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Projeto “Diálogos de Madison” A política econômica da esquerda latino-americana no governo: o caso do Brasil 1

2006 10 22 Relatorio Governo Lula Revisto Rosa[2]

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Relatório sobre Brasil

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Projeto “Diálogos de Madison”

A política econômica da esquerda latino-americana no governo:

o caso do Brasil

Dezembro de 2006

Félix Sánchez, João Machado Borges Neto, Rosa Maria Marques,Mariana Ribeiro Jansen Ferreira e Vinicius Melleu Cione.

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Introdução

1 - Os objetivos de governo na campanha da eleição de 2002

A vitória de Luís Inácio Lula da Silva, concorrendo pelo Partido dos Trabalhadores (PT) nas eleições presidenciais de 2002, representou, sem dúvida, um dos marcos mais importantes na constituição de governos de esquerda na América Latina. Além de o PT ter sido considerado, por muitos anos, como um dos principais partidos de esquerda do continente (ou até como o principal partido de esquerda), as características do próprio presidente eleito (ex-retirante nordestino, ex-operário metalúrgico, ex-sindicalista) sugeriam que um representante legítimo do povo brasileiro havia chegado ao poder ou, pelo menos, ao governo. Portanto, havia muitas razões para que o novo governo fosse considerado um autêntico governo popular.

Todavia, desde o início dos anos 1990, o PT passava por um processo de mudanças, de forma que suas características mais radicais vinham sendo atenuadas numa medida considerável. Lula fazia um grande esforço para ser mais bem aceito pelos setores empresariais. Um passo mais forte nesta direção foi dado na própria campanha eleitoral de 2002, com a aliança do PT com o Partido Liberal (PL), que indicou o grande empresário José Alencar (então senador) para candidato a vice-presidente.

Todos esses esforços não foram suficientes, no entanto, para fazer de Lula um candidato bem aceito pelos setores empresariais. Quando as indicações de que ele poderia vencer as eleições foram se acentuando, começou um processo de fuga de capitais e de grande especulação contra a moeda brasileira. Os “mercados” mostravam sua inquietação.

Nesse contexto, no mês de julho, o candidato Lula divulgou um documento, intitulado Carta ao Povo Brasileiro, onde reafirmou compromissos com as mudanças desejadas pela população, anunciou “respeito aos contratos” e garantiu que qualquer mudança seria “fruto de uma ampla negociação nacional”. Como este documento passou a ser considerado uma espécie de síntese do programa de governo da candidatura Lula, é útil citar algumas de suas frases mais importantes, que resumem seu sentido geral:

O PT e seus parceiros têm plena consciência de que a superação do atual modelo, reclamada enfaticamente pela sociedade, não se fará num passe de mágica, de um dia para o outro. […] Será necessária uma lúcida e criteriosa transição entre o que temos hoje e aquilo que a sociedade reivindica. O que se desfez ou se deixou de fazer em oito anos não será compensado em oito dias. O novo modelo não poderá ser produto de decisões unilaterais de governo, tal como ocorre hoje, nem será implementado por decreto, de modo voluntarista. Será fruto de uma ampla negociação nacional, que deve conduzir a uma autêntica aliança pelo país, a um novo contrato social, capaz de assegurar o crescimento com estabilidade. Premissa dessa transição será naturalmente o respeito aos contratos e obrigações do país. As recentes turbulências financeiras devem ser compreendidas nesse contexto de fragilidade do atual modelo e de clamor popular pela sua superação [Lula, Carta ao Povo Brasileiro, 22/06/2002].

Nesta carta, Lula não se reivindica propriamente como “de esquerda”, e nem como um representante dos trabalhadores ou do povo, em oposição às classes dominantes. Pelo contrário: procura falar explicitamente para toda a sociedade,

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anunciando uma ampla negociação nacional que conduziria a um “novo contrato social”. Fala, em especial, para os “mercados” que estavam inquietos: por isso o ponto central da Carta são as garantias oferecidas de que o candidato, se eleito, respeitaria todos os “contratos”.

Cabe indagar o quê desta síntese das intenções do candidato conservava de idéias “de esquerda”. Nela destacam-se dois aspectos: a ênfase na necessidade de mudanças (são mencionadas as mudanças “desejadas pela sociedade”) e a manutenção da crítica ao governo de F. H. Cardoso. Nenhuma das duas é, em si mesma, “de esquerda”. Mas, no contexto em que foram enunciadas, e levando em conta o conteúdo das críticas que Lula e o PT vinham fazendo ao governo de até então, a “mudança” parecia significar o abandono de um modelo neoliberal em direção a uma retomada do desenvolvimento nacional. Se nada na Carta, ou em que tudo o que foi dito por Lula e pelo PT na campanha de 2002, apontava para um esforço de construção de uma sociedade socialista (sentido dado tradicionalmente a uma proposta de esquerda), havia, por outro lado, uma indicação de que se buscaria um modelo “desenvolvimentista”.

Além disso, o conjunto dos pronunciamentos do candidato, se não apontava nem remotamente para a idéia de um governo dos pobres contra os ricos (muito pelo contrário: o candidato se apresentou sempre na campanha como “Lulinha Paz e Amor”, deixando claro que não patrocinaria nenhum conflito social), indicava que o candidato governaria para o conjunto da sociedade. Isto se contrapunha ao governo de F. H. Cardoso, visto como governo para os mais ricos, e implicava que haveria uma preocupação especial com os pobres e com a inclusão social, e que seria promovida uma redução das desigualdades sociais.

Ou seja: as idéias básicas da campanha poderiam ser resumidas como:

a) superação do modelo econômico do governo F. H. Cardoso (ou seja, do modelo neoliberal);

b) implementação de um modelo desenvolvimentista;

c) implantação de um governo para toda a sociedade, com uma especial preocupação com os mais pobres, que buscaria a redução das desigualdades sociais.

Os documentos programáticos oficiais da campanha (principalmente o Programa da Coligação Lula Presidente — Um Brasil Para Todos), aliás, reforçavam esta interpretação. No então contexto mundial, este “desenvolvimentismo social” poderia ser considerado, por muitos, suficiente para a caracterização de sua proposta como “de esquerda” (de uma esquerda moderada) — ou, pelo menos, como “progressista”.

A Carta ao Povo Brasileiro pode, então, ser considerada como o enunciado de um sentido geral do programa e de uma estratégia de governo: a idéia de que as mudanças indicadas seriam feitas de forma gradual e a partir de negociações, numa “transição” entre o modelo existente e o novo modelo desejado.

É desta formulação dos objetivos do governo e de sua estratégia para alcançá-los que convém partir para fazermos um balanço do governo Lula e, em particular, da sua política econômica.

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2 - A montagem da equipe econômica do governo

Se na campanha o candidato Lula passou a idéia de que promoveria um processo gradualista de mudanças, desde a montagem do governo esta perspectiva começou a se esvaziar. A nova equipe econômica foi marcada pela presença de expoentes do governo de F. H. Cardoso ou vinculados ao seu partido (o PSDB); indicou, portanto, uma tendência mais de continuidade do que de mudanças, ainda que graduais.

Para presidente do Banco Central foi indicado Henrique Meirelles, ex-presidente internacional do Banco de Boston, e que havia acabado de ser eleito deputado federal pelo PSDB (o partido de F. H. Cardoso). Este, por sua vez, além de elogiar a condução anterior do BC, manteve toda a diretoria da instituição. Coisa semelhante aconteceu na montagem da equipe do Ministério da Fazenda: foram indicados alguns nomes vinculados ao governo anterior ou identificados com as suas políticas. Ora, o Banco Central e o Ministério da Fazenda dominam amplamente a política econômica.

Além disso, para dois outros ministérios com peso na área econômica (o Ministério do Desenvolvimento e o Ministério da Agricultura) foram nomeados grandes empresários com vínculos com os partidos do governo anterior.

Por outro lado, o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, ainda que fosse um quadro tradicional do PT, mostrou desde o início da sua gestão grande identidades com os princípios ortodoxos de política econômica. Aliás, coube a ele, já em seu discurso de posse como ministro, esvaziar explicitamente a idéia de que haveria um processo de transição para um novo modelo econômico. Ele disse o seguinte:

O tema da transição despertou ansiedade sobre o que viria depois da fase de transição, especulou-se sobre o fim dos superávits primários, o fim das metas de inflação e do regime de câmbio flutuante e a adoção de medidas não convencionais e inventivas na condução da política macroeconômica. A essas legítimas perguntas respondemos de forma inequívoca: o novo regime já começou; a boa gestão da coisa pública requer responsabilidade fiscal e estabilidade econômica.

O governo que ontem se encerrou tem méritos nesse tema, o que não nos constrange reconhecer. Porém, esse não é um patrimônio exclusivo seu, assim como não o será da nossa administração.

(…)

Assim, a transição do modelo que temos e o que o País reivindica é a superação das dificuldades de curto prazo. [Discurso de posse, 02/01/2003].

Ou seja: o ministro Palocci declarou que não haveria transição quanto aos “princípios básicos da política econômica”. “O período de transição” de que havia falado Lula quando candidato (e que era mencionado nos documentos oficiais da campanha) consistiria apenas no tempo necessário para a superação das dificuldades de curto prazo. Os fatos do novo governo mostrariam que esta interpretação do ministro estava correta.

3 - A política econômica, os resultados obtidos e o discurso do governo.

Embora desde o início do governo tenham havido críticas à orientação da política econômica do presidente Lula, dirigidas em especial ao Banco Central e ao

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ministro Palocci, principalmente por parte da esquerda do PT e de alguns dos outros partidos da coligação governista, como o PC do B (Partido Comunista do Brasil) e o PSB (Partido Socialista Brasileiro)1, foi com o debate em torno de seu projeto de Reforma da Previdência Social dos funcionários públicos que ficou mais clara a existência de uma grande insatisfação numa parte expressiva dos seus apoiadores. A proposta do governo foi caracterizada por muitos setores (inclusive por especialistas nesta questão vinculados ao próprio PT) como sendo orientada por princípios neoliberais. Sofreu oposição ativa e radical de uma parte do movimento sindical e uma oposição, mais formal e limitada, da direção da CUT, central sindical dirigida por militantes do PT. Essa última aprovou uma recomendação de voto contra a proposta de reforma (tratou-se, na verdade, de uma recomendação meramente formal, uma vez que a maioria da direção da CUT deixou claro que não esperava nem mesmo que os parlamentares mais vinculados ao movimento sindical seguissem esta recomendação). Como conseqüência do conflito que se seguiu, o PT perdeu o apoio dos funcionários públicos e sofreu uma ruptura: foram expulsos do partido uma senadora e três deputados federais, e centenas de militantes deixaram o partido. Embora esta ruptura tenha sido pouco expressiva em termos numéricos, representou a expressão radical de um descontentamento que atingia uma parcela muito mais ampla das forças que apoiavam o governo Lula.

Desde o início a política econômica do governo Lula provocou frustração entre seus apoiadores. Em seus dois primeiros anos, 2003 e 2004, os setores mais à esquerda do PT ou do PC do B e os movimentos sociais identificados com o governo apontaram que a política econômica governo tinha mantido as características neoliberais do governo anterior e falaram, freqüentemente, na necessidade de mudá-la2. O próprio Diretório Nacional do PT chegou a expressar desconforto com essa política. Entre os apoiadores, muitos dos setores mais à esquerda consideravam que o “governo estava em disputa” e, por isto, consideravam como prioritário derrotar os setores neoliberais que existiriam dentro do governo.

Nos dois anos seguintes, perderam intensidade o debate e as críticas à política econômica no interior das forças que apoiavam o governo, embora nunca tenham desaparecido. Apesar disso, uma nova ruptura do PT ocorreu em 2005, finalizado o processo de eleições internas, motivada por divergências em relação à orientação do governo (especialmente na política econômica) e também pela “crise ética” vivida pelo partido desde o mês de junho3. Mas a maior parte dos setores do PT e dos movimentos sociais que criticaram a política econômica do governo nos dois primeiros anos passou a fazê-lo de forma menos intensa.

A razão fundamental para esta mudança de postura foi o fato de ter ficado evidente que a política econômica, avaliada segundo os seus objetivos, estava sendo relativamente bem sucedida. Desde 2003, a inflação havia sido contida (como será detalhado mais adiante) e a especulação contra a moeda controlada. A partir da segunda metade de 2003, começa um processo de retomada do crescimento econômico, que seria comprovado quando foi divulgada a taxa de crescimento do PIB de 2004: 4,9% (depois de um crescimento de apenas 0,54% em 2003, ou seja, abaixo da taxa de crescimento da

1 O PDT (Partido Democrático Trabalhista) e o PPS (Partido Popular Socialista), partidos que não compunham originalmente a coligação, já que apoiaram a candidatura Lula apenas no segundo turno, viriam a romper com o governo, citando discordâncias com a política econômica como parte das razões.2 O PSB, o PDT e, em parte, o PPS, também houve manifestações na mesma linha.3 Desencadeada pelas denúncias do então deputado Roberto Jefferson.

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população, que conduzira à redução da renda per capita). Nesse período começou também uma recuperação do nível de emprego (comentada na Matriz Analítica, no item Relação Capital-Trabalho).

Contudo, no ano seguinte, em 2005, a taxa de crescimento do PIB foi bastante mais modesta (2,28%), e o que se espera para 2006 também deverá ser frustrante (cerca de 3%). Mas os resultados relativos ao crescimento das exportações, à obtenção de um superávit crescente na balança comercial e nas transações correntes4, e alguma recuperação do emprego, funcionaram como uma compensação para o crescimento modesto do PIB.

A obtenção de superávit nas transações correntes permitiu que alguns economistas e membros do governo começassem a afirmar que o Brasil havia reduzido sua vulnerabilidade externa, e até que ela já teria sido superada, ou estaria em vias de superação5.

Por outro lado, desde 2005 foi promovida uma recuperação significativa do salário mínimo6, e os resultados dos programas de assistência social (como o Bolsa Família) começaram a ser divulgados. Esse programa constitui o carro chefe da política social do governo Lula e sua importância determinou em parte os resultados da eleição de 2006.

Em termos de distribuição pessoal da renda, calculada pelo IBGE mediante a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNDA), as informações relativas aos dois primeiros anos do governo Lula indicam que, ao mesmo tempo, aumentou a renda apropriada pelo 1% da população mais rica e a dos mais pobres (20% e 50% mais pobre). Já a renda dos 10% da população mais rica apresentou redução. A melhora da população mais pobre é condizente com a evolução observada nos índices de Gini e no de T de Theil, os quais, entre 2001 e 2004, caíram de 0,596 para 0,576 e de 0,727 para 0,665, respectivamente. Também a participação das pessoas abaixo da linha de indigência no total da população brasileira registrou queda (de 15,2% para 13,1%), muito embora o programa Bolsa Família, carro-chefe da política social do governo Lula, estivesse ainda precariamente implantado no país em 20047 (Tabela 1)8. Já o percentual de pessoas abaixo da linha de pobreza, em relação ao total da população, aumentou no primeiro ano de governo, quando o PIB cresceu apenas 0,5%, mas apresentou redução significativa em 2004. Em 2001, 35,1% da população estava situada abaixo da linha de pobreza; em 2004 este percentual tinha se reduzido para 33,6%. Contudo, o número de pessoas situadas abaixo da linha de pobreza aumentou de 58,1 milhões para 59,4 milhões no período, revelando quão perversa é a dinâmica econômica e social do país.

4 Ver, adiante, o item sobre a Inserção Internacional da economia brasileira.5 Um exemplo desta linha de argumentação é o Capítulo 2, “Redução da Vulnerabilidade Externa”, de Aloízio Mercadante (2006).6 Ver adiante a evolução do salário mínimo durante os governos F. H. Cardoso e Lula.7 Somente em 2005 esse programa atingiu o conjunto dos municípios brasileiros.8 Os dados da tabela são do IBGE, da Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios (PNAD). Nela é considerada a renda mensal familiar per capita onde, para os assalariados, é contemplada a remuneração bruta a que teriam direito, mas excluído o décimo terceiro salário, participação nos lucros e outros benefícios como moradia, alimentação, roupas, transporte, etc., derivadas da relação salarial. Para os trabalhadores por conta própria e empregadores, a pesquisa considera a renda bruta menos as despesas efetuadas com o empreendimento. Inclui, ainda, outras rendas, como o Bolsa-família, a complementação de aposentadoria e rendimentos de aplicação financeira.

