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1 Jornal Dá Licença Ano XIX Nº 57 jan/fev 2014 ISSN 2236-899X Ano XIX - Nº 57 jan/fev 2014 rnal J Em 1943, o jovem prefeito de Itaocara, Carlos Moacyr de Faria Souto, 29 anos, mandou construir um monumento que homenageasse a “Rainha das Ciências”. Foi até o Rio de Janeiro e fez a encomenda a um dos maiores expoentes em matemáca da época: o professor Júlio César de Mello e Souza, conhecido por Malba Tahan, da Escola Nacional de Belas Artes da Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Malba Tahan promoveu um concurso para a escolha do melhor projeto, entre seus alunos acadêmicos de arquitetura e o prêmio oferecido pela Prefeitura de Itaocara foi a quana de quinhentos mil réis. O vencedor foi Godofredo Formen e o construtor, Italarico Alves, morador de Itaocara. O monumento é feito em pedra polida, possui 3 metros de altura e tem formato ponagudo. É constuído por duas pirâmides hexagonais entrelaçadas. Elas simbolizam a integração entre as civilizações orientais que floresceram no Vale do Rio Nilo - fenícios, caldeus, persas, hebreus, árabes e chineses - e os povos modernos. PRAÇA DA MATEMÁTICA: O ÚNICO MONUMENTO CONSTRUÍDO EM HOMENAGEM À CIÊNCIA MATEMÁTICA EM TODO O MUNDO Dá Licença *versão virtual exclusiva - esta edição não possui versão impressa Uma das singularidades da cidade de Itaocara - RJ é a existência do único monumento construído em homenagem à ciência Matemática em todo o mundo. A Praça da Matemática, localizada no centro da cidade, é motivo de orgulho para os itaocarenses, e revela que a cidade é realmente diferenciada no que se refere à cultura e as artes. Nenhum outro município no mundo destacou em sua paisagem urbana uma praça e um monumento para ressaltar a importância desta ciência. Pode parecer indecifrável inicialmente, sobretudo para os que não dominam a matemáca, seus conceitos e suas fórmulas. Mas a beleza da obra, esta sim, é percebida e admirada por todos. E a matemáca, com seus principais estudiosos, formas e fórmulas, está ali, em cada detalhe, onipresente, como onipresente é na vida do ser humano. Todo o monumento é coberto por figuras geométricas, fórmulas matemácas e por nomes de matemácos famosos. Dr. Carlinhos, 94 anos em 20 de fevereiro de 2008 Prof. Malba Tahan fotos em 1961, com autoridades locais Praça da Matemática - Centro de Itaocara, RJ

2236-899 Ano XIX - Nº 57 jan/fev 2014 - app.uff.br · na COPPE/UFRJ. Minha linha de Pesquisa foi a Pesquisa Operacional (PO). A Pesquisa Operacional é “uma ciência aplicada voltada

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1Jornal Dá Licença • Ano XIX Nº 57 • jan/fev 2014

ISSN 2236-899XAno XIX - Nº 57jan/fev 2014

rnalJ

Em 1943, o jovem prefeito de Itaocara, Carlos Moacyr de Faria Souto, 29 anos, mandou construir um monumento que homenageasse a “Rainha das Ciências”.

Foi até o Rio de Janeiro e fez a encomenda a um dos maiores expoentes em matemática da época: o professor Júlio César de Mello e Souza, conhecido por Malba Tahan, da Escola Nacional de Belas Artes da Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Malba Tahan promoveu um concurso para a escolha do melhor projeto, entre seus alunos acadêmicos de arquitetura e o prêmio oferecido pela Prefeitura de Itaocara foi a quantia de quinhentos mil réis. O vencedor foi Godofredo Formenti e o construtor, Italarico Alves, morador de Itaocara.

O monumento é feito em pedra polida, possui 3 metros de altura e tem formato pontiagudo. É constituído por duas pirâmides hexagonais entrelaçadas. Elas simbolizam a integração entre as civilizações orientais que floresceram no Vale do Rio Nilo - fenícios, caldeus, persas, hebreus, árabes e chineses - e os povos modernos.

