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:1""f•I{.~~IIIIIIIIIl!llIIIIIIIIIII1111I11!il!111111Illlllllllllllllillilll/lllllll ~'Ubimilteria, ibi geometria" (Johannes KEPLER) Quando KEPLER escreveu estas palavras, verberando os que entio descriam da geometria como 0 que hoje chamarlamos de "modelo" ideal de expli~io do univetSO,nlo passava de urn rapaz de pouco mais de 20 anos. Recem-nomeado astronomo de Graz, ele anotava cuidadosamente esta· sua descoberta: "( ... ) Deus, ao criar 0 universo e fundar a ordem c6smica, tinha em vista os cinco s61idosregulares da aeometria, conhecidos desde os tempos de PITAGORAS e PLATAO"; Este seria, de fato, 0 tema central de sell- primeiro livro, "Misterio CosmogrMico", verdadeiro '1>est-seller" da chamada Revolu~io Cientifica da Renascen~ enta~ em plena eferves~ncia. Pelto do 'fim, ele ainda publicaria "As Harmonias do Mundo", onde derivar a "harmonia das esferas celestes" da re~o de parentesco entre as armaduras das escalas musicais, os monetarios planetarios e os cinco poliedros regulares - cubo, tetraedro, dodecaedro, icosaedro, e octaedt;o(nessa ordem). Essa jntui~io de KEPLER e realmente notivel. Os paradigmas de interpreta~io da ordem c6smica tem variado historicamente entre duas posturas-limite, uma que privilegia uma conc~ discreta ou aritmetica da realidade~ outra que dA a primazia a uma interpre~o de continuum ou geometrica dos fenomenos. KEPLER, aointroduzir pela via geometrica 0 seu Palestra de abertura do Xl' Simp6sio Nacional de Geotnetria Grafica, em 09.10.94, no Centro de Artes e Comuni~ ciaUFPE. ••Iarbas Maciel e ex-Professor do Departamento de Filosofia ciaUFPE.

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:1""f••• I{.~~IIIIIIIIIl!llIIIIIIIIIII1111I11!il!111111Illlllllllllllllillilll/lllllll

~'Ubimilteria, ibi geometria"(Johannes KEPLER)

Quando KEPLER escreveu estas palavras, verberandoos que entio descriam da geometria como 0 que hojechamarlamos de "modelo" ideal de expli~io do univetSO,nlopassava de urn rapaz de pouco mais de 20 anos. Recem-nomeadoastronomo de Graz, ele anotava cuidadosamente esta· suadescoberta: "( ... ) Deus, ao criar 0 universo e fundar a ordemc6smica, tinha em vista os cinco s61idosregulares da aeometria,conhecidos desde os tempos de PITAGORAS e PLATAO"; Esteseria, de fato, 0 tema central de sell-primeiro livro, "MisterioCosmogrMico", verdadeiro '1>est-seller" da chamada Revolu~ioCientifica da Renascen~ enta~ em plena eferves~ncia. Pelto do'fim, ele ainda publicaria "As Harmonias do Mundo", ondederivar a "harmonia das esferas celestes" da re~o deparentesco entre as armaduras das escalas musicais, osmonetarios planetarios e os cinco poliedros regulares - cubo,tetraedro, dodecaedro, icosaedro, e octaedt;o(nessa ordem).

Essa jntui~io de KEPLER e realmente notivel. Osparadigmas de interpreta~io da ordem c6smica tem variadohistoricamente entre duas posturas-limite, uma que privilegiauma conc~ discreta ou aritmetica da realidade~ outra que dAa primazia a uma interpre~o de continuum ou geometrica dosfenomenos. KEPLER, aointroduzir pela via geometrica 0 seu

• Palestra de abertura do Xl' Simp6sio Nacional de Geotnetria Grafica, em09.10.94, no Centro de Artes e Comuni~ ciaUFPE.•• Iarbas Maciel e ex-Professor do Departamento de Filosofia ciaUFPE.

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conceito de "harmonia das esferas", estava antecipando algumasdas conclusOeS mais surpreendentes da Fisica relativista e daCosmologia de nossos dias.

E realmente urna intuiyao de genio, porque, eJitreoutras coisas, conduz diretamente ao que poderiamos chamar de~oblema filosofico central da Geometria-urna questao em geraltida como abstrusa, mas cuja soluyao conduziu rapidamente aoesboroamento da Fisica Classica e a superayao definitiva domodelo cosmol6gico newtoneanopela geometrodinamica deEINSTEINIWHEELER.

Durante seculos a interpretayao filosofica daGeometria permaneceu a mesma. A geometria era considerada aexceyao no quadro todo do conhecimento da realidade. Em geral,tOOo conhecimento do Mundo fisico nao passava, no fundo, demera opiniio. Porque se originava dos sen1idos, os quais podemconduzir facilmente ao erro se nao control ados permanentementepe~a razIo. SO a Geometria escapava a esse destino, ja queumcamente suas, proposiyoes podiam ser demonstradasmatematica.mente. E de fato por demais conhecido 0 fascinio queEUCLIDES exerceu sobre a imaginayao de filosofos e cientistassem conta, tOOos empenhados em expor seus resultados e suasteorias more geometripo, a moda geometrica. Os nomes deSPINOZA, com sua "Etica", e de KANT, com sua "Critica daRazao Pura", vCm logo a lembranya e servem para salientar 0

quanto demorou ate que este dilema filosofico da Geometriafosse definitivamente superado.

A superayao do problema consistiu precisamente nadescoberta e desenvolvimento do chamado metoda axiomatico.

