92
2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 2.1. Tradução: Oséias 10,1-8 Uma vinha estragada 1 é Israel, 1 a laer'f.yI qqeAB !p,G< O fruto é semelhante a ela. 1 b AL-hW<v;y> yrIP. Quanto mais abundante seu fruto, mais multiplica seus altares; 1 c tAxB.z>Mil; hB'r>hi Ayr>pil. broK. Quanto mais próspera sua terra, mais embelezam suas estelas. 1 d `tAbCem; Wbyjiyhe Acr>a;l. bAjK. É falso 2 o coração deles 2 a ~B'li ql;x' Agora pagarão. 2 b Wmv'a.y< hT'[; Ele quebrará seus altares, 2 c ~t'AxB.z>mi @ro[]y: aWh Destruirá suas estelas. 2 d `~t'AbCem; ddevo y> Então agora dirão: 3 a Wrm.ayO hT'[; yKi Não temos rei para nós, 3 b Wnl' %l,m, !yae Porque não tememos YHWH; 3 c hw"hy>-ta, Wnarey" al{ yKi E o rei, que faz por nós? 3 d `WnL'-hf,[]Y:-hm; %l,M,h;w> Proferem 3 discursos, 4 a ~yrIb'd> WrB.DI Juram falso, 4 b aw>v' tAla' 1 "estragada", corresponde ao sentido negativo de rr_C+. Geralmente as traduções optam pelo sentido positivo (exuberante), interpretando o verbo a partir da frase do versículo 1c, maiores detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e suave, remetendo a um discurso ou comportamento adulador e falso. rm_k+ II significa repartir, dividir. Optamos pelo primeiro sentido do verbo. Esta questão será detalhada na Análise Semântica. 3 A tradução para o presente se justifica pois, o qatal pode ser usado para indicar uma ação que posta no passado, continua de algum modo até o momento presente. Cf.: JOÜON, P., A Grammar of Biblical Hebrew, p. 362. Os infinitivos absolutos seguintes servem para expressar a continuação do verbo finito que os precede (verbo sc_E+ Piel na terceira pessoa comum plural). Cf.: COMLEY, A. E., Geseniu's Hebrew Grammar, p. 113.

2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

2.

Aproximação Prática

Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8

2.1.

Tradução: Oséias 10,1-8

Uma vinha estragada1 é Israel, 1 a laer'f.yI qqeAB !p,G<

O fruto é semelhante a ela. 1 b AL-hW<v;y> yrIP.

Quanto mais abundante seu fruto,

mais multiplica seus altares;

1 c tAxB.z>Mil; hB'r>hi Ayr>pil. broK.

Quanto mais próspera sua terra,

mais embelezam suas estelas.

1 d `tAbCem; Wbyjiyhe Acr>a;l. bAjK.

É falso2 o coração deles 2 a ~B'li ql;x'

Agora pagarão. 2 b Wmv'a.y< hT'[;

Ele quebrará seus altares, 2 c ~t'AxB.z>mi @ro[]y: aWh

Destruirá suas estelas. 2 d `~t'AbCem; ddevoy>

Então agora dirão: 3 a Wrm.ayO hT'[; yKi

Não temos rei para nós, 3 b Wnl' %l,m, !yae

Porque não tememos YHWH; 3 c hw"hy>-ta, Wnarey" al{ yKi

E o rei, que faz por nós? 3 d `WnL'-hf,[]Y:-hm; %l,M,h;w>

Proferem3 discursos, 4 a ~yrIb'd> WrB.DI

Juram falso, 4 b aw>v' tAla'

1 "estragada", corresponde ao sentido negativo de rr_C+. Geralmente as traduções optam pelosentido positivo (exuberante), interpretando o verbo a partir da frase do versículo 1c, maioresdetalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica.2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e suave, remetendo a um discurso ou comportamentoadulador e falso. rm_k+ II significa repartir, dividir. Optamos pelo primeiro sentido do verbo. Estaquestão será detalhada na Análise Semântica.3 A tradução para o presente se justifica pois, o qatal pode ser usado para indicar uma ação queposta no passado, continua de algum modo até o momento presente. Cf.: JOÜON, P., A Grammarof Biblical Hebrew, p. 362. Os infinitivos absolutos seguintes servem para expressar a continuaçãodo verbo finito que os precede (verbo sc_E+ Piel na terceira pessoa comum plural). Cf.: COMLEY,A. E., Geseniu's Hebrew Grammar, p. 113.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 2: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

55

Estabelecem pactos, 4 c tyrIB. troK'

Por isso brota como veneno o direito

nos sulcos dos campos.

4 d `yd'f' ymel.T; l[; jP'v.mi varoK' xr;p'W

Pelas novilhas de Bet-Aven temem4

os habitantes da Samaria.

5 a !Arm.vo !k;v. WrWgy" !w<a'�tyBe tAlg>[,l.

Sim, lamentou-se5 por ele seu povo. 5 b AM[; wyl'[' lb;a'-yKi

Seus sacerdotes por ele tremem, por

sua glória6,

5 c AdAbK.-l[; WlygIy" wyl'[' wyr'm'k.W

porque partiu7 (para longe) dele8. 5 d `WNM,mi hl'g"-yKi

Além disso, ela para a Assíria é

levada como tributo para o grande

rei.

6 a brey" %l,m,l. hx'n>mi lb'Wy rWVa;l. AtAa-~G:

A vergonha Efraim carregará9 6 b xQ'yI ~yIr;p.a, hn"v.B'

E se envergonhará Israel de sua

decisão10.

6 c `Atc'[]me laer'f.yI vAbyEw>

Perece11 Samaria, o seu rei, como 7 a `~yIm'-ynEP.-l[; @c,q,K. HK'l.m; !Arm.vo hm,d>nI

4 O verbo sXH! III significa temer, assustar-se, amedrontar-se, intimidar-se, ter medo. Constrói-secom complemento 0n"-! zo~Q>n"-! m. Aqui em Os 10,5 a partícula m indica "temer por causa de". Cf.:ALONSO SCHÖKEL. L. A., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 136. Para maioresdetalhes conferir a Análise Semântica.5 O verbo mc_b+, Qal perfeito na terceira pessoa masculino singular está entre dois verbos noimperfeito. Ele indica uma ação concluída por parte do povo contrastando com ações incompletaspor parte dos habitantes da Samaria e dos sacerdotes. Preferimos manter este contraste natradução, colocando a ação do povo como passado. Conferir o provável sentido para estaalternância na Análise Sintática.6 O termo epcL+ está no gênero masculino e os verbos seguintes se referem a ele. Por causa do pesosemântico do termo "glória" no contexto, optamos por mudar na tradução o gênero nos verbosseguintes, nos vv. 5d e 6a. É "a glória" do bezerro é que foi tirada dele e que foi levada comooferenda ao grande rei da Assíria. Conferir os detalhes na Análise Sintática e Semântica.7 O qatal é usado principalmente para designar uma ação do passado. O qatal é usado no passadopara designar uma ação sem igual ou instantânea que precede um pouco ou muito o momentopresente. Cf.: JOÜON, P., A Grammar of Biblical Hebrew, Volume II, p. 360.8 O sufixo pronominal pode ser da terceira do plural ou terceira do singular. Optamos por traduzira preposição 0n" mais o sufixo pronominal na terceira pessoa, masculino, singular referindo-se aobezerro. A glória do bezerro é que partiu para o exílio. Para maiores detalhes conferir a AnáliseSintática.9 É mantida aqui a ordem dos componentes gramaticais da oração dupla, que estão em simetria:objeto, sujeito, verbo e verbo, sujeito, objeto. O verbo! kR+z", da raiz kr_m+,! possui uma gama designificados, desde "tomar", "pegar", "agarrar", "conquistar" até "receber", "aceitar" e "arrastar". Anuança de seu sentido depende das palavras que são empregadas com ele. Na frase, sendo o objetoalgo negativo, "a vergonha", o sentido mais indicado seria de "arrastar" ou "carregar". Conferir aanálise semântica.10 A palavra tem o sentido básico de juízo, plano, projeto, conselho, decisão. Optamos por traduzi-la por decisão pois o contexto sugere mais que um ato da mente, seria uma manifestação externado plano. Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 512.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 3: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

56

espuma12 sobre a superfície das

águas.

Serão destruídos os lugares altos13

de maldade, o pecado de Israel.

8 a laer'f.yI taJ;x; !w<a' tAmB' Wdm.v.nIw>

Espinho e abrolhos crescerão14 sobre

seus altares;

8 b ~t'AxB.z>mi-l[; hl,[]y: rD;r>d;w #Aq

Dirão às montanhas: 8 c ~yrIh'l, Wrm.a'w>

Cobri-nos 8 d WnWSK

e às colinas 8 e tA[b'G>l;w>

Caí sobre nós 8 f `Wnyle[' Wlp.nI

2.2.

Crítica Textual

O Aparato Crítico da Bíblia Hebraica Stuttgartensia propõe uma série de

conjecturas para esta perícope sem testemunho textual, por isso não serão levadas

em conta15. Serão analisadas somente aquelas observações críticas que possuem

algum testemunho.

11 O verbo no Nihpal tem o sentido de "sucumbir", "perecer". Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A.,op. cit., p. 158.12 O substantivo é relacionado ao verbo "irar-se". Contudo, aqui este significado fica obscurecido,e a palavra passa a significar "espuma" ou "ramo". Cf.: Ibid., p. 587. Para maiores detalhes emrelação a nossa opção por "espuma", conferir na Análise Semântica.13 A palavra tem um sentido genérico de "altura", mas seu uso específico designa os "lugares altos"destinados ao culto idolátrico ou o local e suas instalações. Cf.: Ibid., p. 106.14 O sentido original do verbo imv-! com o sema de elevação: "subir", "ascender" possuisignificados distintos conforme o sujeito. Quando o sujeito é vegetal, como aqui, o sentido é de"crescer" ou "brotar". Cf.: Ibid., p. 496.15 V. 1 a - BHSApp informa que pode ter acontecido uma confusão de letras semelhantes no verboixaw+ (d por w e h por x). Sendo assim, propõe iH$d>z_ do verbo ihad+ (acumular) no lugar de iX]w_z, do verboixaw+! (assemelhar). 1 b - BHSApp informa que pode ter acontecido uma omissão de letra naexpressão pzs,q"m> (de fruto) e propõe xzsq!pm (não fruto). 1 c - BHSApp observa que talvez se possaler uxkc{n (altares) no lugar de upkC>{,N"m_ (para seus altares). 1 d - BHSApp informa que pode teracontecido uma omissão de letra na expressão pys,b_m> (de terra) e propõe xysb! pm (não sua terra).V.2 b - BHSApp propõe inserir o tetragrama sagrado ix+iz,nA. V. 3 a - BHSApp propõe transpor ixaiz,.ub$! XobsAza! bP! zL" para o final do segundo versículo, conjeturando que poderia ter ocorrido umaparáplepsis homoioteleuton, ou seja, o copista saltou da primeira à segunda ocorrência da mesmapalavra. E ainda sugere ler Xbs,za (temem) na terceira pessoa do plural no lugar de XobsAza! (tememos)na primeira pessoa do plural. A observação do aparato crítico corrige o versículo 3 e o torna maiscompreensível. Contudo, diz a regra que uma leitura mais difícil prevalece sobre a mais fácil. V. 4a - BHSApp propõe ler scAe_!(proferir) na forma Qal infinitivo absoluto no lugar de XsCAe" (proferem)na forma Piel perfeito 3 pessoa comum plural. Trata-se de uma harmonização do texto a partir dosverbos que ocorrem nas proposições logo a frente, facilitando a leitura. A leitura que diverge da do

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 4: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

57

V. 2 a - BHSApp propõe, o verbo rm_k+ na forma Pual segundo Áquila, Símaco, a

Peshitta, o Targum e a Vulgata. Mesmo com os testemunhos apontando uma

variante do texto, o TM faz sentido como está. O verbo rm_k+ tem um sentido

intransitivo que exclui uma vocalização da mesma raiz para o passivo16.

V. 5 a

A BHSApp seguindo a Septuaginta, Teodocião e a Peshitta, propõe ler a

expressão mhAv$m> (pelo bezerro) no lugar de upmh,v$m> (pelas novilhas de) na forma

constructa feminina. A palavra upmh>v$m> (pelas novilhas) é um plural feminino, deve

ser mantida entendendo ou como uma peculiaridade do dialeto de Oséias ou

atribuindo a construção feminina plural da palavra uma função sintática (plural de

majestade)17.

5 b

BHSApp, seguindo a Septuaginta e Peshitta, propõe ler a expressão zo~l>w*

(habitantes de) na forma constructa plural e não! ol_w> (habitante de) na forma

constructa singular. O TM deve ser mantido, entendendo o singular num sentido

coletivo.

5 c

BHSApp sugere ler mc_b%z]!um Qal imperfeito na terceira pessoa masculino singular

conforme a tradução grega de Simaco (penqhvsei). O TM deve ser mantido pois

faz sentido como está.

V. 6 a

BHSApp propõe conforme a Vulgata, a Peshitta e o Targum, o verbo Xmc"pz!(foram

conduzidos), Hophal na terceira pessoa do plural, no lugar de mc+Xz (foi conduzido)

Hophal na terceira do singular. O TM deve permanecer pois o verbo no singular

refere-se ao bezerro entendido aqui também no singular conforme o sentido de

plural majestático anterior.

V. 8 a

lugar paralelo prevalece sobre a que se lhe conforma. V. 5 e - BHSApp coloca como provávelleitura Xmzm"zz~ (chorem) no lugar de Xmzh"za (alegrem-se). Trata-se de uma conjectura, supondo umaprovável troca de letras, que procura harmonizar o texto. Diz a regra, uma leitura mais difícilprevalece sobre uma mais fácil. V. 6 b - BHSApp propõe ler csa! zL"m>n_m> (para meu rei) conforme5,13. Uma leitura diferente da do lugar paralelo prevalece sobre a que se lhe conforma. 6 c -BHSApp observa que pode ter acontecido uma confusão de letras semelhantes, por isso propõepCy_v'nA!ou pCy>v+nA!(de seu ídolo) no lugar de puy+v'nA!(de seu plano). V. 7 a - BHSApp propõe ler ilmn0xsnd!in+eo!com o particípio feminino in+eo no lugar de in$e,o"!no masculino.16 Cf.: SARDELLI, G., Immagini vegetali in Osea: principio unificatore e strutturante perun'ermeneutica del testo (analisi di Os 10,1-8 e 14,2-9), p. 5.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 5: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

58

BHSApp sugere a inserção de .uzCA (casa de) conforme um Manuscrito hebraico. A

inserção visa aproximar a palavra 0x]b+! de 8a-! com a expressão de 5a 0x]b+.uzCA. A

leitura do TM deve permanecer, pois segundo a regra geral, uma leitura breve

prevalece sobre uma mais longa. Em textos paralelos, uma lição que diverge da do

lugar paralelo prevalece sobre a que se lhe conforma. Existe sempre a tendência

de harmonizar textos que são paralelos ou muito semelhantes.

2.3.

Análise do texto como sistema Sintático

Para a análise sintática de Os 10,1-8 teremos primeiramente uma

delimitação do texto, em seguida serão analisadas sintaticamente as proposições

em si mesmas e em suas relações, observando a utilização dos verbos, dos nomes

e das partículas, bem como as figuras de estilo. No final, com base em tais

elementos, o texto será segmentado e sua estrutura analisada.

2.3.1.

Delimitação

A perícope de Oséias 10,1-8 se mostra unitária por seu conteúdo e por

motivos estilísticos18. Eis as justificativas para delimitação da perícope:

Primeiro, a perícope possui três elementos de inclusão: A) a menção do

nome mbAs+d>z"!(Israel) nos vv. 1.6 e 8; B) o substantivo upkC>{,N"!(altares) nos vv. 1.2 e

8, indicando a permanência do tema cultual ao longo de toda a perícope19; C) o

conteúdo dos vv 1 e 8, que se refere a um aspecto negativo da natureza. No início,

17 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 165.18 Sweeny propõe o início da perícope em 9,17 afirmando que, o profeta retoma sua fala em Os9,17-10,8 apresentando a intenção de YHWH em rejeitar Israel por sua desobediência. O profetavisa especificamente o rei de Israel e as instalações de culto. A passagem começa com adeclaração em Os 9,17, "Meu Deus os rejeitará porque não o escutaram", seguida por umadeclaração das conseqüências, "e eles se tornarão errantes entre as nações". A imagem serve comouma metáfora para o exílio, e corresponde ao retrato de Caim que é forçado a vagar na terra porcausa do assassinato do irmão Abel (Gn 4,1-6). Cf.: SWEENEY, M. A., The Twelve Prophets, p.102. Tal proposta não será aceita pelos motivos expostos a seguir.19 Cf.: MEJIA, J., Amor, Pecado, Alianza, p. 100-101.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 6: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

59

no v. 1a, a vinha Israel, pela análise do profeta, está arrasada20 e no final, no v. 8f,

um grito pede que as montanhas e colinas completem a devastação.

Segundo, a partir do conteúdo, constata-se que esta perícope de 10,1-8 fala

da Samaria, a anterior de Gilgal (cf. 9,10-17) e a posterior de Gabaá (cf. 10,9-

15)21. A perícope de Oséias 10,1-8 refere-se à realeza e ao culto, especialmente

sobre o bezerro. Oséias justapõe os dois temas: cultual e político. Eles são o

centro de sua preocupação22. O conteúdo retrata, portanto, o julgamento de

YHWH sobre toda instituição religiosa de Israel e sobre a vida nacional. Altares e

estelas, rei e capital, objeto de culto e lugares altos, todos são destruídos e as

pessoas são levadas a enfrentar a ira divina23.

Terceiro, a mudança do sujeito nas perícopes. Ao contrário de 9,10-17 e

10,9-15, nas quais quem fala é YHWH, em 10,1-8 fala-se sobre YHWH, que é

mencionado na terceira pessoa24.

Quarto, a tríplice ocorrência de imagem vegetal, nos vv. 1.4.8. O profeta

começa usando a metáfora da vinha, no centro descreve o veneno que cresce nos

sulcos do campo referindo-se ao direito que se converte em desgoverno nas mãos

do rei e finalmente apresenta dramaticamente a total destruição dos locais de culto

com espinho e abrolho crescendo sobre os altares25.

Quinto, em termos estilísticos, como os capítulos 9 e 11, no capítulo 10 o

nome Israel aparece no início e no final (cf. vv. 1.6.8) e Efraim é mencionado no

corpo do discurso(cf. v. 6). Isto ocorre também em outras unidades26. A unidade

de 10,1-8 exibe um padrão de poesia em parte desenvolvido, típico de Oséias. Há

algumas unidades poéticas bem formadas. Estas estão entremeadas com linhas de

sintaxe mais prosaica. Outros padrões estruturais amarram a unidade, a repetição

de palavras chaves e idéias são um fator a mais de integração27.

20 Conferir logo a seguir na análise sintática e semântica este sentido negativo para Os 10,1.21 Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., Hosea, p. 548.22 Cf.: MEJIA, J., Amor, Pecado, Alianza, p. 100-101.23 Cf.: MAYS, J. L., Hosea, p. 138.24 Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., op. cit., p. 548.25 Cf.: SARDELLI, G. Immagini vegetali in Osea: principio unificatore e strutturante perun'ermeneutica del texto, p 7.26 Cf.: no início em 9,1; 9,10; 10,1; 10,9; 11,1 no final 8,8; 8,14; 10,8; 10,15. Cf.: ANDERSEN, F.I.; FREEDMAN, D. N., op. cit., p. 548. SARDELLI, G., op. cit., p. 7.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 7: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

60

2.3.2.

Análise Sintática

V. 1

O versículo 1 está entre os mais difíceis no livro de Oséias. Existe uma

incerteza não só para interpretar as palavras individuais, mas também em relação à

sintaxe que é empregada para interpretar a metáfora que foi formulada28.

Inicialmente, nota-se um choque de gênero: a palavra 0q$H] (vinha) é

interpretada como masculino a partir do verbo rr_C+ que é masculino29 e também

pela construção masculina de pm (para ele) que se refere a 0q$H] (vinha)30. A

concordância com um particípio masculino se justifica ou porque isto ocorria no

dialeto do Norte ou porque o texto considera o referente Israel como masculino31.

Pode indicar também que a nação de Israel estava mais em mente que a metáfora

da videira32.

No versículo 1a-b, mesmo não tendo muito paralelismo formal, as duas

linhas desenvolvem uma única idéia e são do mesmo tamanho33. A tradicional

tradução de rrApC!0q$H] como uma frase que significa "uma videira exuberante" pode

ser questionada por dois motivos:

A) A problemática raiz rr_C+. Em quase todas as suas ocorrências, rr_C+ tem a

ver com "assolar", "arrasar" ou "ser saqueado". Descreve uma terra desolada (cf.

Is 24,1-3; Na 2,3; Jr 51,2). A forma verbal rrApC! é identificada aqui

tradicionalmente como o particípio de Qal originado de outra raiz, cognata do

árabe b;qq;, (cultivar abundantemente). A LXX apoia esta proposta para o verbo,

e ajusta-o ao contexto. Um verbo Polel perfeito da raiz de rxc também seria

27 Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., op. cit., p. 548-549.28 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 383.29 Ao comentar sobre esta questão, Wolff afirma que embora 0q$H$! seja normalmente consideradofeminino, o verbo rrC o modifica como um adjetivo atributivo. Em questões de concordância osignificado é mais importante que a forma. Neste ponto o profeta refere-se a Israel. Cf.: WOLFF,H. W., Hosea, p.170.30 Contra McComiskey, que afirma que este é o único lugar no Antigo Testamento onde 0q$H$ émasculino, Macintosh afirma que são vários exemplos onde pronomes masculinos referem-se a 0q$H$,às vezes alternando até mesmo com pronomes femininos. "Cf.: Ez 17,6; 19,10; 2 Rs 4,39 trata-sede uma característica do Reino do Norte". Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and ExegeticalCommentary on Hosea, p. 159.31 Cf.: análise sintática. Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 159. MACINTOSH,A. A., op. cit., p. 384-385. SIMIAN-YOFRE, H., El Desierto de los Dioses, p. 137.32 Cf.: McCOMISKEY, T. E., op. cit., p. 159.33 Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., Hosea, p. 549.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 8: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

61

possível e realizaria a sucessão de dois verbos perfeitos no versículo 1a e 1b e dois

verbos perfeitos no mesmo versículo 1c e 1d em paralelismo34.

B) A relação da frase de 1a com a frase de 1c. As traduções que

geralmente optam pelo sentido positivo de rr_C+ (exuberante), o fazem

interpretando a frase do 1a a partir da frase do 1c que fala da abundância. A

videira é exuberante porque é produtiva; se fosse arrasada não seria produtiva.

Contudo, segundo Simian-Yofre, como o sentido de "ficar assolado", "ser

saqueado" na forma reflexiva passiva (Niphal) do verbo rr_C+ é constante nas

outras passagens onde ocorre (cf. Is 19,3; 24,3; Jr 51,2), por isso é mais lógico

admitir um sentido intransitivo. Desta forma, o versículo1b não necessita de

mudanças. O "fruto é semelhante a ela", também foi arrasado, como em Pr 26,435.

Para Macintosh, o verbo rr_C+, com sentido negativo em outras ocorrências,

também se refere a videiras. O profeta Na 2,3, por exemplo, refere-se às videiras e

o verbo rr_C+ parece descrever a destruição do estado a partir de tal metáfora. A

antigüidade desta visão, interpretando rr_C+ em seu sentido negativo, é sugerida

pelas evidências de Áquila, Simaco e pelo Targum36. Por isso, neste versículo 1a,

optou-se pelo sentido negativo de!rr_C+, (estragado)37. Assim não é necessário fazer

correções em nível sintático no versículo. Literalmente temos: "uma videira

estragada é Israel, o fruto é semelhante a ela".

O v. 1c-d é uma unidade de quatro linhas com bom ritmo, rima de A B A'

B', e também assonâncias38. A composição de quatro linhas é freqüentemente

usada por Oséias. Assim temos no v. 1c-d:

A pzs,q"m>!cs*L> 5 sílabas

B upkC>{,N"m_!iC+s,i" 6 sílabas

A' pys,b_m>!cpgL> 5 sílabas

B' upcYAn_!Xczg"ziA! 6 sílabas

O v. 1c-d, é uma rima revezada, onde A e A' oferecem quase uma

assonância (semelhança das vogais), e B e B' também apresentam quase um

aliteração (semelhança das consoantes) (upkC>{,N" - upcYAn_). A simetria só falha na

34 Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., Hosea, p. 549-550.35 Cf.: SIMIAN-YOFRE, H., El Desierto de los Dioses, p. 137.36 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 384.37 O sentido da opção por esta tradução ficará mais claro na Análise Semântica.38 Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., op. cit., p. 549.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 9: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

62

falta de uma preposição (m ) em upcYAn_!(estelas)39 e a diferença em número nos dois

verbos finitos40. Temos assim: "de acordo com a grande multiplicação do fruto e

da terra, Israel multiplicou os altares e estelas"41.

Alguns outros elementos merecem destaque: O sufixo em pzs"Q> (seu fruto)

(v.1c) poderia ser possessivo, enquanto referindo-se a YHWH, ou poderia

continuar o pm do versículo 1a, enfatizando a videira42. Optando pelo primeiro, a

frase do versículo 1cd é interpretada como se as atitudes totalmente contrárias de

YHWH e do povo fossem colocadas lado a lado43. Optando pela referência à

videira, as ações de aumentar o fruto e multiplicar os altares são comparadas uma

a outra e não contrapostas. Optamos por esta segunda, pois, segundo Macintoch, a

preposição l anteposta a infinitivos constructos indica que nas fases, m???! csl e

m???cxgl, o l compara um elemento ao outro, e significa (literalmente) "quando lá

estava multiplicando em relação ao seu fruto...", "quando lá estava prosperando

em relação à sua terra..."44. E ainda, o verbo perfeito ic+sa (multiplicar) no versículo

1 expressa a realidade da fertilidade de Israel. A preposição m que segue é ditada

pela construção da oração; não se trata de um puro dativo com o sentido de "ele

multiplicou (fruto) para o altar". A palavra significa literalmente "ele deu

multiplicidade em relação a altares"45.

Poder-se-ia afirmar que na primeira parte do v. 1 teríamos uma referência

para o passado ("Israel era uma videira... ") e na segunda parte uma referência

para algo mais recente e talvez até mesmo a situação presente. No entanto, tal

contraste pode ser descoberto em 9,10. 13, já aqui em 10,1 o particípio rrApC

seguido pelo imperfeito iX+w_z, não sugere tal contraste46.

39 Na frase "mais multiplica altares" no v. 1c o m é locativo: a preocupação está com os pilares dosaltares. Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., Hosea, p. 551. Além disso, pode serencontrada nos profetas do Reino do Norte influências da língua aramaica. Por isso pode sermantido o lamed antes de uxkC>{,N" "altares". Cf.: DEISSLER, A., DELCOR, M. Les PetitsProphètes, p. 98.40 No MT o verbo ic+s+ (multiplicar) está no singular. Em outras partes de Oséias, verbos singularese plurais são usados com grande precisão para distinguir assuntos diferentes. Este tipo de distinçãonão parece ocorrer nesta unidade, entretanto a maioria dos verbos singulares e pronomes refere-sea YHWH, os plurais são para Israel. ic+s+ (multiplicar) e cg_z+ (enriquecer) são paralelos, e o primeiropode passar como plural se for entendido como um infinitivo absoluto - icAsi+, tendo Israel (plural)como sujeito. Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., op. cit., p. 551.41 Cf.: Ibid., p. 551.42 Cf.: Ibid., p. 551.43 Cf.: Ibid., p. 551.44 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 386.45 Cf.: Ibid., p. 386-387.46 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 386.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 10: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

63

V. 2

O versículo 2 foi cuidadosamente construído. Destaca-se a repetição das

palavras altares e estelas com sufixos na terceira pessoa do plural47.

Quanto aos verbos, o primeiro é um Qal perfeito na terceira do singular

rm_k+ (ser falso)59. Existe um sentido intransitivo que exclui uma vocalização do

radical rm_k+ no passivo49. O verbo rm_k+ é mais freqüente na forma ativa, a forma

básica é intransitiva. Em Os 10,2a designa um estado vigente em oposição aos

preformativos que se sucedem a partir do versículo 2b, traduzidos no presente ou

futuro, (pagar, quebrar, destruir, dizer, brotar, temer, ser levado, envergonhar-se,

ser destruído, crescer) anunciam um futuro já vislumbrado. Os aformativos

restantes (lamentar, ser deportado, ser levado) expressam um futuro tão evidente

que propõem como um fato já ocorrido50. O versículo 2a está conectado ao

versículo 1, explicitando e apresentando a causa da metáfora da vinha e seus

frutos.

No versículo 2, os outros três verbos imperfeitos podem indicar uma ação

no futuro. O primeiro destes três verbos, =w_b+!(pagar), no plural, indica que os que

têm "o coração falso" serão punidos. O sentido de jussivo é uma das

possibilidades para o imperfeito =w_b+! ! (pagar)51. No contexto em que está, pode

marcar algo decisivo: "Agora que sejam culpados" ou "Agora que sejam

castigados como culpados"52. Os outros dois completam esta indicação, referindo-

se explicitamente aos altares e estelas.

Uma oração dupla como do versículo 2b, em Oséias, geralmente proclama

a destruição iminente (cf. 8,13b; 9,9b). Assim, o versículo 2b completa o

versículo 1 e antecipa a punição dos versículos 5 a 8. Geralmente Oséias apresenta

primeiro um julgamento preliminar e então os detalhes53.

47 Cf.: Ibid., p. 390.48 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 227.49 Cf.: SARDELLI, G., Immagini vegetali in Osea: principio unificatore e strutturante perun'ermeneutica del texto, p 5.50 Cf.: SIMIAN-YOFRE, H., El Desierto de los Dioses, p. 137.51 Nenhum outro profeta menor do pré-exílio usa este verbo. Oséias o usa aqui e em 4,15; 5,15;13,1 e 14,1. Seu significado parece ser diferente do padrão estabelecido por seu uso abundante noLevítico. Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., Hosea, p. 552.52 Cf.: Ibid., p. 552.53 Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., Hosea, p. 552-553.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 11: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

64

A partícula adverbial iU+v_ (agora) marca a transição para o discurso

precatório. Trata-se da resposta em forma de ameaça para os fatos já

mencionados54. Pois a partícula iU+v_ designa uma relação temporal, que aqui tem a

idéia de conseqüência e não uma oposição temporal entre passado e futuro55.

Indica a iminência da ação do verbo seguinte56.