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Tabela 1 – Distribuição pessoal da renda e pobreza.ANOS 2001 2002 2003 2004

Parcela da Renda Apropriada

       1% mais rico 13,9 13,4 12,7 13,0

       10% mais rico 47,4 47,0 46,1 45,3

       20% mais pobre 2,3 2,5 2,6 2,8

       50% mais pobre 12,6 13,0 13,4 13,9

Indice de Gini 0,596 0,589 0,581 0,572

Indice T de Theil 0,727 0,710 0,675 0,665

Linha de pobreza

       % da população total abaixo da linha de pobreza 35,1 34,3 39,2 33,6

       Milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza 58,3 57,5 - 59,4

Linha de indigência

       % da população total abaixo da linha de indigência 15,2 14 16,7 13,1

       Milhões de pessoas abaixo da linha da indigência 25,3 23,4 - 23,2

Fonte: Ipeadata. Calculado a partir dos dados da PNAD do IBGE.  

Ainda que os dados econômicos favoráveis (de controle da inflação, de crescimento econômico e de melhora na distribuição de renda) estejam sujeitos a interpretações distintas, o discurso de que a política econômica do governo estava sendo bem sucedida na redução das desigualdades ganhou credibilidade.

Desta forma, os setores majoritários do PT (e os outros partidos que apóiam o governo), que antes reconheciam a existência de limitações nas políticas do governo, adotaram o discurso de que o governo Lula estava sendo um governo plenamente bem sucedido. O relativo êxito da política econômica permitiria, inclusive, em 2006, uma campanha à reeleição baseada na comparação entre os resultados do governo Lula e os resultados do governo F. H. Cardoso.

Por outro lado, esta linha de defesa dos resultados da política econômica implicou o abandono quase completo do que havia sido o discurso de campanha. A discussão sobre a mudança de modelo econômico quase desapareceu, e a idéia de transição para um novo modelo foi completamente esvaziada (ainda que ainda seja mencionada, vez por outra), em favor de uma mera comparação dos resultados obtidos em governos anteriores. Implicitamente, o governo Lula passou a se apresentar muito mais como um governo que realizou melhor — e com mais “sensibilidade social” — a mesma política econômica que vinha sendo aplicada antes. Um dos exemplos mais claros desta perspectiva é o livro já citado Brasil Primeiro Tempo — Análise Comparativa do Governo Lula, de Aloízio Mercadante (São Paulo, Editora Planeta do Brasil, 2006). O autor é líder do governo no Senado, e é em geral considerado um dos porta-vozes do governo em matéria econômica. O livro tem prefácio do próprio presidente da República.

Entretanto, mesmo se deixados de lado os compromissos de campanha com relação à mudança de modelo, o “êxito” da política econômica de Lula pode ser questionado. Isso porque a comparação entre os resultados do governo Lula e os do governo anterior, para ser feita com mais propriedade, deveria levar em conta a situação internacional e os resultados obtidos por outros países. Tomado este cuidado, o governo

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Lula passa a ser visto como um dos governos de pior performance em matéria de crescimento — a grande maioria dos países têm tido resultados muito melhores.

Desenvolvendo o argumento, a vinculação da análise dos resultados do governo Lula ao quadro internacional poderia fazer com fossem vistos muito mais como conseqüência da situação mundial do que dos méritos das políticas implementadas. Vários economistas têm argumentado nesta direção — inclusive economistas vinculados ao PT. Este é o caso, por exemplo, do professor Márcio Pochmann, que foi Secretário do Trabalho na gestão da prefeita Martha Suplicy, na cidade de São Paulo. Em declaração à Agência Carta maior, em 17/10/2006, ele disse não identificar “uma política pública explícita de geração de emprego no país”, e disse que o Brasil vive, há três anos, uma “sorte conjuntural”.

4 - Governo Lula: um governo de esquerda?

Para concluir esta Introdução, é interessante retomar a discussão de o que justificaria a caracterização do governo Lula como um governo “de esquerda” ou, pelo menos progressista.

A justificativa da caracterização do governo Lula como um governo “de esquerda” ou, pelo menos, progressista, deriva principalmente de sua ação em três áreas do governo: a política externa, considerada progressista; as políticas de transferência de renda, que visariam reduzir as desigualdades; e a política de recuperação do salário mínimo, onde se mostraria mais a “sensibilidade social” do governo. Além disso, os que consideram o governo Lula como de esquerda apontam também sua postura em não criminalizar os movimentos sociais e seu diálogo com estes movimentos.

São fundamentalmente estas razões, aliás, que foram invocadas por alguns dos setores de esquerda críticos ao governo Lula para justificar seu apoio à reeleição do presidente Lula no segundo turno. Como exemplo destes setores, o mais importante é o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra)9. Seu principal dirigente, o também economista João Pedro Stedile, disse o seguinte:

Alckmin seria o retorno da hegemonia do governo dos Estados Unidos sobre a América Latina. Agora, o continente está num processo de transição, e em praticamente todas as eleições o povo tem votado em candidatos antineoliberais. Isso gerou três grupos de governos: um grupo de esquerda — Venezuela, Bolívia e Cuba —, um grupo de governos de caráter moderado, mas em transição do neoliberalismo, e que enfrenta pontualmente a política americana — Brasil, Argentina, Uruguai, Peru e Equador —, e o grupo dos países que se colocam como fieis aliados dos americanos — Chile, Paraguai e Colômbia. Uma vitória do Alckmin seria o desequilíbrio pró-EUA, com a ida do Brasil para o grupo dos aliados servis.

E o editorial do jornal Brasil de Fato, semanário em que o MST tem uma influência determinante, 10 em 11/10/2006, destacou como principal razão de seu apoio

9 Vale notar que parte da esquerda brasileira não apoiou a candidatura de Lula à reeleição nem no segundo turno. São os caso da “Frente de Esquerda” agrupada em torno da candidatura da senadora Heloísa Helena à presidência, e do PDT (este, um partido em geral considerado parte da esquerda mais moderada; sua colocação como parte da esquerda é, no entanto, objeto de polêmica). Por outro lado, a maior parte da esquerda brasileira se engajou na campanha pela reeleição desde o primeiro turno.10 Esse jornal não declarou apoio a nenhum candidato à presidência e a cargo majoritário no primeiro turno, tal como o MST.

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o fato de o governo Lula ter respeitado as instituições democráticas, ressaltando que o voto em Lula deve ser dado apesar do “decepcionante saldo para a classe trabalhadora” do primeiro mandato, e apesar da tendência de que seu segundo mandato “esteja ainda mais comprometido com a agenda neoliberal”:

Um balanço dos quatro anos de mandato do presidente Lula deixa um decepcionante saldo para a classe trabalhadora, sobretudo no que diz respeito à economia. Mais que isto, tendo em vista a nova composição do Congresso Nacional e as alianças em curso desde o primeiro mandato, a tendência é que o segundo governo Lula esteja ainda mais comprometido com a agenda neoliberal, principalmente caso se aprofunde ou se mantenha o descenso das lutas populares e de massas. Todos sabemos disto. No entanto, é preciso ter claro que, em nenhum momento, as forças que o apóiam vieram a público, ou sequer insinuaram o uso da força e a quebra das atuais instituições democráticas (ainda que frágeis e limitadas), que permitem que nos organizemos e acumulemos forças para aprofundar conquistas e realizar as mudanças estruturais de que necessita a classe trabalhadora e o povo.

Diferentemente do que se propala, os trabalhadores, o povo e a esquerda brasileira foram os principais fiadores dessas instituições. A abertura e a transição para a democracia, que se preparavam entre as elites no final da ditadura, seriam mais estreitas e minguadas, não fossem as grandes greves e manifestações, preparadas por um persistente e clandestino trabalho da esquerda (marxista e cristã) de organização de comissões de fábricas e empresas, de organização dos bairros proletários, dos movimentos populares e de retomada das entidades (sindicatos e associações) de trabalhadores ocupadas por interventores e prepostos do regime desde o golpe de 64. Foi o povo na rua, articulado por suas organizações e movimentos, quem definiu as conquistas mais avançadas de que hoje usufruímos e que se inscreveram na Constituição de 1988. Não devemos isto nem às elites nem a qualquer guia genial dos povos, a qualquer pai dos pobres.

É preciso lembrar a História, a nossa História. É preciso lembrar que muitos foram assassinados para que conquistássemos e garantíssemos a liberdade que hoje gozamos, ainda que precária, mas que nos garante o direito inclusive de escrever este editorial. É preciso, sobretudo, abandonarmos uma discussão economicista da atual conjuntura e distinguirmos bem quem é o inimigo principal, quem são os adversários, e quais são os nossos aliados. Toda vez que nos equivocamos a este respeito, acabamos derrotados.

Hoje, o inimigo principal é o bloco que se aglutina em torno da candidatura Geraldo Alckmin. É este, portanto, que deve ser derrotado nas atuais eleições. Assim, votar Lula, mesmo sem qualquer ilusão no que diz respeito às sua política econômica, é um dever de todos nós que constituímos a classe trabalhadora e o povo brasileiro.

Consideremos, em primeiro lugar, as políticas que visam à redução das desigualdades. Os resultados da distribuição de renda do governo Lula são, no mínimo, ambíguos: ao mesmo tempo em que beneficiou os mais pobres, deu continuidade ao processo concentrador da renda de ocupação nas faixas mais baixas e favoreceu o aumento expressivo dos lucros financeiros (como será explorado mais adiante). Além disso, os críticos do governo Lula confrontam, de forma convincente, o volume de gastos de programas como o Bolsa Família com as despesas com juros do setor público (despesas que constituem um fator de concentração de renda)11. Também teria de ser levado em conta o caráter de “novo populismo em tempos de aplicação de uma agenda

11 Como será mencionado no item sobre a Política Monetária e Política Fiscal, o pagamento de juros pelo conjunto do setor público tem estado em torno de 8% do PIB, nível semelhante ao dos três últimos anos do segundo mandato do governo F. H. Cardoso.

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neoliberal” que pode ser atribuído ao programa Bolsa Família, como será enfatizado no item VII da parte II.

No caso da política externa, a discussão é ainda mais complexa. O governo Lula tem, de fato, mantido certa proximidade, ou tem procurado manter boas relações, com governos à sua esquerda — como o governo Chavez. Tem procurado também desenvolver uma política de relações internacionais em que há mais peso para as relações com países latino-americanos e com países do Terceiro Mundo. Além disso, como será analisado adiante, mudou a condução de seus representantes nas negociações da ALCA, adotando uma posição mais crítica que a do governo anterior, e isto contribuiu, em parte, para o atual impasse das negociações. Por outro lado, depois de um período em que teve uma postura mais crítica nas negociações da OMC, em aliança com a Índia, a China e outros países, o Brasil passou a uma política de mais acordo com as grandes potências. A classificação feita por João Pedro Stedile do governo Lula como parte de um “grupo moderado”, nem de esquerda, nem aliado fiel dos EUA, isto é, um grupo de países que “enfrenta[m] pontualmente a política [norte]-americana”, parece apropriada. No entanto, não parece haver razões suficientes para afirmar que estes países — e, em particular, o Brasil do governo Lula — estão “em transição do neoliberalismo”.

Com relação ao caráter mais democrático do governo Lula, não há dúvida de que a não criminalização dos movimentos sociais é uma posição favorável à esquerda, sem ser propriamente uma posição de esquerda. Entretanto, para fundamentar o juízo de que o governo Lula realmente dialoga com os movimentos sociais seria preciso mostrar que, a partir deste diálogo, ele foi sensível a pelo menos uma parte importante das suas reivindicações. Em contrapartida, não há dificuldades em mostrar que o governo Lula atendeu as reivindicações fundamentais do mercado financeiro e das classes dominantes.

De conjunto, para que se sustente a caracterização de “governo de esquerda”, as razões apontadas para justificar a caracterização do governo Lula como “de esquerda” (com suas limitações, e levando em conta as diferenças de interpretação possíveis sobre como seus resultados foram conseguidos) devem ser confrontadas com o caráter inegavelmente liberal das políticas macroeconômicas implementadas, de reformas como a da Previdência Social, e do prosseguimento da liberalização na área financeira (ver, adiante, item sobre o Sistema Financeiro).

5 – O resultado das eleições de 2006.No segundo turno, realizado em 29 de outubro de 2006, Lula foi reeleito com

58,3 milhões de votos (60,8% dos votos válidos), batendo seu oponente Geraldo Alckmin, candidato pelo Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB), o mesmo partido de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso. Depois de uma campanha centrada na ética e na denúncia da corrupção de elementos do governo e do Partido dos Trabalhadores, tanto pela oposição à direita como à esquerda, onde não faltaram novos fatos revelando inexplicáveis e patéticas tentativas de compra de informações sobre o candidato do PSDB ao Estado de São Paulo (um dos mais importantes do país, tanto economicamente como politicamente, com forte concentração da oposição), e uma ação concertada da mídia pela eleição de Alckmin, como nunca antes se viu na história do país, Lula foi reconduzido à presidência da república para governar mais quatro anos.

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Em termos percentuais, Lula obteve um pouco menos votos do que no segundo turno de 2002 (61,27%), quando foi eleito pela primeira vez. Mas dadas as condições em que seu governo se desenvolveu, a todo tempo ameaçado por denúncias de corrupção, a ponto de seus mais destacados quadros terem sido afastados de seus cargos, tal resultado foi surpreendente. Em termos de distribuição dos votos, levando em conta a localização geográfica dos Estados, a renda dos votantes e o tamanho dos municípios, essa eleição revelou um país dividido, onde Lula ganhou em 20 Estados dos 27 existentes, sendo que desses, em todos da região Nordeste, a mais pobre do país; perdeu em apenas um Estado da região Norte (a segunda mais pobre do país); e ganhou em três Estados da região Sudeste e em dois da região Centro-Oeste, inclusive no Distrito Federal, onde está localizada a capital do país. Enfim, perdeu em todos os Estados da região Sul. Além disso, todas as pesquisas indicaram que quanto menor e mais pobre o município, maior foi sua votação, o mesmo ocorrendo em relação à renda dos votantes. A eleição ainda revelou um fato novo na realidade brasileira, a que os segmentos mais pobres da população, pertencentes às classes C e D, não se sensibilizaram com a posição dos chamados formadores de opinião, especialmente a expressa pela imprensa escrita e televisiva.

Entre os apoios que Lula recebeu no segundo turno, destaca-se o do MST (já mencionado nesta introdução) e o da maior parte da esquerda brasileira, principalmente dos intelectuais, que se engajou na campanha pela reeleição desde o primeiro turno. Contudo, vale ressaltar que parte da esquerda brasileira não apoiou a candidatura de Lula à reeleição nem no segundo turno. Esse foi o caso da “Frente de Esquerda” agrupada em torno da candidatura da senadora Heloísa Helena à presidência12, onde participavam o Partido Socialismo e Liberdade (criado a partir de dissidências do PT), o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU) e do Partido Comunista Brasileiro (PCB), e do Partido Democrático Trabalhista (PDT), considerado por alguns como de esquerda moderada.

Afora as razões apontadas por João Pedro Stedile e o jornal Brasil de Fato, quais teriam sido os motivos que levaram o povo brasileiro a reeleger Lula apesar de sua política econômica e das denúncias de corrupção?