Tudo comeyou com a revivescencia, no seculo XVIII,do metoda geometrico pelas maos de Michel CHASLES, que sequeixava amargamente da opiniao geralmente emitida pelosmatematicos de seu tempo, segundo a qual "( ...) a geometria eralingua marta que, no futuro, nao haveria de ter qualquer utilidadeou ~uencia". CHASLES lhes contrap5e as opiniOes de JosephLows LAGRANGE, urn grande analista que, entretanto, se rendia

a superioridade dos metodos geometricos; Lambert AdolpheQUETELET, astronomo belga de grande fama que, nodesenvolvime.nto da estatistica, valorizava sobremaneira aaplicayao da geometria; Gaspar MONGE, 0 inventor daGeometria Descritiva e seus alunos ilustres, dentre os quaisLazare CARNOT- pai do grande fisico Sadi CARNOT - e JeanVictor PONCELET, que muito contribuiram para 0

desenvolvimento da Geometria Projetiva. A esses nomes ilustresdevemos acrescentar os dos matematicos que iniciaram a criticaaos fundamentos da Geometria, a partir da pesquisa sobre 0famoso axioma das paralelas e cujo desfecho todos conhecemostao hem - a descoherta das geometrias nao-euclideanas: GeorgKLUGEL, Johann LAMBERT, este mesmo que deu a primeirademonstrayao rigorosa da irracionalidade donumero pi; CarlF.GAUSS, que chamou primeiramente sua nova geometria de"geometria anti-euclideana", depois mudou - pasmem! - para"geometria astral" e, finalmente, geometria nao-euclideana;Nikolai I. LOBATCHEVSKY, cuja ohra de 1826 Coirepublicadavarias vezes, are que, em 1855, ja cego, ele a refunde sob o titulode "Pangeometria"; e, finalmente, Janos BOL YAI, cujasdescobertas no que ele chamava de "geometria absoluta" 0

conduziram as mesmas conclus5es de GAUSS eLOBATCHEVSKY.

Estamos aqui diante de urn momenta grandioso daHist6ria da Matematica. ·Por urn lado, ganhava-se a conscienciade que nao so as geometrias metricas, mas tambem as geometriasnao-euclideanas constituiam, nofundo, especial~Oes daGeometria Projetiva, a qual, portanto, se revelava como a maisfundamental. Quer dizer, a GeometriaProjetiva e logicamenteanterior a geometria euclideana, porque lida com propriedadesqualitativas e descritivas que estao presentes na propria formayaodas figuras geometricas~ alem do que nao utiliza. a medida daslinhas e dos angulos. Por outro lado, ficava muito claro que asgeometrias eram, n') fundo, criayOes da mente humana, emboraCom fundamentos 11& propriedades fisicas (portanto objetivas) do

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es~o, mas sem constituirem idea~Oes exatas dele. Este seraurn tema central, dai por diante, em toda pesquisa deFundamentos da Matematica. sendo retomado particularmentepor Kurt GODEL principalmente em sua prod~ao mais recente.Toda essa elabora~ao impunha uma completa revisao da baseaxiomatica da Geometria. Moritz PASCH iniciaria essa revisao,que so terminaria com os trabalhos de Felix KLEIN e DavidHILBERT, na transi~ao para 0 seculo atuaJ.

PASCH come~ou pela critica de n~oes tipicamenteeuclideanas como "ponto", "linha" e "plano", que nao sao, arigor, definidas nos "elementos". Por exemplo, definir "ponto"como aquilo que nao tem "partes" meramente transfere a questaodo ambito da Geometria - portanto da Matematica - para 0 ambitoda Ontologia, pois que e ai, e somente ai, que se pode definirn~Oes como "todo", "parte", "coisa", "propriedade", "rel~o",etc. AssiTll,na medida em que EUCLlDES se circunscrevia aodominio da Geometria, nessa mesma' medida suas defini~resultavam incompletas. PASCH foi levado, assim,paulatinamente, a mesma conce~ao de "ciencia dedutiva" deARISTOTELES, quando, nos Analiticos Posteriores, ele observaque pelo menos alguns conceitos devem permanecer indefinidos,sobpena de se cair numa regressao infinita, ou de se fazer aGeometria fundar-se em conceitos de outra ciencia (a Fisica, porexemplo). Em Geometria, aSsim, "ponto", "linha", "plano"devem ser escolhidos como termos indefinidos. Tudo 0 que sepode dizer deles deverciestar ja dito unicamente pelos axiomas.Da mesma maneira, nem todo enunciado podera ser demonstradoem Geometria - por exemplo, mesmos axiomas. Todos os demaisenunciados estarao, nnplicita ou expticitamente, referidos a essesaxiomas, os quais, em si mesmos, dispensam demonstra~.

Por que esses enunciados particularissimosdispensariam demonstra~o? A resposta usual - "porque saoevidentes" - podeparecer umasol~ao, mas na verdade suscitaurn problema mais dificil ainda: que significa ser "evidente"?

Esta pergunta leva de volta a Ontologi.a._Osignificadode um conceito, ou a verdade de uma. pro~swao podem ser"evidentes" porque sao referidos a expenencla. Tudo.bem - ma~'., do ponto de vista 16gico (que e 0 que mteressa alS~O, 1 "bMatematica) nao tem. relevancia. Em seu Vor esungen u erneuere Geometrie, de 1882, PASCH afirrna clara edesassombradamente: "(...) Se a geometria tiver de ser_umaciencia dedutiva" (note-se como ele usa a mesma expres~o .deARlSTOTELES), "e essencial que 0 modo em que as mferen~lassao feitas deve ser independente do significado dos ~oncel~osgeometricos, como tambem das figuras; tudo. 0 que e ~re~lsoconsiderar sao as rela~oes entre os concelto.s geometnco~estabelecidos nas defini~es e teoremas". Por lSS0 PASC?Heconsiderado um divisor de aguas na Historia da Geometna. Apartir de Vorlesungen, os matematicos ~prenderam a formularcuidadosamente suas defini~oes e seus axlomas. Foram ale~os,tambem, para 0 fato de que um sistema ~ompleto de axlOmaspara a Geometria tera de ser algo bem mats complexo do que 0

sistema de EUCLIDES.Apesar disso, a solu~ao deftnitiva do problema

fIlosofico da Geometria ainda teria de esperar pelo Grundlagender Geometrie de David IDLBERT, que e de 1899. , .

