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Jorge Miguel Gonçalves Maciel Porto, 2008 A (In)(Corpo)r(Acção) Precoce dum jogar de Qualidade como Necessidade (ECO)ANTROPOSOCIALTOTAL Futebol um Fenómeno AntropoSocialTotal, que «primeiro se estranha e depois se entranha» e … logo, logo, ganha-se!

2008 JORGE MACIEL - A InCorporAcção Precoce Dum Jogar de Qualidade Como Necessidade Fenomeno Ecoantroposocialtotal

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  • Jorge Miguel Gonalves Maciel Porto, 2008

    A (In)(Corpo)r(Aco) Precoce dum jogar de Qualidade como Necessidade

    (ECO)ANTROPOSOCIALTOTAL Futebol um Fenmeno AntropoSocialTotal, que primeiro se estranha e depois se entranha e logo, logo, ganha-se!

  • Monografia realizada no mbito da disciplina de Seminrio do 5 ano da licenciatura em Desporto e Educao Fsica, na opo de Futebol, da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto

    Orientador: Professor Vtor Frade

    Autor: Jorge Miguel Gonalves Maciel Porto, 2008

    A (In)(Corpo)r(Aco) Precoce dum jogar de Qualidade como Necessidade

    (ECO)ANTROPOSOCIALTOTAL Futebol um Fenmeno AntropoSocialTotal, que primeiro se estranha

    e depois se entranha e logo, logo, ganha-se!

  • II

    Maciel, J. (2008). A(In)(Corpo)r(Aco) Precoce dum jogar de Qualidade como

    Necessidade (ECO)ANTROPOSOCIALTOTAL - Futebol um Fenmeno

    AntropoSocialTotal, que primeiro se estranha e depois se entranha e logo,

    logo, ganha-se! Porto: J. Maciel. Dissertao de Licenciatura apresentada

    Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.

    PALAVRAS-CHAVE: CORPO; FENMENO ANTROPOSOCIALTOTAL; INCORPORACO; PERIODIZAO LA LONG; PRECOCIDADE.

  • III

    Dedicatria

    Dedico esta dissertao minha AV, que de uma forma ESPECIAL, me acompanhou ao longo destes cinco anos de estudo.

    Muito do que fiz, foi para te honrar e te deixar orgulhosa.

    Penso que consegui, pela tua ajuda OBRIGADO!

    Gil no melhor e no pior sers sempre um exemplo de Vida para mim. Esta dissertao tambm tua e tambm dedicada a ti.

    OBRIGADO PELOS MUITOS E BONS MOMENTOS!

  • A principal esperana das naes reside na educao da sua juventude.

    (Erasmo, cit. por Goleman, 2003, pp. 283)

    Porm, ser que temos ideias claras quanto ao lugar da cincia na totalidade

    da vida humana o que dever exactamente fazer e por que fins se deve

    pautar? Este ltimo aspecto crucial, pois, a menos que a cincia seja

    orientada por uma motivao consciente tica, em especial pela compaixo, os

    seus efeitos podem no ser benficos. Na realidade, podem provocar grandes

    danos. (Dalai-Lama, 2006, pp. 17)

    Pontos de vista, conceitos ou ideias que no se ajustavam estrutura da

    cincia clssica no foram levados a srio e, de um modo geral, foram

    desprezados, quando no ridicularizados. Em consequncia dessa

    avassaladora nfase dada cincia reducionista, nossa cultura tornou-se

    progressivamente fragmentada e desenvolveu-se uma tecnologia, instituies e

    estilos de vida profundamente doentios. (Capra, 2005, pp. 226)

    O reconhecimento de que necessria uma profunda mudana de percepo

    e de pensamento para garantir a nossa sobrevivncia ainda no atingiu a

    maioria dos lderes das nossas corporaes, nem os administradores e os

    professores das nossas grandes universidades. (Capra, 1996, pp. 24)

    Quando lhe contaram que tinha sido publicado um livro intitulado Cem Autores

    contra Einstein, exclamou: Porqu cem? Se estivesse errado, bastaria um.

    (Hawking, 2002, pp. 26, referindo-se a Albert Einstein)

  • V

    Agradecimentos

    Fazendo minhas as palavras de J. Bento (2004, pp. 27) sei que a memria

    dos homens raramente vai alm da missa do stimo dia. A memria e a

    gratido. E no obstantes as duas qualidades so elevadas categoria de

    virtudes no contexto da cultura ocidental. A tal ponto que a falta de gratido , a

    par da traio, porventura o maior dos pecados mortais.

    Ora precisamente para me pr a salvo da tentao de incorrer em tal

    infmia que me apresso a agradecer a todos aqueles que colaboraram e

    contriburam para a feitura desta Ecodissertao, que como tal, tambm lhes

    pertence. Assim agradeo:

    A realizao e orientao desta Monografia, quele que no aceita que haja

    algum mais maluco por Futebol do que ele, um crebro cientfico como o

    do professor Vtor Frade, como um dia referiu Jos Mourinho (in Record Dez de 25 de Fevereiro de 2006).

    para mim, um enorme orgulho poder ter sido orientado por algum que ,

    um dos mais conceituados pensadores do Jogo e do treino a nvel

    internacional, como se pode ler no jornal A Bola do dia 10 de Novembro de

    2007, no qual igualmente reconhecido por Carlos Queiroz, como o smbolo

    mximo da qualidade do trabalho desenvolvido na Faculdade de Desporto da

    Universidade do Porto, que s no suficientemente e devidamente

    reconhecida em Portugal.

    Professor, as ideias so suas, limitei-me a coloc-las no papel imbudo pelo

    contgio apaixonante com que fala de Futebol e com que acompanhou a

    feitura deste documento. OBRIGADO!!! E OBRIGADO por me ter tirado, ou

    levado a tirar muitas das palas que me estorvavam a compreenso do Jogo.

    Motivo pelo qual me revejo, na histria de Tamarit (2007) que vindo de

    Espanha para a nossa Faculdade, reconheceu a existncia de duas correntes

    de entendimento do Jogo e do treino, uma semelhante que se verifica em

    todo o lado, e outra opuesta a la existente en las Metodologias de

    Entrenamiento impartidas en todas las Faculdades da qual me tornei um

  • VI

    aficionado esclarecido, poco a poco fui creyendo en sus ideas, hasta

    convertirme en un fiel seguidor a sus teorias. (Tamarit, 2007, pp. 20/21). Estes

    anos tm sido fascinantes.

    minha FAMLIA, de modo especial aos meus PAIS. No sei se os genes que herdei so bons ou maus, tambm no sei se sou Talento ou no, sei

    apenas que sou fruto de um processo de construo e de exponenciao que

    fez de mim o que com orgulho sou, e no qual o nicho ecolgico que me

    proporcionaram foi determinante. Por tudo o que temos vivenciado juntos, e

    pelo processo de Especificidade Precoce de preparao para Vida que me

    proporcionaram, MUITO OBRIGADO. Vocs sabem.

    Aos meus entrevistados: Professor Doutor Manuel Sobrinho Simes, Professor Doutor Leandro Massada, Professora Lusa Estriga, Professor Doutor Paulo Cunha e Silva e Professora Marisa Gomes, o vosso contributo foi um acrescento qualitativo muito relevante. Obrigado por acederem ao

    pedido e obrigado pelo contedo das conversas que tivemos. Foram ptimos

    momentos.

    A todos os que acompanharam a feitura desta dissertao, de modo especial,

    ao Tiago Moreira, aos meus colegas de estgio, Henrique e Daniel, que aguentaram comigo nos bons e maus momentos, ao longo deste ano.

    Obrigado.

  • ndices

    VII

    ndice Geral

    DEDICATRIA III

    AGRADECIMENTOS V

    NDICE GERAL VII

    NDICE DE FIGURAS XII

    NDICE DE QUADROS XIII

    RESUMO XV

    ABSTRACT XVII

    RSUM XIX

    1 INTRODUO (MOTIVAES, ACTUALIDADE, OBJECTIVOS E ESTRUTURA): 1

    2 - ABORDAGEM ETNOMETODOLGICA UM IMPERATIVO PARA O DECIFRAR DE UM FENMENO ANTROPOSOCIALTOTAL 11

    3- FUTEBOL UM UNIVERSO DE RELAES: 19

    3.1- Desporto um Fenmeno Social Total: 19

    3.2- Futebol, um epifenmeno que um Fenmeno Social Mais Total: 22

    3.2.1 - Futebol um Fenmeno com relaes e ralaes com as instncias Sociais: Poltica, Religiosa, Econmica e muito mais 29

    3.2.1.1- Futebol e Poltica ou Poltica e Futebol?! Como queiram, a relao biunvoca. 30

    3.2.1.2- Futebol e Religio, espaos de Heris e Deuses. 42

    3.2.1.2- Futebol e Economia, os riscos de abanar definitivamente a rvore das patacas. 48

    3.3- Futebol a sua omnipresena, e os efeitos e enfeitos da Globalizao: 51

    3.3.1 - Futebolizao, um pau de dois bicos ou talvez no?! 54

    3.3.2 - Futebol Feminino, um dos enfeitos da Globalizao do Fenmeno: 57

    3.4 Mostra-me como jogas dir-te-ei quem s, Futebol e as suas Idiossincrasias: 59

  • ndices

    VIII

    3.5 - Pressa e Homogeneizao, emergncias que so urgncias num Futebol agrilhoado pelos males sociais. 74

    3.5.1 O Futebol carece de passagens de nvel: Pare, Olhe e Escute. A importncia de cozinhar Talentos em Banho Maria?! 75

    3.5.2 Homogeneizao no Futebol?! O Futebol como a fast food. 85

    3.6 Do eclipse do Futebol de Rua, ao regresso retrocedente s origens passando pelo encanto enganoso, e pela necessidade de um tero Artificial. 89

    3.6.1 O Eclipse da Melhor Escola de Futebol do Mundo, o Futebol de Rua: 90

    3.6.2 O regresso retrocedente s Origens elitistas e a ameaa da Lgica Maqunica: 91

    3.6.3 O Encanto que pode ser Enganoso: 96

    3.6.3 A necessidade de teros Artificiais: 98

    4 - FUTEBOL UM FENMENO ANTROPOSOCIALTOTAL: 103

    4.1 Antropo?! Pertinente parece-nos! 103

    4.2 A necessidade da COMPLEXIDADE, para a compreenso de um fenmeno Humano: 104

    4.3 - Futebol uma dimenso das duas faces que a moeda (da Vida) tem: 107

    4.4 Futebol e o encontro com a Humanidade: 111

    4.5 Homem e Futebol a Inteireza Inquebrantvel como um trao comum: 113

    4.6 - Homem e Futebol Realidades Plurais, a importncia do Culto da Diferena e da expresso plural da Antropodiversidade: 122

    4.7 Em torno da complexidade dos Sistemas Vivos no Futebol, em busca de algumas Categorias Antropolgicas: 133

    4.7.1 A necessidade de um novo entendimento de Categorizao, para fazer Cincia de categoria: 133

    4.7.1.1 Para sistemas complexos, uma abordagem em complexidade: Futebol e Homem so como as cebolas, se os picarmos em pedacinhos, fazem-nos chorar! 137

    4.7.1.2 Bem-vindos ao CAOS! O desejo de compreender o incomensurvel. 145

    4.7.1.2.1 Rotatividade uma imprescindibilidade exclusiva do Rendimento Superior?! Ou mais do que isso?! Que implicaes no processo? 148

