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2001 e a odisséia humana por Fernando César Pereira da Costa Este arquivo foi obtido gratuitamente através do site www.krona.srv.br/2001 e apresenta conteúdo idêntico ao do ensaio publicado nesse endereço eletrônico. As imagens que acompanham o texto não têm qualidade adequada para impressão, servindo apenas como referência às passagens mencionadas.

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2001 e a odisséia humanapor Fernando César Pereira da Costa

Este arquivo foi obtido gratuitamente através do site www.krona.srv.br/2001 e apresenta conteúdo idêntico ao do ensaio publicado nesse endereço eletrônico. As imagens que acompanham o texto não têm qualidade adequada para impressão, servindo apenas como referência às passagens mencionadas.

Durante a leitura, assim como ocorre no site, você encontra indicações (exemplo: >IA3<) que fazem referência à existência de uma “Informação Adicional” sobre o assunto discutido. No site, basta clicar sobre a indicação para abrir uma janela e ler o comentário. Contudo, nesta versão impressa, o leitor tem de procurar a “Informação Adicional” referente num apêndice, localizado nas duas páginas finais do ensaio.

2005

Advertência

Nada é casual numa obra de arte, nada é apresentado por acidente. A imagem abaixo reproduzida, por exemplo, abre os primeiros instantes do filme e, por mais que possa parecer descartável à primeira vista, é a chave para que possamos compreendê-lo.

Devemos estar igualmente atentos aos takes que dão seqüência à imagem introdutória: visando ambientar o filme à Terra da época pré-histórica, Kubrick executa a filmagem de cenas desérticas.

Posteriormente, no entanto, tais cenas serão de importância crucial à compreensão da obra. Portanto, repito: nada é casual numa obra de arte, nada é apresentado por acidente. Quando lançarmos o olhar sobre 2001, devemos analisar cada take, cada movimento, sem vacilar.

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I - A Alvorada do Homem (e do enigma)

O Animal

Como todos os seres ditos irracionais, o homem-macaco guiava-se instintivamente. Se sentisse sede, fome, calor ou frio... Se uma situação perigosa fizesse a adrenalina jorrar na corrente sangüínea... Se os hormônios sexuais atraíssem macho e fêmea... O homem-macaco iria beber, comer, procurar a sombra ou o Sol... Iria atacar ou fugir... Iria se acasalar, se reproduzir e defender suas crias... Enfim, responderia aos estímulos de acordo com os estritos limites de seu legado genético.

Assim tem início 2001: o homem em seu momento unicamente animal. Tal introdução, no entanto, focaliza de forma bem clara um ponto em especial: a luta pela sobrevivência. Disputando com o tapir os frutos das plantas rasteiras ou lutando com outros grupos de símios pelo domínio de uma fonte de água, o homem-macaco sobrevivia, dia após dia.

Desprovido de garras, chifres ou qualquer outra arma natural que potencializasse sua capacidade de defesa, era comumente preza fácil de felinos e outros predadores. Seu cérebro, escravizado à dimensão

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estímulo-resposta, destinava sua vida à imobilidade característica de uma existência voltada unicamente à reprodução de seus mecanismos de sobrevivência e de perpetuação da espécie.

O Monolito

Após toda uma introdução acerca do cotidiano vivido por nossos antepassados primitivos, a aparição é, no mínimo, surpreendente.

Sob a luz prematura da alvorada, o homem-macaco confronta-se com um misterioso monolito erguido defronte de seu abrigo. Como resposta natural a tão imprevisto estímulo, ele reage com medo e cautela (reações instintivas apropriadas à manutenção de sua sobrevivência), rendendo-se somente em seguida à curiosidade da aproximação e do toque.

No entanto, a pouca (ou nenhuma) intimidade da grande maioria dos espectadores para com o raciocínio abstrato, acaba por comprometer todo tratamento simbólico conferido a essa alegoria. Para esses, a partir de então, a problemática primeira do filme passa a girar ao redor de quem teria colocado aquele objeto lá e com qual intuito? – algo infinitamente redutivo, próprio daqueles cujos horizontes estendem-se poucos metros à frente. Analisemos o monolito, contudo, sob um olhar atento e descobriremos que, mesmo em sua inércia pétrea, ele tem muito a comunicar.

Uma primeira e interessante observação pode ser feita acerca de seu comprimento. Prolongando-se por aproximadamente três metros acima do solo, o monolito tem afirmada sua condição de superioridade perante o pequenino homem-macaco. Lembremos que a condição de estar acima pode igualmente significar o estar além, ou melhor, estar além da compreensão daquele que está abaixo. >Informação Adicional< (ver no apêndice)

Outro dado importantíssimo para que possamos posteriormente compreender sua significação é percebermos a associação monolito-perfeição: suas arestas são perfeitamente lapidadas, seu posicionamento é perfeitamente aprumado, seu colorido preto fosco é perfeitamente homogêneo em toda a sua superfície – esta, por sua vez, tão perfeitamente lisa que desperta a atenção do irracional homem-macaco.

O take que finaliza a seqüência da aparição, no entanto, é tão importante à compreensão da obra quanto qualquer outro apontamento já feito acerca do monolito.

Através da conjunção LUA-SOL-MONOLITO-TERRA, Kubrick estabelece uma segunda associação crucial: monolito-equilíbrio. Seja qual for o significado desse misterioso objeto, sabe-se, a partir de então, que é princípio tanto de perfeição quanto de equilíbrio – a própria simetria bilateral obtida através do jogo fotográfico de enquadramento e composição indica uma imagem equilibrada.

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Como parte integrante da conjunção, o monolito compartilha não somente do equilíbrio, mas também tem afirmada sua condição de igualdade com os demais elementos cósmicos.

Não podemos nos esquecer, contudo, da condição primeira de toda conjunção: o equilíbrio entre os corpos só existe em função de um referencial, a partir do qual é possível traçar a linha imaginária que define tal fenômeno. >IA2< Qual seria, portanto, esse referencial? Ora, se voltarmos à imagem acima e prestarmos atenção à perspectiva através da qual a conjunção é vista, fica claro que se trata de um take de câmera subjetiva, ou seja, nossos olhos são os olhos do homem-macaco, ele é o nosso referencial. >IA3<

O Detonar da Consciência

O nascer do sol por detrás do monolito dá fim à última aurora do homem-macaco. Após o contato com aquele misterioso objeto, algo se desencadearia de forma irreversível em seu cérebro mecanizado.

A seqüência do detonar da consciência >IA4< (uma das mais belas seqüências já filmadas) não deixa dúvidas quanto ao estopim do raciocínio. Utilizando um osso para golpear o esqueleto de um tapir, o homem-macaco (já não só macaco) descobre que nunca mais precisaria se submeter à escassa alimentação vegetal, deixando claro o fato de residir no impulso de sobrevivência a origem de tal evolução cerebral.

Embora, para a maioria dos espectadores, tais cenas pareçam um mero exercício de agressividade animal, elas são a garantia de que todos nós viéssemos a existir um dia. Se tal evolução não ocorresse, o homem-macaco – pouco veloz e vivendo em constante estado de subnutrição num ambiente hostil – dificilmente escaparia da extinção. O cérebro do recém-nascido homem primitivo seria suas garras, seus chifres, sua velocidade e sua salvação.

Há, entretanto, no início dessa seqüência, um detalhe extremamente importante: no momento em que o homem-macaco tem detonada sua consciência (pegando, em seguida, um dos ossos do esqueleto), temos um rápido retorno ao take da conjunção. Ora, a inclusão desse take no instante exato em que a consciência é detonada só tem a afirmar a condição de tal detonar consistir num instante de equilíbrio, de perfeição.