E notivel a maneira (filosoficamente corretisSlffia)com que HIT.BERT coloca as coisas nos seus de~dos luga~es:"( ) wit denken uns (...) - "Nos imaginamos ~es tI~S de cOlS~S( ) chamadas 'pontos' (...), 'linhas' (...), pIanos (~..) Nosimaginamos pontos, linhas e pIanos em certas rela~oes (...)denominadas 'sobre', 'entre', 'paralelo a', 'congruente' (.:.)". Emse Ida, HILBERT enumera os axiomas a serem obedecldos por

gu ,,' . da"esses entes e essas rel~s tmagma s.Ao "imaginar" essas coisas e rela~oes, ~ERT

cortou de uma vez 0 cordao umbilical que? d~ante sec.ulo~,ligava a Geometria a eXperiencia real. A ~~r dai a Geom~trladeixa de ser Fisica, para tomar-se Mat~matI~a pura. Quer_dlZer,os axiomas nao constituem necessartamente a expressao de

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verdades evidentes. Eles nem sequer precisam ser "verdades". Osconceitos fundamentais cia Geometria sio, assim, estabelecidosimplici~ente pelos axiomas. E e tudo 0 que importa itGe~metna. Se a Geometria licla ounio com as propriedadesUslcas do espa~o. as quais nos sO teriam.os acesso atraves dossentidos, eis 0 que Dio vem ao caso para HlLBERT. Com seusGrundlagen ele separa definitivamente a Geometria do es~sensorial.

Esse extraordinario "turning point" na Historia cia~0:m.etria teni urna r~percussao devastadora na EpistemologiaClentifica, na Ontologta moderna e no proprio arraial ciaciencia.Numa conferencia hoje tomada c1assica, de 1921 sob 0 titulosignificativo de Geometrie und Erfahrung, ElNSTElN afinnava econfidenciava: "Na medicla que os teoremas matematicos sereferem it realidade, eles nao sao seguros. e na medida que elessao seguros, eles nao se referem it realidade C... ) 0 progressoresultante da axiot.n3.ticaconsiste na nitida separa~ao da formalo~ca e dos contelldos intuitivo e real C ... ) OS axiomas SaDcnayi)es vo!untarias da mente hurnana (...) A esta interpre~cJ.ageometna eu atribuo grande importAncia, pois se eu nao ahvesse conhecido. eu jamais podia teria podido desenvolver ateoria da relatividade".

A aplicayao do metodo axiomatico a praticamentetOOosos ramos da matematica parecia confrrmar 0 sonho deHllJ3ERT de formalizar nao so a Geometria, mas tambem aaritmetica e a analise. De fato, no final do seculo XIX amatet.n3.ticaparecia estar se reduzindo a urna vasta cole~ao deestruturas, cada uma das quais construida logicamente em cimade seu proprio sistema de axiomas. A cren~a na universalidade dometodo axiomatico, entretanto. estava apoiada sobre uma base~uito fragil, que GAUSS, RffiMANN e 0 proprio HILBERTnnham se encarregado de destruir - a ideia de que a matematicatem que ver com a verdade dos fenomenos naturais. Essa ideia emuito antiga, afundando raizes no seculo VI A.C.• quando osgregos pre-socmticos com~am a conhecer a natureza como algo

racionalmente estruturado. de modo que todo 0 fenomeno nat':il"alna verdade obedecia a um plano preciso e i~variavel,_emultlmaanalise urn plano matematico. N'A Repub~ca. PLATAC: afirmaclaramente que a realidade por traz da aparencIa dos feno~enos:ou seja, aquilo que. lhe e essencIalmente ~erdaderro, ematematico. A matematica se apresenta, aSSlm, como ,0

verdadeiro fundamento do real. 0 que nos percebemos atravesdos sentidos, dizia PLAT.AO,nao passa de ~ma .r~p~~sentayaoimperfeita do mundo real. A realidade .e a mtehgtbIh~~e doMundo fisico so podem ser compreendidas corn 0 aUXlho ~amatematica, pois «Deus geome,!rizaetemamente". A Geome~aera assim, aos olhos de PLATAO. a chave para a compreensaodo ~iverso. Como se ve, e a mesma ideia de KEPLER, com sua"musica das esferas". :E a mesma ideia, tambem, de GAL[LEO,quando afinnava que 0 livro da.natureza e:,ta "~:crito em ,linguamatematica -os simbolos dessa hnguagem saDtnangulos, clfculose outras figuras geometricas, sem cujo auxilio e hu~anamenteimpossivel compreender uma linica "pala~a" desse l~vro(...) Anatureza e simples e ordenada; seu funclOnamento e reg~lar enecessario. Ela age de acordo com leis matematic~ ~rfeltas eimutaveis (...) A razao divina e a fonte da .raclOnahdad~.danatureza. Deus colocou no universo uma necessldade matemancarigorosa C ... ) 0 conhecimento matematico e, portanto, naosomente a verdade absotuta, mas e ~mbem tao. s~~ros~antoquanto qualquer linha das escrituras". E a mesma IdeIa, ~mda,que move 0 pensamento de NEWTON, ao conceber 0 uDl~ersocomo algo controlado por algumas leis matemati~as - as lel~ dagravitayao universal, - leis essas por sua vez deduzldas a partir deurn conjunto de principios fisicos capazes de sere~ expressadosmatematicamente. Visao grandiosa, esta, que declfra desde osmisterios da queda de uma ma~a e das mares,~ceanic~s, pass~n~opelas trajetorias dos planetas e de seus satehtes, ate ~ ~par19~odos cometas e a "dan~a de Shiva" das estrelas e das galaxlas malSlonginquas.

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Foi essa ideia, antiga quao venemvel, que osgeometras a partir do seculo xvrn revolucionaram, mostrando,com 0 auxilio do metodo axiomatico, como construir diferentesmundos geometricos.