PRAÇA DA MATEMÁTICA: O ÚNICO MONUMENTO CONSTRUÍDO EM HOMENAGEM À CIÊNCIA MATEMÁTICA EM TODO O MUNDO

Dá Licença*versão virtual exclusiva - esta edição não possui versão impressa

Uma das singularidades da cidade de Itaocara - RJ é a existência do único monumento construído em homenagem à ciência Matemática em todo o mundo. A Praça da Matemática, localizada no centro da cidade, é motivo de orgulho para os itaocarenses, e revela que a cidade é realmente diferenciada no que se refere à cultura e as artes. Nenhum outro município no mundo destacou em sua paisagem urbana uma praça e um monumento para ressaltar a importância desta ciência.

Pode parecer indecifrável inicialmente, sobretudo para os que não dominam a matemática, seus conceitos e suas fórmulas. Mas a beleza da obra, esta sim, é percebida e admirada por todos. E a matemática, com seus principais estudiosos, formas e fórmulas, está ali, em cada detalhe, onipresente, como onipresente é na vida do ser humano. Todo o monumento é coberto por figuras geométricas, fórmulas matemáticas e por nomes de matemáticos famosos.

Dr. Carlinhos, 94 anos em 20 de fevereiro de 2008 Prof. Malba Tahan

fotos em 1961, com autoridades locais

Praça da Matemática - Centro de Itaocara, RJ

Jornal Dá Licença • Ano XIX Nº 57 • jan/fev 2014 2

PorondeAndam...

Rodrigo Lopes Sant’Anna

Olá meus amigos,

É com grande satisfação que lhes escrevo sobre minha

experiência desde o ingresso na graduação

em matemática da UFF.

Minha história nesta universidade começou em 2004

quando ingressei no curso de matemática.

Meu objetivo era fazer o bacharelado e

seguir meus estudos na vida acadêmica, mas não me

importava com a questão profissional fora da universidade até chegar no 4° período do curso. Neste momento comecei a me questionar sobre o rumo que eu estava seguindo e comecei a pensar sobre a questão profissional. Decidi, então, concluir a licenciatura para me garantir uma profissão, uma vez que é raro emprego para bacharel em matemática.

A universidade me proporcionou diversas experiências fora da vida acadêmica, como, por exemplo, a oportunidade de fazer parte do diretório acadêmico em 2006 e 2007.

Como presidente do diretório acadêmico em 2007 conseguimos um ônibus para levar, pela 1ª vez, os alunos para o EREMAT-Sul na cidade de Pelotas/RS. Além disso, organizamos o II EREMAT-Rio, realizado em Niterói na UFF. Também, no ano de 2007, consegui uma bolsa de iniciação científica que ampliou minha visão e formação acadêmica. Estas e outras experiências contribuíram na minha formação.

No ano de 2008, me formei e iniciei o mestrado em informática na UFRJ, na área de otimização. No entanto, eu deslumbrava a possibilidade de ir pra COPPE e, então, em 2009, iniciei o mestrado em Engenharia de Produção na COPPE/UFRJ. Minha linha de Pesquisa foi a Pesquisa Operacional (PO).

A Pesquisa Operacional é “uma ciência aplicada voltada para a resolução de problemas reais envolvendo situações

de tomada de decisão, através de modelos matemáticos habitualmente processados computacionalmente”. Há diversas áreas de aplicação desta ciência passando pela economia, engenharias, medicina, educação, militar, petróleo e gás, meio ambiente, dentre outras áreas da atividade humana. Eu escolhi por utilizar modelos de PO para avaliar a eficiência das gestões públicas municipais do estado do Rio de Janeiro em relação à educação pública. A vivência neste mestrado ampliou bastante minha visão sobre as outras áreas de estudo, inclusive sobre áreas qualitativas e sociais.

Meu primeiro contato com uma sala de aula foi no 2° semestre de 2009 quando trabalhei como professor substituto da UFRRJ. Foi um grande desafio e uma incrível experiência profissional. Já em 2010, comecei minha segunda graduação, em estatística.

Minha experiência na educação básica começou em 2011 quando prestei alguns concursos e comecei a trabalhar na Prefeitura de Mesquita e Governo do Estado. Eu tinha a preocupação de continuar com os estudos e não ter nenhuma profissão concreta, pois me desanimava a ideia de “viver de bolsas de estudo”. Além disso, também desejava me dedicar à graduação em estatística antes de começar o doutorado. Terminei o mestrado no início de 2012, mas havia aceitado uma boa proposta de emprego em uma escola católica e acabei por trancar a faculdade.

