possibilidade de o Poder Pblico, no decorrer do contrato, alterar o que foi definido quando da licitao. No raras vezes, observa-se uma discrepncia muito grande entre o que foi licitado e o que foi efetivamente executado, o que gera muitos problemas e, freqentemente, acarreta um aumento de custos para a Administrao. No caso das parcerias, cujo prazo de vigncia muito grande, o risco de interferncias polticas supervenientes ganha maior relevo. Importa ressaltar que a Lei n 11.079/2004 afastou o risco de eventuais conflitos entre os dispositivos constantes das Leis n 8.666/1993 eRevista da CGU

Um dos fundamentos da Repblica o controle exercido sobre os atos dos gestores da coisa pblica8. O controle das parcerias pblico-privadas 8.1. Consideraes preliminares

Finalmente, frise-se a relevncia e a oportunidade da possibilidade de serem saneadas falhas formais e de serem complementadas insuficincias detectadas nas propostas apresentadas pelos licitantes, desde que esses ltimos possam satisfazer as exigncias editalcias dentro do prazo fixado no instrumento convocatrio. Ao permitir a ampliao do leque de proponentes habilitado a apresentar suas propostas econmicas, essa possibilidade vem ao encontro dos dois objetivos fundamentais das licitaes, quais sejam: a busca da melhor proposta para a Administrao e a preservao da ampla competio entre os licitantes. Aduz-se que, sopesado o fato de que as Parcerias Pblico-Privadas envolvem recursos vultosos e visam prestao de servios relevantes por um longo espao de tempo, no faz sentido eliminar licitantes devido prtica de falhas simplesmente formais.

dos gestores da coisa pblica (da res publica). Afinal, nesse modelo de Estado, tanto a arrecadao da receita pblica quanto a realizao da despesa pblica devem visar consecuo dos objetivos estatais, os quais, por sua vez, devem ser consentneos com os anseios e os valores da sociedade civil. Consequentemente, a Administrao Pblica deve pautar sua atuao pela observncia das determinaes constitucionais e legais e submeter-se a um sistema de controle dessa observncia. Nesse sentido, MILESKI afirmou que:5 "O controle da Administrao Pblica prprio dos Estados de Direito e, sobretudo, dos democrticos, no sentido de se proceder verificao, quanto ao atendimento dos princpios e normas constitucionais, de todas as formas de atuao administrativa, a qual deve estar sempre voltada para a satisfao do interesse pblico, que reflete fator de proteo no s para os administrados como tambm para a prpria Administrao Pblica." Se esse entendimento deve prevalecer de forma geral, no caso das parcerias pblico-privadas, a atuao dos organismos de controle ainda mais necessria. Afinal, como tambm acentua MILESKI6: "Sendo a parceria pblico-privada uma forma de atuao administrativa do Estado, em parceria com o setor privado, e, por isto, configurandose como um ato de colaborao, de

Um dos fundamentos da Repblica o controle exercido sobre os atosRevista da CGU

35

relao negocial, para obteno de objetivos de interesse coletivo, com direitos e obrigaes fixadas em contrato, aps regular procedimento licitatrio, o contrato de parceria pblico-privada est diretamente ligado aos atos negociais do Estado, envolvendo gerenciamento de recursos financeiros, devendo, por essa razo, ficar adstrito ao sistema de controle pblico e social."

