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2. a arte literária

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SUMÁRIO DO VOLUMELITERATURA

1. Arte 62. A arte literária 113. A linguagem literária 224. Gêneros literários 33

4.1 Gênero épico 334.2 Gênero dramático 354.3 Gênero lírico 36

5. As diferentes épocas por meio da literatura 46

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Literatura 3

SUMÁRIO COMPLETOVOLUME 1

1. Arte2. A arte literária3. A linguagem literária4. Gênero literários5. As diferentes épocas por meio da literatura

VOLUME 2

6. Trovadorismo7. Humanismo8. Classicismo

VOLUME 3

9. Quinhentismo no Brasil10. Barroco

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Queridos(as) estudantes,

Começa agora na vida escolar de vocês uma etapa signifi cativa: o estudo da Literatura. Muitos devem estar se perguntando o que isso signifi ca; outros devem estar pensando “lá vem aquele montão de livro pra gente ler” ou “o que tenho a ver com isso tudo?”. Calma! Vocês verão o quanto é enriquecedor e instigante o olhar que lançaremos sobre essa manifestação artística. As respostas virão naturalmente e esperamos que, com elas, venham mais e mais perguntas, porque é isso que move o ser humano: o desejo de saber, de conhecer, de compreender a si mesmo e o mundo que o cerca. Aos poucos, vocês perceberão que esse “estudo” não tem o pragmatismo esperado por conta da ânsia de ser aprovado num vestibular. O que faremos ao longo das três séries do Ensino Médio será falar de nós mesmos, expondo nossos sentimentos; será uma viagem pelo nosso mundo (o interior e também o exterior). Vocês verão quanto sentido a literatura pode dar à nossa existência. Mas, para que isso aconteça, é preciso que vocês se permitam viajar, mergulhar no universo literário e por ele se apaixonar. Boa viagem a todos.

O Livro Branco, René Magritte.Disponível em: <http://cfi le238.uf.daum.net> Acesso em: 20 set. 2012.

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1. ARTE “A arte é muitas coisas. Uma das coisas que a arte é, parece, é uma transformação simbólica do mundo. Quer dizer: o artista cria um mundo outro — mais bonito ou mais intenso ou mais signifi cativo ou mais ordenado — por cima da realidade imediata. Naturalmente, esse mundo outro que o artista cria ou inventa nasce de sua cultura, de sua experiência de vida, das ideias que ele tem na cabeça, en� m, de sua visão de mundo”.

GULLAR, Ferreira. Sobre arte. Rio de Janeiro: Avenir; São Paulo: Palavra e Imagem, 1982.

A palavra “Arte” é um termo que não se esgota, pois sua de� nição não é simplista. Há estudos que apontam o surgimento da Arte para o homem tentar estabelecer o controle sobre a natureza, ou que ela teria apenas função decorativa, ou que representaria as crenças e os rituais de grupos humanos. Da arte pré-histórica até a dos dias atuais, o tema, o objetivo, a função social e os seus signi� cados se modi� caram, entretanto ela segue � rme como forma de expressão humana, de representação de ideias e de ideais, de “transformação simbólica de mundo.” Veja um exemplo disso com uma pintura rupestre e um gra� te dos dias de hoje:

Exercícios de salaExercícios de sala

Observe este quadro do pintor René Magritte e responda ao que se pede:

René Magritte: artista surrealista belga, criador de imagens insólitas.

PINTURA RUPESTRE.

Disponível em: <http://www.haut-thorenc.com>. Acesso em: 20 set. 2012.

MOSS STENCIL.

Disponível em: <http://incl.greenme.ie>. Acesso em: 20 set. 2012.

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1 Qual objeto você vê nessa pintura?

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2 Há, nele, logo abaixo do objeto, a menção: “Ceci n’est pas une pipe.” que signifi ca: Isto não é um cachimbo. Considerando o que foi tratado a respeito de Arte, como pode ser entendida tal menção?

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Agora, observe esta outra obra de René Magritte.

Disponível em: <http://4.bp.blogspot.com>. Acesso em: 20 set; 2012.

Clarividência, Renné Magritte, 1936, Galerie Isy Grachot, Brussels-Paris.