    4.7.1.2.1 A fatalidade de no reconhecer as Fractalidades do Jogo e do jogar. 154

    4.7.1.2.2 A ATRACO vital, que pode revelar-se fatal. 160

    4.7.1.3 - Para a perpetuao da Paixo, e no extino do Talento urge um Futebol na Fronteira do Caos. 165

  • ndices

    IX

    4.7.1.4 A necessidade de Dissipao, um Doping numa Cultura que desde muito cedo deve ser de Risco. 168

    4.7.1.5 EcoAutoOrganizao, o emergir de jogares e Talentos AutoHeteroSustentveis. 171

    4.7.1.6 Porque o Futebol no ping-pong, a CRIATIVIDADE carece de ser contextualizada por um jogar! 178

    4.7.1.6.1 TreinarRecuperar fundamental para criar. A necessidade de atender ao Princpio Metodolgico da Alternncia Horizontal em Especificidade 182

    4.7.1.6.2 Criatividade, com TRS ou mais, ainda melhor?! 186

    4.7.1.6.3 A expresso Criativa no Jogo, elevao do Futebol categoria de Arte. 189

    4.7.2 Futebol, uma expresso Cultural AnarcoGregria. 199

    4.7.3.1 Futebol, um Jogo Tctico, um lugar de Inteligncia(S). 205

    4.7.3.2 INTELIGNCIA como Categoria Antropolgica. 210

    4.7.3.2.1 Inteligncia ou INTELIGNCIAS, do entendimento Plural, INTELIGNCIA DE JOGO. 212

    4.7.3.2.2 Inteligncia Emocional, a fuso de Intenes! 213

    4.7.3.2.2 Inteligncia Social, determinante num Fenmeno Gregrio. 217

    4.7.3.2.2 Inteligncia Cinestsico Corporal, as primeiras achegas hiptese do Futebol requisitar Inteligncia(S) especfica e Especfica(S). 219

    5- O APARENTE PARADOXO, UM FENMENO ANTROPOSOCIALTOTAL QUE SIMULTANEAMENTE UM FENMENO APARENTEMENTE CONTRANATURA: 223

    5.1 Levanta-te e anda o Bipedismo, como faceta evolutiva determinante, as suas vantagens e desvantagens: 224

    5.2- Pubalgia e afins, os condicionalismos Antropolgicos da zona mdia do corpo. 229

    5.3 As bases anatmicas da Hominizao, atando-nos de ps mas no de mos, a emancipao das Mos, os dois novos Crebros: 234

    5.4 O Futebol requisitando uma funcionalidade ancestral, da um Fenmeno aparentemente ContraNatura: 238

    5.4 Futebol um Fenmeno ao lado da natura: 246

    6 EM BUSCA DA EXEQUIBILIDADE DO TRINMIO MAIS FUTEBOL, MAIS CRIANA, MAIS EDUCAO: 253

    6.1- A Brincar a Brincar que o Talento comea a despoletar: 253

    6.2 Futebol e o seu valor Formativo: 258

  • ndices

    X

    6.3 Treino como Processo de EnsinoAprendizagem e o Treinador como Formador: 261

    6.4 Quanto mais e mais cedo melhor, desde que seja Futebol?! 267

    6.5 Especificidade Precoce e a Qualidade dos Ingredientes que podem Nutrir o tero Artificial: 285

    6.5.1 A Bola como Companhia, o Primado na Relao com Bola: 285

    6.5.2 Jogo(S) Reduzir Sem Empobrecer, para Enriquecer o Talento e o Prazer: 295

    6.5.3 Um Talento Humano um Competidor, a Resilincia como parte da Qualidade: 309

    6.5.4 Formando Talentos e no atletas guerreiros, a importncia de separar por nveis: 324

    6.5.5 A Variabilidade dentro da Qualidade: 334

    6.5.6 Observar Qualidade para Criar Talentos de Qualidade: 349

    7 O FUTEBOL COMO A COCA-COLA, PRIMEIRO ESTRANHA-SE DEPOIS ENTRANHA-SE! A IMPORTNCIA DA INCORPORACO PRECOCE DO JOGO NA EXPONENCIAO DE TALENTOS: 365

    7.1 Talento uma realidade em Potencial, a importncia da sua Exponenciao: 365

    7.2 A Plasticidade Cultural de uma realidade Plstica, o Corpo: 383

    7.3 Cartografar o Jogo no Corpo: 393 7.3.1 - Mapas que nos orientam para um Jogar Melhor: 393

    7.3.2 Da Paisagem de Jogo, possibilidade da Bola ser um prologamento do Corpo: 399

    7.4 Somatizao Precoce do Saber - Fazer: 404

    7.4.1- A importncia dos Hbitos num Futebol que tem de ser como o Inferno, cheio de boas intenes! 404

    7.4.2 - Old Traford o Teatro dos Sonhos no Mundo do Futebol um Teatro de Emoes Somaticamente MARCADAS. 413

    7.4.3 A necessidade de desenvolver a Inteligncia Intuitiva. 417

    7.4.4 Atender NeuroQumica do Prazer para aceder a um Futebol Prazenteiro. 422

    7.4.5 PrRepresentar o jogar atravs da operacionalizao de Jogos Cognitivos. 427

    7.5.1- Para alm do SABER FAZER: 429

    7.5.2. - Futebol um local de ALDRABES, Conscientes!? 433

    7.5.3. Descoberta Guiada como uma dimenso da fenomenotcnica do treinar: 436

    7.5.4.1 - Periodizao Tctica e Neurocincias de encontro necessidade de uma concepo FENOMENOLGICA da Conscincia no Futebol: 441

  • ndices

    XI

    7.5.4.2 - Conscincia um conceito Subjectivo e Plural, num Fenmeno Plural: 447

    7.5.5. A necessidade de um Futebol Sentido, e a necessidade de dar sentido aos Sentimentos desse Futebol: 452

    7.6 Aco Corporalizada, a Inteligncia de Jogo como um Saber Corpreo (InCorporAco): 456

    7.6.1 Um novo entendimento do agir a PercepAco: 456

    7.6.2 Aco Corporalizada (InCorporAco): 464

    7.6.3 Inteligncia Corprea, um processo de delegao que necessita de uma Articulao de Sentido: 469

    7.6.4 - Inteligncia de Jogo, de jogo e Entendimento de Jogo: 473

    7.7 InCoporAco/Somatizao, o ENTRANHAR prevalecente da Inteligncia de Jogo: 477

    8. EVIDNCIAS CONCLUSIVAS: 481

    9 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 513

    10 ANEXOS I

    Anexo 1: Entrevista a Manuel Sobrinho Simes I

    Anexo 2: Entrevista a Leandro Massada XVII

    Anexo 3: Entrevista a Lusa Estriga XLI

    Anexo 4: Entrevista a Paulo Cunha e Silva LVII

    Anexo 5: Entrevista a Marisa Gomes LXXVII

    Anexo 6: Aps conversa com Guardiola Esboo de uma ideia de jogo CI

    Anexo 7: Viva a brincadeira. Por Carlos Neto, in Notcias Magazine de 01 de Junho de 2008, pp. 56/57. CVII

    Anexo 8: PRIMEIRA LINHA Entrevista a Jos Mourinho, in Jornal de Negcios de 30 de Maio de 2008, pp. 4 7. CIX

  • ndices

    XII

    ndice de Figuras Figura 1- Cladograma relativo aos hominides actuais 240 Figura 2 - Mos e ps de diferentes primatas 243 Figura 3 - Comparao do p do chimpanz e do Homem 243 Figura 4 - Hmunculo Motor e Sensitivo 245 Figura 5 - Primeiros passos da Criana Humana 249 Figura 6 - Relao complexidade de jogo e reduo de espao e efectivo

    numrico 298 Figura 7 - Bola de trapos utilizada por Pel na infncia 336 Figura 8 - reas sensoriais e Representao cortical somestsica 394 Figura 9 - Cortx Cerebral 1 462 Figura 10 - Cortx Cerebral 2 463

  • ndices

    XIII

    ndice de Quadros

    Quadro 1 Morfociclo Padro 484 Quadro 2 Princpios Fundamentais, Culturais e tipos de Princpios 488 Quadro 3 Princpios de Jogo Especficos 489

  • RESUMO

    XV

    RESUMO O Futebol um fenmeno Humano nico a nvel mundial. Por este motivo

    influencia e influenciado pelas diversas sociedades. Por conseguinte exerce desde idades muito precoces, um fascnio especial sobre os indivduos, tornando pertinente a racionalizao dos processos de Formao. Estes, se devidamente racionalizados, permitem que a prtica precoce se revele favorvel ao desenvolvimento de Talentos, que no Futebol, tm de revelar uma adaptabilidade especial, mas, cuja expresso qualitativa, tanto mais possvel, quanto mais precocemente se iniciar a prtica de qualidade do Futebol. O presente estudo, articula informao proveniente de diferentes domnios, os quais nos permitiram responder aos seguintes objectivos: (1) evidenciar que o Futebol um Fenmeno Social Total; (2) realar a pertinncia do conceito AntropoSocialTotal; (3) apresentar o Futebol como um fenmeno complexo; (4) evidenciar que o Futebol aparentemente ContraNatura; (5) evidenciar como determinantes as prticas de infncia dos Talentos; (6) sustentar essas prticas; (7) evidenciar que a racionalizao do processo de Formao, torna exequvel o Trinmio Mais Futebol, Mais Criana, Mais Educao; (8) evidenciar, que a prtica precoce de qualidade determinante; (9) inferir acerca dos efeitos da prtica precoce sobre o Corpo; (10) sustentar a importncia da prtica precoce na alterao da funcionalidade Corporal; (11) explicitar que a Inteligncia de Jogo, uma Inteligncia Corprea adquirida por InCorporAco; (12) evidenciar a importncia da Aculturao ao fenmeno fazendo-se com base em referenciais de qualidade; (13) evidenciar a necessidade de uma lgica congruente, conceptual e metodologicamente, entre a realidade do Futebol de Formao e do Futebol dos adultos. Destacamos em termos de concluses, que o parto de Jogadores e de Talentos (realidade Ecogentica), pode encontrar-se facilitado se nos processos de Formao tiverem subjacente uma Concepo Metodolgica (Periodizao Tctica/Periodizao La Long) e uma Cultura de Jogo (Modelo de Jogo) comum e congruente com a realidade snior, respeitando coerentemente o Trinmio Modelo de Jogo, Modelo de Jogador, Modelo de Treino, desenvolvendo a Inteligncia de Jogo, atravs da sua InCorporAco.

    Palavras-Chave: CORPO; FENMENO ANTROPOSOCIALTOTAL; INCORPORACO; PERIODIZAO LA LONG; PRECOCIDADE.