Quem quebrará os altares e estelas? Os comentaristas se dividem,

atribuindo a ação ou a YHWH ou a Israel57. Há quem apresente Israel

indiretamente, propondo que "seu coração" (v. 2a) seja o agente da destruição dos

altares e estelas58. Parece-nos mais coerente apresentar YHWH como realizador

da ação, pois todas as vezes na perícope que aparece uma ação do povo, esta é

indicada no plural. Só onde aparece explicitamente o nome Israel a ação é

indicada no singular (Cf. v 1a,6c e 8a). Nos versículos 1cd , 2 cd e 8b temos "seus

altares", "suas estelas", no versículo 3 "dirão", "para nós", "não tememos", "por

nós", no v 8 "dirão, "cobri-nos" e "caia sobre nós", todas no plural. O pronome bXi

está se referindo portanto a YHWH. É Ele que quebrará os altares e estelas59.

Jerônimo também entende YHWH como o referente60.

V. 3

Neste versículo 3 destacam-se as partículas. A partícula zL", que introduz

este verso, tem uma conexão de conseqüência em relação à oração precedente61.

Esta função de justaposição coloca ambas as ações governadas pela partícula iU+v_

54 Cf.: Ibid., p. 552.55 Cf.: SIMIAN-YOFRE, H., El Desierto de los Dioses, p.137.56 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 160.57 Já Simian-Yofre aponta quatro possibilidades: poderia ser YHWH, o próprio povo, "seucoração", ou ainda o inimigo assírio. Quando se utiliza o pronome pessoal independentemente, oreferente do pronome está explicitamente indicado no contexto imediato. Não é provável que sejauma ação direta de YHWH, que é mencionado só no v. 3 como sujeito de uma ação em todo otexto. Considerando a possibilidade de ser Israel, esbarra-se em certa dificuldade de concordância,já que é mencionado anteriormente no plural. Tomando como sujeito "o coração dividido" resolve-se a questão gramatical da concordância. Quanto aos assírios, não se vê qual o interesse deles emdestruir altares e estelas. O império assírio ao contrário de reprimir, cultiva a variedade de cultoscomo um instrumento de dominação. Contudo a opção de Simian-Yofre é por Israel como sujeitoda ação. Sua opção é justificada mais pela semântica (veja no próximo capítulo sobre os aspectossemânticos de Os 10,1-8). Cf.: SIMIAN-YOFRE, H., op. cit., p. 138-139. Cf.: também: WOLFF,H. W., Hosea, p. 174.58 Macintosh supõe, como os comentaristas rabínicos, que o pronome bxi!(ele no v. 2) refere-se ao"coração". Quem de fato causa a ruína dos altares é o coração falso dos Israelitas. É a dissimulaçãoda nação e a culpa resultante dela que requer a destruição dos altares. Uma visão alternativa doassunto é a de que o pronome refere-se a YHWH. Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical andExegetical Commentary on Hosea, p. 389-390.59 Cf.: JACOB, E.; KELLER, C.; AMSLER, S. Osée, Joël, Abdias, Jonas, Amos., p. 74. MEJIA,J., Amor, Pecado, Alianza, p. 101.60 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 389-390.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 12: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

65

(agora) no mesmo período de tempo. A partícula iU+v_, em Oséias, introduz

geralmente uma ameaça62 (cf. 4,16; 5,7; 8,8.10.13). Temos primeiro o castigo da

nação, que começará quando forem demolidos os altares e estelas. E, depois, o

reconhecimento por parte do povo de que não tem rei. A destruição dos seus

símbolos de adoração acontecerá junto com a abolição da monarquia63. Em nível

sintático, o versículo 3 está, portanto, conectado ao 264. Trata-se de uma resposta

motivada pelo castigo anunciado no versículo 2. A segunda partícula ZL" tem

sentido causativo e introduz a razão pela qual não têm um rei. É porque eles não

temem a Deus65.

O versículo 3 possui ainda duas partículas de negação, 0zbA, bP e uma

interrogativa in_. A primeira oração do versículo 3 tem a função de indicar o início

da fala do povo. A este anúncio, segue o pronunciamento com uma primeira

oração negativa, corroborada pela segunda e questionada pela terceira. O objeto

do questionamento é o rei, negado em 3b e questionado em 3d. No centro está a

falta de temor de YHWH. Na verdade são três frases com sentido negativo, cada

qual usando uma partícula diferente. O Xom+ (para nós) repetido oferece rima e

equilíbrio66.

O waw (x) que inicia o versículo 3d tem valor conjuntivo, estabelecendo

uma relação lógica entre esta oração e as séries de orações que a precedem. O

substantivo Fm$N$i_ (o rei) está definido. Duas funções, pelo menos, são possíveis

para o artigo: pode designar um rei específico ou referir-se a uma classe, isto é, à

monarquia enquanto tal67.

O plural Xom+! (para nós) na declaração no versículo 3b pode indicar um

grupo específico do povo ou então o povo inteiro em nível nacional68. Esta

declaração deve ser ligada às ameaças do versículo 2. O povo atribui ao erro do

rei, a destruição dos símbolos cúlticos. Junto desta constatação do povo existe

outra que mostra que mesmo o rei não poderia fazer nada para evitar a catástrofe.

61 Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., Hosea, p. 553.62 Cf.: DEISSLER, A., DELCOR, M., Les Petits Prophètes, p. 99.63 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 161.64 A conexão sintática do v.2 e 3 requer que o v.3 seja interpretado como uma palavra que oprofeta espera que as pessoas falem no futuro (Cf.: também o v. 8c-f). Cf.: WOLFF, H. W., Hosea,p. 175.65 Cf.: McCOMISKEY, T. E., op. cit., p. 161. ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., op. cit., p.554.66 Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., op. cit., p. 553.67 Cf.: McCOMISKEY, T. E., op. cit., p. 161-162.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 13: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

66

A afirmação de que não possuem rei pode referir-se à falta de poder do rei frente à

intervenção do poder estrangeiro (cf. 2Rs 16)69.

V. 4

No versículo 4 existe uma construção com três linhas de duas palavras

cada, com o paralelismo de: palavras / / juramento / / pacto70, e uma quarta linha

com uma metáfora que foge a esta construção de duas palavras, concluindo a série

de ações da monarquia. As orações do versículo 4 estão subordinadas ao

questionamento do versículo 3d. Elas respondem à pergunta sobre o que faz a

monarquia.

Paralelamente, o versículo 4 apresenta uma sucessão de quatro verbos que

indicam as ações do rei ou da monarquia, enquanto instituição. A evidência da

LXX em relação ao versículo 4a sugeriu a vários comentaristas que um infinitivo

absoluto deveria ser lido aqui em conformidade com os verbos seguintes71; assim

teríamos: "proferir discursos". Porém, segundo a gramática hebraica os infinitivos

absolutos seguintes servem para expressar a continuação do verbo finito

precedente72. Desta forma, são os verbos seguintes, upmb+!e us*L+, que passam para a

terceira pessoa do plural73. Já que o versículo está relacionado às ações do rei, o

verbo na terceira pessoa do plural XsC>e^ (proferem), é mantido e seu sujeito é

entendido como sendo a monarquia em geral ou a instituição estatal da qual a

monarquia era a cabeça74. Isto porque aquilo que é dito na próxima linha sobre

juramentos e tratados se aplica adequadamente às responsabilidades dos reis. As

68 Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., Hosea, p. 554.69 Cf.: BERNINI, G., Osea, Micha, Nahum, Abacuc, p. 152-153.70 Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., op. cit., p. 549.71 Parece melhor para McComiskey considerar o verbo upmb+ (jurar) como um infinitivo absolutopor analogia com o infinitivo absoluto seguinte us*L+ (cortar). Ele afirma que se for interpretadocomo um infinitivo absoluto, a ortografia incomum (normalmente iPb+) pode ser foneticamenteanáloga a us*L+. Diz ainda que pode-se entender melhor esta estrutura considerando-se uzsC>! us*L+(estabelecer pactos) como um casus adverbialis, uma função gramatical onde o infinitivo absolutodefine a maneira mais precisa que a ação do verbo principal deve ser realizada. Ou seja, as açõesverbais de falar palavras vazias e falsos juramentos são mais precisamente definidas pelo infinitivoabsoluto (us*L+) como parte do processo de fazer convenções. Cf.: McCOMISKEY, T. E., TheMinor Prophets, p. 164. Andersen e Freedman, analisam gramaticalmente upmb+ (jurar) como uminfinitivo excêntrico, escolhido para rimar com us*L+ (cortar). Cf.: ANDERSEN, F. I.;FREEDMAN, D. N., op. cit., p. 554. Deissler também afirma que no versículo 4 os dois verbosuxmb+!e us*L+!que seguem o verbo XsC>e" têm o mesmo papel de infinitivos absolutos. Cf.: DEISSLER,A., DELCOR, M., Les Petits Prophètes, p. 99.72 Cf.: COMLEY, A. E., Geseniu's Hebrew Grammar as edited and enlarged by the late E.Kautsch, p. 113.73 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 394.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 14: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

67

construções plurais dos verbos nos contextos imediatamente precedentes e

seguintes a este verso, porém, se referem ao povo como um todo75.

No versículo 4d o w;w (x) consecutivo com o perfeito ks_q+ (brota) é

tomado como consecutivo, isto é, expressa ação presente como conseqüência

temporal ou lógica de outra ação76. A frase começa com um w;w que a conecta

com as frases anteriores, que se referem às ações da monarquia. Neste caso o

direito pervertido em veneno é mais uma delas. É como se o profeta dissesse:

"proferem palavras vazias, juram falso, estabelecem pactos e por isso brota como

veneno o direito nos sulcos do campo".

V. 5

A linguagem do versículo 5 é marcada pelo excesso de lameds (m),

comunicando, através de aliteração, um uivo frenético77. O versículo 5 apresenta

algumas dificuldades sintáticas. Primeiramente, o substantivo upmh,v$ (novilhas),

exclusivamente aqui está no plural feminino constructo, mas os dois sufixos xzm+v+

(por ele) no versículo 5b e 5c são masculinos singulares. Diante disso foram

apresentadas algumas possibilidades de interpretação:

A) a palavra upmh>v$ (novilhas) no feminino plural deve ser lida como singular de

acordo com os pronomes que seguem78.

B) seguindo versões antigas (LXX, Theodocião e a Peshitta), a palavra é

corrigida para o masculino singular, lendo assim (bezerro de).

C) o plural feminino poderia ser entendido como um plural majestático, que

corresponderia ao masculino singular79.

D) segundo Macintosh, o uso do gênero feminino pode ser depreciativo,

insinuando que eles eram meros artefatos ou então o plural feminino é

compreendido como um plural abstrato e a palavra indica bezerro ou o culto

do bezerro80.

74 Cf.: Ibid., p. 394.75 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 164.76 Cf.: MACINTOSH, A. A., op. cit., p. 396.77 Cf.: Ibid., p. 399.78 Cf.: DEISSLER, A., DELCOR, M., Les Petits Prophètes, p. 100.79 Cf.: SARDELLI, G., Immagini vegetali in Osea: principio unificatore e strutturante perun'ermeneutica del testo, p. 6.80 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 399.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 15: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

68

E) segundo Andersen e Freedman, o plural majestático empregado para "a

novilha de Bet-Áven" é um exemplo do uso em Oséias de plural como nome

de uma divindade, talvez a contra parte feminina do "bezerro de Samaria" (cf.

8,5-6). Em outros textos o objeto de idolatria está no masculino singular (cf.

Ex 32,4), ou masculino plural ( cf. 1Rs 12,28)81.

F) segundo McComiskey, quando se fala de bezerros como objetos de adoração,

a palavra nunca ocorre no feminino (cf. 8,6). Se esta não é uma peculiaridade

do dialeto de Oséias, a construção feminina da palavra poderia apontar para

uma função sintática para o plural feminino, qual seja, a de expressar

conceitos abstratos em hebraico. Também o plural relaciona a expressão com

conceitos abstratos, ou pode funcionar como um plural de eminência ou

majestade. No primeiro caso (conceito abstrato), os substantivos plurais tem

características incomuns e são raramente concretos. Já que upmh>v$ (novilhas) é

um substantivo concreto, seria provável que o plural significasse uma

intensificação do sentido (plural de majestade). Como é improvável que

Oséias tenha reconhecido a majestade do bezerro de Betel, o plural aqui teria

sentido sarcástico82.

G) segundo Simian-Yofre, o plural feminino não necessita de correção. Trata-se

de um plural depreciativo usado por Oséias, como no caso dos "sacerdotes"

(v.5)83.

Combinando as ponderações de McComiskey e Simian-Yofre podemos

manter o feminino plural (upmh>v$), entendendo-o como uma forma sarcástica ou

depreciativa de falar do objeto de adoração.

Uma segunda dificuldade sintática é em relação à palavra 0l_w>. Como um

substantivo constructo masculino singular!0psn>w* 0l_w> ("habitante da" Samaria) pode

ser o sujeito do verbo no plural XsXhza (temam)? Algumas possibilidades de solução

são apontadas84: uma delas seria a correção de 0psn>w*!0l_w>!para o construto plural (os

vizinhos de Samaria)85; outra seria tomar 0l_w> como coletivo97 ou adjetivo pátrio

(os samaritanos) 87. Outras possibilidades colocam 0lAw+! como título para um deus

81 Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., Hosea, p. 555.82 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 165.83 Cf.: SIMIAN-YOFRE, H., El Desierto de los Dioses, p. 138.84 A questão será tratada também do ponto de vista Semântico.85 Cf.: ALONSO SCHÖKEL, L. A.; SICRE DIAS, J. L., Profetas II, p. 934.86 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 399.87 Cf.: DEISSLER, A., DELCOR, M., Les Petits Prophètes, p. 100.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 16: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

69

aclamado governante na Samaria depois da renúncia a YHWH como rei no

versículo 388, ou o uso singular 0l_w> poderia indicar uma referência ao rei, o

habitante da Samaria, no sentido da monarquia89.

Optamos por traduzir 0psn>w* 0lAw>! como um coletivo, "os habitantes da

Samaria". Desta forma, no versículo 5 teríamos três grupos distintos da nação

reagindo diferentemente diante da deportação das novilhas de Bet-Áven: os

habitantes da Samaria temem, o povo lamentou-se e os sacerdotes tremem.

A preposição ZL" não parece introduzir uma relação causal entre as orações.

O lamento pelo bezerro de Betel não é uma causa ou razão do medo anunciado na

primeira oração. Estudos freqüentemente explicam zL" como assertiva (sim)90.

Assim sendo, zL pode introduzir a razão para um pensamento que está implícito,

não expresso, na oração anterior. O fato de que os adoradores do bezerro

lamentam por ele, insinua fortemente que o bezerro terá um fim. Isto seria uma

razão suficiente para a declaração da oração anterior de que os habitantes da

Samaria temem pelo bezerro91. Ao contrário, o segundo zL" introduz a razão para o

tremor e lamento das declarações anteriores, tendo, portanto, valor de

conjunção92.

O sufixo de XON$n" foi tomado como primeira pessoa do plural. Mais provável

porém, é a visão de que o sufixo é da terceira pessoa do singular masculino, que é

grafado do mesmo modo. Nesta visão torna-se difícil saber a quem ele se refere.

Entre as possibilidades estão "as novilhas", "a glória" e "o povo"93. A maioria dos

sufixos geralmente refere-se a substantivos que determinam representação

concreta. Sendo assim, o sufixo singular masculino refere-se naturalmente ao

singular epcL+!(glória), que também é masculino94. Portanto, é melhor entender, o

sujeito do verbo im+H+ (partir) como sendo a glória que partiu do bezerro, do que

entender como sendo o próprio bezerro que partiu do meio do povo95.

Existe uma alternância de verbos no Imperfeito e no Perfeito. Os dois

perfeitos, mc_b+! e im+Ha seguem a 3ª pessoa do plural masculino dos verbos

88 Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., Hosea, p. 556.89 Sweeny não apresenta uma argumentação para esta sua posição. Cf.: SWEENEY, M. A., TheTwelve Prophets, p. 104-105.90 Cf.: JOÜON, P., A Grammar of Biblical Hebrew, p. 617-61891 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 166.92 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p.166.93 Cf.: MACINTOSH, A. A., op. cit., p. 399.94 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p.166-167.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 17: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

70

imperfeitos, XsXhza / Xmzh"za!96. Esta alternância talvez pudesse indicar que, assim como

o povo não se identifica com as ações do rei nos vv. 3-4, agora também não se

identifica com as atitudes dos habitantes da Samaria (monarquia) e dos sacerdotes

do v. 5. Há uma semelhança entre vv 5a e 8a, tendo 0x]b+!como principal ligação.97.

V. 6

A expressão pupb.=H_! (também ele) do v 6a mostra uma continuidade

temática com o versículo 5. A partícula =H_ (além disso) serve para ampliar a

referência à riqueza do culto perdida no versículo 5. A partícula ubA de pupb,

originalmente uma partícula de ênfase, é usada corretamente aqui como um sinal

do nominativo. O sufixo da terceira pessoa do singular masculino parece referir-se

ao bezerro98. O sufixo não pode referir-se ao substantivo epcL+ (glória) por causa da

impossibilidade de apresentar algo não palpável como tributo para um rei99. Com

isto não é só Betel que perderá sua riqueza com relação ao tributo exigido pelos

assírios. O rigor do tributo exigirá o envio do próprio bezerro100.

No versículo 6b-c os componentes gramaticais estão em simetria perfeita:

objeto / sujeito / verbo / / verbo /sujeito / objeto. A oração procura destacar uma

finalidade não utilizando o verbo no término da última oração como marca

habitual para fechar um parágrafo. Assim, a oração dupla interpõe um tema em

contraste com destruição do objeto de culto da Samaria: o tema da vergonha. A

"Glória" irá para a Assíria e Efraim ficará envergonhado. O tema da vergonha é

reiterado na linha paralela, mas com o verbo cognato no lugar do substantivo101.

O substantivo io•w>C+ (vergonha) 102, colocado enfaticamente no começo da

frase, parece ser uma forma modificada de iwXc (vergonha) com num (o)

acrescentado à raiz103. A palavra ioaw>C+ (vergonha) é empregada desta forma só aqui

95 Cf.: McCOMISKEY, T. E., op. cit., p.166.96 Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., Hosea, p. 556.97 Cf.: Ibid., p. 549.98 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 403.ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., op. cit., p. 557.99 Cf.: McCOMISKEY, T. E., op. cit., p. 167.100 Cf.: MACINTOSH, A. A., op. cit., p. 404.101 Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., op. cit., p. 557-558.102 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 122.103 Cf.: HARRIS, R. L.; ARCHER, G. L. Jr.; WALTKE, B. K., Dicionário Internacional deTeologia do Antigo Testamento, p. 161. ALONSO SCHÖKEL. L. A., op. cit. , p 122.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 18: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

71

e constitui uma referência ao culto espúrio104. O final ioa, não pode ser explicado

satisfatoriamente. Pode ser uma peculiaridade do dialeto de Oséias105.

O substantivo iyavA aqui com sufixo puy+v'! tem o sentido básico de

"conselho", "plano". Como o assunto das duas orações paralelas é a vergonha, o

sufixo em iyavA (decisão) naturalmente refere-se a Israel, pois "Efraim" foi

designado na primeira oração106.

Segundo McComiskey, é improvável que o sufixo em puyav' refira-se ao

bezerro, pois iyavA nunca é usada para uma divindade pagã107. Porém, se esta

afirmação está correta do ponto de vista sintático, analisando o contexto em que

ocorre, sobretudo o versículo antecedente e o subseqüente, a vergonha carregada

por Efraim e a decisão da qual Israel se envergonhará, pode se referir tanto ao

objeto de culto (v. 5), como aos planos frustrados de aliança com a Assíria (v. 6).

A construção sintática que permite um duplo entendimento pode fazer parte do

tom irônico da perícope.

V. 7

O versículo 7 apresenta duas dificuldades sintáticas. Primeiro, chama a

atenção o particípio!in$e>o"!(será destruído) no conjunto de uma ameaça construída

com verbos no Imperfeito. A oração parece ser uma interpretação adicionada à

vergonha mencionada no v. 6b108. A raiz desta forma verbal Nifal é in+E+! II, que

significa "sucumbir", "perecer", "cessar", "acabar-se"109. Evoca um evento

iminente. Sua forma masculina pode indicar que é predicado de ilmn (seu rei)110.

Segundo McComiskey, porém, esta forma seria uma anomalia entre os verbos

finitos nesta seção. O autor, mantendo as consoantes, vocaliza o verbo como

terceira pessoa do masculino singular do Qal perfeito. O sentido da oração é que a

Samaria será destruída, referindo-se ao rei. O julgamento é pronunciado para

Samaria, mas o foco específico é seu governante. Na verdade, o rei da Samaria

104 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 403.105 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 167.106 Cf.: Ibid., p. 167.107 Cf.: Ibid., p. 167.108 Cf.: WOLFF, H. W., Hosea, p. 176.109 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., op. cit., p. 158.110 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 405.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 19: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

72

será destruído111. O gênero masculino do verbo parece impróprio para a palavra

0psn>w* (Samaria) que é identificada como um substantivo feminino pelo sufixo

feminino em IL+m>n_ (rei dela). Se entendemos este verbo in+Ea como um perfeito,

diferente da sucessão dos verbos imperfeitos neste contexto, o verbo in+Ea no Nifal

tem o sentido de "perece"112. A forma de particípio do verbo Nifal não prediz a

destruição futura do monarca, mas apresenta sua situação atual e reflete a

avaliação do profeta sobre os fatos113.

Em segundo lugar, a expressão IL+m>n_!0psn>w*, literalmente, "Samaria seu rei",

embora utilize uma seqüência pouco comum, serve para identificar o rei com a

Samaria114. A seqüência é difícil de explicar gramaticalmente. Uma possibilidade

seria ver 0psn>w* com vocativo115: "Perece, ó Samaria, o teu rei, como espuma na

superfície das águas". Segundo Jacob, "Samaria" seria sujeito do verbo in+Sa116.

Desta forma, provavelmente, a junção do nome feminino com o verbo no

masculino se daria por concordância com a idéia (o povo de Samaria). Contudo,

seria difícil sustentar isto gramaticalmente.

V. 8

O versículo 8a-b está ligado ao versículo 7, visto que seus verbos enw

(destruir) e imv!(crescer) parecem expressar uma ação num futuro muito próximo.

As frases são ainda pronunciadas pelo profeta. No versículo 8 retorna-se à

situação antecipada pelo versículo 2, quando se fala da destruição dos lugares de

culto117.

A palavra 0x]b+ (maldade) é usada por Oséias como nome pejorativo para

Betel. A pergunta que surge é se a palavra deve ser aqui interpretada como um

substantivo próprio ou como um nome comum. Entendendo como um nome

próprio temos uma referência para Betel e assim são designados os vários

santuários e altares naquele lugar. Ao entender a palavra como um substantivo

111 Sweeney afirma que o v. 7a retrata a morte do rei Israelita com o termo ine! (destruir). Cf.:SWEENEY, M. A., The Twelve Prophets, p. 106.112 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 169.113 Cf.: SWEENEY, M. A., op. cit., p. 106.114 Andersen e Freedman supõem que o rei da Samaria aqui mencionado seja na verdade umadivindade pagã. A idéia que o deus é o rei da cidade seria comum na religião de Cananita. Cf.:ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., Hosea, p. 558.115 Cf.: JOÜON, P., A Grammar of Biblical Hebrew, §137g.116 Cf.: JACOB, E.; KELLER, C.; AMSLER, S., Osée, Joël, Abdias, Jonas, Amos, p. 73.117 Cf.: SIMIAN-YOFRE, H., El Desierto de los Dioses, p. 140.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 20: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

73

comum temos então "santuários de maldade" situados ao longo do Reino do

Norte, dos quais Betel era o exemplo principal118. O contexto desta passagem

particular, com sua referência explícita para Betel (v. 5) e ao culto de bezerro,

parece indicar a primeira alternativa.

A última frase é introduzida com o verbo!snb (dizer), como no v. 3. Nas

duas o sujeito é o mesmo119. Mas quem é o sujeito? Alguns comentaristas

rabínicos dizem que os sacerdotes dão voz aos santuários e altares (comparar com

Js 24,27). Para outros, são os adoradores nos santuários que falam ou os Israelitas

em geral que elevam o grito de calamidade e angústia120. Esta última opção parece

ser mais aceitável, visto que o oráculo começa com uma referência explícita a

Israel e quando o autor quer especificar algum grupo em particular ele o faz, como

no versículo 5. Por isso, pode-se dizer que o povo em geral é que lança os dois

últimos imperativos: XoXTL (cobri-nos) e XozmAv+!Xmq>o"!(cai sobre nós).

2.3.3.

Estrutura

A perícope de Os 10,1-8, a primeira vista, parece uma sucessão de

pequenos oráculos independentes. Para estabelecer sua estrutura foram levados

em consideração elementos sintáticos e semânticos. Primeiramente, observando-se

os verbos, pode-se notar uma alternância quase regular entre perfeitos e

imperfeitos, indicando ações concluídas contrapostas à ações incompletas, ou

fatos do passado e fatos que irão ocorrer num futuro próximo. Eles revelam uma

alternância entre as ações de Israel e punição por parte de Deus.

O objetivo da perícope já está expresso logo no início e no final. Israel

aumentou seus altares e estelas à medida que se enriquecia. Por isso terá de pagar

por sua infidelidade religiosa (versículos 1,2 e 8). O versículo 2 desempenha uma

função especial. Ele concentra em si todos os elementos da perícope pela

contraposição dos verbos: a falsidade do coração de um lado e, do outro, o fato de

terem de pagar por isso.

118 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 408-409.119 Cf.: ALONSO SCHÖKEL, L. A.; SICRE DIAS, J. L., Profetas II, p. 936.120 Cf.: MACINTOSH, A. A., op. cit., p. 409.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 21: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

74

O vocabulário cultual domina o texto: altar, três vezes; estelas, duas; Bet-

Áven e lugares altos, novilhas, uma. As temáticas também vão se alternando,

críticas à idolatria e à questão cultual num instante e crítica ao rei e à questão

política em outro. No início e no final aparecem os elementos cultuais. Os

versículos 3,4 e 7 dão destaque às atitudes do rei e ao seu desaparecimento. No

centro está a questão do bezerro de Bet-Áven (vv 5.6). Os elementos da natureza

se destacam em três momentos. No início a videira, a abundância de seus frutos e

a prosperidade da terra. No centro, o direito é comparado ao veneno que brota nos

sulcos do campo. Já a rebelião da natureza aparece no versículo final com a

invasão dos espinhos e cardos sobre os altares e o desabar das colinas e

montanhas. A perícope apresenta uma estrutura concêntrica121.

A análise sintática oferece alguns elementos que podem ajudar a elaborar

uma divisão do texto. Elementos da estrutura:

Do v. 1 ao 2a temos um particípio inicial qualificando Israel e uma série de

quatro verbos na terceira pessoa, expondo suas ações em relação aos elementos de

culto. Estas frases apresentam-se como uma introdução do oráculo;

No v. 2b a partícula iU+v_ marca o início do discurso precatório. Este

discurso poderia como que abarcar todo o restante do oráculo, expondo a ação

punitiva de um lado e, como conseqüência, a reação do povo por outro. Contudo,

todo este grande discurso pode ser subdividido em seções menores:

Do v. 2b a 2d, os verbos no imperfeito que apresentam a ação punitiva em

relação aos objetos de culto, estão abarcados pela partícula iU+v_;

Dos vv. 3 a 4 temos uma nova partícula (zL"). Esta abarca as partículas que

indicam negação (bP-! 0zbA) e interrogação (.in_) frente ao rei. O v. 4 apresenta a

resposta ao questionamento feito em 3d, por isso está conectado a ele;

Nos vv. 5 a 6, os verbos, alternando entre imperfeito e perfeito, indicam a

reação diante do destino da glória "das novilhas" de Bet-Áven. A preposição m> no

substantivo upmh>v$ (v. 5a), as preposições com sufixos pronominais xzm+v+ (v. 5b-c),

XON$n" (v. 5d) e a preposição .mv_! no substantivo epcL> (v. 5c) e a partícula pupb.=O_

(v.6a) dominam a seção e apontam para o motivo do julgamento;

121 Cf.: SIMIAN-YOFRE, H., El Desierto de los Dioses, p. 136. SARDELLI, G., Immaginivegetali in Osea: principio unificatore e strutturante per un'ermeneutica del texto, p. 8-12.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 22: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

75

No v. 6b-c os componentes gramaticais estão em simetria criando um jogo

de palavras distinto da seção anterior e subseqüente;

Nos vv. 7 e 8a, dois verbos no Nifal (particípio e perfeito) e um Qal

imperfeito indicam a destruição do rei e dos lugares de culto, marcando mais uma

subseção do julgamento;

No v. 8b-f, um Qal perfeito introduz dois imperativos, concluindo o

oráculo com uma última reação diante do julgamento.

Para concluir esta etapa, apresentamos algumas considerações, a fim de

articular a divisão ou estruturação sintática. O oráculo caracteriza-se por uma

introdução tendo como foco Israel e sua prática cultual (v. 1a-2a), seguida por um

grande julgamento que atinge os elementos do culto e o rei; juntamente com este

juízo aparece a reação dos diversos setores do povo frente à punição (vv. 2b-8).

Esta seção do julgamento pode ser dividida em subseções conforme vão

alternando-se juízo e reação. Ao juízo sobre os objetos de culto (v. 2b-2d), segue

uma reação negando e questionando as atitudes do rei (vv. 3-4). O juízo sobre a

glória das novilhas é antecedido por reações de setores diversos (habitantes da

Samaria, povo e sacerdotes) e seguido por uma reação de Israel e Efraim (vv. 5-6).

Um duplo juízo, sobre o rei e os lugares de culto (vv. 7 - 8ab), é seguido por uma

última reação, que encerra o oráculo com um duplo vocativo (v 8c-f).

Um esquema pode ajudar a visualizar a divisão da perícope pelos dados

sintáticos:

1-2a - Introdução

2b-d - Juízo

3-4 - Reação

5a-c - Reação

5d-6a - Juízo

6b-c - Reação

7-8ab - Juízo

8c-f - Reação

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 23: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

76

2.4.

Análise do texto como sistema Semântico

A análise sintática nos mostrou a complexidade das articulações dos

lexemas, partículas e frases em sua estruturação como texto. A análise semântica

ajudará a precisar o significado das palavras em sua relação com o conjunto da

perícope. Serão analisadas separadamente as palavras ou expressões mais

significativas de cada versículo para a compreensão do texto.