3 René Magritte é considerado um criador de “imagens insólitas a partir de um tratamento rigorosamente realista”. Nessa obra, o pintor pinta a fi gura de uma ave, fugindo ao senso comum, embora a representação da ave seja fi el à realidade. Considere o título (e explique-o) para dar sentido ao que o artista faz em sua obra.

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Agora, leia este texto:

A ARTE E SUAS FUNÇÕES

Andando pelas ruas de sua cidade, você passa por uma praça e vê uma escultura, em um edifício vê um mural de azulejos ou uma pintura, em uma igreja vê mosaico ou um vitral colorido. Se você é observador, sensível e tem tempo, com certeza gosta de fi car olhando para tudo isso.

Essas formas, diferentemente dos objetos utilitários que você usa no dia a dia, têm a função de encantar, de provocar a refl exão e a admiração, de proporcionar prazer e emoção.

Essas sensações são despertadas por um conjunto de elementos: a imaginação do artista, a composição, a cor, a textura, a forma, a harmonia e a qualidade da ideia. Nem todos os objetos artísticos têm uma utilidade prática imediata além de estimular o pensamento, a sensibilidade ou causar prazer estético.

As obras de arte expressam um pensamento, uma visão do mundo e provocam uma forma de inquietação no observador, uma sensação especial, uma vontade de contemplar, uma admiração emocionada ou uma comunicação com a sensibilidade do artista. A esse conjunto de sensações chamamos de experiência estética.

Nem sempre essa experiência é ligada unicamente ao prazer, pois às vezes fi camos inquietos, pensativos, emocionados, tristes, amedrontados ou assustados. E, muitas vezes, principalmente na atualidade, há artistas que procuram provocar o público, causar um choque. O que nos atrai é a sensibilidade do artista, sua imaginação, seu intelecto, sua percepção especial da vida, mesmo quando apresenta aspectos negativos.

O gosto e a sensibilidade para apreciar a arte variam de pessoa para pessoa, de idade para idade, de região para região, de sociedade para sociedade, de época para época. Assim, as manifestações artísticas trazem a marca do tempo, do lugar e dos artistas que as criaram, pois refl etem essa variação no conceito de beleza e na função do objeto artístico.

Em muitas sociedades, a arte é utilizada como forma de homenagear os deuses, ou seja, está ligada à religião. Observe como as igrejas, os templos e os túmulos são locais em que a arte se manifesta em todos os tempos. Indumentárias, objetos que são usados em rituais, instrumentos musicais, adereços, imagens contemplam os cenários das cerimônias religiosas.

Em outras culturas e épocas, a arte surge, independentemente da religião, unicamente como forma de expressão para quem produz, e como oportunidade de experiência especial para quem aprecia.

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Qualquer que seja sua direção, a arte está em toda parte e é um elemento defi nidor de identidade de um povo, de um grupo social e de um indivíduo.

O artista pode se manifestar de diversas formas: pelo som (música), pela linguagem verbal oral ou escrita (literatura), pela imagem visual (pintura, desenho, escultura, gravura, fotografi a) ou pela linguagem corporal (dança). Ou pode, ainda, expressar-se pela mistura de várias linguagens.Jô Oliveira e Lucília Garcez. Explicando a arte: uma iniciação para

entender e apreciar as Artes Visuais. Rio de Janeiro, Ediouro, 2001. P. 10-3.

4 No primeiro parágrafo do texto, os autores citam algumas possibilidades de se encontrar arte. Faça um passeio pela sua escola, pela sua cidade e registre o que encontrou de manifestação artística e o que sentiu em relação a ela(s).

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5 No segundo parágrafo, a que se referem os autores com a expressão “objetos utilitários”?

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6 Segundo os autores, a arte pode despertar algumas sensações. Você concorda com eles? Por quê?

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7 Leia estas afi rmações a respeito do texto Identifi que as que estão incorretas e reescreva-as, corrigindo-as.I) A arte é uma representação da realidade.

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–––––––––––––––––––––––––––––––––––––II) Os objetos artísticos têm sempre função pragmática.

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–––––––––––––––––––––––––––––––––––––III) A imaginação do artista, sua visão e compreensão de mundo e seus ideais compõem a obra de arte.

