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21º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental ABES – Trabalhos Técnicos 1 II-118 – ANÁLISE COMPARATIVA DE FILTROS ANAERÓBIOS COM FLUXO ASCENDENTE E FLUXO DESCENDENTE AFOGADO Cicero Onofre de Andrade Neto (1) Engenheira Civil Mestre em Engenharia Civil com Concentração em Saneamento, Professor da UFRN, Membro do Grupo Coordenador do PROSAB – Programa de Pesquisa em Saneamento Básico (FINEP/CNPq/CEF); Henio Normando de Souza Melo Engenheiro Químico, Doutor em Engenharia Ambiental, Professor da UFRN, Coordenador do PROSAB-RN Manoel Lucas Filho Engenheiro Civil, Doutor em Recursos Hídricos, Professor da UFRN, pesquisador do PROSAB-RN. Endereço (1) : Av. Miguel Alcides Araújo, 1893; Natal, RN. CEP: 59078-270. Brasil. Tel: 84 215-3775 Ramal 23. Fax: 84 215-3703. E-mail: [email protected] RESUMO Filtros anaeróbios são utilizados para tratamento de esgotos pelo menos desde a década de 1950, mas constituem ainda uma tecnologia em franco desenvolvimento. A busca de alternativas para o material de enchimento, que é responsável pela maior parcela dos custos e pelo volume, e o aperfeiçoamento de detalhes construtivos, incluindo o sentido do fluxo e a facilidade de remoção do excesso de lodo, são os aspectos que merecem maior atenção no desenvolvimento tecnológico dos filtros anaeróbios. Os filtros anaeróbios mais usuais têm fluxo ascendente ou descendente. Nos filtros de fluxo ascendente o leito é necessariamente submerso (afogado). Os de fluxo descendente podem trabalhar afogados ou não. Aparentemente, os filtros com fluxo descendente afogado assemelham-se funcionalmente aos de fluxo ascendente, com algumas facilidades operacionais. Apenas os filtros com fluxo ascendente têm sido significativamente aplicados ao tratamento de esgotos e pesquisados. Pouco se conhece sobre os filtros anaeróbios de fluxo descendente com leito afogado. Este trabalho analisa, comparativamente, o desempenho de dois filtros anaeróbios com volumes iguais, mesmo material de enchimento e o mesmo afluente e vazões, mas com sentido de fluxo diferentes, sendo um com fluxo ascendente e outro com fluxo descendente afogado. Os filtros funcionam em paralelo, ambos recebendo esgoto proveniente de um grande tanque séptico de câmaras em série, alimentado com esgoto essencialmente doméstico. Cada filtro tem 4,0 m de comprimento por 0,7 m de largura e profundidade média de 1,2m, construídos em alvenaria de tijolos revestida. A pesquisa desenvolve-se em duas etapas distintas. Cada filtros recebeu vazão de 7,5 m 3 /dia na primeira etapa (17/12/99 a 20/06/00) e 15 m 3 /dia na segunda (21/06/00 a 22/12/00). Em ambas etapas os filtros foram preenchidos com anéis de eletroduto corrugado de plástico (conduíte cortado). Considerando o índice de vazios do material de enchimento (89%), os tempos de detenção hidráulica calculados foram: 9,5 horas na 1ª etapa e 4,8 horas na 2 etapa, em ambos os filtros. Os dois filtros propiciaram resultados muito bons na remoção de matéria orgânica e sólidos, ambos apresentando valores da ordem de 110 mg/L de DQOt e 16 mg/L de SS nos efluentes. Pode-se concluir que um filtro anaeróbio de fluxo descendente afogado pode propiciar eficiência equivalente a de um filtro anaeróbio de fluxo ascendente, com as demais características operacionais semelhantes. PALAVRAS-CHAVE: Tratamento de Esgotos, Filtros Anaeróbios, Fluxo Ascendente e Descendente. INTRODUÇÃO Filtros anaeróbios são reatores biológicos com fluxo através do lodo aderido e retido em um leito fixo de material inerte. Portanto, apresentam as vantagens dos reatores anaeróbios com fluxo através do lodo ativo, inclusive na remoção da matéria orgânica dissolvida. Ademais: podem ser utilizados para esgotos concentrados ou diluídos; resistem bem às variações de vazão afluente; perdem pouco dos sólidos biológicos; permitem várias opções de forma, sentido de fluxo e materiais de enchimento; e têm construção e operação muito simples.