2.4.1. Análise Semântica122

V. 1

A palavra 0q$H$, geralmente é traduzida por "videira"123. Em Oséias é

mencionada em 2,14, no contexto do julgamento divino da esposa/Israel infiel,

quando se diz que sua videira será destruída, como castigo pela infidelidade. A

comparação de Israel com uma videira é encontrada nos Salmos (cf. Sl 80, 9. 15).

Isaías fala da videira num contexto de juízo. Elas se transformarão em espinheiro

e matagal (cf. Is 7,23), o próspero vinhedo de Sábama será julgado (cf. Is 16,9-10)

e a vinha das mulheres de Jerusalém será destruída (cf. Is 32,12). Em Zacarias,

num contexto de perdão, a concórdia se expressa pelo mútuo convite debaixo da

videira (cf. Zc 3,10). Enfim, a palavra é usada no meio sapiencial para, em

metáfora, referir-se a Israel. O julgamento divino é expresso pela sua destruição.

Mas debaixo dela pode-se experimentar seu perdão. Contudo, a palavra 0q$H$ pode

ter seu sentido melhor precisado pela análise do gênero empregado no presente

texto. O substantivo é normalmente feminino e aqui no entanto é masculino. Em 2

Rs 4,39 é o único outro lugar onde parece ser masculino, e lá não se trata de uma

videira comum. Parece tratar-se de uma videira selvagem com frutos de efeito

nocivo124. Poderia existir uma possibilidade de sentido para 0q$H$ que escaparia ao

122 Na Análise Semântica vão ocorrer algumas repetições inevitáveis da Análise Sintática, quevisam ajudar a precisar o sentido de determina palavra ou frase.123 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 143.124 Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., Hosea, p. 549-550.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 24: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

77

âmbito sintático125. O autor poderia querer dar uma duplicidade de sentido para a

palavra videira empregando-a no gênero masculino. Por um lado, utilizando-a

como metáfora de tipo sapiencial para referir-se a Israel. De outro, entendendo-a,

não como videira comum, mas como videira selvagem como em 2Rs 4,39, cujos

frutos produzem dano126. Optamos pela tradução de 0q$H] como "vinha", para manter

sua ligação com o tom sapiencial de seu uso em metáforas. Quanto a precisão de

ser uma videira boa ou selvagem, será dada pelo particípio Qal rr_C+.

O verbo rr_C+ significa negativamente "esvaziar", "assolar", "arrasar", "ser

saqueado" (rr_C+ I) e positivamente, "ser exuberante" (rr_C+ II) 127. A outra

ocorrência do verbo, tal como se encontra em Oséias, está em Isaías 24,1,

indicando que Deus vai assolar a terra. Em Oséias, o verbo rr_C+ foi entendido nas

versões antigas (cf. LXX, Peshitta e Vulgata) com o sentido de crescimento

saudável ou exuberante e muitos comentaristas modernos seguiram esta linha de

interpretação128. Mesmo quem reconheceu seu sentido negativo, colocou algumas

objeções quanto à aplicação deste sentido no texto de Oséias129 ou interpretou o

verbo a partir do versículo seguinte130. Segundo Macintosh131, a palavra rr_C+ é

125 Na tentativa de encontrar uma palavra da língua Portuguesa que literalmente expressasse ogênero masculino, poder-se-ia sugerir a palavra "vinhedo", sabendo que vinhedo se refere mais aum conjunto de vinhas, é um coletivo. Além disso, o uso do gênero masculino aqui poderia teroutra função. Por isso, o uso de "vinhedo" poderia tão somente indicar o gênero da palavra aquiusada e não o seu sentido.126 O plantio e o cuidado de uma vinha encontra-se descrito em Isaías 5,1-6, que indica que as uvaspodiam ser boas e doces, ou bravas e azedas. O favor do Senhor expressa-se mediante a dádiva davinha (Os 2,12,15). A vide aparece em visões (Gn 40,9.10) e parábolas (Jz 9,12). A metáfora davideira além de ser usada para referir-se ao povo de Israel como já foi dito (Jr 2,21; Ez 15,1);refere-se ainda à sabedoria (Eclo 24,17); à esposa frutífera (Sl 128,3). Cf.: HARRIS, R. L.;ARCHER, G. L. Jr.; WALTKE, B. K., Dicionário Internacional de Teologia do AntigoTestamento, p. 372.127 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 114. HARRIS, R.L.; ARCHER, G. L. Jr.; WALTKE, B. K., op. cit., p. 207.128 Interpretam rrxc em sentido positivo: Cf.: MAYS, J. L., Hosea, p. 137. DEISSLER, A.,DELCOR, M., Les Petits Prophètes, p. 98. WOLFF, H. W., Hosea, p. 170. ANDERSEN, F. I.;FREEDMAN, D. N., Hosea, p. 549. BERNINI, G., Osea, Micha, Nahum, Abacuc, p. 149. MEJIA,J., Amor, Pecado, Alianza, p. 99. JACOB, E.; KELLER, C.; AMSLER, S., Osée, Joël, Abdias,Jonas, Amos, p. 73. McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 158. SWEENEY, M. A., TheTwelve Prophets, p. 103.129 Wolff, por exemplo, afirma que o!rr_C+ do versículo 1 deveria ser interpretado na luz do b;qq doárabe "ramificar-se, dividir", a partir de um "degenerar-se", como videira não frutífera "Cf.: Is65,6". Contudo o versículo 1b pressupõe que a videira é produtiva. Cf.: WOLFF, H. W., Hosea, p.170. Ou como Deisseler e Delcor que afirmam que o verbo rrc, presente só aqui com o sentidointransitivo, de acordo com o árabe e o acádico, exprime o sentido de desenvolvimento, expansão.E a partir daí tiram a conclusão: o versículo 1 apresenta o apogeu do Reino do Norte. Cf.:DEISSLER, A., DELCOR, M., Les Petits Prophètes, p. 98.130 Para McComiskey, o sentido básico do radical rr_C+ é esvaziar. Refere-se às forças destrutivasque esvaziarão a terra da Babilônia "Jr 51,2"; Refere-se a saquear "Na2,3[2]"; rr_C+ evoca adeliberação que é feita sem valor "Jr 19,7". Esta palavra não acontece em outro lugar com

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 25: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

78

provavelmente técnica e por isso torna-se difícil precisar seu significado. Através

de comparações, alguns comentaristas rabínicos estão de acordo que a palavra

indica a qualidade pobre ou deficiente da videira. Eles comparam o verbo rr_C+ de

Os 10,1 com a ocorrência da mesma raiz verbal em Na 2,3 (=Xrr+c>) e 2,11 (ir+XC)132.

O profeta Na 2,3 também refere-se às videiras e o verbo rr_C+ parece descrever a

destruição do estado a partir da figura de tal metáfora. As referências e

comparações com Na 2,3 dos comentaristas rabínicos apresentam como

significado para a palavra rr_C+, algo que indica deficiência de qualidade ou dano

em lugar de crescimento saudável e exuberante. A antigüidade desta visão

alternativa é sugerida pelas evidências de Aquila, Símaco e Targum133. A raiz de

rr_C+, como acontece em Na 2,3, deveria ser comparada com bwq árabe e com o

Siríaco bqq "ser carcomido", "deteriorar-se", "estragar". A evidência de Na 2,11

sugere que a raiz acontece em hebraico de duas formas: como uma raiz oca134,

mas também produzindo um terceiro radical =xi / =ni ou, como raiz de um Po'lel

=xr-! =nxr. Segundo Macintosh135, Ibn Ezra nos seus comentários de Na 2,3 está

inclinado à visão de que rr_C+ é um verbo que poderia ser ou transitivo como em

Na 2,3 ou intransitivo como em Os 10,1. Com isto pode-se deduzir que a forma

rrApC, especificamente aplicada à videiras, indica que elas exibem dano ou

deficiência, decadência ou devastação136. O primeiro sentido será descoberto em

Os 10,1, o posterior em Na 2,3137. Optamos pelo primeiro sentido, caracterizando

a videira como "estragada". Como já foi dito, uma "videira selvagem" que produz

referência a uma videira. Porém, não se pode concluir que, porque tem o sentido de vazio,descreve uma videira destituída de frutos e folhagem. Pelo contrário, na próxima linha se afirmaque ela produz frutos. A palavra deve ser entendida metaforicamente no sentido de esvaziar, apartir do transbordar expresso adiante, exuberante. Cf.: McCOMISKEY, T. E., The MinorProphets, p. 159.131 MACINTOSH, A. A., A Critical and Esegetical Commentary on Hosea, p. 383.132 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 383.133 Cf.: Ibid., p. 384.134 São verbos que tinham um yod ou um waw como consoante do meio. Porém, no decorrer dodesenvolvimento da língua, o yod ou o waw se contraíram com a vogal precedente formando umavogal invariavelmente longa e perdendo seu valor como consoante. Estes verbos são consideradoscomo não tendo mais uma consoante no meio. São, por isso, às vezes, denominados verbos "ocos".Outras denominações possíveis são verbos de "vogal intermediária" ou verbos "médio yod/ médiowaw. São localizados pela forma do infinitivo construto do Qal, em vez da terceira pessoa domasculino singular do perfeito Qal.135 Cf.: Ibid., p. 384.136 Simian-Yofre também vai na mesma direção atribuindo o sentido de "arrasado" ao verbo. Cf.:SIMIAN-YOFRE, H., El Desierto de los Dioses, p. 137.137 Cf.: MACINTOSH, A. A. op. cit., p. 384.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 26: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

79

frutos, mas frutos que causam dano. Uma videira "arrasada", visto que estaria

destruída, não produziria frutos. A seqüência da frase sugere muitos frutos.

Há duas raízes para o verbo ixaw+138. O significado geralmente atestado para

o verbo (ixaw+! I) é "assemelhar-se", "ser como" e, no Piel, tem o sentido de

"acalmar" e "moderar afetos". Um segundo sentido (ixaw+!II) é de, "estabelecer" e

"colocar"139. Existem algumas possibilidades de tradução:

A) Segundo McComiskey, o sentido de "suavizar" não se ajusta à imagem

da videira, restando a outra raiz, "fixar". O sentido da expressão em

10,1 seria "fixar" ou "colocar frutos nos ramos da videira"140.

B) Na mesma direção vai Deissler, para o qual, o verbo ixaw+! pode ser

interpretado no sentido de "fazer amadurecer" como o árabe ou ainda

como um verbo aramaico X;w;h II "pôr", "fazer"141.

C) Para Macintosh, esta referência ao verbo cognato árabe swy e seu

sentido de "amadurecer" (ao se referir a um homem) ou "ser cozinhado

completamente", "estar maduro" (ao se referir a alimento) pode levar a

ver no verbo ixaw+! este último significado. Assim, o significado "estar

maduro" é mais próximo ao sentido "pronto para comer" em lugar da

noção de uma árvore ou planta que leva seu fruto à maturação.

Macintosh afirma ainda que, a teoria é atraente, desde que se ajuste ao

contexto e esteja de acordo com o melhor significado atestado para

rr_C+, facilitando uma interpretação do verso como uma única metáfora,

descrevendo o estado adverso da nação a partir da figura da videira142.

Por isso, para Macintosh, vale o primeiro sentido (ixaw+!I) "assemelhar-

se". Assim, o fruto da videira "se assemelha a ela"143.

D) Andersen argumenta que o verbo raro ixaw+! parece ter um significado

neste versículo não atestado em outras ocorrências. Em conseqüência

disto, segundo ele, o texto é freqüentemente corrigido. Ao que parece,

sua proposta seria tomar o verbo no sentido de "estabelecer" e

138 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 662.139 Não se sabe ao certo a relação precisa (se é que existe) entre ixaw+!I e II. Uma possibilidade é deque ocorreu a evolução do sentido original de "pôr", "colocar", para o de "pôr junto", "comparar".Cf.: HARRIS, R. L.; ARCHER, G. L. Jr.; WALTKE, B. K., Dicionário Internacional de Teologiado Antigo Testamento, p. 1535.140 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 159.141 Cf.: DEISSLER, A., DELCOR, M., Les Petits Prophètes, p. 98.142 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 386.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 27: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

80

"colocar" (ixaw+! II). Desta forma os frutos seriam colocados na

videira144. Porém, a expressão comum para isso é zsqzdv!(frutificar). Se

ixaw+! é aqui um sinônimo de 0Xdv'z•! (Os 9,16), ele oferece um ponto de

ligação entre os capítulos145.

Optamos pelo primeiro significado, "assemelhar-se", pois se ajusta ao

contexto e está de acordo o significado atestado para rr_C+. O verso, desta forma, é

interpretado como uma única metáfora, mostrando a situação negativa de Israel a

partir da imagem da videira.

A partícula pm tem uma função reflexiva que sublinha o fato de que a nação

fez isto em vista dos seus próprios interesses146. Não é que Israel, a videira,

produza fruto para si. Supõe-se que Israel produza fruto para YHWH. Uma

videira não produz fruto para si, mas para seu dono. O lamento desta parte da

profecia é que os frutos que deveriam ser oferecidos a YHWH são injustamente

oferecidos aos altares e estelas147.

Os substantivos cs_ (abundância148) e cpg (prosperidade149) são infinitivos

dentro de orações nominais que se tornam orações comparativas pelo L>

anteposto150. O substantivo cs_ (abundância) é comparado ao verbo que se refere

aos altares. O texto hebraico diz literalmente, "de acordo com a abundância de

seus frutos, aumentou os altares"151. Na palavra zs"q>! (fruto), a preposição m> tem

uma função possessiva que une o substantivo "abundância" e a palavra "fruto"152.

A abundância de fruto representa uma colheita farta, em ambiente agrário pode ser

um indicativo de prosperidade econômica.

O verbo ic+sa!(multiplicar)153, refere-se a Israel, porque o objeto é altares. O

m> freqüentemente acontece com verbos no hiphil para designar o objeto do

143 Cf.: Ibid., p. 385.144 Como se coloca um adorno em alguém. Para isso sugere uma leitura para o Sl 89,20, onde overbo ixw poderia ser lido como, "colocar", "cingir com diadema"( Sl 89,20! spCh".mv_! s{$vA! zu"zXw"! -"coloquei auxilio sobre um forte", "cingi um valente com diadema").145 Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., Hosea, p. 550.146 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 159.147 Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N. op. cit., p. 550.148 Cf.: HARRIS, R. L.; ARCHER, G. L. Jr.; WALTKE, B. K., Dicionário Internacional deTeologia do Antigo Testamento, p. 1391.149 Como substantivo ou substantivado designa um bem físico. Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A.,Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 257.150 Cf.: WOLFF, H. W., Hosea, p. 170.151 Cf.: McCOMISKEY, T. E., op. cit., p. 159.152 Cf.: Ibid., p. 159.153 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 602-603.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 28: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

81

verbo154. Os radicais para "abundância" (cc•sa e ic+s+) ocorrem nove vezes em

Oséias, caracterizando o grande erro de Israel (cf. 4,7; 8,11. 14; 9,7; 10,13;

12,2)155 . Só duas vezes a palavra caracteriza a abundância dos presentes de

YHWH (2,10;12,11) 156.

A palavra upkC>{,N", repetida por três vezes no texto (vv. 1.2.8), deriva de kc_{a

(sacrificar) e significa "local de sacrifícios", "altares"157. Os sacrifícios selavam

um pacto, não necessariamente entre uma pessoa e Deus (cf. Gn 31,54). A

refeição feita nestes sacrifícios simbolizava a amizade entre as duas partes e a

intenção de manter as promessas feitas. Contudo, os upkC>{,N" estão geralmente

ligados ao campo religioso158, seu universo semântico está, portanto, associado ao

culto.

O substantivo cpg! (prosperidade) introduz uma oração comparativa. A

idéia da estrutura comparativa é que, com a prosperidade econômica propiciada

pela terra foram melhoradas as estelas159. O adjetivo cpg!(bom) tem o sentido de

bem-estar econômico e político referindo-se à nação160. Pode também referir-se a

qualquer aspecto de fertilidade: "chuva, "gordura", "riqueza" ou "beleza"161. Aqui

está qualificando a terra ys,b_.

A palavra ys$b$! designa a "terra" em vários sentidos (cosmológico,

geológico, planos, qualidade, política e agricultura)162. No presente contexto seu

significado está ligado a este último, agricultura. Expressa, portanto, o sentido de

"campo", "terra cultivável", sendo qualificada por cpg. Enfim, neste contexto

semântico, onde aparecem vinha e fruto, seu significado é o de solo, chão e lugar

onde se planta e produz o fruto.

O verbo cg_za significa "fazer algo bem" ou "fazer algo diligentemente"163. O

sentido da declaração em Oséias 10,1 é que, como as condições no país

melhoram, as pessoas tornaram-se mais diligentes, mantendo os altares e

154 Cf.: McCOMISKEY, T. E., op. cit., p. 159.155 A raiz ccs: os numerosos sacerdotes (4,7), soldados (10,13), as muitas transgressões ehostilidades (9,7). A raiz ics: os numerosos lugares de sacrifício (8,11), fortalezas (8,14) e oaumento da falsidade e violência (12,2).156 Cf.: WOLFF, H. W., Hosea, p. 173.157 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 364.158 HARRIS, R. L.; ARCHER, G. L. Jr.; WALTKE, B. K., Dicionário Internacional de Teologiado Antigo Testamento, p. 376-377.159 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 159-160.160 Cf.: Ibid., p. 160.161 Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., Hosea, p. 551.162 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., op. cit., p. 77-78.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 29: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

82

melhorando as estelas164. Contudo, o sentido do verbo cg_za pode ser melhor

definido através da referência à oração anterior pys,b_m>!cpgL> (quanto mais próspera

sua terra) e ao verbo paralelo mais próximo ic+s+ (multiplicar). Entre outros, o

significado do verbo cg_za é "preparar", e talvez "construir". A noção de preparação

às vezes indica "adorno", "embelezamento"165. Este sentido de embelezamento

parece adequar-se mais ao contexto do v. 1.

A palavra upcYAn_ significa "estelas"166. Estas eram pedras levantadas que

podiam funcionar como o testemunho de uma aliança ou contrato (cf. Gn

31,45.51-52), um memorial de defunto (cf. Gn 35,20; 2Sm18,18) e como

lembrança de uma manifestação divina (cf. Gn 28,18; 31,13; 35,14)167. Nem

sempre referiam-se a objetos de adoração pagã. A ic+YAn_, aparentemente, diz

respeito a objeto usado na adoração pública, embora o memorial que Absalão fez

para si (cf. 2 Sm 18,18) talvez não tenha tido um propósito especificamente

religioso, como também a coluna erigida no túmulo de Raquel (cf. Gn 35,20).

Mesmo aquelas com alguma conotação religiosa, as colunas erigidas por Jacó (cf.

Gn 28,18; 35,14) e Moisés (cf. Ex 24,4), parecem representar usos legítimos

desses objetos. Em duas passagens nota-se que o texto hebraico evita o uso de

ic+YAn_; em seu lugar usa a expressão im+peH,!0c$b$ (grande pedra) (cf. Js 24,26-27; 1 Sm

7,12). Sabe-se pela arqueologia que muitas colunas de pedra bruta, inicialmente

interpretadas como objeto de culto, eram na verdade um aspecto comum da

construção de casas israelitas na Idade do Ferro Média. Também não se chegou a

uma conclusão acerca do suposto relacionamento ou desenvolvimento de colunas

cultuais em imagens de ídolos propriamente ditos. Contudo, em muitas passagens

as upcYAn_ "estelas" são condenadas (Ex 23,24; Dt 16,21-22; 1 Rs 14,23) 168. Na

adoração pagã, grande parte destas estelas eram associadas às divindades169. No

presente contexto a palavra upcYAn_ deve ser entendida como elemento de ordem

cultual.

163 Cf.: HARRIS, R. L. - ARCHER, G. L. Jr. - WALTKE, B. K., op. cit., p. 613.164 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 160.165 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 387.166 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 396.167 Cf.: DE VAUX, R., Instituições de Israel no Antigo Testamento, p. 324.168 Cf.: HARRIS, R. L.; ARCHER, G. L. Jr.; WALTKE, B. K., Dicionário Internacional deTeologia do Antigo Testamento, p. 988.169 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 160

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 30: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

83

V. 2

Existem duas raízes originárias possíveis para o verbo rm_k+281. A primeira,

(rm_k+ I), "liso", "incerteza" e, assim, "lisonja" e então "dissimulação". Neste

primeiro sentido é usado como linguagem da sedução (cf. Sl 5,10; 12,3; Pr 28,23)

e indica a superficialidade e hipocrisia da prática religiosa171. A segunda, (rm_k+ II)

"dividir", "repartir". Segundo Macintosh, os comentaristas rabínicos são

favoráveis à segunda alternativa. Interpretam a frase como um rompimento com

YHWH, ou como a divisão do coração dos Israelitas, entre o seu afeto a Baal e

YHWH172. Já alguns comentaristas atuais173 são favoráveis à primeira raiz.

Entendem a frase como falso zelo das pessoas. As ofertas trazidas para honrar

YHWH, são na realidade dedicadas a Baal, seu maior objeto de afeto. O verbo

(rm_k+ II) "dividido", termo técnico usado para designar a repartição de terras em

porções174, aplicado ao coração pode indicar provavelmente que as pessoas

estavam como que partidas em porções atribuídas à divindades175. Ambas as

alternativas chegam no mesmo sentido geral176.

A palavra cmA significa "coração", "memória", "inteligência", "razão" e

"vontade"177. Em geral, cmA exprime a totalidade do caráter e da natureza de

alguém, tanto interior como exterior178. Pelas referências aos elementos cultuais

anteriores (altares e estelas), a palavra poderia ser tomada então como referindo-se

ao relacionamento de Israel com Deus. Neste sentido, aquilo que deveria ser

expresso positivamente com lealdade, é caracterizado aqui como justamente o

oposto. A expressão =C+m"!rm_k+ significa que o centro de decisão e vontade de Israel

não pertence exclusivamente a Deus; é falso. Oséias insiste que a perversidade

170 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 226.171 Cf.: JACOB, E.; KELLER, C.; AMSLER, S., Osée, Joël, Abdias, Jonas, Amos, p. 74.172 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 388-389.173 Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., Hosea, p. 552.174 O verbo no modo Qal significa "dividir", "repartir" e o sentido vai mais na direção de repartir edistribuir. Pode referir-se à divisão de um campo (cf. 2Sm 19,30), da herança (cf. Pr 17,2),também da distribuição das pessoas em grupos (cf. 1Cr 24,4.5) e à divisão do país em posses (cf.Js 14,5; 18,2; Ne 9,22). Cf.: JENNI, E.; WESTERMANN, C., Diccionario Manual del AntiguoTestamento, Volume 1, p. 801.175 Cf.: ALONSO SCHÖKEL, L. A. - SICRE DIAS, J. L., Profetas II, p. 935.176 Cf.: MACINTOSH, A. A., op. cit., p. 389. McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 160.177 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 333.178 Cf.: HARRIS, R. L.; ARCHER, G. L. Jr.; WALTKE, B. K., Dicionário Internacional deTeologia do Antigo Testamento, p. 766.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 31: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

84

moral está ligada e decorre do raciocínio defeituoso e perverso (cf. 2,7; 4,14;

7,13)179.

A partícula adverbial iU+v_ deriva da raiz ioav+ (responder, falar, gritar)180 e

tem em geral o sentido de "agora". O advérbio é encontrado em contextos

proféticos que tratam a ação iminente de YHWH, de bênção (cf. Is 43, 19) e de

juízo (cf. Is 33,19)181. Em Oséias, geralmente introduz uma ameaça (cf. 5,7;

8,10.13). Ela expressa aqui este sentido do anúncio de um julgamento iminente182.

A expressão iU+v_ está ligada ao verbo =w_b+ que pode conotar a realização de

uma ofensa como também sentido de culpado por ofensa183. Ele é semelhante a

outras palavras para pecado que inclui, dentro da sua gama de significados, os

dois atos: de desobediência e castigo. O contexto determina como o leitor deve

entender seu sentido184. O verbo =w_b+ está relacionado a uma transgressão e pode

referir-se a um de seus três estágios: a) o começo: "incorrer em culpa" ou

"cometer o crime"; b) o estado: "ser culpável" ou "devedor"; c) o final ou a

conseqüência: "pagar a culpa", "indenizar" ou "reparar"185. A idéia implícita em

uma situação onde se emprega o verbo =w_b+ é a seguinte: por meio da

responsabilização por algo ruim cometido e do sofrer a pena, surge o pressuposto

para a restauração da situação alterada. A palavra tem um caráter teológico visto

que a responsabilização do ser humano é expressão, causa e conseqüência do juízo

divino. Isto ocorre quando se violam os direitos de YHWH, como por exemplo no

âmbito cúltico. A razão para esta causalidade teológica do verbo =w_b+ está em que

toda culpa humana está relacionada fundamentalmente com Deus.

Consequentemente, toda reparação pela culpa significa uma responsabilização

frente a Deus186. Segundo Macintosh, para alguns comentaristas rabínicos, na

LXX e Vulgata, o verbo =w_b+ representa uma forma do verbo!=nw/=dz que significa

179 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 389.180 Um significado secundário da raiz (ioav+) é o de "testificar". Em muitos casos tem-se em vista umprocesso jurídico (rîb, Cf.: 1 Sm 12,3). Outro sentido secundário é o de "falar". A raizfreqüentemente indica o início de uma conversação (Cf.: Jó 3,2; Ct 2,10; 1 Sm 9,17). Cf.:HARRIS, R. L.; ARCHER, G. L. Jr.; WALTKE, B. K., Dicionário Internacional de Teologia doAntigo Testamento, p. 1139.181 Cf.: HARRIS, R. L.; ARCHER, G. L. Jr.; WALTKE, B. K., op. cit., p. 1142.182 Cf.: WOLFF, H. W., Hosea, p. 139.183 Cf.: HARRIS, R. L. - ARCHER, G. L. Jr. - WALTKE, B. K., op. cit., p. 132.184 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 160.185 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 81.186 Cf.: JENNI, E.; WESTERMANN, C., Diccionario Manual del Antiguo Testamento, p. 381.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 32: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

85

"esteja desolado ou devastado". Para isto eles comparam Os 14,1 e Gn 47,19187.

Porém, as evidências de 4,15; 5,15; 13;1, sugerem que o sentido de "suportar

castigo" pode se ajustar melhor a este contexto em particular. Certamente a

retribuição "eles serão devastados" não é convincente em antecipação do que

segue, ou seja, a destruição de altares e pilares sagrados. O Targum, com uma

dupla tradução, parece saber de ambas as interpretações188. O verbo, descrevendo

impureza de culto ou culpa que deve ser sanada por sacrifício ou por outra medida

apropriada de arrependimento, encontra sua realização na declaração, "ele

demolirá seus altares e destruirá suas estelas"189. Também pelo contexto, as

referências a "altares" e "colunas", a expressão =w_b+ pode referir-se ao âmbito

religioso e cultual.

Os comentaristas se dividem na indicação do referente do pronome bXi

(ele). Simian-Yofre apresenta uma sugestão a partir da semântica do verbo \s_v+

para elucidar a questão. O verbo \s_v+, utilizado no v.2 para se referir à destruição

dos altares, em outras passagens (cf. Ex 13,13; 34,20; Dt 21,4; Is 66,3) significa

quebrar a nuca de uma vítima, ou seja, refere-se a uma ação exercida pelo

ministro do culto. Este verbo utilizado aqui por Oséias poderia indicar que Israel

mesmo, como um sacerdote, quebraria seus altares ilegítimos, como uma vítima

propiciatória ao Deus verdadeiro. Sendo assim os vv. 1 e 2 trazem os dois

extremos do mesmo processo vivido por Israel: de um lado, a multiplicação dos

altares, proveniente do bem estar econômico e da corrupção de seu coração; de

outro, a expiação de seu pecado pela destruição dos altares190. Optamos, contudo,

por entender YHWH como sujeito da ação. Pois, se fosse Israel, a perícope

encontraria aqui sua finalização, com a exposição do pecado e da reparação. Não

teria sentido o restante da perícope que apresenta a reação (cf. v. 3-6 e 8c-f) do

próprio Israel frente à punição. Optamos pela referência a Deus, embora 9,17 seja

a última vez que ocorre191.

O verbo \s_v+ é denominativo de \s]v* (pescoço) e significa, estritamente,

"desnucar"192, matar um animal quebrando seu pescoço (cf. Ex 13,13; Dt 21,4).

187 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 389.188 Cf.: Ibid., p. 389.189 Cf.: SWEENEY, M. A., The Twelve Prophets, p. 103-104.190 Cf.: SIMIAN-YOFRE, H., El Desierto de los Dioses, p. 139.191 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 161.192 Cf.: HARRIS, R. L.; ARCHER, G. L. Jr.; WALTKE, B. K., Dicionário Internacional deTeologia do Antigo Testamento, p. 1173.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 33: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

86

Em sentido figurado "quebrar", "destruir"193. Segundo os comentaristas rabínicos,

o uso do verbo \s_v+ (desnucar) aqui, referindo-se aos altares, tem um sentido

metafórico194. Indica que YHWH agirá sobre os altares e estelas como sobre os

animais impróprios para o sacrifício, quebrando-lhes a nuca (cf. Ex 13,13;

34,20)195, ou quebrará as quatro saliências angulares dos altares, a garantia de sua

consagração e virtude sagrada196. Aqui não se trata dos chifres do altar (Am 3,14),

pois chifres não são nuca. Também não se trata dos animais de sacrifício que são

mortos por degolação e não por quebra de nuca. Trata-se sim da vítima quando

esta é um bezerro (cf. Dt 21,4-6)197. A opção pelo primeiro significado do verbo

\s•v+, "desnucar", e não seu sentido figurado, "quebrar", tem a vantagem de manter

seu sentido metafórico.

O verbo ee_w+ significa "devastar", "assolar", "arrasar"198. Geralmente, ee_w+

usado no contexto bélico para indicar a devastação provocada pela guerra199. O

uso desta palavra aqui dá um impacto peculiar à narrativa e, em paralelo com o

outro verbo, sublinha a força da destruição dos altares e estelas200.

V. 3

A partícula zL" unida a iU+v_ oferece um sentido explicativo e demonstrativo

ao versículo 3. Oséias geralmente introduz a explicação de alguma coisa, falada

anteriormente, com a partícula iU+v_ (cf. 2,12; 5,3; 8,10; 10,3; 13,2). As partículas

indicam que o motivo da punição mencionada no versículo anterior está nas ações

do povo e do rei que serão mencionadas201.