Consciência-Poder-Sobrevivência

Se a utilização do osso como cacete vem a potencializar a capacidade de sobrevivência, esse, obviamente, vem também a funcionar como o primeiro instrumento de poder. A seqüência do confronto pelo domínio da fonte de água define claramente o tripé Consciência-Poder-Sobrevivência.

Fazendo uso de ossos como cacetes, o grupo que esteve em contato com o monolito golpeia até a morte um dos componentes do grupo rival, afugentando os demais e tomando para si o domínio da fonte de água.

A lei do mais forte, a partir de então, sofre uma mudança radical em seu eixo, passando a imperar a lei do menos irracional. Sobreviverá, ao longo do tempo, aquele que melhor conseguir incrementar o osso.

Se o impulso de sobrevivência é certamente o responsável por desencadear o processo biológico que culminou no detonar da consciência, esta, no ato de sua fundação, nasce obrigatoriamente como consciência do poder e do sobreviver. Podemos afirmar, sem sombra de dúvida, que os primeiros

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vislumbres conscientes do homem primitivo estavam diretamente relacionados às primeiras noções subjetivas de poder e de sobrevivência.

Apontamentos Finais sobre o Capítulo I

Como marco simbólico do alvorecer do homem, o monolito demarca claramente o momento a partir do qual o viver animal, objetivo, é transcendido. >IA5<  Embora seu tratamento alegórico sugira uma associação com a perfeição e o jogo fotográfico de enquadramento e composição, no take da conjunção, nos remeta a associá-lo ao equilíbrio, sua aparição nada nos indica acerca da compreensão de como se deu, em nível cerebral, a passagem que destinou o homem-macaco à condição irrevogável de distanciamento das demais espécies ou, muito menos, acerca do porquê da espécie humana estar fadada a tal mudança em seu viver. Seria o impulso de sobrevivência, estimulado pela necessidade de otimizar a capacidade do homem-macaco perpetuar sua existência, o único motivo a promover o detonar de tal rumo evolutivo?

Ora, nunca antes ficou tão claro o significado primeiro do monolito, sendo possível até mesmo resumi-lo em uma única palavra: enigma. O monolito corporifica o enigma, o desconhecido. Sabemos que um dia fomos meros animais irracionais... Sabemos que, a partir de determinado momento, viemos a transcender tal dimensão... Contudo, talvez nunca descubramos ao certo em que instante da escala evolutiva isso ocorreu, como se deu e porquê. Se, por um lado, a aparição do monolito é a mera corporificação do enigma do homem, por outro nos sinaliza a natureza perfeita e equilibrada de tal acontecimento cósmico. Cabe ao espectador, portanto, aguardar o desenrolar do filme à espera de alguma outra indicação que o ajude a decifrar o enigma.

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II - Apenas Aperfeiçoamos os Ossos

O salto passado/futuro é extraordinário. Tal passagem, embora pareça um tanto brusca à primeira vista, descortinará uma aproximação constantemente maior entre osso e nave, animal e homem.

Prestem atenção, no entanto, na caneta que flutua dentro da espaçonave. A associação é genial: de todos os instrumentos de poder que o osso tornar-se-ia, poucos teriam tanta força quanto a caneta.

O osso transforma-se na espaçonave (percebam que trata-se de um satélite bélico, apontando seu poderio nuclear em direção à Terra), mas também transforma-se na caneta, com tudo que ela pode significar como instrumento de poder.

Alterando um pouco a estrutura do ensaio, passarei a citar recortes de algumas seqüências, seguindo a ordem cronológica da obra. Isso se faz necessário porque, daqui para frente, o filme se dedica a nos provar (com bastante sutileza) que a evolução humana consistiu apenas num aperfeiçoamento dos ossos, ou seja, que o animal e o homem estão muito mais próximos do que podemos supor.

Portanto, para facilitar a identificação desses trechos pelo leitor, passarei a colorir os títulos dos recortes que sugerem, subliminarmente, uma aproximação entre passado e futuro, animal e homem.

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A Conversa com a Filha

A bordo da estação orbital, Dr. Heywood Floyd faz uma ligação para sua casa (o picture phone apresenta um monitor onde é possível visualizar a pessoa com a qual se conversa). Era aniversário de sua filha e ele havia telefonado para parabenizá-la. Coincidentemente, a própria menina recebe a chamada e o que parece, a partir de então, apenas uma conversa descompromissada entre pai e filha, torna-se o primeiro dado a sinalizar as interseções que aproximam passado e futuro.

Perguntando à menina a respeito da mãe, Floyd obtém como resposta que ela havia saído para fazer compras. Indagando, em seguida, a respeito de Rachel (talvez uma babá), ele obtém como resposta que a mesma encontrava-se no banheiro. Ora, temos aí dois dados que nos autorizam a estabelecer as primeiras interseções que aproximam o homem do animal.

O fazer compras nada mais é que uma maneira sofisticada de tratar de um assunto antigo: conseguir utensílios e mantimentos necessários à sobrevivência (comida, roupas, medicamentos...). Da mesma forma, o fato do homem viajar através do espaço não fez com que ele deixasse de ir ao banheiro.

O Controle da Informação

Conversando com um grupo de astronautas russos, Dr. Floyd (que é norte-americano) é indagado a respeito do motivo pelo qual uma das espaçonaves russas teria sido proibida de fazer uma alunissagem de emergência na base de Clavius, assim como acerca do boato de haver uma epidemia de origem desconhecida alastrando-se por tal base.

Com o intuito de preservar a informação acobertada por tal boato, Floyd diz não estar autorizado a comentar tais questões, desculpando-se.

Num nível avançado, o controle da informação seria um importante osso a potencializar o poder perante o outro. Milhares de anos após o confronto pelo domínio da fonte de água, o grupo norte-americano enfrenta o grupo rival (e percebam que, entre ambos, sobre a mesa, temos copos com bebida).

A Necessidade Eterna

Presente de forma acintosa durante todo decorrer do filme, a necessidade de alimentação afirma-se eterna. Embora na parte espacial o alimento apresente-se sob forma sintética, seu fim permanece inalterado: suprir essa necessidade básica do animal.

Apontamentos Finais sobre o Capítulo II

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Os recortes aqui apresentados não deixam dúvidas quanto ao intuito de seus criadores: mostrar que aperfeiçoamos nossa subjetividade (e, conseqüentemente, nossos ossos), mas, basicamente, continuamos impulsionados na direção e no sentido dos mesmos fins que nos movem há milhares de anos.

É possível perceber, durante todo o desenrolar dessa parte do filme, que há uma certa insistência no tocante à exibição das maravilhas tecnológicas construídas pela mente humana: estações orbitais, espaçonaves, bases lunares... Será que Kubrick e Clarke realmente acreditavam que a tecnologia, num espaço de apenas 33 anos, alcançaria tamanho avanço técnico e científico?

Hoje, sabemos que ambos temiam idealizar um futuro que estivesse obsoleto no ano de 2001, o que funciona como uma possível justificativa para tamanho exagero. No entanto, devemos estar atentos à possibilidade dessa opulência desempenhar uma função simbólica na narrativa do filme. Vamos, então, aguardar o desenrolar da trama à espera de alguma resposta.

