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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA EPISTEMOLOGIA DAS CIÊNCIAS HUMANAS 1º Semestre de 2013 Disciplina Obrigatória Destinada: alunos do Instituto de Psicologia Código: FLF0477 Sem pré-requisito Prof. Dr. Vladimir Safatle Carga horária: 60h Créditos: 03 Número máximo de alunos por turma: 100 TÍTULO: História, memória, sofrimento I - OBJETIVO: Para os modernos, a história não é apenas o nome da ciência responsável pela descrição exata do que ocorreu. Ela é o modo de reconciliação entre ser e tempo no interior da consciência. A reflexividade da consciência se reralizaria não apenas através das modalidades de auto-apreensão imediata de si em um tempo reduzido à condição de instante. Sua reflexividade se realizaria necessariamente como consciência histórica. O que nos explica porque a memória não é uma dentre outras funções intencionais da consciência, mas sua função propriamente fundadora. O que nos explica também porque, a partir do início do século XIX, a reflexividade da consciência será necessariamente compreendida como rememoração. O que faz com que a situação típica de alienação seja descrita como bloqueio dos processos de rememoração. Sendo a alienação pensada como bloqueio da rememoração histórica, a incapacidade de rememorar será compreendida como matriz de múltiplas formas de sofrimento psíquico e social. Ninguém melhor que Freud soube explorar as dores da incapacidade de rememoração. Ela está na base de seu conceito de neurose, assim como fornece as coordenadas do mecanismo de transferência.

2013.1 - História, Memória e Sofrimento

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    DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA

    EPISTEMOLOGIA DAS CINCIAS HUMANAS 1 Semestre de 2013 Disciplina Obrigatria Destinada: alunos do Instituto de Psicologia Cdigo: FLF0477 Sem pr-requisito Prof. Dr. Vladimir Safatle Carga horria: 60h Crditos: 03 Nmero mximo de alunos por turma: 100 TTULO: Histria, memria, sofrimento I - OBJETIVO:

    Para os modernos, a histria no apenas o nome da cincia responsvel

    pela descrio exata do que ocorreu. Ela o modo de reconciliao entre ser

    e tempo no interior da conscincia. A reflexividade da conscincia se

    reralizaria no apenas atravs das modalidades de auto-apreenso imediata

    de si em um tempo reduzido condio de instante. Sua reflexividade se

    realizaria necessariamente como conscincia histrica. O que nos explica

    porque a memria no uma dentre outras funes intencionais da

    conscincia, mas sua funo propriamente fundadora. O que nos explica

    tambm porque, a partir do incio do sculo XIX, a reflexividade da conscincia

    ser necessariamente compreendida como rememorao. O que faz com que

    a situao tpica de alienao seja descrita como bloqueio dos processos de

    rememorao. Sendo a alienao pensada como bloqueio da rememorao

    histrica, a incapacidade de rememorar ser compreendida como matriz de

    mltiplas formas de sofrimento psquico e social. Ningum melhor que Freud

    soube explorar as dores da incapacidade de rememorao. Ela est na base

    de seu conceito de neurose, assim como fornece as coordenadas do

    mecanismo de transferncia.

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    Mas ser que sabemos realmente o que significa rememorar? Rememorar

    construir uma rede causal que segue a lgica de uma ordem das razes?

    Responder tais questes exige a discusso de trs pontos principais: a) a

    constituio moderna do conceito de progresso, com sua articulao entre

    desenvolvimento social e maturao individual; b) a elevao da memria

    fundamento da conscincia; c) as criticas contemporneas da histria, da

    conscincia histrica e suas consequncias para uma reflexo clnica sobre as

    formas do sofrimento psquico.

    II CONTEDO:

    A histria como narrativa do progresso: Leitura de Esboo de um quadro

    histrico dos progressos do esprito humano, de Condorcet. De Condorcet a

    Comte: a perspectiva positivista do progresso e as articulaes entre

    desenvolvimento social e maturao individual.

    A rememorao como fundamento da reflexidade da conscincia:

    Histria e rememorao em Hegel. A formao da conscincia histrica em

    Hegel e Marx. As formas de alienao social e sua relao com o problema do

    destino da experincia histrica. A reificao como esquecimento da histria e

    como modalidade de sofrimento psquico.