Para tentar responder a essa pergunta, e tomando como referência o perfil da maioria de seus eleitores, é importante retomar que Lula aumentou o poder aquisitivo do salário mínimo em 40% durante seu governo; enfatizar que transferiu renda para 11,1 milhões de famílias através do Programa Bolsa Família, beneficiando mais de 47 milhões de pessoas (25% da população estimada) e aumentando em até 39,58% a renda da família beneficiada; concedeu abundante crédito para a economia familiar; criou um programa de concessão de bolsa para estudo universitário junto a faculdades privadas, beneficiando mais de 200 mil universitários; reduziu os impostos para os produtos de primeira necessidade e para a construção popular; entre outras medidas. Além disso, em setembro, um mês antes da realização dos dois turnos da eleição, o desemprego, embora ainda alto, estava quase dois pontos percentuais abaixo do de setembro de 2002, quando o presidente era Fernando Henrique Cardoso.

Assim, não há dúvida que, para a imensa maioria do povo que votou em Lula, o determinante foi o fato de sua situação estar melhor do que no passado recente, sem

12 Essa candidatura recebeu 6,8% dos votos nacionais no primeiro turno. O PSOL, principal agrupamento da Frente, conseguiu eleger apenas três deputados federais, diminuindo, portanto, sua representação em relação ao momento anterior, quando sua bancada era formada de deputados oriundos do PT.

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considerações sobre se as medidas que conduziram a essa situação são duradouras ou não. Para ela, a perspectiva de Lula promover em seu segundo mandato as reformas trabalhista e sindical (abordadas mais adiante) e de realizar mais uma reforma no sistema de aposentadoria, não faz parte de sua preocupação. Em parte isso se deve ao fato de a maioria dos sindicatos estarem a favor dessas reformas, bem como praticamente toda a mídia do país.

Dessa forma, no campo sindical, para o próximo ano espera-se a apreciação do projeto de emenda constitucional encaminhado pelo governo (PEC 369/05) onde, entre outros dispositivos, são previstas a intervenção do Estado e a obrigatoriedade da filiação a uma central sindical. No campo das relações de trabalho, o projeto ainda não encaminhado prevê: 1) a eliminação dos dispositivos existentes na legislação atual que estabelecem a prevalência da lei em relação ao que for negociado, sempre que ela for mais favorável ao trabalhador; 2) a negociação e fechamento de acordo por entidades de grau superior sem consulta às assembléias de base, os quais não poderão ser modificados pelo sindicato de base, mesmo se os trabalhadores forem contra as condições constantes do mesmo; 3) a autorização para que o empregador contrate substitutos para os grevistas, caso o sindicato não concorde em designar, ele mesmo, os trabalhadores que continuariam exercendo suas funções durante a greve.

Na esfera do sistema de aposentadoria, espera-se que introduza dispositivos ainda mais restritivos para o acesso à pensão; reduza o leque entre o menor e o maior valor a ser recebido; e desvincule o piso da pensão do salário mínimo. Já em relação à proteção social em geral, discute-se a eliminação dos dispositivos que não permitem o uso de suas receitas para outros fins e/ou o aumento do percentual de sua arrecadação disponível para o Tesouro Nacional (atualmente de 20%, a partir de medida introduzida por Fernando Henrique Cardoso, em 1994).

Em relação à política econômica, embora nos últimos meses o Banco Central tenha continuado a redução da taxa de juros básica (estava em 13,25% em novembro de 2006), não há nenhum sinal de que venha a ser mudada. As prioridades continuarão a ser honrar os compromissos com o capital financeiro e o desenvolvimento do agronegócio.

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Segunda Parte — Matriz Analítica

I - Política Monetária e Fiscal

a) Situação anterior ao governo Lula

O segundo mandato de F. H. Cardoso (1999-2002) realizou algumas alterações na orientação geral da política macroeconômica. Adotou um regime cambial de taxas flutuantes; adotou o regime monetário de metas de inflação; e iniciou um processo de elevação do superávit fiscal primário, com o objetivo de conter o crescimento da dívida líquida do setor público como proporção do PIB.

Foram mudanças bastante significativas no desenho da política macroeconômica. No primeiro mandato de F. H. Cardoso (1995-1998) havia sido adotado um regime cambial de “banda deslizante” (inviabilizado a partir da crise de 1988-1999); e a dívida líquida do setor público como proporção do PIB havia aumentado de 30,4% do PIB em dezembro de 1994 para 41,7% do PIB em dezembro de 1998 (todos os dados sobre a dívida líquida do setor público foram tomados do Boletim do Banco Central do Brasil, Seção Finanças Públicas, atualizado em 27/09/ 2006).

Temia-se que o abandono do regime de “banda cambial deslizante” levasse ao descontrole da inflação. De fato, isto não aconteceu: a inflação anual (medida pelo IPCA do IBGE) de fato elevou-se em 1999 (foi de 8,94%, enquanto em 1998 havia sido de 1,66%), mas em 2000 reduziu-se para 5,97%. No ano de 2001, em que houve uma crise energética, a variação do IPCA foi de 7,67% (os números da variação anual do IPCA foram retirados do IBGE/SNIPC).

Por outro lado, o esforço para reduzir a dívida líquida do setor público como proporção do PIB teve maus resultados: em dezembro de 1999 atingiu 49, % do PIB, em dezembro de 2000 manteve o percentual de 49,4%, e em dezembro de 2001 atingiu 52,6% do PIB.

Já no ano de 2002 a situação mudou para pior — em grande parte pela especulação contra o real, provocada, entre outras razões, pelas preocupações que então eram disseminadas nos mercados financeiros com relação à eleição de Lula. O governo brasileiro foi levado a assinar um novo acordo com o Fundo Monetário Internacional. Houve uma inovação na condução deste acordo: os candidatos a presidente dos maiores partidos — entre eles Lula — foram convidados a aprovar a sua assinatura, e o fizeram.

Com a desvalorização do real (a taxa de câmbio — dólar comercial — passou de R$ 2,32 por dólar dos EUA, em dezembro de 2001, para R$ 3,53 por dólar dos EUA em dezembro de 2002, segundo dados do Boletim do Banco Central do Brasil, Seção Balanço de Pagamentos, atualizado em outubro de 2006), houve crescimento da inflação, que fechou o ano de 2002 em 12,53% (IPCA, IBGE/SNIPC). A dívida líquida do setor público também teve crescimento significativo (55,5% do PIB, em dezembro de 2002).

A situação macroeconômica brasileira, portanto, podia ser caracterizada como de crise. O governo Lula se referiria a ela como parte da “herança maldita” que teria recebido do governo F. H. Cardoso.

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b) A política monetária e fiscal no governo Lula e iniciativas do governo

No entanto, apesar das referências à “herança maldita” recebida do governo anterior, e apesar das referências, durante a campanha eleitoral, de que haveria uma transição para um novo modelo econômico, o governo Lula, no fundamental, manteve a política macroeconômica do segundo mandato de F. H. Cardoso. Ou melhor: esta política foi aprofundada (o que fica claro, sobretudo, quando avaliamos o compromisso com o superávit fiscal primário, como será analisado abaixo)..

1) O regime de metas de inflação foi mantido.

A taxa de juros básica (taxa SELIC, fixada pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central), que já havia sido elevada de 22% a.a. para 25% a.a. em dezembro (ou seja, um nível extremamente elevado), subiu para 25,5% em janeiro e 26,5% em fevereiro. A partir de junho, com a inflação já sob controle, começaria uma redução gradual desta taxa (para 26% a.a. em junho, 24,5% em julho, 22 % em agosto, 20% em setembro, 19% em outubro, 17,5% em novembro, 16,5% em dezembro, 16,25% em março de 2004, 16% em abril, ficando neste nível, ainda muito elevado pelos padrões internacionais, até setembro).

A partir de setembro de 2004, um novo ciclo de elevações da taxa básica de juros começaria: 16,25% a.a. neste mês, 16,75% em outubro, 17,25% em novembro, 17,75% em dezembro, 18,25% em janeiro de 2005, 18,75% em fevereiro, 19,25% em março, 19,5% em abril, 19,75% em maio, ficando neste nível até setembro.

Neste mês começaria um novo ciclo de reduções, ainda mais gradual do que o anterior: 19,5% a.a. em setembro de 2005, 19% em outubro, 18,5% em novembro, 18% em dezembro, 17,25% de janeiro de 2006, 16,5% em março, 15,75% em abril, 15,25% em junho, 14,75% em julho, 14,25% em agosto e 13,75% em outubro.

Ou seja: o regime de metas de inflação foi mantido, e a taxa de juros continuou a ser elevada para controlar a demanda agregada, sempre que os diretores do Banco Central vislumbravam qualquer tendência de elevação da inflação acima da meta fixada.

Além disso, a fixação das metas de inflação continuou a ser bastante ambiciosa. Em 2003, o Conselho Monetário Nacional reviu as metas fixadas para o próprio ano de 2003 e para o ano de 2004; fixou, além disso, a meta para o ano de 2005. Para 2003, a meta foi fixada em 4 % (com intervalo de tolerância de 2,5%, para cima ou para baixo). Não foi cumprida (uma vez que a inflação, medida pelo IPCA, ficou em 9,30% a.a.). A meta de 2004 foi fixada em 5,5% (com intervalo de tolerância de 2,5%). A meta foi cumprida (considerando o intervalo de tolerância para cima: a inflação anual, medida pelo IPCA, ficou em 7,60%). A meta de 2005 foi de 4,5% (com intervalo de tolerância de 2,5%, para cima ou para baixo); como a inflação (IPCA) ficou em 5,69%, a meta foi cumprida.

Já para o ano de 2006, a meta foi fixada (em Resolução do ano de 2004) em 4,5% (com intervalo de tolerância de 2%, para cima ou para baixo). As expectativas são de que a inflação (medida pelo IPCA) ficará abaixo de 4%. Ou seja, desta vez, será necessário usar o intervalo de tolerância para baixo.

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As metas para 2007 e para 2008 já estão fixadas. Em ambos os casos, a meta é de 4,5% (com intervalo de tolerância de 2%, para cima ou para baixo). A meta de 2007 foi fixada em Resolução de 2005 e a de 2008 foi fixada em Resolução de 2006.

Em todos os anos do governo Lula, a taxa básica de juros esteve entre as mais elevadas do mundo (em geral, foi uma das três taxas mais elevadas do mundo, e diversas vezes a mais alta, em termos reais; hoje (outubro de 2006), por exemplo, está em torno de 10% a.a.em termos reais).

2) O esforço fiscal foi intensificado, com a elevação da meta de superávit fiscal primário para 4,25% do PIB (no acordo com o FMI, ela tinha sido fixada em 3,75% do PIB, e no governo anterior, o superávit tinha girado em torno de 3,5% do PIB).

Além disso, em 2004 e 2005, embora a meta não tenha sido ampliada, o superávit fiscal primário foi mais alto: cerca de 4,6% do PIB em 2004 e cerca de 4,8% em 2005.

Já no ano de 2006, o superávit primário não deverá ficar acima da meta de 4,25% do PIB. Além da mudança do Ministro da Fazenda (o atual ministro, Guido Mantega, como se sabe, não tem o mesmo entusiasmo pela obtenção de superávits primários elevados que tinha o ministro anterior, Antônio Palocci), pode ter contribuído para isto o fato de 2006 ser um ano eleitoral.

No entanto, apesar deste enorme esforço fiscal, a melhora na situação fiscal foi modesta — e, em parte, deveu-se à revalorização do real desde 2003, e não ao esforço fiscal propriamente dito. Ou seja: a dívida mobiliária federal (em títulos fora do Banco Central), que era de R$ 623 bilhões em 2002, fechou o ano de 2003 em cerca de R$ 732 bilhões, o ano de 2004 em cerca de R$ 810 bilhões, e o ano de 2005 em cerca de R$ 980 bilhões. Já a dívida líquida do setor público, que era, como vimos, de 55,5 % do PIB em dezembro de 2002, aumentou para 57,2% em dezembro de 2003, foi reduzida para 51,7% em dezembro de 2004, e para 51,5% em dezembro de 2005. Em agosto de 2006, estava em 50,3% do PIB (Boletim do Banco Central do Brasil, Seção Finanças, atualizado em 27/09/2006).

Parte desta melhora deveu-se, como já foi dito, à revalorização do real desde 2003 (o que contribuiu para reduzir a dívida externa pública, além de ter reduzido também a parcela da dívida interna corrigida pela variação cambial). Na verdade, a melhora foi modesta porque o enorme esforço fiscal, numa ponta, foi em grande parte anulado pela alta conta de juros, na outra ponta. Em 2002, o pagamento de juros nominais pelo setor público havia ficado em 8,5% do PIB. Este nível extremamente elevado foi basicamente mantido ao longo do governo Lula: cresceu para 9,3% do PIB em 2003, ficou em 7,29% em 2004 e 8,12% em 2005. Não sendo o superávit primário suficiente para pagar esta pesada conta, parte dos juros foi rolada. Ou seja, houve déficit nominal do setor público: 5,1% do PIB em 2003, 2,68% em 2004, 3,32% em 2005. Por isso a redução da dívida do setor público foi modesta, apesar do enorme esforço fiscal.

Ou seja: a rigidez da política monetária — com seu uso amplo de taxas de juros elevadas — tem imposto limites para a eficácia da política fiscal. Além de contribuir para limitar o crescimento econômico e para o crescimento da renda da parcela mais

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rica da população (os detentores de riqueza financeira, que ganham com a manutenção de taxas de juros elevadas).

3) Finalmente, foi mantido o regime de câmbio flutuante.

c) Resultados e projeções

A política seguida permitiu a superação da crise de 2002. Este foi, aliás, um dos seus principais objetivos.

Por outro lado, a política macroeconômica continuou, como vimos, sustentada no tripé formado pelo regime de metas de inflação (com o uso da taxa de juros para controlar a demanda agregada e, portanto, os preços), pela busca de um elevado superávit primário e pela política de câmbio livre. Estes foram, como foi observado acima, os eixos da política macroeconômica do segundo mandato de F. H. Cardoso. A “lúcida e criteriosa transição” anunciada na Carta ao Povo Brasileiro, até agora, não parece ter começado — pelo menos se nos baseamos na macroeconomia.

Os membros do governo, naturalmente, têm dificuldade para aceitar esta conclusão. É interessante considerar, então, como argumentam a respeito.

Em abril de 2003, um documento do Ministério da Fazenda, Política Econômica e Reformas Estruturais, apresentou como maior vantagem do novo governo no plano macroeconômico o fato de que o ajuste fiscal perseguido a partir do novo governo teria melhor qualidade. O documento citava como prova disto a idéia de que, no lugar de elevar a arrecadação (a carga tributária), o gasto seria mais controlado e teria melhor qualidade. Fosse isto verdade, não poderia ser considerado, de qualquer maneira, como mudança de orientação (ou como início de uma transição para outro modelo econômico). Seria apenas uma melhor implementação da mesma orientação macroeconômica.

No entanto, não foi o que se viu, depois. A carga tributária total, como porcentagem do PIB, que atingira 35,5% em 2002, passou a 34,9% em 2003, a 35,9% em 2004, e a 37,3% em 2005. Este nível deverá ser mantido em 2006. Assim, houve crescimento da carga tributária. Embora este crescimento tenha sido relativamente pequeno, não deixa de ser significativo, quando levamos em conta que o nível da carga tributária no Brasil é bastante alto, quando comparado com outros países de nível de desenvolvimento semelhante.

Assim, o que se tem notado mais recentemente é que os representantes do governo Lula não mais têm procurado argumentar que teria havido alguma mudança da orientação da política macroeconômica. Procuram mostrar apenas que ela teria sido mais bem sucedida do que a do governo de F. H. Cardoso. O economista Aloízio Mercadante, líder do governo no Senado e em geral considerado um dos porta-vozes do governo em matéria econômica, procura mostrar que, nas questões de que nos ocupamos aqui, política monetária e fiscal, teria havido “redução da fragilidade fiscal” e “redução e controle da inflação”. Estes são títulos de dois dos capítulos do livro Brasil: Primeiro Tempo (São Paulo, Editora Planeta do Brasil, 2006), que tem prefácio do próprio presidente da República.

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A “redução da fragilidade fiscal” teria ocorrido porque houve “contenção do crescimento e estabilização da dívida pública”, “diminuição do déficit público” e “desaceleração do crescimento da carga tributária”. Já para mostrar a existência de “redução e controle da inflação”, o livro aponta que as metas de inflação têm sido cumpridas.