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21º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental

ABES – Trabalhos Técnicos 1

II-118 – ANÁLISE COMPARATIVA DE FILTROS ANAERÓBIOS COM FLUXOASCENDENTE E FLUXO DESCENDENTE AFOGADO

Cicero Onofre de Andrade Neto (1)

Engenheira Civil Mestre em Engenharia Civil com Concentração em Saneamento, Professorda UFRN, Membro do Grupo Coordenador do PROSAB – Programa de Pesquisa emSaneamento Básico (FINEP/CNPq/CEF);Henio Normando de Souza MeloEngenheiro Químico, Doutor em Engenharia Ambiental, Professor da UFRN, Coordenadordo PROSAB-RNManoel Lucas FilhoEngenheiro Civil, Doutor em Recursos Hídricos, Professor da UFRN, pesquisador do PROSAB-RN.

Endereço(1): Av. Miguel Alcides Araújo, 1893; Natal, RN. CEP: 59078-270. Brasil. Tel: 84 215-3775Ramal 23. Fax: 84 215-3703. E-mail: [email protected]

RESUMO

Filtros anaeróbios são utilizados para tratamento de esgotos pelo menos desde a década de 1950, masconstituem ainda uma tecnologia em franco desenvolvimento. A busca de alternativas para o material deenchimento, que é responsável pela maior parcela dos custos e pelo volume, e o aperfeiçoamento de detalhesconstrutivos, incluindo o sentido do fluxo e a facilidade de remoção do excesso de lodo, são os aspectos quemerecem maior atenção no desenvolvimento tecnológico dos filtros anaeróbios. Os filtros anaeróbios maisusuais têm fluxo ascendente ou descendente. Nos filtros de fluxo ascendente o leito é necessariamentesubmerso (afogado). Os de fluxo descendente podem trabalhar afogados ou não. Aparentemente, os filtros comfluxo descendente afogado assemelham-se funcionalmente aos de fluxo ascendente, com algumas facilidadesoperacionais. Apenas os filtros com fluxo ascendente têm sido significativamente aplicados ao tratamento deesgotos e pesquisados. Pouco se conhece sobre os filtros anaeróbios de fluxo descendente com leito afogado.Este trabalho analisa, comparativamente, o desempenho de dois filtros anaeróbios com volumes iguais, mesmomaterial de enchimento e o mesmo afluente e vazões, mas com sentido de fluxo diferentes, sendo um com fluxoascendente e outro com fluxo descendente afogado. Os filtros funcionam em paralelo, ambos recebendo esgotoproveniente de um grande tanque séptico de câmaras em série, alimentado com esgoto essencialmentedoméstico. Cada filtro tem 4,0 m de comprimento por 0,7 m de largura e profundidade média de 1,2m,construídos em alvenaria de tijolos revestida. A pesquisa desenvolve-se em duas etapas distintas. Cada filtrosrecebeu vazão de 7,5 m3/dia na primeira etapa (17/12/99 a 20/06/00) e 15 m3/dia na segunda (21/06/00 a22/12/00). Em ambas etapas os filtros foram preenchidos com anéis de eletroduto corrugado de plástico(conduíte cortado). Considerando o índice de vazios do material de enchimento (89%), os tempos de detençãohidráulica calculados foram: 9,5 horas na 1ª etapa e 4,8 horas na 2 etapa, em ambos os filtros. Os dois filtrospropiciaram resultados muito bons na remoção de matéria orgânica e sólidos, ambos apresentando valores daordem de 110 mg/L de DQOt e 16 mg/L de SS nos efluentes. Pode-se concluir que um filtro anaeróbio de fluxodescendente afogado pode propiciar eficiência equivalente a de um filtro anaeróbio de fluxo ascendente, com asdemais características operacionais semelhantes.

PALAVRAS-CHAVE: Tratamento de Esgotos, Filtros Anaeróbios, Fluxo Ascendente e Descendente.

INTRODUÇÃO

Filtros anaeróbios são reatores biológicos com fluxo através do lodo aderido e retido em um leito fixo dematerial inerte. Portanto, apresentam as vantagens dos reatores anaeróbios com fluxo através do lodo ativo,inclusive na remoção da matéria orgânica dissolvida. Ademais: podem ser utilizados para esgotos concentradosou diluídos; resistem bem às variações de vazão afluente; perdem pouco dos sólidos biológicos; permitemvárias opções de forma, sentido de fluxo e materiais de enchimento; e têm construção e operação muitosimples.