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–––––––––––––––––––––––––––––––––––––IV) A arte está limitada aos espaços dos museus e é um elemento defi nidor de identidade de um povo, de um grupo social e de um indivíduo.

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Agora, observe este quadro de Portinari.

Disponível em: <www.portinari.org.br>. Acesso em: 14 ago. 2009.

Cândido Portinari: artista plástico brasileiro, com cerca de cinco mil obras, é considerado o pintor brasileiro de maior projeção internacional.

8 O que você vê representado nessa obra?

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9 Das funções da arte, mencionadas pelos autores no texto lido, qual você considera que a obra de Portinari desperte?

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10 Sabendo que a arte é uma forma de representação da realidade, a qual fato real ela está ligada?

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Fatores constituintes da produção artística A produção artística está ligada e condicionada a diversos fatores que participam de sua constituição, tais como a vivência do artista e de sua época, a linguagem, o suporte, o público e a forma de circulação. Vamos pensar numa obra artística e identi� car seus fatores constituintes para esclarecer o que foi dito. Você conhece a música Cálice, de Chico Buarque e Gilberto Gil? Leia sua letra e, se possível, ouça a música.

Pai! Afasta de mim esse cálicePai! Afasta de mim esse cálicePai! Afasta de mim esse cáliceDe vinho tinto de sangue

Pai! Afasta de mim esse cálicePai! Afasta de mim esse cálicePai! Afasta de mim esse cáliceDe vinho tinto de sangue

Como beber dessa bebida amargaTragar a dor e engolir a labuta?Mesmo calada a boca resta o peitoSilêncio na cidade não se escutaDe que me vale ser fi lho da santa?Melhor seria ser fi lho da outraOutra realidade menos mortaTanta mentira, tanta força bruta

Pai! Afasta de mim esse cálicePai! Afasta de mim esse cálicePai! Afasta de mim esse cáliceDe vinho tinto de sangue

Como é difícil acordar caladoSe na calada da noite eu me danoQuero lançar um grito desumanoQue é uma maneira de ser escutadoEsse silêncio todo me atordoaAtordoado eu permaneço atentoNa arquibancada, pra a qualquer momentoVer emergir o monstro da lagoa

Pai! Afasta de mim esse cálicePai! Afasta de mim esse cálicePai! Afasta de mim esse cáliceDe vinho tinto de sangue

De muito gorda a porca já não anda (Cálice!)De muito usada a faca já não cortaComo é difícil, Pai, abrir a porta (Cálice!)Essa palavra presa na gargantaEsse pileque homérico no mundoDe que adianta ter boa vontade?Mesmo calado o peito resta a cucaDos bêbados de centro da cidade

Pai! Afasta de mim esse cálicePai! Afasta de mim esse cálicePai! Afasta de mim esse cáliceDe vinho tinto de sangue

Talvez o mundo não seja pequeno (Cale-se!)Nem seja a vida um fato consumado (Cale-se!)Quero inventar o meu próprio pecado (Cale-se!)Quero morrer do meu próprio veneno (Pai! Cale-se!)Quero perder de vez tua cabeça! (Cale-se!)Minha cabeça perder teu juízo. (Cale-se!)Quero cheirar fumaça de óleo diesel (Cale-se!)Me embriagar até que alguém em esqueça (Cale-se!)

Composição: Chico Buarque e Gilberto Gil

CÁLICE

Respectivamente, nas imagens:• Chico Buarque: Músico, dramaturgo e escritor brasileiro, conhecido como um dos maiores nomes da música popular brasileira. Foi, na década de 70, um dos artistas mais críticos em relação à política brasileira e um defensor da democratização do País.• Gilberto Gil: Músico e político brasileiro, conhecido principalmente por composições instigantes ao lado de Caetano Veloso, nome de relevo no movimento tropicalista, cuja preocupação central eram os problemas sociais do País, aliada a uma ideologia libertadora, a um inconformismo frente à maneira de viver do povo brasileiro.

