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THEORI E S O F COU N SELING A ND P S Y C H OTHE R A P Y (tradução) C. H. Patterson - Harper & Row Publishers, USA, 1973. INT R ODU Ç Ã O Os termos ‘aconselhamento’ e ‘psicoterapia’ aparecem juntos no título deste livro porque parece impossível estabelecer uma distinção clara entre eles. Se especialistas dessas áreas fossem solicitados a listar as teorias essenciais às suas práticas, provavelmente teríamos listas bastante semelhantes. A dificuldade em decidir se as teorias são de aconselhamento ou de psicoterapia evidencia a ausência de diferenças precisas e significativas entre elas. De fato, a posição deste autor é que não diferenças importantes entre aconselhamento e psicoterapia. 1 É esperado que tanto os estudantes de cursos sobre aconselhamento quanto os de cursos sobre psicoterapia estejam familiarizados com a maioria das teorias incluídas neste volume. A dificuldade (ou mesmo impossibilidade) de separar o aconselhamento da psicoterapia fica clara quando consideramos as definições oferecidas por diferentes autores para cada um dos termos. As definições de aconselhamento seriam, na maioria dos casos, aceitas como definições de psicoterapia, e vice versa. Parece haver concordância quanto ao fato de que tanto aconselhamento quanto psicoterapia são processos que envolvem um tipo especial de relação entre uma pessoa que pede ajuda com um problema psicológico (o cliente ou paciente) e uma pessoa preparada para prover a ajuda (o conselheiro ou terapeuta). A natureza do relacionamento é bastante similar, se não idêntica, seja no aconselhamento ou na psicoterapia. O processo que ocorre parece também não diferir de um para o outro, nem parece haver qualquer distinção entre aconselhamento e psicoterapia no que diz respeito às técnicas utilizadas. Quando são considerados seus objetivos, porém, algumas diferenças podem aparecer. Os objetivos do aconselhamento foram identificados pelo Comitê de Definição, Divisão de Aconselhamento Psicológico da Associação Americana de Psicologia, como sendo “ajudar indivíduos na superação dos obstáculos ao seu crescimento pessoal, onde quer que eles se encontrem, e na obtenção de um desenvolvimento ótimo dos seus recursos pessoais” 2 . A maioria dos psicoterapeutas aceitaria esta mesma definição para os objetivos da psicoterapia. Tyler, na tentativa de distinguir aconselhamento e psicoterapia, afirma que não é [grifo do autor] tarefa dos conselheiros “tratar prejuízos físicos ou mentais ou livrar de limitações” 3 , pois presume-se que esta seja a tarefa do terapeuta. No entanto, esta afirmação parece estar em desacordo com a do Comitê,

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THEORIE S O F COUNSELING AND P SYCH OTHER AP Y (tradução)

C. H. Patterson - Harper & Row Publishers, USA, 1973.

INTRODUÇ ÃO

Os termos ‘aconselhamento’ e ‘psicoterapia’ aparecem juntos no título deste livro porque parece impossível estabelecer uma distinção clara entre eles. Se especialistas dessas áreas fossem solicitados a listar as teorias essenciais às suas práticas, provavelmente teríamos listas bastante semelhantes. A dificuldade em decidir se as teorias são de aconselhamento ou de psicoterapia evidencia a ausência de diferenças precisas e significativas entre elas. De fato, a posição deste autor é que não há diferenças importantes entre aconselhamento epsicoterapia.1 É esperado que tanto os estudantes de cursos sobre aconselhamento quanto os de cursos sobre psicoterapia estejam familiarizados com a maioria das teorias incluídas neste volume.

A dificuldade (ou mesmo impossibilidade) de separar o aconselhamento da psicoterapia fica clara quando consideramos as definições oferecidas por diferentes autores para cada um dos termos. As definições de aconselhamento seriam, na maioria dos casos, aceitas como definições de psicoterapia, e vice versa. Parece haver concordância quanto ao fato de que tanto aconselhamento quanto psicoterapia são processos que envolvem um tipo especial de relação entre uma pessoa que pede ajuda com um problema psicológico (o cliente ou paciente) e uma pessoa preparada para prover a ajuda (o conselheiro outerapeuta). A natureza do relacionamento é bastante similar, se não idêntica, seja no aconselhamento ou na psicoterapia. O processo que ocorre parece também não diferir de um para o outro, nem parece haver qualquer distinção entre aconselhamento e psicoterapia no que diz respeito às técnicas utilizadas.

Quando são considerados seus objetivos, porém, algumas diferenças podem aparecer. Os objetivos do aconselhamento foram identificados pelo Comitê de Definição, Divisão de Aconselhamento Psicológico da Associação Americana de Psicologia, como sendo “ajudar indivíduos na superação dos obstáculos ao seu crescimento pessoal, onde quer que eles se encontrem, e naobtenção de um desenvolvimento ótimo dos seus recursos pessoais”2. A maioriados psicoterapeutas aceitaria esta mesma definição para os objetivos da psicoterapia. Tyler, na tentativa de distinguir aconselhamento e psicoterapia, afirma que não é [grifo do autor] tarefa dos conselheiros “tratar prejuízos físicos ou mentais ou livrar de limitações”3, pois presume-se que esta seja a tarefa do terapeuta. No entanto, esta afirmação parece estar em desacordo com a do Comitê, citada acima, e, na opinião deste autor, não seria aceita pela maior parte dos psicólogos do aconselhamento. Tyler prossegue para mencionar que a atividade do terapeuta “está orientada essencialmente para a mudança emestruturas do desenvolvimento, mais que para a satisfação e a realização”, enquanto o aconselhamento, por sua vez, não tenta “reparar estragos feitos [ao cliente] no passado, estimular o desenvolvimento inadequado [sic] de algum aspecto atrofiado da personalidade”, mas é o processo de “ajudar uma pessoa a

1 Patterson, C.H. Counseling and Psychotherapy: theory and practice. New York: Harper & Row, 1959. Ch. I;

Patterson, C.H. Counseling and/or psychotherapy. Amer. Psychologist, 1963,18, 667-669; Patterson, C.H. Distinctions and commonalities between counseling and psychotherapy. In G.F. Farwell, N. Gamsky, & Phillips M. Coughlan. Scranton, Pa.: International Textbook, in press.2

American Psychological Association, Division of Counseling Psychology, Committee on Definition. Counseling Psychology as a specialty. Amer. Psychologist, 1956, 11, 282-285.3

Tyler, Leona E. Theoretical principles underlying the counseling process. J. counsel. Psychol., 1958, 5, 3-10.

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alcançar um claro sentido de identidade pessoal”, juntamente com a aceitação de suas limitações. Novamente, aconteceria que muitos rejeitariam estas restrições ao aconselhamento e aceitariam como objetivos do aconselhamento os mesmos da psicoterapia.

A distinção que parece ser feita por muitos, incluindo Tyler, assim como Vance & Volsky, é que o aconselhamento refere-se ao trabalho com os assim chamados indivíduos normais, cujos problemas estão relacionados ao desenvolvimento do seu potencial, enquanto a psicoterapia refere-se ao trabalho com indivíduos que, em algum aspecto, apresentam deficiência4. Isto nos leva a uma distinção artificial estabelecida em termos da severidade do distúrbio numcontinuum de ajustamento-desajustamento. Quando um cliente tem um distúrbioemocional grave, ou está impossibilitado de viver “normalmente” por conta de um distúrbio emocional, o processo é chamado de psicoterapia e é visto como um corretivo para trazer o indivíduo de volta ao “normal”. Quando o cliente não está tão seriamente perturbado, mas tem os problemas da assim chamada pessoa normal, os quais interferem no desenvolvimento do seu potencial, então o processo é chamado aconselhamento. Deve ficar óbvio, como Tyler reconhece, que não se pode realizar uma divisão precisa. Os assim chamados conselheiros praticam psicoterapia, enquanto psicoterapeutas praticam aconselhamento, dado que um terapeuta não pode fazer (e não faz) a determinação de que o cliente, após um período de psicoterapia, esteja funcionando em um nível “normal” mínimo e deva, por esta razão, ser transferido a um conselheiro que o ajude a partir desse ponto. Em todo caso, o conselheiro ou o terapeuta recebem o cliente na posição em que ele se encontra e concedem que ele vá até onde ele pode ou deseja ir. O conselheiro não está limitado a trabalhar com clientes “normais”, nem limita seus esforços em relação ao cliente àquilo que Tyler chama tentativas de“motivar a melhor utilização do que a pessoa já tem”5 , com a aceitação das suas limitações, sem interessar-se, ou mesmo evitando, a fragilidade e as mudanças da personalidade. Assim, uma distinção em termos da severidade do distúrbio ou do tipo de clientes envolvidos é artificial.

Uma segunda diferença é também artificial e dispensável. É a distinção em termos do ambiente em que os serviços são oferecidos. Se o ambiente é médico, o que se faz é chamado de psicoterapia; se o ambiente é não-médico, é chamado de aconselhamento.