Uma vez resolvido 0 velho problema filos6fico daGeometria, a ciencia de nossos dias se encarregaria de revelarcomo fenomenos aparentemente tao dispares quanto a gravidade,o tempo e a materia tomando-se, juntamente com 0 espa~o,meros aspectos da estrutura geometro-dinfunica do universofisico.

o principio de ordem do universo pode assim hem sero principio de ordem de nossa pr6pria razao. Isto explica 0 poderda teoria matematica de captar essa ordem e essa estrutura darealidade.

Mas, como tudo deve ter oseu pre~o, 0 trabalhodesses geometras levou, tambem, a constata~ao desconcertante deque nossa razao e essencialmente lintitada, como apregoavamtodos os antigos cOdicesreligiosos.

o sonho de HILBERT: afinal- 0 de formalizar toda amatematica -, jamais poderia ser realizado integralmente. Eo quee mais ironico ainda: 0 golpe desfechado sobre 0 programa daescola formalista sairia das maos de dois matematicoscontemponlneos, Kurt GODEL e Alonso CHURCH que, com ademonstra~ao de urn punhado de teoremas poderosissimos,estabeleceram definitivamente a natureza das limita~oes internasde todo sistema formal (sistema 16gicode base axiomatica).

Para que 0 sonho de HILBERT pudesse ser realizado,seria preciso que os sistemas formais construidos paraaxiomatizar as teorias fossem consistentes, isto e, livres decontradi~ao. A demonstra~ao da consciencia de urn sistemaformal, portanto, passaria a constituir a preocupa~ao central dosmatemliticos.

Ate 1930 julgava-se que 0 conjunto das proposi~oesque saDdemonstraveis em urn sistema formal consistente incluiatodas as proposi~Oes verdadeiras desse sistema. Em 1931

OODEL demonstrou alguns teoremas que nos dizem que DaOeassim. 0 primeiro teorema de GODEL, por exemplo,convenientemente parafraseado, afirma que "dado urn sistemaformal adequado (quer dizer, consistente), existem proposi~Oesindecidiveis nesse sistema, isto e, proposi~oes P tais que nem Pnem nao-P sao demonstraveis".

As implica~Oes filos6ficas deste teorema saD

Como P e nao-P constituem proposi~escontradit6rias, uma de1asdeve exprimir urna senten~a verdadeira.Conseqiientemente, havera no sistema formal - a Geometriaadequadamente axiomatizada -, uma proposi~o que exprimeuma frase verdadeira e que, no entanto, DaO pOde serdemonstrada 0 sistema e, assim, irremediavelmente incompleto.Suponhamos que, na tentativa de contomar a dificuldade, 0

sistema formal seja enriquecido com novos axiomas. Inutil: 0

novo sistema contera ao menos uma proposi~ao que sabemos serverdadeira, mas que nao podera ser demonstrada no sistema - eassim ad infinitum. Esse resultado nada tern de abstruso. Aocontrilrio, tem consequencias pniticas altamente relevantes. AAritmetica, por exemplo, contem proposi~oes que sahemosserem verdadeiras, mas nao hil metodo de demonstril-Iasverdadeiras sem que saiamos do ambito da Aritmetica Urnexemplo classico e a chamada "conjectura de GOLDBACI1', queafirma que tOOon-umeropar e a soma de ,dois n-umerosprimos.Ate hoje nunca ~e encontrou urn nfunero par que nao fosse asoma de doispt.irrtos - mas ate agora ninguem conseguiudemonstrar urn teorema garantindo que a "conjectura deGOLDBACI-r' seja valida sem exce~o para todos os D-umerospares. A conjetura, assim, pode ser verdadeira - e de fato pareceque e -, mas DaOe demonstrilvel na Aritmetica tal como pode serhoje axiomatizada

A situa~ao toma-se ainda mais desconcertante quandolevamos em conta 0 segundo teorema de GODEL, que estahelecenao haver seguramente nenhum metodo efetivo mediante 0 qual

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se possa demonstrar a consistencia de urn sistema formal dado,no ambito desse mesmo sistema.

Essa incompletude, hem como essa incapacidade dedemonstrar a consistencia dos sistemas formais e urna suacaracteristica essencial, quer dizer, nada tem de acidental, e isto edemonstrado matematicamenteporOODEL.

Nurna palavra: nenhurn sistema formal pode ter apretensao de esgotar 0 conjunto das proposi~oesverdadeirasmesmo de dominios puramente ideais do conhecimento, como eo caso da Aritmetica e da Geometria, que dira de dominiostremendamente mais complexos, como 0 da realidade fisica,biologica ou sociaL

o teorema de CHURCH conduz a resultadossemelhantesaos de OODEL, mas estabelecendo urna curiosarela~o entre os sistemas formais e os computadores. CHURCHesta em busea de urna '~egra de decisao"para 0 sistema formalenvolvendo urn determinado dominio da matematica que tornasseautomatica a solu~ao de qualquer problema nesse dominio capazde ser expressa com urn "sim" ou "nan". Mesmo paracomputadores ideais, te6ricos, como a mhquina de TURNING,portanto com mem6ria infinita e inquebraveis, CHURCHdemonstra que nao ha regra de decisao possivel, capaz de decidirquais sao as fun~Oesmatematicas que podem ser computadas (ouefetivamente calculadas).

Os computadores atuais possuem urn conjunto deinstru~Oesarmazenadas em sua memoria, que correspondem emtudo as "regras de inferencia'; que compOem a estruturaaxiomatica de urn dado sistema formal. Os resultados de OODELe CHURCH nos dizem quehavera problemas no ambitos dessesistema formal que os computadores jamais poderao resolvercompletamente, por mais poderosas e complexas que sejam essasmaqmnas. Nao e possivel construir urn computador capaz deresolver todos os problemas contidos no dominio de referenciados axiomas de urn sistema formal.