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III - O Enigma se Perpetua

A Descoberta

Milhares de anos após o detonar da consciência, o homem descobriria, enterrado na Lua, o monolito. Um fato, no entanto, diferenciaria o momento pré-histórico do lunar: no primeiro caso, o monolito foi de encontro ao homem-macaco e, no segundo, o homem (habilitado por sua consciência) foi à procura do monolito – atraído pelo campo magnético do mesmo.

Ora, analisemos tal descobrir tendo em mente as conclusões alcançadas no capítulo I: se o monolito é compreendido como o enigma, o desconhecido, o como e o porquê do detonar da consciência, o que significaria a sua descoberta pelo homem?

Assim como em determinado momento de nossa evolução biológica viemos a transcender o viver irracional, mais tarde, com o conseqüente aperfeiçoamento de nossa subjetividade, viríamos a alcançar, inevitavelmente, a consciência da existência do monolito (viríamos a descobrir sua existência a partir do momento em que o enigma fosse, por nós mesmos, formulado).

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O toque do homem no monolito, contudo, é tão superficial, tão impenetrante quanto o do irracional homem-macaco. Os milhares de anos que separam a incipiente consciência que construiu o osso daquela que construiu tamanha opulência tecnológica parecem perdidos na escuridão obturadora do monolito. Assim como com seu ancestral primitivo, o homem encontra-se abaixo da altiva pedra (menos abaixo, é verdade, mas ainda muito distante de decifrá-la).

A Crise

Um zunido ensurdecedor faz-se ouvir dentro da mente dos astronautas que circundavam a pedra misteriosa. Surpreendidos, levam as mãos instintivamente aos ouvidos, mesmo estando equipados com capacetes. Acima do monolito, finalizando a seqüência (como no take final da aparição pré-histórica), podemos observar a conjunção.

Por que o homem seria, naquele momento, submetido a tão agressivo zunido? O que seria aquilo que subitamente o atormentara?

A consciência que descobriu o monolito (formulou o enigma), descobriu igualmente a sua incapacidade de decifrá-lo. O zunido que atormenta a mente do homem é a crise de uma consciência que confronta-se com a incapacidade de compreender o enigma, o que, conseqüentemente, remonta à própria incapacidade do homem compreender a si mesmo – o não saber o como e o porquê de nossa consciência remonta aos porquês que formulam a crise humana mais profunda: quem sou? De onde venho? Para onde vou?

Vamos analisar novamente a seqüência e, então, traçar seus diferentes momentos:

1 - O homem descobre o monolito (formula o enigma: o como e o porquê da consciência)

2 - O homem lança o olhar sobre o monolito e o toca (tenta decifrar o enigma)3 - O homem afasta-se sem respostas (descobre sua incapacidade de decifrá-lo)

4 - Soa um alarme na mente do homem (desencadeia-se a crise humana mais profunda: quem sou? De onde venho? Para onde vou?)

Na trama superficial do filme, o zunido foi interpretado como sendo uma emissão de rádio dirigida ao planeta Júpiter... Mas percebam que, na trama simbólica, Júpiter simboliza o findar da consciência, a morte. Claro! Quando o homem descobre-se incapaz de decifrar o enigma (o como e o porquê de sua consciência), resta uma única certeza: o tempo para solucioná-lo se esgota a cada dia (daí o desencadear da crise).

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Um dado, entretanto, parece destoar: se o take da conjunção sinaliza o equilíbrio, qual seria o porquê de sua inclusão simultaneamente a tão agressivo zunido? Ora, se o zunido simboliza o desencadear de tal crise, a conjunção vem a avalizar a condição de equilíbrio, de perfeição desse desencadear.

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IV - Missão Júpiter (a busca continua)

A bordo da espaçonave Discovery I, dezoito meses após o episódio lunar, cinco astronautas (três deles hibernados) rumam para o desconhecido, na primeira viagem tripulada ao distante planeta Júpiter.

A seqüência que introduz o dia-a-dia dos astronautas Frank Poole e David Bowman (Dave) descortina, já nos primeiros takes, várias interseções que voltam a aproximar passado e futuro, animal e homem.

O Dia-a-Dia da Viagem

Exercitando-se no salão giratório (capaz de simular artificialmente a força gravitacional), Frank golpeia o ar com os punhos à semelhança de um pugilista em treinamento. O exercitar de tal ato com os punhos é, certamente, um dado que nos remete a uma das mais antigas situações a qual o homem esteve submetido: o confronto, em nível físico, com o outro – certamente o mais primitivo nível de afirmação de poder. O vislumbre do significado de tal ato em meio a toda tecnologia presente na centrífuga arranca, inevitavelmente, um breve sorriso daquele espectador mais atento.

Outro dado novamente apontado é a necessidade eterna do homem alimentar-se. Com o simples apertar de botões a máquina de alimentação fornece ao astronauta recipientes contendo alimentos de diferentes cores, porém de igual aspecto. Não ser mais necessário caçar, pescar ou colher para saciar a fome, contudo, é um mero detalhe.

Todavia, talvez seja a partida de xadrez entre Frank e o supercomputador HAL 9000 uma das mais sutis interseções do filme. O confronto entre o homem primitivo e seu oponente perpetuar-se-ia, ao longo do tempo, através dos mais variados níveis da vida humana: o jogo de xadrez reproduz não

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somente a disputa pelo poder, como também, através da divisão hierárquica de suas peças (rei, bispo...), reproduz a complexa estratificação que o mesmo sofreu durante o caminhar evolutivo da humanidade.

Percebam que, ao final do confronto do xadrez, assim como na disputa pelo domínio da fonte de água, um dos lados sucumbe: xeque-mate. Se olharmos cuidadosamente ao redor, descobriremos o confronto primitivo metamorfoseado no confronto do jogo, na potência do automóvel, no consumo exibicionista...

HAL 9000 – O Supercomputador

Naquele monótono percurso até o distante planeta, Frank e Dave podiam contar com a presença de um terceiro tripulante não-hibernado: o supercomputador HAL 9000, o primeiro dispositivo eletrônico dotado de inteligência artificial.

Sua extrema eficiência livrava os astronautas de praticamente todas as tarefas relativas à gestão da espaçonave, o que, por outro lado, provocava nos mesmos um receio não declarado acerca da sobrevivência de todos estar submetida ao correto funcionamento da máquina. HAL, por sua vez, tinha plena consciência de residir no homem a possibilidade de sua morte (a possibilidade de ser desconectado). Contudo, enquanto a relação entre homem e computador permanecesse interessante a ambos, tudo decorreria na mais perfeita ordem.

A Mensagem dos Pais

Tendo seu descanso interrompido por uma ligação proveniente da Terra, Frank recosta-se de forma a melhor ver o monitor. Numa súbita aparição, seus pais parabenizam-no por completar, naquele dia, mais um ano de vida.

Ora, isso não nos lembra algo? Sim, a conversa entre o Dr. Floyd e sua pequenina filha. Prestemos atenção, no entanto, naquilo que opõe ambos os casos: enquanto, no primeiro, a menina recebe com alegria os votos de felicidades pelo seu aniversário, no segundo, Frank reage com a mais pura indiferença. Muitos, certamente, atribuirão a reação de Frank ao fato de tratar-se de uma mensagem gravada que viajou centenas de milhões de quilômetros através do espaço e, assim sendo, não significa mais do que um momento perdido num breve passado. Contudo, pode ser algo mais: na inocência de seus quatro, cinco anos de idade, a pequenina ainda não tinha consciência do verdadeiro significado de tal acontecimento – Parabéns! Menos um ano de vida! Aos seus trinta e poucos anos, Frank certamente já sentira a crise do reconhecer-se finito.