Quatro observações se impõem. A primeira, de que tudo isto é verdade. A segunda, a de que é claro que não configura nenhuma mudança de orientação da política macroeconômica; pelo contrário, é evidente que estas conquistas correspondem bem a objetivos e instrumentos (como o regime de metas de inflação e a elevação do superávit fiscal) já delineados no governo anterior (no segundo mandato de F. H. Cardoso).

A terceira observação já foi mencionada na Introdução deste relatório, quando procuramos avaliar os resultados gerais da política econômica do governo Lula. É a seguinte: numa medida fundamental, estes avanços não dependeram de méritos da política econômica do governo Lula. Em parte, retomaram uma tendência que vinha do governo anterior; representaram a superação da crise de 2002 - resultado, em grande medida, da especulação contra o real, a partir do medo que os mercados tinham da eleição do então candidato de oposição à presidência. E, em parte, explicam-se por uma conjuntura internacional extremamente favorável.

A quarta observação talvez seja a mais importante: estes resultados têm de ser confrontados com as conseqüências negativas da política monetária e fiscal em outras áreas, que constituem (ou deveriam constituir) objetivos centrais de qualquer governo — como nas questões do crescimento econômico e da distribuição da renda. Ora, as conseqüências negativas para o crescimento econômico, para o volume do emprego e para a distribuição de renda já foram mencionadas na Introdução deste relatório, e são demonstradas também no item sobre a Relação Capital-Trabalho.

d) Apoios e alianças

Com tudo o que já foi dito, não causa surpresa o fato de ter havido um apoio bastante grande às políticas monetária e fiscal por parte dos representantes políticos do antigo governo, bem como dos representantes do setor financeiro, além dos representantes das organizações multilaterais (FMI e Banco Mundial) e de governos dos principais países (entre eles, o governo dos EUA). De fato, até ser obrigado a deixar o cargo por razões que nada tinham que ver com sua gestão à frente do Ministério da Fazenda, Antônio Palocci foi um ministro sempre elogiado por todos estes setores.

Já os dirigentes dos setores produtivos — isto é, os capitalistas do setor industrial e do setor agrícola — alternaram elogios à seriedade geral da política econômica com críticas ao seu conservadorismo (especialmente ao conservadorismo da política monetária). Por diversas vezes, pediram reduções mais rápidas das taxas de juros.

Por outro lado, os representantes dos movimentos sociais — a base tradicional do presidente da República e do seu partido, o PT — foram, em geral, críticos às orientações da política macroeconômica. Por diversas vezes pediram mudanças. Na sua maioria, apoiaram a campanha do presidente Lula à reeleição; mas pedem mudanças no segundo mandato.

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Vale destacar que um dos principais movimentos do país — o MST — não apoiou a candidatura à reeleição no primeiro turno; entre os argumentos que apresentou para isto, esteve, com destaque, o conservadorismo da política monetária e fiscal. Para o segundo turno, o MST está fazendo campanha por Lula, mas insistindo numa disputa, num segundo mandato, pela mudança destas políticas.

II – Relação Capital - Trabalho

a) Situação anterior ao governo Lula

Em dezembro de 2002, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) calculava que a taxa de desemprego (com referência a 30 dias) para as cinco principais regiões metropolitanas do país estava em 10,5%. Na média de 2002, essa taxa foi de 11,7%, a mesma registrada pela região metropolitana de São Paulo, principal centro econômico do país, em dezembro. Nesse mesmo ano, a participação dos ocupados, com 10 anos ou mais, sem nenhum vínculo previdenciário, aí compreendida a previdência pública ou privada, era de 55,02%, o que reflete o tamanho da informalidade na ocasião. Em dezembro de 2002 o rendimento médio dos ocupados estava 30 abaixo da média de 1997. Já o salário mínimo real era 2,1% inferior ao de dezembro de 1986.

Já a legislação trabalhista - regida pelas 922 leis que integram a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) -, impulsionada fundamentalmente por Getúlio Vargas em seus dois governos, desde os anos 90 vem sendo flexibilizada, quando as políticas neoliberais ganharam força no país (Tabela 1).

Tabela 1 - Principais mudanças na legislação trabalhista

Área Medida Objetivos

Contratual 1. Cooperativa profissional ou de prestação de serviços. (Lei 8949/94);

1. Cria cooperativas de prestação de serviço, sem caracterização de vínculo empregatício (sem os direitos trabalhistas da CLT).

2. Contrato por tempo determinado. (lei 9601/98);

2. Reduz critérios de rescisão contratual e as contribuições sociais;

3. Contrato por jornada parcial. (MP 1709/98);

3. Estabelece jornada de até 25 horas semanais, com salário e os demais direitos proporcionais e sem participação do sindicato na negociação.

  4. Suspende o contrato de trabalho, por prazo de 2 a 5 meses, associado à qualificação profissional, por meio de negociação entre as partes;

4. Suspensão do Contrato de Trabalho. (MP 1726/98);

5. Elimina mecanismos de inibição da demissão imotivada e reafirma a possibilidade de demissão sem justa causa;

  6. Define limites de despesas com pessoal, regulamenta e estabelece o prazo de 2 anos para as demissões por excesso de pessoal, regulamentando a demissão de servidores públicos estáveis por excesso de pessoal;

5. Denúncia da Convenção 158 da OIT. (decreto 2100/96);

7. Redefine a lei 6.019/74 de contrato temporário, estimulando o contrato de trabalho precário;

6. Setor público: demissão (lei 9801/99 e lei complementar 96/99);

8. Estabelece a unificação de impostos e contribuições e a redução de parte do custo de contratação do trabalho;

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  9. Favorece a terceirização do emprego e das cooperativas de trabalho.

7. Trabalho temporário (Portaria 2, 29/06/96);

 

8. Contrato para micro e pequenas empresas (Lei do Simples 9517/96);

 

9. Terceirização (Portaria TEM de 1995 e Enunciado 331 do TST)

 

Tempo de Trabalho

1. Banco de Horas (Lei 9061/1998 e MP 1709/98);

1. Define jornada organizada no ano para atender flutuações dos negócios e prazo de até 1 ano para sua compensação, através de acordo ou convenção coletiva;

2. Liberação do Trabalho aos domingos (MP 1878-64/99)

2. Define o trabalho aos domingos no comércio varejista em geral, sem necessidade de negociação coletiva.

Salarial

1. Participação nos lucros e Resultados (MP 1029/94 e Lei 10.10/2000);

1. Define a participação nos lucros e resultados (PLR) da empresa através da negociação coletiva de trabalho;

2. Política Salarial (Plano Real – MP 1053/94);

2. Induz a “livre negociação”, através da eliminação da política de reajuste salarial do Estado e proíbe as cláusulas de reajuste automático de salários;

3. Salário Mínimo (MP 1906/97).

3. Fim da correção do salário mínimo, sendo seu valor definido pelo Poder Executivo e introduz o piso salarial regional.

Organização do Trabalho

1. Fim do Juiz classista (PEC 33-A/99);

1. Acaba com o juiz classista na Justiça do Trabalho;

2. Limitação da ação sindical no setor público (Decreto 2066/96);

2. Estabelece punição para servidores grevistas e limita o número de dirigentes sindicais;

3. Ultratividade acordo/convenção (MP 1620/98);

3. Inibe a validade de acordos e convenções até que novos sejam renegociados entre as partes;

4. Substituição de grevistas no setor público (MP 10/2001).

4. Define a contratação temporária de até 3 meses, renováveis, em caso de greve de funcionários públicos por mais de 10 dias.

Demissão

1. Comissão de conciliação prévia – CCP (Lei 8959/2000)

1. Estabelece condições de julgamento em primeira instância dos dissídios individuais, funcionando de forma paritária, mas sem estabilidade para seus membros;

  2. Define procedimento sumaríssimo para dissídio individual com valor abaixo de 40 vezes o valor do s.m.;

2. Rito Sumaríssimo (Lei 9957/2000);

3. Restringe a autuação no caso de conflito da legislação com acordo/convenção e desincentiva a aplicação de multa trabalhista em caso de ilegalidade trabalhista.

3. Fiscalização do TEM (Portaria 865/95).

 

Fonte: Pochmann, 2003.

b) A situação do mercado de trabalho no governo Lula e suas iniciativas

Mercado do Trabalho13

O mau desempenho econômico registrado no primeiro ano do governo Lula provocou redução de 12,6% do rendimento médio habitual14 real do trabalhador brasileiro em relação a 2002. Essa redução foi observada em todas as categorias de ocupação, apesar daquelas mais organizadas terem firmado acordos de reajuste salarial favoráveis no segundo semestre, quando o nível de atividade se recuperou um pouco.

13 Essa parte se beneficiou de Marques e Nakatani, artigo a ser publicado no número 189, previsto para março de 2007, da revista Tiers Monde.14 No cálculo do rendimento habitual não são consideradas as horas extras, os atrasados, as férias, etc.

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Nesse primeiro ano, ainda, a taxa média de desemprego aberto das cinco regiões metropolitanas calculada para pelo IBGE registrou aumento (12,3%; quando era 11,7% em 2002).

Em 2004, muito embora a economia tenha crescido 4,9%, o rendimento médio real dos ocupados recuou mais 0,7%, mas a taxa média de desemprego no ano caiu para 11,5%. Em 2005, o rendimento médio habitual real apresentou uma pequena recuperação, crescendo 2% em relação ao ano anterior. Esse desempenho, contudo, não atingiu os trabalhadores com carteira assinada, os quais sofreram redução de 0,8% em seu rendimento médio habitual real (em 2004 ele havia aumentado 0,3% e, em 2003, havia se reduzido em 4,9%). Nesse ano, a taxa média de desemprego continuou a cair, registrando 9,8%.

Em relação ao rendimento, vale salientar ainda que, além do rendimento médio real habitual dos ocupados ter registrado redução durante o governo Lula, aprofundou-se o processo de concentração dos ocupados nas faixas de renda mais baixas. Se considerarmos o rendimento principal dos ocupados com 10 anos ou mais, 89,9% recebiam até 5 salários mínimos em 2004. Em 2002, esse percentual era de 87,6% (IBGE – Banco de dados - Sidra).

De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e do Emprego, nos três primeiros anos do governo Lula, foram criados 3.422.700 de empregos formais (admissões líquidas = contratação – desligamento), isto é, com carteira assinada, significando que os trabalhadores estão amparados pelas leis trabalhistas e previdenciárias vigentes. A indústria de transformação contribui com 23,7% dessa expansão, o comércio 29,8% e os serviços com 38%. Somente nos dois últimos anos, foram criados 2.777.000 novos empregos formais, superior aos 2.634.000 criados entre janeiro de 1985 e dezembro de 2003.

Ao lado do crescimento do emprego formal, continuou a se expandir a ocupação informal, sem cobertura legal de nenhuma ordem. Para se ter idéia da importância do mercado informal no total dos ocupados, em 2004, segundo a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD), realizada pelo IBGE, 53,45% dos ocupados com 10 anos ou mais não contribuía para nenhum instituto de previdência. Se mantida essa proporção com relação ao crescimento da ocupação, durante o governo Lula teriam sido criadas 7.344.849 novas ocupações. Esse resultado, além de estar longe do prometido durante a campanha eleitoral por Lula - defendia a necessidade da criação de 10 milhões de empregos – estaria fundado na permanência do domínio do trabalho informal no mercado de trabalho.

Iniciativas do governo LulaTrês são os campos em que se localizam as iniciativas do governo Lula. A

primeira delas diz respeito a seu tratamento com relação ao salário mínimo; a segunda foi a iniciativa de constituição do Fórum Nacional do Trabalho (FNT) e a terceira com relação à legislação trabalhista, desdobramento do FST.

A recuperação do salário mínimo começou desde o governo de F. H. Cardoso. Desde 1995, ele teve um aumento de 97% em termos reais. No governo Lula, depois de uma desaceleração deste processo de recuperação em 2003 e 2004, ele foi acelerado em 2005 e 2006. Entre dezembro de 2002 e setembro de

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2006, o salário mínimo cresceu 40% em termos reais — um aumento sem dúvida significativo, o mais expressivo dos últimos tempos, mas ainda distante do compromisso de campanha de Lula, que era de dobrar o valor do SM. A este respeito, ver o Item “Relação Capital-Trabalho”, adiante.

Quanto ao salário mínimo, embora o governo não tenha cumprido sua promessa de campanha de dobrar seu valor real, promoveu um aumento de 40% em seu poder aquisitivo, quando se compara a situação de dezembro de 2002 com a de setembro de 2006. Contudo, vale mencionar que a recuperação de seu valor teve início durante o governo F. H. Cardoso. Dessa forma, se compararmos seu valor ao de 1995, ele teve um aumento de 97% em termos reais. Nos primeiros dois anos do governo Lula, e processo de recuperação foi desacelerado, retomando fôlego em 2005 e 2006.

Já no documento que apresentava as linhas mestras do que seria seu programa de governo, Lula havia se comprometido a promover um Fórum Nacional do Trabalho (FNT), organizado de forma tripartite (governo, empregadores e trabalhadores) para discutir e encaminhar a reforma da estrutura sindical brasileira e da legislação trabalhista. E assim, em agosto de 2003 tiveram início os trabalhos do FNT. Contudo, embora seus objetivos explícitos fossem “promover a democratização das relações de trabalho por meio da adoção de um modelo de organização sindical baseado em liberdade e autonomia e atualizar a legislação do trabalho, tornando-a mais compatível com as novas exigências do desenvolvimento nacional, de maneira a criar um ambiente propício à geração de emprego e renda” (FNT). São objetivos também do FNT: a modernização das instituições de regulação do trabalho, especialmente da Justiça do Trabalho e do Ministério do Trabalho e Emprego; o estímulo ao diálogo e ao tripartismo e garantia da justiça social no âmbito das leis trabalhistas, da solução de conflitos e das garantias sindicais.

Apesar desses objetivos, os resultados ficaram praticamente restritos à discussão e a elaboração de proposta de reforma no campo sindical. Em fevereiro de 2005, o então Ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, afastado da direção do Partido dos Trabalhadores em outubro de 2006 devido a mais um escândalo em que o governo Lula se viu envolvido, enfatizando que estava respeitando os acordos construídos no FNT sobre o tema, encaminhou o projeto de emenda constitucional (PEC) 369/05 para ser apreciado pelo Congresso Nacional. A PEC 369/05 dá nova redação aos artigos 8, 37 e 114 da Constituição Brasileira. Abaixo são destacados os principais pontos decorrentes da aplicação dos dispositivos da PEC, na compreensão do Ministério do Trabalho e do Emprego.

Os principais pontos previstos pela PEC

1. Quanto à organização sindical• Entidades sindicais (sindicatos, federações, confederações, centrais) em todos os níveis e âmbitos de representação, tendo o município como base territorial mínima.• Organização sindical por setor econômico ou ramo de atividade preponderante da empresa;• Constituição de entidades sindicais com base em critérios de representatividade comprovada ou derivada;• Exclusividade de representação apenas para os sindicatos que já possuem registro no MTE e que cumpram os novos critérios de representatividade comprovada;• Extinção gradual do Imposto Sindical e extinção imediata da Contribuição Confederativa e da Contribuição Assistencial;• Contribuição de Negociação Coletiva, extensiva a todos os abrangidos por negociação coletiva, para custeio de entidades sindicais de trabalhadores e empregadores.

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• Caracterização dos atos ou condutas anti-sindicais, com base nos princípios inscritos na Convenção 135 da OIT.• Regulamentação da representação dos trabalhadores nos locais de trabalho, para a solução de conflitos na empresa.