Muito hem - e como fica a Geometria e 0 nossoconhecimento da realidade exterior, depois de todas essas voltase reviravoltas de vinte e tantos seculos de Historia daMatematica?

Se, como vimos, a divisao da realidade pela razaohumana sempre deixa resto; se as ideali~Oes do espa~ levadasa efeito pela Geometria - ou nao seria melhor escrever: pelasgeometrias? - serao sempre irremediavelmente inexatas, comofazer para que a matematica continue a nos ajudat a desvendar ossegredos da natureza?

Que nan ha razAo para nos desesperarmos, e 0 quepodemos concluir da leitura desta passagem de EINSTEIN emurn 0010 livro ("The World as I see If') : ''Nossa expericncia ateaqui justifica a nossa cren~ de que a natureza e a real~ dasmais simples ideias matematicas concebiveis. Estou convencidode que nos podemos descobrir por meio de constru~puramente matematicas os conceitos e as leis que os ligam entresi, 0 que pode nos fomecer a chavepara a compreensio dosfenomenos naturais (...) Naturalmente, a experienCiapennanece 0Unicocriterio da utilidadefisica de uma con~o matemAtica.Mas 0 principio criativo reside na matematica Em certo sentido,portanto, afirmo ser verdade·que 0 pensarnento puro e capaz decaptar a realidade, tal como sonhavam os aIitigos".

Poderiamos completar: tal como sonhavaARISTOTELES, no momento mesmo (seculo ill A. C.) em quecodificava em bases 16gicasdefinitivas 0 que poderiamos chamarde tradi~ao racional europeia.

o ponto de partida da teoria do conhecimento deARISTOTELES e 0 mesmo da metafisica: se 0 conhecidocientifico e gerado de modo dedutivo a partir de certos principiosirredutiveis (os axiomas), resta saber qual a verdadeira origemdesses principios.

ARISTOTELES faz referencia aqui a estrutura logicado argumento dedutivo utilizado tipicamente pela "cienciadedutiva": urn string, ou sequencia, de enunciados referidos a urn

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subconjunto de enunciados que· dispensam qualquerdemonstr~ao> por serem evidentes por si mesmos (os axiomas);referidos tambem a outro subconjunto de enunciados que tambemdispensam demonstr~ao, por ja terem sido demonstrados comoteoremas em outro contexto (as premissas); urn subconjunto deenunciados elementares universalmente validos cuja fun~ao erelacionar sucessivamente os enunciados da sequencia entre si etambem com as premissas e os axiomas; e, finalmente, 0

enunciado final da sequencia, que coincide justamente com a teseque se quer demonstrar (a conclusao).

Segundo 0 Estagirita, a tentativa de fundardedutivamente os axiomas conduziriam imediatamente a urnaregressao infinita incontomavel. Se a verdade da conclusao tirasua autoridade de cada urn dos enunciados que Ihe antecedem nasequencia, de onde finalmente derivaria a verdade das premissas?A resposta evidentemente sera: dos axiomas. Mas entao imp<>e-senova pergunta: e de onde derivaria a verdade desses axiomas? Eiso problema

Numa Palavra: 0 que ARISTOTELES queria dizer eque, em ciencia, DaOse pode pretender demonstrar tudo. E diantedo Problema da fundamenta¢o dos axiomas - que marca- 0

verdadeiro momento hist6rico em que san discutidas pelaprimeira vez questoes de Fundamentos da MatemAticana tradicraocultural ocidental -, 0 que ele fez foi admitir, tambem pelaprirneira vez, a lin'litacraoda razao, colocando 0 fundamentoUltimodos axiomas numa instincia superior a razao - urna certavisao intuitiva, ligOOaa intuicraosensivel atraves de urn Processode inducrao.

ARISTOTELES antecipou, assim - s6 para salientar aenorme importancia filosofica do seu pensamento - grande Parteda critica fenomenol6gica de Edmund ffiJSSERL, em sua obrapOstuma "A Crise das Ciencias Europeias e a Fenornenologia,Transcendental" (1954). Sern abandonar a razao, AR1STOTELESlhe coloca um degrau acima a intuicrao.

Nao limita, como depois fariam os modemos a partirde GALlLEO, a racionalidade a este seu subdominio, que e aracionalidade cientifica tipica da visao do Mundo da Revolu~aoCientifica do seculo XVll.

E nao 0 faz porque a visao do Mundo que ele herdoude seu mestre PLATAO era muito diferente do racionalismonaturalista que animava os grandes mestres da Renascen~a. Emsua visao teo16gico-antropologica, 0 Estagirita considera osfenomenos sensiveis como m~ de uma "razaocosmica", a qual 0 espirito humano esta aparentado. Em razaodesse parentesco mesmo, a mente, partindo da intui~o sensivel,consegue penetrar a essen.cia e as causas mais' profundas dosfenomenos atraves da intui~o intelectua1. Nisto consiste averdadeira "''ind~ao'' aristotelica. Nao e~ao, cornoaentendemos hoje, senao num sentido secundario: eintui~aomesmo - e s6 ela pode nos fomecerum conhecimento imediatoda verdade dos axiomas.

E como se·tivessemos duas "r:azOes",ou methor, dOisideais de racionalidade convivendo 1000 a lado no leito da grandetradicraoracional ocidental - a rado naturalista, nao raras vezespositivista, geralmente cientifista,pr6pria do modo de pensar dacomunidade cientifica e tecnica europeia ou europeizada; e arazaoiluminada pela intui~ao (intelectual"e sensivel),por issomesmo mais proxima da vida e da Hist6ria,. aberta a arte e aschamadas Humanidades.

Ai estAa raiz hist6rica do fosso (alias, desnecessano)que terminou por se abrir entre as chamadas "duas cultui'as" quecaracterizam 0 pensamento ocidental contemporaneo. De umlado, as ciencias charnadas exatas, aliadas a tecnica; do outro, asHumanidades, relegadas a periferia da comunidade cientifica.