    A doena mental como regresso e fixao em estgios anteriores

    realizao da maturao individual. Histria individual e causalidade psquica:

    sobre as relaes entre trauma e esquecimento nas teorias psicolgicas do

    final do sculo XIX

    Freud e a neurose como esquecimento. Sobre os usos da rememorao

    no interior da clnica freudiana. Memria e causalidade psquica. As relaes

    entre rememorao e transferncia. Usos e limites da rememorao em O

    homem dos lobos.

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    Progresso histrico e maturao individual na psicologia do

    desenvolvimento: o caso de Jean Piaget. O horizonte de cura e sua

    dependncia em relao ideia de progresso.

    A histria como sofrimento: Leitura da Segunda considerao

    intempestiva, de Nietzsche. A influncia de Nietzsche na crtica da histria e da

    conscincia histrica de Michel Foucault e Jean-Franois Lyotard. De como o

    abandono da histria implica abandono

    Histria como internalizao e construo da unidade da conscincia X

    histria como repetio: dois caminhos para a compreenso dos modos de

    subjetivao no interior da clnica analtica. Qual histria para um conceito

    descentrado de sujeito?

    III MTODO UTILIZADO:

    Aula expositiva

    IV CRITRIO DE AVALIAO:

    Trabalho

    V BIBLIOGRAFIA:

    ADORNO, Theodor; Progresso In: Palavras e sinais: modelos crticos 2,

    Petrpolis: Vozes, 2009

    CANGUILHEM Georges (org.); Du dveloppement lvolution au XIX sicle,

    Pris: PUF, 2003

    COMTE, Auguste; Cours de positivisme gnrale, Paris: Flammarion, 2000

    CONDORCET, Esquisse dun tableau historique des progrs de lesprit

    humain, Paris: Flammarion, 1988

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    DILTHEY, Wilhelm; A construo do mundo histrico nas cincias humanas,

    So Paulo: Unesp, 2010

    FOUCAULT, Michel; Histria da loucura, So Paulo: Perspectiva, 1975

    ___ ; Arqueologia do saber, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1988

    ___ ; Em defesa da sociedade, So Paulo: Martins Fontes, 2010

    FREUD, Sigmund; Histria de uma neurose infantil (O homem dos lobos),

    So Paulo: Companhia das Letras, 2010

    ___ ; O mal estar na civilizao, So Paulo: Companhia das Letras, 2011

    ___ ; Repetir, rememorar, perlaborar, In: Obras completas

    HACKING, Ian; Rewrinting the soul: multiple personality and the science of

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    HEGEL, G.W.F.; Lies de filosofia da histria, Braslia: Editora UnB, 1995

    KANDEL, Eric; In search of memory: the emergence of a new Science of mind,

    New York: W.W. Norton, 2007

    LUKCS, Gyorg; Histria e conscincia de classe, So Paulo: Martins Fontes,

    2001

    LYOTARD, Jean-Franois; A condio ps-moderna

    MARX, Karl; A ideologia alem, So Paulo: Boitempo, 2009

    ___ ; O 18 do Brumrio de Luis Bonaparte, So Paulo: Boitempo, 2011

    NIETZSCHE, Friedrich; Segunda considerao intempestiva: da utilidade e

    desvantagem da histria para a vida, So Paulo: Relume Dumar, 2000

    PIAGET, Jean; Epistemologia gentica, So Paulo: Martins Fontes, 2012

    ___ ; O juzo moral na criana, So Paulo : Summus, 1994

    RANCIRE, Jacques; La fuite de lhistoire, Paris: Odile Jacob, 2012

    RICOEUR, Paul; Lhistoire, la mmoire et loubli, Paris: Seuil, 2001

    ROSENFIELD, Israel; The invention of memory: a new view fo the brain, Basic

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    ___ ; Nosso tempo abre uma multiplicidade em cada desejo In: Grande hotel

    abismo: por uma reconstruo da teoria do reconhecimento, So Paulo:

    Martins Fontes, 2012

    YATES, Frances; A arte da memria, Campinas: Editora Unicamp, 2008