Na frase Xom+ Fm$n!0zbA, o termo "rei" refere-se a um rei humano, não se trata

de um título divino202. Este significado é atestado pelos gestos de infidelidade

193 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 518.194 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 390.195 Cf.: JACOB, E.; KELLER, C.; AMSLER, S., Osée, Joël, Abdias, Jonas, Amos, p. 74.196 ALONSO SCHÖKEL, L. A.; SICRE DIAS, J. L., Profetas II, p. 935.197 RUDOLPH, W., Hosea, p. 192. SWEENEY, M. A.., The Twelve Prophets, p. 103-104.198 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 659.199 Cf.: SARDELLI, G., Immagini vegetali in Osea: principio unificatore e strutturante perun'ermeneutica del testo, p. 19.200 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 161.201 Cf.: SARDELLI, G., op. cit., p. 21.202 Andersen e Freedman sugerem este sentido para rei. As partículas de negação (0zbA````bP````in_)("não"..."não"..."que?") do versículo 3 seriam interpretadas como uma negação explícita daafirmação do credo, "YHWH é Rei", que normalmente é feita com o verbo jmn no lugar dosubstantivo Fm$n$. Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., Hosea, p. 553.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 34: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

87

atribuídos a ele no versículo seguinte203. O rei é mencionado duas vezes, com a

diferença de que na segunda vez está especificado com o artigo definido. O

primeiro Fm$n$ pode significar qualquer rei, já o segundo pode indicar o atual rei. As

duas declarações sobre o rei no verso 3 são aparentemente contraditórias. São

elas: "nós não temos nenhum rei" e "o que pode fazer o rei para nós?" A primeira

frase significa que o rei há muito tempo não tem qualquer poder efetivo. A

segunda frase é vista somente como uma variante da primeira, mesmo não tendo

poder efetivo suas ações causam dano. Tais declarações podem mostrar a situação

particular durante o reinado de Oséias (731-722)204.

Na frase Ix+iz,.ub$! XobsAza! bP! zL", o verbo bsz (temer) representa um conceito

complexo em hebraico, que pode ser dividido em cinco categorias gerais: 1) a

emoção do medo; 2) a previsão intelectual do mal, sem que haja ênfase na reação

emocional; 3) reverência ou respeito; 4) comportamento íntegro ou piedade; 5)

adoração religiosa formal205. No presente contexto o "temor" poderia ser a

veneração de YHWH, entendida como fidelidade para com ele206.

Complementando, teria o sentido de submissão, reverência e medo de ofender207.

Não se trata de um sentimento de medo. Aqui o verbo aponta para um ato de

negação em lugar de uma condição psicológica. Não tinham consideração ou

reverência para com YHWH208.

V. 4

O versículo 4 apresenta uma série de quatro atitudes do rei sendo as três

primeiras expressas com duas palavras cada.

A primeira expressão =zs"c+e,! XsC>E^, significa falar palavras destituídas de

substância, palavras vazias. Mero palavreado não seguido de ações, palavreado

203 Cf.: SARDELLI, G., Immagini vegetali in Osea: principio unificatore e strutturante perun'ermeneutica del testo, p. 21.204 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 393.205 Em muitos dos textos que empregam bsz o sentido é teológico: 1) indica o caráter numinoso dotemor de Deus (Cf.: Ex 15,11; 20,18; Dt 7,21); 2) na fórmula "não temas" o sentido é de confortopara não se afligir (Cf.: Is 41,10.13.14); 3) em passagens do Deuteronômio e deuteronomistas o"temor de YHWH" está associado à observância da lei (Cf.: Dt 10,12; 13,5); 4) no saltério "otemor" designa o piedoso ou o fiel (Cf.: Sl 15,4; 22,26); 5) indica "temor" no sentido de veneraçãocúltica (Cf.: 1Rs 18,3.12; Jr 32,39); 6) na tradição sapiencial o temor de Deus indica perfeição,retidão (Cf.: Pr 3,7; 8,13; Jó 1,18); 7) o temor de YHWH em salmos tardios designa a própria lei(Cf.: Sl 112,1; 119,63) . Cf.: JENNI, E.; WESTERMANN, C., Diccionario Manual del AntiguoTestamento, p. 1051-1068.206 Cf.: JENNI, E.; WESTERMANN, C., op. cit., p. 1063.207 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 161.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 35: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

88

sem fim, sem resultado209. A Segunda expressão! bx,w+! upmb+ indica juramentos ou

imprecações infundadas210. A terceira é uzs"C>! us*L+, significa literalmente "cortar

pactos". Trata-se do ato de estabelecer ou fazer acordos ou pactos. A expressão

não significa uma censura contra a violação dos tratados, mas sim contra o próprio

ato de concluir de tratados. Ele mesmo é nefasto211.

O verbo ks_q+! refere-se ao "germinar" ou "brotar" da vegetação212. Em

Oséias ele refere-se ao florescer de um lírio (14,6), e uma videira (14,8)213. Ele

refere-se a gQ+w>n"!(direito), comparado a wbs*.

A palavra wbs* I em sentido próprio significa, "cabeça", em sentido

figurado, "o primeiro" ou "o superior". Já, wbs* II significa "veneno"214. Devido a

essa duplicidade de significado encontramos basicamente três possibilidades para

o significado da expressão: Uma que compreende a frase como uma comparação

do direito como planta venenosa que cresce nos sulcos do campo, wbs* tem o

sentido de planta venenosa; outra não compreende wbs* como planta, mas como

uma substância venenosa; e uma terceira possibilidade que combina os dois

significados de wbs*, tanto o de "dirigente - cabeça", como o de "veneno". Vejamos

cada uma das possibilidades:

A) Para Andersen, o significado comum de wbs* I, como "cabeça" parece não se

ajustar ao contexto. O outro, "venenoso" (cf. Dt 32,33; Jó 20,16), foi

interpretado como "ervas daninhas" por causa da associação com zead+!znAm>U_!(os

sulcos do campo). A descrição de "espinhos e cardos" no v 8 poderia apoiar

este resultado215. Segundo Mejia, o direito é pervertido e se converte numa

planta venenosa como em Am 6,12. A idéia da perversão de uma coisa boa,

comparada com uma planta, é a mesma do v. 1. A diferença entre os versículo

1 e 4 é que no v. 4 fala-se de uma planta venenosa e no v. 1 de uma vinha216.

208 Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., Hosea, p. 554.209 Cf.: RUDOLPH, W., Hosea, p. 194.210 Cf.: Ibid., p. 194.211 A falta de temor a Deus e a atitude perversa do rei agem como uma toxina no corpo humanoque destrói a vida; é como um abscesso que precisa necessariamente se romper (neste sentidocomparar Ex 9,9; Lv 13,20). Com isso admitem o juízo divino como justiceiro, porque ele é comoque a conseqüência necessária de sua má conduta. Cf.: Ibid., p. 194.212 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 547.213 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 164.214 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 599-600.215 Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., op. cit., p. 554.216 MEJIA, J., Amor, Pecado, Alianza, p. 102. No versículo 1 é usada a imagem vegetal da vinhapara mostrar a situação cultual de Israel, no versículo 4 é usada a imagem vegetal da planta

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 36: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

89

Para McComiskey e Macintosh, a palavra wbs* em seu sentido de amargura,

quando referindo-se a vegetação, expressa também a idéia de venenoso. Por

isso a combinação de palavras! hQ+w>n"! wbs*L+ pode indicar algo como

"envenenaram o direito" ou algo semelhante217.

B) Rudolph afirma que wbs em outro lugar (até mesmo em Dt 29,17) nunca

significa uma planta, mas sim "envenenar" e "veneno". E a visão de que wbs

significa uma planta é aqui completamente dependente na presença das

palavras seguintes "nos sulcos do campo". Afirma ainda, que se gQ+w>n" é

corretamente o sujeito do verbo, o sentido resultante do MT é desajeitado. Por

isso ele conclui que "nos sulcos do campo" foi acrescentado como uma

explicação posterior pela referência a 12,12 onde sua ocorrência é original e

satisfatória e também como uma explicação equivocada do verbo ks_Q+,

entendido no sentido de "crescer", "brotar". Para Rudolph, ks_Q+ significa "o

começar de" referindo-se a úlceras leprosas ou malignas (cf. Ex 9,9; Lv

13,20.25). A preposição L> esconde outra preposição, porque o ponto da

comparação não está com gQ+w>n", mas com a maldade previamente descrita em

v4a. A partir de tais considerações Rudolph conclui que o "direito surge como

uma substância venenosa"218.

C) Para Sweeney, já que o termo hebraico wbs, traduzido por "ervas daninhas

venenosas", significa também "cabeça", "veneno" e "papoula", ele teria um

duplo sentido, indicando que a "cabeça" ou os líderes de Israel tentaram

"enganar" o povo e a si próprios, fazendo um tratado com a Assíria. Poderia,

então, wbs* evocar os líderes e as papoulas, que são conhecidas por seu

crescimento rápido com as chuvas iniciais no Sukkoth e por seu papel de

induzir à sonolência219.

Optamos por traduzir wbs* por "veneno". Mas, quanto a compreender a

expressão como "planta que brota", isto seria somente a partir do complemento

"sobre os sulcos do campo"220. Este sentido de "veneno" para wbs* se justifica,

venenosa novamente para apresentar a situação política. Cf.: SARDELLI, G., Immagini vegetali inOsea: principio unificatore e strutturante per un'ermeneutica de texto, p. 26.217 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 164-165. MACINTOSH, A. A., A Criticaland Exegetical Commentary on Hosea, p. 396.218 Cf.: RUDOLPH, W., Hosea, p. 193-194.219 Cf.: SWEENEY, M. A., The Twelve Prophets, p. 104.220 Na tradução não é necessário acrescentar a palavra "planta". A tradução verbo ksq como"brotar" e o complemento ze+d+!znAm>U•!mv já, indiretamente, sugerem tal imagem vegetal.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 37: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

90

visto que não há nenhuma dificuldade quanto a esta possibilidade. As várias

alternativas apresentadas não a descartam.

A palavra gQ+w>n" é polissêmica; seu significado depende do campo e

contexto em que é empregada; significa "causa", "julgamento", "direito" e

"norma"221. Em Oséias significa direito (2,21;12,7) como também julgamento

(5,1.11). O primeiro sentido ajusta-se melhor aqui, por causa das frases anteriores

que expressam a falta de ética do rei ou da monarquia. É melhor entender a

palavra referindo-se aos resultados amargos da falta de direito. Se Oséias tivesse a

pretensão de usar a palavra para referir-se ao julgamento iminente, a imagem das

ervas daninhas que crescem em um campo quase não representa este conceito222.

No contexto de palavras vazias e acordos quebrados, o termo significa o direito

que deveria ser doce, mas que se tornou amargo (como em Am 5,7). No contexto

de um ataque à duplicidade traiçoeira da política externa da monarquia, que

preocupa-se com seu bem-estar e segurança, este direito tornou-se uma erva

daninha e venenosa que infesta os sulcos arados da terra223.

Na expressão ze+d+! znAm>U•!mv•, a palavra znAm>U significa "sulcos"224 e a palavra

ze+d+!designa genericamente "campo aberto", ou então, um "pedaço de terra", um

"lote"225. Pela referência aos "sulcos", é preferível entender como "campo

cultivável". Literalmente temos, "sobre os sulcos do campo". A mesma expressão

ocorre novamente em Os 12,12.

V. 5

A palavra upmh>v$! significa "novilhas"226. As traduções, no entanto,

geralmente apresentam-na no masculino e no singular, "bezerro". Existem

algumas justificativas tanto para a mudança do gênero e do número como para a

221 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 410.222 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 165.223 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 395.224 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., op. cit., p. 703.225 No primeiro sentido ze+d+ designa uma pastagem (Cf.: Gn 29,2), área deserta exposta à violência(Cf.: Dt 21,1) ou campo aberto do lado de fora da cidade (Cf.: Jz 9,32; 1 Sm 19,3). Com o sentidode porção de terra pode significar terra cultivada (Cf.: Gn 37,70), adjacências de uma cidade (Gn41,48), propriedade de alguém (Cf.: Is 5,8) ou as terra de um rei (Cf.: 2 Sm9,7). Cf.: HARRIS, R.L.; ARCHER, G. L. Jr.; WALTKE, B. K., Dicionário Internacional de Teologia do AntigoTestamento, p. 1468.226 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., op. cit., p. 478.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 38: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

91

sua manutenção227. A mudança é justificada pelos pronomes que seguem (no

singular masculino) e pelas outras referências ao bezerro em Oséias (cf. 8,6; 13,2).

Uma outra justificativa é de que o plural e o feminino podem conferir em hebraico

um grau de abstração à palavra. Esta passaria, desta forma, a significar "bezerro"

ou "o culto do bezerro"228. Para a manutenção de "novilhas", argumenta-se que o

plural funciona como um plural de eminência ou majestade. Oséias poderia ter

atribuído a eminência como uma ironia229. Por isso o plural feminino de upmh,v$

poderia ser mantido, entendendo o termo como um uso sarcástico e irônico do

plural de majestade, como uma maneira depreciativa de se referir ao bezerro de

Betel 230. Outra justificativa para o plural feminino é que poderia ser a contra parte

dos "sacerdotes idólatras" (masculino plural) 231.

Aqui, a mudança ou a manutenção do termo na tradução não é irrelevante,

como se as duas estivessem referindo-se à mesma realidade, o bezerro de Betel. O

modo de se referir a uma determinada realidade pode mudar seu significado. Um é

o sentido quando se fala dela de modo descritivo, outro é quando se fala dela de

modo sarcástico. Optamos por manter o plural feminino, "novilhas", inicialmente

como um uso irônico do plural de majestade.

Literalmente expressão 0x]b+.uzCA significa "casa da maldade". O significado

da palavra 0x]b+. parece ter dupla face: um lado enfatiza o sofrimento que se move

em direção à maldade; o outro, um vazio que se move em direção à idolatria232.

As outras ocorrências de Bet-Áven em Oséias (4,15; 5,8) parecem indicar um

nome pejorativo para Betel233. Foi em Betel que Jeroboão instalou um dos

bezerros de ouro instituindo seu culto no Reino do Norte (cf. 1 Rs 12,26-33). O

nome indicaria desprezo pelo santuário nacional do culto234. Um outro sentido é

de que a palavra poderia estar se referindo à Samaria como uma "Casa de Ídolos",

227 A questão já foi abortada na Análise Sintática. Agora ela será tratada a partir do ponto de vistaSemântico. A mudança de gênero e número interfere consideravelmente no sentido da palavra.Algumas repetições são inevitáveis.228 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 399.229 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 165.230 Cf.: SIMIAN-YOFRE, H., El Desierto de los Dioses, p. 138. Alguns testemunhos confirmam oTM, Cf.: Aq. taV" damavlei", Vulg. Vaccas, Targ. BZmhvm.231 Sabe-se de Os 4,13-14 que as filhas dos sacerdotes e as noras se envolveram no culto proibido eAmos 4,1 refere-se a "as vacas de Basan" no Monte da Samaria. Cf.: ANDERSEN, F. I.;FREEDMAN, D. N., Hosea, p. 555.232 Cf.: HARRIS, R. L.; ARCHER, G. L. Jr.; WALTKE, B. K., Dicionário Internacional deTeologia do Antigo Testamento, p. 36.233 Cf.: McCOMISKEY, T. E., op. cit., p. 165.234 Cf.: BERNINI, G., Osea, Micha, Nahum, Abacuc, p. 155.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 39: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

92

visto que o restante do versículo trata do destino do bezerro da Samaria235. A

primeira alternativa nos parece mais razoável, visto que as outras ocorrências236

de Bet-Áven em Oséias não apresentam referências à Samaria.

O verbo sXH possui três possibilidades de significado: sXH I significa o

translado a outro território e cobre várias etapas: a viagem, o alojamento, a

residência como estrangeiro ou migrante. Sendo assim significa: "desterrar-se"

(cf. Sl 120,5), "emigrar" (cf. Rt 1,1), "estabelecer-se" (cf. Gn 12,10), "hospedar-

se", "ser forasteiro" (cf. Gn 19,9). sXH II significa "cercar", "assediar" (cf. Is 54,15).

E sXH III significa "temer", "tremer", "assustar-se", "amedrontar-se" (cf. Dt 1,17;

18,22; 32,27)237. A Septuaginta entende o verbo sXH em seu primeiro significado e

assim o traduz: paroikhvsousin (morar)238. Sendo assim, o verbo indicaria "estar

provisoriamente", comunicando a natureza transitória do bezerro239. Mas esta

tradução faz pouco sentido no contexto e a colocação sXH ...m>!(upmh>v$m>) não é usada

no Antigo Testamento com este sentido. O verbo sXH III constrói-se com

complemento, com 0n", zo~Q>n", m240. O uso de m>!indica a idéia de "medo de". É melhor

entender a raiz de sXh no sentido de "temer". Isto é comprovado pelo contexto, que

indica que algum castigo iminente atingirá Israel (v. 2b)241.

A palavra 0l_w>, derivada do verbo 0l_w+ (habitar), significa "vizinho",

"habitante"242. Esta palavra aparece desta forma somente aqui e foi,

provavelmente, entendida pelos Massoretas como o constructo de 0lAw>, "habitante

de". Algumas possibilidades de sentido foram dadas:

A) A palavra 0l_w> ( habitante) poderia ser interpretada como um adjetivo

que, neste contexto, descreveria o que vive na Samaria,

consequentemente "samaritano"243.

235 Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., Hosea, p. 555.236 Mesmo as outras ocorrências de Beth-Awen fora de Oséias não fazem referência à Samaria: Js7,2; 18,12; 1 Sm 13:5; 1; 14,23; Is 31,2.237 Cf.: JENNI, E.; WESTERMANN, C., Diccionario Manual del Antiguo Testamento, p. 584.ALONSO SCHÖKEL. L. A., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 135-136.238 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 165-166. ANDERSEN, F. I.;FREEDMAN, D. N., op. cit., p. 555.239 Cf.: SWEENEY, M. A., The Twelve Prophets, p. 105.240 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 136.241 Cf.: McCOMISKEY, T. E. op. cit., p. 165-166. ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N.,Hosea, p. 555. SIMIAN-YOFRE, H., El Desierto de los Dioses, p. 138.242 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., op. cit., p. 671.243 Cf.: McCOMISKEY, T. E., op. cit., p. 166.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 40: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

93

B) Nas traduções 0l_w> foi tomada como coletivo244 ou alterada para o$lAw*,

particípio plural construto, "os vizinhos de Samaria"245.

C) Segundo Andersen e Freedman, a palavra 0l_w>! indicaria um título para

o deus aclamado governante da Samaria depois do povo ter renunciado

a YHWH como rei. A argumentação baseia-se numa associação cúltica

e régia para a raiz 0l_w>. Cúltica, por indicar a presença de YHWH no

meio do seu povo (cf. Nm 35,34), sua residência original no Sinai (cf.

Dt 33,16), transferida para Jerusalém!(cf. Is 8,18; Am 4,1; 6,1) e usada

na liturgia como nm+w*+Xsz!0l>w*!(Sl 135,21). A associação régia para a raiz

0l_w> poderia ser encontrada em Jó 29,25, onde 0lw, zwc, wbs! e

jmn ocorrem todos juntos. Desta forma, 0l_w> significaria "deus/rei da

Samaria", visto que os Massoretas conheceram uma tradição na qual

um substantivo, em lugar do particípio, era usado como um título246.

D) Sweeney diz, simplesmente, que o uso de 0l_w> no singular poderia

indicar uma referência ao rei247.

As possibilidades de sentido apontam em duas direções: A) uma, entende

0psn>w*! 0l_w>!como referindo-se aos habitantes da Samaria. Para isso sugere, ou uma

correção no texto, o construto plural (os habitantes da Samaria), ou entendem 0l_w>

como coletivo ou adjetivo (os samaritanos). B) outra, toma a expressão 0psn>w*! 0l_w>

como referindo-se à monarquia (o rei) ou como um título para o deus/rei da

Samaria. Esta segunda possibilidade parece não descartar o uso de 0l_w> como

adjetivo ou coletivo. A diferença estaria no modo de interpretar "o habitante da

Samaria". Não seriam "os habitantes" de modo geral, mas seria um (o rei) ou um

grupo em particular (a monarquia). Optamos, na tradução, por "habitantes da

Samaria". Tal possibilidade não descartaria a referência à monarquia, ainda que

fosse uma referência irônica a ela. Já que a outra referência ao rei da Samaria

encontra-se no versículo 7a, a ironia estaria na contraposição entre

habitante/estável de um lado (v.5a) e espuma/destruída de outro (v 7a).

O verbo mc_b+ significa "fazer luto", "murchar", "desfalecer" e "lamentar-

se"248. O uso de mc_b+ descreve os ritos de lamentação pelos mortos (cf. Jr 22,18;

244 DEISSLER, A.; DELCOR, M., Les Petits Prophètes, p. 100.245 Cf.: ALONSO SCHÖKEL, L. A.; SICRE DIAS, J. L., Profetas II, p. 934.246 Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., Hosea, p. 556.247 Cf.: SWEENEY, M. A., The Twelve Prophets, p. 104-105.248 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 23.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 41: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

94

48,36; Ez 31,15), mas também é usado de modo figurado, "a terra se lamenta" (Is

33,9) e "o vinho se lamenta" (Is 24,7)249. O uso no Qal e seu correspondente

campo semântico fazem parte de um motivo freqüente nos profetas, tendo seu

lugar próprio nos anúncios de juízo (cf. Is 3,26; 19,8; Os 4,3; Am 8,8)250. O verbo

aqui poderia evocar os rituais de lamentação por Baal251. O lamento ritual diante

da imagem do bezerro se torna um lamento real pela perda do objeto de culto252.

A palavra sn$L* não é habitual para designar sacerdote, geralmente utiliza-se

0iAL* (cf. Ex 3,1; Dt 18,3; 1 Sm 2,13). Ela é usada só para designar sacerdotes que

conduziram Israel à idolatria; acontece somente em outros dois textos (2 Rs 23,5;

Sf 1,4)253. O termo é uma referência pejorativa para designar os sacerdotes,

apresentando-os como sacerdotes dos deuses estrangeiros254.

O verbo mzH"! tem significado de "regozijar-se", "alegrar-se" e "festejar".

Significa o sentimento e sua expressão, individual ou social255. Ele aparece quase

exclusivamente nos profetas (cf. Is 9,2; 29,19) e no saltério (cf. Sl 13,5; 149,2).

Ele pertence ao contexto do culto. No caso do nosso texto, mesmo sendo

empregado no contexto de acusação profética, não fica excluída esta referência ao

culto. A alegria a qual se refere o verbo mzH"!não é tanto um sentimento, sensação

ou estado de ânimo, mas sua manifestação externa, algo que se realiza em grupo.

A alegria pode ser manifestada por palavras ou gestos de formas muito

variadas256. Neste sentido, argumenta Macintosh que o verbo mzH", que significa

normalmente "alegrar", também pode significar "tremor"257. O sentido de "tremer"

baseia-se na comparação com Sl 2,11. Poderia sugerir os movimentos agitados de

uma dança entusiasmada produzidos por medo ou aflição. Seria, então, uma

ironia. Os mesmos movimentos dos adoradores poderiam expressar delícia ou

249 Cf.: HARRIS, R. L.; ARCHER, G. L. Jr.; WALTKE, B. K., Dicionário Internacional deTeologia do Antigo Testamento, p. 7.250 Cf.: JENNI, E.; WESTERMANN, C., Diccionario Manual del Antiguo Testamento, p. 75.251 Para Sweeney, a imagem das pessoas que "lamentam" chama a atenção para o culto delamentação Cananita e da religião babilônica. Eles lamentam pelos deuses Baal ou Tammuzquando estes são simbolicamente mortos no mundo inferior e sobem a vida quando as chuvas vêmrenovar o mundo natural pelo outono, ou seja, na hora do Sukkoth. Cf.: SWEENEY, M. A., TheTwelve Prophets, p. 104-105.252 Cf.: WOLFF, H. W., Hosea, p. 175.253 Cf.: HARRIS, R. L.; ARCHER, G. L. Jr.; WALTKE, B. K., op. cit., p. 728. McCOMISKEY, T.E., The Minor Prophets, p. 166.254 Cf.: DEISSLER, A., DELCOR, M., Les Petits Prophètes, p. 100. WOLFF, H. W., Hosea, p.175.255 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 137.256 Cf.: : JENNI, E.; WESTERMANN, C., op. cit., p. 592-593.257 MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 399.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 42: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

95

angústia extrema258. O termo seria empregado neste versículo em sentido

negativo: agitar-se frente a algo inusitado. A lamentação e a exultação poderiam

fazer parte de um ritual dedicado a Baal e que agora com a ausência do bezerro se

tornou realidade259. Por isso, optamos por traduzir mzh como "tremor".

Visto que o significado de mzH"!"exultar com alegria" (v. 5c) não oferece um

paralelo para mc_b+ "lamentar" (v. 5b)260. Talvez mzH tenha sido escolhido para

estabelecer uma assonância com im+Ha, (deportar)261.

O substantivo epcL+, derivado de ecAL+! (ser pesado), pode significar:

"riqueza", "glória" e "prestígio". O termo geralmente é usado no sentido figurado.

Os usos figurados podem ser classificados em três grupos: glória como riqueza

(cf. Nm 24,11; Is 17,4)262; glória como prestígio e fama (cf. Gn 45,13; Is 4,2) e

glória como manifestação de Deus (cf. Ex 24,17; Ez 1,28) 263. A palavra epcL+

ocorre em Oséias só em (4,7; 9,11). Na primeira ocorrência está associada aos

sacerdotes, indicando que estes trocam a glória pela vergonha, ou seja, perdem o

prestígio. Na segunda, refere-se a Efraim. A glória seria a fecundidade de Efraim

que migrará como um pássaro. Em Os 10,5 palavra epcL+! (glória) possui uma

particularidade, está no masculino. As outras ocorrências de epcL+! no Antigo

Testamento, em muitos casos, designam a glória de YHWH (cf. 1 Cr 16,24; Sl

72,19; 96,3; 97,6; 113,4; Is 6,4; 59,19; Jr 2,11); outras vezes ou expressam

prestígio (cf. Sl 21,6) e riqueza (cf. Gn 31,1; Sl 49,18 Is 10,3; 61,6; Na 2,10) ou

abundância (cf. Is 8,7). Em nosso texto, devido à referência ao pagamento de

tributo no verso seguinte, epcL+ pode significar "riqueza", indicando o material do

qual é feito o bezerro264. O rei de Israel, para pagar tributo ao rei da Assíria,

recorre ao espólio do santuário (cf. 2 Rs 15,17-21. 29-30; 17,3-4)265. A palavra

258 Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., Hosea, p. 556.259 O v. 5 seria, assim, entendido como uma lamentação ritual e exultação que acompanhavam umculto da morte (e ressurreição) de Baal. Com ironia a lamentação cúltica é substituída agora porlamentação por uma calamidade histórica. Cf.: JACOB, E.; KELLER, C.; AMSLER, S., Osée,Joël, Abdias, Jonas, Amos, p. 74. MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary onHosea, p. 401. SWEENEY, M. A., The Twelve Prophets, p. 105.260 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p.166.261 Cf.: SIMIAN-YOFRE, H., El Desierto de los Dioses, p. 138.262 Também os objetos feitos pelo homem podem dar a impressão de magnificência ou esplendor(cf. Is 22,18, carroças esplêndidas; Os 10,5, a imagem de um bezerro; o templo Jr 14,21. Cf.:JENNI, E.; WESTERMANN, C., Diccionario Manual del Antiguo Testamento, p. 1095.263 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 306.264 Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N. op. cit., p. 557. MACINTOSH, A. A., op. cit., p.399.265 Cf.: BERNINI, G., Osea, Micha, Nahum, Abacuc, p. 155.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 43: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

96

epcL+ pode designar um ilegítimo peso de divindade atribuído ao objeto de culto e

tratado de forma depreciativa. A expressão lembra o grito da nora de Eli por

ocasião da perda da arca para os Filisteus (1 Sm 4,22 )266.

O verbo im+Ha tem dois sentidos: por um lado, "revelar" e "descobrir"; por

outro, "partir" e "ir para o exílio"267. O verbo é especialmente usado pelos profetas

no anúncio de juízo (cf. Am 1,5; 5,5.27; 6,7; 7,11.17; Jr 13,19; 20,4; 22,12;

27;20). Contudo, poucos textos, em sua maioria proféticos, apresentam YHWH

como aquele que envia Israel para o desterro (Jr 29,4.7.14; Ez 39,28; Am 5,27;

Lm 4,22). Na maioria dos casos, é o povo que leva Israel para o exílio ou os seus

governantes. Para o anúncio profético de juízo, o exílio acontece por causa de

YHWH, mas a situação designada por meio do verbo im+Ha refere-se a um

acontecimento político concreto que se opõe a uma teologização completa268.

Aqui em Oséias o verbo indica que a "glória" do bezerro lhe é tirada e levada

como presente ou tributo ao rei da Assíria. Há um aparente jogo no uso das

palavras mzH"!(tremer) e im+Ha!(partir)269.

V. 6

As partículas pupb.=H_ (além disso ele) pode indicar a correspondência entre

duas ações270, estabelecendo a ligação entre os versículos 5 e 6271. O significado

básico da raiz verbal mcz é "transportar um objeto de um lugar para outro". O

verbo ocorre apenas nos graus causativos (Hifil e Hofal). Significa "levar" e

"trazer", "conduzir" e "guiar"272. Em Os 12,2, no contexto da descrição das

mentiras de Israel, é aplicado a um objeto, indica que "levam" o óleo para o Egito

sendo que antes concluíram pacto com a Assíria. O verbo é usado também para

referir-se a uma pessoa. Em Jó 31,32 fala-se do ímpio "conduzido" ao sepulcro e

Isaías diz do Servo, "conduzido" ao matadouro (cf. Is 53,7). A raiz verbal mcz

apresenta duas nuanças: primeiro, utiliza-se o sentido de "levar" ou "trazer"

quando o objeto do verbo é inanimado. O objeto é visto geralmente como um

266 Cf.: MAYS, J. L., Hosea, p. 141.267 Cf.: HARRIS, R. L.; ARCHER, G. L. Jr.; WALTKE, B. K., Dicionário Internacional deTeologia do Antigo Testamento, p. 263-264.268 Cf.: JENNI, E.; WESTERMANN, C., Diccionario Manual del Antiguo Testamento, p. 598.269 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p.166-167.270 Cf.: HARRIS, R. L.; ARCHER, G. L. Jr.; WALTKE, B. K., op. cit., p. 276.271 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 403.272 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 262.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 44: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

97

presente. O segundo, quando o objeto é uma pessoa, o sentido da raiz é "guiar" ou

"conduzir"273. Aqui em Oséias o sentido é de "levar", pois refere-se ao "dar

presentes" ou "pagar tributo"274.