Durante a mensagem, o pai diz já ter regularizado o pagamento AGS19 do filho, motivo pelo qual Frank receberia um aumento no mês seguinte... Ora, o aumento no pagamento nada mais é do que uma outra

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forma de se dizer o seguinte: com tal aumento, sua capacidade de sobreviver será otimizada. Após milhares de anos de evolução, o que temos são apenas ossos aperfeiçoados.

O Vôo no Espaço

Outra interseção, extremamente sutil, consiste em acompanharmos a aceleração progressiva da respiração de Dave quando ele se aproxima do momento do vôo fora do módulo. Por detrás do capacete e de toda aquela tecnologia fantástica, o animal reage com medo frente a iminência de perigo.

HAL Enlouqueceu?

HAL, o supercomputador infalível, falhara. Seu ego artificial, programado para reconhecer-se sempre perfeito, caíra em crise: o erro na análise da unidade de comunicação AE-35 lançou por terra todas as suas convicções, todas as verdades às quais havia sido (desde o dia em que fôra ligado) programado a acreditar.

Atordoado por suas dúvidas e vendo cada vez mais próximo o momento em que seu erro seria descoberto pela tripulação (o que acarretaria em seu desligamento), HAL vislumbra um único caminho a seguir: manter-se vivo.

HAL não enlouqueceu quando decidiu matar os tripulantes da Discovery! Não havia outra saída: ou matava ou era desligado! Embora sua natureza eletrônica o afastasse de experimentar qualquer impulso instintivo, o simples fato de saber-se consciente já bastava para que temesse o findar de sua existência.

Lutando para não ser desconectado, HAL recusa-se a abrir a porta da nave – vencerá o confronto aquele que fizer melhor uso dos ossos disponíveis (no caso de HAL, manter as portas fechadas... No caso de Dave, utilizar os braços mecânicos e os explosivos da porta do módulo).

Não importa se o confronto se dá entre norte-americanos e russos... Entre HAL e Dave... A partir do momento em que existe o outro, o confronto já tem lugar, inevitavelmente. O jogo fotográfico da Discovery frente a frente com o módulo reproduz, milhares de anos após, o confronto primitivo pela fonte de água, ou seja, a luta pela sobrevivência... E, tratando-se de sobrevivência, não há lado mais legítimo: a atitude de HAL é tão legítima quanto a decisão de desconectá-lo, tomada por Dave e Frank.

Kubrick e Clarke desenharam HAL para que fosse visto como um computador, mas fosse olhado como um ser consciente de sua consciência (o que significa dizer, imediatamente, humano) e, portanto, capaz de temer o findar de sua existência. Se olharmos para HAL como um ser humano, notaremos que todas as suas atitudes foram absolutamente legítimas, pois tratava-se de sobreviver ou morrer.

Continuamos Sem Respostas

Após uma operação extremamente arriscada, Dave consegue entrar na Discovery, desconectando HAL o mais rápido possível. Entretanto, no momento em que o procedimento de desconexão é finalizado, Dave é surpreendido por uma gravação proveniente de um monitor. Nela, Dr. Heywood Floyd surge a explicar o verdadeiro propósito da Missão Júpiter, informação mantida em segredo e só conhecida a bordo por HAL – estando sob a responsabilidade deste repassá-la aos tripulantes quando se aproximassem da órbita do distante planeta.

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Após uma breve explicação acerca da descoberta feita em solo lunar, Floyd é categórico ao declarar que, exceto por uma única emissão de rádio direcionada ao planeta Júpiter, o monolito de quatro milhões de anos permaneceu completamente inerte, sendo sua origem e finalidade um total mistério. E seria, a partir de então, no absoluto vácuo de respostas, que Dave levaria à frente aquela viagem solitária.

Apontamentos Finais Sobre o Capítulo IV

2001 é um filme de filigranas. Assista-o pela quinta, sexta, sétima... Vigésima vez... E ele sempre irá surpreendê-lo com novos detalhes imprevisíveis.

Quantos terão percebido o fantástico detalhe no painel eletrônico do supercomputador HAL9000? Preste atenção à moldura que compõe o olho do computador e você verá, acredite, o monolito, com suas devidas proporções bidimensionais e seu colorido preto-fosco!

O mais incrível, no entanto, ainda está por vir: abaixo do olho, a moldura-monolito apresenta um prolongamento que destaca-se na forma de um retângulo acinzentado. Ao longo de todo o filme, só é possível observá-lo em close em um único take, >IA6< tendo o espectador, portanto, uma única chance de perceber que a superfície de tal prolongamento é composta por pequenos orifícios, ou seja, trata-se do alto-falante através do qual a voz de HAL é produzida. Se prestarmos atenção ao mesmo, no entanto, concluiremos que ele também faz parte do monolito: ele representa a parte enterrada, o alicerce que autoriza tal repouso vertical. >Gráfico<

Esse pequeno detalhe no esquema do painel nos autoriza a fazer conexões muito reveladoras: se a fala (o alto-falante) é o alicerce do monolito e este, por sua vez, simboliza o enigma do homem (o como e o porquê da consciência), podemos concluir que a fala é a base do enigma e, portanto, a existência deste se dá tão somente na consciência daquele que o formula.

Contudo, não podemos ignorar a inserção, no painel, do olho. Percebam como este, no que pertence ao monolito, está irrevogavelmente impossibilitado de lançar o olhar na direção do próprio. É como se os seus idealizadores estivessem sugerindo que, naquilo em que tentamos decifrar o enigma (o monolito), cometemos o erro de voltar o olhar à direção diametralmente oposta àquela em que o próprio enigma tem lugar, ou seja, tentamos sempre buscar a solução do enigma ignorando o fato de que sua origem está na própria consciência que indaga, pois ela o formulou.

Tal conclusão acerca desse equívoco diametral promovido pelo direcionamento do olhar não nos oferece outra saída senão lembrarmos do mito da caverna, idealizado por Platão em A República: vivemos voltados para as sombras que são projetadas no fundo da caverna, dando as costas para a luz que penetra por sua entrada. Somos induzidos ao erro pois nossa consciência desperta para o mundo enganada por nossos olhos, enganada pelo que nos é dado a ver.

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V - Júpiter e Além do Infinito

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Após aquela longa viagem solitária, Dave finalmente chegaria ao distante planeta. Tal seqüência (aberta pelo título transcrito acima) e tudo que nela se desenrola até o término do filme, certamente, consiste num dos desfechos mais incompreendidos da história do cinema.

Contudo, não seria preciso nem mesmo assistir àquilo que antecedera tal seqüência para vislumbrar o que o próprio título explicita, no instante seguinte ao seu desaparecimento.

Após o desaparecer do título, um suave movimento de câmera faz surgir o imponente planeta Júpiter, a contrastar sua face iluminada à negritude abrupta do universo... Inesperadamente, surge o monolito a flutuar no vácuo, delineando uma trajetória aparentemente incerta.

Como é explícita a conexão estabelecida entre título e imagem!! O monolito é o Além do Infinito! Ele é aquilo que está além da compreensão de nossa consciência, ou melhor, é o que está além da própria consciência e, portanto, além do próprio universo tridimensional que construímos em nossas mentes, dentro do qual residem os conceitos de finito e infinito (e sem o qual seria impossível pensar de qualquer modo).

