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Dissertação: Gestão ambiental na reserva extrativista Ilha do Tumba - Cananéia/SPAutor: Lucas Milani Rodrigues
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1
Universidade de So Paulo
Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz
Gesto ambiental na Reserva Extrativista Ilha do Tumba Canania/SP
Lucas Milani Rodrigues
Dissertao apresentada para obteno do ttulo de
Mestre em Cincias, Programa: Recursos Florestais.
Opo em: Conservao de Ecossistemas Florestais
Piracicaba
2015
2
Lucas Milani Rodrigues
Gestor Ambiental
Gesto ambiental na Reserva Extrativista Ilha do Tumba Canania/SP verso revisada de acordo com a resoluo CoPGr 6018 de 2011
Orientadora:
Profa. Dra. TERESA CRISTINA MAGRO
Dissertao apresentada para obteno do ttulo de
Mestre em Cincias, Programa: Recursos Florestais.
Opo em: Conservao de Ecossistemas Florestais
Piracicaba
2015
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao
DIVISO DE BIBLIOTECA - DIBD/ESALQ/USP
Rodrigues, Lucas Milani Gesto ambiental na Reserva Extrativista Ilha do Tumba Canania/SP / Lucas
Milani Rodrigues. - - verso revisada de acordo com a resoluo CoPGr 6018 de 2011. - -Piracicaba, 2015.
128 p. : il.
Dissertao (Mestrado) - - Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz.
1. Avaliao de gesto 2 Unidades de conservao 3. Reserva extrativista 4. Comunidade caiara I. Ttulo
CDD 333.72 R696g
Permitida a cpia total ou parcial deste documento, desde que citada a fonte O autor
3
DEDICATRIA
Dedico ao meu av Antnio Soares Rodrigues
pelo amor incondicional e por sua inteligncia que sempre me inspirou.
Dedico ao meu primo Gabriel Messas Marchi
grande amigo que faz muita falta.
4
5
AGRADECIMENTOS
Agradeo CAPES pela concesso de bolsa de estudos.
professora Teresa Magro pela orientao e por me deixar vontade para
desenvolver o mtodo de uma forma nova. Pela oportunidade de trabalhar no evento
Protected Areas and Place Making em Foz do Iguau em 2013 (sucesso total!) e por prezar
que a relao professor-aluno fosse sempre construtiva.
A Giovana Oliveira, secretria do programa de Recursos Florestais, por sua ateno e
ao Jefferson Polizel, o coringa do departamento de cincias florestais, pela prontido em
ajudar quando preciso.
comunidade do Maruj e a comunidade do Ariri por terem recebido a proposta de
pesquisa de braos abertos. Aos conselheiros, gestor e equipe tcnica da RESEX da Ilha do
Tumba pela disposio em ajudar.
Aos funcionrios da Fundao Florestal no ncleo integrado de Canania. Obrigado
pela disponibilidade e ateno.
Aos meus pais que sempre me apoiaram: Alziro Aparecido Rodrigues, com sua
criatividade invejvel. Silvana Aparecida de Moraes, a mulher mais corajosa e realizadora que
conheo. Aos meus irmos Ana Carolina Rodrigues e Bruno Milani Rodrigues, pela parceria
inata e aos meus sobrinhos Raul Rodrigues e Mariana Rodrigues, os maiores presentes que
essa famlia poderia ter. Obrigado pelo amor incondicional!
Aos meus avs Carmem de Lima Rodrigues, Antnio Soares Rodrigues, Lucila
Marchi de Moraes e Jos Milani de Moraes pelo carinho que s os avs sabem dar.
A Jussara Messas, minha tia querida, que sempre me incentivou a curtir os prazeres da
vida acadmica, valeu demais!
A toda famlia Marchi e a toda famlia Rodrigues, mesmo eu no estando to prximo
levo o carinho e o amor de todos comigo.
Aos meus amigos que sempre estiveram juntos, mas em especial a Adriana Andr,
Alessandra Penha, Ana Zagueto (Bee), Ana Melo, Ana Maria de Meira, Andr Biazoti, Bruna
Epiphanio, Caio Zeviani, Caroline Garcia, Calu Rodrigues, Daniel Assumpo, Dayane
Bortoleto, Daniela Ianovali, Daniela Zagueto, Diego Genurio, Dimas Carmo, Ftima Barros,
Gabriela Geerdink, Helena Gomes, Henrique Zorzin, Ivanka Rosada, Isabela Gomes,
Jacqueline Barros, Juliana Lopes, Julio Godoy, Ktia Cezarino, Kelly Schimidt, Luana
Almeida, Mrio Bega, Manuela Silveira, Mauro Soave, Mrcio Nogueira, Mrcio Sartrio,
Mariana Crepaldi, Marine Assahira, Mrcia Fonseca, Mateus Tomoaki, Mateus Martins,
6
Mnica Brito, Natalia Doria, Natasha Iwanicki, Nely Tedesco, Paula Cristina, Paulo Nagase,
Pedro Leme, Priscila Garcia, Taila Strabeli, Thais Hiramoto, Thais Melo, Thaisa Salles,
Thiago Uehara, Valria Freixdas e Victor Hugo Andrade. A amizade de vocs foi essencial
para tudo acontecer!
A professora Luciana Duque e aos tripulantes da Enterprise Insustentvel: Clarissa
Aguiar, Daniel Braga, Emanuelle Pinto, Felipe Schardosin, Masa Otake, Mariana Peres,
Rodrigo Geroni, Tassio Trevisan, Tiago Costa, Tiene Winagraski e Zenaide Miranda pelos 15
dias de viagem e aprendizado no Par e Amap.
Aos amigos do Laboratrio de reas Naturais Protegidas, o LANP, da ESALQ:
Carolina Bartoletti, Josiane Cerveira, Lily Gutierrez, Luciana Matsubara, Ricardo Reale e
Yuri Forten, pelas discusses enriquecedoras e os momentos de descontrao no laboratrio,
obrigado!
Aos queridos amigos que fiz em Canania e tornaram a vivncia na cidade mais feliz:
Aline Matsumoto, Clber Chiquinho, Dona Ftima, Heloisa Valio, Juliana Greco, Maria
Monteiro, Marcelo Bad, Valdir Monteiro, Valter Moraes, Thamar Shimodaira e Tati Baccini.
Ao esotrico Gustavo Pavan, um pedao de Piracicaba em So Joo Del Rei,
obrigado!
E o meu agradecimento mais sincero sincronia dos acontecimentos, sorte, que
sempre est do meu lado.
7
Sempre difcil nascer. A ave tem que sofrer para sair do ovo, isso voc
sabe. Mas volte o olhar para trs e pergunte a si mesmo se foi to penoso o
caminho. Difcil apenas? No ter sido belo tambm?
Hermann Hesse
8
9
SUMRIO
RESUMO ....................................................................................................................... 11
ABSTRACT ................................................................................................................... 13
LISTA DE SIGLAS ....................................................................................................... 15
1 INTRODUO ........................................................................................................... 17
2 REVISO BIBLIOGRFICA .................................................................................... 19
2.1 O Sistema Nacional de Unidades de Conservao ................................................... 19
2.2 Avaliao da gesto de reas Protegidas ................................................................. 26
2.3 Unidades de Conservao e Comunidades Tradicionais .......................................... 36
3 METODOLOGIA ........................................................................................................ 45
3.1 Reflexo sobre o mtodo seguido na pesquisa ......................................................... 45
3.2 A Reserva Extrativista da Ilha do Tumba como foco de pesquisa ........................... 48
3.3 Dados Qualitativos ................................................................................................... 50
3.4 Dados Quantitativos ................................................................................................. 52
3.5 Comunicao dos Resultados ................................................................................... 53
4 RESULTADOS E DISCUSSO ................................................................................ 55
4.1 Contextualizao ...................................................................................................... 55
4.1.1 Histrico ................................................................................................................ 55
4.1.2 Comunidades beneficiadas pela RESEX Ilha do Tumba ...................................... 58
4.2 Aspectos pertinentes gesto da RESEX................................................................. 71
4.2.1 Opinio dos entrevistados sobre a Fundao Florestal .......................................... 71
4.2.2 Reserva Extrativista Ilha do Tumba ...................................................................... 74
4.3 Questionrio de avaliao e pblico alvo ................................................................. 93
4.4 Resultados da avaliao ............................................................................................ 96
4.5 Diferenas entre Fundao Florestal e demais entrevistados ................................. 102
4.6 Melhorias no processo de avaliao ....................................................................... 105
5 CONSIDERAES FINAIS .................................................................................... 107
REFERNCIAS .......................................................................................................... 109
ANEXOS ...................................................................................................................... 117
10
11
RESUMO
Gesto ambiental na Reserva Extrativista Ilha do Tumba Canania/SP
As unidades de conservao (UCs) tambm podem abrigar populaes que nela vivem e
dependem do meio em que esto inseridas para o sustento de suas famlias e desenvolvimento
de seus modos de vida, o que as caracteriza como comunidades tradicionais. O espao
previsto em lei para que populaes que se entendem como tradicionais possam manter seus
meios de vida e cultura prpria so as Reservas Extrativistas RESEX e as Reservas de Desenvolvimento Sustentvel RDS, UCs de Uso Sustentvel. As UCs necessitam de uma gesto adequada para que se mantenham cumprindo os objetivos estabelecidos. Para
monitorar essa forma de administrao foram elaborados mtodos de mensurao da
efetividade de gesto com aplicao em diferentes reas protegidas do Mundo. No entanto a
categoria de RESEX no possui trabalhos publicados sobre a avaliao de gesto. No foi
feito um estudo em que a opinio das comunidades atendidas por uma RESEX seja levada em
considerao neste processo. A presente dissertao adaptou o mtodo de avaliao de gesto
de UCs para esta tipologia e a rea de aplicao destes conceitos e desenvolvimento da
adaptao do mtodo foi a Reserva Extrativista Ilha do Tumba em Canania/SP. A coleta de
dados foi feita junto aos moradores beneficiados por essa Reserva (Comunidade do Maruj Ilha do Cardoso e Comunidade do Ariri parte continental de Canania) e Fundao Florestal, instituio estadual responsvel pela gesto da UC, que tambm est sediada em
Canania/SP. Primeiro foi feito um levantamento de dados qualitativos com entrevistas
abertas nas duas comunidades e junto ao rgo gestor, assim como membros da sociedade
civil que fazem parte do Conselho da UC. Posteriormente foi elaborado um questionrio de
avaliao aplicado ao Conselho Deliberativo da RESEX, gestor e equipe tcnica da Fundao
Florestal e presidentes das associaes de bairro do Maruj e Ariri. O questionrio foi
dividido em duas partes: avaliao da Fundao Florestal, com questes mais amplas sobre o
rgo gestor da UC (09 perguntas) e avaliao da RESEX Ilha do Tumba, com questes
focadas s questes da UC (22 perguntas). A adaptao do mtodo de avaliao de gesto da
RESEX trouxe a percepo dos envolvidos em sua construo, o que resultou em uma
ferramenta administrativa palpvel realidade local. Deste modo foi possvel encontrar os
pontos fracos da gesto da Fundao Florestal e da RESEX de modo participativo. O repasse
da pesquisa foi feito nas reunies do Conselho Deliberativo que ocorrem na comunidade do
Maruj e os resultados da avaliao foram apresentados primeiro ao Conselho, antes do final
da dissertao.