E nesse contexto justamente que desejamos colocar aanalise filos6fica da Geometria contemporanea Ha que distinguirtambem neste campo a presencra de duas correntes, se nao deduas "culturas geometricas" pelo menos de duas atitudes bastantediferenciadas.

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A primei~ fiel a grande tradi~o racional ocidental,segue a vertente hist6rica iniciada poT PLATAO eARIST6lELES com a inven~o do metodo hipotetico-dedutivo,de que a geometria euclidiana sera talvez a melhor expressao eque, com 0 passar dos seculos e pelas maos deP ASCH eH1l,BERT, liberta nao sOa geometria mas toda a matematica deuma excessiva vincula~ a realidade natural tornando-seinclusive 0 modo de pensar tipico da grande' maioria dosmatematicos de hoje em seu trabalho de rotina.

. . A outra vertente, sem deixar de ser fiel a evolu~ao~st6nca que leva de EUCLIDES a IDLBERT, procuraJustamente preservar essa vincula~o do pensamento matematicoao re~, correspondendo, assim, ao modo de pensar de urnacom~~e menos numerosa, talvez, de matematicos puros, mas,sem dUVIdaalguma, tambem ao modo de pensar e a rotina detrabalho de uma comunidade bem mais ampla de especialistasque laboram .em campos cujas fronteiras vao se interpenetrandocada vez maIS, acompanhando os progressos do conhecimento,c?mo e 0 caso do "design" da arquitetura e da comunica~VIsual emgeral, todos tribmarios da Geometria Grafica(Geometro~fi~ ~ suas varias subdivisOes e especializa~Oes) edas novas discIphnas que vao surgindo com 0 extraordinariodesenvolvimento das aplica~oes do computador a Geometria:Projetiva ('<comptrtacional Geometry", ''Discrete Geometry",~'Computer Aided Design", "Computer Vision" "ComputerGraphic.s", "Pattern Recognition", "Image Algebra", "ImageProcessmg", etc.). Sao geometrias mais pr6ximas da vida,vol~ para a sol~ao de problemas fisicos que requerem umconhec11l1entodetalhado de entes fundamentais como as curvas eas .superficies,~a vez que, no mundo real, as trajet6rias dosobJetos em mOVllllentosao curvas e os pr6prios objetos que noscercam ~o corpos tridimensionais limitados por superficies. Naome~os lmportante: sao geometrias abertas a vida economica,SOCIale cultural do homem. Por conseguinte, geometrias rnms

abertas a intui~ao, a arte, a comunica~ao, vale dizer, geometriascom urna elevada carga.semiol6gica.

E ai chegamos a urn importantissimo ponto dearticula~ao no desenvolvimento hist6rico da matematica,rnormente da geometria, com implica~oes praticas de medio elongo prazos, em especial, para 0 futuro do Desenho no Brasil.

Trata-se realmente de urn ponto de articula~ao, de urnnodo no longo processo hist6rico que levou 0 pensamentomaternatico dos paradigmas gregos c1assicos da Academia de·PLATAO e da escola de ALEXANDRIA, passando pela ldadeMedia, Renascen~ e Mundo Modemo, ate 0 paradigma vigenteem nossos dias, bem ilustrado pela revolu~o operada porCANTOR, HILBERT e pela escola de BOURBAKI.

Poderiamos ate chama-Io de urn nodo ascendente, amaneira do que marca a intersec~o da 6rbita de nosso planetacom 0 plano da ecliptica em sua viagem anual em volta do sol -s6 que urn nodo ascendente hist6rico. Urn "ponto de rup~'~, sese quiser, em que devemo ocorrer mudan~as quahtatIvasprofundas, dado 0 grande alcance cultural - ou deveriamo~zercivilizat6rio? - deste processo particular.

Nessa mudan~a a medi~o entre 0 ''novo'', que javem ha coisa. de uma decada se insinuando nos artigos dasrevistas especializadas e em alguns livros seminais publicados, eo "velho", que 03.0 deixa de ser importante mas ja e uma formahist6rica esgotada, esta justamente a carg<?da Geometria - e, naopor acaso,. nesta sua segunda e mais "hurnana" vertente. 0 queinveste 0 ensino do Desenho, principalmente em nosso pais, deuma missao hist6rica.

Referimo-nos a Geometria enquanto morfologiate6rica,no sentido de Rene TROM - geometria gra:fica, sevoltada para a "figura" na an31ise e expli~ da formageometrica enquanto aspecto extemo que os objetos apre~ntamno espa~; e morfodin3.mica, se voltada para. a an311se eexplica~o da estrutura intema e da dinamica subJacente a urnfenomeno ou a toda ordem de fenomenos.

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Esta e, de fato, a palavra,..chave- morfologia - para acompreensAo da m~ que est&.ocorrendo neste vasto quaodificil campo que e 0 da descri~o matematica da figura e daforma. Por que a morfologia, emborahoje lembre imediatamentenomes de grandes matemAticos como Rene THO~ E.C.ZEEMAN, Jean PEmOT, V. ARNOLD, S. SMALE, H.MAnIER e M MORSE, possui uma longa hist6ria que passa,obrigatoriamente, pelo nome de GOETIffi :

"(...) A morfologia ainda deve ser legitimada comociencia particular, tendo por objetivo principal aquilo que emoutras ciencias e tratado apenas ocasionalmente e de passagem,recolhendo 0 que nelas seencontra disperso e estabelecendoumnovo ponto de vista que permita. facil e comodamente examinaras coisas da natureza. Os fenomenos dos quais se ocupa sao damaior importinci~ as opera~s mentais por meio das quaiscompara os fenomenos sao conformes a natureza humana e lhesic> agradaveis, de modo que tal (ciencia), mesmo que resultassemaIograda,reuniria utilidade e beleza" (citado por V.I. PROPP,~'Morfologiado Conto MaravilhosO",Forense, Rio, 1984).