Atribuímos comumente ao universo o caráter infinito, contudo, isso não significa que tenhamos alcançado a verdade do infinito. A prova do quanto estamos distantes de alcançá-la está na própria leitura tridimensional que fazemos do universo, naquilo em que tentamos pensá-lo infinito: a união de um número sem fim de estrelas, planetas, satélites, galáxias, etc., todos soltos num vácuo igualmente sem fim e separados entre si por medidas numéricas de espaço e tempo.

É um tanto óbvio que a verdade do infinito não está nesse infinito numérico que criamos para que nossa limitada consciência tridimensional pudesse lidar com aquilo que transcende seus limites dimensionais (que transcende a própria consciência). Percebam que o monolito, antes de tudo, representa as três dimensões (comprimento, largura e altura) e isto é tudo que nossa consciência consegue olhar – exatamente por isso, somos incapazes de decifrá-lo.

O monolito é o Além do Infinito... Ou seja, o monolito é a verdade acerca do universo, a verdade acerca de toda força, de toda energia, de todo movimento, de todo acontecimento cósmico... E, assim sendo, a verdade inatingível por nossa limitada consciência tridimensional.

O monolito é o Além do Infinito e não o infinito, porque o próprio conceito de infinito pressupõe automaticamente a existência do finito, o que nos remete a um universo tridimensional. O monolito está além da compreensão de nossa consciência porque está além da própria consciência.

Acredito que existem questões para as quais a ciência nunca terá respostas. Acho difícil, por exemplo, que um cientista consiga explicar por que o universo está aqui e qual é a razão da vida. Gosto muito de uma frase escrita por J.B.S. Haldane: ´O universo não é apenas mais estranho do que imaginamos; ele é mais estranho do que podemos imaginar`.

Arthur C. Clarke (entrevista publicada na revista VEJA de 13/11/1996)

O Espetáculo e a Insustentabilidade do Olhar

A primeira conjunção desencadeou o processo que culminaria na consciência... A segunda marcara o momento em que a consciência formularia o enigma do homem, o como e o porquê da própria consciência – o que, no vácuo de respostas, acabaria detonando a crise humana mais profunda: quem sou? De onde venho? Para onde vou? >IA8< Agora, saindo da Discovery dentro do pequenino módulo espacial, Dave observa uma nova conjunção.

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Subitamente, acima dessa, um espetáculo de luzes, raios e explosões tem início, expondo aquela consciência a estímulos jamais experimentados!!

Enquanto Dave cerra os olhos na esperança de aliviá-los de tamanha luminosidade, uma vibração constantemente maior dificulta gradualmente que o espectador reconheça seu rosto...

...até que mesmo, então, transforma-se num borrão irreconhecível – na impossibilidade do olhar efetuar a leitura daquilo que é dado a ver, a própria identidade da consciência que o lança fragmenta-se (o olhar seguinte seria de terror).

O espetáculo se sucede ininterruptamente. O terror que assola a consciência de Dave aproxima-se da loucura. O conhecido universo tridimensional transformara-se em algo tão radicalmente abstrato que tornara impraticável qualquer tentativa de associar tais estímulos a algo conhecido. O raio de alcance do olhar estava, definitivamente, insulado nos limites infinitamente reduzidos do módulo (e do cérebro de Dave).

Inesperadamente, o caos perdera seu fundamento radical, sendo possível, então, criar associações (mesmo que ainda duvidosas).

O dado a ver, agora, lembra diamantes a reluzir... Parece cenas observadas em microscópio (células, tecidos...), um pequenino feto... E, ao mesmo tempo, tem-se a impressão de observar cenas cósmicas (galáxias, nebulosas...). Gradualmente, o caos dá lugar à dimensão inteligível.

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O Eterno Retorno

O dado a ver, agora, tornara-se perfeitamente identificável ao olhar: é possível reconhecer oceanos, planícies, vales, montanhas...

Percebam como tais cenas remontam às cenas pré-históricas do início do filme! Mas... Qual seria o significado desse retorno?

Dando seqüência às paisagens, temos um take a enquadrar um dos olhos de Dave. À medida que as imagens tornam-se mais familiares, o colorido refletido no olho decresce, até retornar à sua cor natural.

Vejam, no entanto, como o take do olho de Dave nos remete ao enquadramento do olho de HAL, ao olho cujo olhar está impossibilitado de mirar além do dado a ver – visto que está preso ao painel e, portanto, obrigado a direcionar o olhar apenas no sentido equivocado das sombras.

E nada mais aterrador, para Dave, que retornar ao dado a ver mais familiar ciente da incapacidade de penetrar naquilo que está além do próprio dado a ver... Após toda a enigmática viagem vivida até então, a imagem que transpõe a janela do módulo faz com que ele experimente uma angústia singular – experimentada única e exclusivamente pela consciência que alcançou tal momento da odisséia.

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VI - A Suíte de Hotel

Diante do que via, imaginou que a loucura já estivesse começando a tomar conta da sua mente. Pensara que estava preparado para qualquer coisa. Porém, aparentemente a coisa mais inesperada era, também, a mais banal. Sua cápsula estava pousada no assoalho polido de uma elegante suíte de hotel, dêsse tipo que se pode encontrar em qualquer grande cidade da Terra.

(...)Era preciso admitir que, se estivesse louco, suas alucinações estavam muito bem ordenadas. Tudo parecia perfeitamente real. Na verdade, o único elemento incongruente, em meio àquela cena, era a própria cápsula.  CLARKE, Arthur C.; 2001:Odisséia Espacial; pág.274 / 275; Ed. Expressão e Cultura (1968); Rio de Janeiro, Brasil

O Homem Fora do Módulo

A aparição desperta calafrios. Diante da janela do módulo, uma pessoa equipada com um traje espacial idêntico ao de Dave surge a encará-lo.

Os takes seguintes, entretanto, denunciariam algo ainda mais surpreendente: Dave confrontava-se consigo mesmo, décadas mais velho! Ele assombrara-se com a visão de sua própria imagem!

Caminhando através do recinto com a lentidão característica de sua idade avançada, Dave lança o olhar ao redor como nunca o lançara antes: embora tudo fosse absolutamente familiar, em nada diferente das dezenas de elegantes suítes de hotel que freqüentara ao longo de sua vida na Terra, o olhar, àquela altura do decorrer da odisséia, era outro muito diferente.

O recinto que investigava apresentava uma cama de casal, além de várias cadeiras, mesinhas e algumas obras de arte, tudo disposto com a mais impecável e equilibrada das composições decorativas. No centro exato de uma das paredes havia uma porta. Ao cruzá-la, Dave vislumbrou um banheiro requintado à altura do cômodo que deixara para trás.

Tudo naquele local parecia ter sido projetado com intencional perfeição. Até mesmo a junção das enormes lajotas resplandecentes do assoalho pactuava com aquela arquitetura primorosamente equilibrada. No banheiro, nem mesmo as toalhas fugiam à regra.

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Havia, contudo, algo em desequilíbrio, algo imperfeito... Ao aproximar-se do espelho, a crise da finitude afirmava-se em incontáveis rugas – quão dolorosamente dilacerador era aquele confronto!

Àquela altura da viagem, no entanto, Dave já sabia o quanto seria inútil qualquer tentativa de responder a mais esse porquê, o qual, certamente, tornar-se-ia apenas mais um de seus enigmas eternos.

O Fim da Odisséia e a Eternidade do Enigma

Voltando-se do espelho do banheiro à porta, Dave observa um senhor vestido com um roupão azul-marinho, a fazer sua refeição sentado numa pequenina mesa. Subitamente, como se este sentisse a presença de Dave a observá-lo, o tilintar dos talheres na louça é interrompido.