Uma distinção adicional é feita por vezes em termos da natureza ou do conteúdo do problema que o cliente traz para o conselheiro. Os assim chamadosproblemas orientados-para-a-realidade (ou “conscientes”), tais como questões educacionais e vocacionais, têm sido considerados o lugar do aconselhamento, enquanto os problemas que são inerentes à personalidade do indivíduo(problemas “inconscientes”) são o lugar da psicoterapia. Esta linha de pensamento levou à sugestão de que abordagens cognitivas e racionais seriam apropriadas para lidar com problemas reais ou conscientes, enquanto problemas envolvendo o inconsciente requereriam uma abordagem diferente. De novo, porém, não é possível traçar uma divisória clara. Se só há interesse na resolução racional dos chamados problemas de realidade (sem envolvimento do ego), então não se trata nem de aconselhamento, mas de instrução. Nem o fornecimento de informações, que pode fazer parte de um aconselhamento, esgota o campo do aconselhamento em si. Esta tentativa de distinção conduziu a uma ampliação desautorizada do termo “aconselhamento” para incluir funções que na realidade envolvem instrução individual ou fornecimento de informações. Aconselhamento, na opinião deste autor e em concordância com a maioria das definições que

4 Vance, F.L. & Volsky, T.C. Counseling and Psychotherapy: split personality or Siamese twins.

Amer. Psychologist, 1962, 17, 565-570.5

Tyler, Leona E. Minimum change therapy. Personnel guid. J., 1960, 38, 475-479.

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foram oferecidas, inclui o domínio afetivo – atitudes, sentimentos e emoções - e não simplesmente idéias. Quando não há elementos afetivos envolvidos, então o processo não é aconselhamento, mas provavelmente instrução, fornecimento de informações ou discussão intelectual.

Conclui-se que não há diferenças substanciais entre aconselhamento e psicoterapia na natureza do relacionamento, no processo, nos métodos ou técnicas, nos objetivos e resultados (concebidos num amplo sentido), ou mesmo nos tipos de clientes envolvidos. Por uma questão de conveniência, ou por razões práticas ou políticas, o aconselhamento muitas vezes refere-se ao trabalho com clientes menos seriamente perturbados ou com clientes que têm problemas específicos sem relativo comprometimento da estrutura da personalidade, geralmente atendidos em ambiente não-médico; por outro lado, psicoterapia refere-se ao trabalho com clientes mais seriamente perturbados, geralmente atendidos num ambiente médico. Este livro, portanto, não faz distinção entreteorias e não tenta classificá-las ou dicotomizá-las em uma ou outra categoria.

A NATUREZA DA TEORIA

Dissemos que algumas teorias de aconselhamento e psicoterapia serão apresentadas. Porém, o que constitui uma teoria de aconselhamento ou psicoterapia? Quantas teorias existem?

Uma teoria formal tem certas características. Primeiro, afirmam-se um conjunto de postulados ou suposições. Estas suposições explicitam as premissas do campo com o qual a teoria está preocupada. As suposições devem manter entre si relações e devem ser internamente consistentes, e estas relações devem ser especificadas. Segundo, há um conjunto de definições dos termos ou conceitos da teoria. Estas definições relacionam os conceitos aos dados observados e, portanto, tornam possível o estudo dos conceitos em pesquisa ou experimentação.

A afirmação das suposições e definições torna possível a construção de hipóteses. Hipóteses são essencialmente predições sobre o que deve ser encontrado caso a teoria tenha validade. Isto é, dadas certas suposições e definições, tem-se que algumas coisas devem obedecer ou ser verdadeiras. As hipóteses afirmam, numa forma que pode ser verificada, o que as coisas são.

Uma teoria não apenas prediz novos fatos ou relações, ela deve também organizar e integrar o que já é conhecido numa estrutura significativa. Não é claro se a organização do conhecimento existente vem junto com a formação da teoria ou sucede esta formulação. Muitos autores pensam a organização como umdesenvolvimento posterior ou um resultado da teoria. No entanto, as suposições e os postulados de uma teoria não vêm do nada*; eles são desenvolvidos sob as bases da observação e da experiência. Isto é, os fatos e o conhecimento existentes são a base para as suposições e definições de uma teoria. A construção, a avaliação, a modificação ou reconstrução e os exames adicionais de uma teoria são, portanto, um processo contínuo.

Alguns critérios formais para uma boa teoria foram propostos:6

1. Importância: uma teoria não deve ser sem importância, deve ser significativa. Deve ser aplicável a mais que uma situação limitada e restrita, tais como o comportamento de ratos num labirinto em T ou o aprendizado de sílabas sem sentido. Deve ter alguma relevância para a vida ou para o comportamento

* do not come out of the thin rain – N. T.

6 Hall, C.S. & Lindzey, G. Theories of personality. (2

nd ed.) New York: Wiley, 1970; Maddi, S.R.

Personality theories: a comparative analysis. Homewood, Ill.: Dorsey, 1968; Stefflre, B. & Matheny, K. The function ofcounseling theory. Boston: Houghton Mifflin, 1968.

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real. A importância, contudo, é algo muito difícil de ser estimado se os critérios são vagos ou subjetivos. A aceitação por profissionais competentes ou reconhecimento e persistência na literatura profissional podem ser indicativos de importância. Além disso, se uma teoria reúne outros dos critérios formais, provavelmente é importante.

2. Precisão e clareza: uma teoria deve ser compreensível, internamente consistente, livre de ambigüidades. A clareza pode ser avaliada pela facilidade de relacionar a teoria aos dados ou à prática, ou pela facilidade em fazer predições e em especificar métodos para testá-las.

3. Parcimônia ou simplicidade: a parcimônia há muito é aceita como característica de uma boa teoria. Nisto devem estar envolvidos um mínimo de complexidade e poucas suposições. Maddi questiona este posicionamento, contudo, sugerindo que não se pode determinar qual de duas teorias é mais parcimoniosa até que se saiba tudo sobre a área na qual a teoria se aplica. Ele também questiona a validade do critério partindo do princípio de que a teoria mais parcimoniosa com relação aos dados disponíveis no presente pode não ser a melhor teoria: “é absolutamente possível que uma teoria que pareça parcimoniosa na explicação dos fatos presentes seja na verdade tanto uma super-simplificação na explicação de todo funcionamento humano quanto totalmente inadequada paraenfrentar os fatos de amanhã sem grandes modificações”7. Entretanto, pode ser mantido que os fenômenos do mundo e da natureza são realmente simples em termos de princípios básicos. Hall & Lindzey colocam que a parcimônia é importante apenas depois que os critérios de amplitude e de possibilidade de verificação já foram encontrados. “Isto torna-se significativo apenas sob circunstâncias em que duas teorias produzem exatamente as mesmas conseqüências”8.

4. Amplitude: uma teoria deve ser completa, abrangendo a área de interesse e incluindo todos os dados conhecidos do campo.

5. Operacional: uma teoria deve ser passível de redução a procedimentos para o exame de suas proposições ou predições. Seus conceitos devem ser precisos o suficiente para serem mensuráveis. Um operacionalismo estrito, contudo, pode ser restritivo, como Maddi aponta, quando um conceito é definido por uma medida restrita ou limitada.9 O conceito deve antes ser definido e só então escolhido ou desenvolvido um método de mensuração. Nem todos os conceitos de uma teoria precisam ser operacionais; conceitos podem ser usadospara indicar relações e organização entre conceitos.

6. Validade empírica ou possibilidade de verificação: os critérios anteriores são racionais em sua natureza. Além de contemplar estes critérios, uma boa teoria deve estar sustentada na experiência e em experimentos que envolvam a avaliação das predições. Isto é, somado à sua solidez para, ou à sua habilidade em explicar o que já é conhecido, ela deve gerar predições que sejam confirmadas por dados novos.

7. Estimulação: muitas vezes, uma teoria é referida como frutífera quando mostra sua capacidade de conduzir a predições que possam ser testadas, levando ao desenvolvimento de novo conhecimento. Mas uma teoria pode ser frutífera mesmo não sendo capaz de levar a predições específicas. Ela pode provocar o pensamento e o desenvolvimento de novas idéias ou teorias, às vezes apenas por descreditar outras.

Há um último critério para uma boa teoria que raramente é mencionado ou reconhecido. A saber, que ela deve ser útil para o praticante na organização do seu pensamento e da sua prática, fornecendo uma estrutura conceptual para

7 Maddi, S.R. ibid., p. 456

8 Hall, C.S. & Lindzey, G. op. cit.., p. 13.

9 Maddi, S.R. op. cit., p. 454.

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aquilo que ele faz. Os clínicos muitas vezes pensam na teoria como algo irrelevante para aquilo que fazem, como algo sem relação com a prática ou a vida real. Todavia, tal como supõe-se ter dito Kurt Lewin, responsável pelo desenvolvimento da psicologia topológica, “não há nada mais prático que uma boa teoria”10.