A palavra sXWb (Assíria) poderia ser caracterizada simplesmente como

indicação de uma nação em termos geográficos. Contudo, a partir das outras

ocorrências em Oséias pode-se precisar melhor seu significado.

5,13 Efraim vai à Assíria - como doente pede cura.

7,11 Efraim acorre à Assíria - como pomba atordoada pede ajuda.

8,9 Efraim e Israel foram à Assíria - como asno contrata seu amor.

9,3 Efraim irá para Assíria - como volta ao Egito.

10,6 A glória das novilhas de Bet-Áven (Samaria) é levada à Assíria,

Efraim carrega sua vergonha e Israel se envergonha de sua decisão

11,11 Efraim e Israel virão da Assíria - como volta de pombos do Egito

12,2 Efraim faz aliança com a Assíria - apascenta-se de vento

14,4 Israel diz: A Assíria não nos salvará.

Em quatro das oito ocorrências, Efraim é o sujeito; em três, Efraim e

Israel; em uma, só Israel. Somente em nosso texto a primeira referência é Bet-

Áven ou Samaria e depois Efraim e Israel. Nas três primeiras ocorrências Efraim e

depois Israel pedem ajuda à Assíria (cf. 5,13; 7,11; 8,9). Na quarta ocorrência,

Efraim vai exilado para Assíria, como se voltasse ao Egito (9,3). Em 11,11 ocorre

o processo inverso, Efraim e Israel voltam da Assíria. Em 12,2 Efraim faz aliança,

ora com a Assíria, ora com o Egito. Na última referência (14,4) Israel renuncia à

aliança política e à idolatria.

Em Os 5,13 e 10,6 a Assíria está ligada a csAza! Fm$n$, por isso, um paralelo

entre os dois textos também é oportuno. O contexto é o mesmo, castigo. Contudo,

em 5,13 Efraim, castigado por YHWH, pede inutilmente ajuda à Assiria e ao csAz+

Fm$n$. O castigo dado por YHWH é comparado a uma doença e o csAza!Fm$n$ não lhe

poderá curar. A Assíria e csAza!Fm$n$ aparecem, assim, em contraposição a YHWH.

Em 10,6 a glória das novilhas de Bet-Áven é levada para o exílio, ofertada como

tributo ou oferenda para Assíria e csAza!Fm$n$.

273 Cf.: HARRIS, R. L.; ARCHER, G. L. Jr.; WALTKE, B. K., Dicionário Internacional deTeologia do Antigo Testamento, p. 583-584.274 Cf.: WOLFF, H. W., Hosea, p. 176.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 45: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

98

A partir destas ocorrências podem se apresentar algumas características da

Assíria: a) a Assíria nunca é apresentada ativamente, sempre é passiva, ou seja,

sempre Israel e Efraim a ela recorrem; são levados para ela como exilados,

voltam, com ela querem fazer pacto e a ela renunciam; b) ela é apresentada como

alguém a quem se recorre no momento de necessidade ou indecisão e que se

mostra ineficaz; c) ela opõe-se a YHWH, ou seja, Efraim e Israel por YHWH

castigados a ela recorrem; d) ela é o instrumento de castigo, como o Egito, lugar

de exílio; e) é a nação com quem se faz aliança e de quem não virá a salvação.

Em nosso texto, a Assíria significa instrumento passivo de castigo e está

em oposição a YHWH.

A palavra ik+o,n" pode significar: no campo profano, "presente" ou "tributo";

no campo cultual, "oferta". Conforme o significado dado à Assíria e csAza!Fm$n$ como

a nação e seu rei, o sentido seria de tributo. Se o peso recai sobre a oposição entre

Assíria e YHWH, seria melhor o sentido de "oferta". A linguagem de duplo

sentido pode, no entanto, permanecer como estratégia do autor.

A expressão csAza! Fm$n$, pode ser lida como "imperador"275. A palavra csAza

ocorre mais duas vezes em Oséias (cf. 4,4; 5,13). Na primeira, refere-se a "abrir

processo", tendo como raiz czs ("demandar", "contender", "rivalizar")276. A

segunda ocorrência está associada a Fm$n$, como aqui. Provavelmente por causa da

raiz czs, Sweeney afirma que a expressão significa, literalmente, "o rei

combaterá"277. Para McComiskey, este seria um título irônico para o rei da

Assíria. A terra que recebeu o bezerro é a mesma com quem buscaram aliança

para o combate à Assíria (5,13). O nome poderia significar, ironicamente, como a

Assíria combaterá, ou seja, levando para cativeiro a eles e seu bezerro278. Outra

possibilidade seria de que a expressão csAza! Fm$n$ poderia significar o "rei rival".

Visto que as duas ocorrências de csAza!Fm$n$ em Oséias estão associadas à Assíria e

estão em oposição a YHWH e a raiz czs significa "rivalizar". A expressão poderia

significar também o "grande rei"279.

275 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 293.276 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., op. cit., p. 617.277 Cf.: SWEENEY, M. A., The Twelve Prophets, p. 105-106.278 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 167.279 Cf.: WOLFF, H. W., Hosea, p. 171.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 46: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

99

A palavra ioaw>C+, da raiz wxc, significa "vergonha"280. A forma no feminino é

usada só aqui. A adição de um o (nun) antes de um feminino poderia ser uma

peculiaridade do dialeto de Oséias281. A palavra pode constituir uma referência ao

culto, desacreditado por meio da sua forma modificada282. O significado básico é

"envergonhar-se" em dois sentidos: por um lado, em sentido objetivo que define a

situação ("ser reduzido a nada") e, por outro, em sentido subjetivo que qualifica o

sentimento de quem é reduzido a nada ("envergonhar-se"). Israel carregando sua

"glória" para a Assíria, carrega na verdade sua "vergonha". Em poucas ocasiões se

pode separar o aspecto objetivo do subjetivo. No campo da profecia, o Sitz im

Leben do uso do verbo é anúncio de juízo (cf. Is 1,29; 19,9; 41,11; 65,13; 66,5; Jr

15,9; 20,11; Ez 16,63; 32,30) dirigido contra os povos estrangeiros e também

contra Israel. O que se opõe à vontade de YHWH deve ser aniquilado283.

O verbo kR+z", da raiz ir_m+,!possui uma gama de significados, desde "tomar",

"pegar", "agarrar", "conquistar" até "receber", "aceitar" e "arrastar". A nuança de

seu sentido depende das palavras com que é empregada284. Na frase, sendo o

objeto algo negativo, "a vergonha", o sentido mais indicado seria de "arrastar" ou

"carregar". O verbo kR+z" insinua a aceitação ou o suportar a vergonha por parte de

Efraim285.

A palavra iyavA, derivada de Kv_z+! (aconselhar), tem o sentido de, enquanto

faculdade de julgar, "inteligência" ou "perspicácia" (cf. Jó 12,13); enquanto ato da

mente, "plano" ou "projeto" (cf. Pr 20,5); e enquanto manifestação externa,

"conselho" ou "decisão" (cf. Jz 20,7; Is 14, 26)286. No presente caso, ela define a

natureza da vergonha de Israel em sua manifestação externa, as políticas nacionais

e as práticas cultuais. Por isso, optamos por traduzi-la como "decisão". Tratar-se-

ia de sentir-se envergonhado pela decisão favorável às políticas nacionais

seguidas pela nação. Estas políticas conduzirão à sua queda287. Mas também pelo

contexto, que apresenta a deportação do bezerro da Samaria como oferenda ao rei

(cf. v. 5d e 6a), a palavra "decisão" poderia referir-se ao aspecto cultual. Ela

280 Cf.: JENNI, E.; WESTERMANN, C., Diccionario Manual del Antiguo Testamento, p. 399-340.281 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 167.282 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 403.283 Cf.: JENNI, E.; WESTERMANN, C., op. cit., p. 399-401.284 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 346.285 Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., Hosea, p. 557-558.286 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., op. cit., p. 512.287 Cf.: McCOMISKEY, T. E., op. cit., p. 167.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 47: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

100

estaria, portanto, se referindo tanto à decisão de aderir ao bezerro, num nível

cúltico, como também à decisão de Israel de estabelecer um pacto com a Assíria,

no nível político. Os dois aspectos estariam conectados288. A glória se converte

em vergonha, estabelecendo assim uma conexão semântica entre o v 5 e 6. Este

significado para o versículo é confirmado pela construção gramatical (cf. análise

sintática do v. 6b e 6c)289.

V. 7

O verbo in+Ea!II significa, no Nifal, "sucumbir", "perecer", "acabar-se" (cf.

Is 6,5; 15,5) ou "emudecer" (cf. Jr 47,5)290. A raiz é usada quase exclusivamente

em livros ou contextos proféticos. Seu significado de concluir, quase sempre

remete a um fim violento (cf. Is 15,1; Jr 47,5; Os 4,5.6)291. Seu significado, aqui

em Oséias, é melhor precisado pela comparação à qual se refere. O rei da Samaria

"perece" como uma espuma sobre a superfície das águas292.

Literalmente, a expressão IL+m>n_! 0pn>w*! diria "da Samaria seu rei". A

referência ao rei ou à monarquia é entendida por alguns comentaristas como um

título para a imagem do bezerro do versículo 5. Desta forma, o versículo 7

continuaria o pensamento do versículo 6 descrevendo, através de uma

comparação, o desaparecimento do bezerro293. Contudo, a questão do rei ou

monarquia não é estranha à perícope; já foi apresentada explicitamente nos

versículos 3 e 4; com eles o versículo 7 estabelece um paralelo. Não seria

necessário, portanto, atribuir um sentido alegórico para a expressão "rei da

Samaria", indicando o bezerro.

Na expressão =z"n+.zo~Q>.mv_! \y$r$L>, a palavra \y$r$ é um hapax legomena em

Oséias. São apresentadas algumas possibilidades de sentido para ela:

A) Uma possibilidade diz que o sentido para a palavra \y$r$ poderia vir

da raiz árabe qcp "romper' e qcyp "quebrado", "frágil". Comparando com Jl 1,7

onde se fala da forma como os gafanhotos descascam a figueira, a palavra \y$r$

288 A palavra iy+vA!"decisão" indica as aspirações e metas do Reino do Norte, expressas pelo cultoestatal do bezerro. Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p.403.289 Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., Hosea, p. 557-558.290 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 158.291 Cf.: HARRIS, R. L.; ARCHER, G. L. Jr.; WALTKE, B. K., Dicionário Internacional deTeologia do Antigo Testamento, p. 317.292 Cf.: MACINTOSH, A. A., op. cit., p. 405.293 Cf.: MAYS, J. L., Hosea, p. 142. BERNINI, G., Osea, Micha, Nahum, Abacuc, 1983, p. 157.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 48: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

101

poderia indicar um pedaço de lasca tirada de uma árvore, uma "farpa" ou um

"galho partido"294.

B) Outra possibilidade parte do pressuposto que o substantivo \y$r$ é

relacionado ao verbo \y_r+ (irar-se)295. Andersen e Freedman questionam a

tradicional tradução "como uma lasca na superfície da água" e interpretam

\y$r$, literalmente, como "ira divina". Este é o único lugar na Bíblia onde o

significado "lasca" é invocada para a palavra \y$r$, que em outros lugares

sempre tem o significado de "ira" ou "ira divina". Se a ênfase estivesse na

pequenez da lasca, então o rei poderia ser visto como um nada diante da força

dos eventos históricos de seu tempo. Para Oséias, as águas estariam se

referindo às forças da história? O termo "lasca" seria depreciativo?

Argumentam: "talvez a referência à água nos iluda. A associação com "águas"

deve ser mitológica, como atestam numerosas passagens na Bíblia. Pode ter

havido ligações com mitos da tradição Cananita da luta entre Baal e Yamm, o

deus do mar, pela supremacia. O paralelo mais próximo à presente passagem

seria Sl 29,3, onde o trovão de YHWH é descrito como estando nas águas"296.

C) Uma outra possibilidade é entender \y$r$ como "espuma". Para

obter-se este sentido existem duas argumentações. Primeira, no presente texto

o significado fundamental, "irar-se", ficaria obscurecido e a palavra \y$r$

poderia significar a "agitação", o "borbulhar" ou "espumar" da água pela força

do vento. Esta visão é evocada em algumas versões (Áquila, Símaco, Vulgata

e Targum)297. A segunda argumentação para o mesmo sentido vem da

explicação rabínica para a raiz \y$r$. Trata-se da aproximação a uma palavra

árabe Xyj que oferece um paralelo à gama semântica de \y$r$. Tal palavra

abarca tanto o sentido dado em Joel como em Oséias. Ela significa tanto

"chamuscar" ou "queimar" como também "ferver" ou "agitar". O primeiro

sentido deveria ser descoberto em Joel 1,7 (as árvores de figo são

chamuscadas,) e o segundo em Oséias (o rei desaparece como espuma)298.

294 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 407. HARRIS,R. L.; ARCHER, G. L. Jr.; WALTKE, B. K., Dicionário Internacional de Teologia do AntigoTestamento, p. 1361.295 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 586.296 Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., Hosea, p. 558.297 Cf.: MACINTOSH, A. A. op. cit., p. 406. DEISSLER, A., DELCOR, M., Les Petits Prophètes,p. 100.298 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 407.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 49: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

102

As duas possibilidades ("espuma" ou "lasca") oferecem uma imagem

vigorosa para a comparação que o autor pretende fazer299. Esta última

possibilidade nos parece mais convincente, pois oferece uma argumentação

baseada na comparação lingüística com outros idiomas e textos paralelos, além de

contar com testemunho textual de outras versões antigas. O verbo in+E+!II (perecer)

se ajusta a esta possibilidade para \y$r$: a espuma, nas águas, rapidamente se

dissolve e desaparece. Em segundo lugar, o final da frase, "na superfície da água",

também se ajusta melhor à última possibilidade para \y$r$411. O sentido da oração é

que a Samaria será destruída através do seu rei. O julgamento é para Samaria, mas

o foco especifico é seu governante. Isto descreve o colapso da Samaria em termos

de fim da monarquia. O verbo in+E+! II pode ser entendido como cessar. Assim

somos levados a pensar em termos da cessação da monarquia301.

V. 8

O verbo en_w+ tem o sentido de severa destruição e, às vezes, destruição

permanente: "ser arrasado, assolado, aniquilado"302. Refere-se principalmente à

destruição de pessoas, quer uma nação (cf. Dt 4,26; 28,20.24.25), um grupo de

nações (cf. Dt 7,23). Aqui é uma das poucas vezes que o objeto da destruição não

seria especificamente uma pessoa303. Por causa da constante referência do verbo à

destruição de pessoas, alguns comentaristas sugerem que seu uso aqui seria

apropriado ao rei de Israel (ou a monarquia como uma entidade)304, ou poderia

referir-se ainda ao objeto de culto tomado como personificação do "pecado de

Israel"305.

A palavra upnC+ significa genericamente "alturas"306, mas em sentido

específico, designa os lugares altos destinados ao culto307. O seu significado aqui

299 Cf.: MACINTOSH, A. A., op. cit., p. 406.300 Cf.: Ibid., p. 407.301 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 169.302 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 678.303 Cf.: HARRIS, R. L.; ARCHER, G. L. Jr.; WALTKE, B. K., Dicionário Internacional deTeologia do Antigo Testamento, p. 1580.304 Cf.: McCOMISKEY, T. E., op. cit., p. 169.305 Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., Hosea, p. 559.306 Não se sabe a que raiz verbal ligar a palavra, que é talvez pré-semítica. O equivalente ugaríticodesigna o "lombo" ou o "tronco" de um animal, o correspondente acádico tem o mesmo sentido,mas significa também uma saliência topográfica, um "topo de colina". No AT, fora seu empregocultual, upnC+!significa o "dorso" dos inimigos (Cf.: Dt 33,29), as alturas terrestres (Cf.: Dt 32,13; Is58,14; Mq 1,3; Am 4,13). A palavra sugere a idéia de alguma coisa em relevo, mas não, pelo

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 50: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

103

em Oséias é o de centros de adoração pagã308. O plural upnC+ (lugares altos) pode

ser uma referência aos muitos locais de adoração que proliferaram em Israel

durante o período monárquico. O qualificativo 0x]b+! (Awen) unido à palavra upnC+

pode indicar uma referência a Betel309. Pois, a palavra 0x]b+!(Awen) é o substituto

para Betel em 4,15 e 5,8. Aqui em 10,8 acontece sem uzCA (casa). A omissão de uzCA

aqui poderia dar uma rigidez à palavra sublinhando sua conotação de maldade310.

A expressão mbAs+d>z"!ubG_k_ é traduzida com "o pecado de Israel". A raiz bg+k+

significa, em sentido primário, "falhar" ou "tropeçar"; em sentido ético religioso,

"cometer delito ou pecado"311. No contexto do versículo 8 a expressão indica que

Israel falhou na fidelidade a YHWH. O substantivo é usado 5 vezes, e só em 10,8

não está em paralelo com 0x]v+!(maldade). Existe uma função sintética que recorda

as transgressões precedentes (a multiplicação das atividades cultuais, a falta de

temor a YHWH, as falhas da monarquia, o culto do bezerro) e fundamenta a

punição. Israel não é nomeado num sentido político e geográfico, mas em um

sentido comunitário como povo da aliança. Pois, a transgressão punida não é a

uma violação de um mandamento particular, mas comunitário312. A expressão

mbAs+d>z"!ubG_k_ é a mesma com a qual a tradição deuteronomista qualifica a apostasia

da Jeroboão I (cf. 1 Rs 12,30)313.

As palavras Kpr!(espinho)314 e sE_s,e_!(abrolho)315 aparecem juntas também

em Gn 3,18, onde descrevem um aspecto da maldição de Deus para a terra316. A

expressão, portanto, tem um sentido negativo e indica uma maldição para os

lugares de culto, os altares. A retomada da imagem vegetal e dos altares que

menos por si mesma a idéia de uma montanha ou de uma colina. Cf.: DE VAUX, R., Instituiçõesde Israel no Antigo Testamento, p. 322.307 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 106.308 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 169. MACINTOSH, A. A., A Critical andExegetical Commentary on Hosea, p. 408.309 Cf.: SWEENEY, M. A. The Twelve Prophets, p. 106310 Cf.: McCOMISKEY, T. E., op. cit., p. 169.311 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., op. cit., p. 211.312 Cf.: SARDELLI, G., Immagini vegetali in Osea: principio unificatore e strutturante perun'ermeneutica del texto, p. 39.313 Cf.: MEJIA, J., Amor, Pecado, Alianza, p. 103.314 Cf.: HARRIS, R. L.; ARCHER, G. L. Jr.; WALTKE, B. K., Dicionário Internacional deTeologia do Antigo Testamento, p. 1334.315 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p 160.316 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 170. SARDELLI, G., Immagini vegetali inOsea: principio unificatore e strutturante per un'ermeneutica del texto, p. 40.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 51: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

104

aparecem no começo da passagem oferece, em termos semânticos, uma

inclusão317.

O sentido original do verbo im+v+-! com o sema de elevação, "subir",

"ascender", possui significados distintos conforme o sujeito. Quando o sujeito é

vegetal, como aqui, o sentido é de "crescer" ou "brotar"318.

A forma verbal sn_b+ poderia indicar o grito desesperado das pessoas que

pedem para as colinas as esmagar. McComiskey chega a sugerir uma tradução

mais forte, como por exemplo, "choro"319. Não optamos por esta tradução por

julgarmos que os dois últimos imperativos já oferecem força suficiente à frase.

No versículo 8 retorna-se à situação antecipada pelo versículo 2, quando

são destruídos os lugares de culto320. Esta declaração no final da passagem pode

ter dois sentidos dependendo de quem é considerado como o sujeito do grito:

A) tomando os altares como sujeito poder-se-ia dizer que eles chamam

as montanhas e colinas para que desmoronem e os enterrem. Como o morto

representa impureza extrema para o Israelita (cf. Lv 21,10-12; cf. Nm 11,19-

22), a imagem dos altares como mortos e enterrados expressaria assim o fim

do seu uso para o culto321.

B) entendendo o povo como sujeito, poder-se-ia dizer que os

habitantes de Samaria, por medo da destruição, dirão às montanhas: cubra-

nos! e para as colinas: caiam em nós! Indicando que os sobreviventes não mais

desejarão viver, então clamam por um grande terremoto. Parece-lhes melhor

ser esmagados e enterrados por pedras, que ter que viver sem refúgio entre os

santuários destruídos322.

As duas alternativas são interessantes. Contudo, lendo este versículo em

paralelo com os versículos 2 e 3, que antecipam este julgamento do final, parece

melhor entender o povo como sujeito. O anúncio de julgamento para altares e

estelas no versículo 2c-d é apresentado por um conjunto de palavras que revelam

o efeito da catástrofe nas pessoas. No versículo 3 temos o mesmo verbo sn_b+

317 Cf.: MEJIA, J., Amor, Pecado, Alianza, p. 103. SWEENEY, M. A.., The Twelve Prophets, p.106.318 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., op. cit., p. 496.319 Cf.: McCOMISKEY, T. E., op. cit., p. 170.320 Cf.: SIMIAN-YOFRE, H., El Desierto de los Dioses, p. 140.321 Cf.: SWEENEY, M. A., The Twelve Prophets, p. 106.322 Cf.: WOLFF, H. W., Hosea, p. 176.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 52: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

105

introduzindo o pronunciamento das pessoas. As referências às colinas e

montanhas dão à oração um tom escatológico323.

As montanhas (=zs"i+)324 no Antigo Testamento têm conotações teológicas:

primeiro, YHWH é maior que as montanhas, Ele as estabelece (cf. Sl 65,6) e as

destrói (cf. 1 Rs 19,11; Is 41,15); segundo, YHWH escolhe as montanhas como

lugares para sua adoração e revelação, Moisés e Elias oram sobre uma montanha

(cf. Ex 17,9; 1 Rs 18,19); bênçãos e maldições são invocadas sobre os montes (cf.

Dt 11,27; Js 8,33) e a adoração é feita sobre vários montes (cf. Gn 22,2; Js 5,3; 1

Sm 9,12; 1 Rs 3,4; Is 2,2). As montanhas são símbolos de poder e Babilônia é

chamada de montanha destruidora (cf. Jr 51,25)325.

As colinas (upvc+H,) podem ser empregadas simplesmente para designar local

natural, não tão alto como uma montanha, mas também como a caracterização dos

lugares de adoração ilícita (cf. Dt 12,2; 1 Rs 14,23; 2 Rs 17,10; Jr 2,20; Ez

6,13)326.

Assim como em Oséias, montanhas e colinas ocorrem juntas também em

dois textos em Ezequiel (cf. 6,3; 36,4.6). Analisando as ocorrências em Ezequiel,

nota-se que nas duas, YHWH fala aos montes e colinas. Na primeira, o contexto é

de juízo sobre o culto e a ameaça é de destruição. Na segunda, o contexto é de fim

da vergonha de Israel perante as nações, o anúncio é de restabelecimento das

montanhas e colinas arrasadas e elas voltarão a produzir frutos.

Em Oséias o contexto também é de juízo sobre o culto e vergonha a ser

carregada. Contudo, quem fala às montanhas e colinas não é YHWH, mas quem

sofre o castigo. Os dois últimos verbos itL e mqo! I significam respectivamente:

"cobrir"327 e "cair"328.

323 Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., Hosea, p. 559.324 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 185.325 Cf.: HARRIS, R. L.; ARCHER, G. L. Jr.; WALTKE, B. K., Dicionário Internacional deTeologia do Antigo Testamento, p. 370.326 Cf.: Ibid., p. 241.327 Cf.: ALONSO SCHÖKEL. L. A., op. cit., p. 321.328 Cf.: Ibid., p. 441.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 53: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

106

2.4.2.

Análise dos Campos Semânticos

Pela análise anterior podemos identificar alguns campos semânticos:

A) Campo semântico religioso cultual: upkC>{,N" (altares) (v. 1.2.8),! upcYAn_

(estelas) (v.1.2), \s_v+!(desnucar) (v. 2), Xnw+b>z]!iU+v_!(agora pagarão) (v. 2),

ixaiz,.ub$!XobsAza!bP (não tememos YHWH) (v. 3), 0x]b+.uzCA!upmh,v$!(novilhas de

Bet-Áven) (v. 5), 0x]b+!upnC+!(lugares altos de maldade) (v. 8), mbAs+d>z"!ubG_k_

(o pecado de Israel) (v. 8).

B) Campo semântico político e monárquico: Fm$n]! (rei) (v.3), Fm$N$i_ (o rei)

(v. 3), =zs"c+e,!XsC>E^!(proferem discursos), bx,w+!upmb+!(juram falso), uzs"C>!us*L+

(estabelecem pacto), gQ+w>n"!(direito) (v. 4)329, csAza!Fm$n$!(grande rei) (v. 6),

IL+m>n_!0psn>w*!(rei da Samaria) (v. 7),

C) Campo semântico dos elementos da natureza: 0q]H]! (vinha), zsQ> (fruto),

Ks,b_!(terra) (v. 1), wbs*L+!ks_q+!(brota como veneno), ze+d+!znAm"U_!mv_!(sobre os

sulcos do campo) (v. 4), \y$r$! (espuma), =z^n+.zo~Q>.mv_! (sobre a superfície

das águas) (v. 7), sE_s,E_x!Kpr!(espinho e cardo) (v. 8), =zs"i+!(montanhas),

upvc+H,!(colinas) (v. 8).

D) Campo semântico dos bens econômicos: pzs,q"m>! cs*L>! (quanto mais

abundante de fruto), pys,b_m>!cpgL>!(quanto mais próspera sua terra) (v. 1),

epcL+!(glória) (v. 5), ik+o,n"!(tributo) (v. 6).

E) Campo semântico dos nomes próprios: mbAs+d>z^!(Israel) (vv. 1. 6. 8), ixaiz,

(v. 3), 0psn>w* (Samaria) (vv.5.7), 0x]b+.uzCA (Bet-Áven) (v. 5), sXWb_!(Assíria)

(v. 6),!=zs_q>b$!(Efraim) (v. 6).

O vocabulário cúltico indica uma estrutura de paralelismo concêntrico: ele

domina o início da perícope (v. 1-2), está presente no centro, (v. 5) e no final (v.

8). O campo semântico político monárquico encontra-se em oposição simétrica,

dentro da estrutura global do texto (vv. 3-4 e 6-7). Pode-se dizer que a denúncia

contra a idolatria está articulada à crítica à monarquia. Ao anúncio da destruição

dos símbolos cúlticos (v.1-2), segue a declaração da ineficácia e erros da

monarquia (v. 3-4). No centro encontra-se a crítica ao culto, mostrando as reações

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 54: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

107

diante da deportação das novilhas, unindo elementos de ordem cultual e política

(v.5-6). Em seguida, novamente, volta-se a falar da monarquia, anunciando sua

deportação (v. 7), concluindo com destruição dos lugares de culto (v.8). De

acordo com esta análise semântica poder-se-ia estabelecer a seguinte estrutura

para o texto:

A) I campo semântico religioso cultual (vv. 1-2)

B) I campo semântico político monárquico (vv. 3-4)

A') II campo semântico religioso cultual (vv. 5-6)

B') II campo semântico político monárquico (v. 7)

A") III campo semântico religioso cultual (v. 8)

Apresentamos agora a uma análise dos campos semânticos e suas relações:

A) Elementos da natureza e culto: O campo semântico dos elementos da

natureza conjuga-se tanto com os de âmbito religioso cultual, como com o político

monárquico. As expressões que indicam elementos da natureza estão presentes no

primeiro e terceiro campos semânticos religioso cultual (v. 1-2 e 8) e no primeiro

e segundo campos semânticos político monárquico (vv. 3-4 e 7), só estão ausentes

no segundo campo religioso cultual (vv. 5-6).

Os elementos da natureza servem, a um tempo, para apresentar a situação

de Israel, na primeira metade da perícope, e também como instrumentos da sua

destruição, tanto no âmbito político como cultual, na segunda metade. A vinha e

seus frutos mostram, pela metáfora, a situação religiosa de Israel. O direito

convertido em veneno que brota nos sulcos do campo conclui a descrição e

denúncia da situação da monarquia. Esta por sua vez é levada e destruída pela

força das águas como uma frágil espuma. Os altares são amaldiçoados pela

vegetação que cresce sobre eles, enterrados pelas montanhas e colinas.

Num ambiente agrário e marcado pela estrutura religiosa do culto a Baal, a

utilização dos elementos da natureza como instrumentos para desmascarar as

estruturas políticas e religiosas e ao mesmo tempo destruir seus principais

símbolos revela que o profeta apresenta YHWH como Senhor daquilo que

consideravam como absoluto. Oséias se apropria dos mesmos elementos da

religiosidade que pretende criticar e realiza uma reelaboração teológica. Em sua

329 As duas primeiras expressões poderiam referir-se a qualquer pessoa e não especificamente aorei. Contudo a frase do v. 4 está subordinada à frase do v. 3 que refere-se às atitudes do rei,portanto o sentido destas expressões estão diretamente vinculadas ao rei.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 55: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

108

crítica religiosa, Oséias torna relativo e submetido ao poder de YHWH as forças

absolutizadas pelos sacerdotes e rei. O povo seguiu tal crença, mas agora parece

não se importar com a deportação do bezerro. É isso que talvez poderia indicar a

ruptura da sucessão de verbos no Imperfeito no versículo 5. O povo seguiu os

cultos de lamentação, "lamentou". "O habitante da Samaria" e "os sacerdotes

idólatras" temem e tremem pelo bezerro de Bet-Áven. Aquilo que realizavam de

modo cultual, fazem agora de modo real pela perda do seu elemento precioso.

Os elementos da natureza não estão submetidos a Baal, mas a YHWH.

Baal significava "senhor", deus das cidades-estado cananéias. Era o deus da

tempestade, da chuva e da vegetação, da fertilidade, da produção e da fecundidade

da terra e das pessoas. Representava as forças da natureza. O símbolo de Baal era

uma coluna de pedra ou estela. Era o símbolo da divindade masculina, seu

significado era o ato de fecundar a terra330. No mundo agrícola, a terra era a "mãe"

que gerava os produtos e Baal era o "macho" que a tornava fecunda por meio das

chuvas. O ato de fecundar a terra era simbolizado pelos ritos de prostituição nos

santuários. Prostitutas sagradas se prostituíam simbolizando a união sexual de

Baal com a terra, tornando-a mais produtiva e aumentando a reprodução humana.