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Cálice foi composta em 1973 por Chico Buarque e Gilberto Gil. Este compôs o refrão “Pai, afasta de mim este cálice / de vinho tinto de sangue”, uma referência à agonia de Cristo no Calvário, mas Chico foi além e percebeu a possibilidade ambígua em cálice/cale-se. A partir daí, a música foi composta. Nela há um jogo de palavras de objetivo bem claro: despistar a censura da ditadura militar. Naquela época, o Brasil viva sob tal regime e era comum o veto a qualquer manifestação de oposição a ele. A canção foi levada a censura e os artistas foram recomendados a não cantá-la. Porém, no show Phono 73, no Palácio das Convenções do Anhembi, São Paulo, em maio de 1973, Gil e Chico tentaram cantá-la, mas seus microfones foram desligados. A música só foi liberada em 1978 no álbum de Chico Buarque.

Exercícios de salaExercícios de sala

11 Considerando as informações anteriores, podemos construir um diagrama com os fatores constituintes da canção Cálice.

LIC

E

Suporte

Linguagem

Estrutura

Contextohistórico

Meio decirculação

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A arte literária

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2. A ARTE LITERÁRIA

A literatura é a arte cuja matéria-prima é a palavra oral ou escrita. Segundo o crítico Alceu Amoroso Lima,

“A distinção entre literatura e demais artes vai operar-se nos seus elementos intrínsecos, a matéria e a forma do Verbo. De que se serve o homem de letras para realizar seu gênio inventivo? Não é, por natureza, nem do movimento como o dançarino, nem da linha como o escultor ou o arquiteto, nem do som como o músico, nem da cor como o pintor. E sim — da palavra. A palavra é, pois, o elemento material intrínseco do homem de letras para realizar sua natureza e alcançar seu objetivo artístico.”

LIMA, Alceu Amoroso. A estética literária e o crítico. Rio de Janeiro: Agir, 1954.

Alceu Amoroso Lima: Crítico literário, professor, pensador, escritor e líder católico brasileiro. Publicou dezenas de livros e tornou-se símbolo de intelectual progressista na luta contra os exageros do regime militar imposto a partir de 1964 no Brasil.

A literatura existe numa, dentre tantas, função (o termo função aqui tem o sentido de papel social desempenhado) muito peculiar: a representação da realidade. Tal representação é extremamente complexa porque o escritor não tem a pretensão de fotografar ou de copiar a realidade tal qual ela é: cabe a ele a criação de um espaço � ccionalizado, em que os seres, as coisas e as palavras mantenham uma relação que permita a reinvenção do real. E para que isso? A resposta pode estar em diversas perspectivas, mas uma das possibilidades nos é apontada por Mario Vargas Llosa:

A literatura, ao contrário, diferentemente da ciência e da técnica, é, foi e continuará sendo, enquanto existir, um desses denominadores comuns da experiência humana, graças ao qual os seres vivos se reconhecem e dialogam, independentemente de quão distintas sejam suas ocupações e seus desígnios vitais, as geografi as, as circunstâncias em que se encontram e as conjunturas históricas que lhe determinam o horizonte. Nós, leitores de Cervantes ou de Shakespeare, de Dante ou de Tolstói, nos sentimos membros da mesma espécie porque, nas obras que eles criaram, aprendemos aquilo que partilhamos como seres humanos, o que permanece em todos nós além de amplo leque de diferenças que nos separam. E nada defende melhor os seres vivos contra a estupidez dos preconceitos, do racismo, da xenofobia, das obtusidades localistas do sectarismo religioso ou político, ou dos nacionalismos discriminatórios, do que a comprovação constante que sempre aparece na grande literatura: a igualdade essencial de homens e mulheres em todas as latitudes e a injustiça representada pelo estabelecimento entre eles de formas de discriminação, sujeição ou exploração. Nada, mais do que os bons romances, ensina a ver nas diferenças étnicas e culturais a riqueza do patrimônio humano e a valorizá-lo como uma manifestação de sua múltipla criatividade. Ler boa literatura é divertir-se, com certeza; mas, também, aprender, dessa maneira direta e intensa que é a da experiência vivida através das obras de fi cção, o que somos e como somos, em nossa integridade humana, com os nossos atos e os

nossos sonhos e os nossos fantasmas, a sós e na urdidura das relações que nos ligam aos outros, em nossa presença pública e no segredo de nossa consciência, essa soma extremamente complexa de verdades contraditórias — como as chamava Isaiah Berlin — de que é feita a condição humana.