Palavras-chave: Avaliao de gesto; Unidades de conservao; Reserva extrativista;
Comunidade caiara
12
13
ABSTRACT
Environmental management in the Extractive Reserve Tomb Island - Canania / SP
Protected areas (PAs) can also are home to populations who live and depend on the
environment in which they are placed to support their families members and develop their
ways of life, which characterizes them as traditional communities. The space provided by law
for people who understand ourselves as traditional to keep their livelihoods and their culture
are the Extractive Reserves - ER - and Sustainable Development Reserves - SDR, PAs of
Sustainable Use. PAs need an appropriate management to stay in compliance with the
established objectives. To monitor this administration form were developed measurement
methods of the management effectiveness with applications in different protected fields in the
world. However, the ER category doesnt have published works on its management evaluation. There wasnt a study done which communities opinion was taken into account. This dissertation adapted the PA management assessment method for this PA type and the
application area of these concepts and development of adaptation of the method was the
Extractive Reserve Tomb Island in Canania (So Paulo State Brazil). Data collection was made with the residents benefit from this reserve (Community Maruj - Cardoso Island and
Community Ariri - mainland Canania) and Forestry Foundation, state institution responsible
for the management of PA, which is also based in Canania. First a survey was made of
qualitative data through open interviews in the two communities and with the government
body, as well as members of civil society that are part of the Council of PA. Later, it was
prepared an assessment questionnaire to the Advisory Board of ER, manager and technical
staff of the Forestry Foundation and presidents of Maruj and Ariri neighborhood
associations. The questionnaire was divided into two parts: assessment of Forestry
Foundation, with broader questions about the PA governing body (09 questions) and
assessment of ER Tomb Island, with questions focused on issues of PA (22 questions). The
adaptation of ER management evaluation method brought the perception of those involved in
its construction, which resulted in a tangible administrative tool to the local reality. Thus it
was possible to find the weaknesses in managing of the Forestry Foundation in a participatory
manner. The research feedback session was made in the Board meetings occurring in Maruj
community and the evaluation results were presented first to the Council, before the end of
the dissertation.
Keywords: Management evaluation; Protected areas; Extractive reserve; Caiara
14
15
LISTA DE SIGLAS
AMOMAR Associao de Moradores do Maruj
APA rea de Proteo Ambiental
ARIE rea de Relevante Interesse Ecolgico
CONAMA Conselho Nacional de Meio Ambiente
EE Estao Ecolgica
ESALQ Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz
FF Fundao Florestal
FLONA Floresta Nacional
GPS Sistema de Posicionamento Global
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis
ICMBio Instituto Chico Mendes de Conservao da Biodiversidade
MN Monumento Natural
MOJAC Mosaico do Jacupiranga
ONG Organizao no Governamental
PE Parque Estadual
PEIC Parque Estadual da Ilha do Cardoso
PN Parque Nacional
PU Plano de Utilizao
RAPPAM Rapid Assessment and Priorizations of Protected Area Management
RDS Reserva de Desenvolvimento Sustentvel
REBIO Reserva Biolgica
RESEX Reserva Extrativista
RF Reserva de Fauna
RPPN Reserva Particular do Patrimnio Natural
RVS Reserva da Vida Silvestre
SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservao
TLCE Termo de Livre Consentimento Esclarecido
UC Unidade de Conservao
USP Universidade de So Paulo
16
17
1 INTRODUO
No Brasil, no ano 2000 foi institudo o SNUC Sistema Nacional de Unidades de
Conservao atravs da lei federal n 9.985. O texto foi regulamentado em 2002 pelo
decreto n 4.340. A lei federal organiza e classifica as diferentes tipologias de UCs (Unidades
de Conservao), assim como d diretrizes gesto integrada destes espaos. Esta lei
estabelece os objetivos das diferentes reas protegidas e define dois grupos maiores de
Unidades de Conservao: Proteo Integral e Uso Sustentvel.
As UCs de proteo integral possuem o objetivo mais restritivo de acesso e utilizao
de recursos naturais, os quais podem ser apenas de forma indireta. J as UCs de Uso
Sustentvel possuem uma possibilidade de usos diferentes, pois permitem a utilizao direta
dos recursos naturais.
Dentro das UCs de Uso Sustentvel cabe salientar dois tipos de Unidades de
Conservao: As Reservas Extrativistas (RESEX) e as Reservas de Desenvolvimento
Sustentvel (RDS). As duas UCs possuem o objetivo de sanar a lacuna de reas aonde seja
permitido o desenvolvimento dos modelos de vida de populaes que j se encontravam
nestas reas naturais antes que fossem tidas como espaos necessrios de preservao, alm
de ser um espao de desenvolvimento cultural das comunidades tradicionais.
As RESEX apresentam a possibilidade de um territrio em que a comunidade
tradicional retire os recursos que necessita para desenvolver seu modo de vida e cultura. J a
RDS permite que a populao utilize estes recursos e tambm viva neste territrio.
Essa complexidade de objetivos das reas protegidas acaba requerendo formas de
gesto e ferramentas colaborativas administrao. Com o aumento de reas naturais
protegidas e a necessidade de saber se os objetivos das Ucs estavam sendo atingidos foram
criados sistemas para mensurar a efetividade da administrao de uma Unidade de
Conservao, ou de um sistema de unidades, tais como Hockings et. al (2006), Cifuentes,
Izurieta e Faria (2000), Faria (2004), Erwin (2003) e Padovan (2003) propem.
Para a presente dissertao foi feito um recorte a partir da instituio do SNUC e das
ferramentas de avaliao de gesto existentes.
A reviso bibliogrfica revela que dos trabalhos de avaliao de gesto de UCs no
Brasil no houve publicao com o objetivo de avaliar uma RESEX. Tampouco foram
encontrados trabalhos de pesquisa publicados nos quais a populao local tenha tido sua
opinio levada em considerao sobre a gesto da UC pertinente ao seu modo de vida.
Tendo essa lacuna, esse foi o caminho da pesquisa. Por se tratar de um tema novo para
esta tipologia de Unidade de Conservao tratou-se de uma investigao exploratria. A
18
inteno foi de adaptar ferramentas de avaliao de gesto RESEX de modo que a
percepo da populao diretamente envolvida fosse trazida nessa construo.
A pesquisa se deu em Canania, cidade do litoral sul paulista, que possui diversas
reas protegidas em seu territrio: Parque Estadual Lagamar; Parque Estadual Ilha do
Cardoso; Reserva Extrativista Federal do Mandira; Reserva Extrativista Estadual Taquari;
Reserva Desenvolvimento Sustentvel Estadual Itapanhapima; Reserva Extativista Estadual
Ilha do Tumba.
O trabalho se desenvolveu na RESEX Ilha do Tumba, a qual possui como
beneficirios as populaes da comunidade do Maruj, na Ilha do Cardoso, e do Ariri, bairro
da parte continental de Canania. O levantamento de dados se deu atravs de anlise
documental e entrevista semiestruturada com atores sociais pertinentes ao territrio protegido.
Posteriormente aplicao de questionrio fechado ao Conselho Deliberativo da RESEX, aos
tcnicos responsveis pela gesto da UC e aos lderes das associaes comunitrias dos dois
bairros.
Os resultados da avaliao foram apresentados ao Conselho Deliberativo. As
colaboraes aps apresentao dos resultados foram trazidas para a dissertao, tambm
fazendo parte do processo de avaliao de gesto.
19
2 REVISO BIBLIOGRFICA
2.1 O Sistema Nacional de Unidades de Conservao
A lei 9985/2000, o SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservao uma
norma que objetiva alcanar o que est garantido na Constituio Federal atravs do artigo
225: Todos tm direito ao ambiente ecologicamente equilibrado.
Para Derani (2001), a lei tem um perfil pr-ativo. Define a quem cabe tomar quais
atitudes para se atingir a conservao. Trata-se de um regulamento de como devem ser
decretadas e geridas essas reas com interesse especial. A autora afirma que o SNUC tem a
proposta de ressignificar a relao do homem com o meio e considera a lei como uma
ferramenta de redefinio cultural ao alterar o significado de espaos territoriais.
Milano (2001) afirma que a preservao atravs das Unidades de Conservao a
melhor forma de proteger a flora, fauna e processos ecolgicos. No entanto, isso pede uma
estrutura, para que tal proposta ocorra efetivamente.
Nesse sentido, a organizao da gesto do Sistema Nacional est dividida em rgo
deliberativo e consultivo representado pelo CONAMA Conselho Nacional de Meio
Ambiente; rgo central atravs do Ministrio do Meio Ambiente; rgo executor atravs do
ICMBio Instituto Chico Mendes de Conservao da Biodiversidade (anteriormente o Ibama,
alterado aps lei federal n 11.516 de 2007). As administraes estaduais e municipais
possuem os seus respectivos conselhos, secretarias de meio ambiente e rgos executores para
que se cumpram o mesmo formato de gesto (BRASIL, 2000 art. 6, inciso I, II, III).
As Unidades de Conservao so organizadas em dois grandes grupos: Proteo
Integral e Uso Sustentvel. O primeiro grupo composto por: Estao Ecolgica (EE),
Reserva Biolgica (REBIO), Parque Nacional (PN), Monumento Natural (MN) e Refgio da
Vida Silvestre (RVS). Essas UCs possuem em comum o fato de s ser permitido o uso
indireto de seus recursos, salvo os casos previstos em lei. O grupo de Uso Sustentvel
composto por: rea de Proteo Ambiental (APA), rea de Relevante Interesse Ecolgico
(ARIE), Floresta Nacional (FLONA), Reserva Extrativista (RESEX), Reserva de Fauna (RF),
Reserva de Desenvolvimento Sustentvel (RDS) e Reserva Particular do Patrimnio Natural
(RPPN). O segundo grupo possui em comum a compatibilizao de uso de seus recursos com
a preservao do ambiente natural (BRASIL, 2000 art. 7, art. 8, art. 14).