Se procurássemos uma teoria de aconselhamento ou psicoterapia que contemplasse todos estes critérios, provavelmente não encontraríamos. Nem encontraríamos tal teoria de aprendizagem ou personalidade. As teorias existentes encontram-se num estado primitivo e estes critérios constituem metas na direção das quais os teóricos devem estar empenhados. A maioria das teorias de aconselhamento ou psicoterapia não estão formalmente estabelecidas, ainda que algumas sejam tentativas de formulação em termos de um conjunto de postulados ou suposições relacionados, com seus corolários. Em muitos exemplos, os conceitos teóricos são mais implícitos que explícitos. Afirmações explícitas de pontos de vista em aconselhamento variam de colocações específicas interessadas apenas em um aspecto ou elemento do processo de aconselhamento a exposições extremamente genéricas. Frank escreve:

Algumas formulações [em psicoterapia] tentam abranger todos seus aspectos. Muitas delas foram imensamente elucidativas e vigorosas e iluminaram vários campos do conhecimento. Para serem plenamente inclusivas, porém, valeram-se de metáforas, deixaram sem resolução ambigüidades importantes e formularam suas hipóteses em termos que não podem ser submetidos a teste experimental.A abordagem oposta a esta tem sido tentar conceituar pequenos segmentos do campo com precisão suficiente para permitir os testes experimentais das hipóteses, mas estas formulações correm o risco de obter seu rigor em detrimento do sentido e da importância. O pesquisador tem à sua frente a questão de delimitar um aspecto da psicoterapia que seja convenientemente ameno para permitir o estudo experimental e ao mesmo tempo inclua os principais determinantes do problema em consideração. Ele se vê no apuro do deus escandinavo Thor, que tentou beber todo o líquido de um pequeno copo até perceber que ele estava conectado com o mar. Sob estas circunstâncias, há uma tendência inevitável para se guiar a escolha a respeito dos problemas a serem pesquisados mais pela facilidade com que possam vir a ser investigados que pela sua importância. Lembra a conhecida história do bêbado que perdeu as chaves num beco escuro mas foi procurar por elas embaixo do poste de iluminação porque lá a luz estava melhor. Esse estado de coisas conduziu a uma quantidade considerável de pesquisa precisa, mas semimportância.11

Parece que conselheiros e psicoterapeutas têm estado tão absortos pela prática que pouca atenção foi dada ao desenvolvimento de teorias formais. Todavia, ainda que não formalmente estabelecidas, existem, em toda prática ou abordagem em aconselhamento, suposições implícitas. Muitas vezes, elas não são afirmadas claramente, ou sequer o são de forma alguma. Mas elas estão lá. Discussões teóricas em aconselhamento ou psicoterapia freqüentemente aludem a suposições e hipóteses, por vezes confundindo as duas coisas. Muitas destas discussões teóricas são, num certo sentido, explanações pós-fato ou racionalizações e não foram desenvolvidas formalmente por pesquisa. Portanto,

10 Lewin, K. Science, power and education. In G.W. Lewin (Ed.), Studies in topological and vector psychology,

1944.11

Frank, J.D. Persuasion and healing. Baltimore: Johns Hopkins, 1961. Pp. 227-228.

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12 Pepinsky, H.B. & Pepinsky, Pauline. Counseling: theory and practice. New York: Ronald,

13 Bordin, E.S. Dimensions of the counseling process. J. clin. Psychol., 1948, 4, 240-

usualmente elas não são estabelecidas clara ou sistematicamente. Não obstante, são teorias embrionárias e devem ser capazes de ser explicitamente formuladas como teorias formais.

Não é o propósito deste livro tentar formular tais teorias nos princípios da literatura. Seu propósito, antes, é apresentar as teorias existentes das formas como elas ocorrem. Assim, a palavra “teoria” é aqui usada de maneira mais livre, tal como deve ser se quisermos preservar nosso conteúdo. O termo “ponto de vista” seria provavelmente mais apropriado.

OS PONTOS DE VISTA E SUA ORGANIZAÇÃO

Na medida que se faz a concessão de incluir pontos de vista ou abordagens de aconselhamento que não são teorias formalizadas, os candidatos à inclusão tornam-se numerosos. Podemos tentar reduzir todas as teorias ou abordagens a algumas poucas centrais ou lidar apenas com as teorias mais importantes. Os Pepinsky, em 1954, classificaram as teorias em cinco categorias principais: a teoria traço e fator, as abordagens de comunicação, a teoria do self,a abordagem psicanalítica e a neocomportamental.12 Talvez seja possível encaixar a maioria das abordagens principais nestas categorias. As diversas teorias de aprendizado de Dollard e Miller, Salter, Shoben e Wolpe, por exemplo, podem ser incluídas na categoria neocomportamental. E as várias teorias neoanalíticas podem ser incluídas na abordagem psicanalítica.

Em certa medida, este é também o procedimento aqui adotado, ou seja, as diversas abordagens foram agrupadas em categorias que guardam certa semelhança com as dos Pepinsky. Porém, a organização das abordagens, ou suaordenação, nos apresenta um problema. É possível estabelecer alguma organização para as diversas abordagens ou elas são por demais heterogêneas para que sejam ordenadas de alguma maneira? Uma forma de organização possível seria arranjá-las através do continuum freqüentemente usado de “diretividade”, da abordagem mais diretiva para a mais permissiva. Também há outros princípios para a organização. Um destes princípios, provavelmente não totalmente independente do continuum diretivo-permissivo, é o continuum entre as abordagens mais claramente racionais e as mais afetivas, das teorias com ênfase fortemente cognitiva àquelas altamente emocionais. Bordin sugeriu talcontinuum, de uma “ênfase num processo intelectual de resolução do problema”para “a ênfase em estimular o cliente no sentido de uma expressão mais vasta e mais profunda das suas atitudes por meio de métodos tais como a aceitação e o aclaramento das respostas”, como uma dimensão do processo de aconselhamento.13 Tal continuum foi aceito como base para a organização das diversas abordagens.

Na extremidade cognitiva deste continuum estão aquelas teorias ou abordagens de aconselhamento que são racionais, lógicas ou intelectuais em sua natureza. Talvez o exemplo mais radical deste caso seja a psicoterapia racional de Albert Ellis. Mais adiante neste continuum situariam-se as abordagens mais psicológicas, a teoria de aprendizagem e as teorias de resposta condicionada de John Dollard e Neal Miller, Andrew Salter e Joseph Wolpe. Ainda mais adiante estariam as diversas abordagens analíticas. Próximas da outra extremidade estariam as teorias do self e as abordagens fenomenológicas, talvez com o existencialismo na porção mais extrema do continuum.

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Por conveniência, este continuum foi dividido em cinco partes que formam as cinco seções deste livro. São elas: (1) abordagens racionais de aconselhamento, (2) abordagens da teoria de aprendizagem para o aconselhamento, (3) abordagens psicanalíticas de aconselhamento, (4) abordagens perceptivas de aconselhamento e (5) abordagens existenciais. Uma sexta seção foi incluída para acomodar a posição eclética de Frederick Thorne. Dentro das seções, porém, não tentou-se ordenar as teorias ou abordagens em termos do continuum básico; de fato, isto não seria sequer possível em muitos exemplos. Em alguns casos, a presença de uma teoria em uma seção particular pode ser questionada. Alguns podem encaixar Dollard e Miller entre as abordagens psicanalíticas. A abordagem de Kelly é, em alguns momentos, absolutamente cognitiva ou racional em sua orientação. Qualquer tentativa de se agrupar ou classificar as abordagens em aconselhamento ou psicoterapia vai em alguns casos resultar em composições arbitrárias. Neste sentido, pode ser questionado se é necessário ou mesmo desejável separar as abordagens em grupos. Este autor confessa a necessidade de uma certa organização em sua apresentação; e sente que alguma organização é melhor que organização nenhuma, e que ter certos princípios de agrupamento é melhor que não tê-los.

Surge uma outra questão. Quantos pontos de vista, ou variantes de pontos de vista, devem ser incluídos? É claro que existem necessariamente limitações de espaço. Mas o autor tentou incluir, ainda que por vezes muito resumidamente, as posições mais extensamente presentes (usualmente como livros) na literatura da área. Portanto, o estudante será aqui introduzido na maioria dos autores atuais em aconselhamento ou psicoterapia. Obviamente não podemos representar aqui todos os livros sobre aconselhamento ou psicoterapia. O critério para a seleção foi o autor apresentar algo que possa ser considerado um ponto de vista sistemático ou uma variante importante de uma abordagem particular. Mesmo assim, é óbvio que eu não tenha me preocupado tanto em incluir todos os pontos de vista ou variantes possíveis por nenhuma outra razão do que estar certo de que algumas escaparam por conta da minha ignorância quanto a sua existência.

RELAÇÃO COM OUTRAS TEORIAS PSICOLÓGICAS

As teorias de aconselhamento não podem ser claramente separadas das teorias de aprendizagem, personalidade, ou teorias gerais de comportamento. Os conselheiros lidam com o comportamento. O fato de que eles trabalham com clientes que exibem um comportamento mais ou menos perturbado, anormal ou insatisfatório em alguns aspectos, para os próprios clientes, para a sociedade ou para ambos, não altera a premissa de que é no comportamento que o conselheiro está interessado. Além disso, o aspecto do comportamento que constitui o foco primário para o trabalho do conselheiro situa-se na área da personalidade em seus aspectos individuais e sociais. Mais que isso, o objetivo do aconselhamento é alterar o comportamento ou a personalidade em algum sentido ou em alguma extensão. Diferentes abordagens em aconselhamento diferem na natureza específica da mudança de comportamento para a qual estão direcionadas, mas todas aceitam uma mudança de algum tipo - de atitudes, sentimentos, percepções, valores ou metas - como o objetivo do aconselhamento. Já que a aprendizagem pode ser claramente definida como mudança de comportamento, então o aconselhamento está, obviamente, relacionado com a aprendizagem e portanto com as teorias de aprendizagem.

De fato, é difícil distinguir entre teorias de aprendizagem, de personalidade e de aconselhamento. Todas elas estão interessadas no comportamento e são, portanto, teorias de comportamento. Hall & Lindzey diferenciam as teorias que

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14 Hall, C.S. & Lindzey, G. op.cit., p.