A abundância de frutos e a fecundidade da terra eram atribuídas a Baal. Oséias

com extrema ironia desfaz esta crença: as águas levam o frágil rei como uma

espuma que se desfaz, espinho e mato crescem amaldiçoando os altares,

montanhas e colinas completam a destruição, enterram os próprios altares ou

aqueles que deles dependiam. O conteúdo de crítica à religião e culto é expresso

de uma forma irônica, com metáforas, orações paralelas, aliterações e uma

linguagem depreciativa para os sacerdotes, o lugar e o objeto do culto.

B) Elementos de culto e bens econômicos: A crítica à religião conjuga-se

também com os bens econômicos. As duas primeiras referências dos bens

econômicos encontram-se nos dois primeiros campos semânticos religiosos

cultuais. No início, a abundância dos frutos está relacionada ao aumento de

altares, a fecundidade da terra ao embelezamento das estelas e o coração está

repartido como em porções de terra (v. 1-2). Abundância de fruto e fecundidade

da terra são indicativos econômicos. Os bens produzidos e meio de produção

primário, a terra, estão em função do culto: o aumento de altares e o

embelezamento de estelas. Os bens produzidos são ofertados à divindade. Aqui

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 56: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

109

reside o principal erro de Israel: seu o coração é falso, está dividido. Por isso irão

pagar. A partícula iU+v_! indica a iminência da ação julgadora de YHWH sobre a

estrutura religiosa cultual. No centro da perícope, o profeta começa a descrever

em detalhes como acontecerá a punição apresentada resumidamente no início (vv.

1-2). Encontramos assim outro ponto de contato entre os bens econômicos e a

esfera cultual nos versículos 5-6. Ironicamente, o profeta diz que a "glória" do

bezerro será enviada como "oferta" ou "tributo" ao grande rei da Assíria. A

"glória" é tributo, se entendida como o ouro do qual é feito ou recobre o bezerro.

A principal riqueza do santuário é utilizada como aquilo que realmente é, um bem

econômico, uma mercadoria que serve como presente ou como tributo do vencido

ao vencedor. Se a "glória" for o prestigio das "novilhas de Bet-Áven", falsa

divindade, ela é a oferenda ao legítimo dono, à Assíria e seu rei. De qualquer

forma, ela é diferente da verdadeira "Glória" de YHWH, inatingível e absoluta.

As duas referências aos bens econômicos (vv. 1 e 5) oferecem uma

conexão entre crítica ao culto e crítica à política dos pactos com as nações (Assíria

em particular). Se os altares serão o alvo da ira divina é porque não eram

utilizados para sua finalidade própria. Eram utilizados com a intenção de atingir a

divindade e obter a prosperidade. Trata-se de uma descaracterização do legítimo

culto a YHWH. As obrigações da aliança com YHWH eram concebidas como

uma questão puramente de culto. Suas exigências poderiam ser satisfeitas pela

generosa manutenção dos santuários. Depositava-se assim uma confiança

extraordinária nos elementos da natureza que constituíam riqueza e prosperidade.

Se as novilhas de Bet-Áven são ofertadas como presente à Assíria e seu rei, é

igualmente sinal de que a aliança de fidelidade e confiança em YHWH fora

rompida com os pactos e a busca de auxílio junto à Assíria.

C) Elementos de ordem cultual e política: No centro da perícope

conjugam-se elementos de ordem cultual e política (vv. 5-6). Estão, no entanto,

ausentes os elementos da natureza. Esta ausência pode sublinhar uma outra

vertente da crítica religiosa, a confiança nas alianças com as grandes potências

militares, Assíria ou Egito331. A crítica religiosa não se reduz à denúncia de um

culto sincrético, mas também é crítica à instrumentalização política da religião. A

"glória" do objeto de culto, caracterizado ironicamente como "novilhas de Bet-

330 Cf.: DE VAUX, R., Instituições de Israel no Antigo Testamento, p. 324.331 Cf.: ALONSO SCHÖKEL, L. A. - SICRE DIAS, J. L., Profetas II, p. 890.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 57: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

110

Áven", é levada como presente para a Assíria. Por causa disso reagem "os

habitantes da Samaria", "o povo" e "os sacerdotes". Na verdade, as reações de

"temor", "lamento" e "exultação" são por dois motivos. Primeiro porque a "glória"

do bezerro lhe foi tirada. Aqui se poderia pensar que o objeto de culto,

simplesmente, perdeu seu prestigio ou fama. Contudo, logo em seguida, o

segundo motivo mostra que a "glória" foi levada para a Assíria como presente ao

grande rei. A "glória" se transforma numa oferta ou tributo. A linguagem

empregada no v. 6a permite uma dupla interpretação, considerando-o do ponto de

vista cultual ou político. Caracterizando-o como referência política: a "Assíria"

poderia ser uma potência estrangeira, politicamente temida ou com quem se quer

estabelecer um pacto; a "glória" poderia ser um tributo pago; o "grande rei" seria

o imperador de tal nação; e a ação descrita seria do tributo o presente da nação

vencida à vencedora. Do ponto de vista religioso: a Assíria é revestida de força

divina; aquilo que é elevado se transforma em oferenda; o rei se transforma em

um deus "adversário" de YHWH e a ação descrita seria a de devolver ou ofertar o

objeto cultual ao seu verdadeiro dono (cf. vv. 5d-6a). Aqui não parece ser

necessária uma opção por uma ou outra. A linguagem dúbia poderia integrar uma

estratégia do autor. Religião e política estariam, desta forma, entrelaçadas na

crítica profética de Oséias à monarquia de Israel. Novamente o profeta, com

extrema ironia, destrói a estratégia política da monarquia e dos sacerdotes. Seja

ela de atribuir uma confiança, como que divina, na potência militar estrangeira; ou

a adoção de medidas que permitiam concluir pactos com as potências, tais como a

fabricação de ídolos, os mesmos venerados no país com o qual pretendia

aliança332. O mesmo se pode dizer do v. 6bc. Carregar a vergonha é aceitar os

resultados da "decisão", seja ela política ou religiosa.

A vinha estragada que produz frutos (v. 1) é coberta pelas montanhas e

colinas (v. 8). A perícope começa e termina com sinais de devastação. No início é

uma devastação de dentro para fora. A vinha estragada produz frutos de

infidelidade multiplicando altares e embelezando estelas. A exterioridade cultual

expressa em tal prática, revela o desajuste interno, o coração falso e a falta de

temor a YHWH. No final, a devastação ocorre de fora para dentro. O pedido é

para que as montanhas e colinas cubram e escondam a vergonha e maldição a que

332 Sobre a crítica à monarquia, conjugada à crítica da religião em Oséias Cf.: SIMIAN-YOFRE,H., El Desierto de los Dioses, p. 218.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 58: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

111

foram submetidos. É evidente que existem muitas outras implicações que

poderiam ser elencadas a partir do conjunto do livro de Oséias, contudo

extrapolam os limites desta pesquisa.

Pelos indicativos semânticos confirmamos a segmentação dada pela

sintática:

A - V. 1a - 2a

Temática cultual - Vinha e fruto, abundância e coração dividido

- Metáfora da vinha

B - 2b - 2d

Altares e estelas serão destruídos

- Punição à infidelidade

C - 3 - 4

A ineficácia e desgoverno do rei

- Como planta venenosa nos sulcos do campo

D - 5 - 6

Temática cultual - Temor, lamento e tremor

- O exílio da glória das Novilhas de Bet-Áven

CC - 7

A destruição do rei

- Como espuma levada pela água.

BB - 8a - 8b

Temática cultual - Lugares altos e altares destruídos

- Punição ao pecado de Israel

AA - 8c - 8f

Montanhas e colinas completam a destruição

- O último apelo

2.4.3.

Gênero Literário

Quanto ao gênero literário da perícope, Westermann333 julga tratar-se de

um anúncio de juízo contra o povo, associado a uma lamentação (vv. 6b-8) e um

333 Cf.: WESTERMANN, C., Grundformen Prophetischer Rede, p. 128.131.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 59: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

112

desdobramento do lamento sobre o panorama do agir salvífico de Deus no

passado (vv. 1-2).

Wolff334 diz que Os 10,1-8 representa o desenvolvimento de um tipo de

fala profética de natureza reflexiva ou didática, como na mensagem em que são

mencionados a disputa, culpa e castigo. Porém, aqui não há nenhuma

argumentação direta com as pessoas envolvidas. Afirma ainda que este tipo de

fala foi desenvolvido dentro de um pequeno grupo mais próximo ao profeta. Junto

dele, Oséias procura compreender Israel a partir das suas raízes históricas (v. 1) e

então analisar seus empreendimentos presentes (v. 4s). A seguir, descreve o que

Israel pode esperar para o futuro (vv. 2.6-8).

As duas propostas, quando insinuam uma retrospectiva histórica, partem

de uma interpretação positiva do v. 1ab. É como se este fizesse uma referência ao

passado "exuberante" de Israel, seguida pela análise do momento presente (v. 1cd)

e pela ameaça em relação ao futuro (v. 2). Tal contraste entre passado e presente

pode ser descoberto em 9,10. 13. Já aqui, a interpretação de rr_C+!em seu sentido

negativo de "arrasado", ou "estragado", não permite contrapor passado e presente.

Trata-se somente de uma análise da situação presente e ameaça em relação ao

futuro próximo.

Quanto ao aspecto de juízo (vv.2.6-8) e lamento (v. 5) isto é inegável.

Temos em Oséias um discurso profético com formulações breves e incisivas,

configuradas com algumas rimas e imagens. À acusação segue o juízo,

anunciando e descrevendo a intervenção de YHWH. A palavra de desgraça agrega

tanto ameaça de castigo como seu motivo. O gênero seria de uma ameaça

justificada335.

2.5.

Análise do texto como sistema Pragmático

A análise pragmática processa-se de dois modos: via atos lingüísticos e via

leitor modelo. A análise a partir dos atos lingüísticos desenvolve-se em três

etapas: na primeira, explicita-se o que o texto afirma, nega, questiona ou propõe;

334 Cf.: WOLFF, H. W., Hosea, p. 172.335 Cf.: SCHREINER, J., Formas y géneros literarios en el AT, p 275.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 60: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

113

na segunda, identifica-se qual a função ou finalidade expressa por ele; e na

terceira, identifica-se qual é o resultado ou efeito produzido pelo texto. Dito em

termos pragmáticos, trata-se de identificar os atos proposicionais, prolacionais e

perlocutórios. A análise via leitor modelo busca identificar o leitor objetivado pelo

autor através de sua estratégia de comunicação. Em segundo lugar, a partir do

leitor modelo, estabelecer pontos de contato com o leitor empírico, mostrando que

a palavra tem força para realizar o que transmite, ela pode determinar, hoje

também, uma prática.

2.5.1.

Via Atos Lingüísticos

2.5.1.1.

Atos Lingüísticos Proposicionais - "de que trata o texto?"

V. 1

Oséias compara Israel com uma videira que produz fruto. A analogia serve

para mostrar quais os verdadeiros frutos da opulenta sociedade de seu tempo. Não

há um julgamento moral sobre o fruto. A abundância não é errada em si mesma

(cf. Dt 28,4-11). A preocupação principal é com o fato da nação ter ficado mais

idólatra quando ficou mais abundante. As pessoas em vez de expressarem sua

gratidão a Deus, dedicando-se mais aos princípios Javistas, expressaram sua

devoção aos objetos de culto e buscaram mais abundância no culto a Baal336.

A metáfora revela uma análise do momento histórico pelo qual passa

Israel. Em Os 10,1, assim como 9,11, descreve-se a situação presente. Contudo, a

passagem em questão não apresenta uma comparação entre o passado e o presente

como em 9,10 e 13 337. Nesta análise da situação presente, o profeta julga que

Israel recebeu muitos presentes que conduziram à sua destruição no final, porque

abusou deles no culto. Não é dito que estes presentes vêm de YHWH. A

abundância da terra faz Israel esquecer de YHWH. O acento está nas mentiras

336 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 159. MACINTOSH, A. A., A Critical andExegetical Commentary on Hosea, p. 387.337 Cf.: MACINTOSH, A. A., op. cit., p. 387.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 61: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

114

sobre a abundância de vida na terra em Israel. Este luxo enganou Israel, levando-o

a dar muita atenção aos seus altares. A produtividade da terra fértil levou ao

embelezamento das estelas. Estas foram, no passado, inocentemente adaptadas por

Israel; de símbolos cúlticos cananitas passaram a ser usadas para a adoração de

YHWH. Acabaram por estabelecer uma conexão com a cultura, a religião

Cananita e seus ritos de fertilidade338. A prosperidade era direcionada aos cultos,

como se deles originasse a prosperidade. Quanto mais prosperidade, mais culto,

quanto mais culto, mais prosperidade339.

V. 2

O profeta conclui a análise da realidade de seu tempo dizendo que o

coração das pessoas é falso ou está dividido340. Parece que temos aqui mais uma

metáfora, expressando que o coração das pessoas não era só de YHWH, estava

como que repartido em porções atribuídas às divindades. Embora não as

mencionem explicitamente, são elas que estão na intenção do profeta quando este

fala dos altares e estelas. A infidelidade implica em castigo, "terão que pagar". E o

castigo recai sobre os objetos de culto341. O Deus único, que exige coração inteiro,

entra em confronto com os deuses por detrás dos altares e estelas.

Ao anunciar a destruição dos altares pelo verbo \sv (desnucar) aponta

quem será na verdade destruído. Mais do que a destruição dos lugares do

sacrifício342 ou de transformá-los em objetos do sacrifício343 ou de que vão perder

seu sinal de consagração e virtude sagrada344 serão destruídos os objetos de culto a

quem se destinam os altares, "as novilhas" (v. 5)345. Pode indicar ainda a

destruição da teimosia ou obstinação no erro por parte do povo (cf. Ex 32,9).

Quanto às estelas, serão devastadas. Oséias usa a palavra "devastar" (eew) como

338 Cf.: WOLFF, H. W., Hosea, p. 173.339 Cf.: ALONSO SCHÖKEL, L. A. - SICRE DIAS, J. L., Profetas II, p. 935.340 O coração dividido é um tema de Oséias. O povo de Israel ao invocar a Deus não é sinceroporque o confunde com Baal. A divisão do coração pode ser vista na multiplicidade de altares eestelas. Isto indica que colocam o peso da atitude religiosa nos recursos externos. Por isso vemlogo a seguir a pena. Cf.: MEJIA, J., Amor, Pecado, Alianza, p. 101.341 Benini afirma que coração dividido poderia referir-se ainda à situação política (ora segue aAssíria, ora o Egito Cf.: 5,13; 7, 11; 2Rs 17,3-4). Porém, a semântica é predominantementecultual. Não existe nada por enquanto que indique aqui a situação política. Cf.: BERNINI, G.,Osea, Micha, Nahum, Abacuc, p. 151-152.342 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 391.343 Cf.: WOLFF, H. W., Hosea, p. 174.344 Cf.: ALONSO SCHÖKEL, L. A. - SICRE DIAS, J. L., Profetas II, p. 935.345 Cf.: RUDOLPH, W. Hosea, p. 192. SWEENEY, M. A., The Twelve Prophets, p. 103-104.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 62: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

115

estribilho. Ele já tinha anunciado a devastação da terra pelo ataque da Assíria ao

reino do norte e as pessoas só poderiam escapar fugindo para uma terra distante

(7,13; 9,6). Agora, até mesmo os últimos lugares de asilo, os santuários, serão

destruídos346.

V. 3

Por meio de uma inserção de fala do povo, o profeta dramatiza o desespero

deste diante da destruição dos símbolos religiosos. O que todos os discursos de

admoestação e de punição não puderam realizar, a realidade o fez: reconhecem

sua culpa quando acontece a catástrofe. O povo pecou gravemente, porque falhou

diante da exigência básica da religião Javista, o temor de Deus347. O próprio rei

foi culpado, porque não cumpriu seu dever348.

A negativa, "nós não temos nenhum rei", junto com o reconhecimento de

que eles não temem a Deus, é uma declaração de pesar349. Diante da lição da

privação dos objetos de culto o povo cairá em si. Porém, não é uma conversão

verdadeira, mas uma confissão desiludida350.

V. 4

O versículo 4 exprime a análise da monarquia feita pelo povo. A aliança

entre o rei e o povo era sempre rompida. Os dirigentes não são os únicos

responsáveis, porém, se cumprissem seus deveres as coisas talvez fossem

diferentes351. Trata-se aqui de uma resposta à pergunta retórica: "o rei, que poderia

fazer?" "Nada". E mesmo aquilo que faz é errado. O versículo aponta quatro erros

da monarquia. Os reis fizeram promessas que não puderam ou pouco se

dispuseram a manter. A posição precária em que se encontravam levou-os a fazer

juramentos com relação às políticas externas, perpetuando e aumentando a teia de

intrigas, tornando impossível um governo estável (cf. Is 8,10; 36,5). Eles

estabeleceram alianças com os grandes poderes com conseqüências desastrosas352.

Enfim, o direito foi transformado em veneno. A imagem da planta venenosa,

346 Cf.: WOLFF, H. W., op. cit., p. 174.347 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 161.348 Cf.: RUDOLPH, W., Hosea, p. 194. McCOMISKEY, T. E. The Minor Prophets, p. 161.349 Cf.: McCOMISKEY, T. E. op. cit., p. 161-162.350 Cf.: JACOB, E.; KELLER, C.; AMSLER, S., Osée, Joël, Abdias, Jonas, Amos, p. 74.351 Cf.: Ibid., p. 74.352 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 397-398.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 63: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

116

denuncia o abuso dos chefes e magistrados que não administravam o direito

segundo a eqüidade. A imagem vegetal é assumida novamente aqui353. Assim

como no versículo 1 é usada a imagem vegetal da vinha para mostrar a situação

cultual de Israel, no versículo 4 é usada a imagem vegetal da planta venenosa para

apresentar a situação política354. O povo reconhece que o castigo é conseqüência

do mal praticado355. Atribui a situação caótica em que se encontra ao fracasso

político e não à sua própria insuficiência religiosa e moral356. A fala do povo será

retomada novamente no versículo 8c-f357.

V. 5

Os versículos de 5 a 8 descrevem como o culto nacional do bezerro de

Betel será destruído e como reagirão a monarquia, a população da Samaria e seus

sacerdotes358. Oséias descreve a apreensão que ocorre naqueles que depositavam

sua segurança no bezerro diante da ameaça Assíria. O povo e os sacerdotes se

ajuntam no santuário para assegurar os ritos de lamentação ao seu deus

ameaçado359. Normalmente, tal lamentação ritual era para a ausência do deus

durante a longa estação seca360. Mas, agora, o lamento deve-se ao medo pela sorte

do próprio bezerro361. O julgamento sobre todos os elementos cultuais de Israel é

apresentado com ironia. O bezerro é chamado de "novilhas"; seus sacerdotes de

"sacerdotes idólatras"; o local do culto, Betel, de Bet-Áven e o lamento ritual se

transforma em lamento real. O versículo 5 é assim caracterizado por forte

353 Cf.: BERNINI, G., Osea, Micha, Nahum, Abacuc, p. 154.354 Cf.: SARDELLI, G., Immagini vegetali in Osea: principio unificatore e strutturante perun'ermeneutica del testo, p. 26.355 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 397-398.356 Cf.: DEISSLER, A., DELCOR, M., Les Petits Prophètes, p. 99.357 Cf.: ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., Hosea, p. 549.358 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 399.359 Segundo Buss, Betel o santuário mais importante do norte, foi um centro do culto delamentação, provavelmente para um deus agonizante. Na sua área, foi encontrado o "Carvalho deLamentar", uma localidade, Bochim ("Lamentando"), e Bet-Áven ("casa da dificuldade"), talveztodos eles representem o lugar sagrado da cidade. Rachel, cuja tumba está perto, é apresentadacomo chorando no local (Jr 31,15); ela dá para o filho o nome de zo"bp.0C] Benjamim (filho de minhatristeza) (Gn 35,18). A lamentação acontece em Betel de acordo com Jz 21,2. Cf.: BUSS, M. J.,The Prophetic Word of Hosea, p. 112.360 Para Sweeney, a imagem das pessoas que "lamentam" chama a atenção para o culto delamentação dos Cananitas e da religião babilônica. Eles lamentam pelos deuses Baal ou Tammuzquando são simbolicamente mortos no mundo inferior e sobem à vida quando as chuvas vêmrenovar o mundo natural pelo outono, ou seja, na hora do Sukkoth. Cf.: SWEENEY, M. A., TheTwelve Prophets, p. 105.361 Cf.: MAYS, J. L., Hosea, p. 141.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 64: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

117

sarcasmo. A função de um deus era ajudar seus adoradores. Aqui os adoradores se

transformam em pessoas medrosas, preocupadas com seu objeto de culto362.

Oséias apresenta ao seu grupo fiel como avalia o culto instituído em Betel.

O bezerro introduzido por Jeroboão I (1 Rs 12)363 como elemento simbólico da

presença de YHWH evoca um antigo símbolo para YHWH364.

Existe a hipótese de que o símbolo do touro aplicado a YHWH esteja

ligado ao sacerdócio de Aarão. Supõe-se que Aarão foi uma figura importante

num grupo sacerdotal ligado ao culto a YHWH em Betel (cf. Jz 20,26-28), tendo a

imagem do bezerro como símbolo. Este grupo foi diferente e antagônico ao

sacerdócio sadoquita de Jerusalém. A introdução do bezerro no templo de Betel

seria então para legitimar o sacerdócio de Aarão e seus sucessores365. Esta

hipótese supõe que Ex 32 não foi em sua origem a história de uma idolatria com a

condenação de Aarão, mas sim o começo do legítimo sacerdócio aaronita de Betel

e seu símbolo, o bezerro. Uma legitimidade garantida pela proximidade de Aarão

junto a Moisés. Uma redação posterior (deuteronomista), que procurava

desprestigiar todo culto e forma religiosa não dependente de Jerusalém, a

transformou numa história de infidelidade a YHWH. Esses mesmos interesses se

encarregaram de apresentar de modo negativo a reforma política e religiosa de

Jeroboão (1 Rs 12), como introdução de um culto idolátrico, quando na realidade

ela procurava reforçar a importância de um antigo santuário javista, com pleno

direito de existência independente de Jerusalém366. Mesmo admitindo tal hipótese,

para o profeta, o culto em Betel transformara-se e estava contaminado com

práticas idolátricas estimuladas pela classe sacerdotal. Em honra de bezerros

362 Cf.: MACINTOSH, A. A. op. cit., p. 401.363 O novilho mencionado é o tradicional de Betel (Cf.: 1Rs 12,29). O outro de Dan desapareceucom a invasão do Reino do Norte pela Assíria. Os habitantes da Samaria temem pelo bezerroporque ele está a ponto de ser levado para a Assíria ou ser destruído. A glória do novilho que éseparada dele designa aquilo que o torna precioso, seu revestimento de ouro. Cf.: MEJIA, J.,Amor, Pecado, Alianza, p. 102.364 A imagem do touro/bezerro aplicada às divindades cananéias é conhecida. Mas nos textosbíblicos, YHWH também é chamado de "touro" porém, as traduções optam por seu sentidofigurado, "poderoso" ou "forte". Assim em Gn 49,24 "pelo szcb'! 'touro' de Jacó"; Is 1,24 "oráculodo Senhor dos exércitos, o szcb'!'touro' de Israel"; Is 49,26 "eu, YHWH, sou o teu salvador, o szcb''touro' de Jacó"; Is 60,16 "teu redentor é o szcb'!'touro' de Jacó"; Sl 132,2.5 "do juramento que fez aYHWH, do seu voto ao szcb'!'touro' de Jacó... até que eu encontre um lugar para YHWH, moradiapara o szcb'!'touro' de Jacó". O termo szcb'!'touro' aparece no texto hebraico de Eclo 51, 12. Em Nm23,22 e 24,8 ("Deus o fez sair do Egito e é para ele como os chifres do búfalo") a palavra =bAs,"búfalo" é aparentado com o acádico rimu, designação de touro e utilizado como epíteto divino.Cf.: ASURMENDI RUIZ, J. M., En torno al becerro de oro, p. 295.365 Cf.: SIMIAN-YOFRE, H., El Desierto de los Dioses, p. 211-212.366 Cf.: Ibid., p. 212.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 65: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

118

realizavam-se ritos de luto pela morte de divindades como Baal, Tamuz, Adônis.

Com ironia, o castigo consiste em tornar realidade o rito. Terão que chorar pelo

objeto de culto impotente e exilado. O objeto de culto é levado como tributo,

enriquecendo e fortalecendo o inimigo, enquanto a monarquia perece367.

A razão do temor e do lamento dos sacerdotes e do povo em relação ao

bezerro é a perda de sua glória. Ironicamente a riqueza do bezerro de Betel, agora

perdido, é apresentada com o termo epcL+ (glória), evocando o repúdio de Israel a

YHWH, sua verdadeira glória368. O rei de Israel, para pagar tributo ao rei da

Assíria, recorre ao espólio do santuário (cf. 2 Rs 15,17-21. 29-30; 17,3-4)369. Os

sacerdotes e as pessoas, quer na Samaria ou Betel, percebem o evento como perda

do prestígio da nação, como foi em 1Sm 4,22, a perda da Arca para os Filisteus. A

perda da Arca foi marcada por um sentido de desolação para Israel370.

V. 6

O versículo 6 prossegue o anúncio da deportação. A narrativa do envio do

bezerro como homenagem ao rei da Assíria é apresentada como sinal de que tudo

chegou ao fim. Ele era o símbolo das aspirações e identidade do Reino do Norte,

colocado por Jeroboão I no momento da formação do Reino do Norte (cf. 1 Rs

12,26-33)371. O objeto de culto do país vencido tem o mesmo destino do povo e

do seu soberano. Ele não só é ofertado como um tributo, mas como uma

homenagem do vencido ao vitorioso372. A natureza da vergonha de Israel é

definida como vergonha pela sua decisão, quer dizer, as políticas nacionais

praticadas pela nação. Estas políticas conduziram a sua queda373.

V. 7

A comparação do rei destruído com uma espuma na superfície da água

expressa a ineficácia do rei para determinar seu próprio destino, de seu país e

367 Cf.: ALONSO SCHÖKEL, L. A. - SICRE DIAS, J. L., Profetas II, p. 936.368 Cf.: BERNINI, G., Osea, Micha, Nahum, Abacuc, p. 155.369 Cf.: Ibid., p. 155.370 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 401371 Cf.: Ibid., p. 404.372 Cf.: BERNINI, G., Osea, Micha, Nahum, Abacuc, p. 156. ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D.N., Hosea, p. 557. McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 166-167.373 Cf.: McCOMISKEY, T. E.,op. cit., p. 167.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 66: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

119

também sua derrocada374. Mesmo entendendo o rei da Samaria como uma

referência ao bezerro, a força da metáfora permanece. Pode ser o reino inteiro,

onde o símbolo do culto estatal, o bezerro de Betel, está conectado com a realeza

da Samaria (cf. em 8.4). A destruição iminente do culto em Betel é vista

juntamente com o fim do rei residente na Samaria. A monarquia na Samaria

desaparece, se dissolve como a espuma na superfície de água. Uma imagem

semelhante é oferecida por Oséias em 10,15 onde o fim da monarquia é retratado

como iminente e irrevogável. Virá tão rapidamente quanto o amanhecer da

Palestina. Assim, a destruição do estado é apresentada em termos de morte

conjunta do culto do bezerro em Betel e da monarquia em Samaria375.

V. 8

No versículo 8 Oséias anuncia a destruição dos centros de adoração pagã.

O conjunto dos "lugares altos" é qualificado de 0x]b+, associando-os a Betel, também

designada pela mesmo nome depreciativo (cf. v.5)376. A destruição atingirá todos

os santuários e Betel em particular. Estes lugares constituíam o pecado

fundamental de Israel, a desobediência do primeiro mandamento. A YHWH não

foi concedida a adoração que lhe era devida377. O crescer das plantas venenosas e

espinhos é um sinal da maldição definitiva sobre eles (cf. Gn 3,17). Enfim, diante

do desastre o povo clamará pela morte378.

A apresentação da destruição dos lugares altos nestas frases finais mantém

o mesmo padrão de referências alternadas ao rei e ao culto. É denunciada a

adoração pagã de Israel desde a imagem do bezerro de Betel até os lugares altos

que se espalham pela Samaria. A destruição destes símbolos do culto de

fertilidade anuncia o fim deste tipo de culto em Israel. A nação desmoronaria

junto com a ideologia religiosa que a conduziu a morte. A destruição dos lugares

de culto não seria temporária. Ervas daninhas cresceriam em cima das pedras que

uma vez formavam os altares e as estelas. Estas seriam corroídas antes do tempo e

374 Cf.: SWEENEY, M. A., The Twelve Prophets, p. 106. BERNINI, G., Osea, Micha, Nahum,Abacuc, p. 156.375 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 407-408.376 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 169.377 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 409.378 Cf.: JACOB, E.; KELLER, C.; AMSLER, S., Osée, Joël, Abdias, Jonas, Amos, p. 75.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 67: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

120

seriam escondidas por espinhos e cardos. É assim que o profeta vê o destino das

ideologias que não estão verdadeiramente apoiadas em YHWH379.

2.5.1.2.

Atos Lingüísticos Prolacionais - "qual é a finalidade do texto?"

O profeta, ao anunciar o que Deus pretende fazer, procura influir na

conduta atual dos leitores ou ouvintes, aos quais se dirige. O texto busca

pressionar sobre o presente a partir do futuro. Tendo por base as estratégias

sintáticas e semânticas pode-se apresentar algumas considerações sobre as

finalidades do autor sobre leitor modelo.

Uma estratégia do autor é usar uma linguagem mais próxima do universo

sapiencial com comparações, rimas e ironias. A metáfora da vinha analisa a

realidade presente sem fazer um juízo de valor, simplesmente apresenta os fatos.

Num segundo momento vem a acusação e a indicação da punição com a

destruição dos objetos de culto. O profeta apresenta Israel como culpado por uma

ação em nível cultual. Tal condenação leva Israel a dizer algo, uma confissão

forçada de parte da culpa, "não tememos YHWH". Mas, também uma

transferência da responsabilidade para a debilidade e os erros do rei. O profeta

retorna ao ponto chave, o bezerro de Bet-Áven e aqueles que temem, lamentam e

tremem por ele. A punição vem em três etapas, em cada uma delas indicando o

acusado, a pena e o executor. A glória das novilhas é levada como tributo para o

rei da Assíria. Israel e Efraim carregam a vergonha de sua decisão e o rei da

Samaria desaparecerá como algo frágil sobre a correnteza. Os lugares altos e

altares serão destruídos e amaldiçoados; sobre eles crescerão espinho e cardo.