Apesar dessa diviso na lei, Derani (2001) considera que o SNUC divide os espaos
em trs principais propostas. Esse trip o que sustenta o Sistema de UCs:
i) Proteo de espaos naturais do modo de vida da sociedade moderna: O
sistema econmico vigente predatrio e a cultura de apropriao promovida
20
por este sistema inerente para que este se mantenha. O direito, atravs do
SNUC, protege uma parcela de espaos, cabendo ao poder pblico o dever
desta proteo. As leis mercadolgicas tendem a colonizar todos os espaos
sendo papel do Estado restringir at onde o mercado pode chegar. Esta lei
acaba por criar um terceiro tipo de espao, alm do urbano e do agrcola, o
espao protegido, com atividades antrpicas submetidas a essa regulao.
Deste modo a lei delimita aonde no se pode exercer plenamente a vontade
individual.
ii) Planejamento de territrio: Esta regulao que transforma espaos tambm
utilizada para planejar um territrio especfico. Vem desde a maior esfera,
com o decreto da UC, at a administrao interna com a determinao das
zonas intangveis, tangveis, de uso pblico e zona de amortecimento. O
conjunto de tipologias de reas protegidas, administradas em mosaico, torna-
se uma ferramenta de gesto de territrio, j que a maioria das UCs de
domnio pblico.
iii) Espao para desenvolvimento cientfico: a tecnologia e o conhecimento
cientfico possuem grande importncia no cenrio mundial. Tal caracterstica
das UCs transformam esses espaos territoriais em bancos de descobertas que
podem contribuir ao planejamento territorial estratgico de uma nao.
Machado (2001) classifica por relao com a presena humana em trs grupos:
(i) UCs em que a presena humana pode ser proibida: Reserva Biolgica e
Estao Ecolgica.
(ii) Permitida visitao, de acordo com o plano de manejo: Parque Nacional,
Monumento Natural, Refgio da Vida Silvestre, Reserva de Fauna, Reserva
Particular de Patrimnio Natural.
(iii) Presena humana, parcial ou totalmente, que faz parte de suas finalidades:
rea de Proteo Ambiental, rea de Relevante Interesse Ecolgico, Floresta
Nacional (Estadual ou Municipal, quando for o caso), Reserva Extrativista e
Reserva de Desenvolvimento Sustentvel.
Quantidade de reas protegidas
Milano (2001) considera que as Unidades de Proteo Integral podem ser
consideradas as que mais garantem as condies necessrias s espcies raras e endmicas
devido ao seu rigoroso sistema de gesto. O autor afirma que as UCs de proteo integral so
21
preteridas pelo governo em favor de UCs de Uso Sustentvel como Florestas Nacionais,
reas de Proteo Ambiental e Reservas Extrativistas.
De acordo com Rylands e Brandon (2005) at o ano de 2004, a distribuio de
Unidades de Conservao de Uso Sustentvel e de Proteo Integral no Brasil eram quase
iguais: 52% para o primeiro tipo e 48% para o segundo. No entanto, dentro de cada regio do
pas h diferenciaes. As reas de Uso Sustentvel cobrem 74% do domnio da Mata
Atlntica. Diferentemente da regio do Pantanal que 100% de suas reas so de proteo
integral.
Atualmente essa proporo diferente. Segundo o cadastro nacional de Unidades de
Conservao o Brasil conta com 581 UCs de proteo integral e 1349 de uso sustentvel, o
que corresponde a 30,1% e 69,9% respectivamente (MMA, 2014).
Avaliando essa proporo em km, o cadastro (atualizado em outubro de 2014)
aponta que 528.025km so de proteo integral, enquanto que 1.022.829km so de uso
sustentvel. Em porcentagem as UCs de proteo integral ficam com 34% do territrio
protegido e as de uso sustentvel com 66%. Neste somatrio, o cadastro inclui as UCs
federais, estaduais e municipais (MMA, 2014).
Cabe salientar que o cadastro aponta uma rea de sobreposio (locais que fazem
parte de UCs de uso sustentvel e proteo integral). Ao invs de 1550.854km totais, so na
realidade 1513.366km, o equivalente a aproximadamente 17,8% do territrio nacional
(MMA, 2014).
Criao, categorizao e recategorizao de Unidades de Conservao
Sobre a criao, as UCs s podem ser institudas atravs de ato do poder pblico.
Antes de sua criao h a necessidade de estudos tcnicos que delimitem a rea, assim como
consulta pblica. Excluem do processo de consulta pblica as Reservas Biolgicas e Estaes
Ecolgicas (BRASIL, 2000 art. 22, 2, 3 e 4).
Mesmo no tendo a necessidade de consulta Pblica, as EE e REBIO demandam
estudos tcnicos para localizao e limites, o que inerente a todas as diferentes classes de
reas protegidas (MACHADO, 2001).
Mercadante (2001) considera que a consulta pblica, em princpio, no tinha a
inteno de ser apenas um ato meramente burocrtico para a criao de uma UC. Sua proposta
era de que o planejamento de uma rea protegida fosse participativo com o envolvimento dos
atores sociais pertinentes rea.
22
Quanto ao tamanho das UCs, o SNUC determina que a diminuio dos limites ou dos
objetivos de uma rea protegida s pode ser feita mediante lei; no entanto o aumento de uma
rea de conservao pode ser feito com instrumento normativo do mesmo nvel hierrquico do
de criao da rea, obedecendo aos critrios de consulta pblica. Os estudos tcnicos para
avaliar se a nova rea a ser anexada de fato relevante para UC em questo, ou at mesmo
benfica a esta, tambm avaliada para esse aumento (MACHADO, 2001).
Um ponto a destacar a recategorizao de uma UC. Algo relativamente simples
quando se quer passar uma UC de Uso Sustentvel para de Uso Integral. No entanto bem mais
complicado quando se pretende o inverso (FERREIRA, 2007). As de Uso Sustentvel podem
ser transformadas em UCs de Proteo Integral, respeitando os estudos tcnicos e a consulta
pblica sobre a proposta, atravs de ato normativo da mesma esfera hierrquica. J a reduo
de limites de uma UC s pode ser realizada atravs de lei especfica (BRASIL, 2000 art. 22,
2, 5, 7).
A dimenso humana em Unidades de Conservao
Arajo (2007) tem a viso de que a incorporao em congressos mundiais do fator
humano em gesto de reas protegidas teve reflexo no SNUC. A lei traz fortemente as UCs de
uso sustentvel e a relao destas com as comunidades tradicionais, assim como os espaos de
discusso que envolvem a sociedade (conselhos consultivos e deliberativos de UCs) para que
estejam presentes nesta organizao territorial desde o incio.
Alm da proteo biodiversidade, a lei tambm versa sobre a necessidade de
envolvimento social na gesto dos espaos protegidos. Em suas diretrizes prev que a
participao da comunidade local, assim como a participao da sociedade, necessria para
que se cumpra o papel das reas protegidas. Considera as necessidades de recursos naturais
que as populaes locais demandam para que mantenham sua qualidade de vida (BRASIL,
2000 art. 5, incisos II, III, V, IX).
As UCs que possuem relao direta com as comunidades tradicionais so as RESEX
e RDS. O uso e a posse da terra das RESEX e RDS so regulados por contratos. As
populaes tradicionais beneficiadas pelos contratos assumem o compromisso de participar da
preservao e recuperao dos recursos naturais da rea. O uso destes recursos segue algumas
normas como o uso de prticas que no prejudiquem a regenerao de ecossistemas. Alm de
outras normas previstas em lei ou ainda normas mais especficas que devem constar no plano
de gesto das Unidades de Conservao destas tipologias (BRASIL, 2000 art. 23).
23
Como a presente dissertao desenvolveu a pesquisa em uma Reserva Extrativista,
cabe transcrever a definio da lei sobre este tipo de espao protegido:
(...) Art. 18 A Reserva Extrativista uma rea utilizada por populaes extrativistas tradicionais, cuja subsistncia baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na
agricultura de subsistncia e na criao de animais de pequeno porte, e tem como
objetivos bsicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populaes, e
assegurar o uso sustentvel dos recursos naturais da unidade.
1 A Reserva Extrativista de domnio pblico, com uso concedido s populaes
extrativistas tradicionais conforme o disposto no art. 23 desta Lei e em
regulamentao especfica, sendo que as reas particulares includas em seus limites
devem ser desapropriadas, de acordo com o que dispe a lei.
2 A Reserva Extrativista ser gerida por um Conselho Deliberativo, presidido
pelo rgo responsvel por sua administrao e constitudo por representantes de
rgos pblicos, de organizaes da sociedade civil e das populaes tradicionais
residentes na rea, conforme se dispuser em regulamento e no ato de criao da
unidade.
3 A visitao pblica permitida, desde que compatvel com os interesses locais e
de acordo com o disposto no Plano de Manejo da rea.
4 A pesquisa cientfica permitida e incentivada, sujeitando-se prvia
autorizao do rgo responsvel pela administrao da unidade, s condies e
restries por este estabelecidas e s normas previstas em regulamento.
5 O Plano de Manejo da unidade ser aprovado pelo seu Conselho Deliberativo.
6 So proibidas a explorao de recursos minerais e a caa amadorstica ou
profissional.
7 A explorao comercial de recursos madeireiros s ser admitida em bases
sustentveis e em situaes especiais e complementares s demais atividades
desenvolvidas na Reserva Extrativista, conforme o disposto em regulamento e no
Plano de Manejo da unidade. (BRASIL, 2000 art. 18, pg 07)
Planejamento e gesto de Unidades de Conservao
previsto em lei que todas as Unidades de Conservao devem dispor de um Plano
de Manejo. Tal plano deve abranger alm da UC sua zona de amortecimento e corredores
ecolgicos (quando cabvel). O prazo de elaborao de cinco anos aps a instituio da UC.
No caso de APA, ARIE, RESEX, RDS, FLONA deve ser garantida uma ampla participao
dos interessados em sua elaborao (BRASIL, 2000 art. 27, 1, 2, 3; MACHADO,
2001).
Os planos de manejo so baseados no princpio da precauo. Quando no se sabe se
uma ao causa um dano ambiental deve ser feito um estudo de impacto para, aps se ter esse
resultado, dar-se o procedimento adequado. Enquanto no se tem o procedimento o uso que
pode ser danoso no pode ser realizado (MACHADO, 2001). Qualquer atividade que esteja
fora dos objetivos da UC, seus regulamentos e Plano de Manejo ser considerada irregular
(BRASIL, 2000 art. 28).