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As principais limitações dos filtros anaeróbios decorrem do risco de obstrução do leito (entupimento oucolmatação dos interstícios) e do volume relativamente grande devido ao espaço ocupado pelo material inertede enchimento. Embora o custo de um reator dependa mais das dificuldades construtivas e operacionais do quedo volume, o material de enchimento acarreta um custo adicional.

Os riscos de entupimento do meio filtrante aumentam também com a concentração de sólidos suspensos doafluente. Portanto, embora os filtros anaeróbios possam ser utilizados como unidade principal no tratamentodos esgotos, são mais adequados para pós-tratamento.

As finalidades do material de enchimento são: permitir o acúmulo de grande quantidade de biomassa, com oconseqüente aumento do tempo de retenção celular; melhorar o contato entre os constituintes do despejoafluente e os sólidos biológicos contidos no reator; atuar como uma barreira física, evitando que os sólidossejam carreados para fora do sistema de tratamento; e ajudar a promover a uniformização do escoamento noreator. (Campos et all, 1999).

Pode-se dispor de uma grande variedade de materiais para enchimento de filtros anaeróbios. Evidentemente,deve-se preferir materiais: estruturalmente resistentes e suficientemente leves; biológica e quimicamenteinertes; que facilitem a distribuição do fluxo e dificultem a obstrução; tenham preço baixo; e sejam de fácilaquisição. (Campos et all, 1999).

O material mais utilizado para enchimento de filtros anaeróbios no Brasil é a pedra britada Nº 4, que é ummaterial muito pesado e relativamente caro, devido ao custo da classificação granulométrica. Ademais, a britaNo 4 tem um índice de vazios muito baixo, em torno de 50%, com implicações sobre o volume e a capacidadede acumular lodo ativo. Outros materiais já foram estudados e experimentados no enchimento de filtrosanaeróbios no Brasil: gomos de bambu (Couto & Figueiredo, 1993; Nour et all, 2000); escória de alto forno desiderúrgicas (Chernicharo, 1997); vários tipos e granulometria de pedras (Andrade Neto et all, 1999); tijoloscerâmicos vazados comuns e anéis de eletroduto corrugado de plástico (Andrade Neto et all, 2000). Estesestudos têm demonstrado que anéis de eletroduto (conduíte cortado) é um bom material para enchimento defiltros anaeróbios.

Os filtros anaeróbios mais usuais têm fluxo ascendente ou descendente. Nos filtros de fluxo ascendente o leitoé necessariamente submerso (afogado). Os de fluxo descendente podem trabalhar afogados ou não.Aparentemente, os filtros com fluxo descendente afogado assemelham-se funcionalmente aos de fluxoascendente, com algumas facilidades operacionais. Nos filtros afogados a eficiência na bioconversão deve-se àsparticipações do biofilme aderido ao suporte e do lodo acumulado nos interstícios. Os filtros de fluxodescendente não afogado apresentam eficiência relativamente baixa, porque acumulam pouco lodo nosinterstícios e apenas a ação do biofilme é preponderante na bioconversão.

Atualmente há entendimento entre vários autores de que, em filtros anaeróbios com leito submerso (afogado), aestabilização da matéria orgânica deve-se principalmente aos sólidos acumulados nos interstícios do material deenchimento. A capacidade do leito em acumular lodo ativo e distribuir o fluxo dentro do reator parece ser ofator de maior importância. Portanto, há que se atentar para o índice de vazios e a uniformidade do material deenchimento.

A obstrução do leito é um dos principais problemas dos filtros anaeróbios. Este problema é mais freqüentes nosfiltros anaeróbios de fluxo ascendente, contendo pedras e britas. Os filtros preenchidos com peças de plásticoou outros materiais com grande índice de vazios não têm apresentado problemas de entupimento (Chernicharo,1997). Um outro fator que influi no risco de obstrução é a dificuldade de remoção do excesso de lodo. Osfiltros de fluxo descendente apresentam facilidades para remoção do lodo em excesso.

Filtros anaeróbios constituem uma tecnologia ainda em franco desenvolvimento. A busca de alternativas para omaterial de enchimento, que é responsável pela maior parcela dos custos e pelo volume, e o aperfeiçoamento dedetalhes construtivos, incluindo o sentido do fluxo e a facilidade de remoção do excesso de lodo, são osaspectos que merecem maior atenção.

Apenas os filtros com fluxo ascendente têm sido significativamente aplicados ao tratamento de esgotos epesquisados. Pouco se conhece sobre os filtros anaeróbios de fluxo descendente com leito afogado(submersos).