A morfologia 1100 malogrou, alem de constituir umaencruzilhada para onde convergem muitos saberes alem dosdiversos campos da Matematica - Fisica, Biologia, Psicologia,LingUistica, Arquitetura, "Design", Escultura, etc. A ciencia daforma, ou simplesmente moTfologia te6rica - ou ainda maiscompactamente : geometria - interessa-se pela analise, descri~e explica~o dos principios profundos e em geral invisiveis degera~o e sucessao das formas.Pode assumir toda uma variedadede aspectos exteriores - por exemplo, eIa pode aparecer aquicomo a geometria das singularidades de aplica~Oesdiferenciaveis, all como a geometria das chamadas catastrofeselementares de mOM ou como a geometria da bifurca~ao deuma caustica numa familia de aplica~oes lagrangianas~ou aindacomo a geometria dos sistemas de representa~ao das simetriascristalognificas; ou como a topologia de atratores na dinfunica

mental responsavelpela forma~ao do significado dos conceitos,etc.

E este 0 sentido profundo do atual momentonodesenvolvimento hist6rico da Geometria: 0 pensamentogeometrico deve romper as antigas fronteiras q1,Je 0 m.antinbamconfinado e partir para aprofundar toda a gema inesgotAvel deintera~Oes com os demais saberes e dominios da experi&.ciahuman~ .

Do ponto de vista do conhecimento humano, ondequer que esteja presente a forma - e ela esta em tudo, porque apr6pria vida e forma, como dizia BALZAC, 0 grande romancistafrances -, pois hem, onde quer que esteja presente a forma atestara posto urn problema ao espirito humano, cuja geometria lhedan'l0 significado profurido dessa forma.

Poderiamos, ou melhor, deveriamos glosar KEPLERe afirmar: - Ubi forma, ibi geometria!

Muito bem - e como ficam 0 Desenho e 0 ensino.doDesenho, uma vez decifrado 0 sentido historico dessas mudan~asde paradigma em nossa maneira de entender a Geometria vis-a- .vis dos enigmas da natureza, que sao, em Ultimaanalise, enigmasda forma?

A missao hist6rica do Desenho hoje no Brasil nosparece uma dupla missao: a de elemento transmissor do enormepatrimonio de conhecimento geometrico acumulado ao longo detodos esses seculos de hist6ria da matematica e a de elementomediador da conversao desse conhecimento geometrico. strictusensu em conhecimento geometrico lato sensu.-- Ora, geometria lato sensu e morfologia te6rica."Te6rica", porque a morfologia de THOMIPETlTOT constitui,no fundo, uma teoria geral de modelos.

Portanto, .ao Desenho, como a morfologia te6rica,esta reservado 0 papel de centro para onde convergem todos ossaberes interessados na forma: Matematica, Fisica, Biologia,Psicologia, Lingiiistica, Arquitetura, "Design", etc. - e, por quenao dizer, as Humanidades em geral? - como se a ele, ao

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Desenho, coubesse a missao de proclamar as consciencias: Ubiforma, ibi geometria!

E agora vamos tentar mostrar por que.o atual momenta hist6rico e urn tempo de ruptura

Vivemos algo como uma "catastrofe" hist6rica, no sentido demOM. Entre muitas outras coisas, do ponto de vista doconhecimento, estamos vivendo urn acerto de contas de tudoaquilo que a Renascen~a (onde, por sinal, estao fincadas as raizesde nossa crise atual) ficou a nos dever.

A Revolu~ao Cientifica dos seculos XVI e xvncometeu e nos legou dois grandes erros: primeiro, a ilusao (aliascomoda para a maioria) de que a rwo discursiva, ou rwocientifica, esgota todo 0 dominio da razao humana~e segundo, acegueira diante do fato inegavel de que 0 homem nao vive apenasem urn universo fisico, mas tambern - serraoprincipalmente - emurn universo simb6lico, que e uma cria~ao sua Por sobre ser urnanimal racional, como hem 0 observa CASSlRER, 0 homem eurn animal simb61ico.

A razao humana, contrariamente ao que pensavam osmestres da Revolu~ao Cientifica, parece ser urn poliedro de milfaces.

Eo· universo simb6lico que ela criou e em que 0

homem esta totalmente mergulhado e 13.0 infinitamente rico evariado quanto 0 universo fisico em que ele vive.

Os misterios insondaveis da linguagem - pensem, porexernplo, na linIDJagempoetica -, do mito, da religiao, da arte, dapr6pria ciencia, da filosofia, enfim, toda essa enOrme massa decultura que 0 homem produziu ao longo das sucessivasciviliza~oes que se sucederam no panteao da Hist6ria, nada dissopode ser ignorado se trata de participar ativa e conscientementeda vida da sociedade. Mais particularmente: aquele que labora noarraial da ciencia, se ele e realmente urn cientista consciente, deespirito aberto, a sua perspectiva diante das coisas e daquilo quee 0 seu problema rrao podera deixar de ser a perspectivamorfo16gica, portanto, nao urna visao isolada, mas uma visao