Todas as Unidades de Conservao, com exceo das APAs e RPPNs, devem possuir
zonas de amortecimento e, quando possvel e conveniente, corredores ecolgicos. Os rgos
executores (ICMBio, no caso de UCs de hierarquia federal) so os responsveis por
24
determinar quais os usos de solo possveis na zona de amortecimento e corredores. Os limites
destes podem ser definidos na criao da UC, ou posteriormente, aps estudos mais apurados
(BRASIL, 2000 art. 25; MACHADO, 2001).
Biogeografia
Alm da gesto integrada, as zonas de amortecimento podem colaborar na
diminuio dos efeitos de borda com a diminuio da presso no entorno das reas protegidas.
J os corredores ecolgicos visam suprir essa conectividade necessria entre os fragmentos.
As teorias biogeogrficas so o uso para determinao de espaos a serem protegidos
regionalmente. Tal fundamentao tem pontos bsicos para as reas protegidas: as reservas
maiores so melhores, assim como as reservas justapostas e circulares (por diminuir o efeito
de borda) tambm so melhores, alm de serem interligadas por elementos da paisagem para
terem conectividade (BENSUSAN, 2001).
Outro ponto a considerar so as estratgias regionais. Anteriormente as UCs eram
definidas por oportunidade; atualmente j existem mtodos e estudos suficientes para se traar
reas que vo de encontro aos planos regionais de preservao (BENSUSAN, 2001). O fato
de UCs de diferentes objetivos estarem prximas ou justapostas faz com que a gesto seja
integrada e participativa (BRASIL, 2000 art. 26).
Essa mudana nas paisagens e a impossibilidade de conduzir um ambiente natural a
um nico equilbrio traz os elementos da ecologia que vm sendo mais difundidos na gesto
de reas protegidas. Nesse sentido, deve-se pensar o que quer conservar e como fazer,
sabendo que na natureza no h apenas um clmax. Essa proposta causa diferenas na
conduo de reas naturais: h de se conservar o aspecto ambiental em si ou conservar os
processos ecolgicos que levam a esse aspecto? (BENSUSAN, 2001).
Pesquisa
Machado (2001) tece elogios referida lei. A vinculao da demanda cientfica ao
poder do Estado de avaliar se possvel ou no uma estratgia inteligente preservao dos
recursos. Pontua tambm que o texto que coloca o conhecimento das populaes tradicionais
deve ser valorizado. Tal populao deve receber o benefcio de seu uso caso tenha sido
utilizado em pesquisa.
25
Compensao ambiental
Empreendimentos de significativo impacto ambiental devero compensar atravs de
investimento em Unidades de Conservao de Proteo Integral. O total a ser pago pelo
empreendedor no pode ser inferior meio por cento dos custos totais de instalao do
empreendimento. Tal valor deve ser recolhido durante o Licenciamento Prvio (LP). Os
custos apresentados e o valor a ser recolhido que ser direcionado a uma UC de proteo
integral devem ser verdicos. O Ministrio pblico, ONGs, ou qualquer cidado podem ter
acesso a esses dados (MACHADO, 2001).
O autor ressalta que muitos empreendimentos no fazem este recolhimento, o que
no lhes tira a responsabilidade de pagar e podem ser questionados em qualquer momento a
vigncia de sua licena para que o faa. Os recursos que so doados a UCs no
necessariamente sero direcionados s unidades que se pretendiam, haja visto que todo
recurso partilhado em uma conta federal, ou estadual quando for o caso.
O investimento deste recurso deve preferencialmente ser investido em Unidades de
Conservao que estejam junto rea de impacto, ou em sua microrregio. O investimento
deve ser feito em UCs de proteo integral, seja para manuteno das existentes ou para
criao de novas (CONAMA, 1987).
Ferramentas de administrao do SNUC
Para gerir atravs deste texto jurdico necessria muita organizao. A lei prev que
o Ministrio do Meio Ambiente mantenha um cadastro com as Unidades de Conservao no
pas, tendo a colaborao dos Estados e Municpios para compor tal banco de dados. Os dados
devem contemplar aspectos socioculturais, antropolgicos, questo fundiria, espcies
ameaadas, clima, solos e recursos hdricos das reas protegidas. Esses dados so disponveis
aos interessados (BRASIL, 2000 art. 50).
A capacitao colocada como uma dificuldade a ser superada. Os diferentes
conhecimentos necessrios gesto de uma UC, desde os guarda-parques at secretrios e
dirigentes de rgos ambientais so pontos a serem trabalhados para uma melhora no processo
participativo em gesto de reas protegidas. Devem-se identificar as necessidades dentro do
quadro de funcionrio dos rgos competentes e procurar meios de sanar essas lacunas de
conhecimento (DRUMOND, 1998).
O Ministrio do Meio Ambiente tem o objetivo de promover encontros entre gestores
de UC, reunies formais e informais e deve estar presente na elaborao de zoneamentos, mas
26
no uma figura hierrquica acima, mas sim, uma coordenao integrada s UCs
(MACHADO, 2001).
Alm dessa funo, a troca de experincias traz o entrosamento interinstitucional,
aprimorando a cultura organizacional de participao como ponto estratgico para gesto de
reas protegidas (DRUMOND, 1998).
Machado (2001) defende que essa poltica pblica em si no o suficiente para que
um ambiente equilibrado seja mantido. Percebe que a prpria maneira que as cidades foram se
desenvolvendo criou a necessidade da criao de uma matria jurdica para que se
reservassem reas naturais j que o ambiente natural e o urbano se tornaram mundos em
excessivo distanciamento.
2.2 Avaliao da gesto de reas Protegidas
Nas ltimas dcadas houve o aumento da preocupao com o patrimnio ambiental.
A criao de Unidades de Conservao passou a ser uma forma eficaz de proteo deste bem
comum. No entanto, mais que a criao, necessrio proporcionar todas as ferramentas
possveis para uma gesto adequada de reas protegidas. O planejamento, capacidade
institucional, desenho e interligao com outras reas protegidas, programas de
desenvolvimento regional, educao ambiental e mais fatores so o suporte necessrio a esse
efetivo funcionamento da UC (FARIA, 2004). UCs eficientes no cumprimento de seus
objetivos de gesto, com propostas e metas claras a serem atingidas so tambm uma forma
de que a populao d suporte poltico para a conservao dos recursos naturais do pas ou
regio.
As Unidades de Conservao trazem benefcios populao, dentre eles cabem
destacar: (i) preservao dos processos ecolgicos dos sistemas naturais, assim como da
diversidade de espcies e diversidade gentica dentro de cada espcie; (ii) mantm a histria e
modos de vida local das comunidades presentes; (iii) protege as reas de hbitos predatrios;
(iv) proporciona bens e servios ambientais, assim como oportunidade para o
desenvolvimento comunitrio, espao para pesquisas cientificas, educao e turismo; (v) fonte
de orgulho de uma nao e inspirao aos seres humanos (CIFUENTES; IZURIETA; FARIA,
2000).
Para que se atinjam estes benefcios, necessrio primar por um bom manejo. O
conceito de manejo ganhou ao longo do tempo diferentes interpretaes, a qual deve ficar a
cargo do recorte do pesquisador, delimitando o seu escopo de trabalho com esta definio
(FARIA, 2004).
27
Faria (2004) define a gesto de unidades de conservao como:
A equilibrada coordenao dos componentes tcnicos e operacionais (recursos
humanos, materiais, financeiros) e os diversos atores sociais que incidem sobre o
desenvolvimento da rea, de maneira tal a obter-se a eficcia requerida para se
lograr os objetivos para os quais a unidade foi criada e a manuteno da
produtividade dos ecossistemas abrangidos (FARIA, 2004 pg. 39).
O profissional que atua na administrao de uma Unidade de Conservao exerce
uma funo que vai alm do manejo. Faz a gesto de um espao protegido atravs dos
diferentes interesses dos segmentos sociais ligados rea (FARIA, 2004).
Arajo (2007) sugere que mais apropriado utilizar o termo gesto de uma Unidade
de Conservao ao invs de manejo. Essa afirmativa, em concordncia com Faria (2004), esta
baseada no fato de que o gestor de uma rea protegida tem mais atividades do que o manejo
de recursos naturais. Desta forma, a presente pesquisa utilizou o termo Gesto.
O sucesso das reas protegidas baseado na premissa de que este depende da sua
gesto para proteger os valores biolgicos e culturais que estejam presentes em sua rea. Para
que se atinja tal feito necessrio que sua gesto esteja adequada s demandas particulares do
seu territrio, j que cada rea detm as suas caractersticas biolgicas e culturais, assim como
presses e usos especficos (HOCKINGS et al., 2006).
Hockings et. al (2006) apontam que a avaliao da efetividade de gesto teve um
aumento desde a dcada de 80. Das iniciativas desenvolvidas algumas tm enfoque
biocntrico, outras fazem interface dos impactos sociais que uma Reserva ou Parque podem
trazer. Alguns mtodos desenvolvidos foram mais detalhistas em conhecer a realidade de
uma rea protegida. Outras elaboraes foram mais superficiais, mas de fcil aplicao.
Tambm surgiram mtodos que avaliam sistemas de reas protegidas.
Muitas Instituies e rgos ambientais ao redor do mundo tem resistncia em
adotar um modelo nico de avaliao de efetividade de gesto. Tal fato encorajado por
Hockings et. al (2006) onde os autores reconhecem a necessidade de adaptar o mtodo ao
contexto de cada UC. Apenas fazem a ressalva de que tal proposta passe de ocasional
prtica rotineira e seja incorporada ao manejo das reas protegidas.
Neste sentido, Cifuentes, Izurieta e Faria (2000) consideram que questes sobre quais
so as dificuldades encontradas na gesto de uma UC, suas deficincias e assuntos crticos so
perguntas no to fceis de responder, porm com uma avaliao peridica pode-se chegar a
respostas mais prximas. O conhecimento claro da situao de uma rea protegida pode ser
obtido atravs da utilizao desta ferramenta.
28
Avaliao de efetividade de gesto pode: (i) abrir e dar suporte a uma abordagem de
gesto adaptativa1; (ii) assistncia para alocao de recursos; (iii) envolver a comunidade aos
valores biolgicos e culturais presentes na UC; (iv) melhoria da comunicao entre gestor e
comunidade; (v) oportunidade de reflexo dos gestores ao dar um passo para trs do trabalho
cotidiano e debruar-se com ateno nas oportunidades e dificuldades encontradas sob uma
nova perspectiva (HOCKINGS et al., 2006).