15 Allport, G.W. Patterns of growth in personality. New York: Holt, Rinehart and Winston, 1961, p.

tratam de qualquer evento comportamental de importância para o organismo humano (teorias gerais do comportamento) e aquelas que estão limitadas a certos aspectos do comportamento humano (teorias de área restrita).14 No entanto, é difícil realizar esta separação claramente. Hall & Lindzey afirmam que as teorias de personalidade são geralmente teorias do comportamento e admitem que assimtambém sejam consideradas as teorias de aprendizagem. Mas da mesma forma podem ser as teorias de aconselhamento. Até mesmo teorias de percepção podem ser teorias de comportamento já que a percepção é central em todo comportamento. O comportamento, resumidamente falando, é o todo de uma parte, e qualquer teoria que contemple um aspecto importante do comportamento é ou deve tornar-se uma teoria geral do comportamento. Teorias interessadas nos diversos aspectos devem ser consistentes entre si e juntas devem constituir uma teoria geral do comportamento. Eventualmente, uma teoria de aprendizagem, uma teoria de personalidade, uma teoria de percepção e uma teoria de aconselhamento são todas partes de uma teoria geral do comportamento.

A discussão acerca das teorias de aconselhamento, portanto, envolve inevitavelmente as áreas da personalidade e da aprendizagem. Toda teoria de aconselhamento tem, e deve mesmo ter, uma teoria de personalidade e de aprendizagem por trás de si. Usualmente, as teorias de personalidade e aprendizagem assim relacionadas permanecem mais implícitas que explícitas. Quando ocorre de serem explícitas, é porque geralmente foram desenvolvidas a partir da respectiva teoria de aconselhamento ou psicoterapia, tal como acontece no caso do aconselhamento centrado na pessoa; mesmo assim há casos, é claro, em que uma teoria de aconselhamento é consistente tendo por base uma teoria de personalidade desenvolvida independente dela. De qualquer forma, as teorias de personalidade e as teorias de aconselhamento estão inter-relacionadas, mesmo que não exista necessariamente uma teoria de aconselhamento para cada teoria de personalidade desenvolvida.

Assim, desde que os autores das diversas abordagens tenham apresentado uma relação com determinada teoria de personalidade, esta será incluída como parte do resumo da referida abordagem. No entanto, não haverá por parte do autor deste livro qualquer tentativa de prover uma teoria de personalidade para a abordagem na qual esta teoria não esteja explícita. Não é propósito do livro caminhar além do que já foi desenvolvido por aqueles que se dedicam às diversas abordagens de aconselhamento.

IMPLICAÇÕES FILOSÓFICAS

Allport menciona que “as teorias de aprendizagem (assim como tantas outras coisas em psicologia) repousam sobre a concepção de seu investigador acerca da natureza do homem. Em outras palavras, todo teórico da aprendizagem é um filósofo, ainda que não o saiba”15. Isto se aplica talvez de maneira ainda mais forte aos teóricos do aconselhamento. É necessário, portanto, incluirmos em nossas discussões os princípios filosóficos que estão implícitos ou explícitos dentro das várias teorias de aconselhamento. Novamente, não será desenvolvida uma formulação filosófica elaborada para cada teoria considerada. Mas parece de fato ser necessário levar em consideração as suposições acerca da natureza humana subjacentes às diversas teorias, assim como as metas ou objetivos do aconselhamento aceitos ou defendidos por elas. Em muitos casos, é óbvio, pouca

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consideração formal foi devotada a isso na apresentação original da abordagem e este fato estará refletido nos resumos deste livro.

NATUREZA DAS APRESENTAÇÕES

Parece interessante que na discussão sobre as diversas teorias possamos empregar métodos ou formas de descrição comuns. É difícil, no entanto, desenvolver um modo de descrever detalhado que seja adequado a todas teorias. Por esse motivo foram selecionadas apenas algumas poucas categorias amplas e gerais.

O procedimento genérico é iniciar identificando a teoria em termos dos seus principais defensores, fornecendo uma certa base ou orientação para a abordagem. São então discutidos os principais conceitos ou elementos essenciais da abordagem. Nisto estão inclusos os princípios filosóficos e as teorias de personalidade e aprendizagem ou de comportamento respectivas, bem como suas modificações. Depois disso, são consideradas as metas e o próprio processo de aconselhamento, seguidos por uma consideração a respeito das técnicas ou do comportamento do conselheiro que permitem a implementação dos conceitos no processo. Neste ponto, sempre que possível, um ou mais exemplos ilustrativos da abordagem são apresentados. Finalmente, um resumo e uma avaliação geral concluem a discussão.

Esta avaliação não é exatamente uma crítica absoluta da teoria, mas antes um resumo das principais contribuições de cada abordagem e uma consideração de algumas das críticas ou objeções mais relevantes que foram ou podem ser levantadas contra ela.

As apresentações pretendem ser mais descritivas que polêmicas. O leitor que esteja familiarizado com o ponto de vista deste autor poderá talvez reconhecer lugares onde algum viés ainda esteja presente. Eu, como Hilgard, “abordei esta tarefa com o desejo de dispor-me amigavelmente a cada uma das posições representadas por saber que todas elas foram propostas por uma pessoa ou um grupo de pessoas inteligentes e sinceras, e que deve haver algo que possamos aprender de cada uma delas”16. O capítulo final representa a minha própria tentativa de avaliar ou apontar diferenças e semelhanças entre as teorias correntes em aconselhamento. O propósito do livro não é apresentar umaconsideração crítica ou uma comparação entre as várias teorias, ou ainda tentardesenvolver uma única teoria integrando aspectos de cada abordagem. Nosso objetivo é apresentar, de forma objetiva e relativamente breve, os diversos pontos de vista correntes em aconselhamento ou psicoterapia. Esta é uma tarefa de difícil execução sem que estejam presentes o perigo das representações ilegítimas, até por conta da brevidade, e de mal entendidos ou percepções enviesadas. É esperado que estes perigos tenham sido minimizados pelo fato de que todas apresentações foram lidas por representantes das respectivas abordagens. O autor, todavia, aceita a responsabilidade pelo que aparece nos capítulos seguintes.

Diferentemente dos trabalhos de Hilgard e de Hall & Lindzey, este livro não pretende revisitar a pesquisa associada com as várias teorias apresentadas. Há um bom número de razões para isso. Primeiro, a intenção de abranger toda pesquisa realizada em aconselhamento e psicoterapia seria proibitiva por conta do espaço requerido para tanto. Em segundo lugar, apesar de se ter feito considerável quantidade de pesquisa no campo do aconselhamento e da psicoterapia, pouco disso foi diretamente relacionado a uma teoria ou ponto de

16 Hilgard, E.R. Theories of learning. (1

st ed.) New York: Appleton-Century-Crofts, 1948. P. v.

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vista particular. Parece ter havido, em geral, uma separação entre teoria e pesquisa, por um lado, e entre prática e pesquisa, por outro, de forma que os defensores ou praticantes de uma orientação particular, ao contrário do que aconteceu no campo da aprendizagem, não empenharam-se em fazer pesquisa relacionada à teoria por eles esposada ou praticada. A maior exceção a isto é a pesquisa de Rogers e seus associados no aconselhamento centrado na pessoa. Este estado de coisas pode ser creditado ao fato de que para o psicólogo não há muito que se possa fazer por uma teoria de personalidade ou aprendizagem a não ser pesquisa; já o aconselhamento e a psicoterapia são modalidades aplicadas e seus praticantes parecem ter pouco tempo, ou talvez inclinação, para a pesquisa.

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1 Ungersma, A.J. The search of meaning. Philadelphia: Westminster, 1961. P.

2 Rogers, C.R. Psychotherapy today or where do we go from here? Amer. J. Psychother., 1963, 17, 5-

THEORIE S O F COUNSELING AND P SYCH OTHER AP Y (tradução)

C. H. Patterson - Harper & Row Publishers, USA, 1973.

CONCLUS ÃO

Divergências e Convergências em Aconselhamento ou Psicoterapia

Os capítulos anteriores resumiram um certo número de abordagens em aconselhamento ou psicoterapia. Pelo menos um igual número de outras abordagens, entre elas a psicanálise ortodoxa e as abordagens neoanalíticas, poderia ter sido incluído. A situação, pelo menos aparentemente, nos remete à diversidade. Os diversos pontos de vista parecem diferir de maneira considerável não apenas em seus métodos ou técnicas, mas também em seus objetivos, conceitos básicos e em suas orientações filosóficas.

Esta diversidade (ou este desacordo) fez com que certos autores se preocupassem muito seriamente com a situação do aconselhamento e da psicoterapia. Ungersma escreve assim: “A situação atual da psicoterapia não é diferente daquela do homem que monta seu cavalo e cavalga em todas as direções. A orientação teórica dos terapeutas está baseada em hipóteses, teorias e ideologias amplamente divergentes... Individualmente, é até esperado que os praticantes de qualquer abordagem variem em seus modos particulares de trabalho, mas não é só isso: algumas escolas bem organizadas dentro do campo da terapia parecem trabalhar em absoluta oposição com relação a outras escolas igualmente bem organizadas. E não obstante, todas as escolas, em condições favoráveis, obtém resultados positivos: o paciente ou cliente consegue alívio eusualmente liberta-se de forma satisfatória de suas dificuldades”1. Este sucesso assemelhado que é obtido por abordagens aparentemente tão diferentes constitui um problema que exige alguma explicação.