  • ABSTRACT

    XVII

    ABSTRACT In a world standard, Soccer is a unique Human phenomenon. By this reason,

    it persuades and is persuaded by divers societies. Consequently, it exerts since young ages, a special enchantment over individuals, rendering suitable the rationalization of the Forming process. These, if properly rationalized, permit that precocious practice will be favorable for the development of Talents, that in Soccer, have to reveal exceptional adaptability, but whose qualitative expression, is much more possible according to the sooner or more precociously the individual initiates soccer practice. The present study, articulates information coming from divers spheres, that permits us to answer the following matters: (1) to clearly show that soccer is a Total Social Phenomenon; (2) to emphasize the relevancy of the TotalAnthropoSocial concept; (3) present Soccer as a complex phenomenon; (4) highlight that soccer is totally counter-natural; (5) to clearly show as determinant the precocious practice of Talents; (6) to sustain those practices; (7) to obviously show that the rationalization of the Forming process, makes executable the Trinomial More Soccer, Better Child, Better Education; (8) clearly show that premature quality practice is determinant; (9) to infer about the effects on Body of precocious practice; (10) sustain the importance of premature practice in the modification of Corporal Functionality; (11) clarify that the Intelligence of Game, is a Corporal Intelligence acquired by InCorpusAction; (12) highlight the importance of Culture on this phenomenon basing itself on quality references; (13) showing the need of a consistent logic, conceptual and methodologically, between the reality of Soccer Forming and of Adult Soccer. As conclusive we affirm, that birth of Players and of Talents (Ecogenetic reality), can be easier if in the process of Forming they have as underlying Methodological Conception (Tactical Spacing/ La Long Spacing) and a Game Culture (Game Model) common and consistent with Senior reality, coherently respecting the Trinomial Game Model, Player Model, Training Model, developing the intelligence of game through its InCorpusAction.

    Key-Words: BODY; TOTALANTHROPOSOCIAL PHENOMENON; INCORPUSACTION, LA LONG SPACING; PRECOCIOUS.

  • RSUM

    XIX

    RSUM Le Football cest un phnomne humaine unique a niveau mondiale. Par ce

    motif, il influence et est influenci pour les divers societs. Par consquent il exerce ds jeune ge, une fascination spcial sur les individus, ce qui en fait la rationalisation des procdures de Formation. Ceux-ci sont correctement rationaliss, permets les dbuts sera propice au devloppement de Talents, que dans le Football, doit montrer une capacit dadaptation spcial, mais, dont le terme qualititif, est dautant plus possible, plus tt car il commence la pratique de qualit de Football. Cette tude, articule informations de diffrents domaines, que nous permettent de rpondre aux objectifs suivantes : (1) montrer que le football est un phnomne social total ; (2) mettre en vidence la pertinence du concept AnthropoSocialTotal ; (3) prsenter le Football comme un phnomne complexe ; (4) rendre vident que le Football est apparemment contre nature ; (5) montrer comme les pratiques de lenfance sont dteminants de Talents ; (6) soutenir ces pratiques ; (7) montrer que la racionalisation des process de formation, rend possible le triangle Plus de Football, Plus dEnfant, Plus dducation ; (8) se mettre en avant, que la pratique prmatur de la qualit est essential ; (9) deduire sur les effets de la pratique precoce sur le corps ; (10) soutenir limportance de la pratique precoce sur laltration de la fonctionnalit corporel ; (11) prciser que lintelligence de jeu, cest une Intelligence Corporel acquis par InCorporAction ; (12) mettre en vidence limportance de lAcculturation au phnomne et faire sur la base de critres de qualit; (13) se mettre en vidence la ncessit dune logique cohrent, conceptuel et mthodologiquement, entre la realit de Formation de Football et de Football pour les Adultes. Mis en vidence en termes dachvement, que la naissance de joueurs ou de Talents (realit Ecogntique), sera plus facilit si dans les process de formation se trouver sous-jacent une Conception Mthodologique (Priodisation Tactique/ Priodisation La Long) et une Culture de Jeu (Modle de Jeu) commun et cohrant avec la ralit snior, toujours en respectant le Triangle Modle de Jeu, Modle de Joueur, Modle dEntranement, a dvelopp lIntelligence de Jeu, par lintermdiaire de sa InCorporAction.

    Mot-Cl : CORP ; PHNOMNE ANTHROPOSOCIALTOTAL ; INCORPORACTION, PRIODISATION LA LONG ; PRCOCIT.

  • Introduo

    1

    1 Introduo (motivaes, actualidade, objectivos e estrutura):

    Valemo-nos do fado para desabafar mgoas, de Ftima para reverter as descrenas, do futebol para simular outro tamanho e atrair um olhar de apreo do mundo. E foi no

    futebol, diga-se em abono da verdade, que mais nos erguemos e abeiramos de ns mesmos. () O futebol e a sua organizao e profissionalismo tm que ser repensados

    de alto a baixo, para tanto urge trazer de volta a matriz desportiva, at agora soterrada pelo negcio e a indstria.

    (Bento, 2008, pp. 17).

    A presente dissertao abordar diferentes temticas relacionadas com o

    Futebol com o intuito de responder a muitas das questes que este fenmeno

    complexo coloca. Recorreremos para tal, a diversos domnios do

    conhecimento, para que as aproximaes a que possamos chegar se revelem

    pertinentes e profcuas, uma vez que, urge o despertar para um novo tipo de

    cincia, o qual dever atender multidisciplinaridade de saberes (Ribeiro &

    Caraa, 2005).

    nossa pretenso evidenciar que a prtica precoce de Futebol

    determinante para a obteno de nveis de desempenho de destaque, a nvel

    do Rendimento Superior, se alicerada numa determinada qualidade do

    processo de Formao o qual se estende por largos anos, carecendo assim de

    uma devida racionalizao. Procuraremos explicitar, os efeitos diversos, que tal

    precocidade poder ter na funcionalidade do Corpo Humano, sendo este

    entendido, como uma entidade indivisa, pois como nos sugere Bento (2004),

    quando nos ocupamos do Corpo, estamos atentos ao Homem-Todo.

    A nvel pessoal, este trabalho reveste-se de enorme interesse, desde logo,

    por se centrar numa temtica, que ao longo dos ltimos anos tem vindo a ser

    descoberta por ns, a qual pensamos, se devidamente equacionada poder

    fornecer ensinamentos que permitam uma abordagem no terreno mais

    ajustada. Alm da temtica ser do nosso interesse e se constituir nos ltimos

    tempos como uma descoberta, a realizao desta dissertao tem subjacente,

    outros interesses pessoais. Nas ltimas trs pocas desportivas, o treino de

  • Introduo

    2

    jovens tem sido uma preocupao prtica diria, desempenhando cargos de

    treinador em escales de Formao de alguns clubes de Futebol, em que nos

    encontramos incumbidos do contacto com Crianas dos escales de escolas e

    pr-escolas, o que confere uma responsabilidade acrescida, a qual nos

    incumbida pelos pais, que nos procuram como um meio auxiliar Formao

    dos respectivos filhos, alguns dos quais com idades inferiores a 5 anos, o que

    torna ainda mais pertinente esta pesquisa. Note-se contudo, que as motivaes

    no so exclusivamente pessoais, uma vez que julgamos que esta dissertao

    poder proporcionar vrias respostas, pertinentes, relativamente prtica de

    Futebol nas Crianas.

    Ao longo desta dissertao procuraremos evidenciar que podemos adoptar

    para o Futebol o conceito de Fenmeno Social Total, proposto por Mauss

    (1979) e que tem vindo a ser adoptado para o Desporto em geral (A. d. S.

    Costa, 1992, 1993, 1997, 2004, 2006; Garcia, 1993; Murad, 2006).

    Procuraremos explicitar tambm, que sendo um Fenmeno Social Total, por se

    tratar de uma actividade Humana, e comportar toda a complexidade

    Antropolgica, se torna pertinente a adopo para este conceito, no domnio do

    Futebol do prefixo Antropo. Havendo assim necessidade e imprescindibilidade

    de reconhecer no Futebol um Fenmeno AntropoSocialTotal (V. Frade, 1979).

    Um fenmeno que contudo, em termos das bases anatmicas da

    Hominizao, aparentemente ContraNatura, uma vez que, a funcionalidade dos

    ps, e do trem inferior, cuja preponderncia relevante numa actividade como

    o Futebol foram, preteridas em detrimento da funcionalidade e sensibilidade

    das mos. Facto que comporta alguns condicionalismos (J. Leandro Massada,

    2001).

    Este autor salienta mesmo, que fruto do processo evolutivo, as mos se

    constituram como dois crebros. Sendo nossa inteno ao longo da

    dissertao evidenciar, que tal como as mos foram cerebralizadas, tambm

    outras partes do Corpo, que foram secundarizadas em termos evolutivos, como

    por exemplo os ps, podero ser alvo de igual processo de Cerebralizao,

    caso se observe uma estimulao precoce de qualidade. Encontrando-se tais

    especulaes, fundamentadas com base nos relatos de algumas histrias de

  • Introduo

    3

    Vida, de pessoas que apesar de nascerem com os membros superiores

    amputados, revelam com os ps uma funcionalidade semelhante quela que

    culturalmente, foi sendo atribuda s mos. Casos que evidenciam a enorme

    adaptabilidade e plasticidade que caracterizam os organismos vivos (Capra,

    2005). Uma plasticidade que tanto mais significativa, quanto mais

    precocemente os indivduos so estimulados num determinado domnio

    (Buzan, 2003; Levitin, 2007; Simes, 2007).

    Alm dos aspectos relacionados com os condicionalismos impostos, pela

    filognese Humana, outro motivo que em nosso entender, torna a presente

    dissertao pertinente relaciona-se com o facto, de nos ltimos anos devido a

    alteraes profundas a nvel social, o Futebol de Rua se ter eclipsado e parecer

    urgir a necessidade de recuperar o que o caracterizava (Cruyff, 2002; H.

    Fonseca, 2006; Lobo, 2002, 2007; Michels, 2001; Pacheco, 2001; Ramos,

    2003; Tamarit, 2007; Valdano, 2002). Importando a este respeito considerar por

    outro lado, o proliferar das Escolas de Futebol, que vendo na sociedade

    algumas lacunas, se tentam emancipar. No podemos ignorar ainda, que a

    Vida das Crianas cada vez mais atarefada no lhes sendo proporcionado

    tempo para brincar e desenvolver a criatividade. Esta pressa, que afecta a

    sociedade em geral, tem levado a que as Crianas se tornem ainda em idades

    muito precoces em adultos, com tudo o que isso tem de negativo, como

    evidenciam estudos recentes (Ginsburg, 2007). Entendemos que o facto de na

    nossa sociedade se verificar um modismo, que leva os pais a colocarem os

    jovens em Escolas de Futebol, caso os processos que nestas se desenvolvem

    sejam de qualidade, poder revelar-se uma tendncia bastante proveitosa para

    o Futebol. Aquilo a que nos referimos , ao crescente interesse evidenciado

    pelos pais, na participao dos filhos, em actividades desenvolvidas pelas

    Escolas de Futebol. As Escolas de Futebol assumem-se deste modo, para os

    pais como um lugar de destaque para a Formao, que no exclusivamente

    desportiva, dos seus educandos. E de facto estamos em crer, que o Futebol,

    pelo seu potencial formativo (J. Bento, 2004) se pode assumir como um

    complemento muito positivo na Formao de qualquer Criana. Ou seja,

    entendemos que a prtica precoce de Futebol, tendo subjacente um processo

  • Introduo

    4

    de qualidade permite o cumprimento da trade, Mais Futebol, Mais Criana,

    Mais Educao.

    Conscientes de tais valncias, e tambm das necessidades sentidas pelos

    pais, os responsveis pelas Escolas de Futebol tentam suprir algumas das

    limitaes apresentadas pela sociedade, o que leva estas instituies, ainda

    que na generalidade dos casos por interesses comerciais, e no tanto por

    razes metodolgicas, a acolherem jovens em idades cada vez mais precoces.