Apesar destas escolhas, eu sentia que ainda não era o que eu queria. Apesar de gostar muito da área acadêmica, não a vejo valorizada em nosso país. Então, decidi estudar pra concurso público na área fiscal, pois há uma boa valorização desta área e por ter disciplinas das exatas. Com isso, me demiti da escola particular, recusei outros empregos, mantive a graduação trancada e decidi apenas estudar para concurso, continuando com as duas matrículas públicas.

A vida de concurseiro não é fácil, precisa se abdicar um pouco da vida social e estudar bastante, principalmente, áreas bem diferentes. Eu, por exemplo, tenho que estudar direito (vários), contabilidade, matemática, estatística, economia, informática, administração etc. Todo esse estudo é interessante e tenho que aprender matérias que jamais imaginei.

Muitos dizem que estudar direito é chato ou que é difícil, mas pra quem fez matemática não tem como achar essas outras matérias difíceis, pelo contrário, acho que a matemática até ajuda nas disciplinas como contabilidade e, até mesmo, o direito. No entanto, são anos de estudo até conseguir passar em um concurso deste nível e me encontro nesta maratona atualmente. Ainda há muito

O conselho que dou para os estudantes de matemática é poder abrir o leque de opções e ampliar os horizontes. Há várias opções de concursos e na área fiscal, sem dúvidas, o pessoal das exatas leva vantagem.

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O monumento está perfeitamente conservado, tendo passado por diversas reformas ao longo dos anos, e pode ser apreciado pelos moradores e por visitantes a qualquer hora.

Tem tanta importância para a região que o Prof. Augusto Cesar Aguiar Pimentel publicou uma dissertação de mestrado, sob orientação do Prof. Dr. Ubiratan D’Ambrosio, um dos maiores matemáticos da atualidade, intitulado “PRAÇA DA MATEMÁTICA: As faces da história na construção de um monumento”* de leitura muito agradável, contendo muitas informações e curiosidades sobre o monumento e sobre a história da matemática. Vale a pena conferir!

*Disponível em PDF no link:http://www.malbatahan.com.br/artigos/tese_augustro_pimentel.pdf

Fontes: http://proffernando.no.comunidades.net/

http://noticiasitaocara.webnode.com.br/itaocara/ m

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Dr. Carlos Moacyr de Faria Souto, carinhosamente denominado Dr. Carlinhos, 94 anos ,

e o Prof. Augusto Pimentel (Pimenta) na Praça da Matemática em 20 de fevereiro de 2008

que aprender/estudar, por outro lado, tenho tentado alguns outros concursos cujas matérias não sejam muito diferentes. Desejo retomar minha vida acadêmica com o doutorado, mas apenas depois que conseguir um bom emprego público.

O conselho que dou para os estudantes de matemática é poder abrir o leque de opções e ampliar os horizontes. Há várias opções de concursos e na área fiscal, sem dúvidas, o pessoal das exatas leva vantagem. m

PorondeAndam...

PRAÇA DA MATEMÁTICA: O ÚNICO MONUMENTO EM TODO O MUNDO

DESAFIO ESPECIAL:

Onde está?

Uma mãe é 21 anos mais velha que o filho. Daqui a 6 anos a mãe terá uma idade 5 vezes maior que o filho. Pergunta: Onde está o pai agora?

fonte: http://www.matematiques.com.br(Resposta no final desta edição.

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Falando Sério...O ano era 1989. Meu grande amigo André Mendonça chegou em minha casa para a comemoração dos meus 21 anos trazendo-me um presente, mais precisamente um livro, como lhe era de costume! Naquele final de março, chegava em minha vida “A Experiência Matemática” de Phillip Davis e Reuben Hersh.

Na época, o hábito da leitura me era mais frequente sobre os textos técnicos de Matemática. Na década de 80 vivia forte o discurso favorável à classificação e separação das Ciências em categorias disjuntas: Ciências Exatas,Ciências Humanas, etc. De um aluno da área de CiênciasExatas era tomado por certo o horror à História e à Língua.