Há alguns anos, Carl Rogers, que tivera a esperança de que um dia os terapeutas pudessem chegar a um consenso acerca do que constitui a psicoterapia, expressou seu desapontamento. Ele, que inicialmente sentia que “nós todos estamos falando das mesmas experiências, mas estipulando palavras, rótulos e descrições diferentes para elas”, terminou por escrever que sentia que “nós diferimos no nível mais básico das nossas experiências pessoais”. E concluiu que “o campo da psicoterapia está no meio de uma confusão”, apesar de tersentido que a confusão criava um clima saudável para o surgimento de novas idéias, teorias, conceitos e métodos.2

Há alguma razão para acreditarmos que hoje a situação é diferente do que era dez anos atrás? Há menos confusão, menos divergência? O campo da psicoterapia está unido, ou mostrou evidências de convergir na direção de uma teoria ou sistema comuns amplamente aceitos? Parece que o progresso da concordância sobre a existência de alguns elementos comuns às diferentes formas de psicoterapia esteve restrito principalmente àquelas abordagens que hoje são chamadas “tradicionais”, ou seja, aqueles métodos ou abordagens que não estão incluídos entre as terapias comportamentais. A década passada foi o período de desenvolvimento das abordagens teóricas da aprendizagem, assim como os anos 50 foram a década da terapia centrada na pessoa. Este

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desenvolvimento introduziu nova diversidade no campo, a ponto de parecer para alguns que duas abordagens inconsistentes e irreconciliáveis estavam surgindo.

Kanfer & Phillips afirmam que não apenas os clínicos às vezes discordam das próprias teorias que apoiam, mas “suas práticas e crenças refletem inconsistências e contradições ainda mais profundas”. Comentando as terapias comportamentais, Kanfer & Phillips recomendam que “ao invés de se aceitar como meta um maior refinamento dos muitos procedimentos específicos, pode ser mais útil o empenho na tentativa de uma eventual integração destes num sistema comportamental mais abrangente... O primeiro passo na construção de tal estrutura reside nos esforços para se encontrar o que há de comum e de diferente entre a variedade de técnicas utilizadas”3.

Concluímos o último capítulo sugerindo que, mesmo ainda não sendo o sistema eclético de Thorne a resposta final, alguma integração sistemática das muitas abordagens aparentemente divergentes em aconselhamento oupsicoterapia é o objetivo último. O ecletismo de Thorne, embora seja a concepção até hoje mais abrangente, não é ainda uma integração satisfatória da teoria e do conhecimento disponíveis. Sua maior fraqueza parece ser não refletir de forma adequada as duas principais posições da atualidade, a terapia comportamental e a terapia centrada na pessoa. E também não incorporar adequadamente (como talvez não faça nenhuma das abordagens atuais) a teoria sócio-psicológica e a pesquisa relacionada à modificação de atitudes, atração interpessoal, influência social, teoria dos papéis, expectativas, etc.

Talvez esteja fora do alcance de uma só pessoa dominar as imensas quantidades de teoria e pesquisa relevantes ao desenvolvimento de um sistema eclético integrador. Um sistema desse tipo exigiria em sua base o desenvolvimento de uma teoria ou sistema sobre o comportamento humano.Certamente este autor não teria a pretensão de estar apto a isso. Mas este livro ainda estaria incompleto sem uma tentativa de integração das diversas abordagens, ao menos até o ponto de identificarmos algumas analogias (se elas existem) e apontarmos um caminho para a reconciliação das divergências. O empenho científico aceita a viabilidade de uma teoria (ou sistema) consistente e que o progresso deste desenvolvimento dá-se através do método de aproximações sucessivas. Neste capítulo não iremos apresentar um sistema eclético, mas as fundações ou estruturas para tal sistema.

Já houve um certo número de tentativas de se descobrir ou definir elementos comuns entre as várias abordagens em aconselhamento e psicoterapia.4 Um obstáculo à identificação de analogias sempre foi o fato de que os teóricos fazem questão de ser únicos e diferentes. Esta característica acaba por conduzir àcriação de terminologia nova e distinta mesmo em muitos casos em que os conceitos representados por esta terminologia não são novos e nem distintos. A questão é que são enfatizadas as diferenças. Novas técnicas são apresentadas sem que se faça referência ao processo total no qual são utilizadas ou do qual são parte. É presumível que todas as teorias ou abordagens que conseguiram grande aceitação ou persistiram até hoje tenham alguma veracidade. As diferenças entre elas podem ser mais aparentes que reais, significando percepções e descrições diferentes dos mesmos fenômenos ou enfatizando aspectos diferentes do mesmo processo. “De fato, as várias teorias não são logicamente incompatíveis e até mesmo muitas vezes suplementam eindiretamente provam umas as outras”5. Levando-se em conta que as teorias

3 Kanfer, F.H. & Phillips, Jeanne S. A survey of current behavior therapies and a proposal for classification. In

C.M. Franks (Ed.) Behavior therapy: appraisal and status. New York: Mc Graw-Hill, 1969. Pp 445-4754

Patterson, C.H. Counseling and psychotherapy: theory and practice. Chap. 12. Common elements in psychotherapy: essence or placebo? New York: Harper & Row, 1959.5

Perls, F.S. Hefferline, R.F. & Goodman, P. Gestalt therapy. New York: Julian Press, 1951. P. 280

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6 Skinner, B.F. Reinforcement today. Amer. Psychologist, 1958, 14, 94-

7 Skinner, B.F. Walden Two. New York: Macmillan, 1948. P.

estão baseadas em vasta experiência prática, é esperado que possuam analogias, concordâncias e apoio mútuo.

ANALOGIAS E DIFERENÇAS

Filosofia e Conceitos

Pode parecer difícil encontrar uma filosofia comum ou mesmo um único conceito comum aos pontos de vista contemplados neste livro. As concepções a respeito da natureza do homem e da natureza das perturbações emocionais variam de forma considerável. Pode parecer que há bem pouco ou mesmo nada em comum entre concepções de homem como ser determinado pelo ambiente ou por suas necessidades e desejos internos, por um lado, e como pessoa livre, capaz de fazer escolhas, por outro; ou entre a concepção de homem como sendo essencialmente um organismo a ser manipulado por recompensas e punições, por um lado, e, por outro, como ser que tem potencial para o crescimento e o desenvolvimento através do processo de auto-atualização.

Contudo, por menores que possam parecer as semelhanças, existe concordância quanto à visão de homem como ser capaz de se modificar (ou, no mínimo, ser modificado). O homem não está inapelavelmente pré-determinado; em algum nível, ele ainda permanece maleável. Uma aproximação da teoria da aprendizagem pode de fato confirmar que o homem é infinitamente suscetível à mudança. Skinner expressa da seguinte forma: “É perigoso afirmar que um organismo de determinada espécie ou em dada faixa etária não pode resolver certo problema. Como resultado de programações cuidadosas, pombos, ratos e macacos têm feito nos últimos cinco anos coisas que membros da sua espécie nunca haviam feito. Não que seus ancestrais fossem incapazes de tais comportamentos; a natureza simplesmente nunca havia disposto a elesseqüências efetivas destas programações”6. E a respeito da possibilidade de moldar a personalidade, ele mesmo afirma: “dê-me as especificações e eu lhe darei o homem”7.

Outras abordagens podem não ser tão otimistas com relação a mudanças da personalidade ou do comportamento, mas certamente as admitem como possibilidade; de outra forma não haveria razão para dedicarem-se aos camposdo aconselhamento ou da psicoterapia.

Entre as diferentes abordagens há pelo menos mais um elemento comum, a saber, o reconhecimento de que (a) a existência de uma neurose, um distúrbio, um mau ajustamento, um conflito, um problema não resolvido, “sintomas” ou um comportamento desordenado é algo desagradável e doloroso para o cliente, e (b) é indesejável que tais coisas ocorram no indivíduo e isto autoriza tentativas para sua modificação.

Um terceiro elemento comum possível é o reconhecimento da influência do futuro – ou de antecipações, esperanças ou expectativas relacionadas ao futuro – no comportamento presente. Esta é uma característica que parece unir abordagens tão diferentes quanto o condicionamento operante e o existencialismo. Em outras palavras, o reconhecimento de que o comportamento não é apenas “causado” pelo passado, mas é também influenciado pelas conseqüências do futuro (ou pelas expectativas das conseqüências), parece estar presente na maioria dos pontos de vista. Lindsley coloca a questão da seguinte maneira ao falar sobre o condicionamento operante:” A descoberta de que este

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13 Rogers, C. R. On becoming a person. Boston: Houghton Mifflin, 1961. Chap.

comportamento [voluntário] é controlado por suas conseqüências torna desnecessária a explicação do comportamento em termos de antecedentes hipotéticos”8. May, apresentando a posição existencialista, escreve que “o futuro, ao contrário do presente ou do passado, é o modo de expressão dominante dos seres humanos”9.

Objetivos e Metas

Mahrer começa seu livro sobre as metas do aconselhamento com a seguinte afirmação: “A literatura em psicoterapia tem pouco a oferecer à questão sobre as metas da psicoterapia – suas identificações, significados e organização. Neste ponto, clínicos, pesquisadores e teóricos curiosamente não se pronunciaram”10. Muitos terapeutas, no entanto, têm voltado sua atenção para a questão das metas, consideração explicitada pronunciadamente na preocupação dosterapeutas do comportamento em especificar os objetivos do tratamento.

Quando são examinadas as metas discutidas pelos teóricos representados neste livro e pelos colaboradores do livro de Mahrer, encontra-se imensa variedade. Uns falam em reorganização da personalidade, outros em cura de uma patologia, outros em ajustamento ao ambiente, sociedade ou cultura. Outros ainda falam em coisas como desenvolvimento de um funcionamento biológico e social efetivos, eliminação de hábitos desadaptados para aprendizagem de adaptados, redução da ansiedade ou alívio do sofrimento. Alguns, particularmente os terapeutas centrados na pessoa ou humanistas, falam do sentido da vida, da facilitação do crescimento e do desenvolvimento de pessoas auto-atualizadoras.