    Observando-se uma prtica formal no Futebol, cada vez mais precoce

    (Pacheco, 2001). O que poder ser bastante profcuo para o assegurar da

    exponenciao de jovens Talentos (Cte et al., 2003; Ericsson, 1996; J. L.

    Starkes, Deakin, Allard, Hodges, & Hayes, 1996).

    O facto de comear cedo a prtica do Futebol, se poder revelar como

    determinante, leva-nos a considerar que a questo que devemos colocar

    quando abordamos a problemtica da Formao no , quando comear, mas

    sim como comear?

    Parece-nos evidente, que neste momento as Cincias do Desporto esto a

    registar aquilo a que Capra (2005) designou de ponto de mutao, ou

    recorrendo designao de Kuhn, T. (1962, cit. por Capra, 1996) verifica-se

    uma mudana de paradigma, que tem sido reivindicada por diversos autores

    (J. Bento, 2004; V. Frade, 1979, 1989; V. M. d. C. Frade, 1976, 1990; Sobral,

    1995; Tani, 2002).

    J. Bento (2004, pp. 53) afirma mesmo, que as Cincias do Desporto tm pela

    frente uma larga panplia de perspectivas de crescimento e desenvolvimento.

    Para tanto devem ajustar-se s alteraes ocorridas na paisagem desportiva e

    atender sua pluralidade.

    Face a esta necessidade que urge, no sentido de um mais rico elucidar da

    complexidade inerente ao Fenmeno Desportivo e de forma mais particular, ao

    Fenmeno Futebol, ao longo desta dissertao procuraremos, enveredar por

    uma abordagem sistmica a qual se justifica para o fenmeno em questo

    (Carvalhal, 2002; Castelo, 1998; V. Frade, 1979, 1989; V. M. d. C. Frade, 1976,

    1990; Garganta, 1997; Garganta & Silva, 2000; J. G. Oliveira, 2004;

    Teodorescu, 1984). O que nos levar a socorrer de conhecimentos

  • Introduo

    5

    provenientes de diversas reas, que tm sido um pouco ignoradas, devido ao

    peso das disciplinas mais convencionais, como a Biomecnica e a Fisiologia,

    que tm ao longo da histria da Metodologia do Treino, assumido um lugar de

    destaque nas investigaes do mbito desportivo (Tani, 2002). deste modo

    nossa pretenso, fazer com que este trabalho v de encontro s necessidades

    das novas abordagens em complexidade e da necessidade de criar nas

    Cincias do Desporto uma nova forma de abordar as suas problemticas, ou

    seja, uma scienza nuova (Morin, 2003), na qual a multidisciplinaridade

    assume um lugar de destaque. Uma nova forma de fazer Cincia, que no

    nega a especificidade de cada rea do conhecimento, contudo no refuta ou

    abdica da necessidade de se munir de conhecimentos, que se revelam vlidos

    para os seus interesses. As Cincias do Desporto, tm de acompanhar a nova

    vaga que emerge na Cincia actual e que procura ultrapassar os

    condicionalismos da excessiva especializao, que levou diferentes domnios

    de investigao, a fecharem-se e a ficarem tolhidos pelos respectivos bloqueios

    epistemolgicos, que as levaram a desligarem-se, erradamente, de tudo o que

    as rodeia e das informaes provenientes de outras Cincias. Ora, quando a

    excessiva especializao parecia ter retirado unidade cincia e actividade

    cientfica, eis que comea a verificar-se um movimento paralelo de reencontro

    e cruzamento de disciplinas que, de to focadas nas especificidades,

    comearam a precisar de outros olhares que as complementassem. Sem

    prescindir de forma alguma da especificidade, a interdisciplinaridade hoje

    uma realidade nos grandes centros de investigao. (Pombo & Mendona,

    2008, pp. 30). Urge tambm no Futebol, a necessidade de recorrer a prticas

    de importao (Pombo & Mendona, 2008), sendo para tal determinante,

    adaptar nossa realidade, o lema postulado por Abel Salazar, adoptado e

    adaptado por V. Frade (1985) para o Futebol, e que sugere, que quem s sabe

    de Futebol, nem de Futebol sabe. Apesar de uma tendncia recente, a

    reflexo acerca das orientaes vanguardistas da Cincia, e o consequente

    cruzamento sistmico de saberes provenientes de diversos domnios do

    conhecimento, como a Filosofia, a Sociologia, a Antropologia, a Fsica, a

    Qumica e a Biologia, tem desencadeado efeitos muito benficos, fenmenos

  • Introduo

    6

    espantosos () na senda dessa fascinante e maravilhosa aventura que a

    procura do Conhecimento. (Pombo & Mendona, 2008, pp. 30).

    Esta necessidade juntamente com o facto, do modo como entendemos o

    Futebol, requisitar uma relao estreita com os processos cognitivos,

    aproximando assim as Neurocincias do Futebol (Tamarit, 2007) impeliu a

    necessidade de efectuar o devido transfere dos conhecimentos recentes,

    provenientes desta rea para a nossa realidade, o Futebol. Uma abordagem,

    que como procuraremos evidenciar, fundamenta muitas das prticas que a

    generalidade dos Talentos do Futebol realizavam enquanto Crianas, e que se

    revelaram determinantes para o alcance de nveis de excelncia. Reforando

    deste modo, a necessidade de uma maior aproximao entre o empirismo e as

    cincias cognitivas (Berthoz & Petitt, 2006).

    Importa realar que sendo as Neurocincias, uma rea ainda relativamente

    recente, so poucas ainda as aplicaes que tm sido efectuadas no mbito do

    Futebol (C. Campos, 2007; Freitas, 2004; Gaiteiro, 2006; M. Silva, 2008; B.

    Oliveira et al., 2006). Note-se contudo, que sendo ainda poucas, as existentes

    revelam no somente um entendimento transgressor do fenmeno (B. Oliveira

    et al., 2006), mas tambm uma qualidade e aplicabilidade que consideramos

    de extrema relevncia para o treino de Futebol, tanto ao nvel da Formao

    como enquanto seniores. No obstante, notamos existir ainda muito espao

    para a aplicao dos conhecimentos provenientes das Neurocincias no mbito

    do Desporto e de modo especial no Futebol, se considerarmos problemticas

    como por exemplo a plasticidade, e outros fenmenos que implicam a

    interaco altamente complexa entre corpo - crebro mente, e que ajudam a

    edificar e melhor compreender o Corpo que Joga.

    O facto de se tratar por isso mesmo de uma abordagem, a determinados

    nveis inovadora, reveste-se de aspectos positivos, mas tambm de aspectos

    negativos. Estamos por isso em crer, que apesar de se tratar de um desafio

    ambicioso, dele resultam em nosso entendimento informaes muito

    pertinentes, que esperemos, possam contribuir para um Futebol melhor.

    nossa inteno com a realizao desta dissertao, construir um Corpus de

    conhecimento, que nos permita inferir de forma sustentada, acerca de muito

  • Introduo

    7

    daquilo que se considera especulativo no domnio das cincias. O que

    especulativo hoje pode bem ser senso comum amanh! (Goertzel, 2004, pp.

    241). Tornando-se pertinente para a presente dissertao o estabelecimento

    dos seguintes objectivos:

    Evidenciar que o Futebol um Fenmeno Social Total; Realar a pertinncia para o Futebol da adopo do prefixo

    Antropo, como extenso do conceito Fenmeno Social Total;

    Apresentar o Futebol como um fenmeno complexo, que carece de uma abordagem sistmica;

    Evidenciar que a funcionalidade implicada no Futebol , aparentemente ContraNatura, ou melhor dizendo Ao Lado da Natura;

    Evidenciar que as prticas de infncia dos Talentos no Futebol foram determinantes para os nveis de desempenho alcanados;

    Sustentar cientificamente as prticas de infncia dos Talentos; Evidenciar que a racionalizao qualitativa do processo de

    Formao, torna exequvel o Trinmio Mais Futebol, Mais Criana, Mais

    Educao;

    Tornar evidente, a suspeio de que a prtica precoce de Futebol, alicerada num processo de Formao de qualidade, Periodizao La Long,

    determinante para a exponenciao de Talentos;

    Inferir de forma fundamentada, acerca dos efeitos da prtica precoce, ao nvel das alteraes da representatividade cerebral, e do reverter

    dos condicionalismos impostos pela filognese Humana;

    Sustentar a importncia da necessidade de prtica precoce de Futebol ao nvel da alterao da funcionalidade Corporal e das relaes corpo

    crebro mente;

    Explicitar que a Inteligncia de Jogo, uma Inteligncia Corprea cuja aquisio se repercute na sua InCorporAco;

    Evidenciar a importncia da Aculturao precoce ao fenmeno se fazer pelo contacto com referenciais e processos de qualidade;

    Evidenciar que o parto de jogares e de Talentos que respeitem a pluralidade do Jogo, pode fazer-se a partir de teros Artificiais, desde que o

  • Introduo

    8

    processo tenha subjacente uma Concepo Metodolgica comum e congruente

    com a realidade snior, Periodizao Tctica (Periodizao La Long),

    respeitando o Trinmio Modelo de Jogo, Modelo de Jogador, Modelo de Treino.

    Quanto estrutura, o presente estudo ser estruturado em dez pontos.

    No primeiro a Introduo, pretende apresentar o estudo, as motivaes

    implcitas na sua realizao, justificar a pertinncia do tema e da abordagem a

    encetar, e ainda apresentar os objectivos desta dissertao.

    No segundo ponto denominado Abordagem Etnometodolgica um Imperativo

    para o decifrar de um Fenmeno AntropoSocialTotal, justificaremos os motivos

    para a elaborao do presente estudo no seguindo as metodologias de

    investigao convencionais.

    O terceiro ponto Futebol um universo de Relaes, pretende explicitar que o

    Futebol um Fenmeno Social Total, que como tal estabelece mltiplas

    relaes, benficas ou no com a realidade envolvente, influenciando-se estas

    mutuamente. O que como procuraremos explicitar, se repercute de forma muito

    significativa na iniciao da prtica de Futebol nas Crianas.

    No quarto ponto cujo ttulo , Futebol um Fenmeno AntropoSocialTotal,

    evidenciamos que a aplicao do prefixo Antropo, se reveste de grande

    pertinncia, para o elevar do Futebol sua verdadeira dimenso e

    complexidade.

    O quinto ponto, O Aparente Paradoxo, um Fenmeno AntropoSocialTotal

    que simultaneamente um Fenmeno aparentemente ContraNatura procura

    evidenciar que o Futebol em termos de Hominizao se revela uma actividade

    que comporta alguns condicionalismos a nvel anatmico, que contudo podem

    ser revertidos, da que o apresentemos neste ponto, como um fenmeno Ao

    Lado da Natura.

    No sexto ponto, denominado Em busca da Exequibilidade do Trinmio Mais

    Futebol, Mais Criana, Mais Educao, evidenciaremos que processos de

    Formao de qualidade, podem no somente fomentar a exponenciao de

    Talento no Futebol, como tambm a edificao de pessoas Humanas. Neste

    ponto procura-se ainda evidenciar que muitas das prticas de infncia dos

    Talentos confirmados do Futebol, foram determinantes para o nvel por eles

  • Introduo

    9

    atingido. Sendo ainda nossa inteno identificar essas actividades, para as

    sustentar cientificamente e sugerir a sua recriao nos processos de

    Formao.