Os resultados das avaliaes de uma UC sero muito importantes para as revises de
planos de gesto. Tendo uma repetio deste processo avaliativo essa base de dados servir
para um plano ajustado realidade da rea, tornando-o mais aplicvel (HOCKINGS et al.,
2006).
Mtodos de avaliao
Um nico sistema de avaliao pouco provvel que sirva para todas as reas
protegidas. A diversidade de UCs traz a necessidade de construo de avaliaes especficas
s realidades locais (HOCKINGS et al., 2006).
Cifuentes, Izurieta e Faria (2000), em sua publicao sobre medio de efetividade
de manejo, definem o que seria uma gesto eficiente. O livro adota o seguinte conceito:
Aes polticas, legais, administrativas, pesquisa, planejamento, proteo,
coordenao, educao, entre outras que do resultado ao melhor aproveitamento de
uma Unidade de Conservao, garantindo sua permanncia e alcanando os
objetivos (CIFUENTES; IZURIETA; FARIA, 2000, pg. 05).
O procedimento de avaliao tem alcance em trs nveis: somente a rea em estudo,
sistema de reas protegidas, sistema de reas protegidas e suas zonas de influncia. Aplicada
somente a uma rea especfica, a ferramenta pode ser muito benfica. Atravs dela podem ser
encontradas as falhas especficas dentro dos mbitos que sero avaliados, trazendo em detalhe
o que est crtico na gesto (CIFUENTES; IZURIETA; FARIA, 2000).
Trata-se de um manual para avaliao da rea baseado em cenrios reais e desejveis
atravs de um procedimento estruturado, sistemtico e de baixo custo. A adaptao s
realidades distintas com a incluso de novos indicadores bem vinda para traduzir o que se
deseja avaliar (CIFUENTES; IZURIETA; FARIA, 2000).
O procedimento de instalao de uma avaliao de gesto obedece alguns trmites,
sendo o primeiro deles a deciso em nvel institucional da rea protegida de que seja feito esse
1 Gesto adaptativa baseada em um processo circular que propicia informaes que daro sustento a alteraes
de estratgias de trabalho para resultados positivos no futuro. A gesto adaptativa depende das avaliaes.
29
trabalho. Aps isso necessrio compor um ncleo de avaliao com os representantes
tcnicos da UC, assim como representantes da comunidade. Definida a equipe, o prximo
passo ser fazer um levantamento de dados primrios e secundrios de tudo que j foi
pesquisado na UC. Aps esse conhecimento, e com base no presente manual, adequar a
realidade da rea protegida aos mbitos, variveis e parmetros de mensurao aqui
propostos. Por fim a aplicao do procedimento de avaliao, mas antes com a definio dos
conceitos de cenrio timo a pssimo para cada varivel (CIFUENTES; IZURIETA; FARIA,
2000).
Cifuentez, Izurieta e Faria (2000) detalham os passos da avaliao de efetividade de
gesto:
(i) Deciso da rea a ser avaliada: qualquer rea que seja protegida e receba um
mnimo de ateno por parte de quem a promulgou j cabvel de ser avaliada.
(ii) Seleo do ncleo de avaliao da UC: a avaliao deve ser realizada com
participao do pessoal tcnico da rea protegida e atores sociais chaves na construo do
processo. necessrio ter uma pessoa que coordene a avaliao e parte tcnica da rea
protegida que ajude o coordenador durante a avaliao. Deve ser mantido o contato com os
interessados diretamente envolvidos no processo para que no haja dvidas da transparncia
da anlise.
(iii) Levantamento de dados primrios e secundrios: Dados secundrios so todas as
informaes referentes UC em anlise, desde documentos internos at publicaes sobre a
rea protegida. Tambm necessrio um levantamento em campo da estrutura disponvel para
manejo, assim como corpo tcnico e material para o trabalho e demais aspectos prticos que
ajudam no manejo. H tambm a necessidade de entrevistar atores chaves das comunidades
envolvidas e que estejam diretamente ligados Unidade de Conservao.
(iv) Seleo de indicadores, variveis, subvariveis e sua alocao nos mbitos: Os
autores propem a classificao em indicadores maiores (mbito). O mbito composto por
indicadores de segunda ordem (variveis). Os de segunda ordem, quando necessrio, possuem
indicadores mais especficos que os compem (subvariveis). Quando h a necessidade de se
aprofundar mais sobre determinado tema em anlise, as subvariveis possuem os parmetros.
Ressalta-se que se trata de um incio e que a adequao desta ordenao de mbitos, variveis,
subvariveis e parmetros so ajustados medida que os dados secundrios e primrios so
levantados.
(v) Estabelecimento de critrios de avaliao, estruturao de condies e construo
de cenrios: esta etapa feita em conjunto com o grupo ncleo da avaliao. Aps
30
levantamento das informaes proposto um esquema inicial que ser discutido para que se
refine o mtodo de avaliao.
(vi) Identificao e qualificao da situao atual: aplicao do mtodo estabelecido
pelo grupo para levantamento das informaes. Este passo ser junto aos gestores da rea e
questionrio comunidade.
(vii) Integrao dos resultados e interpretao da efetividade de manejo:
sistematizao dos dados levantados e relatrio.
(viii) Apresentao do resultado final comunidade e tcnicos: compartilhar o
produto final da pesquisa com todos os envolvidos durante reunio do Conselho Deliberativo.
A Tabela 1 descreve os mbitos que Cifuentes, Izurieta e Faria (2000) abordam:
Tabela 1 - descrio dos mbitos a serem avaliados
mbito Descrio
Administrativo Organizao interna de verba, pessoal e condies de trabalho dos
funcionrios da rea protegida.
Poltico Conformidade da UC com a legislao estadual e federal,
participao da comunidade e respaldo financeiro do governo.
Legal Legislao que decreta a Unidade de Conservao e regulamentos
e normas tcnicas que subsidiam a gesto.
Planejamento Planejamento e reviso dos objetivos a serem alcanados,
existncia de plano de manejo adequado realidade local, assim
como sua implementao.
Conhecimento Informaes socioeconmicas sobre a rea e o entorno,
caractersticas biofsicas da UC, existncia de pesquisas e
monitoramentos e conhecimento tradicional sobre a rea em
estudo.
Programas de Manejo Programas de educao, pesquisa entre outros programas dentro
da rea e como so geridos.
Biogeografia
Forma, tamanho, isolamento e vulnerabilidade da UC.
Usos legais Quais as possibilidades de uso da rea que so permitidas e como
so gerenciadas.
Usos ilegais Quais so os possveis usos ilegais e como so mitigados.
Aps a avaliao, estes valores podem ser vistos separadamente por mbito, varivel
e parmetro, assim como um valor da UC no geral, o que permite esmiuar e chegar ao ponto
exato de onde esto os pontos crticos do manejo (CIFUENTES; IZURIETA; FARIA, 2000).
Os autores reforam que para comear um processo avaliativo em uma rea protegida deva-se
partir dos critrios e indicadores propostos em sua publicao, mas com a liberdade de adapt-
los realidade da UC em estudo.
31
Como ltima considerao, ressaltam que a medio da efetividade de gesto uma
ferramenta que deve ser incorporada ao cotidiano da rea protegida, sendo til para fazer
comparativos de tempos em tempos e encontrar e solucionar problemas de gesto
(CIFUENTES; IZURIETA; FARIA, 2000).
Padovan (2003) publicou uma proposta de certificao para reas protegidas baseada
em uma premissa de que a certificao uma atitude voluntria da administrao de cada UC.
O processo deve ser transparente e independente e as referncias de parmetro de gesto so
previamente definidas, antes da avaliao. Nesse caso, a legitimidade da certificao ser
atingida com xito se durante o processo forem levados em conta os aspectos ambientais,
sociais, econmico-financeiros e institucionais da rea protegida. A proposta da autora o
manejo dos recursos e que estes tenham um ganho na qualidade de forma gradual.
O advento da certificao de reas protegidas justifica-se como ferramenta tcnica
que pode influenciar diversos atores sociais ligados s UCs. Para os administradores, serviria
como uma base segura para tomada de decises. Aos pesquisadores, abriria leques para
estudos e experimentos cientficos com melhores condies de controle (por exemplo, a
restrio ao acesso de pessoas), alm da possibilidade de ampliar as possibilidades de
pesquisas relacionadas efetividade de gesto. Para as comunidades inseridas na rea e no
entorno da UC, seria uma possibilidade de favorecer questes socioeconmicas; tambm
poderiam funcionar como instrumentos de presso pblica para garantir que os planos de
manejo das reas protegidas atinjam seus objetivos e uma ferramenta aliada ao turismo,
agregando valor s agncias que operam em UCs certificadas (PADOVAN, 2003).
Para este selo de certificao para UCs, Padovan (2003) prope que cada princpio
detm critrios e os critrios possuem verificadores/indicadores. Sendo assim, a proposta base
de certificao possui quatro mbitos, sete princpios, 24 critrios e 65 verificadores. O
mtodo de construo proposto por Padovan (2003) apresenta um raciocnio aplicvel s
diferentes Unidades de Conservao, sendo um material muito rico para basear propostas de
avaliao de gesto.
Outra ferramenta utilizada para avaliar reas protegidas o RAPPAM Rapid
Assessment and Priorization of Protected Area Management ou Metodologia para Avaliao
Rpida e a Priorizao do Manejo de UCs. Esta ferramenta contribui para detectar pontos
fortes e fracos das estratgias de manejo adotadas, analisar as ameaas e presses sobre a
Unidade, priorizar atividades e auxiliar na proposio de polticas pblicas que sero efetivas
s reas em estudo (ERWIN, 2003).
32
O foco do RAPPAM concentra-se na anlise integrada do conjunto de reas, ou seja,
fazer comparaes em ampla escala com vrias UCs, pois foi delineada para operar de forma
comparativa. Nesse sistema, o mtodo pode ser aplicado a uma UC apenas, mas no possui
preciso especfica nesse caso (ERWIN, 2003).
Em geral, o RAPPAM baseia-se em quadro referencial avaliativo elaborado pela
comisso mundial de reas protegidas; tambm assume alguns pressupostos, como a
transparncia das informaes fornecidas e o elevado grau de conhecimento de gerentes e
administradores das UCs em estudo (ERWIN, 2003).