LLOSA , Mário Vargas. É possível pensar o mundo sem romance? In: MORETTI, Franco (org.) A cultura do ramance. São Paulo: Cosac Naify. 2009.

fi cção (espaço fi ccionalizado):aquilo que é criado, imaginado, fantasiado.

Mário Vargas Llosa: Escritor dramaturgo, poeta, ensaísta, crítico literário, jornalista e político peruano, ganhador do prêmio Nobel de Literatura em 2010.

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A arte literária

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Exercícios de salaExercícios de sala

Texto para as questões 01, 02 e 03

GOL DE LETRA

O ex-jogador Tufão, personagem de Murilo Benício na novela “Avenida Brasil”, descobre o prazer da leitura com Kafka, Flaubert e Freud

Divulgação

Murilo Benício como Tufão em Avenida Brasil

ELISANGELA ROXOMARCO RODRIGO ALMEIDADE SÃO PAULO

A conversa a seguir é coisa de novela. “Tá lendo o quê?” “Um livro que a Nina me emprestou. Madame Bova... de Bovári.” “Qual é a dessa madame aí?” “Essa é louca. Sabe que ela trai o marido, mas não gosta de amante? Vai entender!” “Coisa de intelectual.”

Quem experimenta ler pela primeira vez o clássico “Madame Bovary”, de Gustave Flaubert, é o ex-jogador de futebol Tufão (Murilo Benício), de Avenida Brasil, no ar às 21h na Globo.

Na cama, antes de dormir, ele conversa sobre suas leituras com a mulher, a vigarista Carminha (Adriana Esteves).

“O sonho é a estrada real que leva ao inconveniente”, declamava ele, no capítulo da última terça, ao ler um trecho de A Interpretação dos Sonhos. Mas só o próprio Freud, ou “Fred”, como Tufão diz, pode explicar a licença poética de trocar o “inconsciente” do original por “inconveniente”.

A mansão de Tufão tem biblioteca, mas os livros eram apenas decorativos, todos ocos. Os reais chegaram pelas mãos de Nina (Débora Falabella), que busca vingança contra Carminha e, para atingir seu objetivo, trabalha como cozinheira da família.

Os livros são usados por ela para abrir os olhos do ex-jogador sobre o mau-caratismo da mulher, que o trai com o próprio cunhado.

“Ela usa a cultura e a culinária para seduzir as pessoas da casa. É uma inversão de valores. A criada tem mais cultura do que os patrões”, explica João Emanuel Carneiro, autor de Avenida Brasil.

DE OLHOS BEM ABERTOS A leitura não é um hábito comumente retratado

em novelas. Neste caso, porém, além de Flaubert e Freud, Tufão também fi cou vidrado no livro A Metamorfose, de Franz Kafka (leia acima).

É a literatura que desperta o personagem de Benício. “Tufão vai fi car mais sensível, Nina mostrou um novo mundo a ele, o que vai fazê-lo se apaixonar por ela. Mais do que isso eu não falo nem bêbado”, brinca Carneiro.

O autor criou relações entre as tramas dos livros e da novela, um artifício divertido que chamou a atenção dos pesquisadores.

“Estamos diante de uma metalinguagem, uma narrativa telenovelesca com referência a uma literária”, diz Mauro Alencar, doutor em teledramaturgia pela USP.

Para Nilson Xavier, autor de Almanaque da Telenovela Brasileira, a narrativa traz uma mensagem quase subliminar. “Espero que Nina dê o romance O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas, a Tufão, para lhe revelar sua vingança”, torce.

O autor adianta, porém, que o próximo exemplar da estante de Tufão será o clássico da literatura nacional Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.

Especialistas em literatura acreditam que as citações em Avenida Brasil podem atrair a atenção do público para obras canônicas.

“Não importa o meio, o importante é estimular o contato com essas obras. Quem sabe não pode estimular o nascimento de leitores ou até de escritores?”, pergunta Leyla Perrone-Moisés, professora de literatura francesa na USP.

Essa, porém, não é a intenção primordial de Carneiro. “Acho excelente que novela tenha um papel social, mas não sou engajado. O uso da literatura é uma questão da trama, e não um merchandising social”, explica.