    No stimo ponto, O Futebol como a Coca-cola, primeiro estranha-se depois

    entranha-se! A Importncia da InCorporAco Precoce do Jogo na

    Exponenciao de Talentos, salientaremos a necessidade do Talento ser

    entendido como uma construo e exponenciao Ecogentica, e ainda que a

    prtica precoce do Futebol, alicerada numa determinada qualidade, se revela

    determinante e repercute no Corpo, verificando-se a InCorporAco da

    Inteligncia de Jogo. Um saber Corpreo que sugerimos ser simultaneamente

    especfico e Especfico.

    No oitavo ponto sero apresentadas as evidncias conclusivas do presente

    estudo, e um acresento de ltima hora s mesmas, no qual se apresentam

    algumas referncias, que permitem dar Vida a um jogar de qualidade.

    No nono ponto, far-se- a indexao da totalidade das referncias

    bibliogrficas mencionada ao longo da dissertao.

    No dcimo primeiro ponto Anexos, podem ser consultadas as transcries

    integrais das entrevistas gravadas atravs de gravador udio Olympus VN-

    240PC, tendo estas sido posteriormente revistas pelos respectivos

    entrevistados, servindo de complemento ao que ser abordado ao longo deste

    estudo. Encontrando-se indexadas por ordem cronolgica de realizao. Neste

    ponto, encontram-se tambm outras fontes que pela pertinncia das temticas

    que afloram, entendemos justificar-se a possibilidade da sua contemplao

    integral.

  • Abordagem Etnometodolgica um Imperativo para o decifrar de um Fenmeno AntropoSocialTotal

    11

    2 - Abordagem Etnometodolgica um Imperativo para o decifrar de um Fenmeno AntropoSocialTotal

    Les recherches en ethnomthodologie visent dcrire les activits naturellement organises de

    la vie quotidienne. (Garfinkel, 2001a, pp. 439).

    Importa antes de tudo, ter em considerao os trs pontos prvios que

    seguidamente se apresentam:

    O primeiro problema a enfrentar, refere-se NATUREZA DO OBJECTO-EMPRICO deste jogo desportivo colectivo, e o segundo,

    MANEIRA DE ESTUD-LA. Ambas so questes epistemolgicas. (V. M. d. C.

    Frade, 1990, pp. 3). Acho que a anlise de contedo muitas vezes uma falcia das

    cincias moles, ou uma insuficincia das cincias moles, perante o

    determinismo das cincias duras. E portanto, h situaes, em que a anlise

    de contedo no funciona de todo. (Paulo Cunha e Silva, Anexo 4).

    Na filosofia budista, existe o princpio de que o meio utilizado para testar uma proposta especfica deve estar de acordo com a natureza do

    assunto em estudo. (DalaiLama, 2006, pp. 34).

    Face a estas premissas, nas quais nos revemos, tornou-se um imperativo o

    recurso a uma concepo metodolgica, que conseguisse atender natureza

    do assunto em estudo, sem incorrer, na falcia das cincias moles, tendo

    sido a alternativa por ns encontrada, na adopo da Etnometodologia.

    O conceito Etnometodologia refere-se investigao das propriedades

    racionais das expresses contextuais e de outras aces prticas como os

    esforos contnuos e contingentes das prticas engenhosamente organizadas

    da Vida quotidiana (Garfinkel, 2006), sendo uma rea que procura descrever as

    actividades naturalmente organizadas da Vida quotidiana (Garfinkel, 2001a).

    Os estudos neste mbito demarcam-se das abordagens da Sociologia corrente,

    imprimindo a esta rea de investigao uma orientao fenomenolgica

    (Watson, 2001). Uma concepo fenomenolgica que requisita uma intercrtica

    de conhecimentos que permita a reconciliao das Cincias Humanas e

  • Abordagem Etnometodolgica um Imperativo para o decifrar de um Fenmeno AntropoSocialTotal

    12

    Sociais com as Neurocincias, realidades que tm permanecido desconexas, e

    ainda a aproximao entre a Filosofia e o empirismo (Berthoz & Petit, 2006).

    Adopta, assim uma posio radicalmente nova e contra-corrente, relativamente

    Sociologia Clssica por se centrar na capacidade dos indivduos se apoiarem

    no senso comum, para agir, dar conta da sua aco e para perceber como a

    Vida social se traduz nas nossas prticas (Molnat, 2008)

    A Etnometodologia assume-se deste modo, como uma transgresso em

    relao ao que convencionalmente se faz em Sociologia. Por este motivo,

    Ogien (2001) salienta, que em torno da compreenso do projecto

    etnometodolgico, se levanta h muito tempo, a questo, se a Etnometodologia

    , ou no uma rea do domnio da Sociologia. Este autor, sugere e apresenta-a

    como sendo Lautre sociologie.

    Trata-se deste modo, de uma abordagem marginal (M. Silva, 2008)

    enquadrada no mbito da investigao qualitativa, que contrariamente

    anlise formal, no se limita a interrogar sobre o que acontece, mas tambm o

    que lhe est subjacente, ou seja, o que despoleta e motiva tais

    acontecimentos. Procura assim, ir mais alm, isto , propem e elabora

    quelque chose de plus, qualquer coisa mais, que as investigaes conduzidas

    pelos procedimentos de anlise formais, no fornecem nem podem fornecer

    (Garfinkel, 2001b, pp. 32). Por este motivo, depois de desde a sua origem

    acerca de quarenta anos, ter sido marginalizada, e considerada como uma

    secte, ou seja, uma seita dentro das Cincias Sociais, agora tempo da

    discusso em torno desta abordagem comear, e lhe ser reconhecida a devida

    relevncia (Molnat, 2008).

    Os estudos no mbito da Etnometodologia tomam as actividades e

    circunstncias prticas e o racionamento sociolgico prtico como objectos

    empricos, prestando ateno s actividades mais comuns de modo

    semelhante quela que geralmente se presta a eventos extraordinrios,

    procurando apreend-las como fenmenos por direito prprio, especificando as

    caractersticas problemticas e recomendar mtodos para o estudo destes, e

    sobretudo, considerar os aspectos mais relevantes a apreender de cada

    fenmeno (Garfinkel, 2006). Deste modo, concebe os fenmenos tendo em

  • Abordagem Etnometodolgica um Imperativo para o decifrar de um Fenmeno AntropoSocialTotal

    13

    considerao, o modo como se manifestam num contexto singular,

    caracterizado por um conjunto de detalhes que lhe conferem sentido prtico

    (Watson, 2001). A este respeito, importa desde j salientar que o processo de

    construo e exponenciao, de Talentos e de jogares, tem lugar em contextos

    singulares, o que por conseguinte lhes confere sentido prtico. Conforme

    esclarece M. Silva (2008), a Etnometodologia visa reconhecer e descrever os

    procedimentos contextualizados nos seus locais de concretizao, assim como

    a sua actualizao prtica. Debruando-se assim, sobre o carcter prtico dos

    fenmenos sociais (Fornel, Ogien, & Qur, 2001), o que numa abordagem

    como a presente se revela altamente pertinente.

    Devemos ainda ter em considerao, que uma atitude fundamental adoptada

    () pela cincia consiste no empenhamento em prosseguir a busca da

    realidade atravs de meios empricos e na disposio de rejeitar posies

    aceites ou conservadas ao longo dos tempos se o nosso estudo verificar que a

    verdade diferente. (Dalai-Lama, 2006, pp.31/32). Facto que refora a

    necessidade do recurso Etnometodologia, a qual enfatiza o empirismo e as

    questes que emergem de uma realidade concreta (Fornel, Ogien, & Qur,

    2001). Deixa deste modo, de se nortear exclusivamente por preocupaes

    tericas, mas tambm pela prtica do desenvolvimento dos fenmenos, como o

    jogo (M. Silva, 2008).

    O mtodo, tal como eu o entendo, parte da observao de certos fenmenos

    no mundo material, conduz a uma generalizao terica que prediz os

    acontecimentos e os resultados que se produzem se tratarmos os fenmenos

    de um modo particular, e depois testa a predio com uma experincia. O

    resultado aceite como parte do corpo do conhecimento cientfico mais amplo

    se a experincia for correctamente conduzida e puder ser reproduzida.

    Contudo, se a experincia contradisser a teoria, ento a teoria que precisa de

    ser adaptada, dado que a observao emprica dos fenmenos tem primazia.

    (DalaiLama, 2006, pp. 30).

    De acordo com Watson (2001) a Etnometodologia pretende assumir-se como

    uma abordagem emprica, consciente da realidade que envolve, cada um dos

    fenmenos a considerar, com o objectivo de responder a questes de ordem

  • Abordagem Etnometodolgica um Imperativo para o decifrar de um Fenmeno AntropoSocialTotal

    14

    lgica e de sentido do contexto. Para Ogien (2008) a Etnometodologia no

    simplesmente uma corrente de anlise que procura desenvolver uma

    Sociologia convencional, sendo pelo contrrio uma outra forma de encarar a

    investigao social, capaz de incorrer segundo o mesmo autor, no risco de

    denunciar que nenhuma teoria se encontra em condies de prever o que

    somente a observao das prticas nos pode ensinar. Assim, procura nas

    condies concretas onde acontece a aco, a sua validade prtica ou seja,

    analisa e reflecte as decises prticas no seu contexto e portanto, em funo

    dos detalhes imediatos que as produzem. (M. Silva, 2008, pp. 54).

    tudo o que tem existncia e identidade, s o tem dentro da rede total de

    tudo com que possa estar relacionado, ou potencialmente relacionado. No

    existe nenhum fenmeno com uma identidade independente ou intrnseca.

    E o mundo feito de uma rede de inter-relaes complexas. No podemos

    falar da realidade de uma entidade discreta fora do contexto da sua esfera de

    inter-relaes com o seu meio e outros fenmenos (DalaiLama, 2006, pp.

    64). Fundamentando-se deste modo, o recurso Etnometodologia para

    explicar um Fenmeno AntropoSocialTotal como o Futebol.

    Este tipo de abordagem procura apreender e demonstrar as propriedades

    ordenadas das explicaes fornecidas pelos indivduos, acerca dos fenmenos

    em questo, entendendo tais propriedades como expresses e relatos

    contextuais (Garfinkel, 2006). Por este motivo, como forma de enriquecer a

    abordagem efectuada no presente estudo, consideramos pertinente munirmo-

    nos de relatos provenientes de diferentes mbitos e de diferentes

    intervenientes no fenmeno. Com esta abordagem, procuramos no incorrer no

    materialismo e cepticismos cientficos, segundo os quais apenas fontes que

    apresentam cunho cientfico so pertinentes para o conhecimento da realidade

    (Dalai-Lama, 2006). Para tal recorremos a fontes muito diversas, desde o

    recurso a DVDs e gravaes de programas televisivos ou biografias relativas a

    temticas que consideramos pertinentes para a abordagem em questo, uma

    extensa bibliografia composta por livros de diferentes temticas, artigos ditos

    cientficos ou no, provenientes de fontes muito diversas, entrevistas

    publicadas na imprensa, e algumas no editadas e ainda comunicaes

  • Abordagem Etnometodolgica um Imperativo para o decifrar de um Fenmeno AntropoSocialTotal

    15

    efectuadas por diferentes autores. Tendo sido a informao providenciada por

    estes recursos, complementada por um conjunto de cinco entrevistas abertas,

    realizadas propositadamente para esta dissertao. Importa salientar, que os

    cinco entrevistados constavam de um leque inicial de dez possveis e

    desejveis, tendo sido condio imposta, pelo orientador desta dissertao a

    realizao de pelo menos cinco entrevistas a Cientistas.