2. Negociação Coletiva• Valorização da negociação coletiva em todos os níveis e âmbitos de representação, preservados os direitos definidos em lei como inegociáveis;• Contratos de nível superior devem indicar as cláusulas que não poderão ser alteradas pelos contratos de nível inferior;• Prazo de vigência do contrato coletivo de até três anos, salvo acordo entre as partes em sentido contrário;• Período de validade definida no contrato coletivo, podendo existir diferentes períodos de negociação para diferentes cláusulas de um mesmo contrato coletivo;• Constituição de mesa única de negociação no caso de existir mais de uma entidade sindical reconhecida;• Amplo processo de consulta aos representados, por meio de assembléia geral, para assinatura de contrato coletivo em qualquer nível ou âmbito de representação;• Centrais Sindicais não poderão negociar diretamente, devendo apenas articular a representação do conjunto dos trabalhadores e atuar no âmbito político-institucional;• Em caso de vencimento de contrato coletivo sem renovação, haverá prorrogação por pelo menos 90 dias e as partes poderão, de comum acordo, nomear árbitro;

3. Solução de Conflitos• Valorização da composição voluntária de conflitos do trabalho, por meio de conciliação, mediação e arbitragem, sem prejuízo do acesso ao Poder Judiciário;• Possibilidade de recurso à arbitragem privada ou a arbitragem pública para a solução de conflitos coletivos de interesses;• Arbitragem pública será prerrogativa exclusiva da Justiça do Trabalho, sob a forma de solução jurisdicional voluntária;• Arbitragem privada será disciplina pela Lei Geral de Arbitragem, devendo o MTE constituir um cadastro de árbitros e instituições de arbitragem;• Conflitos de natureza jurídica, individuais ou coletivos, continuarão a serem julgados pela Justiça do Trabalho;• A conciliação de conflitos individuais de interesses será exercida pela representação dos trabalhadores no local de trabalho, extinguindo-se a CCP.• Regulamentação da substituição processual para a defesa coletiva dos direitos decorrentes das relações de trabalho;• Direito de greve com pré-aviso de 72 horas, comunicado à população em 48 horas nos serviços essenciais, garantia de serviços mínimos e recurso à arbitragem.

4. Diálogo Social e Tripartismo• Criação do Conselho Nacional de Relações do Trabalho (CNRT), com participação tripartite e paritária de representantes de governo, trabalhadores e empregadores;• CNRT deverá priorizar a implementação da reforma sindical, com a proposição de critério de organização por setor econômico e ramo de atividade;• CNRT terá competência para propor diretrizes de políticas públicas na área de relações de trabalho;• Câmaras Bipartites do CNRT tratarão, em separado, dos interesses específicos das representações de trabalhadores e de empregadores.

Apesar da afirmação do então Ministro Berzoini, a PEC 369 recebeu críticas de vários segmentos da sociedade brasileira, especialmente do movimento sindical. Em abril de 2005, 120 entidades, entre elas associações, sindicatos e federações, assinaram um manifesto contrário aos seus dispositivos, iniciando mobilização contrária a sua

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aprovação. Duas são as suas principais críticas: a compreensão que o inciso II do artigo art.1º estabelece a volta do poder intervencionista do Estado nos sindicatos dos trabalhadores e que a exigência do sindicato atender o critério de “...agregação que assegurem a compatibilidade de representação em todos os níveis e âmbitos da negociação coletiva” significa, na prática, obrigá-lo a se filiar a uma Central Sindical e suas Confederações/Federações para que obtenha a representação sindical.

Além da PEC 369/05, o Ministério do Trabalho e do Emprego também elaborou um projeto de lei que versa sobre as relações sindicais, mas este ainda não foi encaminhado para o Congresso Nacional. Segundo essas mesmas entidades, esse projeto:

a) “....elimina os dispositivos existentes na legislação atual que estabelecem a prevalência da lei em relação ao que for negociado, sempre que ela for mais favorável ao trabalhador. Assim a reforma já abre caminho para a concretização de reivindicação histórica do empresariado: acabar com direitos trabalhistas (férias, 13o, FGTS, licença maternidade, etc) através da negociação coletiva”;

b) “... as entidades de grau superior poderão negociar, e assinar um acordo, em nome dos trabalhadores sem consultar as assembléias de base, o qual não poderá ser modificado pelo sindicato de base, mesmo se os trabalhadores forem contra as condições constantes do mesmo”;

c) “... o Ministério do Trabalho ganha poderes para outorgar ou não a representação sindical a uma entidade construída pelos trabalhadores, para definir como deve ser os seus estatutos, podendo ainda cassar a representação do sindicato que não obedecer a suas diretrizes”;

d) institui o ..... “ a figura do sindicato biônico”, pois “entidades de grau superior ganham poder de constituir sindicato (mesmo sem nenhuma representatividade entre os trabalhadores) na base de outra entidade já existente, substituindo-a, utilizando-se da chamada representação “derivada””;

e) “A Contribuição Negocial, instituída no lugar do imposto sindical (única contribuição obrigatória existente hoje, que desconta 3,3% de um salário mensal do trabalhador), poderá variar de 0 a 13% do salário anual e em conseqüência poderá aumentar o volume de recursos retirados dos trabalhadores para financiar a estrutura sindical”;

f) “O direito de greve torna-se letra morta, na medida em que o projeto chega ao ponto de autorizar o empregador a contratar substitutos para os grevistas, caso o sindicato não concorde em designar, ele mesmo, os trabalhadores que continuariam exercendo suas funções durante a greve. Além disso, criminaliza as ações que os grevistas normalmente fazem para fortalecer seu movimento (as enquadra para punição, no código penal, civil e na legislação trabalhista)”;

g) “.... mantém a discriminação contra os servidores públicos” pois “os servidores” continuarão” a não poder exercer o direito de negociação e contratação coletiva, por falta de regulamentação legal”.

III – Intervenção do Estado na Economia

1- Empresas e Serviços Públicos

a) Situação anterior ao Governo Lula

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Ao longo da década de 1990, o Brasil passou por um suntuoso processo de privatização de parte significativa de seu parque produtivo, antes controlado por empresas estatais. Dentro da lógica de redução da intervenção do Estado na economia e de elevação da eficiência de tais companhias, privatizações foram realizadas especialmente nos setores de infra-estrutura e serviço, principalmente telecomunicações e energia elétrica, além da privatização de parte significativa do sistema financeiro, especialmente de bancos estaduais. Tal programa de privatizações resultou em uma transferência de aproximadamente US$100 bilhões, em ativos produtivos, para o setor privado.

Simultaneamente, conformou-se, ao longo da década de 1990, a adoção de distintos marcos regulatórios, com a criação de agências de regulação (de energia, telecomunicações etc.), que instituíram princípios privados dentro dessa órbita estatal, com intuito de preservar concepções de eficiência etc.

b) Iniciativas do Governo Lula

O governo Lula não fez nenhuma alteração com relação às empresas previamente privatizadas. Apesar dos questionamentos anteriores, por parte de seu partido (PT), a respeito da realização de tais privatizações, e da idéia levantada de rever tais processos, tal não foi prosseguida, ou seja, não houve uma análise aprofundada de tal processo, muito menos uma reversão das privatizações realizadas.

Apesar das privatizações realizadas anteriormente terem sido preservadas, não houve a realização de novos programas de privatização. As grandes empresas que permanecem dentro do aparato estatal (tal como a Petrobrás) permanecem como parte do mesmo, não havendo, segundo o governo, intenção de privatizar essas também.

c) Resultados e projeções

O resultado desse período foi a manutenção da mesma lógica focada na eficiência de eficiência e serviços públicos, com a tendência de preservação da empresas que não foram privatizadas e que são consideradas como essenciais para o país.

Com relação às agências reguladoras de tais empresas privatizadas, o governo Lula manteve concepção semelhante a anteriormente existente com relação as mesmas, embora tenham se verificado alterações, se não em seu formato, na utilização das mesmas.

2- Políticas públicas setoriais

a) Situação anterior ao Governo Lula

As políticas públicas setoriais tiveram baixo desenvolvimento ao longo do governo FHC, tendo-se focado nas mesmas apenas como resultado das políticas macroeconômicas.

b) Iniciativas do governo Lula

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Com relação às políticas setoriais do governo, uma crítica comum foi o fato de que parte significativa das agências reguladoras criadas (como a Anatel, para telecomunicações, ou Aneel, para energia elétrica) acabaram conformando elas mesmas políticas setoriais. Trata-se de uma distorção do papel das agências, sendo que as mesmas acabaram absorvendo atividades de formulação de políticas públicas e o poder de outorgar e conceder serviços públicos.

Isso se deu, segundo o próprio governo, por existir uma falta de estrutura dos ministérios setoriais responsáveis pela formulação das políticas, no exercício de suas competências legais. Isso permitiu, em alguns casos, que as agências não só regulassem e fiscalizassem o setor, como também acabassem por atuar de forma ampla na formulação de políticas setoriais.

O governo Lula teve, no entanto, alguns avanços em termos de políticas setoriais específicas. Com relação aos investimentos em habitação, os mesmos não só cresceram, mas a prioridade que tal passou a ter no governo aumentou.

Uma inovação importante foi a criação do Ministério das Cidades; a partir desse novo órgão, o Governo Federal passou a tratar de forma diferenciada a implementação da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano e das políticas setoriais de habitação, planejamento urbano, saneamento ambiental e de transporte e mobilidade urbana.

Com relação aos recursos, o montante dos investimentos em habitação feitos pelo Governo Lula elevaram-se de forma significativa. Em 2005, totalizando-se os recursos oriundos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, do Fundo de Arrendamento Residencial – FAR, do Fundo de Desenvolvimento Social – FDS, do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, do Orçamento Geral da União – OGU, da CAIXA e ainda os que são captados pelo Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo – SBPE, estão previstos nada menos que R$ 14,6 bilhões. Esse montante representa uma evolução de mais de 100% em relação ao que foi aplicado no último ano do governo anterior.

Evolução da Aplicação de Recursos no Setor Habitacional (em R$ bilhões)Ano 2001 2002 2003 2004 2005

Valor Aplicado 6,1 6,5 8,4 10,5 14,6Fonte: Relatório 30 meses do Governo Lula (Infra-estrutura/Habitação)

Outro fator importante a se destacar é em relação às prioridades de aplicação dos recursos. Buscou-se mirar o núcleo do déficit habitacional do país – que, segundo levantamento da Fundação João Pinheiro, está hoje próximo de 7 milhões de novas unidades habitacionais, com mais de 90% atingindo famílias com renda mensal abaixo de 5 salários mínimos. A partir de 2003 houve uma inflexão importante, tendo-se registrado uma redução percentual dos atendimentos habitacionais com recursos sob gestão federal (FGTS, FAR, FDS, OGU, FAT, CAIXA) nas faixas de renda acima de 5 salários mínimos em favor das faixas de renda menores. Em 2004, a maioria dos atendimentos (quase 60%) contemplou famílias com rendimento até 3 salários mínimos. Esse mesmo percentual está previsto para 2005.

Deve-se mencionar ainda a aprovação da Lei nº 11.124/05 – que institui o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social e seu respectivo Conselho Nacional – possibilita um

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aperfeiçoamento da política já em vigor, particularmente no que se refere ao subsídio habitacional para famílias de baixa renda.

Em termos de política setorial, houve um significativo incentivo ao crescimento do agronegócio. Buscou-se investir na pesquisa agropecuária, que realizou o desenvolvimento de 529 novos cultivares, cada clima e solo nas principais regiões produtoras do país. Houve também avanço no emprego de técnicas mais avançadas, como o plantio direto na palha e o trabalho de correção de solos.

O agronegócio é considerado responsável por 33% do PIB, 42% das exportações totais e 37% dos empregos no Brasil.

O governo está destinando R$ 60 bilhões de crédito para a agricultura na safra 2006/2007, um acréscimo de 12,5% sobre o valor programado para a safra precedente. Do total, R$ 50 bilhões são direcionados para a agricultura comercial, valor 13% superior ao destinado na safra anterior, e R$ 10 bilhões para a agricultura familiar.

O volume de recursos para o crédito agrícola aumentou 90,26% no governo Lula, em relação ao último ano-safra planejado no governo anterior; no governo FHC, considerando os recursos totais, foram destinados R$ 113,41 bilhões. O governo Lula, entre 2002 e 2005, destinou R$ 131,8 bilhões.

Além disso, aprovou-se, no governo Lula, a subvenção econômica ao prêmio do seguro rural, o que seria uma medida importante para garantir a estabilidade da renda do produtor rural. Com isso, o governo paga parte das despesas do produtor com o seguro agrícola. O governo pode subvencionar o mínimo de R$ 7 mil e o máximo de R$ 32 mil por produtor para as culturas de algodão, arroz irrigado, feijão, milho, soja, trigo, maçã e uva, entre outras. A subvenção econômica ao prêmio do seguro rural foi instituída pela Lei n° 10.823/2003. Em 2004 e 2005, o governo pagou R$ 270 mil e R$ 3,5 milhões, respectivamente, na implantação do programa. Para 2006, estão orçados R$ 32,4 milhões.

Tem-se ainda que os incentivos fiscais ao agronegócio cresceram 588,82% no governo Lula. O aumento se deve às isenções de PIS e Cofins concedidas a diversas cadeias produtivas do agronegócio em 2005. Os benefícios saltaram de R$ 702 milhões, em 2003, para R$ 4,3 bilhões, em 2006. Foi suspensa a incidência da contribuição na venda de café, trigo, centeio, cevada, aveia, milho, arroz, leite in natura e derivados lácteos. A isenção também se aplica quando a venda é realizada por cooperativas agropecuárias.

3- Papel do Estado como condutor da atividade econômica

a) Situação anterior ao Governo Lula

O papel do Estado como condutor da atividade econômica foi fortemente questionado no governo anterior. Dado o pressuposto de um Estado “neoliberal”, o mesmo deveria se focar nas funções “inerentes” do Estado e, sua intervenção na economia, deveria se limitar a diretrizes macroeconômicas e em seu papel regulador das atividades econômicas desenvolvidas pelo setor privado.

b) Iniciativas do governo Lula

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No plano geral das contas públicas, as despesas do governo vêm crescendo de modo contínuo: entre 1999 e 2005, desconsiderando-se o pagamento de juros, as despesas do governo cresceram a uma média de 18,3% ao ano, saltando de 15,85% do PIB para mais de 18% em 2005. Nos dez anos que vão de 1995 a 2005, as despesas do governo federal cresceram 77% acima da inflação: em média, houve uma expansão real anual de 5,8%, bem maior do que o crescimento do PIB, que foi de 2,5%. Nos três anos do governo Lula, a média de aumento de gastos públicos correntes foi de 6,23% acima da inflação.

A realização de gastos do governo com investimento produtivo, forte instrumento estatal para crescimento da economia, especialmente para os setores de infra-estrutura, tem se reduzido ao longo dos últimos anos, em níveis menores ainda aos registrados no governo anterior (que já eram bastante reduzidos frente a indicadores históricos) Os investimentos produtivos diminuíram, sobretudo em infra-estrutura, saúde e educação; os investimentos públicos nos dez anos que vão de 1995 a 2005 caíram de 0,6 para 0,5% do PIB, depois de ter alcançado, 0,9, 1,2 e 0,8% do PIB em 2000-2002. Existem indícios de que tais proporções podem estar se ainda menores, sendo este um dado preocupante, na medida em que a falta de investimentos públicos nessas áreas impacta negativamente as possibilidades de crescimento nos anos à frente, visto o papel propulsor do crescimento de tais áreas da economia.

Com relação à organização do setor público, tem-se que o governo anterior promoveu uma significativa redução do quadro de servidores da administração pública, com terceirização de parte do quadro de funcionários antes existentes. A redução da força de trabalho no Executivo, no período de 1996 a 2002, foi de 18%. Dessa diminuição, 39% da redução foi na administração direta e 61% na administração indireta, o que implicou no corte de 98.025 postos de trabalho no Executivo Federal Civil. No governo Lula, foram autorizadas, até 2005, as contratações de 81 mil novos servidores (com previsão de preenchimento de mais 21mil vagas até o final de 2006), com dois objetivos principais, a fim de substituir parte dos funcionários terceirizados e aposentados e promover uma recomposição do quadro de servidores.

Com relação às parcerias público-privado (PPPs), consideradas uma nova forma importante de incentivo do governo aos investimentos privados, a lei das PPPs só foi aprovada pelo Congresso no fim de 2004. Até setembro de 2006, só se iniciou dois processos de parcerias: as reformas de dois trechos na BR-116 e na BR-324, ambas na Bahia.