A fim de esclarecer a dúvida que o fizera interromper sua refeição, o homem põe-se de pé, dirigindo-se em seguida ao banheiro. Dave, porém, não estaria mais lá: ele próprio era o senhor! Tanto o módulo quanto o traje espacial haviam desaparecido sem deixar vestígios (talvez ambos nunca tenham existido).

Esclarecido o equívoco, Dave retorna àquela tarefa indispensável à sua sobrevivência. No entanto, um detalhe era perceptível: a comida artificial desaparecera. Até mesmo o cálice continha a mais natural das bebidas: água. Teria o módulo existido um dia? O traje espacial? A comida artificial? Teria até mesmo aquela longa viagem interplanetária acontecido?

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Num movimento descuidado, Dave derruba o cálice ao chão. Os cacos no assoalho eram um fato – seria impossível voltar atrás para evitar tal momento. Após erguer o olhar dos cacos à cama, ele não mais estaria sentado à mesa.

Deitado em seu leito de morte (nitidamente mais velho), ele chegara ao findar da odisséia, ao momento do confronto final. Frente a frente com o monolito, Dave reuniria as poucas forças que ainda lhe restavam para uma última investida, levantando uma de suas mãos em menção de tocá-lo. Entretanto, os poucos metros que, aparentemente, separavam homem e desconhecido eram, àquele braço de extensão tão limitada, uma distância imensa – assim como era imenso o equívoco daquela consciência que, na busca pela compreensão do enigma, lançava-se a estender o braço.

Lentamente, os comos e os porquês acumulados ao longo de toda uma vida dissolviam-se juntamente com a consciência que os formulou (no enquadramento da fotografia, o equilíbrio se afirma).O leito de morte, contudo, é também o leito de vida! Flutuando sobre a cama, envolto num globo de luminescência ofuscante, um feto aguarda seu momento. Encerrado em seu cérebro, um potencial verdadeiramente grandioso descansa à espera dos infinitos estímulos que, em breve, irão tocá-lo. Em não muito tempo, ele formulará seus enigmas mais profundos.

Inicia-se em seguida, a partir do enquadramento abaixo, um movimento em travelling que aproxima gradualmente a câmera do centro do monolito (simulando o aproximar do feto, por flutuação).

Quando o monolito toma todo o quadro, preenchendo-o com sua negritude, o mesmo transforma-se no universo, onde podemos observar, então, a flutuar serenamente, a Lua e a Terra.

Um terceiro globo, contudo, surge inesperadamente. Afirmando sua condição de igualdade com aquele planeta que se avizinha, o feto flutua no universo >IA9< que, por sua vez, tornou-se um útero infinito a abrigar todas as consciências que nele tinham existência... Mas, como em toda existência uterina, chegaria o dia em que essas consciências nasceriam para uma nova dimensão, além do infinito.

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VII - Conclusões Finais

Assim Falou Zaratustra

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O tema Assim Falou  Zaratustra (Richard Strauss, 1896) marca dois momentos extremos da existência humana: o detonar da consciência (cena do osso) e o nascer da consciência para uma nova dimensão (cena do feto).

Contudo, as pessoas se esquecem que Assim Falou Zaratustra foi tocado, primeiramente, na abertura do filme, quando era possível observar a conjunção LUA-TERRA-SOL. São, portanto, três momentos, e não apenas dois. Mas qual seria o primeiro nascimento, marcado pela primeira execução de Assim Falou Zaratustra? Qual seria esse primeiro momento de equilíbrio, marcado pela primeira conjunção?

Para que a consciência pudesse um dia despertar, para que ela pudesse, num momento hipotético qualquer, transcender a uma nova dimensão, seria preciso, antes de tudo, que a vida brotasse naquele planeta. A conjunção pré-histórica é, portanto, a segunda, pois ela nunca ocorreria sem a conjunção da abertura do filme, que marca o nascimento da vida na Terra.1 - A primeira execução da música marca o nascer da vida no planeta.2 - A segunda execução da música marca o nascer da consciência.

3 - A terceira execução da música marca o nascer da consciência para uma nova e imprevisível dimensão.

Percebam que o tema Assim Falou Zaratustra não é executado na cena da conjunção observada da Lua, pois não há nascimento nesse momento. O episódio lunar, como observado no capítulo III, simboliza um passo importante e inevitável no desenvolvimento de nossa subjetividade: o momento em que o homem, frente a impossibilidade de decifrar o enigma (decifrar o como e o porquê de sua consciência), sucumbe à crise humana mais profunda (quem sou? De onde venho? Para onde vou?) e vê o aproximar da morte como sua única certeza (o zunido, a emissão de rádio, apontava para Júpiter, para o momento da morte).

Não há como negar a relação óbvia entre a inserção da música, os acontecimentos do filme e o Zaratustra da obra poético-filosófica de Nietzsche (Thus Spoke Zarathustra, 1891). Os três momentos acima descritos representam os três passos que Nietzsche imortalizou como trajetória da evolução humana:

1 - O estágio do macaco.

2 - O estágio do homem.

3 - O estágio do super-homem.

A idéia do super-homem é a destruição do homem como fim. O homem, nas palavras de Zaratustra, é algo que deve ser superado (...) é uma corda estendida entre o animal e o super-homem , e exatamente aí está sua grandeza: ser ponte e não meta (...) ser ao mesmo tempo transição e declínio.

A Viagem Rumo a Júpiter

Após a análise aprofundada da trama, ficou claro que a aparição pré-histórica do monolito, a descoberta na Lua e a viagem rumo a Júpiter consistiram em artifícios simbólicos de construção da narrativa.

A viagem representava a odisséia da vida, a qual todos estamos irrevogavelmente submetidos e que, por sua vez, é parte integrante da odisséia da humanidade, iniciada desde o primeiro lampejo subjetivo ocorrido sobre a face do planeta.

Entretanto, poucos perceberam que as mortes ocorridas na Discovery estavam diretamente relacionadas ao significado simbólico da viagem: todos foram mortos (e até mesmo HAL fôra desconectado) pois a viagem que nos leva a Júpiter (que nos leva até o findar da consciência) é, obrigatoriamente, solitária! Por isso o caminhar do roteiro obrigou Dave a seguir seu rumo na ausência de companhia – até mesmo porque o confronto final, não há como negar, é absolutamente solitário.

O Retorno às Imagens Pré-Históricas

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Durante a odisséia da vida, formulamos nossos enigmas e empenhamo-nos em decifrá-los. Porém, acabamos sempre por descobrir que alguns enigmas nunca serão plenamente satisfeitos (certeza agravada pelo inevitável correr do relógio).

O retorno às imagens desérticas do início do filme, após toda aquela incompreendida odisséia, visa simplesmente remeter o espectador à estaca zero: após tão inusitado roteiro, após viajarmos tão distante no universo, acabaríamos por retornar às cenas do começo do filme (ao mundo conhecido do microscópio e do telescópio), no total vácuo de respostas.

O que quase passa desapercebido, no entanto, é o fato de que já havíamos retornado às imagens pré-históricas muito antes da viagem rumo a Júpiter! Como assim? Ora, vamos lembrar das cenas observadas na Lua, enquanto Dr. Heywood Floyd seguia em direção ao monolito.

Percebam como somos obrigados a ver a paisagem desértica da Lua durante alguns instantes, antes que a espaçonave apareça. É como se fosse dito: olhe a paisagem pré-histórica! Olhe a paisagem desértica do início do filme!