mento jurdico brasileiro. O art. 15 dessa Lei determina que os Ministrios setoriais e as Agncias Reguladoras, nas suas respectivas reas de competncia, acompanhem e fiscalizem os contratos de PPP. Acrescente-se que esses rgos e entidades devero encaminhar, semestralmente, ao rgo Gestor das Parcerias Pblico-Privadas OGP, relatrios circunstanciados sobre as execues contratuais fiscalizadas. Esse rgo gestor, por sua vez, est encarregado de fiscalizar a execuo dos contratos de PPP, em consonncia com o disposto no art. 14 da Lei n 11.079/2004. Referido controle poder ser prvio ou posterior. Na primeira hiptese, o OGP examinar os projetos de parceria pblicoprivada, enviados pelos diversos rgos federais. J no segundo caso, o rgo gestor analisar os relatrios de execuo dos contratos encaminhados pelos Ministrios e pelas Agncias Reguladoras. Caso essa fiscalizao revele a existncia de atos irregu-lares, inconvenientes ou inoportunos, a Administrao Pblica poder anul-los no caso dos atos ilegais, em consonncia com a Smula n 346 do STF, ou revog-los na hiptese de atos inconvenientes ou inoportunos, conforme dispe a Smula n 473 do STF. Cumpre ressaltar, ainda, que a atuao do rgo gestor das PPP deve ser submetida ao controle externo, exercido pelo Congresso Nacional com o auxlio do Tribunal de Contas da Unio. Visando facilitar esse controle,36

A lei determina que os Ministrios setoriais e as Agncias Reguladoras, nas suas respectivas reas de competncia, acompanhem e fiscalizem os contratos de PPP

Alm desses argumentos relacionados com a prpria estrutura democrtica e republicana do Estado brasileiro, deve-se sopesar que a significativa relevncia social, econmica e poltica das parcerias pblicoprivadas acarreta a necessidade de uma ao efetiva dos organismos de controle. Aduz-se que deve ser estabelecida uma colaborao entre esses diversos organismos e a sociedade civil. Conseqentemente, considerase oportuno e conveniente viabilizar o controle social dessas parcerias, o qual ser exercido concomitantemente com aquele que est a cargo das instncias estatais de controle. Imbudo desse esprito, o legislador previu, na Lei n 11.079/2004, que o controle das PPP adotar todas as formas previstas no ordenaRevista da CGU

o art. 14, 5, da Lei n 11.079/2004 determinou que o OGP remeta, anualmente, ao Parlamento e ao TCU, relatrios sobre o desempenho observado na execuo dos contratos de PPP.

Caso algum cidado constate a existncia de irregularidades na execuo dos contratos de parceria, ele poder encaminhar uma denncia Corte de Contas ou Controladoria-Geral da Unio

a complexidade do tema. Assim sendo, ele no poder ser inferior a 30 dias. Alm disso, visando viabilizar a adoo de alguma medida julgada pertinente, a Lei das PPP estabeleceu que entre o trmino desse prazo e a data prevista para a publicao do edital devero transcorrer, no mnimo, sete dias. J durante a execuo do objeto das parceiras pblico-privadas, o controle social utilizar como fonte bsica de informao os relatrios de desempenho dessas PPP, os quais devero ser obrigatoriamente publicados pelo rgo gestor das parcerias, por fora do disposto no 6 do art. 14 da Lei n 11.079/2004. Caso algum cidado constate a existncia de irregularidades na execuo dos contratos de parceria, ele poder encaminhar uma denncia Corte de Contas ou ControladoriaGeral da Unio, comunicar o fato ao Ministrio Pblico ou ingressar com uma ao popular. Resta patente que a sociedade civil dispe de mecanismos judiciais ou extrajudiciais para tornar efetivo o controle social sobre as PPP. 8.2. O controle externo das PPP Preliminarmente, cabe ressaltar que, enquanto os limites e os fundamentos da competncia do TCU para fiscalizar a execuo dos contratos de concesso comum ensejaram relevantes debates, quando se trata das concesses patrocinadas ou administrativas, essas divergncias de opinio perdem muito de sua razo de ser. Afinal, nessa ltima hiptese,

Consoante exposto anteriormente, o controle social pode e deve desempenhar um importante papel no que concerne implementao eficaz das PPP no Brasil. A Lei n 11.079/2004 prev que essa forma de controle ocorrer em dois momentos distintos: quando da realizao do procedimento licitatrio e durante a execuo contratual. No primeiro momento, a Administrao Pblica deve publicar a minuta do edital e do contrato de parceria pblico-privada, submetendo esses documentos consulta pblica. Nessa oportunidade, devero ser expressamente informados a justificativa para a contratao, a identificao do objeto, o prazo de durao do contrato e seu valor estimado. O prazo fixado para recebimento de sugestes dever ser compatvel comRevista da CGU

37

est expressamente prevista a aplicao de recursos pblicos, seja em carter complementar seja em carter de exclusividade.