IV – Sistema Financeiro

a) Situação anterior ao Governo Lula

A abertura financeira da economia brasileira ocorreu ao longo da década de 1990, porém tendo avançado com maior profundidade ao longo da gestão do governo FHC, com liberalização significativa de movimentos de capitais entre o país e o exterior, ao reduzir as barreiras até então existentes aos investimentos estrangeiros de portfólio no mercado financeiro doméstico e viabilizar o acesso dos residentes às novas modalidades de financiamento externo (emissão de títulos e ações no mercado

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internacional de capitais, cuja contrapartida são os investimentos de portfólio dos investidores não residentes no mercado financeiro internacional).

Tais mudanças foram possíveis pela flexibilização da entrada de investidores estrangeiros no mercado financeiro brasileiro e a adequação do marco regulatório doméstico ao modelo contemporâneo de financiamento internacional, ancorado na emissão de securities (títulos de renda fixa e ações). A maior parte das medidas foi feita de forma ad hoc, seja mediante resoluções e circulares do Banco Central, seja por meio de Medidas Provisórias.

Tais mudanças estruturais marcaram a maior vulnerabilidade do país a alterações de fluxos de capital externo. As crises financeiras ocorridas na 2ªmetade da década de 1990 e como as mesmas atingiram o país conformam tal quadro. Mesmo quando os fluxos retomaram no começo de 2000 (com destaque para os investimentos de portfólio), para os países periféricos, após a retração de 1998/99, o acesso desses países ao mercado financeiro internacional foi extremamente instável e dependente das condições vigentes nos mercados financeiros dos países centrais.

A natureza atual da base de investidores foi um dos principais canais de transmissão dos choques nos mercados financeiros dos países centrais para os “emergentes”, contribuindo para a natureza volátil do acesso.

Tem-se, então, que a abertura financeira não trouxe os propalados benefícios que os investimentos estrangeiros de portfólio e o aumento da presença estrangeira no sistema financeiro deveriam trazer. Além disso, não houve aumento do passivo externo da economia brasileira, o que, associado ao processo de abertura, elevou a vulnerabilidade externa do país.

b) Iniciativas do governo Lula

O governo Lula deu continuidade ao processo de abertura financeira, mantendo a mesma estratégia do governo anterior, com crescente integração financeira entre o país e o exterior. Duas medidas no governo Lula destacam-se.

Primeiramente, a unificação dos mercados de câmbio livre e flutuante e a extinção da Conta de Não-Residentes (CC5), em março de 2005, que eliminou os limites para que pessoas físicas e jurídicas convertam reais em dólares e os remetam ao exterior. Com as mudanças, qualquer residente no país pode efetuar suas remessas diretamente, sem a intermediação das contas de instituições financeiras não-residentes. Também se flexibilizou a cobertura cambial às exportações, com ampliação dos prazos de retenção de dólares no exterior pelos exportadores, medida que ampliou a conversibilidade da conta corrente do balanço de pagamentos.

Em segundo lugar, em fevereiro de 2006, a Medida Provisória 281 sancionou a concessão de incentivos fiscais aos investidores estrangeiros para a aquisição de títulos da dívida pública interna, reduzindo os custos com IR ou CPMF, com intuito de estimular o aumento da demanda por títulos públicos internos pelos investidores estrangeiros.

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Com relação ao Banco Central do Brasil e ao executivo (referindo-se, aqui, ao Ministério da Fazenda) manteve o alinhamento que já ocorria no governo anterior. Há forte convergência na análise de que a prioridade continua sendo o controle inflacionário, através do atingimento da meta de inflação.

Em termos no sistema financeiro como um todo, o mesmo continua tendo papel prioritário na órbita de ação do governo, superando os interesses do setor produtivo, seja na manutenção de políticas e legislações especificas, seja através da contundência do tipo de política econômica adotada (com manutenção de altas taxas de juros). Manteve ainda o pagamento dos juros da dívida pública como prioridade de dispêndio por parte do governo, tendo-se pago, nos primeiros três anos de governo, cerca de R$400 bilhões somente nesses juros para o setor financeiro.

Realizou-se, também, um pagamento antecipado ao FMI de US$ 15,5 bilhões e de US$ 1,7 bilhão ao Clube de Paris e realizou-se um resgate de US$ 6,64 bilhões em títulos Bradies da dívida externa, de um total de US$ 23,84 bilhões. O governo, para garantir a antecipação do pagamento de títulos da dívida externa, cujos juros são de 4% ao ano, emitiu novos papéis da dívida externa e interna com juros de 16,25% ao ano, elevando, com isso, a dívida interna e externa do país.

c) Resultados e projeções

A expansão do crédito, ao longo desses anos, foi marcada principalmente pela evolução nos financiamentos contratos por pessoas físicas, com forte participação das operações de crédito pessoal, especialmente na forma de empréstimos consignados em folha de pagamento.

As operações de crédito do sistema financeiro atingiram R$607 bilhões, ao final de 2005, ante um total de operações de R$378 bilhões, ao final de 2002, crescimento de 60,6% em três anos de governo. A participação do total de empréstimos no PIB passou de 24% para 31,2%. Apesar dessa elevação em termos de pessoa física, a demanda por parte das empresas manteve-se reduzida, tendo em vista o baixo dinamismo da atividade econômica ao longo dos últimos anos.

A carteira dos bancos privados nacionais alcançou R$248,3 bilhões, em 2005, totalizando 40,9% do crédito cedido, crescimento de 6% nos últimos três anos; quanto aos financiamentos ofertados pelas instituições financeiras estrangeiras, estes somaram R$135,7 bilhões em 2005, ante R$223,2 bilhões por parte dos bancos públicos, que apresentaram maior crescimento nesses últimos anos, sendo que possuía um aporte de crédito de R$144,1 bilhões ao final de 2002, o que significa um crescimento de quase 55% em três anos. Ou seja, o setor privado permanece como maior carteira de crédito concedido, porém seu ritmo de crescimento nos últimos anos é bem menor do que o registrado por parte do setor público.

Composição do Sistema Financeiro

Segmento2002 2003 2004 2005 2006

Dez Dez Dez Dez AgoBanco Múltiplo 143 141 139 138 139Banco Comercial (1) 23 23 24 22 22

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Banco de Desenvolvimento 4 4 4 4 4Caixa Econômica 1 1 1 1 1Banco de Investimento 23 21 21 20 20Sociedade de Crédito Financiamento e Investimento 46 47 46 50 51Sociedade Corretora de Títulos e Valores Mobiliários 161 147 139 133 127Sociedade Corretora de Câmbio 42 43 47 45 46Sociedade Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários 151 146 138 134 129Sociedade de Arrendamento Mercantil 65 58 51 45 42Sociedade de Crédito Imobiliário (2) e Associação de Poupança e Empréstimo 18 18 18 18 18Companhia Hipotecária 6 6 6 6 6Agência de Fomento 10 11 12 12 12

Subtotal 693 666 646 628 617Cooperativa de Crédito 1.430 1.454 1.436 1.439 1.446Sociedade de Crédito ao Microempreendedor 37 49 51 55 56

Subtotal 2.160 2.170 2.133 2.122 2.119Sociedade Administradora de Consórcios 376 365 364 342 339

Total 2.536 2.535 2.497 2.464 2.458Fonte: Banco Central do Brasil.

V - Relacionamento com as instituições financeiras internacionais (IFIs) e “os mercados”

a) Situação anterior ao Governo Lula

O governo FHC apresentava forte relação com as instituições financeiras internacionais (IFIs), que chegava a se caracterizar como de subordinação frente aos interesses das mesmas. Manteve suas diretrizes de política econômica alinhadas com as concepções de instituições como FMI e Banco Mundial.

b) Iniciativas do governo Lula

O governo Lula manteve, a princípio, o mesmo alinhamento junto às IFIs; desde a divulgação da Carta ao Povo Brasileiro, como vimos, foi enfatizada a necessidade de cumprir os contratos; dentre esses, os previamente realizados com o FMI. Assim, o pagamento de juros da dívida pública continuou a ser uma prioridade dentro das diretrizes do governo.

Além disso, a adoção de políticas sociais com cunho assistencialista, como é o caso do programa Bolsa Família, é uma característica do enfoque do Banco Mundial de como manejar tal tipo de política.

c) Resultados e projeções

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A dívida externa brasileira sofreu uma pequena redução, a partir do final de 2004. Porém, a aporte da mesma permanece bastante elevado, assim como o pagamento dos juros atrelados a tal dívida são foco da condução da política econômica e dos gastos do governo.

dívida externa

0,00

50.000,00

100.000,00

150.000,00

200.000,00

250.000,00

300.000,001

99

5 T

4

19

96

T2

19

96

T4

19

97

T2

19

97

T4

19

98

T2

19

98

T4

19

99

T2

19

99

T4

20

00

T2

20

00

T4

20

01

T2

20

01

T4

20

02

T2

20

02

T4

20

03

T2

20

03

T4

20

04

T2

20

04

T4

20

05

T2

20

05

T4

data

US

$

dívida externa

Fonte: Ipeadata.

Um dos feitos propalados pelo governo foi a liquidação da dívida com o FMI, liquidando, em dezembro de 2005, os empréstimos Stand-by Arrangement, em US$15,5 bilhões, que na verdade representou mais uma troca do tipo de dívida, sem reduzir de fato o montante da dívida externa do país.

A redução que ocorreu da dívida externa, de cerca de 168 bilhões de reais, foi fruto principalmente da valorização do Real frente ao dólar e das volumosas compras de dólares realizadas pelo Banco Central, utilizadas em parte para recomprar a dívida (a exemplo do que foi feito com o C-Bond).

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Distribuição da dívida por moeda

81%

7%9% 3%

dólar

iene

euro

outras

Fonte: Relatório Anual – Banco Central

discriminação 2002 2003 2004 2005serviço da dívida 49.893 52.988 51.905 66.234

amortizações 35.677 38.809 37.623 51.715juros brutos 14.216 14.179 14.282 14.519

dívida de médio e longo prazo (A) 187.316 194.736 182.630 150.674dívida de curto prazo (B) 23.395 20.194 18.744 18.776dívida total (A+B) 210.711 214.930 201.374 169.450reservas internacionais 37.823 49.296 52.935 53.799créditos brasileiros no exterior 2.798 2.915 2.597 2.778haveres de bancos comerciais 5.090 11.726 10.140 11.790dívida total líquida 164.999 150.993 135.702 101.082exportações 60.362 73.084 96.475 118.308PIB 459.379 506.784 603.994 791.897

indicadores (%)        

serviço da dívida/exportações 82,7 72,5 53,8 56,0serviço da dívida/PIB 10,9 10,5 8,6 8,4dívida total/exportações 349,1 294,1 208,7 143,2dívida total/PIB 45,9 42,4 33,3 21,4dívida total líquida/exportações 273,4 206,6 140,7 85,4dívida total líquida/PIB 35,9 29,8 22,5 12,8

Fonte: Relatório Anual – Banco Central

VI - Marco institucional

1- Entes Reguladores

a) Situação anterior ao Governo Lula

Os entes reguladores foram criados após as privatizações realizada na década de 1990, especialmente após a “onda” de grandes privatizações no 2° governo FHC (em 1997 e 1998). Tais agências teriam como objetivo regular e fiscalizar os serviços

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prestados por empresas privadas que atuam na prestação de serviços, e principalmente para acompanhar aquelas que haviam assumido, nas privatizações, funções antes exercidas pelo setor público (como no caso de telecomunicações, energia elétrica etc). Estas funcionam como autarquias, com significativa “independência” perante controle estatal.

b) Iniciativas do governo Lula

Não ocorreram mudanças significativas na atuação das agências reguladoras. Apesar de, no inicio do governo Lula, este ter levantado críticas significativas à criação de todas essas agências (chamando-as de uma terceirização do serviço governamental, dado um suposto exagero na autonomia das agências), o governo não realizou nenhuma mudança significativa na concepção de atuação das mesmas, preservando seus contratos.

No entanto, embora o governo tenha preservado a noção anterior de que o modelo de agências é a forma mais eficiente de controle de monopólios naturais em relação ao interesse público, questionou o caráter independente adotado no Brasil por tais instituições, o que poderia criar dificuldades para uma boa interação com os próprios planos do Estado, em termos de política setorial. O diagnóstico feito naquela ocasião alertava para o risco de que de "tão independentes", as agências se comportassem de forma independente do Estado, formulando as próprias.

Tem-se que tais agências sofreram significativas reduções na verba do orçamento. Estes cortes ocorreram, segundo Abdib (Associação Brasileira de Infra-Estrutura e Indústrias de Base), através de mecanismo chamado Reserva de Contingência, em que os cortes já são feitos na Lei Orçamentária Anual (LOA). A prática pôde ser verificada na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

c) Resultados e projeções

Com relação às agências reguladoras, as mesmas permanecem visto uma concepção de que as mesmas são importantes como manutenção de um marco institucional e de confiança para os distintos atores econômicos.

2- Banco Central do Brasil (BC)

a) Situação anterior ao Governo Lula

Ao longo do governo FHC, o Banco Central adotou postura claramente favorável aos preceitos liberais, utilizando no 1° mandato a política cambial e no 2° a meta de inflação como focos no controle dos indicadores inflacionários. O controle da inflação postou-se como único mecanismo de política monetária a ser adorada por tal instituição.

b) Iniciativas do governo Lula

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Apesar das críticas iniciais ao governo FHC e às políticas adotadas pelo Banco Central, com concepção de mudança econômica e social, o governo Lula manteve, desde a nomeação Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco de Boston, filiado ao partido de FHC, para ser presidente do Banco Central. Foi concomitante ao anúncio que manteria a mesma política econômica do governo anterior.

Tal manutenção foi inicialmente defendida como uma necessidade de transição, para aplacar a “herança maldita” do governo anterior. Aos poucos, passou-se a assumir que se tratava de uma política permanente do governo, de continuidade com relação ao governo precedente. Assim, o caráter autônomo do Banco Central foi preservado, tendo este como foco a busca ativa da meta de inflação determinada pelo governo – embora essa meta tenha parado de cair para os próximos anos, como seria recomendado pelo instrumental da política de metas para a inflação.

Apesar desse pretenso foco único do Banco Central, o mesmo também realiza de seu instrumental para mudar a composição da dívida, como ocorreu, por exemplo, das volumosas compras de dólares realizadas pelo Banco Central, utilizadas em parte para recomprar a dívida (a exemplo do que foi feito com o C-Bond).

VII - Reforma Agrária, Políticas Sociais e Economia Solidária.

1 - Reforma Agrária

Os movimentos sociais pela terra, entre os quais se destaca o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), entende que o governo Lula realizou uma política agrícola mediante uma aliança subordinada entre os grandes fazendeiros capitalistas com as empresas transnacionais, que controlam o comercio agrícola internacional, as sementes, a produção de agrotóxicos e a agroindústria. Isso significa que foi dada prioridade às grandes fazendas com grandes extensões de terra, que usam intensivamente os agroquímicos e os agrotóxicos, que se dedicam à monocultura de produtos para exportação (agribusiness) e que cultivam apenas 60 milhões dos 360 milhões de hectares agricultáveis (Stedile, 2007).

Opondo-se a essa realidade, os movimentos sociais do campo, as pastorais das igrejas, os ambientalistas e as 45 entidades que integram o Fórum Nacional de Reforma Agrária, entre outros, defendem a implantação de um modelo fundado na agricultura familiar e camponesa. Esse modelo supõe a organização e a ocupação das terras em pequenos e médios estabelecimentos; a viabilização dos cinco milhões de agricultores familiares que possuem pouca terra e a implementação de uma reforma agrária que garanta terra para as quatro milhões de famílias sem terra. Esse modelo defende: a) a policultura, como forma de aproveitar melhor o potencial do solo, do clima e a preservação da biodiversidade; b) a produção de alimentos sem agrotóxicos; c) uma agricultura que absorva mão-de-obra, que gere trabalho e garanta renda aos que trabalham no meio rural; d) o uso de técnicas agrícolas que respeitem o meio-ambiente; e) a adoção de sementes convencionais, já adaptadas a nossa natureza (e, portanto, a rejeição aos transgênicos).