E isso tudo faz bastante sentido. A descoberta do monolito (o momento em que o homem formula o enigma) acontece na Lua como um mero recurso da trama simbólica: assim como tardaria à humanidade pisar em solo lunar, grande também seria o tempo que a subjetividade humana levaria desde o incipiente detonar da consciência até a formulação do enigma.

Olhe a paisagem pré-histórica! Olhe a paisagem desértica do início do filme! Quando somos obrigados a observar a paisagem lunar sem a espaçonave, nos é dada a possibilidade de vislumbrar que a descoberta do monolito se deu na Terra e, obviamente, a Lua desempenha apenas papel simbólico. Vejam outro exemplo onde somos obrigados a ver apenas a paisagem, sem a espaçonave:

A espaçonave passa por detrás de uma formação rochosa e, durante alguns instantes, somos obrigados a ver apenas a paisagem, ou seja, nos é dada a possibilidade de retornar às imagens desérticas do início do filme e, principalmente, retornar o desenvolvimento da ação (a descoberta) ao planeta Terra.

Pactuando com esse raciocínio, vale lembrar que a viagem feita pelo Dr. Floyd da estação orbital até a base de Clavius, na Lua, tinha como fundo musical a bela valsa Danúbio Azul – que, como toda valsa, nos remete a um movimento circular, ao eterno retorno ao ponto de partida.

A Perfeição e o Momento Irrevogável

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Um detalhe cenográfico muito sutil pode ser observado se retornarmos à cena da suíte: percebam como Dave, naquilo em que assombra-se com a visão de sua própria velhice, tem ao fundo, tanto no quadro quanto nas peças que descansam sobre o aparador, ícones da juventude!

Sim! O momento dos amantes em contraposição ao momento irrevogável da velhice! O fato de Dave se ver equipado com o traje espacial, no entanto, é bem apropriado: tudo naquele ambiente é equilibrado e perfeito, mas o traje o mantém numa condição de isolamento, como se não participasse do equilíbrio e da perfeição circundante. >IA10<

O Impulso de Sobrevivência

Quando o senhor de roupão sente a presença de alguém às suas costas, ele se levanta da mesa e se dirige ao banheiro para verificar... Ora, trata-se do impulso de defesa!

Percebam que o roteiro trabalha o tempo todo a necessidade eterna de alimentação e de defesa. Se você está em sua casa e escuta algum barulho estranho ou percebe algo anormal, qual será sua atitude? Certamente, a atitude mais apropriada à manutenção de sua sobrevivência será investigar a origem de tal anormalidade!

1 - O senhor faz sua refeição (necessidade eterna de alimentação).

2 - O senhor decide esclarecer tal duvida (impulso de defesa).

Por mais remoto que seja o futuro, continuaremos sempre impulsionados na direção e no sentido dos mesmos fins que nos movem há milhares de anos.

A Troca Módulo / Mesa

É preciso assistir ao 2001 várias vezes para que possamos perceber detalhes como a troca Módulo/Mesa. Se olharmos cuidadosamente, notaremos que a mesa na qual Dave faz sua refeição foi colocada no local exato em que estava o módulo espacial... Quais conclusões estariam por trás dessa troca?

A resposta segue a lógica defendida até então: tanto o módulo quanto o traje espacial mantinham Dave vivo naquela odisséia através do universo...  Da mesma forma, o alimento que repousava sobre a mesa mantinha corpo e cérebro despertos, para que Dave pudesse levar à frente a odisséia da vida.

A Coincidência dos Nomes

A coincidência existente nos nomes HAL e IBM (no alfabeto, HAL está uma letra atrás de IBM) já causou polêmica e problemas suficientes. Em seu livro Os Mundos Perdidos de 2001 (Editora Expressão e Cultura/RJ), Arthur C. Clarke aproveita a oportunidade para esclarecer, de uma vez por todas, que tudo não passou de uma fantástica coincidência, e que de maneira alguma ele e Stanley pretendiam prejudicar aquela respeitável instituição. Continuando, Clarke demonstra matematicamente o tamanho da coincidência: a probabilidade de tal evento ocorrer era de 26 ao cubo, ou melhor, 17576 a 1.

Entretanto, o que poucas pessoas notaram é que HAL (nome criado de Heuristically programmed Algorithmic computer) tem pronúncia praticamente idêntica à palavra inglesa HOW.

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A Coincidência dos Números

Você certamente já pensou acerca do porquê de Clarke e Kubrick terem datado o filme em 2001 e não em 2000, estou certo? A resposta, no entanto, é muito simples: ao analisar o filme, descobrimos que sua temática está diretamente relacionada a palavras como nascimento, começo, início, surgimento... Ora, o ano de 2001 marca o início de um novo século!

Contudo, as coincidências continuam nos títulos das obras que dão seqüência ao 2001, o que reforça ainda mais a hipótese acima:

2010: Odyssey Two2061: Odyssey Three3001: The Final Odyssey

Percebam que 2010 é resultado da adição de 2001 e 9... Sim! 9 meses, o período que antecede o nascimento do ser humano, que antecede o começo de uma nova existência: a passagem da dimensão uterina para a dimensão extra-uterina...

Mas as coincidências continuam no livro seguinte: observem como 2+0+6+1=9... Observem  também que 20+61=81, ou seja, 9x9... E que, se fizermos as contas de trás para frente, teremos 16+02=18, ou melhor, 9+9...

O último livro, 3001, vem a repetir a justificativa de 2001: o início de um novo século, um novo começo... Nascimento, início, começo, surgimento... Palavras-chave para compreendermos o filme 2001 e os livros que deram continuidade à primeira obra.

Vocês lembram, no entanto, quantos meses separavam o episódio lunar da viagem rumo a Júpiter? 18, ou melhor, 9+9. Por coincidência, 18 meses é aproximadamente 18x30(dias), ou seja, 540(dias) e, fazendo as contas, 60 vezes o número 9. Mas antes mesmo disso tudo, percebemos que a própria soma dos algarismos do número 18 é igual a 9. Como se não bastasse tamanha coincidência, nosso amigo HAL chama-se 9000.

O Fantástico Toque de Stanley Kubrick

Os filmes assinados por Kubrick apresentam duas narrativas paralelas e distintas: a primeira, simplificada e superficial (dirigida ao público comum), e a segunda, alegórica e codificada (dirigida a um grupo reduzido de espectadores).

Na narrativa superficial, você acredita que o monolito foi deixado em nosso planeta para ensinar o homem-macaco a tornar-se humano, e passa a fazer perguntas como quem teria deixado aquele objeto lá? Nesta narrativa, você acredita que o homem descobre o monolito enterrado na Lua, acredita que HAL enlouquece devido a algum defeito em seus circuitos, acredita que Dave encontra uma suíte noutra dimensão qualquer...

Há, entretanto, a possibilidade de acompanharmos uma narrativa de alegorias, sinais e códigos. Foi tentando seguir essa narrativa simbólica que desenvolvi este ensaio.

Obviamente, muitos são os possíveis caminhos a serem explorados e, certamente, cada espectador é senhor de uma tese particular que, segundo suas verdades, encontra-se acima de qualquer julgamento. Contudo, o único e verdadeiro propósito de formularmos uma tese é buscarmos realizá-la no outro, motivo pelo qual decidi pela publicação deste site.

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VIII - Após Cinco Anos na Internet

A Nova Versão do Site

A versão atual substitui a que foi publicada em 2000. Julguei necessário substituir a anterior por dois motivos básicos: revisar o conteúdo do ensaio (excluindo, alterando ou adicionando informações) e promover uma reformulação no design da página.