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Este trabalho analisa, comparativamente, o desempenho de dois filtros anaeróbios com volumes iguais, mesmomaterial de enchimento e o mesmo afluente e vazões, mas com sentido de fluxo diferentes, sendo um com fluxoascendente e outro com fluxo descendente afogado.

MATERIAIS E MÉTODOS

Um sistema que associa decanto-digestor e filtros anaeróbios de fluxo ascendente e descendente afogados, emum arranjo compacto, vem sendo aplicado e desenvolvido tecnologicamente no Rio Grande do Norte. Duasunidades desse modelo de sistema, uma em escala real e outra em escala piloto, vêm sendo estudadas naUniversidade Federal do Rio Grande do Norte, no âmbito do PROSAB – Programa de Pesquisa em SaneamentoBásico (FINEP/CNPq/CAIXA).

O sistema é constituído de um tanque séptico prismático retangular, com duas câmaras em série separadas poruma parede janelada, um pequeno filtro de pedras de fluxo ascendente acoplado ao tanque séptico comcomunicação direta, e dois filtros anaeróbios afogados, que ladeiam o tanque séptico.A Figura 1 mostra uma foto do sistema piloto da UFRN e as Figuras 2 e 3 mostram, respectivamente, cortestransversais esquemáticos do tanque séptico com o pequeno filtro acoplado e dos filtros anaeróbios queladeiam o tanque séptico.

Figura 1 – O sistema piloto da UFRN, tanque séptico seguido de filtros anaeróbios

O filtro acoplado ao tanque séptico comunica-se com o mesmo através de um fundo falso, abaixo do qualsitua-se um fundo inclinado. Este fundo inclinado propicia o retorno de lodo ao tanque e evita a colmatação doleito. O objetivo deste pequeno filtro é, principalmente, complementar a retenção de sólidos suspensos,encaminhando para os filtros anaeróbios afogados um esgoto com maior parcela dissolvida.

O efluente do tanque séptico com o pequeno filtro acoplado aflui imediatamente aos filtros que o ladeiam.Nestas unidades os esgotos são distribuídos e coletados através de tubos perfurados, colocados sobre e sob omeio suporte (leito). O objetivo destes filtros é a remoção da matéria orgânica dissolvida, para complementar otratamento, por ação biológica anaeróbia.

No final de cada filtro encontra-se um compartimento que tem várias finalidades: permite a drenagem doexcesso de lodo; dá acesso aos tubos perfurados do fundo do filtro; serve, eventualmente, para tratamentocomplementar; e mantém o filtro afogado. Este compartimento à jusante do filtro objetiva, sobretudo,simplificar a operação. O lodo em excesso é removido automaticamente, através dos tubos perfurados, quando

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se esgota o compartimento a jusante dos filtros, porque isso provoca velocidades de fluxo bastante elevadas nosinterstícios do leito.

Figura 2 - Decanto-digestor com filtro acoplado (adaptado de Campos et all, 1999).

Figura 3 – Filtro anaeróbio afogado (adaptado de Campos et all, 1999).

Os filtros objeto deste trabalho compõem o sistema piloto utilizado em várias etapas de pesquisas na UFRN.Funcionam em paralelo, ambos recebendo esgoto proveniente de um grande tanque séptico de câmaras em série.Cada filtro tem 4,0 m de comprimento por 0,7 m de largura e profundidade média de 1,2m, construídos emalvenaria de tijolos revestida.

A pesquisa a qual se refere este trabalho teve início em dezembro de 1999 e desenvolveu-se em duas etapasdistintas. Em ambas etapas os filtros foram preenchidos com anéis de eletroduto corrugado de plástico(conduíte cortado) e um deles funcionou com fluxo ascendente e o outro com fluxo descendente afogado,nomeados FA e FD, respectivamente.

O sistema foi alimentado com esgoto essencialmente doméstico. Depois de passar pelo tanque séptico a vazãofoi dividida em partes iguais destinadas a cada um dos filtros. A distribuição do afluente no leito dos filtrosbem como a coleta do efluente foram feitas através de tubos perfurados convenientemente posicionados (sob esobre o leito conforme o caso).

A primeira etapa da pesquisa foi desenvolvida no período de 17/12/99 a 20/06/00, com cada filtros recebendovazão de 7,5 m3/dia. Na segunda etapa, desenvolvida no período de 21/06/00 a 22/12/00, cada filtro recebeu avazão de 15 m3/dia. Considerando o índice de vazios do material de enchimento (89%), os tempos de detençãohidráulica calculados, nos filtros, foram: 9,5 horas na 1ª etapa e 4,8 horas na 2ª etapa.