Trabalhos de avaliao de gesto de Unidades de Conservao
Os trabalhos de avaliao de gesto, em sua maioria, so realizados por atividades de
pesquisa, o que denota que a preocupao em acompanhar e monitorar este processo ainda
no institucionalizada (FARIA, 2004).
Em sua tese de doutoramento, Faria (2004) pesquisa a partir da hiptese que as UCs
do Estado de So Paulo possuem uma grande variao de qualidade de gesto e que, em sua
maioria, no alcanam os objetivos a que foram criadas. Seu foco de pesquisa foram as UCs
geridas pelo Instituto Florestal atravs de um sistema de indicadores aplicveis a todas as
Unidades. As UCs foram de proteo integral em sua maioria e algumas de Uso Sustentvel
da categoria Floresta Estadual. Estaes Experimentais tambm foram avaliadas, mas tal
territrio no se enquadra no SNUC.
O autor coordenou a avaliao de 59 UCs do Estado de So Paulo. A metodologia
utilizada foi um aperfeioamento de seu prprio trabalho utilizado em 1993. Das UCs
estudadas, apenas seis estavam no padro elevado de gesto. A tese aponta que para a
melhoria da efetividade das reas protegidas, o Instituto Florestal, rgo responsvel pelas
reas de estudo, necessitava de uma mudana estrutural em seu escopo de atuao. Da mesma
forma, a reconstruo dos pilares de sua gesto foi considerada emergencial para que os seus
objetivos fossem de fato alcanados.
Faria (2004), aps a reviso de trabalhos sobre efetividade de gesto que foram
publicados anteriormente, agrupou-os nos seguintes mbitos: (i) Planejamento, (ii)
Administrao, (iii) Poltico-legal, (iv) Qualidade de recursos, (v) Conhecimento e (vi)
Manejo Florestal (somente para as UCs de Uso Sustentvel). Esses seis campos de avaliao
totalizaram 40 indicadores com 61 quesitos a serem avaliados. Dentro dos mbitos a avaliao
33
foi composta por indicadores com possibilidades de timo a pssimo, o que comps suas
notas.
Simes e Oliveira (2005) avaliaram 32 UCs de proteo integral, administradas pelo
Instituto Florestal e pela Fundao Florestal a partir do RAPPAM, oferecendo um diagnstico
geral sobre as UCs de proteo integral do Estado de So Paulo.
O mtodo foi feito atravs do envio prvio do questionrio aos gestores das reas.
Aps isso houve uma oficina participativa aonde o questionrio foi adequado a realidade das
unidades de conservao de So Paulo. A participao foi o fator forte da aplicao deste
mtodo que teve o intuito de fornecer uma viso geral das UCs paulistas (SIMES;
OLIVEIRA, 2005).
Das unidades analisadas, 17 Unidades (60%) apresentavam gesto mdia - entre
40% e 60% em sua nota; seis unidades (aproximadamente 19%) possuam gesto alta, com
aproveitamento acima de 60%. E nove unidades (28%) tinham gesto baixa, ou seja, notas
menores que 40%. Estes resultados sintetizam a importncia deste tipo de anlise para
decises que considerem grandes escalas espaciais - macroesfera - necessitando de
detalhamentos especficos (e a partir de outros mtodos de anlise) para cada Unidade em
questo, inseridas na escala abordada pelo RAPPAM (SIMES; OLIVEIRA, 2005).
Schiavetti, Magro e Santos (2012) pesquisaram o nvel de sucesso de implementao
das UCs do corredor central da Mata Atlntica na Bahia. Em 2008 a rea contava com 48
Unidades de Conservao: a amostra foi de 30 UCs, as quais os gestores/administradores
responderam o questionrio sobre o sucesso de sua implantao. Os autores propuseram
avaliar a implementao de uma rea protegida, tendo como temas de estudo para a
elaborao do questionrio perguntas referentes instrumentos de gesto da rea,
regularizao fundiria, recursos humanos e situao financeira.
O questionrio teve uma abordagem quali-quantitativa com 26 perguntas sendo de
respostas abertas e mltipla escolha. Foi constatado que cerca de 50% das 30 UCs
participantes da pesquisa possuem uma implantao mediana, 40% insuficientes na
implantao, 6,7% como reas protegidas de papel e 3,3% puderam ser classificadas com
implantao satisfatrias (todas RPPNs). As reservas extrativistas (duas reas da amostra de
30 Unidades de Conservao) esto classificadas no grupo de 50%, medianamente
satisfatrias. Os autores ressaltam que a necessidade de se pensar em melhorias nas reas
protegidas j existentes pode ser uma estratgia ao invs de se criar novas UCs na regio
(SCHIAVETTI; MAGRO; SANTOS, 2012).
34
Para que se tenha uma avaliao justa, necessrio que no se faam julgamentos
errados sobre os critrios estabelecidos. Existe o risco de se ter postura super e subvalorizadas
diante dos critrios determinados. A primeira pode ocorrer quando a equipe pretende no
apontar os erros existentes, enquanto que a segunda se trata de uma modstia desnecessria ao
processo avaliativo (FARIA, 2007).
Para ele uma notria vantagem da avaliao por indicadores a visualizao da
situao de gesto de maneira rpida, o que torna mais gil os processos decisrios com base
nesta avaliao (FARIA, 2007). Aponta ainda que essa gesto eficaz ainda no incorporada
pelas instituies que detm as decises sobre as reas protegidas. A maioria dos trabalhos de
avaliao de gesto provm de pesquisas de terceiros ou atividades pontuais em algumas
unidades.
Outro exemplo de avaliao o Parque Nacional do Capara, situado entre a divisa
de Minas Gerais e Esprito Santo, onde foi desenvolvida uma experincia de Parque Modelo,
aliando a desburocratizao a planejamento estratgico em sua gesto. Foi usada como
ferramenta uma autoavaliao de seu trabalho para compreender a atual situao
administrativa e traar os valores e metas a serem alcanados (ARAUJO et al., 2007).
Essa autoavaliao foi um trabalho reflexivo entre as partes interessadas e o gestor da
rea, que foram provocados com perguntas sobre aonde gostaria de chegar com a gesto do
Parque. Nesse sentido, os objetivos vindos dessa reflexo coletiva foram agrupados em quatro
categorias distintas - (i) usurios, comunidade, sociedade; (ii) financeiro; (iii) processos
administrativos internos; (iv) aprendizado e inovao (ARAUJO et al., 2007). Para cada
objetivo, foram estabelecidos metas de trabalho, indicadores de desempenho e planos de ao
adequados s metas. Esses planos de ao foram agrupados sugerindo um mapa estratgico da
UC, tendo relao de causa e efeito entre os distintos objetivos. Os autores perceberam que
mais complexo que elaborar essa estratgia, o fato de coloc-la em prtica.
Os autores apontam que a maior dificuldade foi definir os indicadores que trazem
uma sistematizao condizente com a realidade dos resultados atingidos pelo Parque. De todo
modo essa nova postura gerencial reverberou para outros Parques que esto comeando a
adotar a gesto com mensurao de desempenho (ARAUJO; et al., 2007).
No Cear, nordeste do Brasil, alguns estudos sobre efetividade de manejo foram
realizados. A rea de Proteo Ambiental (APA) Albino foi avaliada e resultou em uma
efetividade de 56% do timo, manejo medianamente satisfatrio. Constatado que, apesar de
ter requisitos bsicos ao manejo a UC apresenta problemas estruturais e administrativos que
dificultam desdobramentos necessrios gesto. Um fator negativo alarmante a inexistncia
35
de verba direcionada especificamente para administrao da APA (FERREIRA; SILVA,
2009).
Existe de alguma forma uma grande fragilidade nas avaliaes, uma vez que retratam
uma condio comparativa com um ideal de manejo, podendo levar a interpretaes diferentes
da realidade da rea. Na APA da Serra do Maranguape, que fica a aproximadamente 25 km de
Fortaleza (Cear), a avaliao foi feita atravs da metodologia de Cifuentes, Izurieta e Faria
(2000) e demonstrou que a Unidade alcanou 47,5% do timo de manejo, classificando-a
como uma UC de baixa efetividade. No entanto, mesmo tendo esta classificao final, a UC
apresenta reas totalmente resguardadas, com conservao efetiva de recursos ambientais
(FRANA; CABRAL, 2009).
Lima Filho (2006) desenvolveu um estudo importante onde avaliou a efetividade do
Parque Estadual Marinho da Pedra da Risca do Meio, nica UC marinha do Cear. A
metodologia utilizada foi Cifuentes, Izurieta e Faria (2000) e Faria (2004) com adaptaes,
pois foi a primeira anlise de uma rea protegida com esta caracterstica. A UC atingiu
61,96% do timo, um manejo medianamente satisfatrio. Apesar de apresentar mdia
relativamente boa em sua efetividade, a UC possui lacunas administrativas que dificultam o
estabelecimento de aes eficazes na conservao dos recursos naturais locais, sendo a
necessidade de um fortalecimento institucional do ambiente marinho como UC uma ao
emergencial para sua consolidao.
Mesquita (2002) apontou o grau de efetividade de quatro unidades de conservao
presentes na Floresta Ombrfila Densa do Domnio Atlntico (Mata Atlntica), por meio de
um estudo comparativo entre RPPNs. Seus resultados mostram que o mtodo proposto por
Cifuentes, Izurieta e Faria (2000) adaptvel a unidades particulares de reas protegidas. O
autor ressalta que a avaliao no deve ser vista com o fim em si mesma, mas como uma
ferramenta de ajuste na gesto da UC. O autor comea a avaliao destas quatro UCs de uma
matriz genrica que foi adaptada s condies de cada UC avaliada. Ressalta que o respeito a
essas particularidades importante para que se tenha uma ferramenta administrativa que
funcione de fato. A avaliao foi feita atravs de sadas de campo para cada UC com no
mnimo sete dias de levantamento dos dados.
O autor considera que todas as quatro RPPNs em estudo tiveram uma pontuao
muito baixa no mbito biogeografia, o que confirma ser a fragmentao um ponto crtico a ser
superado por gestores de UCs.
Gonalves e Cabral (2009) fazem um estudo de efetividade de gesto de trs RPPNs
na Caatinga Nordestina. O mtodo de avaliao foi atravs de anlise de documentos das UCs
36
e aplicao de questionrios aos gestores e funcionrios das reas. Nesta adaptao de mtodo
foram determinados seis mbitos a serem avaliados: administrativo, poltico, legal,
planejamento, biogeografia, usos legais. Em duas RPPNS o resultado encontrado foi
satisfatrio, enquanto em uma a pontuao final foi pouco satisfatria.