De um aluno da área de Ciências Humanas, por sua vez, seesperava o horror à matemática e o desapego ou inabilidadepara cálculos. Era assim em minha escola, deveria ser assim na vida, pensei. Não apenas eu, mas muitos alunos que gostavam de matemática assumiram este discurso e não se permitiram envolver-se com leituras e discussões mais complexas sobre Literatura, História, Psicologia e Filosofia. Tal erro me custou conhecer João Cabral de Melo Neto apenas com 30 anos de idade. Apenas consegui ler “A Experiência Matemática” nas férias de julho. O tal livro mudou a minha vida. O segundo semestre de 1989 foi o meu inverno nuclear.

Quase 20 anos depois, tive a oportunidade de estar com o Prof Reuben Hersh aqui no Brasil, quando ele participou do Encontro Comemorativo da célebre “CFL condition”, estabelecida em um famoso paper do Courant, Friedrichs e Lewy. Conversamos bastante sobre a Filosofia da Matemática e sobre a escola húngara de matemática.

Pouco antes da chegada do professor Hersh ao Rio de Janeiro, eu fiz uma entrevista com ele por email, para o deleite dos leitores do Jornal Dá Licença. Em uma próxima oportunidade estarei escrevendo um texto sobre as conversas que tivemos naquela bela semana de sol, aos pésdo Pão de Açúcar.

Um abraço.Carlos Mathias

Na presente edição, pensamos em ‘reviver’ uma entrevista muito bacana que o prof Mathias fez com o prof Reuben Hersh no número 43:

Carlos Mathias (CM): Caro Professor Reuben Hersh, é uma grande honra tê-lo como nosso convidado. Muito obrigado por compartilhar o seu tempo e as suas idéias com o Dá Licença e com a Universidade Federal Fluminense (UFF).Não só no Brasil, mas em todo o mundo, o seu trabalho com o Prof Philip Davis em “A Experiência Matemática” e “O Sonho de Descartes: O Mundo Segundo a Matemática” em muito se destaca na filosofia contemporânea da matemática.Até muito recentemente, eu não sabia que, além de ter um Ph.D. na área de Equações Diferenciais Parciais (NYU, 1962), sob orientação de Peter Lax, você também é Bacharel em Literatura Inglesa (Harvard, 1946). Você acha que o seu trabalho dentro da Filosofia da Matemática pode ser considerado um resultado natural de sua formação mista?

Reuben Hersh (RH): Meu envolvimento com a filosofia da matemática veio diretamente do meu envolvimento com o ensino. Depois de ter lecionado todas as disciplinasoferecidas pelo meu departamento, eu decidi tentar trabalhar com uma que estava na grade curricular, mas que nunca havia sido lecionada. A disciplina chamava-se “Fundamentos da Matemática”. Eu esperava fazer o mesmo de sempre: escolher um livro decente e segui-lo, mantendo-me um capítulo à frente dos alunos. Mas eu encontrei uma situação muito desconfortável. Todos os livros sobre os fundamentos da matemática fazem a mesma coisa: eles explicam três idéias: Platonismo (geralmente a variedade especial chamada Logicismo), o Formalismo e Intuicionismo no sentido de Brouwer. No entanto, eu achei que todas essas idéias eram absurdas. O Platonismo não faz sentido se você não é religioso, não há uma Eterna, Imutável e separada realidade imaterial e inumana, só existe um Universo. O Formalismo é uma mentira descabida, a matemática não é sobre fórmulas, é sobre idéias, conceitos. Em outras palavras, não é mera sintaxe, ela tem significado. O Intuicionismo tem algum apelo, mas não há nenhuma

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boa razão para rejeitar a prova por contradição, que é o principal ponto onde Brouwer e seu seguidor americano Errett Bishop insistiram. Assim, atuei em uma disciplina onde eu discordava de tudo no livro, mas que, ao mesmo tempo, não tinha uma resposta própria para a pergunta: o que é matemática? A partir de então, senti-me compelido, pelo menos, a descobrir o que eu mesmo pensava. A descoberta da obra de Lakatos “Provas e Refutações” e do ensaio de White sobre a realidade matemática me foi muito útil. A importância da minha formação universitária foi tornar-me um escritor de textos expositivos bastante competente, assim, quando decidi parar de atuar em pesquisa (na área de EDP´s), pude me ocupar bem como escritor.