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Os estudos basearam-se na análise de amostras coletadas no efluente do tanque séptico (afluente dos filtros) eno efluente de cada filtro, uma vez por semana na 1a etapa e duas vezes por semana na 2a etapa, sempre às 8:30horas. Os parâmetros analisados foram: Temperatura, pH, Ácidos Graxos Voláteis, Alcalinidade, CarbonoOrgânico Total, DQO Total e Filtrada, Sólidos Totais, Suspensos e Sedimentáveis. As determinações seguirammétodos descritos no Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater – 19ª edição(AWWA/APHA/WEF, 1995), com exceção da análise de AGV que seguiu o Método de Di Lallo & Albertison(1961).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A pesquisa desenvolveu-se em clima quente e com pequenas variações de temperatura. Os valores detemperatura no afluente e nos efluentes dos filtros mantiveram-se sempre muito próximos. Na 1a etapa atemperatura média foi de 29,0ºC e na 2a etapa foi um pouco mais baixa, com médias de 28 ºC tanto no afluentecomo nos efluentes dos filtros. Em todo o período a temperatura mínima (25ºC) ocorreu na 2a etapa e amáxima (30,5ºC) na 1a etapa.

Durante todo o período o pH variou de 6,3 a 7,4 no afluente e de 6,6 a 7,4 nos efluentes dos filtros e de ummodo geral esteve próximo ao neutro.

A alcalinidade de bicarbonato nos efluentes dos filtros manteve-se sempre superior a do afluente. Os valoresmédios nos efluentes foram da ordem de 140 mg/L na 1a etapa e 187 mg/L na 2a etapa. A relação dealcalinidade manteve-se acima de 0,7 em ambos os filtros e nas duas etapas. Isto indica que os filtros estiveramestáveis e poderiam receber maiores cargas de matéria orgânica.

A Tabela 1 mostra os valores médios das concentrações de DQO total, DQO filtrada, Carbono Orgânico Total eSólidos Suspensos, com respectivas porcentagens de remoção, no afluente (EN) e nos efluentes dos filtros (FAe FD), nas duas etapas das pesquisas. Também mostra as porcentagens de remoção de matéria orgânicaconsiderando-se as concentrações da DQO total no afluente e da DQO filtrada no efluente (T/F).

Tabela 1 – Concentrações médias (mg/L) de DQOt, DQOf, COT e SS, com respectivasporcentagens de remoção, nos afluentes e nos efluentes dos filtros, nas duas etapas.

DQOt DQOf T/F COT SSEtapa Ponto

Conc. %Rem. Conc. %Rem. %Rem. Conc. %Rem. Conc. %Rem.

EN 194,5 - 133,0 - - 35,7 - 33 -

FA 124,4 36,1 82,2 38,2 57,9 15,9 55,6 18 45,41FD 112,8 42,0 77,8 41,5 60,0 14,9 58,2 15 55,6

EN 209,8 - 144,5 - - 35,0 - 40 -

FA 108,2 48,4 75,2 48,0 64,2 12,2 65,3 17 57,02FD 108,2 48,4 75,6 47,7 64,0 12,6 64,0 16 60,0

As Figuras 4 e 5 mostram, respectivamente, as concentrações de DQO total e Sólidos Suspensos na entrada(ENT) comum aos filtros e nas saídas (efluentes de FD e FA) dos mesmos. Pode-se perceber que os filtrosabsorvem as variações do afluente propiciando efluentes mais estáveis. Ademais, os gráficos mostram,comparativamente, o comportamento de cada filtro quanto aos parâmetros enfocados, bem como a evolução aolongo do tempo.O afluente apresentou baixos valores de concentração orgânica (DQOt: médias de 195 mg/L na 1a etapa e 210mg/L na 2a etapa) e de sólidos suspensos (médias de 33 mg/L na 1a etapa e 40 mg/L na 2a etapa) pois eraproveniente do tanque séptico, razoavelmente eficiente.

Os filtros apresentaram resultados muito bons na remoção da DQO total e também na da parcela solúvel (DQOfiltrada). Na 1a etapa os efluentes de FA e FD apresentaram, respectivamente, 124 mg/L e 113 mg/L de DQOt e82 mg/L e 78mg/L de DQOf. Na 2a etapa, ambos os filtros apresentaram concentração média de 108 mg/L deDQOt, coincidentemente (ver gráficos), e para a DQOf médias próximas a 75 mg/L. Considerando-se a

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remoção entre a DQOt afluente e a DQOf efluente, na 1a etapa o filtro com fluxo descendente afogadopropiciou 60% e o filtro com fluxo ascendente 58%. Nos resultados da 2a etapa, ambos os filtros propiciaramresultados próximos de 64% na remoção da matéria orgânica, considerando-se DQOt afluente e DQOf efluente.