Pode parecer mais difícil encontrar analogias entre as abordagens com relação às metas do aconselhamento que com relação aos conceitos ou técnicas. Muito do problema, porém, é que as metas apresentadas refletem diferentes níveis de especificidade ou generalização. Parloff reconhece este problema quando distingue entre metas mediatas e metas finais.11 As metas mediatas sãopassos ou estágios no decorrer do processo de aconselhamento que conduzem às metas finais. A nós parece ainda necessário um outro nível de metas, além das mediatas e das finais (consideradas como meta longo-termo ou geral). Desta forma, poderíamos apresentá-las em três níveis: (1) imediatas, ou metas para o processo, (2) mediatas, ou objetivos em termos de efeitos e (3) metas finais.

Se aceitarmos este conceito de níveis podemos encontrar concordância entre as diversas abordagens. Os behavioristas salientam metas específicas como conseqüências diretas do processo de tratamento. Outros terapeutas enfatizam as metas longo-termo ou finais, e ainda que eles as expressem de maneiras um tanto quanto diferentes, o conceito de auto-atualização parece representá-las. A descrição de Maslow da pessoa auto-atualizante, que resulta de sua pesquisa,constituiria uma definição provisória do termo.12 A descrição que Rogers faz da pessoa que funciona de forma plena é similar.13 Muitos dos objetivos mais específicos para os behavioristas seriam aceitos por terapeutas centrados na pessoa ou existencialistas como aspectos da pessoa auto-atualizante, como submetas ou passos na direção da meta final.

Os terapeutas do comportamento, embora enfatizem a remoção dos sintomas como meta, também parecem reconhecer e aceitar um objetivo mais amplo. Eles

8 Lindsley, O. Free operant conditioning and psychotherapy. In J. Masserman and J.L. Moreno (Eds.),

Current psychiatric therapies. New York: Grune & Stratton, 1963.9

May, R. Contributions of existential psychotherapy. In R. May, E. Angel & H.F. Ellenberger (Eds.), Existence. New York: Basic Books, 1958, P. 69.10

Mahrer, A.R. (Ed.) The goals of psychotherapy. New York: Appleton-Century-Crofts, 1967. P. 1.11

Parloff, M.B. Goals in psychotherapy: mediating and ultimate. In A.R. Mahrer (Ed.), op. cit., pp. 5-19.12

Maslow, A.H. Motivation and personality. (Rev. Ed.) New York: Harper & Row, 1970. Chap. 12.

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16 London, P. The modes and morals of psychotherapy. New York: Holt, Rinehart and Winston,

aparentemente esperam que o cliente sinta-se melhor, funcione melhor na vida em seus vários aspectos e alcance um nível mais alto para viver de acordo com o seu potencial. Salter fala de libertar o indivíduo “desfreando-o”14. Wolpe utilizava como critério de progresso não apenas a remoção de sintomas, mas “aumento da produtividade, maior ajustamento e prazer pelo sexo, melhora nas relaçõesinterpessoais e habilidade para lidar com conflito psicológico e stress não excessivo”15, embora estes não fossem alvos específicos do tratamento. Assim, os terapeutas do comportamento também estão interessados em mudanças mais amplas e gerais, que podem ser consideradas aspectos da auto-atualização.

O processo de aconselhamento

O processo terapêutico é visto de diferentes maneiras pelas várias abordagens. A psicanálise salienta a importância da compreensão interna em relação ao passado obtida pela interpretação habilidosa. Para Kelly, a terapia é o processo de afrouxar velhas construções e renovar construções pessoais. Para Ellis, a questão é convencer o cliente de que ele funciona irracionalmente e ensiná-lo uma estrutura mais racional na qual possa viver. A abordagem centrada na pessoa concebe o processo de aconselhamento como a experimentação, numa relação psicologicamente segura, de sentimentos anteriormente muito ameaçadores para que fossem vividos livre e plenamente pelo cliente. A terapia comportamental vê o aconselhamento como o processo de eliminação de comportamento indesejável através de dessensibilização, extinção e recondicionamento. Existencialistas vêem o aconselhamento como o encontro subjetivo entre dois indivíduos numa relação afetiva.

A organização deste livro está baseada em um continuum entre as várias abordagens no processo de aconselhamento. O continuum vai das abordagens mais fortemente racionais, de um lado, às mais afetivas, do outro. Na abordagem racional, o processo de aconselhamento tende a ser planejado, objetivo e impessoal. Na abordagem afetiva, ele é considerado caloroso, pessoal e espontâneo. Uma abordagem enfatiza a razão e a resolução de problemas; a outra, afeto e experiência. Ainda que provavelmente não existam formas puras de cada uma destas abordagens, a distinção acima parece ser corroborada pela análise dos vários pontos de vista. Na verdade, parece que há duas tendências divergentes em aconselhamento – uma na direção de uma abordagem mais cognitiva e outra na direção de uma abordagem afetiva – de modo que se estabelece uma dicotomia.

Outra diferenciação de abordagens em termos do processo é a dicotomia compreensão - ação de London.16 Ele inclui entre as terapias de compreensão a terapia centrada na pessoa e a análise existencial, assim como as diversas escolas de psicanálise. Embora haja diferenças entre as abordagens da compreensão, London as vê como irrelevantes quando comparadas às suassimilaridades. Há duas analogias que aparecem notavelmente e minimizam a importância de outras semelhanças e diferenças existentes: “1. O único instrumento admitido na terapia é a fala, e as sessões terapêuticas são deliberadamente conduzidas de maneira que, do começo ao fim, o paciente, cliente, analisando ou aconselhando fale a maior parte do tempo e decida a maior parte do que vai ser falado. 2. O terapeuta trabalha com uma cuidadosa tendência a não comunicar para o paciente informações importantes ou detalhadas da sua própria vida pessoal, ou seja, o terapeuta tende a esconder sua vida pessoal do

14 Salter, A. Conditioned reflex therapy. New York: Capricorn, 1961. P. 24.

15 Wolpe, J. The practice of behavior therapy. New York: Pergamon Press, 1969. P. 275.

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paciente”17. Técnicas como associação livre trazem à tona o material reprimido ou inconsciente, o qual é respondido por reflexão, compreensão empática ou interpretação por parte do terapeuta, conduzindo a um entendimento por parte do cliente.

Terapias de ação, ou terapias de comportamento, por outro lado, são aquelas não preocupadas com verbalizações (ou com a fala), mas com comportamento, ações e sintomas. O terapeuta de ação atua no comportamento e “não se importa nem um pouco com o que o paciente diz ou deixa de dizer sobre si mesmo ou com o que ele conhece de si exceto na medida em que estes comportamentostenham valor concreto e demonstrável para a produção de mudanças”. [grifo do autor] De acordo com London, são duas características do terapeuta de ação: “1. O terapeuta assume uma influência muito maior na forma como são conduzidas as sessões de tratamento (e provavelmente no resto da vida do paciente) que o terapeuta da compreensão. 2. O terapeuta é muito mais responsável pelo resultado do tratamento, ou seja, por quaisquer mudanças que ocorram nopaciente, que os terapeutas da compreensão”18.

Ullmann & Krasner propõe essencialmente a mesma dicotomia em sua distinção entre terapias evocativas ou expressivas e terapia do comportamento, embora eles reconheçam que há sobreposição entre as técnicas.19 Enquanto os conceitos da teoria de aprendizagem apenas estão presentes na terapia expressiva, na do comportamento eles são aplicados de forma sistemática.

Sundland & Barker estudaram as diferenças de orientação num grupo de 139 psicoterapeutas membros da Associação Psicológica Americana, utilizando um Questionário de Orientação do Terapeuta, contendo dezesseis sub-escalas.20

Estas escalas incluíam, entre outros, Freqüência da Atividade, Tipo de Atividade, a Característica Emocional da Relação, Espontaneidade, Planejamento, Conceitualização do Relacionamento, Metas da Terapia, Teoria do CrescimentoPessoal, Teoria da Neurose, Teoria da Motivação e Critérios de Sucesso. Os terapeutas estipularam para si mesmos, com relação à maioria das escalas, avaliações que iam de “concordo plenamente” a “discordo plenamente”. Depois disso, todos os terapeutas foram classificados em três grupos – Freudianos, Sullivanianos e Rogerianos – e comparados pelas escalas. Os três grupos apresentaram diferenças significantes em nove das dezesseis escalas, com os Sullivanianos estando na posição mediana em oito destas comparações. O grupo Freudiano, em comparação com o grupo Rogeriano, acreditava que o terapeutadeveria ser mais impessoal, planejar a sua terapia, ter objetivos definidos, inibirsua espontaneidade, usar interpretação, conceituar o caso e reconhecer a importância da motivação inconsciente. Estes resultados corroboram com aqueles obtidos por Strupp.21 Apenas uma diferença foi encontrada nos terapeutas agrupados por níveis de experiência: ainda que a maioria dos terapeutas aceitassem uma teoria de auto-atualização inata para o crescimento pessoal, estaaceitação foi maior no grupo dos menos experientes (significante em nível .05).