CM: Reuben, em 1997, você escreveu o livro “O que é Matemática, realmente?” (What is Mathematics, really?, Oxford University Press). Eu acredito que este livro estabeleceu um novo caminho para aqueles que, como eu, tiveram suas convicções fortemente abaladas pela obra “A Experiência Matemática”. Nele você apresenta a Filosofia Humanista, que é uma direção totalmente nova, longe da artificialidade da redução formalista da matemática à abstração axiomática e também do ponto de vista conservador platônico, que excluem as nossas contribuições. Um matemático não deveria sentir-se apenas como um jogador de pôquer ou um fantoche servindo os “acasos da verdade”. O Formalismo e o Platonismo existem e co-existem em nossas escolas e universidades. Nossos alunos não percebem como essas duas perspectivas se relacionam com o ensino e a aprendizagem da matemática, eles não têm espaço em seus cursos para pensar sobre isso.

Por exemplo, a maioria dos estudantes que terminam os seus primeiros cursos de Análise Real vê e acredita (sem saber) que a “matemática pura” é um eco distante e sem história do que aconteceu entre 1820 e 1920, na França e na Alemanha. Creio que um dos principais desafios da Educação Matemática é estimular os alunos e professores a refletirem mais amplamente sobre o que é a Matemática e, também, sobre os seus diversos aspectos sociais, históricos e culturais. Você poderia falar sobre a Filosofia Humanista da Matemática e como a mesma se relaciona com Educação Matemática?

RH: Eu senti a urgência de encontrar um rótulo para o que fazia. Eu fui chamado de socioconstrutivista, que é um bom termo, mas que não achei muito atraente. Posteriormente, eu aprendi sobre o termo naturalismo na filosofia e acredito que sou um naturalista, mas o termo parece também incluir outros pensadores como Quine e Maddy, que eu não considero estarem pensando no mesmo caminho que eu. Eu, uma vez, propus o termo socioconceitualismo, mas este nunca decolou. O termo “Humanista” veio para mim, porque eu estava envolvido na rede de Matemática Humanística de Alvin White. Para Alvin, humanismo significa duas coisas: ensinar com o foco no aluno e procurar ligar a matemática às disciplinas humanísticas, como história, filosofia, sociologia, etc. Eu me denominei um humanista, porque eu vejo matemática em primeiro lugar e acima de tudo como uma atividade humana, algo que as pessoas fazem, que só pode ser compreendida à luz da história humana, da psicologia e da sociedade. Recentemente tomei conhecimento (como eu espero explicar no Rio de Janeiro) que o pragmatismo de John Dewey é um ponto de vista filosófico geral que facilmente se ajusta com a minha visão da natureza da matemática. (Por alguma razão, pragmáticos, até agora não se interessaram muito pela filosofia da matemática, e os filósofos da matemática têm ignorado totalmente o pragmatismo).

CM: Reuben, o conceito de número (real) tem sido revisitado várias vezes por diferentes filósofos desde o século XIX. Você poderia nos mostrar como a perspectiva humanistadesse o conceito é diferente da platônica e da formalista?

RH: O sistema de número real, tal como o resto da matemática, é um conceito ou sistema de conceitos, criados pelos matemáticos, e compartilhados por eles e seus alunos. É o nosso melhor esforço para tornar precisa a noção prématemática (ou intuitiva) do Contínuo. Essa idéia é sugerida pela nossa experiência sensorial do mundo físico, e pelo movimento dos nossos membros e corpos no espaço.

Embora o mundo físico tenha existido antes de nós, e continuará a existir depois de nossa extinção, o sistema dos números reais desaparecerá junto conosco e o resto da matemática. A indecidibilidade da hipótese do contínuo

(...)Eu me denominei um humanista, porque eu vejo matemática em primeiro lugar e acima de tudo como uma atividade humana, algo que as pessoas fazem, que só pode ser compreendida à luz da história humana, da psicologia e da sociedade.

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(com base no conjunto de axiomas que aceitamos da teoria dos conjuntos) é prova de que a continuidade é nosso artefato, em vez de uma realidade externa.

CM: Como a Filosofia Humanista de Matemática vem se desenvolvendo ao redor do mundo? Se os nossos alunos se interessarem em aprender mais sobre ela, quais deverão ser os seus primeiros passos?