Resta apenas um último apelo para que as montanhas e colinas os enterrem. Um

reconhecimento da vergonha que os atingirá.

Existem outros elementos que indicam a intencionalidade implícita e

explícita do autor. Os de intencionalidade implícita, em maior número, serão

apresentados a seguir.

379 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 169-170.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 68: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

121

V. 1

Com a metáfora da vinha inicia-se o oráculo de julgamento contra o

direcionamento da prosperidade de Israel para os elementos de culto380. A imagem

da vinha não indica apenas o ambiente agrícola do Reino do Norte381. Inspira-se

na literatura sapiencial que utiliza esta imagem como símbolo da vida virtuosa do

justo382. Referindo-se à videira como masculino temos um indicativo de que não

se trata de uma videira que produz bons frutos, mas videira selvagem como em 2

Rs 4,39, cujos frutos produzem dano. E ainda mais, quando Oséias a qualifica de

"estragada" como em Na 2,3 encontramos um forte indício de seu desejo, em tom

irônico, de reprovar um tipo de vivência religiosa cultual que se afasta de uma

vida justa e fiel a YHWH. Será que, com a metáfora da vinha, Oséias não

pretende reprovar a atitude de Israel e propor uma purificação do culto, tornando-

o mais austero383?

V. 2

Os versículos de 1-2 apresentam uma constatação da realidade seguida de

uma ameaça384. O uso da partícula adverbial "agora" pelo profeta tem a função de

introduzir o discurso precatório, como ocorre em outros oráculos (cf. 5,7;

8,10.13). O jussivo do verbo nwb tem como finalidade marcar algo decisivo,

"agora que sejam culpados" ou "Agora que sejam castigados como culpados".

YHWH fará cair sobre Israel as conseqüências de sua culpa. Os altares e estelas

serão quebrados e destruídos385. Mas, qual a razão da condenação de Oséias à

multiplicidade de altares e estelas? Com sua ameaça de destruição dos símbolos

cúlticos, Oséias indiretamente afirma que eles não cumprem mais sua função. Eles

são usados para o culto a Baal ou para o culto a YHWH baalizado.

V. 3

O versículo 3 expressa ainda o mesmo tom de ameaça pela infidelidade do

v.2. Um dos efeitos da destruição dos símbolos cultuais é a confissão desiludida

380 Cf.: MAYS, J. L., Hosea, p. 139.381 A videira, pressupõe a celebração do Sukkoth quando é feita a colheita de uva. Cf.:SWEENEY, M. A.., The Twelve Prophets, p. 103.382 Cf.: BERNINI, G., Osea, Micha, Nahum, Abacuc, p. 150-151.383 Cf.: MEJIA, J., Amor, Pecado, Alianza, p. 101.384 Cf.: DEISSLER, A., DELCOR, M., Les Petits Prophètes, p. 98.385 Cf.: MAYS, J. L., Hosea, p. 139.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 69: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

122

da ineficácia da monarquia. Reconhece-se que o rei foi inútil e que não havia

temor de YHWH. Esta frase poderia indicar um princípio de conversão ou uma

confissão de culpa. O profeta talvez esteja prevendo que, com as conseqüências

do castigo, Israel começaria a voltar-se para YHWH386. Oséias, estaria falando

para um grupo que está mais próximo dele e que se mantém fiel a YHWH,

aludindo a uma esperança que a devastação despertará nas pessoas um

reconhecimento da sua culpa387.

V. 4

A finalidade das afirmações do versículo 4, por um lado, é expressar a

experiência negativa da monarquia feita pelo povo388. Por outro, é uma tentativa

de livrar-se das conseqüências da infidelidade, atribuindo toda culpa ao rei. Os

reis que foram tão rapidamente substituídos uns pelos outros, que fizeram?

Pronunciaram palavras vazias (cf. Is 58,13), fizeram juramentos falsos (cf. Sl

12,3; Pr 30,8) e concluíram alianças inúteis (cf. Os 10,13; 7,11; 12,2) e por isso o

direito se converteu em veneno389. Uma nova metáfora utilizando elemento da

natureza é utilizada com a função de criticar o governo. Admite-se o juízo divino

como justiceiro, porque é a conseqüência necessária da má conduta dos reis390.

V. 5

Uma das finalidades das palavras do profeta no v. 5 é ironizar e assim

condenar toda a atividade cúltica no santuário de Betel, o bezerro, seus sacerdotes,

o culto e o próprio local. Aquilo que foi anunciado indiretamente no versículo 2

com a destruição dos altares é explicitado aqui. Oséias visa apresentar os

destinatários do julgamento divino: o "habitante da Samaria", o povo e seus

sacerdotes idólatras. A conseqüência natural da situação na nação que não teme a

YHWH, mas cultua o bezerro, é o domínio estrangeiro e a deportação391.

Todas estas colocações sobre a questão cultual elencadas no centro da

perícope têm a função de retomar a metáfora da videira como crítica à religião

386 Cf.: MEJIA, J., op. cit., p. 101-102.387 Cf.: WOLFF, H. W., Hosea, p. 174.388 Cf.: DEISSLER, A., DELCOR, M., Les Petits Prophètes, p. 99. MAYS, J. L. Hosea, p.140-141. JACOB, E.; KELLER, C.; AMSLER, S., Osée, Joël, Abdias, Jonas, Amos, p. 74.389 Cf.: DEISSLER, A., DELCOR, M., op. cit., p. 99.390 Cf.: RUDOLPH, W., Hosea, p. 194.391 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 401.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 70: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

123

(v.1). Oséias usou a metáfora da videira como a base para sua representação da

falsidade do coração de Israel (v.2). E, agora, Oséias lança fora o elemento central

da prática religiosa sincretista em Israel, o bezerro392. Se o erro condenado de

Israel (v.1) consiste em oferecer seus bens aos objetos de culto, sua punição

consistirá em transformar seu principal objeto de culto em mercadoria, em tributo

ao elemento absolutizado, a Assíria e seu rei. A forma irônica como Oséias refere-

se ao objeto de culto (novilhas de Bet-Áven) poderia levar seus contemporâneos a

pensar que ele estaria negando o próprio Deus. Porém, sua negação daquele objeto

de culto é o início da afirmação do Deus que não se nega.

V. 6

O profeta, explicando ao seu leitor modelo como concebe do julgamento

de YHWH, pretende incutir um sentimento de vergonha diante da prática religiosa

e da política de alianças. O bezerro será enviado ao "grande rei" da Assíria como

presente. Por isso, Efraim cairá em desgraça por causa do próprio "plano"393.

A destruição do símbolo cúltico que está no centro do texto é narrada não

com uma intervenção direta de YHWH, mas como resultado da força de eventos

históricos. É YHWH, contudo, que está por detrás da intervenção como senhor da

história. É como se o profeta dissesse: a dinâmica da história se encarregará de

desmascarar a falsa glória atribuída ao bezerro de Bethel. Ele vai tornar-se

presente a um rei estrangeiro. Mesmo esta potência estrangeira, a quem atribuíam

força, é instrumento passivo da ação que descaracteriza o símbolo cúltico.

As palavras do profeta visam mostrar a loucura e inutilidade do bezerro de

Betel. Efraim parte exposto à desgraça de ter adorado uma fraude impotente394. O

texto busca também ironizar a política de alianças. A terra que recebeu o bezerro é

a mesma com quem buscaram aliança, a Assíria (5,13). No título para o rei da

Assíria encontra-se a ironia. O nome pode significar "combater". Oséias visa

apresentar como a Assíria combaterá, deportando a eles e seu símbolo religioso395.

392 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 165.393 Cf.: WOLFF, H. W., Hosea, p. 176.394 Cf.: MAYS, J. L., Hosea, p. 142.395 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 167.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 71: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

124

V. 7

Com ironia o profeta mostra a fragilidade da monarquia na Samaria, com

sua política de pacto com a Assíria e também a fragilidade da atividade religiosa

que sustenta o rei396. As referências ao culto religioso e à monarquia estão

entrelaçadas ao longo da perícope da videira. Oséias refere-se a altares e estelas

(vv. 1-2), descreve o luto nacional ante o colapso da monarquia (v.3) e volta ao

culto religioso, quando descreve o destino do bezerro (v. 6). Por isso a referência

ao rei (v.7) tem a função de mostrar a ligação entre as duas instâncias, culto e

monarquia, dentro do padrão do oráculo da videira397.

Com a deportação do bezerro de Betel a monarquia também se acaba.

Destruída sua base de sustentação, a monarquia não passa de algo frágil. Oséias

mostra a dissolução da monarquia com uma metáfora baseada em aspectos da

natureza. A força de tal metáfora é evidente, uma espuma sendo levada na

superfície de uma corrente. Ela não pode resistir à força da corrente d'água, está

totalmente à mercê dela. Assim vai a monarquia de Israel desaparecendo da

história, indefesa, sendo levada pela força militar de um poder estrangeiro398.

Transparece, portanto, aqui uma resposta à argumentação sobre a monarquia nos

versículos 3 e 4. A monarquia é ineficaz, mesmo assim converte o direito em

veneno; só sucumbirá ao ser retirado seu aparelho de sustentação. A semelhança

sintática das duas metáforas (vv. 4 e 7) possui uma função pragmática. Os reis nos

sulcos dos campos envenenam o direito e produzem destruição. Por isso, na

superfície das águas o rei sucumbirá.

V. 8

No final da perícope, as palavras de Oséias têm indiretamente como

função amaldiçoar os lugares de culto: primeiro, pelo nome depreciativo, 0x]b;

segundo, por qualificá-los de "o pecado de Israel"; terceiro, por apresentar

espinhos e mato crescendo sobre os altares. A maldição termina com os próprios

habitantes da Samaria ou, figurativamente, os altares e santuários chorando

desesperados pedindo para serem enterrados399. É como uma sanção que o povo

396 Cf.: ALONSO SCHÖKEL, L. A.; SICRE DIAS, J. L., Profetas II, p. 936.397 Cf.: McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 169.398 Cf.: MEJIA, J., Amor, Pecado, Alianza, p. 102.399 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 409.ANDERSEN, F. I.; FREEDMAN, D. N., Hosea, p. 559.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 72: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

125

pronuncia sobre si por substituírem a fidelidade a Deus pelas manobras políticas e

práticas cultuais400. O castigo visa a purificação do culto corrompido. O tempo

também se encarregará de apagar os vestígios daquele tipo de vivência religiosa,

espinho e mato crescerão sobre os lugares altos. Os lugares altos idolátricos são o

pecado de Israel401. O grito é um pedido para que os inimigos não vejam a

vergonha que sofrerão402.

2.5.1.3.

Atos Perlocutórios - "Qual o efeito produzido pelo texto?"

A análise do texto a partir das duas primeiras dimensões dos atos

lingüísticos (atos proposicionais e prolacionais) abre a possibilidade para a

terceira, visto que o ato perlocutório é a realização eficaz do segundo. O texto

bíblico mostra-se eficiente também em uma situação diversa daquela que o

originou. Existe uma continuidade da mensagem. Pode-se encontrar a eficácia do

texto também hoje.

Apresentamos a seguir um resumo dos principais elementos dos atos

lingüísticos proposicionais e prolacionais. Em seguida, alguns indicativos dos

atos perlocutórios.

Resumo dos Atos Proposicionais Resumo os Atos Prolacionais

1) A metáfora da vinha analisa o

momento histórico pelo qual passa

Israel. Mostra a prosperidade

direcionada à manutenção dos

símbolos cúlticos, como se ela

viesse deles.

2) Proclama a destruição dos altares e

estelas pois o coração do povo é

1) A metáfora da vinha pretende

reprovar a atitude religiosa de Israel

e propor uma purificação do culto,

tornando-o mais austero.

2) A ameaça de destruição dos

símbolos cúlticos afirma que eles

não cumprem mais sua função,

desta forma reprova e condena

400 Cf.: JACOB, E.; KELLER, C.; AMSLER, S., Osée, Joël, Abdias, Jonas, Amos, p. 75.401 Cf.: MEJIA, J., op. cit., p. 103.402 Cf.: MACINTOSH, A. A., A Critical and Exegetical Commentary on Hosea, p. 410.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 73: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

126

falso.

3) Quando acontece a catástrofe há o

reconhecimento desiludido do povo:

pecou gravemente porque falhou

diante da exigência básica da

religião Javista, o temor de Deus.

Mas, atribui maior culpa à ineficácia

da monarquia.

4) O povo apresenta quatro falhas da

monarquia: palavras, discursos e

pactos vazios; e o direito se

transforma em veneno.

5) O texto descreve como reagem os

vários segmentos da sociedade,

monarquia, povo e sacerdotes,

quando a glória do símbolo cúltico

lhe é tirada. As reações são de

temor, lamento e tremor.

6) A narrativa prossegue apresentando

o envio da glória do símbolo cúltico

como presente ao rei da Assíria e a

vergonha provocada pelas opções

feitas.

7) O texto descreve, ainda, o

desaparecimento da monarquia na

Samaria como espuma que se

dissolve na superfície de água.

8) E, finalmente, apresenta a destruição

dos símbolos e lugares de culto e o

pedido do povo para ser soterrado

pelas montanhas e colinas.

aquela vivência religiosa.

3) O reconhecimento de que causa da

desgraça está na falta de temor a

YHWH e a confissão desiludida da

ineficácia da monarquia é uma

ameaça de confissão forçada pela

catástrofe. Visa, ainda, criticar o

povo por tentar livrar-se das

conseqüências da infidelidade,

atribuindo toda culpa ao rei.

4) A apresentação dos erros da

monarquia pretende, por parte do

povo e do profeta, criticá-la

mostrando sua experiência negativa

dela.

5) A reação dos vários setores diante

da retirada da glória das novilhas de

Bet-Áven tem por finalidade

ironizar e, assim, condenar toda a

atividade religiosa cultual no

santuário de Betel: o bezerro, seus

sacerdotes, o culto e o próprio local.

6) O envio do tributo ao rei da Assíria,

ameaça com a força dos eventos

históricos a destruição daquela

prática religiosa e ameaça com uma

experiência de vergonha pelas

opções.

7) O texto visa fortalecer a convicção

de que a monarquia se mostrará

ineficaz e será destruída se seu

aparelho de sustentação for retirado.

8) As palavras finais visam, por parte

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 74: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

127

do profeta, afirmar que os lugares

de culto serão tragados pelo tempo

e amaldiçoados; já o povo, prefere

ser enterrado pelas montanhas e

colinas que enfrentar a vergonha a

que foi submetido.

Quanto aos atos perlocutórios, os efeitos produzidos hoje, podemos indicar,

primeiramente, que o texto apela para uma revisão das práticas religiosas. Estas

exteriorizam as crenças profundas e revelam uma teologia. Por isso, a crítica às

práticas cultuais na verdade sugere uma revisão da teologia subjacente às mesmas.

As legítimas aspirações religiosas podem ser deturpadas ou manipuladas.

Uma estrutura política e econômica pode criar ou encampar uma manifestação

religiosa, imprimindo-lhe suas características. Ou ainda, uma manifestação

religiosa pode, por parte de seus líderes, ser manipulada a fim de assegurar a

manutenção de determinada estrutura política e/ou econômica.

Nem sempre os fieis têm a clara consciência da dimensão de suas práticas

religiosas. A desilusão com a corrupção e decadência da política institucional,

bem como a repercussão mortal disto no cotidiano, são fatores que podem levar os

fiéis a buscar refúgio em uma experiência religiosa que responda às necessidades

de segurança e bem estar. Mesmo que, para isso, tenham de recorrer a elementos

estranhos à prática religiosa originária. Em termos sociológicos isto seria

caracterizado como sincretismo. Contudo, o termo suscita controvérsias com

relação ao seu significado e abrangência, até mesmo no seu meio acadêmico

próprio, a sociologia ou antropologia cultural. Por isso, é melhor caracterizar o

resultado desta prática religiosa, em termos teológicos, como idolatria. Com este

conceito é possível caracterizar não só o assumir realidades relativas como se

fossem absolutas como também a manipulação do sagrado.

Portanto, o apelo do texto é para que se assuma hoje um processo de

desidolatrização. O processo de crítica religiosa começa por despir aquele

elemento simbólico idolátrico, de seu caráter sagrado, revelando-lhe a farsa. O

ídolo não é sagrado, visto que está sujeito ao tempo e está localizado no espaço;

não é intocável e necessita de alguém que o justifique. Sendo assim, para destruí-

lo não é necessário recorrer a uma intervenção direta de Deus. Seu aniquilamento

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 75: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

128

está justamente no fato de ser submetido ao tempo histórico e suas vicissitudes.

Contudo, por detrás da história está a própria ação de YHWH, senhor da história.

Eliminado o suporte religioso, desmorona-se a estrutura política e/ou

econômica que dele depende. A negação do ídolo já é o início da afirmação do

Deus que não se nega. Aquela prática religiosa, assim despida de seu caráter

idolátrico, deve provocar a vergonha e a vergonha se converterá em peso a ser

suportado ou fracasso a ser escondido.

2.5.2.

Via Leitor Modelo

A análise pragmática via Leitor Modelo cumpre um itinerário, vai da sua

identificação, passando pela contextualização do período histórico ao qual o texto

se refere, a indicação de algumas exigências práticas até a interação do leitor

empírico com o leitor modelo. Nesta última etapa, descortina-se a exigência de

praticar a verdade do texto bíblico, ou seja, de configurar-se com o modelo

oferecido, reinterpretando-o a partir dos novos tempos e lugares.

2.5.2.1.

O Leitor Modelo

Ao elaborar seu texto, podemos dizer que Oséias não só supõe um leitor

modelo, mas também move o texto de modo a construí-lo. A tarefa de identificar

o leitor modelo na perícope não é muito fácil. É mais simples apresentar a

identidade daquele de quem está falando o profeta, do que a quem se dirige.

O texto deixa transparecer o retrato do habitante do reino do norte,

Samaria ou Betel. Com a produção dos frutos e a riqueza de sua terra embeleza as

estelas e multiplica os altares. Envolve-se numa atividade cultual que tem como

centro o bezerro. Os elementos da natureza são para ele importantíssimos e o culto

visa o aumento da prosperidade e fertilidade. O temor de YHWH foi substituído

pelo temor e tremor pelo bezerro. Este israelita está desiludido com a monarquia.

A tumultuada sucessão dos reis, a seu ver, gerou uma instituição frágil,

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 76: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

129

inexpressiva e corrupta. Uma monarquia marcada por palavreado inútil,

juramentos falsos, pactos perigosos e um governo que é como veneno. Caso

aconteça a destruição da nação, a culpa será desta monarquia que não anda no

temor de YHWH. Este contudo, não parece ser o leitor modelo de Oséias.

A estratégia literária, mais que o conteúdo em si, pode ser um caminho

para identificar o leitor modelo objetivado por Oséias. Na perícope de 10,1-8

parece que temos o profeta falando em nome de YHWH. Um tom de disputa é

dado pelas opiniões inseridas retoricamente (cf. vv. 4 e 8c-f), alterando o tema da

discussão como no v. 4. A linguagem empregada aproxima-se do esquema

sapiencial com referências a elementos da natureza, comparações e imagens. Nas

construções gramaticais emprega aliterações, assonâncias, orações paralelas e

jogos de palavras. Em termos semânticos, as expressões com duplo sentido e

termos depreciativos oferecem um tom irônico ao texto. Desta forma, a perícope

apresenta-se como uma fala didática, onde o profeta apresenta sua análise da

realidade no Reino de Israel diante da ameaça assíria. Seguindo Wolff, poder-se-ia

dizer que o profeta, após ser rejeitado (9,7), se retirou para um círculo pequeno de

oposição. Ensinou a este pequeno grupo que mantivesse um olhar nas

transgressões anteriores e presentes de Israel e corajosamente enfrentasse e

compreendesse o julgamento inevitável de YHWH em relação às práticas de culto

e à monarquia403.

Na perícope estudada, a crítica religiosa cultual está ligada à questão

política e econômica. Para determinar o efeito produzido pelas palavras de Oséias

convém apresentar um quadro geral destas duas instâncias vitais do Reino do

Norte, retrocedendo até sua origem com Jeroboão I.

Muito embora o Método Pragmalingüístico seja considerado de corte

sincrônico, não elimina do seu horizonte o panorama histórico que fez emergir o

texto. Mesmo tomando o texto em sua forma final, não ignora que este pode ter

sofrido sucessivas reelaborações. Já no início de nosso trabalho falávamos de um

dos aspectos importantes da semiologia de Saussure para a pragmalingüística

como sendo justamente o fato de ter despertado, dentro de sua distinção entre

lingüística interna e externa, uma sensibilidade para a lingüística extratextual. A

lingüística externa compreende as relações entre história, política, geografia,

dialetos e língua. Por isso, apresentamos uma contextualização histórica do

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 77: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

130

período ao qual o texto se refere a fim de determinar o efeito das suas palavras no

leitor modelo.

2.5.2.2.

Contextualizando o Leitor Modelo

A) Contexto Econômico: Foi no final do período de paz entre Israel e

Judá que o profeta Oséias começou sua atuação. Podemos situá-la a partir de 755

a.C., no final do reinado de Jeroboão II, até a destruição da Samaria em 722 a.C..

O reinado de Jeroboão II (783-746 a.C.) foi marcado por grande prosperidade.

Israel e Judá juntos eram quase tão grandes quanto o império de Salomão.

Aproveitando a posição estratégica que ocupavam na região, experimentaram um

rápido enriquecimento. As vias comerciais passavam inteiramente pelo território

israelita estimulando o comércio e mesmo fazendo ressurgir a indústria do cobre,

fiação e tingimento404. A localização de Israel no cruzamento de estradas com

muito trânsito exigia que defendesse seu território em todas as direções. Esta

posição estratégica de Israel o fez participante dos destinos do corredor siro-

palestinense e de todo o Oriente Próximo. Necessitava, desta forma, de uma

liderança unitária, firme e continuada. Contudo, esta foi justamente sua grande

lacuna405.

B) Contexto Político: Após a morte de Jeroboão II a situação de

estabilidade mudou drasticamente. Num período de dez anos Israel teve cinco reis.

Três chegaram ao trono pela força e sem nenhuma legitimidade. Zacarias, filho de

Jeroboão, é assassinado depois de seis meses de governo, por Selum, o qual um

mês depois é assassinado por Manaém406. Com a ascensão ao trono da Assíria de

Teglat-Falasar III, em 745, o cenário internacional torna-se ameaçador. No desejo

de reafirmar o poder assírio este passou a fazer expedições para realizar

conquistas permanentes. Desenvolveu um sistema de gradual aniquilamento da

autonomia política dos pequenos estados com o objetivo de incorporá-los na

estrutura das províncias assírias. Tal sistema desenvolvia-se em três estágios:

403 Cf.: WOLFF, H. W., Hosea, p. 173.404 Cf.: BRIGHT, J., História de Israel, p. 345-346.405 Cf.: DONNER, H., História de Israel e dos Povos Vizinhos, Volume II, p. 300.406 Cf.: BRIGHT, J., História de Israel. p. 362.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 78: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

131

inicialmente exigia o pagamento de tributo e diante da menor rebelião ocorria uma

intervenção militar; se persistisse a revolta, deportava os culpados e incorporava

suas terras às províncias do império assírio407.

Manaém pagou tributo a Teglatfalasar. O pesado tributo foi conseguido

por meio de uma alta taxa imposta a todos os proprietários de terra em Israel.

Logo depois, Manaém foi substituído por seu filho Fakéia (738-737), assassinado

por seu oficial Fakéia ben Romelias que apoderou-se do trono. Fakéia em lugar de

seguir uma política de neutralidade internacional, uniu-se com Damasco e tornou-

se o líder de uma coalizão anti-assíria. Juntos, Israel e Damasco, desejavam que

Judá, governado por Osias ben Jotão (742-735) se unisse a eles. Judá recusou-se.

A fim de pressionar Judá, declararam-lhe guerra. A guerra siro-efraemita foi uma

catástrofe para Israel. Teglatfalasar apresenta-se para socorrer Judá, agora

governado por Acaz. Teglatfalasar atacou Israel. Todas as terras israelitas da

Galiléia e da Transjordânia foram destruídas e parte da população foi deportada (

2 Rs 15,29)408.

Teglatfalasar teria destruído completamente Israel, se Oséias ben Ela não

tivesse conspirado contra Fakéia ben Romelias, assassinando-o e assumindo seu

lugar (cf. 2 Rs 15,30). Oséias ben Ela foi confirmado por Teglatfalasar como

dinasta-vassalo e o Reino do Norte ingressou no segundo estágio de vassalagem

em relação à Assíria409. Oséias submeteu-se à Assíria somente para salvar o que

restava de seu país, planejando numa melhor oportunidade livrar-se de tal julgo.

Pouco antes de Teglatfalasar ser sucedido por seu filho Salmanasar V, Oséias

pensou que o momento chegara. Por isso, fez propostas de aliança com Egito e

deixou de pagar tributo (2 Rs 17,4). O Egito não estava em condições de ajudar

Israel, pois estava dividido em pequenos e inexpressivos estados rivais. Em 724

Salmanasar V atacou e fez prisioneiro o rei Oséias. Oséias ben Ela,

contemporâneo e homônimo do profeta, foi o último rei de Israel (731-722)410.

407 1º estágio: relacionamento de vassalagem, a obrigação de pagar tributo. 2º estágio: em caso decomprovação ou apenas suspeita de revolta antiassíria, intervenção militar, eliminação do vassaloinfiel e instalação de uma dinastia pró-assíria. Aumento da pressão militar e diplomática. 3º

estágio: ocorrendo outra revolta antiassíria, definitiva ocupação militar, eliminação da autonomiapolítica, fazendo da nação uma província assíria, com novo administrador assírio, deportação daelite nativa e assentamento forçado de uma elite estrangeira. Cf.: DONNER, H., op. cit., p. 342-343.408 Cf.: BRIGHT, J., História de Israel, p. 367.409 Cf.: DONNER, H., História de Israel e dos Povos Vizinhos, p. 354.410 Cf.: BRIGHT, J., op. cit., p. 368.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 79: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

132

C) Contexto Social: Apesar da aparente riqueza, Israel encontrava-se

numa situação de decadência social, moral e religiosa. A sociedade israelita era

marcada por injustiças e um contraste chocante entre os extremos de riqueza e

pobreza. A estrutura social de Israel tinha passado por uma mudança radical. De

uma federação tribal, fundamentada na aliança com YHWH, a uma monarquia

instável e corrompida. O sistema administrativo impunha ao povo pesados

tributos. As injustiças sociais são melhor narradas pelo profeta Amós (cf. Am 2,6-

7; 4,1; 8,4-6). O contraste entre os extremos de riqueza e pobreza eram

perpetuados pelas fraudes nas relações sociais, endividamento, hipoteca dos bens

e trabalho escravo. A estrutura tribal foi se enfraquecendo deixando-se substituir

pela estrutura feudal cananéia411.

D) Contexto Religioso: A desintegração social foi acompanhada pela

decadência religiosa. Apesar dos santuários serem mantidos por seus adoradores,

a religião javista não era praticada na sua forma mais pura412. As obrigações da

Aliança não tinham sido perdidas totalmente, contudo eram concebidas como uma

questão puramente cultual. Suas exigências poderiam ser satisfeitas por rituais e

pela generosa manutenção dos santuários413.

Os santuários reais para YHWH em Israel têm sua origem com Jeroboão I

(927-907). O Reino do Norte não possuía, como Judá, um santuário supra-

regional para o Deus estatal YHWH. Jerusalém, ao contrário era considerado um

santuário de importância supra-regional. Pode ter atraído romeiros de regiões

israelitas distantes. Jeroboão I deve ter avaliado como um perigo a peregrinação

de Israelitas a Jerusalém. Poderiam ser influenciados pela propaganda pró-

davídica, colocando em perigo o Reino de Israel. Assim ele erigiu dois santuários

reais para YHWH em seu território, um em Betel e outro em Dã (cf. 1Rs 12,26-

29)414.

Porém, nenhum dos dois santuários reais possuía um objeto central de

culto comparável à arca da aliança. Por isso, Jeroboão I mandou colocar uma

imagem dourada ou áurea de um touro em Betel e em Dã415. Os fieis se atinham

411 Cf.: Ibid., p. 346-347.412 Cf.: Ibid., p. 346.413 Cf.: BRIGHT, J., História de Israel, p. 350.414 DONNER, H., História de Israel e dos Povos Vizinhos, p. 282 .415 Estes símbolos taurinos poderiam ser estandartes de deuses presos a varas ou barras, oupedestais em forma de animal para a presença invisível de YHWH, ou mesmo imagens de deus,representações de YHWH, que originariamente pertenciam a um deus da tempestade, podendo ser

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 80: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

133

aquilo que viam, o touro dourado, que poderia representar o Deus YHWH, mas

também poderia ser um símbolo de um dos deuses cananeus416. Jeroboão I

instituiu o culto do bezerro de ouro como uma estratégia política para manter seu

poder. Uma monarquia independente de Jerusalém só poderia subsistir apoiando-

se num culto que fosse ao mesmo tempo independente de Jerusalém e que

satisfizesse as exigências emotivas e cultuais do povo417.

Na verdade, quando os Israelitas chegaram à Palestina formavam um povo

de pastores seminômades. Tinham YHWH como Deus que os libertou e protegeu

em sua caminhada. Ao se fixarem em Canaã tornaram-se agricultores. Em contato

com as práticas religiosas cananéias, passam gradualmente a aproximar-se do

culto ao deus cananeu, Baal. Este deus, senhor da chuva, das estações e da

fecundidade da terra, torna-se mais atraente a agricultores que dependem das

forças da naturezas ou melhor, das estações favoráveis para obter sua

prosperidade. YHWH continuava a ser o Deus do povo, mas quem satisfazia as

necessidades imediatas era Baal. Na seca ou na prosperidade era a Baal que

invocavam418.

2.5.2.3.

Leitor modelo e crítica à monarquia

Dois elementos merecem destaque na perícope, a crítica à monarquia e ao

culto do bezerro. Quanto à monarquia, os autores se dividem quanto ao juízo que

Oséias dela faz. Segundo Simian-Yofre, alguns autores simplesmente negam que

Oséias se interessou pelo tema da monarquia. Outros distinguem em Oséias uma

dupla problemática: a condenação da monarquia e os diferentes cultos idolátricos.