Tércio Redondo, professor de literatura alemã da USP, diz que livros não são manuais de repostas simples e diretas. “A literatura abre os nossos olhos para o que a indústria cultural ignora.” Ao que tudo indica, eles já estão abrindo também os de Tufão.

“É PRECONCEITO DIZER QUE SÓ JOGADOR NÃO LÊ”

DE SÃO PAULO

Caso não fosse um personagem de novela, Tufão poderia conseguir bons conselhos de leitura com seu colega de profi ssão Paulo André.

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A arte literária

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Zagueiro do Corinthians, Paulo não só é um devorador de livros como já se arriscou a escrever um para chamar de seu.

Em março, ele lançou O Jogo da Minha Vida (ed. Leya; 304 págs; R$ 39,90), que aborda os bastidores e dilemas da carreira de um atleta profi ssional de forma bem divertida do clichê “dinheiro-mulher-fama”.

Em seu site, www.pauloandreofi cial.com.br, também publica textos sobre futebol e política esportiva no Brasil.

“Por causa do futebol, saí de casa cedo. Como fi cava muito tempo sozinho na concentração, criei o hábito de ler”, conta.

Entre seus livros prediletos, ele cita Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez, O Príncipe, de Maquiavel, e O Banquete, de Platão.

“As pessoas em geral leem pouco no Brasil. É preconceito dizer que só atleta não lê.”

Nas categorias de base, no início da carreira, ele costumava emprestar inúmeros livros aos colegas de alojamento, sobretudo obras de Sidney Sheldon.

No Corinthians, o papo com os colegas William Capita e Wallace é mais cabeça. “A gente falava de psicologia e fi losofi a. No elenco atual, a maioria leu o meu livro e fi quei feliz com os comentários”.

Folha de São Paulo, 13 maio de 2012. Ilustrada, p. E1.

Exercícios de salaExercícios de sala

1 Em “O sonho é a estrada real que leva ao inconveniente”, os autores dizem que só Freud poderia explicar a licença poética de trocar o “inconsciente” do original por “inconveniente”. Levando em consideração o que foi dito sobre literatura nas páginas anteriores, você poderia tentar explicar essa licença poética?

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2 Qual é o papel atribuído à literatura em relação ao personagem Tufão?

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3 E você? Há alguma lembrança de leitura que também tenha lhe revelado algo?

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4 Avalie as seguintes afi rmações:I) Cada época literária tem seu estilo próprio que, ao desaparecer, nunca deixa vestígios.II) Uma obra literária resulta exclusivamente da maneira individual que o autor tem de enxergar o mundo. Essa maneira individual, por sua vez, não sofre interferências do meio.III) Uma obra literária pode retratar e questionar o momento histórico em que foi criada.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a análise correta.a) Todas estão certas.b) Todas estão erradas.c) Estão certas somente as afi rmativas I e II.d) Está certa somente a afi rmação III.e) Estão certas somente as afi rmações II e III.

5 (ENEM) Érico Veríssimo relata, em suas memórias, um episódio da adolescência que teve infl uência signifi cativa em sua carreira de escritor.

“Lembro-me de que certa noite — eu teria uns quatorze anos, quando muito — encarregaram-me de segurar uma lâmpada elétrica à cabeceira da mesa de operações, enquanto um médico fazia os primeiros curativos num pobre-diabo que soldados da Polícia Municipal haviam ‘carneado’. [...] Apesar do horror e da náusea, continuei fi rme onde estava, talvez pensando assim: se esse caboclo pode aguentar tudo isso sem gemer, por que não hei de poder fi car segurando esta lâmpada para ajudar o doutor a costurar esses talhos e salvar essa vida? [...]

Desde que, adulto, comecei a escrever romances, tem-me animado até hoje a ideia de que o menos que o escritor pode fazer, numa época de atrocidades e injustiças como a nossa, é acender a sua lâmpada, fazer luz sobre a realidade de seu mundo, evitando que sobre ele caia a escuridão, propícia aos ladrões, aos assassinos e aos tiranos. Sim, segurar a lâmpada, a despeito da náusea e do horror. Se não tivermos uma lâmpada elétrica, acendamos o nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos fósforos repetidamente, como um sinal de que não desertamos nosso posto.”