Uma análise fatorial das dezesseis escalas nos trouxe seis fatores. Um fator geral percorreu a maioria das escalas, propiciando um único continuum principal dentro do qual os terapeutas variam. Uma extremidade é chamada de “analítica” (que não é apenas “psicanalítica”) e a outra é chamada de “experiencial”, por Sundland & Barker. O terapeuta analítico enfatiza conceituação, planejamento,

17 Ibid., p. 45.

18 Ibid., p. 78.

19 Ullmann, L.P. & Krasner, L. (Eds.) Case studies in behavior modification. New York: Holt, Rinehart and

Winston, 1965. Introduction.20 Sundland, D.M. & Barker, E.N. The orientations of psychotherapists. J. consult. Psychol., 1962, 26, 201-212.21

Strupp, H.H. An objective comparison of Rogerian and psychoanalytic techniques. J. consult. Psychol.,1955, 19, 1-7.

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processos inconscientes e restrição à espontaneidade. Mais terapeutas encaixaram-se numa abordagem “analítica” do que na abordagem “experiencial”.

Wallach & Strupp obtiveram resultados similares da análise fatorial dos dados de dois grupos de terapeutas numa escala de Práticas Terapêuticas Usuais.22 O fator primordial foi chamado de manutenção da distância pessoal. Quatro grupos de terapeutas – Freudianos ortodoxos, psicanalíticos em geral, Sullivanianos e centrados na pessoa – foram comparados, com o primeiro grupo ficando no nível mais alto no fator distância pessoal, seguido pelo segundo grupo, e os outros dois grupos obtendo resultados semelhantes entre si, bem inferiores aos primeiros.

McNair & Lorr estudaram as técnicas relatadas por psicoterapeutas, sendo192 homens e 73 mulheres (67 psiquiatras, 103 psicólogos e 95 assistentes sociais) em quarenta e quatro Clínicas para Higiene Mental de Veteranos, utilizando um instrumento desenvolvido dentro dos princípios da Escala de Orientação do Terapeuta de Sundland & Barker.23 Eles construíram como hipótese três dimensões a serem medidas por uma escala chamada AID: ( A )técnicas de orientação psicanalítica, ( I ) abordagens pessoais versus abordagens impessoais para o paciente e ( D ) métodos terapêuticos diretivos e ativos. Todas as três dimensões surgiram a partir da análise fatorial das quarenta e nove escalas incluídas no estudo. Altas pontuações no fator A representam técnicas psicanalíticas tradicionais. Altas pontuações no fator I representam uma abordagem sem envolvimento emocional, objetiva e impessoal, enquanto baixas pontuações neste fator representam ênfase na personalidade do terapeuta e na relação terapeuta-paciente. Altas pontuações no fator D indicam que o terapeuta tem um conjunto de metas, planeja o tratamento, conduz as entrevistas e aceita o ajustamento social como objetivo principal. Baixas pontuações, por sua vez, indicam não direcionamento do terapeuta e crença na determinação que o paciente faz para os objetivos da terapia. Ainda que os três fatores estejam inter- relacionados, McNair & Lorr os consideram independentes.

Estes estudos sustentam que existem diferenças entre os terapeutas. O estudo realizado por Sundland & Barker nos oferece evidência do continuum ou dicotomia racional-afetivo. O estudo de McNair & Lorr também sustenta esta classificação das abordagens e técnicas. Além disso, McNair & Lorr encontraram um fator ( D ) que pode complementar a dicotomia de London. Nem Sundland & Barker, nem McNair & Lorr concordariam com a classificação de London que une as abordagens centrada na pessoa e existencial com a psicanálise num mesmo grupo homogêneo de ‘terapias de compreensão’. Nenhum destes estudos incluiu terapeutas do comportamento, e os resultados seriam certamente diferentes caso o tivessem feito. Com o surgimento da terapia do comportamento, foi adicionada uma nova dimensão à psicoterapia e ao aconselhamento, e é a diferença entre esta abordagem e as demais que parece apresentar nosso maior problema para o futuro.

Os estudos mais conhecidos sobre as analogias entre escolas de psicoterapia em termos do processo são os de Fiedler.24 Fiedler descobriu que terapeutas de diferentes escolas concordavam com relação ao que seria a natureza da relação terapêutica ideal, e a análise fatorial ofereceu um fator comum de “boa qualidade” das relações terapêuticas. Mas, como interpretar estes estudos em face aos outros relatados acima, que assinalaram diferenças tão importantes? A resposta parece estar na natureza dos instrumentos utilizados nestes estudos. Sundland &

22 Wallach, M.S. & Strupp, H.H. Dimensions of psychotherapists activities. J. consult. Psychol., 1964, 28, 120-

125.23

McNair, D.M. & Lorr, M. An analysis of professed psychotherapeutic techniques. J. consult. Psychol., 1964,28, 265-271.24

Fiedler, F. The concept of an ideal therapeutic relationship. J. consult. Psychol., 1950,14, 235-245; Fiedler, F. A comparison of therapeutic relationships in psychoanalytic, nondirective, and Adlerian therapeuticrelationships. J. consult. Psychol., 1951, 15, 32-38.

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Barker desenvolveram seu instrumento eliminando itens nos quais os terapeutas concordavam. Fiedler, por outro lado, parece ter unido um grupo de itens onde havia concordância dos terapeutas. Sundland & Barker apontam que os itens que eles descartaram, porque não resultaram numa distribuição de respostas, eram similares aos itens usados nos estudos de Fiedler. Estes itens estavam relacionados à empatia. Parece, portanto, haver evidência de que os terapeutas apresentam consenso quanto a importância da empatia e da compreensão, ainda que os terapeutas do comportamento pareçam diminuir ao máximo a importância da empatia. Não obstante, pode-se dizer que um mínimo de compreensão empática se faz necessário para a continuação da interação entre o conselheiro e o cliente; e é também um fator para a mudança efetiva, como será demonstrado mais tarde. Assim, parece que uma relação caracterizada por algum nível de interesse, aceitação e compreensão é básica para que seja exercida alguma influência terapêutica. Outros fatores podem direcionar mudanças juntamente com a linha tomada pelo terapeuta, mas é o relacionamento que torna qualquer influência possível.

Nosso interesse neste livro está no aconselhamento e na psicoterapia individuais. Nestas modalidades, todas as abordagens utilizam a entrevista particular, na qual a interação verbal é o componente principal. As técnicas de condicionamento, aspecto mais importante da terapia comportamental, podem ser utilizadas fora da situação de entrevista, é claro, mas a questão aqui é que a terapia comportamental também utiliza a entrevista. É também verdade que outros métodos e técnicas das demais abordagens podem ser aplicados em outras situações que não a sessão de aconselhamento.

Há alguns terapeutas comportamentais que se interessam pela aplicação das técnicas de condicionamento fora da situação de entrevista. No entanto, o controle da situação ambiental do cliente fora da entrevista é muito mais difícil que o controle do ambiente da entrevista. Além disso, pode-se sustentar que a aplicação de quaisquer métodos ou técnicas de aconselhamento ou psicoterapia fora da situação de entrevista não constitui de fato aconselhamento ou psicoterapia. O crescente uso do termo “modificação do comportamento” entre aqueles que se interessam pelas alterações do comportamento provocadas pelas técnicas de condicionamento indica a amplitude de seus interesses. Contudo, Wolpe deseja manter em uso o termo “terapia comportamental” e continuar a considerá-lo apenas um método de psicoterapia.

Para somar-se ao elemento comum que é a relação pessoal na entrevista, parece que há certo número de outros aspectos do processo de aconselhamento compartilhados pela maioria das abordagens (se não por todas). Entre eles estão determinadas características do conselheiro ou terapeuta e do cliente ou paciente.A primeira característica do terapeuta é o interesse verdadeiro pelo cliente, um forte desejo de ajudá-lo, para influenciá-lo ou transformá-lo. Conselheiros e terapeutas não apenas aceitam a possibilidade da mudança do cliente, mas estão genuína e fortemente interessados em ser agentes desta mudança. Se não fosse assim, não estariam engajados em aconselhamento ou psicoterapia.

Além disso, todos os conselheiros e terapeutas esperam que seus clientes mudem. Esta expectativa pode variar em intensidade, em alguns exemplos apresentando-se de forma altamente otimista, até mesmo entusiástica, e sendo mínima em outros. Mas ela sempre está presente. Há sempre uma atitude de esperança e expectativa pela mudança. Novamente, sem essa expectativa os terapeutas não continuariam seu trabalho. Um fator que não pode estar independente ou separado dos demais já discutidos é a aceitação e o respeito pelo cliente como pessoa, um indivíduo que se apresenta apesar dos seusproblemas e dificuldades ou suas características desagradáveis. Em outras palavras, a aceitação e o respeito não estão condicionados pela demonstração no

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comportamento do cliente de coisas que o conselheiro entenda como desejáveis, boas ou saudáveis. A aceitação não impede, portanto, que exista discordância com relação às atitudes, crenças e comportamentos do cliente; e isto não significa aprovação. A aceitação é um respeito e um apreço pelo cliente que se dá apesar das suas características indesejáveis. Esta é a aceitação positiva incondicional da terapia centrada na pessoa. Parece que essa postura deve sempre existir, pelo menos em nível mínimo, caso contrário um conselheiro não poderia continuar sua relação com o cliente. De fato, os conselheiros não continuam um trabalho quando esta condição não existe; portanto, os clientes são escolhidos com base na possibilidade de que exista aceitação e respeito.