O Tribunal deve

facilitar o exerccio do dever disponibilizar

controle social. Para tanto,

Visando facilitar a atuao da Corte de Contas Federal, a Lei sob comento prev o encaminhamento ao TCU, com periodicidade anual, dos relatrios de desempenho das PPP. O TCU tambm poder adotar outros mecanismos de controle, de ofcio ou aps ser demandado pelo Congresso Nacional ou por outro ente legitimado. Aduz-se que o Tribunal deve facilitar o exerccio do controle social. Para tanto, dever disponibilizar informaes e anlises para os cidados em geral. A uma, porque os maiores clientes do TCU devem ser os contribuintes, cujos recursos viabilizaro a execuo das PPP. A duas, porque o exerccio efetivo do controle social granjear para as parcerias a legitimidade necessria a sua sustentao poltica e social. A trs, porque a assimetria de conhecimentos verificada no caso das concesses comuns persiste no caso das parcerias, o que enseja a adoo de providncias visando minimizar o desnvel de informaes existente entre os agentes privados e os usurios de servios pblicos em geral. O TCU desenvolveu uma metodologia para analisar a outorga e a execuo das PPP, a qual se encontra em fase de testes. Referida metodologia foi desenvolvida com base nos mtodos e tcnicas voltados para o acompanhamento das concesses tradicionais de servios pblicos e na experincia internacional. Paralelamente, foi elaborada proposta de Instruo Normativa e desenvolvido plano de capacitao de servidores.38

informaes e anlises para os cidados em geral

Assim sendo, no restam dvidas de que a Corte de Contas competente para proferir determinaes aos entes pblicos envolvidos visando corrigir vcios detectados em atos vinculados ou em atos discricionrios ilegais ou que afrontem os termos dos respectivos edital ou contrato. Entende-se, ainda, que compete ao TCU acompanhar o processo de contratao das PPP, desde o seu incio at o seu trmino, com o intuito de conferir-lhe maior legitimidade7 e eficincia. Afinal, um controle eficaz contribui significativamente para reduzir o risco pblico, assegurar a sustentabilidade financeira e garantir a qualidade do servio e o cumprimento das obrigaes contratuais. Com esse propsito, o rgo de controle dever verificar se o parceiro privado atingiu as metas de desempenho fsico-financeiro fixadas no edital e no contrato e se o nvel de qualidade do servio est compatvel com o padro avenado.Revista da CGU

Alm de analisar os resultados obtidos pelas parcerias pblico-privadas, o TCU dever fiscalizar as PPP sob o aspecto da legalidade

O controle externo das PPP no Brasil deve ser prvio e concomitante, como alis ocorre com as concesses comuns. Aduz-se que o TCU dever fiscalizar: o planejamento: visando aferir o atendimento pelo Poder Pblico das condies prvias licitao, dentre as quais destacam-se a verificao da observncia dos limites oramentrios e financeiros, as justificativas para a celebrao da parceria e o atendimento legislao ambiental, quando for o caso; o processo licitatrio: com o fim de avaliar a regularidade e a efetividade da licitao, principalmente no que concerne observncia dos princpios constitucionais e legais, trans-parncia dos procedimentos adotados e seleo da melhor proposta tanto para o Poder Pblico quanto para os usurios do servio pblico em questo; a elaborao do projeto de parceria: para aferir as vantagens ofereRevista da CGU