VERÍSSIMO, Érico. Solo de clarineta. Porto Alegre: Globo, 1978. t. l.

Nesse texto, por meio da metáfora da lâmpada que ilumina a escuridão, Érico Veríssimo defi ne como uma das funções do escritor e, por extensão, da literatura:a) criar a fantasia. d) criar o belo.b) permitir o sonho. e) fugir da náusea.c) denunciar o real.

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A arte literária

Literatura14

Agora, leia este outro texto para responder às questões propostas a seguir.

Carta a um jovem poeta

“O homem é um deus quando sonha e um mendigo quando pensa”. (Hölderlin)

No princípio é o sonho. E, depois dele — mas implicando-o, necessariamente —, é o contato, o contraste e o confronto com a estranheza das coisas. O movimento humano se faz da fantasia para a concretude do mundo. Temos que perder o macio inimaginável do sonho, sua diáfana gentileza de pés de lã, para ancorar no concreto. Temos que saltar de paraquedas, na direção da realidade. Torna-se indispensável, nesta hora, um aparelho minimamente capaz de amortecer o choque contra a terra:

Disponível em: <http://cinemaedebate.fi les.wordpress.com>. Acesso em: 28 set. 2012.

Disponível em: <www.cinematecaveja.com.br>. (Adaptado)

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A arte literária

Literatura 15

tranco fundador. É, porém, ilusório supor que tal passagem possa processar-se sem ruptura — e sem vertigem. Machado de Assis, do alto de sua ironia, garante que é melhor cair das nuvens do que de um terceiro andar. Não estou seguro de que este aforismo possa adequar-se, com propriedade, ao tema que examinamos. Os sonhos não são nuvens, mas a primeira pátria do homem. Cair deles é — literalmente — perder o paraíso, vicissitude com certeza mais dolorosa do que partir uma perna, após a queda de um terceiro pavimento.

O poeta, o fi ccionista dão o salto do sonho para o signo compartilhado. Existe, fora de dúvida, um sofrimento na agonia da criação artística, na medida em que ela é um parto — e um nascimento. Pulamos do avião, abandonamos o grande bojo narcísico pela aventura de recortar em palavras, imagens e metáforas aquilo que é nosso mistério original. Não obstante, na dor universal desse processo de objetivação, por cujo intermédio o ser humano se eventra, para conhecer-se, o artista fi ca com a melhor parte. Ele consegue construir um sonho — ou um voo — dirigido, cujo destino se consuma na obra de arte. O artista conquista e preserva, portanto, sua condição de fazendeiro do ar, permanecendo no território da semiótica — lugar onde o humano se embriaga da insustentável leveza do ser.

HÉLIO PELLEGRINO.A burrice do demônio. Rio de Janeiro: Rocco, 1988.

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Aforismo: afi rmação curta que estabelece uma regra prática.Consumar-se: resultar.Diáfano: muito fi no, transparente; difícil de reter.Eventrar-se: expor as vísceras do próprio ventre.Narcísico: narcisista, excessivamente centrado em si mesmo.Semiótica: ciência que estuda os signos (letras, gestos, desenhos, etc.) e seus signifi cados.Vicissitude: acontecimento imprevisto, geralmente defavorável.Fazendeiro do ar: referência a um famoso livro de poemas de Carlos Drummond de Andrade, lançado em 1954.Insustentável leveza do ser: referência ao livro A insustentável leveza do ser, do tcheco Milan Kundera. Clássico da literatura mundial contemporânea, o romance se passa na cidade de Praga, Tchecoslováquia, em 1968, ano de intensa agitação política. Por meio da interpretação fi losófi ca de fatos concretos, Kundera nos leva a crer que a felicidade humana está na própria busca da felicidade.

6 Para o autor, “os sonhos não são nuvens, mas a primeira pátria do homem”. Qual seria o sentido dessa comparação?

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7 O que signifi ca o aforismo de Machado de Assis?

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8 O que o autor considera a respeito disso?

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9 E você? O que acha a respeito?

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10 Já vimos que a criação artística compartilha a vivência do artista e, por extensão, do homem em geral. O escritor expõe seus sentimentos por meio das palavras e compartilha com este o que sente.

Transcreva o trecho do texto que representa isso.

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