    O critrio adoptado para a seleco dos entrevistados relaciona-se com os

    motivos abaixo mencionados:

    Manuel Sobrinho Simes: reconhecidamente um dos mais consagrados Cientistas portugueses, exercendo o cargo de Director do Instituto

    de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP),

    uma das entidades cientficas mais consagradas radicadas no nosso pas.

    Alm disso, tem proferido conferncias em reas de interesse para a temtica

    desta dissertao, nomeadamente as reas dos Talentos, da Epigentica e da

    Ecogentica.

    Leandro Massada: trata-se de um reputado Cientista no mbito do Desporto, tendo se especializado em Medicina Desportiva, e Doutorado em

    Biologia do Desporto, exerce funes de Professor auxiliar na Faculdade de

    Desporto da Universidade do Porto, tendo alm de todas estas valncias,

    centrado muita da sua investigao, em torno da problemtica do bipedismo, e

    as alteraes anatmicas decorrentes do processo de Hominizao, editando

    j livros em torno desta temtica; O Bipedismo no Homo Sapiens. No

    devendo ainda ignorar-se, que se trata de uma pessoa que ao longo de largos

    anos, tem contactado de perto com a realidade do fenmeno desportivo,

    desempenhando papis muito diversificados, o que lhe permite ter uma

    percepo do fenmeno muito particular.

    Lusa Estriga: tem vindo a preocupar-se, no mbito da realizao da sua tese de Doutoramento, com a problemtica da preveno de leses,

    procurando saber as relaes entre a ocorrncia de leses e a Especificidade

    do processo. Colocando, semelhana dos grandes investigadores da rea,

    como refere, a tnica da preveno de leses no desenvolvimento da

    proprioceptividade desde idades precoces, atravs dessa Especificidade. De

  • Abordagem Etnometodolgica um Imperativo para o decifrar de um Fenmeno AntropoSocialTotal

    16

    notar ainda, que tem ao longo da sua vida profissional vindo a dedicar-se ao

    processo de EnsinoAprendizagem de uma modalidade colectiva, o Andebol,

    tanto na realidade escolar como nos clubes, tendo contactado com alguns dos

    maiores Talentos femininos desta modalidade.

    Paulo Cunha e Silva: pelas diversas valncias cientficas que revela, Mestre em Medicina Desportiva, Doutorado em Cincias do Desporto,

    Professor da Faculdade de Deporto da Universidade do Porto, tem centrado a

    sua investigao na problemtica do Corpo, personificando assim o carcter

    multidisciplinar que procuramos conferir ao presente estudo, sendo deste modo

    um elemento fundamental, numa dissertao que se preza de ser

    multidisciplinar. Sendo ainda os seus relatos pertinentes, por ser um Cientista

    que revela uma familiarizao inequvoca com as problemticas mais em voga

    da Cincia, e uma posio e um tipo de conhecimento rejuvenescido no

    desfasado com a realidade contempornea, o que lhe permite ter uma viso

    sistmica e complexa da realidade. Importa tambm salientar, que o seu

    contributo se justifica ainda pela abordagem em torno da problemtica do

    Corpo, como foi referido, uma temtica basilar nesta dissertao.

    Marisa Gomes: Licenciada em Cincias do Desporto pela Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, foi durante quatro pocas coordenadora da

    Escola do Drago do Futebol Clube do Porto, encontrando-se actualmente a

    desempenhar o cargo de treinadora no escalo de sub-13 do Futebol Clube do

    Porto, pode considerar-se, do conjunto dos nossos entrevistados, a Cientista

    do Terreno que procura, fundamentar a sua praxis num corpus de

    conhecimentos tericos, em constante actualizao e evoluo, motivo pelo

    qual se encontra a frequentar uma (mais) Licenciatura em Neurofisiologia, o

    que por si s poderia justificar a pertinncia dos seus relatos. Mas alm destes

    motivos, o seu contributo justifica-se, no somente pela temtica abordada na

    sua Tese de Monografia, recentemente convertida em livro; O

    desenvolvimento do jogar segundo a Periodizao Tctica, como tambm, por

    se encontrar actualmente envolvida num processo de Formao, que sabemos

    ser balizado por muito do que sugerimos no presente estudo, e por lidar com

    escales etrios mais baixos, tornando deste modo o seu contributo muitssimo

  • Abordagem Etnometodolgica um Imperativo para o decifrar de um Fenmeno AntropoSocialTotal

    17

    pertinente, para fazer a ponte entre a teoria e a prtica, uma preocupao

    constante nesta dissertao.

    O estudo etnometodolgico, evita os mtodos de anlise formal para

    responder s questes de ordem lgica e de sentido do contexto, que os

    fenmenos sociais colocam (Watson, 2001). Assim, e face s insuficincias

    que apresentam as metodologias que recorrem anlise de contedo (Paulo

    Cunha e Silva, Anexo 4), o tratamento das entrevistas no seguir uma

    metodologia convencional, mas sim uma interpretao e utilizao dos relatos,

    que tem por base a Etnometodologia, um tipo de pesquisa que pe em causa

    o papel da teoria e das hipteses e o carcter geral das interpretaes utilizado

    pelas cincias sociais. (M. Silva, 2008, pp. 53). A Etnometodologia, permite

    realar o fluxo existente entre os fenmenos sociais e tudo o que os envolve

    (Garfinkel, 2006), motivo pelo qual consideramos pertinente, o no

    estabelecimento de categorias de anlise para o tratamento do contedo das

    entrevistas efectuadas. Sabemos que o entendimento do processo de

    categorizao convencional, o qual remonta a Aristteles se tem revelado

    como um dos grandes problemas que continua a contaminar a Cincia

    emprica, por se encontrar desfasado da realidade e envolto em artificialismos,

    o que quebra o fluxo que caracteriza os fenmenos (Levitin, 2007), e no se

    coaduna com os intentos de uma abordagem etnometodolgica. Por este

    motivo, e com o intuito de atender inteireza do fenmeno em questo, o

    Futebol, optamos por utilizar os relatos dos nossos entrevistados,

    interconectando-os com os dados recolhidos para a realizao da presente

    pesquisa, provenientes de outras fontes, e que conjuntamente nos permitem ao

    longo da dissertao inferir acerca da aplicabilidade ou no, de tais

    informaes, para a problemtica em estudo. Sendo que este tipo de

    conhecimento (inferencial) () reflecte uma actividade bsica da mente

    humana que usamos com naturalidade no nosso dia-a-dia (Dalai-Lama, 2006,

    pp. 37). O que para a abordagem de um fenmeno AntropoSocialTotal nos

    parece de especial relevncia.

  • Futebol um universo de Relaes

    19

    3- Futebol um universo de Relaes: 3.1- Desporto um Fenmeno Social Total:

    Todos os fenmenos se apoderam do Homem ou o Homem se d inteiramente bem com todos

    os fenmenos, no existe separao nenhuma entre o Homem e todos os fenmenos. (A. d. Silva, 2002, pp. 34).

    O facto do Futebol, se constituir como temtica desta pesquisa, que se

    propem multidisciplinar, assim como de muitas outras, evidencia por si s,

    mas no somente por esse motivo, a relevncia que este Fenmeno, que um

    epifenmeno1, assume nas sociedades actuais.

    O desporto e as suas prticas, enquanto fenmeno social e objecto de

    investigao, so matria de crescente complexidade requisitando diversos

    saberes disciplinares para a respectiva interpretao (Constantino 2007, pp.

    57).

    Trata-se de um epifenmeno, visto que no sendo fundamental para a

    existncia Humana, funciona como um complemento que lhe fundamental,

    como mais adiante tentaremos evidenciar.

    Para compreender, a dimenso que o Futebol atingiu desde que foi criado,

    importa ter conscincia que, este se engloba num fenmeno mais macro, o

    Desporto. Inegavelmente um fenmeno muito particular, cujo impacto ,

    tambm por isso muito significativo na sociedade. Segundo A. Marques (1993)

    o Desporto tem a particularidade de no deixar ningum indiferente. De facto o

    fenmeno desportivo, aglutinou a ateno das diferentes sociedades, da que

    Moura, (2007, pp. 6) afirme que; o sucesso do Desporto e de todos os seus

    sucedneos fazem desta actividade um dos sectores sociais preponderantes

    no sculo XXI. Opinio partilhada por Lopes (2007), segundo o qual, este

    fenmeno se transformou nos tempos hodiernos num Fenmeno sociocultural

    incontornvel.

    1 Epifenmeno: fenmeno secundrio e acessrio que acompanha outro reputado primrio e

    acidental (DiciopdiaX, 2006).

  • Futebol um universo de Relaes

    20

    O facto do Desporto ter conseguido adquirir, tal estatuto nas sociedades

    actuais, pode considerar-se uma inevitabilidade decorrente do facto de se tratar

    de uma actividade Humana. Todos os fenmenos se apoderam do Homem ou

    o Homem se d inteiramente bem com todos os fenmenos, no existe

    separao nenhuma entre o Homem e todos os fenmenos (A. d. Silva, 2002,

    pp. 34). Parece-nos pertinente advertir para tal inevitabilidade, sem contudo, de

    momento nos pronunciarmos muito aprofundadamente sobre o facto do

    Desporto ser uma actividade Humana. Por conseguinte, aquilo que importa

    reter neste ponto , o aumento da relevncia que este Fenmeno tem

    adquirido. Facto que evidenciado por Elias & Dunning (1992) como uma das

    caractersticas das sociedades actuais.

    O facto do Desporto exercer sobre a sociedade um impacto enorme, levou a

    que A. d. S. Costa (1992) adoptasse, para o fenmeno Desportivo o conceito

    de Facto Social Total, proposto por Mauss (1979). Este conceito aplicvel

    segundo o seu mentor, ao conjunto de fenmenos complexos, pelos quais as

    instituies se exprimem e o todo social pode ser observado. Segundo este

    autor, atravs destes Factos Sociais Totais, podemos observar o

    funcionamento dos traos ou dos vestgios das instncias fundamentais que

    compem as sociedades, apresentando um total de seis; familiar, educativa,

    poltica, econmica, religiosa e recreativa.

    Consideramos, que at mesmo os menos familiarizados com o fenmeno

    desportivo, so capazes de com relativa facilidade, reconhecer o

    funcionamento das diferentes instncias apresentadas por Mauss (1979), no

    Desporto, motivo pelo qual comungamos com o que sugerem alguns autores

    (A. d. S. Costa, 1992, 1993, 1997, 2004, 2006; Garcia, 1993; Murad, 2006),

    quando aplicam o conceito, Fenmeno Social Total, ao fenmeno desportivo.

    So igualmente vrios os autores, que comungam da ideia, de que o

    Desporto capaz de reproduzir uma imagem fidedigna da sociedade em que

    praticado, e que na sua compreenso reside a chave do conhecimento da

    sociedade (A. d. S. Costa, 1992, 1993, 1997, 2004, 2006 Elias, Dunning, &

    Fayard, 1994).

  • Futebol um universo de Relaes

    21

    Em conformidade com os autores anteriores, encontra-se, Gritti (1975, pp. 6),

    que de forma inequvoca afirma que, absolutamente evidente que o desporto

    se apresenta como um espelho exacto ou deformante das sociedades

    contemporneas, sugerindo ainda, que a literatura desportiva tem todas as

    possibilidades de manifestar o funcionamento deste espelho, em parte, aquilo

    que procuramos com esta parte da dissertao , precisamente tornar menos

    bao, o nosso espelho, e com isso perceber um pouco melhor e mais

    aprofundadamente, realidades altamente complexas, e em conexo, como so

    a Sociedade e o Desporto, e de modo particular o Futebol.