RH: Acho que está indo bem na Europa. Por exemplo, eu sou um dos palestrantes convidados para um Encontro em Roma, que ocorrerá em junho, intitulado Conhecimento e Lógica. Um dos organizadores é de Carlo Cellucci, você deve ler a contribuição dele para a minha antologia “18 Ensaios Não-Convencionais sobre a Natureza da Matemática” (18 Unconventional Essays on the Nature of Mathematics, Springer). No passado, fui convidado para palestras em Bruxelas, em Pavia, Ticino, na Suíça, e Oberwolfach. No entanto, no mundo anglófono sou lido por educadores matemáticos e matemáticos, mas ignorado pelos filósofos. Não é de se estranhar, eles ignoraram o trabalho de Lakatos em matemática há décadas. Eles ignoraram Polanyi. A Filosofia acadêmica dos EUA, Inglaterra, etc se reduz a uma pequena comunidade que se agrega em torno do fascínio mútuo. Para os alunos, eu recomendaria conhecerem Lakatos, Byers, Lakoff / Nunez, Branco, Ruelle, Poincaré, Polya, Hadamard. Os matemáticos escreveram bons textos sobre a (filosofia da) matemática, ainda que os filósofos tenham escolhido ignorá-los.

CM: Em meados dos anos 80, ouvimos pela primeira vez, o termo Etnomatemática. O trabalho de Ubiratan D’ Ambrosio, Marcia Asher, entre outros, também propõem a matemática como construção sociocultural.

Gostaríamos de seus comentários sobre a relação entre a Etnomatemática e a Filosofia Humanística da Matemática.

RH: A Etnomatemática é interessante e importante. A consideração da matemática de vendedores ambulantes e de povos pré-letrados corrobora a percepção da matemática como um aspecto natural e universal da humanidade, tão natural e universal como a música, como contar histórias, como cozinhar ou cantar.

CM: Você e Vera John-Steiner escreveram um novo livro, eu estou ansioso para tê-lo em mãos! Você poderia nos adiantar o que o livro aborda?

RH: O título é Amar e Odiar Matemática, é sobre os lados emocional, social e político da vida matemática, incluindo a infância e a educação dos matemáticos, a cultura matemática, as amizades matemáticas, comunidades de matemáticos, matemáticos na terceira idade, as mulheres na matemática, questões e controvérsias sobre a educação matemática, matemática como um vício perigoso, a matemática como um consolo e refúgio do sofrimento, etc, etc.

CM: Professor Hersh, foi uma honra recebê-lo. Espero que esta entrevista motive nossos alunos a pensarem sobre a matemática e sobre a profissão que escolheram. Espero que suas palavras causem neles o mesmo impacto que causaram em mim, em 1986. Obrigado.

RH: De nada. Estou ansioso para saber sobre o seu trabalho e sua vida. m

Prof. Carlos Mathias e Prof. Reuben Hersh

7Jornal Dá Licença • Ano XIX Nº 57 • jan/fev 2014

LivroseLeiturasINTERDISCIPLINARIDADE E APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA EM SALA DE AULA

Maria Manuela M. S. David, Vanessa Sena Tomaz

Como lidar com a interdisciplinaridade no ensino da Matemática? De que forma o professor pode criar um ambiente favorável que o ajude a perceber o que e como seus alunos aprendem? Essas são algumas das questões elucidadas pelas autoras neste livro, voltado não só para os envolvidos com Educação Matemática como também para os que se interessam por educação em geral. Isso porque um dos benefícios deste trabalho é a compreensão de que a Matemática está sendo chamada a engajar-se na crescente preocupação com a formação integral do aluno como cidadão, o que chama a atenção para a necessidade de tratar o ensino da disciplina levando-se em conta a complexidade do contexto social e a riqueza da visão interdisciplinar na relação entre ensino e aprendizagem, sem deixar de lado os desafios e as dificuldades dessa prática.

Para enriquecer a leitura, as autoras apresentam algumas situações ocorridas em sala de aula que mostram diferentes abordagens interdisciplinares dos conteúdos escolares e oferecem elementos para que os professores e os formadores de professores criem formas cada vez mais produtivas de se ensinar

e inserir a compreensão matemática na vida do aluno.