Apesar dessa crítica mais geral, o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), o MST, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento das

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Mulheres Camponesas (MMC), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), em documento apresentado em 03/2006, durante a conferência da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), consideram que as medidas implementadas durante o governo Lula podem ser divididas entre aquelas que resultaram em avanço para a agricultura camponesa e aquelas que implicaram um retrocesso. São elas:

Medidas que representaram avanço.

a) Implantação do seguro rural - Cobre também o trabalho, garantindo renda ao agricultor em caso de prejuízos decorrente da natureza. Esse seguro não é universal, cobrindo apenas os agricultores que tiverem realizado empréstimos (1,2 milhão dos 5 milhões de famílias camponesas).

b) Aumento do volume de crédito rural aos pequenos agricultores (de R$ 3 bilhões para R$ 8 bilhões ao ano).

c) Programa luz para todos - está levando energia elétrica subsidiada para quase todas as famílias que moram no meio rural. Devem ficar excluídas apenas as famílias ao norte do país, de difícil acesso.

d) Ampliação do programa de construção e melhoria de casas para os agricultores.

e) Não reprimiu os movimentos sociais, ainda que a repressão seja realizada pelas policias militares que estão afetas aos governos estaduais. Mas a Policia Federal reprimiu os movimentos indígenas em diversos estados.

f) Ampliação dos recursos para programas de educação no campo.

g) Demarcação da área indígena histórica de Raposa do Sol, em Roraima.

h) Desenvolvimento do Programa do Bio-diesel, que prevê a adição de 2% de óleo de origem vegetal no óleo diesel, abrindo portas para a agricultura camponesa produzir o óleo vegetal.

i) Ampliação dos recursos para assistência técnica nos assentamentos – ainda não é universal e nem público, pois prioriza convênios com entidades.

j) Apoio, embora ainda tímido, e aquém das necessidades, para o programa de instalação de cisternas (captação familiar de água) no nordeste semi-árido.

Medidas e ou posicionamentos que representaram derrota e/ou retrocesso

a) Liberação do plantio e comercialização da soja transgênica, por medida provisória, desconsiderando os estudos ambientais, e atual omissão diante da continuidade do contrabando de sementes transgênicas proibidas, de algodão e milho.

b) Elaboração da lei de bio-segurança, que não levou em conta as demandas dos camponeses e ambientalistas.

c) Não fiscalização da aplicação da lei que obriga as indústrias a informarem no rótulo se o produto contém mais de 1% de produto transgênico. Embora sejam comercializadas mais de 8 milhões toneladas de soja transgênica no mercado interno, essa determinação não apareceu em nenhum rótulo.

d) Manutenção da isenção do imposto sobre circulação de mercadorias para as exportações agrícolas, representando um subsídio ao agribusiness exportador.

e) Manutenção do apoio dos bancos oficiais ao crédito rural do agribusiness, que passou de 20 para 42 bilhões de reais por ano (21 bilhões de dólares na ultima safra). Somente as dez maiores empresas transnacionais que atuam na agroindústria obtiveram ao redor de 8 bilhões de reais de crédito dos bancos oficiais.

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f) Concessão de crédito pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES – órgão de fomento do governo federal) para instalação de fábricas de celulose e matas homogêneas de eucaliptos.

g) Não atendimento ao compromisso de assentar prioritariamente as famílias acampadas.

h) Não implementação de um amplo programa de reforma agrária, que representasse atacar a concentração da propriedade da terra e o atendimento de milhares de famílias sem terra.

i) Não atualização dos índices que medem a produtividade das fazendas para efeito de desapropriação, que são ainda de 1975. Para isso basta apenas uma portaria administrativa.

j) Aprovação de lei que transfere para as Prefeituras Municipais a arrecadação do imposto sobre a propriedade da terra, desvinculando-o assim de todo processo de reforma agrária.

k) Manutenção de programas como o do banco da terra ou do crédito fundiário, política orientada pelo Banco Mundial, onde o camponês compra a terra à vista e fica devendo ao banco.

l) A não mobilização da base parlamentar para aprovar a lei que expropria as fazendas que utilizam trabalho escravo.

m) A não mobilização da base parlamentar para impedir a criação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da terra e para impedir aprovação de relatório final que considera a ocupação de terras um crime hediondo!

n) A não realização de nenhuma iniciativa para pressionar e articular o poder judiciário para julgar e punir os responsáveis pelos diversos massacres do campo, como o de Corumbiara (1995), Carajás (1996) e Felisburgo (2004).

o) Aumento da violência no campo.

p) A não realização de nenhuma iniciativa parlamentar e administrativa para remover leis e medidas de governos anteriores, que emperram e prejudicam o processo de reforma agrária.

q) A não demarcação de diversas áreas indígenas históricas, de diversas etnias, em especial Xavantes (MT) Guaranis (MS) e Pataxós (Bahia).

r) O estímulo e a prioridade concedida ao agribusiness.

s) O não estabelecimento de nenhum controle sobre o avanço da lavoura de soja e algodão nas na Amazônia e no cerrado, o que pode trazer graves conseqüências ambientais para o futuro.

t) Criação de Lei, por iniciativa do governo, que arrenda florestas nacionais (áreas públicas) para empresas explorarem a madeira.

v) O não cumprimento da promessa de dobrar o poder de compra do salário mínimo nos quatro anos de governo.

x) Manutenção da política de parceria, na construção de hidrelétricas, com empresas estrangeiras que não respeitam os direitos das populações que vivem às margens dos rios atingidos e que exigem terra por terra.

z) A não intervenção no mercado do leite, que é controlado por algumas empresas transnacionais (como Nestlé, Danone, Parmalat) e abastecidas por milhares de pequenos agricultores, resultando na queda do preço do leite vendido em 50% em alguns meses.

z.1) A não implementação, conforme prometido, de um amplo programa de instalação de agroindústrias sob a forma de cooperativas para os camponeses.

z.2) A posição defendida pelo governo brasileiro na ultima reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Hong Kong, representou apenas os interesses do agro-negócio e não o dos camponeses.

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z.3) A posição defendida pelo governo brasileiro na rodada de Montreal impediu que a comercialização internacional de produtos transgênicos constasse obrigatoriamente no rótulo, somando-se assim aos interesses das empresas transnacionais que atuam no setor.

z.4) A repressão a rádios comunitárias, que beneficiavam comunidades rurais.

z.5) A política oficial de pesquisa desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agrícola (Embrapa) continua priorizando os interesses das grandes propriedades e do agro-negócio.

2 - Políticas Sociais

Três eixos caracterizam a política social do governo Lula: o desenvolvimento do Programa Bolsa Família, a reforma da previdência social dos servidores públicos e as constantes investidas contra os recursos da Seguridade Social. O Bolsa Família, criado para combater a miséria e a exclusão social e para promover a emancipação das famílias mais pobres, unificou os programas pré-existentes voltados à família de renda abaixo da linha de pobreza (Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Cartão Alimentação e o Auxílio Gás) mas foi mais além, tanto na sua cobertura quanto em relação ao benefício concedido. Em outubro de 2006, o programa estava implantado em todos os municípios brasileiros, beneficiando 11,118 milhões de famílias e 47.042.537 pessoas, o que corresponde a 25% da população brasileira estimada. Os critérios de acesso e os benefícios podem ser vistos na tabela 1. As famílias beneficiadas, com filhos entre zero e 15 anos de idade devem, como contrapartida, matricular e garantir a freqüência de seus filhos na escola, cumprir o calendário de vacinações, acompanhamento pré-natal e participar de ações educativas sobre aleitamento materno e alimentação saudável.

Tabela 1 - Bolsa-Família e seu benefício — 2006

Critério de Elegibilidade. Ocorrência de crianças /

adolescentes 0-15 anos, gestantes e nutrizes

Quantidade e Tipo de

Benefícios.

Valores (R$). Situação

das Famílias.

Renda Mensal

per capita

Situação de

Pobreza.

De R$ 60,01 a 120,00

1 Membro (1) Variável 15

2 Membros (2) Variável 30

3 ou + Membros (3) Variável 45

Situação de

Extrema Pobreza.

Até R$ 60,00

Sem ocorrência Básico 50

1 Membro Básico + (1) Variável

65

2 Membros Básico + (2) Variável

80

3 ou + Membros Básico + (3) Variável

95

Fonte: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

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O benefício do Bolsa Família não constitui um direito. Como seu nome designa, trata-se de um programa, fruto de decisão do executivo federal. Em média, o benefício representa 21% do orçamento familiar; em outubro de 2006, o benefício recebido podia aumentar a renda familiar em até 39,58%. Em vários municípios brasileiros, os recursos recebidos constituem a principal fonte de renda, superando enormemente não só a arrecadação municipal como as transferências constitucionais, os recursos destinados à saúde pública, entre outros indicadores. Há municípios em que quase a metade da população é beneficiada por esse programa, especialmente na região nordeste do país. Todas as pesquisas apontam que as famílias destinam os recursos para a compra de alimentos, animando o mercado local.

O programa Bolsa Família, considerado pelo próprio governo Lula como seu maior feito no campo das políticas sociais, garantiu-lhe uma nova e sólida base social de apoio15. Em 2004, os resultados da primeira pesquisa de impacto desse programa indicavam que ele resultaria na ampliação da base de apoio do governo Lula para os setores mais desvalidos e menos organizados da sociedade brasileira. Estes resultados foram publicados em Marques (2005).

Esse programa de transferência de renda promove uma relação peculiar com o chefe da nação, o que foi chamado pelos autores de “novo populismo em tempos de aplicação de uma agenda neoliberal” (Marques e Mendes, 2006). Ao promover o aumento da renda familiar em até 40%, garante que os beneficiários passem a linha de pobreza absoluta, mas não sendo um direito, situa-se no campo restrito das políticas assistenciais, podendo ser extinto a qualquer tempo. Ademais, a implantação desse programa não foi acompanhada de políticas que tenham afetado os fatores determinantes da pobreza no Brasil, tais como o acesso à terra, o favorecimento das classes proprietárias e detentoras da riqueza no sistema tributário, entre outros16.

No campo previdenciário, o governo promoveu em seu primeiro ano de mandato, uma reforma no regime dos funcionários públicos. Essa reforma retirou direitos dos servidores, um teto para o valor do benefício (anteriormente o valor da aposentadoria correspondia ao valor do provento, não sofrendo redução). Além disso, o governo introduziu uma contribuição sobre o valor da aposentadoria para os servidores e para os trabalhadores do setor privado, segurados pelo Regime Geral da Previdência Social. Essa contribuição, que fere o princípio previdenciário de reciprocidade, somente incide a partir de um determinado valor de aposentadoria. À introdução de um valor máximo para a aposentadoria dos funcionários públicos, foi associada a criação de fundos de pensão, os quais, assim como para os trabalhadores do setor privado, podem ser organizados e administrados por sindicatos e pelas centrais sindicais. Até o momento, contudo, eles não foram regulamentados, pois a legislação necessária não foi ainda objeto de discussão e aprovação.

Em relação à saúde pública, a principal atuação do governo ocorreu no momento da elaboração da proposta orçamentária. Em todos os anos, tentou introduzir itens de despesa que não são considerados gastos em saúde no orçamento do Ministério da Saúde. Entre esses itens figuraram, entre outros, o pagamento de juros e a despesa com a aposentadoria dos ex-funcionários desse ministério. Embora essas tentativas

15 O que viria a ser confirmado por todas as pesquisas de intenções de voto e pelo resultado das próprias eleições de 2006.16 E o Brasil continua a ser uma das sociedades mais desiguais do mundo.

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estivessem apoiadas por toda a área econômica do governo, não foram a termo, pois as entidades da área da saúde e a Frente Parlamentar da Saúde rapidamente se mobilizaram e fizeram o governo recuar.

No plano mais geral da Seguridade Social, que compreende a Previdência, a Assistência e a Saúde, o governo manifestou a firme intenção de alterar o dispositivo constitucional que prevê o uso exclusivo de recursos para a Seguridade. Essa intenção foi expressa, pela primeira vez, na correspondência ao Ministro da Fazendo, Antônio Palloci, datada de 28 de maio de 2003, e dirigida ao diretor – gerente do FMI, Horst Köhler. Atualmente, o governo tem o controle da alocação de 20% da arrecadação desses recursos. Essa “flexibilidade” do dispositivo constitucional foi introduzida no governo de Fernando Henrique Cardoso e, ao contrário do esperado, o governo Lula a manteve em vigor, o que deve ser reavaliado em 2007. Na medida em que esse ano se aproxima, fala-se em aumentar esse percentual para 40%.

3 - Economia Solidária

Embora o governo tenha criado a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), em junho de 2003, secretaria vinculada ao Ministério do Trabalho e do Emprego, a Economia Solidária (ES) não constitui uma política prioritária na gestão de Lula. Mesmo assim, essa secretaria desenvolveu uma série de atividades no sentido de promover o fortalecimento e a divulgação desse tipo de empreendimento. No documento base para a I Conferência Nacional de Economia Solidária, realizada de julho de 2006, explicitamente é dito que “...um dos principais desafios que a Economia Solidária enfrenta no Brasil é tornar as políticas atuais que lhe dão apoio em políticas perenes, de Estado (município, estado, União, Legislativo e Judiciário), inclusive, com recursos orçamentários definidos, deixando de depender da vontade dos diversos governos que se sucedem” (MTb, 2006, a, p. 16). Os principais parceiros da SENAES são as Entidades de Apoio, Assessoria e Fomento à Economia Solidária – EAFs, em número de 1.120, com maior concentração no Nordeste (51%) Mais da metade dessas EAFs tem abrangência municipal (37%) ou intermunicipal (20%). A maioria delas são ONGs com natureza jurídica de associação (46%), o que é seguido pelas Fundações (13%) e Oscips (organizações da sociedade civil de interesse público) com 12% do total. Delas, 24% têm vínculo com instituições religiosas e 11,7% com o movimento sindical.

No primeiro levantamento realizado pela (SENAES), divulgado em 2005, foram identificados 14.954 Empreendimento Econômicos Solidários, localizados em 2.274 municípios (41% dos municípios brasileiros). Em termos de distribuição regional, esses empreendimentos estão mais concentrados na região Nordeste, a mais pobre do país (44%), seguindo-se 13% na região Norte, 14% no Sudeste, 12% no Centro-oeste e 17% na região Sul (MTb, 2006, b).

A maior parte dos empreendimentos constituem Associação (54%), seguida dos Grupos Informais (33%), das Organizações Cooperativas (11%) e de outras formas de organização (2%). Esta distribuição é diferenciada de acordo com as regiões. Predomina nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste o perfil nacional, mas é menor a participação das associações e maior a presença dos Grupos Informais nas regiões Sul e Sudeste (as mais ricas do país).

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A grande maioria dos EES teve início na década de 90, com gradativa expansão nos anos 2000, principalmente na região Nordeste. Os Grupos Informais apresentaram uma maior taxa de crescimento após a metade da década de 90, enquanto as associações apresentam uma redução da sua expansão e o número de novas cooperativas se mantém relativamente estável. No Brasil, são três os principais motivos que levam à sua criação: alternativa ao desemprego (45%), complemento da renda (44%) e obtenção de maiores ganhos (41%), mas o motivo “alternativa ao desemprego” é o mais citado nas regiões Sudeste (58%) e Nordeste (47%). Já no Sul do país a principal motivação é a possibilidade de “obter maiores ganhos” (48%), seguida da “fonte complementar de renda” (45%).

Os EES envolvem 1 milhão e 250 mil de pessoas. A esse contingente somam-se 25 mil trabalhadores e trabalhadoras que, embora não-sócios, possuem algum vínculo com os empreendimentos. A maioria dos participantes associados são homens (64%), sendo que essa participação se acentua no Sul do país (71%) e diminui na região Centro-Oeste (58,8%). Quanto menor o tamanho do empreendimento, maior é a participação relativa das mulheres.