Os que apresentam Oséias como crítico da monarquia diferem na maneira de

compreendê-la. Os mais antigos consideram Oséias como opositor da monarquia

enquanto tal. Para outros é a monarquia de Israel em oposição a de Judá o objeto

da crítica de Oséias. Uma terceira tendência considera que Oséias critica o modo

representado por um touro. Não se pode optar com segurança por nenhuma das alternativas. Cf.:DONNER, H. op. cit., p. 283.416 Cf.: Ibid., p. 283-284.417 Cf.: SIMIAN-YOFRE, H., El Desierto de los Dioses, p. 218.418 Cf.: ALONSO SCHÖKEL, L. A.; SICRE DIAS, J. L., Profetas II, p. 888.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 81: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

134

de agir dos reis em seu momento histórico. Oséias procuraria estabelecer o ideal

da monarquia carismática onde o profeta tem uma função decisiva. A maioria dos

autores pensa que se trata de uma condenação dos atos dos reis que não

correspondem plenamente às exigências do Javismo419.

A imagem que Oséias transmite da monarquia é de uma instituição débil e

corrompida, onde setores influentes a determinam e um povo complacente a

tolera. Oséias critica a irresponsabilidade dos grupos dirigentes e, em menor

medida, a imaturidade política e social do povo que participa do jogo do poder e

depois nega a própria responsabilidade420. O profeta transmite ao seu pequeno

grupo fiel sua análise da monarquia. Ao apresentar a questão cultual ligada à da

monarquia reforça a convicção de que ao ser retirado seu suporte religioso esta se

desfaz. O juízo contra a monarquia cumpre-se dentro das vicissitudes históricas. O

rei cujo suporte religioso é o bezerro encontra seu ocaso quando seu símbolo é

devolvido ao rei rival. Ao leitor modelo de Oséias cabe a função de avaliar sua

história, a partir desta perspectiva oferecida e reafirmar sua fé, agora purificada,

em YHWH. Cabe, igualmente, denunciar a monarquia naquilo que possui de

idolatria, ou seja, seu afastamento do temor de YHWH expresso nas falhas

nefastas como veneno e sobretudo o aspecto idolátrico da prática de seus

dirigentes religiosos. É o que veremos a seguir.

2.5.2.4.

Leitor modelo e crítica ao culto

Oséias faz críticas às práticas religiosas de seu tempo, que poderíamos

caracterizar como idolátricas. Para determinar o sentido de tal crítica para o leitor

modelo, objetivado por Oséias, convém perguntar: Qual o significado dos ídolos

na concepção de Oséias? Por que se fala de ídolos no contexto da crítica à

monarquia? Qual a relação entre ídolos e monarquia? Qual é o objeto da crítica de

Oséias?

Em sua análise dos termos utilizados por Oséias para referir-se aos ídolos

Simian-Yofre conclui dizendo que: nos textos onde o vocabulário dos ídolos é

419 Cf.: SIMIAN-YOFRE, H., El Desierto de los Dioses, p. 216.420 Cf.: Ibid., p. 218.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 82: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

135

importante, Oséias concentra-se sobre duas realidades precisas: Baal e o touro

(este último entendido como suporte simbólico da presença de YHWH)421.

As menções relevantes de touro ou de Baal coincidem com a problemática

da monarquia. Especificamente no nosso texto temos: o povo expressando sua

própria desilusão em relação ao rei (10,3) e constatando seu desaparecimento

(10,7). Entre os dois versos, povo e sacerdotes lamentam juntos pelo

desaparecimento das "novilhas de Beth Awen" (10,5)422.

A problemática consiste em determinar a intenção de Oséias ao referir-se

às novilhas de Beth Awen. A palavra "novilhas" (Os 10,5) pode aludir, com o uso

do plural, aos touros estabelecidos por Jeroboão em Dan e Betel no começo do seu

reinado para separar os israelitas do culto de Jerusalém (cf. 1Rs 12,26) e mesmo

ao bezerro de ouro de Aarão no deserto (cf. Ex 32).

A análise da relação das novilhas de Beth Awen (Os 10,5) com as outras

duas referências (cf. 1Rs 12 e Ex 32) entraria por uma complexa rede de

dependências literárias que iriam além das expectativas do presente trabalho e da

metodologia nele aplicada. As análises supõem uma interferência redacional

deuteronomista que interpreta de forma negativa os santuários concorrentes de

Jerusalém e por isso desqualifica seus símbolos cultuais (o bezerro) e seus

sacerdotes, remontando para isso em suas origens. Isto supõe uma leitura

diacrônica do texto, o que vai de encontro à proposta metodológica

pragmalingüística de orientação sincrônica.

Como resolver este impasse de ordem metodológica? De um lado, sente-se

a necessidade de aclarar o conceito de "novilhas" empregado por Oséias: definir

se o profeta está condenando o objeto de culto (as novilhas) como símbolo para

Baal; se está condenando um antigo símbolo para YHWH, que foi modificado

com o tempo e se transformou em referência para Baal; se está condenado uma

instrumentalização política e econômica de um símbolo para YHWH; se o

símbolo em si, condenado por Oséias, já foi desde o princípio uma forma de

manipulação da fé javista para sustentar a monarquia. Por outro lado, esbarra-se

na complexa trama de dependência literária de um texto em relação a outro, objeto

de estudo de uma metodologia diacrônica.

421 Cf.: SIMIAN-YOFRE, H., El Desierto de los Dioses, p. 215.422 Cf.: Ibid., p. 215.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 83: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

136

Para se ter uma idéia da complexidade do problema, segundo o estudo de

Asurmendi Ruiz423, para o texto de Ex 32 existem pelo menos quatro hipóteses

para a sua história redacional e algumas dificuldades históricas: 1) para muitos

autores, Ex 32,16 constitui o núcleo de um relato primitivo e forma uma autêntica

unidade literária. O v. 15 pode ser da conclusão primitiva do relato, ligando-o com

31,18. Já Ex 32,1-6 constituiria uma unidade; 2) Para Weimar424, o relato

primitivo (javista) de Ex 32 seria composto de 1b. 2ab. 3*. 4a. 5ab. 6ab.15a. 18*.

19*. 20a.; 3) Dohmen425 propõe outra delimitação para o relato primitivo,

entendendo-o como um conjunto literário distinto do javista; 4) Vermeylen426

assinala que Ex 32,1-6.8b.10 e 13.17-18.25-29.35 constituem a quarta fase

redacional do capítulo 32. Esta fase trata da distinção entre culpados e inocentes

na geração do deserto. Este conflito culpados/inocentes seria uma transposição do

conflito provocado em 520, quando da volta do exílio, entre os judeus que voltam

dispostos a reconstruir o templo e os que não foram deportados. Ex 32,1-6 parece

ter utilizado 1Rs 12,26-33. Contudo, para ele é difícil falar de dependência

literária de Ex 32,1-6 em relação a 1 Rs 12,26-33 (fora a frase 4b).

O texto de Ex 32 apresenta dificuldades em nível histórico427: Ex 32

apresenta o povo oferecendo holocaustos e sacrifícios no deserto. Estas atividades

cultuais são típicas de sedentários, não de nômades e seminômades. Israel não as

praticou até sua entrada em Canaã; Araão diz no v. 5: "amanhã, festa de YHWH".

Esta proclamação dá ao conjunto do relato, um caráter totalmente javista. Não

existe razão para ver nesta festa uma animosidade contra o javismo. O bezerro não

tem sentido em um contexto geográfico de deserto. Se ainda fosse uma ovelha,

cordeiro ou cabra, estaria correto. Mas o bezerro de ouro em pleno deserto é um

anacronismo em termos socio-geográficos. Historicamente, Ex 32,1-6 não se

enquadra no contexto em que se situa. Seu lugar de origem é Canaã e seu

conteúdo é javista.

423 Cf.: ASURMENDI RUIZ, J. M., En torno al becerro de oro, p. 291-295.424 As três próximas indicações bibliográficas são do artigo de Asumendi Ruiz citadoanteriormente. Cf.: WEIMAR, P., Das Godene Kalb. Redaktionskritische Erwägungen zu Ex 32, p.142ss. In: ASURMENDI RUIZ, J. M., En torno al becerro de oro, p. 292.425 Cf.: DOHMEN, C., Das Bildverbot, 74. In: ASURMENDI RUIZ, J. M., En torno al becerro deoro, p. 292.426 Cf.: VERMEYLEN, J., L'affaire du veau d'or (Ex 32-34). In: ASURMENDI RUIZ, J. M., Entorno al becerro de oro, p. 293.427 Cf.: ASURMENDI RUIZ, J. M., En torno al becerro de oro, p. 294-295.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 84: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

137

Quanto ao texto de 1 Rs 12,26-33, pertence ao relato da separação das

tribos. Os vv. 1-19 se referem à divisão política e os outros à religiosa. Briend428,

propõe como relato antigo de 1Rs 12 os vv. 26-29a.30b(?).32a. O relato foi escrito

por habitantes de Judá. O objetivo e o contexto vital do texto seriam os mesmos

de 1 Rs 12,1-19, antes da queda da Samaria em um círculo de funcionários da

corte de Jerusalém. Hahn429 reconhece que não há nada que permita uma

dependência literária entre os textos de 1 Rs 12 e Ex 32. Só há contatos indiretos

em termos de conteúdo. Ambos condenam a imagem do bezerro.

Diante de todos estes dados permanecem os questionamentos acerca da

crítica de Oséias à religião através da referência às novilhas de Beth Awen. Uma

possível saída é tratar a questão como explicitação do leitor modelo do texto de

Oséias, deixando em suspenso a problemática redacional. Desta forma, a pergunta

seria: para o leitor modelo de Oséias, que sentido tem a deportação das "novilhas

de Beth Awen"? Ou que juízo faz das referidas "novilhas" o leitor modelo de

Oséias?

É necessário perguntar-se pela origem de tal objeto de culto. Voltando ao

texto de 1 Rs 12, seria pouco provável que Jeroboão introduzisse simplesmente

um touro no lugar de YHWH. É igualmente pouco provável que um povo,

educado durante três ou quatro séculos na fé em YHWH como Deus histórico de

sua libertação, se deixaria convencer facilmente por uma mudança tão radical. Um

cisma religioso para obter êxito deveria apresentar-se como um regresso às

tradições mais antigas, uma volta às fontes430. A introdução de um bezerro como

elemento simbólico da presença de YHWH foi, provavelmente, por um lado, o

ponto de legitimação do culto em Betel. O touro não seria um elemento tão

estranho assim ao povo e à fé javista. Nos textos bíblicos, YHWH também é

chamado de "touro", porém as traduções optam por seu sentido figurado, poderoso

ou forte431. Além disso, Jeroboão não se comporta como antijavista. Seu filho tem

nome javista (Abías), e ele consulta um profeta de YHWH, Aías de Silo (cf. 1Rs

428 As duas próximas indicações bibliográficas são do altigo de Asumendi Ruiz citadoanteriormente. Cf.: BRIEND, J., Curso de Historia de Israel. In: ASURMENDI RUIZ, J. M., Entorno al becerro de oro, p. 293.429 Cf.: HAHN, J., Das Goldene Kalb, p. 312. In: ASURMENDI RUIZ, J. M., En torno al becerrode oro, p. 294.430 Cf.: SIMIAN-YOFRE, H., El Desierto de los Dioses, p. 211.431 Assim em Gn 49,24 "pelo szcb'!'touro' de Jacó"; Is 1,24 "oráculo do Senhor dos exércitos, o szcb''touro' de Israel"; Is 49,26 "eu, YHWH, sou o teu salvador, o szcb'! 'touro' de Jacó". Cf.:ASURMENDI RUIZ, J. M., En torno al becerro de oro, p. 295.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 85: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

138

14,1). Desta forma, tudo indica que Jeroboão restaurou ou criou uma imagem

javista ao instalar os bezerros em Betel e Dan. Como era de se esperar de um novo

reinado ou de uma nova dinastia432.

A introdução do culto ao bezerro evocaria a figura de Aarão, tomando-o

como uma referência importante para um grupo sacerdotal ligado ao culto a

YHWH em Betel (cf. Jz 20,26-28) e tendo a imagem do touro como símbolo. Este

grupo foi diferente e antagônico ao sacerdócio sadoquita de Jerusalém, fora de

toda tradição e o único que restou depois da eliminação do sacerdócio de Abiatar

por Salomão. A introdução do touro no templo de Betel era para legitimar o

sacerdócio de Aarão e seus sucessores.433

Se a reforma de Jeroboão é mais uma medida de política religiosa que um

cisma, como interpretar as expressões de Oséias contra os touros de Betel? Uma

primeira hipótese é que a situação se modificou desde os tempos de Jeroboão I. O

touro se transformou, de suporte simbólico da presença de YHWH, em verdadeiro

objeto de adoração. Um apoio concreto e visível para a fé434. Porém, é mais

provável que Oséias pretendesse designar com os touros a totalidade do culto

Javista praticado em Betel e talvez na Samaria. O que está em discussão é o culto

realizado em Betel enquanto tal e não possíveis contaminações idolátricas. A falta

de temor de YHWH e o desrespeito de seus preceitos se referem ao uso indevido

da religião435. A crítica de Oséias ao bezerro de Betel, mais que simples crítica a

um objeto de culto cananeu que ocupa o lugar de YHWH, ou ao culto de YHWH

baalizado, é uma crítica à instrumentalização de um antigo símbolo de YHWH

como suporte à estrutura política e econômica, a monarquia.

A crítica de Oséias à condução da política e à manipulação cultual revela

no fundo um confronto entre concepções religiosas. De um lado, a concepção dos

sacerdotes, que procuram dispor da natureza e utilizá-la, tomando a religião como

elemento justificador dos empreendimentos humanos436. O projeto dos sacerdotes

para o futuro da nação começa por influir sobre o rei e as autoridades. Continua

com a neutralização de outros personagens, como os profetas, e conclui com a

submissão à Assíria. O pagamento de tributo e a compra de sua boa vontade

432 Cf.: Ibid., p. 296-297.433 Cf.: SIMIAN-YOFRE, H., op. cit., p. 211-212.434 Cf.: MAYS, J. L., Hosea, p. 141. McCOMISKEY, T. E., The Minor Prophets, p. 165.435 Cf.: SIMIAN-YOFRE, H., El Desierto de los Dioses, p. 214.436 Cf.: Ibid., p. 221. SWEENEY, M. A.., The Twelve Prophets, p. 105.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 86: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

139

através da adaptação do próprio culto ao culto da nação estrangeira. Tudo isso

requer um apoio popular, procurado por meio de um culto atrativo, onde se

mesclam a sensualidade da liturgia de Baal com as grandes afirmações teológicas

do Javismo. Aliado a isso está o sentimento de renovação e otimismo suscitado

pela reforma política e religiosa, a independência de Jerusalém437.

De outro lado, a concepção religiosa de Oséias, onde YHWH é Senhor da

natureza e da história, um Deus ciumento que não admite ídolos, inalcançável

pelo culto, mas sempre presente na história de seu povo. Somente YHWH pode

estabelecer um pacto com a natureza em favor do povo, constituir e suspender

reis, vir em auxílio do povo ou rechaçá-lo definitivamente. Diante de um corpo

sacerdotal que oferece prosperidade, paz, segurança frente ao inimigo, exaltação

dos sentimentos nacionalistas e um culto atrativo que agrada aos sentidos, Oséias

não tem outra proposta senão a interpretação dos fatos históricos que se

apresentam à vista438.

A crítica oferecida por Oséias ao leitor modelo sobre o culto, na verdade, é

uma crítica à teologia que oferecia sustentação aos sacerdotes e à monarquia. É

uma crítica à instrumentalização da religião. Oséias, apresentando os sacerdotes

de forma depreciativa, põe em questão as práticas religiosas que incitam,

liberando seu leitor modelo da obrigação de segui-los e de aceitar suas práticas. A

destruição dos símbolos cúlticos, dentre eles o bezerro, é apenas o sinal para fim

de um período de infidelidade e um apelo para retorno ao genuíno temor a

YHWH, senhor da história. Enfim, Oséias, por sua análise da realidade, crítica

religiosa, propõe ao seu leitor modelo a afirmação do verdadeiro Deus e uma nova

vivência religiosa, consequentemente uma nova prática política e econômica.

2.5.2.5.

Análise a partir do leitor empírico

A análise feita até agora permite apontar alguns pontos relevantes do texto

para a atualidade. O texto profético de Oséias tem força para realizar o que

transmite. Determina, hoje também, uma prática de análise da realidade, crítica

437 Cf.: SIMIAN-YOFRE, H., El Desierto de los Dioses, p. 222.438 Cf.: SIMIAN-YOFRE, H., op. cit. , p. 226-227.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 87: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

140

profética à religião e afirmação do verdadeiro Deus. É evidente que existem

outros aspectos, contudo, julgamos oportuno tratar destes três pontos centrais.

A análise da realidade marca a superação da aceitação acrítica dos fatos, da

passividade, da resignação, da ingenuidade religiosa ou política. Uma tal atitude

impõe sobriedade e racionalidade no discurso que devem ser combinadas com

uma inteligência pedagógica, sábia e até irônica. Este realismo pode tornar-se

pesado e amargo se não combinado com a esperança.

A crítica à religião não é como aquela produzida pela filosofia moderna

que desemboca no ateísmo. Mas, aquela crítica profética para aqueles ambientes

onde a existência de Deus não é posta em questão, onde se faz necessário propor a

questão de Deus a partir da idolatria. Os ídolos não são coisas do passado nem

estão restritos ao âmbito religioso. São realidades históricas que configuram a

sociedade e determinam a vida e a morte da maioria das pessoas. Tais realidades

constituem-se como ídolo porque se apresentam com as características divinas: de

ultimidade, não se pode ir além delas; autojustificação, não precisam se justificar

a nada e a ninguém; intocabilidade, não podem ser questionadas e quem o fizer

acaba destruído. A possibilidade da idolatria está na capacidade do ser humano

absolutizar o criado. Por sua vez os ídolos, através de seus adoradores, produzem

vítimas inocentes e desumanizam seus adoradores.

A palavra de Oséias inspira a desidolatrização de Deus. Denunciou todas a

formas de idolatria como instrumentalização e parcialização da divindade: o poder

monárquico e sacerdotal, a manipulação cultual, o direcionamento dos bens para

manutenção do culto baalista ligado à veneração da terra como fonte de todos os

bens, a presunção do povo de ser o povo eleito.

Uma legítima experiência religiosa do transcendente deve se expressar

numa atitude de profunda reverência. Ao contrário da triste constatação: "porque

não tememos YHWH" (v.3), há que se experimentar o mistério do Deus que se

revela gratuitamente na história e que continua sendo Deus. Um horizonte sempre

buscado, nunca alcançado plenamente; uma referência necessária para que os

outros elementos da vida e da história possam se confrontar e encontrar sua

posição de relatividade. Este Deus YHWH relaciona pessoalmente como amigo,

amante, pai, mãe que sente pessoalmente atingido pelas reações do amigo, amado

ou do filho. Exige fidelidade absoluta, e por isso está em luta com os outros

deuses. A fé neste Deus constitui-se portanto também antiidolátria. Sua presença

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 88: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

141

no meio das pessoas não se reduz a um objeto. Este Deus não tem imagem, mas

tem voz, Palavra. A relação de fé com este Deus consiste em tornar presente na

história sua vontade, defender os pequenos. Aqueles para os quais o direito se

converte em veneno, quando o temor de Deus se transforma em temor e tremor

dos ídolos, ainda que o anúncio seja amarga e irônica constatação da ação

implacável de Deus contra os ídolos. E aqueles que neles confiam haverão de

carregar sua vergonha e se envergonharão de suas opções. "E dirão: montanhas,

cubram-nos, colinas, caiam sobre nós".

2.5.2.6.

Uso litúrgico do texto de Oséias como leitor empírico

O modo como é utilizado o texto bíblico na liturgia, por si, já lhe indica

uma interpretação. Estabelece para ele uma pragmática, seja pela sua delimitação

ou localização no calendário litúrgico. O texto é tomado como útil para inspirar

uma prática segundo a espiritualidade de determinada etapa do itinerário litúrgico.

A assembléia eclesial, quando lê o texto bíblico e o atualiza a partir de seu

contexto histórico cultural, se configura como um "leitor empírico". Nossa

proposta é, inicialmente, descrever como é lido Os 10,1-8 na liturgia da Igreja

Católica a partir do "Elenco das Leituras da Missa"439, destacando este momento

eclesial como um "leitor empírico" do texto. Primeiramente, vamos apresentar

qual a localização do texto no tempo litúrgico; em seguida, como se encontra no

Lecionário e finalmente, fazer a análise destes elementos apresentados e indicar as

suas implicações pragmáticas.

439 O Elenco das Leituras da Missa, também chamado de Lecionário, está dividido em trêsvolumes: Lecionário Dominical A, B e C, Lecionário Semanal e Lecionário Santoral. Nos livroslitúrgicos destinados à administração dos Sacramentos, os Rituais, existe também uma seleção deleituras. Contudo, somente no Elenco das Leituras da Missa encontramos uma Introdução Geralapresentando instruções para uma "contínua, plena e eficaz" leitura da Palavra e justificando asescolhas e delimitações dos textos bíblicos. Esta Introdução Geral é a mesma para os trêsLecionários e seus parágrafos estão numerados. Por isso, na análise que agora segue do texto deOséias, a citação quando se referir à Introdução Geral do Elenco das Leituras da Missa será feita apartir desta numeração dos parágrafos e quando se referir especificamente ao Lecionário a citaçãoserá das páginas deste. Cf.: CONGRAGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO. Introdução Geral doElenco das Leituras da Missa (IGELM). In: CONGRAGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO.Lecionário Semanal II.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 89: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

142

A) O texto de Os 10,1-8 no Tempo Litúrgico

O texto de Os 10,1-8 é proposto para a liturgia da Palavra somente na Quarta-

feira da 14a Semana do Tempo Comum, ano par. Diferentemente de outros

momentos do calendário litúrgico, como Advento, Natal, Quaresma e Páscoa,

onde existem indicações para um momento específico da História Salvífica, o

Tempo Comum visa celebrar todo o mistério de Cristo em sua globalidade.

Outro fato a destacar, o texto está inserido num conjunto de leituras dos livros

proféticos para o ano par que vai da 13a até a 20a Semana do Tempo Comum.

Desta forma temos: na 13a semana, Amós; na 14a Oséias e Isaías; 15a Isaías e

Miquéias; 16a Miquéias e Jeremias; 17a Jeremias; 18a Jeremias, Naum e Habacuc;

19a e 20a Ezequiel.

Na 14a Semana, as leituras de Oséias seguem este ritmo: Segunda-feira, Os

2,16.17b-18.21-22; Terça-feira, Os 8,4-7.11-13; Quarta-feira, Os 10,1-3.7-8.12;

Quinta-feira, Os 11,1-4.8c-9; Sexta-feira, Os 14,2-10.

Na Quarta-feira da 14a Semana do Tempo Comum, a leitura de Oséias é

acompanhada pelo Salmo 104 (105),2-3.4-5.6-7 (R. 4b - "buscai constantemente a

face do Senhor!) e Evangelho de Mateus 10,1-7 (chamado e envio dos doze).

B) O Texto Litúrgico 440

É tempo de procurar o Senhor

Leitura da Profecia de Oséias

1 Israel era uma vinha exuberante e dava frutos para seu consumo; na medida de

sua produção, erguia os numerosos altares; na medida da fertilidade da terra,

embelezava seus ídolos.

2 Com o coração dividido deve agora receber castigo; o Senhor mesmo derrubará

seus altares, destruirá os seus simulacros.

3 Decerto, dirão agora: "Não temos rei; não temos medo do Senhor. Que poderia o

rei fazer por nós?"

7 Samaria está liqüidada, seu rei vai flutuando como palha em cima da água.

8 Será desmantelada a idolatria dos lugares altos, pecado de Israel; ali crescerão

espinhos e abrolhos sobre seus altares; então se dirá aos montes: "Cobri-nos!" e às

colinas: "Caí sobre nós!"

440 Cf.: CONGRAGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO., Lecionário Semanal II, p. 739-740.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 90: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

143

12 Semeai justiça entre vós, e colheis amor; desbravai uma roça nova. É tempo de

procurar o Senhor, até que ele venha e derrame a justiça em vós.

Palavra do Senhor.

C) Análise e Implicações Pragmáticas

Quanto ao período do Tempo Litúrgico no qual está inserido o texto de

Oséias, não existe nenhuma peculiaridade441. De um modo geral, as leituras dos

dias de semana no Tempo Comum "completam o anúncio de salvação

desenvolvido nos dias festivos"442. As passagens foram escolhidas para que

"dessem a conhecer a índole própria de cada livro"443. "Para os dias de Semana, da

mesma forma que nos domingos e festas, põem-se em prática os princípios da

composição harmônica e da leitura semicontínua"444. Entende-se por composição

harmônica a "relação mais ou menos explícita" dos textos do Novo Testamento

com os do Antigo Testamento445. No caso específico do texto de Oséias observa-

se mais propriamente o princípio da leitura semicontínua, visto que este se

encontra numa seleção de leituras do Livro de Oséias na 14a semana, no conjunto

de leituras dos livros proféticos. Quanto ao princípio da composição harmônica, é

difícil uma aproximação com o Evangelho de Mateus 10,1-7. Poder-se-ia entrever

uma certa relação, ainda que remota, entre o envio dos doze (cf. Mt 10,7) e os

imperativos finais da leitura do profeta (cf. Os 10,12). Evidentemente, uma tal

harmonia não é exigida aqui em leituras de um dia ferial.

O ponto de maior destaque é o texto em si. Cabe destacar alguns elementos

relevantes: Quanto a delimitação, como se pode observar, o Lecionário estabelece

um novo texto (Os 10,1-3.7-8.12), omitindo os versículos 4, 5 e 6 e acrescentando

o versículo 12. A Introdução Geral justifica a omissão de alguns versículos

alegando que a "tradição de algumas liturgias, sem excluir a própria liturgia

romana, às vezes costumava omitir alguns versículos das leituras da Escritura...

essas omissões não podem ser feitas com superficialidade, para que não aconteça

441 Visto que o Tempo Comum começa no dia seguinte à Festa do Batismo do Senhor e vai até aterça-feira que antecede a Quaresma, recomeçando na segunda-feira depois do Domingo dePentecostes e terminando no Sábado anterior ao primeiro Domingo do Advento, ele possui certamobilidade. Cf.: IGELM, n 103. Somente os primeiros cinco domingos têm uma ligação maiorcom a Epifania, os domingos depois de Pentecostes fazem memória dos fatos que marcaram amissão de Jesus e os últimos domingos acentuam a dimensão escatológica. Cf.: IGELM, n 110.442 IGELM, n 65.443 Ibid., n 110.444 Ibid., n 70.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 91: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

144

que fiquem mutilados o sentido do texto ou o espírito e o estilo próprio da

Escritura. Contudo, salvando sempre a integridade do sentido no essencial,

pareceu conveniente, por motivos pastorais, conservar também nesta ordem a

tradição mencionada446". Em seguida apresenta três motivos pastorais,

argumentando que as omissões ocorreram: primeiro, para que os textos não

ficassem excessivamente longos; segundo, para que assim algumas leituras não

tivessem de ser totalmente omitidas; e terceiro, porque "uns poucos versículos, do

ponto de vista pastoral, são menos proveitosos, ou incluem algumas questões

realmente muito difíceis447. O texto de Oséias certamente não se enquadra nos

dois primeiros motivos, não é um texto longo. Resta o terceiro, aquele dos

versículos que são menos proveitosos ou incluem alguma questão realmente muito

difícil.

A omissão dos vv. 4 a 6 priva o texto: de sua crítica mais severa à

monarquia (v. 4); da irônica condenação da atividade religiosa em Betel (bezerro,

sacerdotes, culto e o próprio local) (v. 5a-c); da ameaça de destruição da prática

religiosa com o próprio desenrolar dos eventos históricos (v. 5d-6a); e da

vergonha que tudo isto acarretará para Israel e Efraim (v. 6b-c). A perícope assim

formada passa a apresentar uma crítica à idolatria e constatar a ineficácia da

monarquia, mas não oferece uma ligação mais estreita entre a crítica à monarquia

e ao culto.

Quanto à tradução, destacamos somente alguns elementos. Seguindo a

Vulgata448, qualifica a vinha de "exuberante" (v. 1); as estelas se transformam em

"ídolos" no v. 1 e simulacros no v. 2; quem aplica a condenação é o "Senhor" (v.

2); e o temor se converte em "medo" (v. 3); quem é destruída é Samaria (v.7) e a

idolatria (v. 8).

Outro elemento é o acréscimo do v. 12. Ao que parece, nele está o sentido

principal que a liturgia quer destacar na leitura do texto. Pois uma importante

indicação para isto é o título dado à leitura. "Cada texto traz um título

cuidadosamente estudado (formado quase sempre com palavras do mesmo texto),

em que se indica o tema principal da leitura e, quando for necessário, a relação

445 Ibid., n 67.446 Ibid., n 77.447 Ibid., n 77.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB
Page 92: 2. Aproximação Prática Leitura Pragmalingüística de Os 10,1- 8 · detalhes serão dados nas Análises Sintática e Semântica. 2 O rm_k+ I tem o sentido de ser liso, brando e

145

entre as leituras da missa"449. Para esta leitura de Oséias é oferecido o seguinte

título: "É tempo de procurar o Senhor" do versículo 12. Desta forma, o acréscimo

do v. 12 oferece ao texto uma possibilidade de sentido mais positiva. Existe um

convite de esperança e uma possibilidade de salvação. A dura e irônica

condenação de determinada vivência religiosa aliada à questão política e

econômica é suavizada pelo convite a procurar o Senhor. O mesmo motivo está

expresso no Salmo Responsorial (cf. Sl 104) cujo refrão canta: "Buscai

constantemente a face do Senhor"450.

Concluindo, a liturgia enquanto leitor empírico do texto de Os 10,1-8

mantém, de certo modo, a crítica profética ao culto e, em menor medida, à

monarquia. Contudo, suaviza a condenação de Oséias pela omissão dos vv. 4 a 6 e

abre uma perspectiva de salvação pela inclusão do v. 12. A prática que estimula o

texto, assim construído, não é tanto de rigorosa revisão das práticas religiosas,

nem de busca de uma genuína espiritualidade através de vivência religiosa mais

austera ou de reconhecimento da ação do Senhor na história. Ao contrário, a

prática estimulada é de certa crítica à idolatria e em maior medida, de procura do

Senhor até que venha e derrame a sua justiça.

448 Na apresentação do Lecionário é afirmado explicitamente que a tradução foi elaborada a partirda Neo Vulgata latina. Cf.: CONGRAGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO., Lecionário SemanalII, p. 7, 10.449 IGELM, n 123.450 Cf.: CONGRAGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO., op. cit., p. 740.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210276/CB