Páginas: 144 • Formato: 14 x 21 cm • Acabamento: brochura • ISBN: 9788575263532 • Código: 10206 • Área temática: Educação Matemática • Autêntica Editora • Edição: 1 • Coleções: Tendências em educação matemática • Coordenadores da Coleção Marcelo de Carvalho Borba • Palavras-chave: Interdisciplinaridade, educação matemática, aprendizagem em sala de aula, teoria da atividade, aprendizagem situada

DA ETNOMATEMÁTICA A ARTE-DESIGN E MATRIZES CÍCLICAS

Paulus Gerdes

Neste livro o leitor encontra uma cuidadosa discussão e diversos exemplos de como a matemática se relaciona com outras atividades humanas. Para o leitor que ainda não conhece o trabalho de Paulus Gerdes, esta publicação sintetiza uma parte considerável da obra desenvolvida pelo autor ao longo dos últimos 30 anos. E para quem já conhece as pesquisas de Paulus, aqui são abordados novos tópicos, em especial as matrizes cíclicas, ideia que supera não só a noção de que a matemática é independente de contexto e deve ser pensada como o símbolo da pureza, mas também quebra, dentro da própria matemática, barreiras entre áreas que muitas vezes são vistas de modo estanque em disciplinas da graduação em matemática ou do ensino médio.

Páginas: 184 • Formato: 14 x 21 cm • Acabamento: brochura • ISBN: 9788575264775 • Código: 10528 • Área temática: Educação Matemática • Autêntica Editora • Edição: 1 • Coleções: Tendências em educação matemática • Coordenadores da Coleção Marcelo de Carvalho Borba

Autêntica Editora

Área temática: Educação Matemática • http://grupoautentica.com.br/autentica/area-40

Jornal Dá Licença • Ano XIX Nº 57 • jan/fev 2014 8

Brenno Silva Mattos

O mundo é repleto de pessoas que pensam diferente uma das outras, o que o torna um lugar interessante. Mas há, também, aqueles que partilham das mesmas, ou similares, ideias. Este é meu ponto de vista, um pouco de minha própria experiência na graduação em Matemática–Licenciatura.

Entrei para a UFF no primeiro semestre de 2008. Foi certamente uma experiência extraordinária. Minha primeira aula durante o curso foi algo que me chocou bastante. Quando terminou, eu saí de lá me perguntando: “Como pode em uma aula de matemática de 2 horas, e com tanta coisa escrita no quadro, eu não ter visto nenhum número, nenhuma soma ou multiplicação?”.

Cheguei a me perguntar, como provavelmente mais de 80% de todos os calouros de cada ano, se aquele era realmente o meu lugar. Eu sabia que precisava mudar de atitudes em relação à maneira como estudar. Durante o colégio, sempre tive facilidade para a matemática, e, por essa razão, nunca tive que pegar um livro ou caderno e nem levar tão a sério os estudos. Mas, minha primeira nota retratou bem o reflexo da minha negligência. Esse fato me afetou bastante, e de maneira bem negativa. Estava desestimulado a continuar, mas não queria desistir, afinal foi uma luta para conseguir ingressar no ensino superior. Porém a história mudou. Cheguei a criar a frase: “Eu achava que sabia matemática, até entrar para a Faculdade de Matemática”.

Apesar de, naquele momento, não ser uma pessoa muito sociável, eu participava de alguns eventos entre veteranos e calouros. Foi numa partida de futebol que um dos veteranos me disse algo que só fez crescer vontade de continuar: “(...) e você é um dos que vai desistir também”. Nunca soube o nome dele, nem se ele concluiu o curso. Tomei aquelas palavras como um desafio. Eu queria mais do que tudo provar que ele estava errado.

Peguei todo o material necessário e comecei a estudar, sozinho e isolado. Passava horas na biblioteca central do Gragoatá, longe de meus colegas calouros e gente conhecida. Sempre de segunda a sexta das 14h às 18h.

No fim do período consegui ser aprovado em todas as matérias. Eu sabia que tinha mudado minha atitude, mas não foi o suficiente. Essa atitude requereu muito das minhas capacidades mentais, físicas e emocionais.

DicasdeVeterano

E novamente o sentimento de desolação me assolava por completo.