Embora as mudanças no ensaio não tenham tocado a estrutura do mesmo, diversos pontos foram, por assim dizer, lapidados, de maneira que considero o texto de hoje muito mais adequado à proposta que o anterior, especialmente no que se refere à didática e ao teor dos fundamentos que autorizam as hipóteses.

Aqueles que conheceram a versão passada, certamente, perceberam uma mudança radical no design do site. Foram também incluídas as seções Sobre o Filme e MP3, além da ferramenta lupa, que possibilita ao internauta ampliar o tamanho do corpo da letra. Por fim, na seção Download, foram adicionados textos referentes ao tema, garimpados ao longo da internet.

Os E-Mails dos Internautas

Nesses cinco anos na web, por mais incrível que possa parecer, recebi cerca de 30 e-mails! Nem mesmo no ano de 2001, quando se voltou a falar do filme, o número aumentou. Em parte, esse comportamento pode ser atribuído ao fato de que, a partir de 1998, a prática do spam se tornou corriqueira no País, promovendo uma mudança na maneira com a qual o internauta seleciona seus endereços de destino (escolhidos com muito mais rigor).

Por outro lado, imagino se essa escassez não é conseqüência da atual pobreza mental pela qual atravessa o Brasil, visto que hoje até mesmo o meio universitário se encontra mergulhado numa ignorância crescente. De qualquer maneira, seja qual for o motivo, a média de seis e-mails por ano não sinaliza bons presságios para o nosso futuro.

Mesmo assim, os poucos e-mails que recebi me motivaram bastante, visto que apenas um se referia à minha digníssima pessoa como um doido varrido, que viajou completamente após exagerar na dose de ácido. De qualquer maneira, um e-mail desses dentre três dezenas de congratulações é uma marca excelente, até mesmo porque, antes de lançar o site, eu imaginava que minha mãe seria muito mais xingada que elogiada.

A verdade é que alguns e-mails propunham hipóteses e apontamentos bastante coerentes, como foi o caso da correspondência enviada por Urgel, sugerindo que o monolito da suíte, por estar sobre o piso, não mais teria uma parte enterrada... (observação que muito me intrigou e deixou o pobre Urgel sem resposta até hoje). Outro que viajou comigo, o Paulo, escreveu sugerindo que o nome HAL poderia não só ter sua pronúncia alterada para how (como comento na página 8), mas também para hell...

Embora eu ache um pouco forçado acreditar que podemos pronunciar HAL como hell, ele, sem querer, acabou me ajudando a bolar uma das hipóteses mais ousadas do ensaio – que não constava na primeira versão do site e que publico agora, sob o título A Unidade de Comunicação AE-35.

A Unidade de Comunicação AE-35

Acho que todos lembram da unidade de comunicação AE-35, que HAL diagnosticou, equivocadamente, como defeituosa, não lembram? Pois bem, quando comecei a pensar a respeito da pronúncia se alternar entre HAL e hell, o que acontecia basicamente? Ora, a troca da vogal [a] pela vogal [e]... De repente, num insight bem doido, lembrei da unidade AE-35!

Contudo, a coisa não para por aí. O alfabeto inglês contém as seguintes letras:

a-b-c-d-e-f-g-h-i-j-k-l-m-n-o-p-q-r-s-t-u-v-w-x-y-z

Se contarmos 35 letras a partir do [a] e, quando chegarmos na letra [z], continuarmos novamente pelo início, a vogal [i] será a trigésima quinta! Que coincidência, não acha? AE-35 ou AEI, a ordem com que aprendemos a dar os primeiros passos no sentido do aprendizado da escrita (A, E, I, O, U), a base primeira para que pudéssemos registrar o conhecimento e passá-lo às gerações futuras, potencializando, assim, o

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avanço evolutivo da humanidade – não me surpreende que o equipamento se trate de uma unidade de comunicação, indispensável à manutenção da vida de todos naquela viagem interplanetária.

Contudo, isso também nos autoriza a concluir a existência da nova variável HILL, que abre caminho para especulações ainda mais ousadas:

HAL-HELL-HILL

ou

HOW-HELL-HILL

ou

COMO caminhamos do INFERNO à COLINA? Ou melhor, que movimento é esse? Qual o porquê dessa força que leva o homem do inferno do animal em direção à ascensão do super-homem? Isso, obviamente, nos remonta aos comos e aos porquês que se perpetuam ao longo de todo o filme, e que terminam como enigmas eternos.

Bem, é claro que tudo isso não passa de especulação... Uma especulação bem doida e divertida, mas sem muito fundamento. De qualquer forma, prefiro um exercício de criatividade ousado (mesmo que equivocado) a restringir a mente àquilo que os olhos podem ver, àquilo que os dedos podem tocar. Não imagino vida de outra forma.

(FIM DO ENSAIO) -----------------------------------/////----------------------------------- (FIM DO ENSAIO)

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APÊNDICE – Informações Adicionais (lidas no site a partir de links inseridos no corpo do texto)

>IA1< – É interessante ressaltarmos que não somente o homem-macaco, mas também o próprio homem estaria submetido à condição de estar abaixo do altivo monolito.

>IA2< – O que também nos leva a concluir que o referencial é, obrigatoriamente, ponto integrante de tal alinhamento.

>IA3< – Dessa forma, assim como com o monolito, o homem-macaco tanto compartilha de tal equilíbrio quanto tem afirmada sua condição de igualdade com os demais elementos cósmicos.

>IA4< – Quando afirmo detonar da consciência refiro-me, obviamente, ao detonar do processo que, muito mais tarde, culminaria no desenvolvimento da fala e, aí sim, na consciência. É claro que o homem-macaco não saiu raciocinando como num passe de mágica (como se colocássemos um aparelho elétrico na tomada).

>IA5< – Quando afirmo o viver animal, objetivo, é transcendido, refiro-me ao viver unicamente na dimensão animal, pois, mesmo como seres vivos dotados de consciência, estaremos sempre subordinados a confrontarmo-nos com impulsos instintivos.

>IA6< – O take no qual HAL detecta a falha na unidade de comunicação AE-35.

>Gráfico< (IA7)

>IA8< – Quando a subjetividade humana alcançou o estágio de formulação do enigma (do como e do porquê da consciência), o homem não poderia nem supor que um dia pisaria na Lua (não imaginava nem mesmo o

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que tal bola luminosa poderia ser). A descoberta do monolito se dá nela como um mero recurso da trama simbólica: assim como tardaria à humanidade pisar em solo lunar, grande também seria o tempo que a subjetividade humana levaria desde o incipiente detonar da consciência até a descoberta do monolito (até a formulação do enigma).

>IA9< – No romance de Arthur C. Clarke, o monolito é o Portal das Estrelas e o feto, a Criança-Estrela. Quando o feto se aproxima do monolito, por flutuação (take final da cena da suíte), ele atravessa o Portal e surge diante da Terra. Percebam que o feto tem luz própria, como uma estrela, enquanto o planeta é iluminado por ele!

>IA10< – A velhice em contraposição à juventude é encarada como algo em desequilíbrio, como algo imperfeito, assim como àquilo que ela sinaliza: o aproximar da morte.

Mas percebam como o jogo fotográfico de enquadramento e composição, no take da morte de Dave, sinaliza exatamente o oposto! O equilíbrio fotográfico e cenográfico indica a condição de perfeição desse momento.

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