Apesar dos trabalhos de avaliao de efetividade de gesto, no foram encontradas
na literatura cientfica publicaes sobre essa experincia em Reservas Extrativistas ou
Reservas de Desenvolvimento Sustentvel. Esta lacuna a justificativa para realizao desta
dissertao.
legtimo que nos ambientes de proteo existam populaes que vivem e possuem
estreita relao com o ambiente natural. As naes tem voltados os olhos para este fato e
adaptado a forma de gesto a essas realidades (CIFUENTES; IZURIETA; FARIA, 2000).
Deste modo, cabe pensar em como adaptar as diferentes metodologias de avaliao
de gesto realidade das UCs que possuem estreita relao com comunidades tradicionais. Os
autores que criaram estes mtodos do as linhas gerais para que se atinja esse objetivo, o que
no deixa de ser desafiadora tal proposta. A pretenso de desenhar um projeto piloto de
avaliao de gesto em Reservas Extrativistas est descrita na Metodologia desta pesquisa.
2.3 Unidades de Conservao e Comunidades Tradicionais
A partir de 1982, no III Congresso Mundial de reas Protegidas realizado em Bali
Indonsia, a dimenso humana em UCs ganhou destaque. A participao de pases em
desenvolvimento foi um marco para que as questes de comunidades tradicionais, indgenas e
desenvolvimento fossem definitivamente atreladas gesto de reas protegidas (ARAUJO,
2007).
Borrini-feyerabend (1997) afirma que quando os recursos naturais da Unidade de
Conservao so essenciais populao, torna-se explcita a necessidade de uma gesto
participativa. Embora a responsabilidade de gerir uma rea protegida seja de um rgo
especfico, o manejo inclusivo a forma apropriada de gesto de UCs que contam com
residentes humanos que possuem intrnseca relao com o local.
A criao de reas protegidas com mtodos pouco participativos pode ser a fonte de
diversos problemas na gesto de uma rea protegida (DRUMOND, 1998).
A participao indireta (atravs de representantes) em um processo de manejo
participativo pode suprimir as diferentes interpretaes sobre o local. Para uma gesto
participativa efetiva, necessrio que se tenha uma representao adequada dos interessados.
37
Pode ser definida como uma forma de gesto em que os interessados esto envolvidos
substancialmente com os rumos da rea protegida (BORRINI-FEYERABEND, 1997).
A autora considera que o compartilhamento de autoridade e responsabilidade uma
sada sensata para a gesto de UCs. Ressalta que se a comunidade e instituies
governamentais no estiverem dispostas em estabelecer um fluxo de comunicao, o trabalho
participativo acabar sendo um processo vazio.
Drumond (1998) considera que os saberes populares so to importantes quanto os
saberes tcnicos. Esse dilogo necessrio para que a comunicao seja estabelecida.
Apesar de ser uma grande sada para o reconhecimento das populaes tradicionais
sobre o seu direito de uso da terra, muitas vezes a construo deste espao encontra
obstculos. H um embate notrio entre a necessidade da comunidade e interesses exclusos de
iniciativa privada e at mesmo governo municipal ou estadual, o que tende a gerar um conflito
na delimitao destas reas (FERNANDES-PINTO; CORDEIRO; BARBOSA, 2007).
Teixeira (2007) faz a crtica de que a preocupao tcnica de muitos planos de gesto
de Unidades de Conservao traduz a comunidade local apenas como opositores. A
delimitao de uma rea protegida de Proteo Integral (principalmente) afeta diretamente os
hbitos e costumes da populao local. A necessidade de reinveno do processo de gesto em
parceria com os saberes locais torna-se necessria, pois tais reas vo alm de seu aspecto
biolgico: possuem funo social e cultural.
Muitas reas protegidas foram delimitadas como de Proteo Integral, sem antes haver
um estudo sobre a populao tradicional existente no local. Quando houve resistncia das
populaes em ficarem em locais aonde foram decretadas Unidades de Conservao de
Proteo Integral, as populaes passam a ser criminalizadas por desenvolverem seu modo de
vida (ARRUDA, 2000).
O autor aponta a peculiaridade destas medidas punitivas, dado o fato da importncia
que essas populaes tm conservao:
(..) No so estas as populaes humanas que tem h dcadas, s vezes sculos ou milnios, promovido o manejo sustentvel das reas naturais? No sua presena permanente que tem preservado tais reas do modelo de explorao capitalista industrial responsvel pela destruio crescente do meio ambiente? No so elas as responsveis at o presente pela conservao que agora tentamos pr sob nossa tutela? (ARRUDA, 2000, pg. 283).
Colchester (2000) ressalta que a populao em reas protegidas existe, e esse fato no
pode ser ignorado. A imposio de reas protegidas tirou os povos nativos do controle
territorial que antes tinham. Foi uma imposio de valores aos povos tradicionais.
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Guha (2000) afirma que este tipo de poltica se sobreps aos interesses de populaes
menos abastadas, considerando-as apenas como dificuldades para a conservao. O
pensamento sobre o assunto tornou-se uma tradio pautada em um senso comum cientfico
que no incorpora todas as interpretaes sobre o tema.
A sociedade urbano-industrial cr (pois se trata de uma crena na cincia) que a
relao de qualidade ambiental inversamente proporcional presena humana no ambiente
(GMEZ-POMPA & KAUS, 2000).
Deste modo, Gmez-pompa & Kaus (2000) sustentam a ideia de que os povos
tradicionais possuem outra relao com o ambiente. A palavra conservao pode no fazer
parte de seu vocabulrio, mas o seu modo de vida e uso dos recursos naturais representam
uma relao de acordo.
O que tambm defendido por Diegues (2004a). O autor afirma que devido
necessidade de um ambiente equilibrado para a reproduo do seu modo de vida, as
comunidades tradicionais acabam se tornando aliadas do processo de conservao destas
reas.
Arruda (2000) afirma que incluir as comunidades tradicionais no se trata de
incorporar o mito do bom selvagem, pois tanto os povos tradicionais quanto a sociedade
urbano-industrial esto sujeitos s mudanas culturais. Mas no se pode ignorar o
conhecimento emprico de manejo e ecossistema regional dos nativos, assim como seu direito
ao local que habitam h tempos.
Esta ideia, tambm defendida por muitos outros autores, resultou em uma presso que
frutificou com o Decreto Federal n 6.040, que Institui a Poltica Nacional de
Desenvolvimento Sustentvel dos Povos e Comunidades Tradicionais, o qual as define como:
Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas prprias de organizao social, que ocupam e usam territrios e recursos naturais como condio para sua reproduo cultural, social, religiosa, ancestral e econmica, utilizando conhecimentos, inovaes e prticas gerados e transmitidos pela tradio (BRASIL, 2007a art. 3).
Reservas Extrativistas: potencial de soluo de conflitos e dificuldades
O extrativismo, mais do que ser ambientalmente sustentado, tem o intuito de ser
socialmente justo: feito pela comunidade que est secularmente no territrio e que dos
recursos depende para dar manuteno sua existncia e modo de vida (RUEDA, 1998).
A descrio de comunidades extrativistas como povos pouco evoludos que foram
sendo substitudos medida que a humanidade avanou tecnologicamente distorcida.
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Rueda (1998) aponta que essas populaes possuem sim tecnologias apropriadas a
sua funo. Alm destas tecnologias, os povos extrativistas possuem tambm uma
diversificao de produo: agropastoris, extrativistas, silviculturas. Essa pluralidade de
frentes de trabalho tambm os proporciona um comrcio local. Tais caractersticas desmentem
o esteretipo de populaes que esto em um processo tecnolgico a ser superado.
Neste sentido, Cordeiro e Curado (2007) tiveram o objetivo de avaliar os desafios de
gesto das reservas extrativistas baseados nas dificuldades de se incorporar esta nova forma
participativa de gesto de reas protegidas, o que difere das UCs de proteo integral. A
criao de uma RESEX inicia-se por vontade da comunidade atravs da entrega de abaixo
assinado ao rgo competente. Aps o recebimento, o rgo competente tem o dever de
averiguar a legitimidade do pedido com estudos socioeconmicos, consulta pblica e
avaliao fundiria quando necessrio. Concluda esta etapa, o processo encaminhado
instncia executora para que a rea seja decretada como Reserva Extrativista. Sendo
reconhecida juridicamente como RESEX, o primeiro passo instituir o Conselho Deliberativo
da UC, regularizao fundiria (se houver necessidade) e contratos com os beneficiados. Aps
essa etapa, o Estado tem a obrigao de designar um gestor para a RESEX que ir conduzir o
processo de co-gesto da rea protegida. Dada a implementao, a rea deve desenvolver o
seu plano de utilizao com as regras para convivncia da comunidade, assim como reas de
extrao de recursos. o instrumento legal que precede o Plano de Gesto. A adaptao da
lgica de co-gesto bastante individualizada devido s caractersticas particulares de cada
RESEX. No entanto, os autores afirmam que quanto maior for o histrico de luta da
comunidade, mais facilmente esta se adapta a co-gesto, como prevista no SNUC.
Dado o fato das RESEX conciliarem conservao e justia social, a participao se
torna diretriz bsica gesto da UC. Nas RESEX do Acre, iniciadas pelos seringueiros, tendo
como expoente o lder comunitrio Chico Mendes, o plano de utilizao foi construdo com
base nos conhecimentos tradicionais da populao que vivia da floresta. Os planos de
utilizao devem ser elaborados com base no dilogo entre saberes tcnico e tradicional
(NARAHARA; CARMO, 2007).
A construo dos conselhos deliberativos em RESEX muitas vezes pode no ser uma
tarefa fcil. Greco et al. (2007) descrevem o processo de criao do conselho nas RESEX dos
rios Anfrsio e Iriri, locais distantes h cerca de 3 a 10 dias de barco de Altamira (PA). Em seu
trabalho, os autores precisaram atender necessidades bsicas da populao antes de se iniciar
o processo de formao do conselho. Grande parte da populao ribeirinha no sabia ler e
escrever. Infere-se que, por vezes, o ICMBio (rgo federal responsvel por RESEX Federais)
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acaba sendo a nica, ou uma das poucas, interfaces do governo com a populao. Esse dficit
de presena do Estado pode ser diminudo se diferentes frentes trabalharem juntas para chegar
aos ribeirinhos (Sade, Educao, Secretarias Estaduais e Municipais).