No primeiro período eu me afastei das pessoas, pois elas me distraiam e eu não conseguia me concentrar para estudar. Não importava o que fizessem, seja expondo suas ideias para a resolução de um exercício ou conversando sobre outras coisas, sempre me parecia muito mais interessante ouvi-los. Mas no segundo período eu percebi que precisava daquilo, e comecei a me aproximar mais das pessoas, principalmente de meus colegas calouros. Meu rendimento se manteve, entretanto estava mais calmo, pois estava fazendo novas amizades, e, consequentemente, descobrindo que havia pessoas em situações parecidas com a minha.

A partir desse momento, eu passei a me tornar o que eu era antigamente, na época do colégio: Um aluno questionador. Certamente não é uma atitude que funciona com todos os professores, mas me ajudou bastante. Alguns colegas chegavam a ficar irritados com as minhas perguntas, mas deixe-me dizer que existem pelo menos dois tipos de perguntas e na própria entonação e a forma como é construída percebe-se o tipo de pergunta: a pergunta de quem não sabe nada e a pergunta de alguém que realmente tem dúvida.

Nunca deixe de perguntar, mesmo que seja para ter certeza de suas conclusões para determinado assunto, mas antes de fazê-lo, pense um pouco, estude e, se mesmo assim a resposta não vier naturalmente, aí sim pergunte. E tenha amigos e/ou colegas. Engana-se aquele que pensa que pode resolver tudo sem a ajuda de ninguém.

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9Jornal Dá Licença • Ano XIX Nº 57 • jan/fev 2014

Esse relato é mais uma forma de mostrar como venho sobrevivendo ao Ensino Superior e não como tem ido meu desempenho.

E para finalizar gostaria de citar algumas frases proferidas por alguns professores. Frases não necessariamente inspiradoras, mas que, de certa forma, me afetaram:

“Nunca acredite em nada do que ouve, e em apenas cinquenta por cento do que vê.”

“A Lógica não nos protege de tudo.”

“Nada é óbvio.”

“No limite, tudo pode acontecer.”

“Isto nada mais é do que uma maneira extremamente complicada de se escrever o número 1”

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CENTRO DE APOIO À EXTENSÃOPRÓ-REITORIA DE EXTENSÃO

Coordenador: Prof. Carlos Mathias Mota (GMA)

Vice-coordenadora: Profª Márcia Martins (GAN)

Docentes Participantes:

Profª Dirce Uesu (GGM)

Prof. Jones Colombo (GAN)

Profª Luciana Pena (GMA)

Prof. Paulo Trales (GAN)

Prof. Wanderley Moura Rezende (GMA)

Discentes Participantes:

Natasha Cardoso Dias

Rodrigo Viana Pereira

Inês Diniz

Tamires Pereira

Programação Visual e Editoração Eletrônica:

Valéria Magalhães Dias (CEAEX)

Homenagem (in memoriam): Profª Valéria Zuma

Contato: [email protected]

Nunca deixe de perguntar, mesmo que seja para ter certeza de suas conclusões para determinado assunto, mas antes de fazê-lo, pense um pouco, estude e, se mesmo assim a resposta não vier naturalmente, aí sim pergunte.E tenha amigos e/ou colegas. Engana-se aquele que pensa que pode resolver tudo sem a ajuda de ninguém.

Nosso site: www.uff.br/dalicenca

RESPOSTA DO DESAFIO ESPECIAL:Analisando Hoje : Adotamos a idade da mãe como sendo = Y anos. Adotamos a idade do menino como sendo = X anos.Portanto, como a mãe é 21 anos mais velha, temos: Y = X + 21

Daqui a 6 anos, ou seja: ( Y + 6 ) e ( X + 6 )

Daqui a 6 anos a mãe terá idade 5 vezes maior que a do filho, ou seja: Y + 6 = 5 ( X + 6 )

Resolvendo a equação, temos: Y + 6 = 5 X + 30 Y = 5X + 24

Se substituirmos o valor acima de Y na primeira equação (Y = X+ 21),teremos: 5X + 24 = X + 21 5X - 1X = 21 - 24 Logo: 4X = -3

X = - 3/4

O menino tem hoje -3/4 anos, ou seja, - 9 meses (menos nove meses!!).

Resposta: Neste exato momento os pais estão estabelecendo uma bela estratégia para trazer ao mundo o filho....KKKKKKKKKKKK

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