Jarb •• lIIacle1

integrada das coisas e daquilo que e 0 seu problema. Se ele eurnmatematico, a hist6ria do seu problema certamente 0 fanisens~vel ao "espirito do tempo" em que os embrioes questOeSsurgIam e se entrela~vam com os problemas fisicos ou deengenharia, ou da vida.privada da epoea. Se ele e urn crltico de~e, os problemas tecnicos relacionados ao meio sensivel dapmtura, da escultura, da mUsics, etc. Certamente 0 colocarao emcontacto com a tecnologia e, dai, com a ciencia de urnadeterminada epoca - e assim por manteo. Porque 0 homem e urn animal simb6lico toda acultura sera, em ultima analise, urn processo de comuni~a~ao, ouo produto de urn tal processo. A informayao que flui atravesdesse 'p~ocesso tern uma.signi:fi~ao, aMm de ser ordenada porurn cOdigo,porque 0 umverso simb6lico que 0 hornem criou eantes de tudo, urn universo do sentido. As "coisas" desseunivers~.;.entes de cultura - sao significantes ou significados, estilo sempreprenhes de conota~Oes e denota~es que, por sua vez, van seentr~l~~do em estruturas (as chamadas "estruturas-c6digo" da~mlologta), de modo a veicular as mensagens que fluemmce~sante~ente atraves do sistema. Essas rnensagens podem serde tlPOS dlversos, ~omo a mensagem estetica, a mensagem~er~~nte per~~lva, ~como na publicidade), a mensagemldeologtca, pohnca, etIca etc. Cornotambem todos esseselementos do sistema podem pertencer a um dorninio circunscritoa um~ imica forma de nossa perceWao, por exemplo, poderemosestar mteressados apenas nos c6digos visuais.

Pois bern, afirmamos que a Geometria - a GeometriaGrafic~ . principal~ente -. entendida numa perspectivarnorfologtca, tendera a revoluclonar profundamente 0 ensino doI?esenho, revelando-Ihe toda a riqueza semiol6gica, explicitandongorosamente sens pontos de articula~ao com as diversasmanifesta~oes culturais que Ihe sao mais pr6ximas, integrando-o,enfim, aos demais saberes, tecnicos ou humanisticos, no sentidode alcan~ar aquelas sinteses que sao a marca da educa~ao

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voltada, antes de tudo. para a fonn~o do verdadeiro cidadao.consciente eyarticipativo.

E esse 0 caminho para urn.ensmo do Desenho que 0

tire da si~ de mero (embora fiel) depositario de co~Oesgr3:ficas nao importa quao belas e corretas, de problemasgeralmente isolados cuja bist6ria ou se perdeu por completo ounil<>pode mais' oferecer qualquer interesse 1e6rico ou pra:tico.Esse Desenbo, como esta, morrera de,inani~ao cultural. E matar8de inani~ao, tambem. Qualquer jovem saudilvel e inteligente,exposto aos atuais vendavais da revolu~o eletronica, dar~vol.u~o da midia, da revolu~ao dos computadores epor at vai,dificllmente deixani de considerar 0 ensino tradicional deDesenbo como pouco mais, talvez, do que 0 aprendizado de umalingUa morta. Sair8 do seu curso perplexo, cheio dos "comos"(que ele certamente teTlidificuldade de memorizar ou guardar eque, de qualquer modo, terminara perdendo mesmo) e semnenhum dos "porques" que a atual 6rganiza~ao do ensino eincapaz de prover. Talentos sag, assim, desencorajados nonascedouro, numa na~ao que necessita deles cada vez maisavidamente. 0 que e pior: alem de se desperdi~ uma dasmelhores chances de ensinar a flor da juventude a pensar demaneira integrada 0 seu assunto de interesse, ou a considerar osproblemas da sua especialidade na articula~ao correta com osdemais campos do saber, de modo a dar-lhe a necessariaperspectiva, maturidade e independencia, 0 que se estaconseguindo fazer, a longo prazo, e ensina-lo a se dispensar depensar. Veneno mortal para a sua criatividade,ja se ve.

Nao ha como eludir esta constata~ao: os verdadeirosexplicadores do "metier" do desenhista, do arquiteto, do"designer" nao serao encontrados pura _e simplesmente naGeometria, em qualquer de suas especialidades, ate que se adotea perspectiva morfol6gica e se integre 0 ensino do Desenho apartir da valoriza~ao e da· explora~ao do seu conteudosemiologico.

Existe uma "sintaxe geometrica", unica capaz derevelar as rela~oes logicas, epistemologicas, ontol6gicas,esteticas, historicas, economicas, sociais, culturais enfim, quecompoem a trama e a urdidura do verdadeiro espaco sobre que 0

desenhista, 0 "designer" ou 0 arquiteto realmente trabalham. Eum erro melancolico - e cada vez mais proibitivo - ensinar queesse espa~o e meramente 0 espa~o fisico da velha geometria, dotempo em que, antes do advento das geometrias nao-euclideanase da fisica relativista, se pensava ser a geometria de fato a cienciaque estudava as propriedades do espa~o fisico. 0 espac;:ododesenhista, do arquiteto, do "designer" e um objeto infinitamentemais complexo - um misto, composto do espayofisico, maistantos espa~os puramente geometricos ou topol6gicos quanta asoluyao de seus problemas particulares exigir e - last, but notleast - do espa~o simb6lico da cultura em que eles estao e( porcerto deveriam estar!) integrados. .

E este 0 salto qualitativo que a comunidade deDesenho esta sendo historicamente chamada a dar. Missaograndiosa, pelas imensas dificuIdades que ela certamenteencontrara pela frente. Destas, infelizmente, a nao menor estarepresentada pela propria Universidade, cuja organiza~ao doensino encontra-se ha decadas engessada, com os seus diversossaberes confinados em compartimentos estanques - os Centros eos Departamentos -, com pouca ou nenhuma intera~ao, 0 queconduz a urna visao burocratica e cartorial da cultura, a miudedominada por interesses subaltemos que s6 tendem a corromper 0

projeto inicial da universidade brasileira. A revolu~aomorfologica da Geometria nao pode ser a obra isolada de urnimico Departamento, ou de urn iInico Centro, porque e da propriaessencia da ideia de universidade que 0 desenvolvimento real detodos os demais ramos. Porque, do contrario, nao se tera umaverdadeira universidade, mas antes uma pluriversidade, cujodestino fatal so podera. ser a dispersao dos esfor~os e adesintegra~ao de toda uma visao de Mundo e de suacorrespondente atitude diante da vida.

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Por isso mesmo este saIto pode ser dado, ainda que acusta de muito "sangue, SUOT e lagrimas".

Temos confianya em que ele sera dado.

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