Metade (50%) das EES atua exclusivamente na área rural (no Norte e no Nordeste, esse percentual eleva-se para 57% e 63%) e 33% atuam somente na área urbana e 17% atuam tanto na área rural como na área urbana. As atividades desenvolvidas são as mais diversas. As mais freqüentes são: agropecuária, extrativista e pesca (42%), alimentos e bebidas (18,3%) e diversos produtos artesanais (13,9%). Os produtos destinam-se predominantemente ao mercado local.

Segundo o levantamento do MTb, 38% dos EES obtém saldo positivo de sua atividade, 16% são deficitários, 33% faturam o suficiente para as despesas e 13% não têm como objetivo o lucro ou não informaram. Em termos de remuneração dos sócios, há uma grande concentração nas faixas de rendas mais baixas. Das 59,3% EES que informaram a remuneração dos sócios, em 50% a remuneração é de até meio salário mínimo (SM) e 26,1% é de meio a um SM.

Entre os problemas enfrentados, destacam-se as dificuldades na comercialização (61% dos EES) e no acesso a crédito (49%). Em relação à presença de ações entre as EES, 37% adquirem insumos dos próprios associados ou de outros EES e comercializam ou trocam seus produtos ou serviços com outros EES. Quanto à preocupação com o meio ambiente, 28,6% oferecem produtos orgânicos ou livres de agrotóxicos e 31,8% reaproveitam os resíduos.

VIII - Inserção Internacional

a) Situação anterior ao Governo LulaA atuação da política externa brasileira anterior era completamente submissa às

grandes potências, articulavam-se acordos de livre comércio com economias mais estruturadas, predominantemente os Estados Unidos, e muito pouco propositiva, embora, por vezes, houvesse iniciativas de concerto de posições com outros países considerados “potências médias”, como Rússia ou Índia. O seu discurso oficial era que o país tinha como orientações básicas o restabelecimento de sua credibilidade como

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uma democracia, o respeito aos direitos humanos, o reconhecimento de sua posição periférica no cenário internacional e a nuclearização das Forças Armadas. Numa conjuntura de ascensão do neoliberalismo e das políticas do Consenso de Washington, a política externa submissa reduziu seu já limitado protagonismo e intensificou a vulnerabilidade do país.

Em relação à ALCA, apesar de adotar, por vezes, um discurso ressaltando a necessidade de implementar ajustes para “suavizá-la”, o governo estava muito satisfeito com a proposta. O principal argumento para a defesa do acordo era o fato de representar uma “abertura de novos mercados” numa conjuntura em que supostamente os países deveriam adequar-se à internacionalização do capital sem questionamentos. Em contrapartida, o fato de a oposição interna ao projeto ser muito forte levava o governo a postergar, ao máximo, as negociações, mas estas críticas eram condenadas, de uma forma geral, como infantilismos, baseados em uma “ideologização” das relações com os Estados Unidos.

O Mercosul, por sua vez, tinha adotado também uma lógica completamente liberalizante, baseada no mesmo discurso de que os países que não se abrissem aos investimentos do exterior ficariam isolados no cenário internacional. Além da crescente fragilização do bloco, causada pela forte presença do capital estadunidense em seus principais países, houve tentativas, desde 1999, de estabelecimento de uma zona de livre comércio entre Mercosul e União Européia. Sabia-se, entretanto, que não havia, de fato, diferenças muito significativas entre a ALCA e um acordo de livre comércio com as principais potências da Europa, dado que as disparidades estruturais e as atitudes das oligarquias destes grandes países eram muito semelhantes entre si.

b) Relações Internacionais no governo Lula

A área de relações internacionais é considerada um dos maiores sucessos do governo Lula, pelo fato de ter sido adotada a chamada orientação realista em sua política externa. Com base na tese de “inserção na globalização de forma soberana”, o Brasil não se conformaria mais com o papel submisso nas negociações internacionais que vinha sendo adotado e deveria aproveitar-se de sua condição de “potência média” no continente para se colocar com maior “firmeza” em questões tidas como estratégicas. Em relação ao governo anterior, sua postura foi, de fato, mais incisiva e a diplomacia brasileira teve um papel ativo no concerto de posições e/ou projetos com outros países em desenvolvimento, entretanto, devido a um suposto pragmatismo na análise do contexto internacional, sua atuação continuaria muito tímida, sem articulações multilaterais mais densas, e vacilante, permitindo-lhe, por um lado, fazer um discurso crítico ao protecionismo das grandes potências e em defesa do Mercosul, e, por outro, negociar uma ALCA mais “atraente” com os Estados Unidos.

As relações exteriores brasileiras tornaram-se inquestionavelmente mais plurais. Além das parcerias tradicionais com os países desenvolvidos, o governo brasileiro buscou criar ou fortalecer acordos com países em desenvolvimento, particularmente Argentina, China, Índia e Rússia, e tentou reaproximar-se da África, predominantemente a África Austral e a lusófona, e do Oriente Médio, sendo realizada a Cúpula dos Países Árabes em Brasília, em 2005. A limitação destas iniciativas, como já mencionado, é o fato de serem muito pouco densas, ou melhor, estarem restritas à

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liberalização do comércio de alguns setores da economia e/ou à coordenação de posições políticas em relação a temas pontuais do sistema internacional.

Nas esferas multilaterais, o Brasil destacou-se em sua atuação política na ONU, projetando-se como um mediador ativo entre os países centrais e os periféricos. O objetivo desta política é galgar um assento permanente no Conselho de Segurança, mesmo que sem poder de veto. Dentro desta lógica devem ser compreendidos os apelos para a introdução de temas relacionados ao combate à fome e à pobreza na agenda global, bem como a exigência para que as Metas de Desenvolvimento do Milênio sejam cumpridas no prazo previsto. Esta política de “protagonismo”, ao mesmo tempo em que permite a adoção de uma retórica idealista pela formulação de uma agenda social, também apresenta seus empecilhos, pois obriga que o país participe de espaços em que estão presentes as grandes potências. Isso levou o Brasil a conduzir, como líder militar da MINUSTAH, a desastrosa intervenção da ONU no Haiti, que, além de implicar custos militares e econômicos significativos sem quaisquer garantias de retorno diplomático concretas, expõe o verdadeiro caráter ambíguo de sua política externa que diz respeitar a soberania dos povos e priorizar as relações Sul-Sul.

Na OMC, cabe destacar que, com o fim da Cláusula de Paz, o Brasil obteve importantes vitórias referentes aos subsídios agrícolas, como nos casos do algodão e do açúcar. Entretanto, o ponto fundamental de sua política nesta instituição multilateral foi o papel do país como um dos principais articuladores de um grupo político composto por mais de vinte países em desenvolvimento, o G-20, que se opunham às limitadas concessões dos Estados Unidos e da União Européia na área de comércio agrícola, em setembro de 2003. Embora alguns países latino-americanos tenham saído desta articulação, pressionados pelos Estados Unidos depois da reunião de Cancun, o núcleo central – África do Sul, Argentina, Brasil, China e Índia – continuou unido. Para as negociações comerciais multilaterais, mais especificamente na Rodada de Doha, esta aliança é muito oportuna, pois desenvolve as condições político-diplomáticas necessárias para uma defesa organizada e eficiente dos interesses comuns de países em mesmas condições no cenário internacional.

Em relação à ALCA, o governo Lula questionou aspectos que julgava essenciais sobre o seu formato, com o alegado objetivo de buscar um maior equilíbrio na agenda de negociações. A proposta brasileira, articulada com o Mercosul, era reduzir as tarifas de bens agrícolas e industriais, com cláusulas de salvaguarda para indústrias nascentes, sem, entretanto, tratar sobre temas mais “estratégicos”, como compras governamentais, investimentos, serviços e propriedade intelectual. A decisão estadunidense de negociar na OMC questões que afetavam diretamente as oligarquias brasileiras interessadas no acordo, como agricultura e antidumping, levou com que o país – sempre em união com o Mercosul – também se dispusesse a tratar sobre os temas que interessavam aos Estados Unidos no organismo multilateral. Embora, na reunião de Miami, tivesse havido um breve recuo dos Estados Unidos nas negociações e uma aparente aceitação dos termos do Mercosul no sentido de estabelecer uma ALCA mais “light”, a grande potência adotaria novamente uma política agressiva, na reunião de Puebla, contra as propostas apresentadas com o apoio de outros 13 países. Existiram outras tentativas de conciliação por parte do Mercosul, mas os Estados Unidos e seu G-14 não pretendiam ceder em nenhuma área. As negociações da ALCA ficaram estagnadas em Mar del Plata, quando Venezuela e Mercosul expuseram definitivamente a falta de interesse na implementação do acordo.

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Cabe ressaltar que, para justificar as negociações de um tratado em relação ao qual o PT historicamente posicionara-se contrário, o principal assessor econômico de Lula, Aloízio Mercadante, retomaria, ainda em 2002, o velho argumento utilizado pelo PSDB sobre a necessidade de integração hemisférica e sua indevida ideologização: “Esta (integração hemisférica) não deve ser vista como uma questão ideológica ou de posicionamento pró ou contra os Estados Unidos, mas sim como um instrumento que pode ou não servir aos interesses estratégicos brasileiros” (Valor Econômico, 15.07.02).

Devido ao fracasso da ALCA, o atual plano político-econômico estadunidense tem sido a negociação bilateral, na maioria dos casos, de acordos de livre comércio com os países latino-americanos. O governo Lula, em vez de adotar uma postura mais agressiva contra este novo projeto, investiu numa limitada Comunidade Sul-Americana de Nações, sem métodos e prazos muito bem definidos. Atualmente, os mais significativos projetos de cooperação do Brasil com a América do Sul dizem respeito ao desenvolvimento de infra-estrutura física.

O Mercosul foi um espaço utilizado para articulação de projetos e posições, sendo interpretado pelo país como uma fortaleza defensiva para negociação com a grande potência americana e com a União Européia. O governo propôs projetos que realmente tinham a intenção de revigorar o acordo, fragilizado na década de 1990, tais como completar a União Aduaneira (e até desenvolver as bases para a criação de um mercado comum), implantar uma nova agenda em torno do desenvolvimento tecnológico e integração das bases produtivas e institucionalizar o acordo. Não podem ser esquecidas, tampouco, as medidas compensatórias estabelecidas entre os países, como o Focem, e algumas propostas que dizem respeito à dimensão social, como o Acordo de Residência de Nacionais e sobre Previdência Social.

O grande problema é que o Mercosul não superou seu principal entrave para a consolidação de uma união efetiva na região: o rompimento com o próprio caráter de classe. Por representar os interesses político-econômicos das oligarquias de seus países-membros, sua maior contribuição é, como já colocado, articular a negociação com os Estados Unidos e com a União Européia. Neste sentido, seu fortalecimento deve ser celebrado, principalmente diante da atual conjuntura neoliberal, entretanto, deve-se reconhecer que sua capacidade de gerar uma integração maior está limitada pelos próprios embates que estes grupos oligárquicos regionais travam entre si. Talvez a entrada da Venezuela no bloco permita que este adquira um caráter mais social.

Em termos econômicos, o governo Lula dinamizou as exportações brasileiras a partir de uma política de promoção comercial ativa, alegando, com isso, ter reduzido a vulnerabilidade do país e o grau de sua dependência financeira externa. Como se pode observar pelos resultados da balança comercial nos últimos anos, alcançou-se significativos resultados no superávit comercial:

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balança comercial

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T1

2005

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2006

T1

data

US

$  Exportações - (FOB)

Importações - (FOB)

Fonte: Ipeadata

As expectativas das exportações para 2006 são de US$ 135 bilhões, segundo o ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. O otimismo foi possível porque, no acumulado do ano, as exportações já atingiram US$ 100,7 bilhões, valor 16,1% maior do que o registrado no mesmo período em 2005. Há expectativas também de que a participação das exportações brasileiras no total mundial deva crescer de 1,1% em 2005 para 1,25% neste ano. No entanto, deve-se ressaltar que o bom desempenho das exportações concentra-se, ainda, em grande parte, no setor de matérias-primas, tais como soja em grão, carne in natura, açúcar e álcool, papel e celulose, couros, café e suco de laranja, e alguns bens industrializados, como petróleo, celulares e automóveis. Nesse padrão de exportações, tem-se que apenas 17 produtos respondem por 90,3% das vendas ao exterior, o mesmo índice de setembro de 2005. Tal concentração consolida um modelo de exportação que perdura desde começo da década de 1990, no qual se vende “mais do mesmo”.

Além do mais, as importações têm crescido neste último ano de governo e este crescimento chegou a superar ao das exportações, mesmo com o saldo comercial tendo-se mantido positivo. Até setembro de 2006, aquelas chegaram a US$ 66,7 bilhões, um crescimento de 23,3% em comparação com o mesmo período de 2005, enquanto que o crescimento das exportações chegou a 16,1%. Estes valores concernentes às importações são influenciados pelo desenvolvimento da apreciação cambial ao longo do governo Lula, como pode ser constatado no gráfico abaixo:

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câmbio

00,5

11,5

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01

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01

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06

07

data

tax

a

câmbio

Fonte: Ipeadata

A princípio, o avanço das importações poderia representar ganhos qualitativos se a taxa cambial favorável fosse usada para máquinas e equipamentos, ou seja, para a modernização do parque industrial interno. Na pauta de importações, pode até ser encontrado este perfil, mas também existe uma entrada maciça de produtos, inclusive bens duráveis, de origem asiática, principalmente chinesa. Desta forma, tal permissividade na taxa de câmbio, além de impulsionar as importações em todos os níveis, prejudica as exportações mais qualificadas.

Deve-se analisar ainda o comportamento dos coeficientes de comércio ao longo do governo, uma vez que, mais do que a simples observância das variações de superávit comercial, estes proporcionam uma análise mais apurada do “tipo” de comércio que o país vem realizando e do grau de abertura da economia. Pode-se constatar, por exemplo, que ocorreu uma elevação no coeficiente das exportações em 2005, com as vendas externas respondendo por 27% da produção no ano, ante 19% em 2002. Houve também um aumento no coeficiente de penetração das importações, que passaram a responder por 20% da demanda brasileira de bens da indústria, contra 17% em 2002, conforme gráfico abaixo:

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Fonte: BNDES

Houve uma generalizada elevação dos coeficientes de exportação entre 2002 e 2005. O aumento foi mais expressivo nos setores de indústria extrativa, madeira, material eletrônico e comunicações, máquinas e equipamentos, e veículos automotores. De acordo com dados da Funcex, o desempenho dos preços ficou abaixo do total de aumento dos preços de exportação nos setores de eletrônicos (queda de 10,8%); máquinas e tratores e veículos automotores (estes com altas no preço de cerca de 11%, diante de uma elevação de 12,2% no total dos preços de exportação). Assim, o bom desempenho das exportações, em relação ao valor da produção, deveu-se não só a melhora dos preços internacionais de commodities, mas também ao aumento do coeficiente de exportações em setores manufaturados de maior valor agregado. Os coeficientes de penetração das importações apenas confirmam que houve um aumento da participação dos importados na demanda doméstica, especialmente em 2005, em diferentes setores da indústria.

Por fim, cabe colocar que a produtividade da indústria brasileira, que apresentou melhoras nos primeiros anos da década de 1990, vem esboçando uma desaceleração em seu crescimento. No 1°semestre de 2006, cresceu 2,7%, 0,4% inferior em relação ao mesmo período de 2005, quando atingiu 3,1%. Além de menor, tal crescimento é desigual entre os setores, já que a produtividade é maior entre os que pertencem às cadeias de exportação de commodities e menor nos setores com maior uso de mão-de-obra intensiva, com crescimento da produtividade dos setores extrativos na composição do valor agregado da indústria em geral.

Diante deste contexto, o cenário de comércio exterior do governo Lula, alcançou significativos superávits comerciais, porém baseados em uma pauta de exportação muito concentrada, ao lado de uma produtividade menos acelerada nos setores com evolução tecnológica.

Bibliografia e sites consultados

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