Os resultados de remoção de carbono orgânico total sobre amostras filtradas confirmaram a boa eficiência deambos os filtros: concentrações médias nos efluentes da ordem de 15 mg/L na 1a etapa e 13 mg/L na 2a etapa.

Figura 4 – Concentrações de DQOt na entrada e nos efluentes dos filtros

Com o acréscimo de carga na 2a etapa (o dobro da vazão) os filtros mantiveram a performance e até mostrarammaior eficiência na remoção de matéria orgânica e de sólidos. Isto confirma a capacidade dos filtros receberemmaior carga e também mostra que, ate certo limite, o aumento da carga e da concentração de lodo no interiordos filtros melhora a eficiência dos mesmos.

O fato do filtro com fluxo descendente afogado ter propiciado melhor eficiência que o filtro com fluxoascendente na 1ª etapa pode ter sido devido a melhores condições de aclimatação, pois o filtro de fluxodescendente já tinha operado com enchimento de conduíte cortado em pesquisas anteriores. Contudo issomerece uma melhor investigação.

DQO TOTAL (mg/L ) - 1 a Etapa

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DQO TOTAL (mg/L ) - 2 a Etapa

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A melhor performance de ambos os filtros na 2ª etapa deve-se certamente ao acúmulo de lodo ativo nosinterstícios, com o passar do tempo.

De qualquer forma, todos os resultados de remoção de matéria orgânica, comparados entre os dois filtros,foram muito próximos, indicando que eles podem propiciar eficiência equivalente, tanto com fluxo ascendentecomo com fluxo descendente afogado.

Figura 5 – Concentrações de Sólidos Suspensos na entrada e nos efluentes dos filtros

Quanto à remoção de sólidos, o melhor desempenho dos filtros relacionou-se com os sólidos suspensos. Asconcentrações de SS nos efluentes de ambos permaneceram bastante baixas e estáveis (ver gráficos) durantetodo o período estudado. As médias das concentrações de SS no efluente do filtro de fluxo descendente afogadoforam melhores que no efluente do filtro com fluxo ascendente, sobretudo na 1a etapa (15 e 18 mg/L,respectivamente), mas a pequena diferença na 2a etapa (16 e 17 mg/L) não permite tirar conclusões definitivas.

Os filtros praticamente removeram todos os sólidos sedimentáveis mas no filtro com fluxo ascendente perdaseventuais de sólidos sedimentáveis foram mais freqüentes, mesmo sendo raras.

S S ( m g / L ) - 1 a E t a p a

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Page 8: 21º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental · enchimento, que é responsável pela maior parcela dos custos e pelo volume, e o aperfeiçoamento de detalhes

21º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental

ABES – Trabalhos Técnicos8

CONCLUSÕES

O conduite cortado mostrou-se uma boa opção para enchimento de filtros anaeróbios: é leve, resistente edurável; propicia enormes facilidades de operação; tem grande área superficial específica e índice de vazios quefacilita a acumulação de grandes quantidades de lodo; apresenta baixo risco de obstrução; e é de fácil aquisiçãoe manejo.

Os filtros propiciaram resultados muito bons na remoção de matéria orgânica e sólidos, apresentando valoresda ordem de 110 mg/L de DQOt e 16 mg/L de SS, nos efluentes.Com o acréscimo de carga na 2a etapa (o dobro da vazão) os filtros mostraram maior eficiência, confirmando acapacidade de ambos suportarem maior carga orgânica.A eficiência na remoção da matéria orgânica foi equivalente nos dois filtros, tanto com fluxo ascendente comocom fluxo descendente afogado.

A remoção de sólidos no filtro de fluxo descendente foi melhor que no filtro com fluxo ascendente mas aspequenas diferenças não permitem tirar conclusões definitivas neste aspecto.Pode-se concluir que um filtro anaeróbio de fluxo descendente afogado pode propiciar eficiência equivalente ade um filtro anaeróbio de fluxo ascendente, com as demais características operacionais semelhantes.Funcionalmente ficaram comprovadas as facilidades de operação do filtro descendente com fluxo afogado paraesgotar parte do lodo em excesso através dos tubos drenantes.

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