Mendona (2007) fez um estudo observacional sobre o processo participativo no
primeiro ano de implementao da Reserva Extrativista Arapixi (Amazonas). Foram vistos
muitos avanos na participao da comunidade para discutir o seu plano de utilizao, assim
como a questo fundiria. A relao com o rgo gestor da UC tambm muito positiva, mas
ao mesmo tempo deficitria por ter apenas dois servidores que trabalham diretamente com a
comunidade.
Rodrigues et al. (2007) fazem consideraes sobre a forma que veio a ser construda
a identidade da comunidade tradicional da RESEX Corumbau, na Bahia. A UC possui 900km
de rea e envolve cerca de 260 pescadores das localidades de Carava, Barra Velha,
Corumbau, Veleiro, Imbassuba e Camuruxatiba. A gesto da Unidade de Conservao teve
dificuldades em delimitar quem so os pescadores que constituem a populao tradicional que
podem usufruir dos recursos pesqueiros da RESEX. Em princpio, os pescadores foram
definidos por categorias. O pescador principal foi definido pelo critrio de residir na rea
por pelo menos quatro anos e praticar a pesca como atividade fundamental existncia por
pelo menos quatro anos tambm. O pescador secundrio tambm deveria residir no mnimo
h quatro anos, mas a pesca seria uma atividade complementar de renda. O morador local e
eventual pescador deveria residir na rea h pelo menos quatro anos. Essa classificao,
apesar de estar dentro do previsto no SNUC, tornou um desrespeito aos pescadores,
hierarquizando as diferentes formas de fazer pesca que estes desenvolvem.
A resoluo deste impasse aconteceu durante a reviso do plano de uso em 2005,
quando se teve fomento ao debate pela identidade da comunidade. Aps muitos encontros, a
populao tradicional da RESEX Corumbau definiu-se como nativos e familiares com razes
e pessoas que vivem da pesca e moram h mais de dez anos no entorno da RESEX. Pode-se
inferir que esta evoluo foi um amadurecimento de identidade da populao e tambm de
facilitao dos rgos gestores em construrem quem a populao tradicional detentora do
direito de uso dos recursos pesqueiros (RODRIGUES et al., 2007).
Tendo esses exemplos, percebe-se que a adoo de Reservas Extrativistas deve ser
estimulada e que sua implantao demanda uma compreenso social das UCs muito grande.
H a necessidade de que o trabalho participativo se torne uma ferramenta fundamental em sua
gesto. A importncia das RESEX pode ser sintetizada por Diegues (2004a):
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O reconhecimento social das reservas extrativistas mostra a importncia de repensar e se reconstruir as formas tradicionais de apropriao de espaos e recursos naturais renovveis em pases do Terceiro Mundo. Essa reconstruo se realiza dentro de um processo dinmico, pelo qual as comunidades extrativistas buscam integrar o tradicional (sobretudo em termos de conhecimento e sistemas de manejo) e o moderno, procurando formas legais de existncia dentro de territrios agora reconhecidos oficialmente (DIEGUES, 2004a, pg. 240).
Comunidade Tradicional Caiara
Podem ser definidos como formaes populacionais advindas da mescla entre
indgenas, colonizadores e escravos africanos. Apresentam sua forma de vida baseada em roa
itinerante, pesca artesanal, extrativismo vegetal e artesanato. Os Estados onde essa cultura se
desenvolveu foram Rio de Janeiro, So Paulo, Paran e norte de Santa Catarina. O autor
aponta que o surgimento dessas comunidades aconteceu nos intervalos dos grandes ciclos
econmicos da era colonial no Brasil e se fortaleceu quando essas atividades de exportao do
perodo colonial entraram em declnio. Isso favoreceu a pesca e a coleta em ambientes
aquticos (DIEGUES, 2002).
Diegues (2004) aponta como principais caractersticas da comunidade caiara a
relao com a terra, o mar e seus ciclos, os quais possuem um sentido simblico e econmico
(atividades de subsistncia) s comunidades. O territrio onde sua vida se reproduz possui
extrema importncia tradio caiara, sendo sua casa o ambiente costeiro.
Diegues (2002) afirma que muitas organizaes no governamentais e centros de
pesquisa apoiaram as comunidades caiaras para que permanecessem em seu territrio na
dcada de 80 do sculo passado, quando a presso s comunidades caiaras se fez maior. O
povo caiara sofria por alguns fatores, dentre eles:
- Especulao imobiliria: teve seu incio na dcada de 50 e 60, principalmente pela
construo de casas de veraneio. Isso fez com que o modo possvel de trabalhar muitas vezes
fosse como caseiros, pedreiros e deixar de lado a pesca, pois tiveram que se mudar h uma
distncia considervel das praias.
- Turismo de massa: principalmente no litoral norte de So Paulo, desorganizou as
atividades de pesca, pois nos meses de alta temporada tornam-se prestadores de servio aos
turistas.
- Unidades de conservao de proteo integral: resultou em limitaes s atividades
tradicionais (agricultura itinerante, caa e pesca e extrativismo), gerando conflitos com os
rgos ambientais que fazem a gesto das UCs. Tal fato contribuiu para a migrao de parte
da comunidade para reas urbanas.
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Mesmo tendo essas presses, as comunidades caiaras que resistiram ainda dependem
dos recursos naturais para desenvolver seu modo de vida. Neste sentido, o extrativismo
caiara a pesca (no mar, restingas e esturios2), assim como a coleta de crustceos e
moluscos. Na mata utilizam um considervel nmero de espcies de rvores, arbustos, flores,
frutos, cips e frutas, tanto para uso domstico quanto para comercial (DIEGUES, 2002).
O Contexto de Canania
No Vale do Ribeira est o municpio de Canania, no extremo sul do Estado de So
Paulo. Possui populao de 12 mil habitantes. Seu territrio de 1.239,376km (IBGE
CIDADES, 2010).
Canania possui muitas reas protegidas: PE Lagamar, PE Ilha do Cardoso, APA
Estadual Marinha Litoral Sul, RESEX Estadual Taquari, RESEX Estadual Ilha do Tumba,
RDS Estadual Itapanhapima, todas essas geridas pela Fundao Florestal, rgo ambiental do
Governo do Estado de So Paulo3. Alm das UCs estaduais, o municpio possui a RESEX
Federal do Mandira.
Apesar desta grande quantidade de Unidades de Conservao a presente dissertao se
ateve s UCs e comunidades diretamente relacionadas com a RESEX Ilha do Tumba,
territrio de estudo da pesquisa.
Justifica-se a escolha desta RESEX para pesquisa pelo contato que o pesquisador
possua com as duas comunidades caiara que so beneficiadas pela UC: Comunidade do
Maruj, no Parque Estadual Ilha do Cardoso, e Comunidade do Ariri, parte continental de
Canania, prximo ao Parque Lagamar.
Sobre a histria de ocupao do Maruj, Rodrigues (2001) aponta que no local antes
viviam somente pessoas da comunidade caiara. L era conhecido como Praia do Meio e a
pesca e roa itinerante faziam parte do modo de vida local. Na dcada de 50 (do sculo XX),
2Esto permanentemente ligados ao mar, onde a gua salgada se mistura gua doce proveniente da drenagem continental. A mistura de guas ricas em nutrientes dos rios que a desguam e das guas costeiras um dos mais importantes elementos responsveis pela alta produtividade primria. Quando nos esturios existem grandes reas de manguezais, a produtividade ainda elevada. Em certos casos o esturio do rio se confunde com um golfo, tal a forma de alagamento que possui (DIEGUES, 2002).
3Para compreender melhor a estrutura hierrquica do rgo gestor, consultar o ANEXO B Resumo do
regimento interno da Fundao Florestal.
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houve um pequeno nmero de veranistas da capital paulista que pretendiam instalar um
condomnio de luxo:
Os primeiros habitantes tradicionais que se tm notcia foram os ndios Carij, que presenciaram a chegada dos primeiros europeus no Brasil. No final do sculo XIX, migrantes do estado do Paran e Santa Catarina, descendentes de aorianos, chegam ilha e alguns se casam com indgenas que ali viviam. Na dcada de 50, um grupo da capital paulista inicia as obras para instalao de um loteamento sofisticado na Praia do Meio (atual comunidade do Maruj), expresso da fase da especulao imobiliria e das polticas de colonizao do Vale do Ribeira que marcaram a poca (RODRIGUES, 2001, pg. 55).
Em 1962 a Ilha do Cardoso foi decretada como Parque Estadual, o que impossibilitou
a continuidade do loteamento sofisticado na UC. A continuidade dos moradores tradicionais
da Ilha tambm foi ameaada. Para permanecerem em seu territrio precisaram de uma forte
organizao que fez resistncia a essa mudana territorial. Alm disto, o fato de virar um
parque trouxe baila novos atores sociais que at ento no faziam parte do contexto.
Rodrigues (2001) aponta que a Ilha do Cardoso um territrio de muitos territrios. Isso
denota que se trata de uma rea de disputa, ao descrever as relaes do Estado, turismo,
comunidade caiara e indgena:
A partir do momento em que se tornou um Parque em 1962 observam-se inmeras transformaes na apropriao e na organizao espacial por parte daqueles que j viviam na ilha. Alm disso, na condio de uma reserva, a Ilha comeou a fornecer uma forte atrao de novos personagens para a rea: turistas, pesquisadores da universidade, veranistas, tcnicos estaduais, pequenos comerciantes, entre outros. (RODRIGUES, 2001, pg. 65).
Duas lideranas locais, militantes da comunidade Caiara do ncleo Maruj,
relembram que as famlias de caiaras j estavam vivendo no Parque h muito tempo antes de
ser decretado como rea protegida. Reconhecem que a criao do Parque foi positiva para
conter o mercado imobilirio que iria se alastrar pela regio. De todo modo alguns momentos
histricos do Parque em que a gesto foi conturbada e, apesar disso, a comunidade no
contra o Estado, apenas acreditam que o plano de gesto ambiental da rea deva ser feito de
acordo com realidade local (SMA et al., 1998).
A Ilha do Cardoso possui seis ncleos populacionais. Em 2001, o direito dos
moradores tradicionais de permanecer no Parque estava assegurado em seu plano de Gesto
Ambiental, o qual era reconhecido em muitas esferas do poder pblico e pela sociedade civil
(RODRIGUES, 2001).
Essa mudana de territrio ocasionou uma mudana da forma de vida da comunidade
caiara. Muitos passaram a depender do turismo como fonte de renda, principalmente entre o
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natal e carnaval, com destaque para o Maruj que recebe uma grande quantidade de turistas
nessa poca. Praticamente no h moradores que vivam s de pesca, no entanto so poucos os