    Partindo do pressuposto apresentado anteriormente, pelos autores citados, e

    com o intuito de compreender, a sociedade actual e o Desporto que nela se

    faz, importa citar Constantino (2007, pp. 62) quando sugere que, o desporto

    o reflexo de uma sociedade onde o rendimento, o avano cientfico e

    tecnolgico, o desenvolvimento econmico, conflituam muitas vezes com a

    viso prometeica do progresso e do bem-estar social. O desporto contm as

    contradies inerentes a outras prticas sociais e sociedade, o desporto no

    uma realidade transhistrica ou transcultural. Encontramo-nos de acordo

    com a citao, no entanto, julgamos ser fundamental realar, e ter em

    considerao, que o Desporto e o modo como se expressa em cada sociedade,

    no deve ser entendido de forma isolada, uma vez que se trata de um

    fenmeno situado no tempo e no espao. Como adverte V. Frade (1998),

    relativamente ao Futebol, mas que entendemos ser extensvel ao Desporto em

    geral. Pelo facto de no se tratarem de fenmenos naturais, estes tm no

    somente uma Geografia mas tambm uma Histria, que importa considerar.

    Constantino (2007) acrescenta ainda, que o Desporto moderno emergiu, como

    representao simblica dos ideais utpicos da sociedade industrial. Opinio

    corroborada por Bento (2007, pp. 20) o qual refere, relativamente s origens do

    chamado desporto moderno, que este resultou, da emanao e expresso

    fidedignas dos princpios da sociedade industrial.

    Constantino (2007) adverte que o Desporto, apesar de no se constituir como

    um fenmeno em si mesmo, tem potencialidades para preencher mltiplas

    funes e para assumir uma grande pluralidade de significados sociais,

  • Futebol um universo de Relaes

    22

    destacando a este respeito, o impacto que este fenmeno assume ao nvel da

    integrao e coeso social, aspectos que nos parecem cada vez mais

    relevantes, nas sociedades actuais, tendencialmente multiculturais e que se

    encontram simultaneamente fragmentadas no plano econmico, social e tnico.

    Por tudo o que foi salientado, o desporto no um tema menor, com pouco

    ou nenhum valor para abordagens literrias e culturais. um caleidoscpio da

    diversidade de problemas e traumas da vida e do homem, das suas fraquezas

    e contradies. Pela sua janela entra e contempla-se o mundo todo. (J. O.

    Bento, 2004, pp. 200).

    3.2- Futebol, um epifenmeno que um Fenmeno Social Mais Total:

    Voc s pensa em futebol. Vai ver que j nem se lembra do dia do nosso casamento, diz a esposa.

    - Claro que me lembro, meu amor. Vspera de um Santos Corinthians. Jogao, ganhou o Santos, 4-1, responde o marido apaixonado.

    (Betty Mary in O pas e a bola, s.d. cit. por Lobo, 2007, pp. 90).

    Depois de termos evidenciado que o Desporto um fenmeno peculiar no

    seio das nossas sociedades, torna-se mais fcil compreender o fascnio que

    suscita, ao ponto de no deixar ningum indiferente (A. Marques, 1993) e de

    se constituir como um idioma global (Kitchin, L., s. d. cit. por Garganta,

    Oliveira, & Murad, 2004).

    Como reala Sobrinho Simes (Anexo 1) reportando-se ao Futebol refere que

    o viu sempre de uma forma muito mais global do que a de qualquer outro

    desporto, acrescentando tratar-se de forma indiscutvel, a modalidade que em

    termos mundiais, melhor concilia a dimenso desportiva com aspectos

    comerciais, com o espectculo e inclusive com a poltica. O Futebol deste

    modo, e de forma mais evidente no nosso espao geogrfico , um caso nico,

    quando comparado com outras modalidades desportivas, apresentando-se de

    modo muitssimo mais atractivo (Leandro Massada, Anexo 2).

    No somente com base, em algumas das entrevistas por ns realizada, como

    tambm, na pesquisa por ns efectuada, pudemos constatar que o Futebol ,

    considerado de forma especial, podendo por isso dizer-se, que sendo um

  • Futebol um universo de Relaes

    23

    Fenmeno Social Total, tal como a generalidade das modalidades, se

    apresenta, em nosso entendimento, como um Fenmeno Social Mais Total, por

    isso, o Futebol apresenta-se como um micro fenmeno muito especial, dentro

    do macro fenmeno desportivo, sendo praticado e apreciado num espao muito

    vasto e peculiar, um amplo jardim comunitrio (Valdano, 2002).

    O impacto social do Futebol facilmente constatvel, por se tratar de um

    fenmeno que nas suas diversas facetas se afigura, na nossa sociedade, como

    uma temtica dominante encontrando-se na ordem do dia, tanto de programas

    televisivos como radiofnicos, ou ainda nos canais do ciberespao, o mesmo

    sucedendo nos escritos de articulistas, ou to simplesmente nas conversas

    quotidianas que tm lugar nas ruas e cafs (Garganta, 2001).

    Sobrinho Simes (Anexo 1) salienta a este respeito, que a sua percepo do

    fenmeno Futebol, deriva fundamentalmente, da sua envolvente

    comunicacional, o que o torna, num fenmeno de dimenso mundial

    A omnipresena do Futebol, na nossa sociedade levou, A. d. S. Costa (1990)

    a considerar o Futebol como, a grande festa dos tempos modernos. Facto

    que poder ser mais facilmente compreensvel se, tivermos em considerao, a

    advertncia efectuada por Haldas (1981), o qual reala o facto de existir no

    Futebol algo mais, que ultrapassa o prprio Futebol. Opinies corroboradas por

    J. Bento (2004), quando adverte que o Futebol, assim como os espaos em

    que se pratica funcionam como smbolos de causas, evidenciando deste modo,

    a dimenso hermenutica do fenmeno.

    J. A. Santos (2004, pp. 220) para quem inquestionvel a importncia social

    do Futebol, refere que se trata do fenmeno multitudinrio mais importante da

    actualidade, opinio partilhada por Garganta (2004) que o apresenta como o

    fenmeno mais marcante do final do sculo XX e princpio do sculo XXI.

    Madal (2004), ajuda-nos a perceber a relevncia que o Futebol assume na

    actualidade, quando o descreve como uma religio universal, justificando-o,

    com o facto de se encontrar difundido e inserido por todo o mundo, e tambm,

    pela Assembleia Geral da FIFA ser composta por 202 pases, representando

    assim um nmero mais elevado que, o de pases com participao nas Naes

    Unidas. O percurso realizado pelo Futebol, desde a sua origem representa

  • Futebol um universo de Relaes

    24

    uma viagem apaixonante de um sculo em que logrou colonizar o mundo. (J.

    Valdano, 1998, pp. 51).

    A popularidade do Futebol encontra-se deste modo, difundida por todo o

    planeta, e independentemente das diferenas que as pessoas possam

    evidenciar a diferentes nveis, idade, estatuto social e gnero, um dado

    inequvoco, o seu impacto social, sendo na ordem dos bilies o nmero de

    pessoas que partilham a afinidade por este fenmeno (Blatter, 2004).

    Ou seja, tal como o Desporto em geral, tambm o Futebol no deixa ningum

    indiferente.

    Apesar do fascnio que este fenmeno desperta, nem sempre este

    facilmente decifrvel. J. O. Bento (2004) revela ficar intrigado, quando tenta

    encontrar os motivos, que o levam a ir ao estdio. Esta inquietude provocada

    pelo Futebol , quanto a ns, reveladora do fascnio em parte misterioso, que

    este fenmeno desperta nas pessoas.

    O futebol o desporto mais popular do planeta. Envolve directa e

    indirectamente bilhes de pessoas, entre praticantes amadores, atletas

    (Jogadores) profissionais, adeptos e incalculveis recursos humanos

    empregados em muitas ocupaes e servios, que funcionam de suporte ou

    meio para a consecuo de suas metas. (Murad, 2007 pp. 245).

    Na tentativa de decifrar possveis razes para tal popularidade, o mesmo

    autor salienta, o facto de ser considerado pelos especialistas como a

    modalidade mais espontnea, imprevisvel, simples, estvel, barata e

    democrtica para os seus praticantes, factores que como sugere, podem ajudar

    a entender a sua imensa e diversificada popularidade.

    A este respeito, Leandro Massada (Anexo 2) salienta o facto do Futebol se

    constituir, como um espao muito relevante para a libertao, por parte das

    pessoas, do stress emocional acumulado no quotidiano, sendo ainda a

    apetncia evidenciada pelas pessoas para com este fenmeno, estimulada

    pelas rivalidades que comporta. O futebol, pelas rivalidades, pelas guerras,

    pelos hinos, pelas bandeiras, por tudo o que o envolve tem uma influncia

    muitssimo mais marcada na sociedade do que qualquer modalidade desportiva

    e vai continuar assim para sempre. (Leandro Massada, Anexo 2).

  • Futebol um universo de Relaes

    25

    Tambm com o intuito de encontrar possveis explicaes para tamanha

    popularidade e relevncia social, Vargas, M. (s.d. cit. por Maurcio, 2002),

    apresenta-o como o ideal de uma sociedade perfeita, pelo facto de apresentar

    poucas regras, sendo estas claras e simples, capazes de garantir espao para

    a competncia individual. Em conformidade Dunning (s.d., cit. por Brown, 1998)

    apresenta como razes para o sucesso deste fenmeno, a simplicidade, no

    requerendo muitos meios materiais, a sua fcil compreenso e o facto da sua

    prtica ser relativamente barata.

    Talvez por este conjunto de caractersticas, o Futebol se tenha tornado num

    fenmeno diferente, para muitos uma verdadeira paixo. Filho (2004) sugere

    que se trata da maior paixo do nosso planeta. J. O. Bento (2004, pp. 201) vai

    mais longe, quando enaltecendo os mritos do Futebol, peremptrio em

    afirmar que, o futebol a nossa paixo, no deixando ainda de acrescentar e

    advertir, para o facto de no afirmar ser a nossa maior paixo, mas to

    somente a nossa paixo, que no sei se haver outras. E se as h

    encontram-se em franco declnio ou no se mostram.

    Para Alegre (2006), o Futebol , o nico jogo total, assim, e sendo um

    Fenmeno Social Total (Coelho, J. N., 2000; A. d. S. Costa, 1992, 1993, 1997,

    2004, 2006; Murad, 2006), o facto de ser considerado o nico jogo total,

    parece reforar a nossa ideia, de que o Futebol se pode considerar mais

    satisfatoriamente como, um Fenmeno Social Mais Total.

    Enquanto Fenmeno Social Total, o Futebol alcana uma significao, que se

    encontra para alm do jogo realizado dentro do relvado (Murad, 2007), o que

    refora o facto das suas construes e simbologias se poderem constituir como

    objecto de estudo pertinente para as Cincias Sociais (Haldas, 1981).