cidas pelo projeto, sob as ticas econmica, financeira, tcnica e social. Logo, dever ser estimado o value for money 8, se cabvel; a assuno de obrigaes e a aquisio de direitos pelo Estado: com o intuito de avaliar a posio jurdica e econmica do Poder Pblico na parceria, especialmente no que concerne aos riscos assumidos, s obrigaes contradas, sustentabilidade financeira da PPP e aos mecanismos de acompanhamento da execuo do objeto da parceria; o desempenho do contratado: verificando precipuamente a adequao da performance do agente privado aos parmetros previamente definidos. Assim, dever ser analisado o cumprimento das disposies contidas nas clusulas administrativas e financeiras do contrato da PPP e apurado o nvel de qualidade do servio prestado pelo parceiro privado. Cumpre destacar que, alm de analisar os resultados obtidos pelas parcerias pblico-privadas, por meio de auditorias de cunho operacional, o TCU dever fiscalizar as PPP sob o aspecto da legalidade. Afinal, em conformidade com a Constituio Federal de 1988 e com a Lei Orgnica da Corte de Contas Federal, compete ao Tribunal de Contas da Unio verificar a existncia de irregularidades ou de ilegalidades nos atos praticados por qualquer pessoa fsica ou jurdica que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou

39

administre dinheiros, bens e valores pblicos ou pelos quais o Poder Pblico responda, ou que em nome deste, assuma obrigaes de natureza pecuniria. Alm disso, sempre que o Tribunal constatar a existncia de atos inquinados por vcios dessa espcie, ele dever adotar as medidas necessrias ao pronto restabelecimento da legalidade, sem prejuzo da responsabilizao dos agentes que tiverem atuado com culpa ou dolo. 9. Concluso A Administrao Pblica brasileira no possui os recursos necessrios para arcar com os elevados investimentos em infra-estrutura que so necessrios para garantir o crescimento sustentado do Pas nos prximos anos. Para se ter uma idia do volume de recursos ne-cessrios, estima-se que, visando garantir um crescimento anual da ordem de 4,5% do PIB, ser ne-cessrio investir anualmente cerca de 20 bilhes de dlares.

As Parcerias Pblico-Privadas inserem-se nesse contexto como um mecanismo capaz de atrair investimentos privados e gerar os seguintes benefcios esperados: viabilizar a prestao de mais servios pblicos de boa qualidade, incentivar a gerao de emprego e renda, minimizar e diferir ao longo do tempo os impactos fiscais pela realizao do investimento e alavancar a utilizao dos recursos pblicos em atividades produtivas. Para que as parcerias sejam bem sucedidas, devem ser elaboradas regras claras, precisas, estveis e que sejam jurdica e politicamente sustentveis. S assim ser possvel garantir a prestao de um servio pblico adequado e o retorno financeiro dos capitais privados atrados por meio dessas parcerias. Por outro lado, se o marco regulatrio no for bem formulado ou se no for estvel, poder haver um ciclo de crescimento dos investimentos seguido por um perodo de retrao dos agentes privados, o que agravar a situao atual do Pas. A estabilidade das regras ganha ainda mais relevo quando se observa o histrico das concesses no Brasil. Afinal, a partir de 1995, ocorreu em nosso Pas o fenmeno que Maral Justen Filho denominou "demagogia regulatria"9, que consistiu no oferecimento ao investidor privado de condies altamente vantajosas seguido de inmeros questionamentos, inclusive judiciais, que redun40

Para que as parcerias sejam bem sucedidas, devem ser elaboradas regras claras, precisas, estveis e que sejam jurdica e politicamente sustentveis

Revista da CGU

daram em alteraes nas condies inicialmente pactuadas. Dentro desse contexto, tanto os legisladores quanto os operadores do direito devem estar atentos para a necessidade de definir e preservar um "equilbrio econmico-financeiro" adequado entre o investimento realizado e o retorno auferido. A manuteno desse equilbrio um fator decisivo para a tomada da deciso de investir em um ou em outro setor da economia, em um ou em outro pas. E, nunca demais lembrar, a globalizao ampliou significativamente o leque de opes para os investidores.

gativas essenciais do Poder Pblico, o qual poder continuar a incluir nos contratos clusulas ditas exorbitantes. Da mesma forma, no se pode impedir que tanto a Administrao Pblica quanto o Poder Judicirio revisem os contratos celebrados. Com esse desiderato, deve ser adotado um procedimento que permita a participao da sociedade e confira total transparncia a todas as fases da celebrao das parcerias, desde a elaborao dos projetos at a assinatura dos contratos e respectivos aditivos. Alm disso, compete ao TCU acompanhar o desenrolar desse processo, conferindo-lhe maior legitimidade. Importa destacar que, no caso das concesses comuns, foi debatida a extenso da competncia do Tribunal de Contas da Unio, existindo quem alegasse que no havia dinheiro pblico envolvido nessas concesses e, consequentemente, o TCU no poderia determinar a adoo de providncias pelas agncias reguladoras. Entretanto, o Plenrio da Corte de Contas Federal tem decidido que o Tribunal competente para proferir determinaes quando se trate de corrigir vcios detectados em atos vinculados ou em atos discricionrios ilegais ou que afrontem os termos dos respectivos edital ou contrato. No caso das concesses administrativas ou patrocinadas, est prevista a existncia de dinheiro pblico. Logo, sem sombra de dvida, o TCU possui competncia para fiscalizar as Parcerias Pblico-Privadas e determinar a adoo das medidas porventura julgadas cabveis.

O Tribunal competente para proferir determinaes quando se trate de corrigir vcios detectados em atos vinculados ou em atos discricionrios ilegais

Cabe destacar que o modelo de Parcerias Pblico-Privadas a ser adotado no Brasil, alm de ser consistente do ponto-de-vista jurdico, deve ser dotado de legitimidade poltica e social. Afinal, preciso ter em mente que, por melhor que seja o trabalho jurdico desenvolvido quando da elaborao das leis que regero essas parcerias, no ser possvel suprimir as prerroRevista da CGU

41

Diante do acima exposto, conclui-se que o marco regulatrio relativo s Parcerias Pblico-Privadas dever atender aos seguintes requisitos bsicos, sob pena de comprometer o sucesso desse instituto: a) conferir previsibilidade e segurana ao parceiro privado, reduzindo, por via de conseqncia, os custos dos investimentos; b) prever instrumentos capazes de garantir a prestao de servios de qualidade por longo tempo a um custo adequado; c) evitar a ocorrncia de despesas pblicas imprevistas e relevantes, ou seja, de novos "esqueletos". Finalmente, cumpre salientar que o advento das Parcerias Pblico-Privadas, por si s, no representa um maior risco de corrupo ou de malversao de recursos pblicos. Afinal, o Estado possui os instrumentos jurdicos necessrios para combater esses males, at porque os dispositivos constantes da Lei de Licitaes e Contratos sero aplicados subsidiariamente a essas parcerias. Ademais, no se afastou a necessidade da realizao de licitaes, ao contrrio, estipulou-se a obrigatoriedade da utilizao de concorrncias. Da mesma forma, foram preservadas a necessria submisso Lei de Responsabilidade Fiscal e a reserva do exerccio pelo Estado das funes reguladora, fiscalizadora e de controle.Revista da CGU

Bibliografia:1. SUNDFELD, Carlos Ari. A administrao pblica na era do direito global. In SUNDFELD, Carlos Ari e VIEIRA, Oscar Vilhena. Direito Global. So Paulo: Max Limonad, 1999. p. 137. 2. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 10 ed. So Paulo: Atlas, 1998. p. 85. 3. SOUZA, Alfredo Jos de. As Parcerias Pblico-Privadas e o desenvolvimento o papel do controle financeiro externo. Revista do Tribunal de Contas. n 36. Lisboa (Portugal). Julho-Dezembro de 2001. p. 33. 4. Esse movimento foi explicado, entre outros, por Estominho, Maria Joo in "Fuga para o Direito Privado." Coimbra: Almedina, 1996. 5. MILESKI, Hlio Saul. O controle da gesto pblica. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 138. 6. MILESKI, Hlio Saul. PARCERIAS PBLICO-PRIVADAS: fundamentos, aplicao e alcance da lei, elementos definidores, princpios, regras especficas para licitaes e contratos, aspectos controvertidos, controle e perspectivas d