    Para Garganta, Oliveira, & Murad (2004) o Futebol emerge nas sociedades,

    como um dos traos matriciais da nossa civilizao, assumindo-se deste modo,

    como o Jogo2 mais praticado, visto e aclamado do planeta. O Futebol

    2 Jogo: ao longo desta dissertao a palavra Jogo, encontra-se por vezes escrita com a primeira letra em maisculas, quando tal se verifica, reportamos-nos dimenso macro, isto ,

    ao Jogo todo o qual composto por diferentes jogares. Quando nos reportamos ao jogo

    praticado por uma determinada equipa, esta palavra ser redigida em minsculas. Sendo

  • Futebol um universo de Relaes

    26

    enquanto Fenmeno Social Total um microcosmos da sociedade e um

    espelho da mesma em todos os seus aspectos. (A. d. S. Costa, 2004, pp. 55).

    Foer (2006) evidencia que o Futebol, contrariamente ao que sucede com

    outras actividades desportivas, pelo impacto social que alcanou, comporta o

    peso da Histria e dos seus dios seculares. O futebol tem, portanto uma

    geografia, uma histria, no um fenmeno natural, um fenmeno

    construdo, sendo, no entanto, necessrio tempo para o construir. (V. Frade,

    1998). Ou seja, o Futebol , um fenmeno situado no espao e no tempo.

    Parece-nos igualmente pertinente, realar que o Futebol se demarca, pelo

    menos em termos de impacto social, face ao exposto, das restantes

    modalidades desportivas, mas tambm de muitos outros Fenmenos Sociais

    Totais, como a literatura, a msica, entre outras actividades. Futebol e

    literatura: dois jogos, quase uma redundncia. Trata-se de escapar realidade

    por caminhos distintos que raras vezes se cruzam. (J. Valdano 1998, pp. 172).

    No nossa inteno passar a ideia, de que o Futebol o assunto ou

    fenmeno mais importante do nosso planeta, ainda que no estejamos

    totalmente em desacordo com Bill Shanckly (s.d. cit. por. Alegre, 2006, pp. 15),

    quando este refere que, o futebol no um caso de vida ou de morte, muito

    mais que isso. De uma forma hiperblica, para muitos dos aficionados pelo

    Futebol, este tal como para Bill Shanckly, muito mais que um caso de vida ou

    morte. No obstante este facto, no devemos ignorar que se trata de um

    epifenmeno, e como tal, no dever ser sobrevalorizado ou opor-se, mas sim

    coabitar e complementar os restantes fenmenos eminentemente culturais,

    como a literatura, a msica a pintura entre muitos outros e sobretudo, servir de

    complemento para a Vida.

    Maradona (2005, pp. 139) acerca da conquista do Mundial de 1986, evidencia

    o que pretendemos salientar a este respeito, quando afirma que aquela vitria,

    foi uma vitria extraordinria do futebol argentino, que lamentavelmente no

    se voltou a repetir, mas nada mais do que isso. A nossa vitria no fez descer

    contudo pertinente ter em considerao, que no Jogo global quem interfere o jogo de letra

    pequena. (V. Frade, 2006). Ou seja, no so realidades desconexas, que como tal se

    influenciam mutuamente.

  • Futebol um universo de Relaes

    27

    o preo do po. Oxal ns, os futebolistas, pudssemos resolver os problemas

    das pessoas com as nossas jogadas. Quo melhores estaramos todos!

    Este apaixonante Fenmeno, que como j foi referido colonizou Mundo, no

    deixa indiferente o nosso pas, assumindo-se mesmo no nosso espao

    geogrfico, como um trao marcante da nossa sociedade e identidade

    (Leandro Massada, Anexo 2). O facto, mais evidente de que o Futebol no

    nosso pas tem, um impacto enorme, expressa-se por este pertencer trade

    dos trs fs, que caracteriza o nosso pas, Ftima, Futebol e Fado, Portugal

    pode, mesmo definir-se como um pas tradicionalmente louco por Futebol

    (Johansson, 2004).

    O futebol uma das paixes nacionais, ocupando um lugar central na

    sociedade e cultura portuguesas. o tema preferido das conversas. Domina

    audincias. Faz parar o pas, torna-o mais feliz ou deprimido, conforme os

    resultados dos jogos e as peripcias do universo futebolstico. Diz-nos muito

    acerca do pas que fomos, do que somos, de como temos vindo a mudar e s

    por isso j merece toda a ateno e pesquisa. Um patrimnio histrico e

    cultural, vivo e popular, construdo na escala das emoes e dos sentimentos

    (J. N. Coelho & Pinheiro, 2004, pp. 33). O Futebol pode deste modo servir,

    como um campo de observao, uma vez que, um laboratrio de anlise

    social e pode, mesmo, ser visto como espelho fiel da nossa sociedade. (A. d.

    S. Costa, 1997, pp. 139). Ramos (2003), reala que parece ser indiscutvel, que o Futebol exerce um

    grande impacto nos hbitos culturais desportivos dos nossos dias, sendo isto

    especialmente evidente no nosso espao geogrfico, o que provoca uma

    enorme atraco para a sua prtica, a muitas Crianas e jovens, que deste

    modo tm a possibilidade de imitar e encarnar os adultos seus modelos,

    por vezes elevados qualidade de dolos. Este facto, em nosso entendimento,

    torna ainda mais pertinente, a realizao desta pesquisa, que se debrua sobre

    a problemtica da Formao.

    O Futebol a prtica desportiva mais popular de Portugal (Morais, 1993)

    podendo considerar-se como uma das paixes nacionais, sendo capaz de

    ocupar um lugar central na sociedade e cultura portuguesas (J. N. Coelho &

  • Futebol um universo de Relaes

    28

    Pinheiro, 2004). No admira por isso, que em Portugal, haja trs jornais dirios

    desportivos, cujo contedo quase na sua totalidade dedicado ao Futebol,

    tendo volumes de vendas muito significativos, e tambm que os telejornais

    dediquem, parte considervel do tempo atribudo, ao Futebol (A. d. S. Costa,

    2004). Por tudo isto, percebe-se que no so despropositadas as palavras de

    D. S. e. Sousa (1983, pp. 132), ao afirmar que, o pas bebe mais futebol do

    que leite.

    Depreende-se deste modo, que o futebol portugus um dos smbolos mais

    expressivos de identificao nacional uma certeza que todos podemos ter,

    nomeadamente viajando um pouco atravs de outros pases. (A. d. S. Costa,

    2004, pp. 60).

    Podemos concluir, que o Futebol inequivocamente um acontecimento, ou

    conjunto de acontecimentos, muito peculiares cuja dimenso enquanto

    fenmeno, se revela enorme. Importa a este respeito salientar, que o

    acontecimento, plano mais micro que confere dimenso, e que consubstancia o

    fenmeno, plano mais macro, que resulta, do conjunto de acontecimentos

    decorrentes em torno de uma realidade.

    Acontecimento, at no sentido epistemolgico do termo, qualquer coisa

    que aparece, e que se manifesta e se evidencia e subitamente nos convoca

    para a sua diferena () consegue rasgar a pele da realidade e impor-se, a

    partir da sua diferena e da sua capacidade de provocar perplexidade em

    quem o observa. (Paulo Cunha e Silva, Anexo 4). Depreendendo-se deste

    modo, e face ao que foi exposto, que inequivocamente o Futebol um

    acontecimento, ou melhor dizendo um conjunto de acontecimentos, que

    marcam as sociedades.

    Assim, consideramos suficientemente evidente o impacto que o Futebol

    exerce sobre a generalidade das sociedades mundiais, e de forma especial

    sobre a nossa sociedade, o que nos leva a consider-lo, como muito

    provavelmente, o Fenmeno Social Mais Total de todos, e que por esse motivo,

    exerce um fascnio especial, sobre as Crianas e jovens, o que dever implicar,

    da parte de quem lhes d a conhecer o fenmeno, uma conveniente qualidade

    de interveno, e a necessidade de lhes propiciar contextos igualmente

  • Futebol um universo de Relaes

    29

    qualitativos, para que as interaces sejam desde idades precoces, de

    qualidade.

    3.2.1 - Futebol um Fenmeno com relaes e ralaes com as instncias Sociais: Poltica, Religiosa, Econmica e muito mais

    Culturalmente depreciado, politicamente utilizado e socialmente reduzido a uma expresso

    popular de menor quantia, o futebol segue alimentando a paixo domingueira dos aficionados de todo o mundo, convertido num cativante fenmeno de mobilizao massiva que deveria ser

    merecedor de ateno mais respeitosa. (Valdano, 2002, pp. 252).

    Tal como evidenciamos anteriormente, parece consensual o facto do Futebol

    se constituir, como um Fenmeno Social Total, ou at mesmo, como

    sugerimos, um pouco mais que isso, ou pelo menos, uma expresso muito

    peculiar e especial deste conceito.

    Importa realar que quando Mauss (1979) apresentou este conceito, no o

    concebeu pensando no Desporto em geral, nem no Futebol em particular,

    contudo, pelo impacto social, j evidenciado, este foi adoptado para o

    fenmeno desportivo, sendo a sua expresso mais evidente no Futebol.

    Relembramos que, para um fenmeno poder ser considerado um Fenmeno

    Social Total, este ter de nos permitir observar o funcionamento dos traos ou

    dos vestgios das instncias fundamentais que compem as sociedades, as

    instncias, familiar, educativa, poltica, econmica, religiosa e recreativa.

    Propomo-nos neste ponto, evidenciar as relaes exigentes entre o Futebol e

    algumas destas instncias, com o intuito, de comprovar que de facto, o

    conceito proposto por Mauss (1979) pode ser aplicvel ao Futebol. De

    momento, apenas nos iremos pronunciar, sobre as relaes que o Futebol

    estabelece com a Poltica, com a Religio e com a Economia, visto que as

    relaes do Futebol, com as restantes instncias, Familiar, Educativa e

    Recreativa, se encontram evidentes, ainda que de forma implcita no decurso

    desta dissertao, e para as quais iremos pontualmente advertir.

  • Futebol um universo de Relaes

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    3.2.1.1- Futebol e Poltica ou Poltica e Futebol?! Como queiram, a relao biunvoca.

    Na histria do mundo os governos de direita sempre exploraram mais as proezas desportivas

    do que os poderes de esquerda, descontando aqui, por revestir outros contornos, a questo dos pases de Leste.

    (Lobo, 2002, pp. 219).

    Como j anteriormente foi salientado, o Futebol foi sendo ao longo dos

    tempos politicamente utilizado (Valdano, 2002) tendo conseguido conciliar ou

    congregar aspectos desportivos com a dimenso Poltica (Sobrinho Simes,

    Anexo 1). O futebol sempre um espelho da sociedade e da poltica de um

    pas (Sacchi, 2006)

    Para realar o impacto que o Futebol exerce sobre a Poltica, devemos

    atender que se trata de um fenmeno que mais do que apaixonante, colectivo e

    de massas, um fecundo e significativo filo de pesquisa sobre a vida cultural,

    social e poltica (Murad, 2007). Da a nossa inteno de evidenciar algumas

    das formas de expresso da relao entre as duas realidades, Futebol e

    Poltica.

    A. d. S. Costa (1997) defende que Futebol e Poltica so dois Fenmenos

    que cada vez mais se assemelham, e cujo funcionamento e lgica, so

    idnticos, os quais apresentam ainda muitas semelhanas a nvel discursivo.

    Estabelecendo, um conjunto de analogias muito interessantes, que em nosso

    entendimento, se apresentam ajustadas. Assim, sugere que as substituies

    que se realizam no Jogo se assemelham, s trocas que se verificam nos

    diferentes Ministrios sempre que h alterao de Ministros; que ambos so

    jogos feitos por Homens orientados pelo objectivo de vencer, e que assumem

    nos seus contextos papis de actore