Outro elemento que parece ser comum a todas as abordagens recebe diversas designações diferentes. Na abordagem centrada na pessoa recebe o nome de “autenticidade” ou “congruência” do terapeuta. Outros o chamam de “sinceridade”, “honestidade” ou “abertura”. Os existencialistas também fazem uso do termo “autenticidade”. Algumas abordagens (como a de Ellis) não se referem especificamente a esta característica, mas está explícito nas discussões dentro destas abordagens, e particularmente em seus protocolos, que este é um elemento sempre presente.

Há uma última característica que une terapeutas das mais diversas abordagens. É o fato de que cada terapeuta acredita e confia na teoria e no método que utiliza. Se por acaso ele sentisse que aquele não era o melhor método (ou a melhor abordagem) não o teria escolhido, adotaria outro. Podemos criar a hipótese de que o sucesso (ou, ao menos, os relatos de sucesso) tem grande relação com o grau de confiança que o terapeuta tem na sua abordagem. O fracasso ou a inabilidade do terapeuta em se comprometer com uma determinada abordagem aparentemente limitam sua efetividade e fazem dele um mero técnico. Um aspecto comum da terapia, portanto, parece ser o compromisso do terapeuta com um método ou abordagem particular.

A maior parte das abordagens (se não todas), desta forma, parecem contemplar uma relação que é caracterizada, por parte do conselheiro ou terapeuta, por: uma crença na possibilidade de mudança do cliente; a expectativa de que o cliente mude; o interesse pelo cliente, incluindo um desejo de ajudá-lo, influenciá-lo ou mudá-lo; sinceridade e honestidade no processo terapêutico; confiança na abordagem utilizada para que se processe a mudança no cliente.

É necessário adicionar um outro ponto. A questão é que o aspecto crucial do impacto ou da contribuição do terapeuta não é a sua personalidade ou seu comportamento reais, ou mesmo sua intenção no relacionamento. É a percepção do cliente que determina as características e contribuições do terapeuta. Portanto, as características do cliente, bem como suas atitudes, são importantes aspectos do relacionamento.

Alguns aspectos comuns aos indivíduos que chegam aos conselheiros ou terapeutas são aparentes. Primeiro, como indicado acima, eles comunicam uma “dor” – estão sofrendo ou estão infelizes por conta de conflitos, sintomas, desejos e aspirações insatisfeitas, sentimentos de fracasso ou inadequação, ausência de sentido em suas vidas. Eles estão, portanto, motivados a mudar. Os clientes nem sempre estão conscientes da sua “dor” ou, se estão, podem não sentir a necessidade de ajuda ou não querê-la de um conselheiro ou de um terapeuta. É claro que pode ser mantido que de alguma forma todos sentimos uma “dor” e que portanto poderíamos nos beneficiar do aconselhamento.

Em segundo lugar, os clientes também acreditam que a mudança seja possível e esperam mudar, esperam ser ajudados. Frank já enfatizou a

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universalidade deste fator nos clientes.25 Cartwright & Cartwright mostraram que este é um fator complexo: pode ser uma crença de que a melhora irá ocorrer, uma crença no terapeuta como principal fonte de ajuda ou uma crença em si mesmo (cliente) como principal fonte de ajuda.26 Estes autores sentiram que apenas a última destas crenças conduz à melhora de forma linear e positiva. As outrascrenças, porém, em algum nível estão presentes em todos os clientes. O cliente precisa perceber que o conselheiro está interessado por ele e quer ajudá-lo. Esta crença parece envolver um complexo de atitudes. O cliente deve ter alguma confiança no conselheiro e em seus métodos, ou não iniciaria o aconselhamento.

Em terceiro lugar, o cliente deve ser ativo e participar do processo. Ele não é um receptor passivo, como é o paciente com uma doença física sob os cuidados de um médico. Todo aprendizado (mudança de comportamento) requer atividade (seja ela motora, verbal ou intelectual) por parte do aprendiz. Esse tipo de comportamento no aconselhamento e na psicoterapia inclui a auto-análise e a auto-exploração. Truax & Carkhuff referem-se a isto como exploraçãointrapessoal ou auto-descoberta.27 Jourard28 e Mowrer29 também falam em auto- descoberta. Parece que o cliente, assim como o terapeuta, deve ser genuíno, honesto e estar aberto ao processo de terapia.

Assim, parece que todas as abordagens lidam com clientes que estão necessitando ajuda, reconhecem esta necessidade, acreditam que podem mudar, acreditam que o conselheiro pode ajudá-los e realizam alguma atividade no intuito de mudar.

Com isso fica claro que todas as abordagens estão envolvidas em um relacionamento entre um conselheiro e um cliente no qual cada um contribui com determinadas características que conduzem à mudança do cliente.

UMA TENTATIVA DE INTEGRAÇÃO

Ainda que existam muitas similaridades, também há muitas diferenças entre as diversas abordagens em aconselhamento ou psicoterapia. A maior divergência talvez esteja entre as terapias comportamentais, por um lado, e as abordagens existencialistas (incluindo a terapia centrada na pessoa), por outro. A despeito de todas as semelhanças e concordâncias notadas acima, parece que estes dois pontos de vista são percebidos por seus partidários e por outros como absolutamente contraditórios. As terapias comportamentais parecem ser objetivas, impessoais, orientadas pela técnica e mecânicas. A abordagem existencial pode ser vista como subjetiva, pessoal e não interessada pela técnica. Será possível reconciliar estas abordagens aparentemente tão incompatíveis? Reconhecendo estas tendências divergentes não apenas na psicoterapia, mas em toda psicologia, Rogers afirmou que elas “parecem irreconciliáveis porque nós ainda não desenvolvemos um quadro de referência mais amplo que possa darcontinência às duas.”30

Uma reconciliação possível para as visões de homem divergentes pode derivar da consideração dos diferentes modelos de homem delineados por Allport,

25 Frank, J.D. The dynamics of the psychotherapeutic relationship. Psychiatry, 1959, 22, 17-39; Frank, J.D.

Persuasion and healing. Baltimore: Johns Hopkins, 1961; Rosenthal, D. & Frank, J.D. Psychotherapy and the placebo effect. Psychol. Bull., 1956, 53, 294-302.26

Cartwright, D.S. & Cartwright, Rosalind D. Faith and improvement in psychotherapy. J. counsel. Psychol.,1958, 5, 174-177.27

Truax, C.B. & Carkhuff, R.R. Client and therapist transparency in the psychotherapeutic encounter. J. consult. Psychol., 1965, 12, 3-9.28

Jourard, S.M. The transparent self. New York: Van Nostrand, 1964.29

Mowrer, O.H. The new group therapy. New York: Random House, 1961. P. 8530

Rogers, C.R. Divergent trends. In R. May (Ed.), Existential psychol. New York: Random House, 1961, p. 85.

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que escreve: ”o problema com nossas teorias de aprendizagem atuais não é tanto que elas estejam erradas, mas que elas sejam parciais”31. Assim, podemos dizer a respeito da terapia comportamental (ou da abordagem do condicionamento) que seu problema não é que esteja errada, mas que seja incompleta enquanto descrição ou teoria sobre a natureza do homem, seu comportamento e suamodificação. É uma abordagem “nada além disso”. Não se questiona a existência do condicionamento, o fato de que o homem é um ser reativo que pode ser condicionado e recondicionado. Mas o homem é mais do que isso. Ele é também um ser ativo, um ser que inicia a ação. Seu comportamento influencia o ambiente da mesma forma que é influenciado por ele.

O homem não é meramente um mecanismo ou um organismo controlado por estímulos objetivos do ambiente e subjetivos vindos de dentro de si. O conceito de comportamento operante reconhece que o homem também atua em seu ambiente. Ele seleciona e define, através das suas percepções, os estímulos a que vai responder. Ele é, portanto, um ser que vive, ou existe, que pensa e sente, que interpreta e define seu ambiente e a si mesmo de certas maneiras. Seu mundo é determinado em parte pelas suas percepções e não apenas pela natureza objetiva dos estímulos. Esta é uma abordagem “algo além”.

Como indicado acima, parece haver consenso quanto à necessidade de se estabelecer um relacionamento no aconselhamento ou na psicoterapia. Um relacionamento complexo, com diversos aspectos. Não simplesmente uma relação cognitiva, intelectual ou impessoal, mas uma relação afetiva, experiencial e altamente pessoal. Não necessariamente irracional, mas que contenha elementos não racionais. A natureza dos laços entre colegas é essencialmente afetiva.

Acumulam-se evidências de que o elemento efetivo no aconselhamento seja a natureza do relacionamento estabelecido pelo conselheiro. Goldstein, revisitando a literatura sobre as expectativas terapeuta-paciente na psicoterapia, conclui: ”Não pode mais haver dúvida quanto à importância primária da relação terapêutica no todo da situação terapêutica”32. O terapeuta do comportamentoparece não estar interessado ou minimizar a importância do relacionamento. No entanto, o relacionamento ocupa em seu método um posto mais importante do que ele mesmo admite. Deve estar claro que as características do conselheiro ou terapeuta e do cliente discutidas acima manifestam-se sempre em uma relação.

A relação de aconselhamento sempre envolve aspectos do condicionamento. A atmosfera aceitadora, compreensiva e não ameaçadora da situação terapêutica oferece oportunidade para a extinção da ansiedade e para a dessensibilização de estímulos ameaçadores. Nesta relação, na qual a ameaça externa é minimizada, idéias, palavras, imagens e sentimentos ansiógenos ficam livres para aparecer. Mais ainda, aparecem numa seqüência que se assemelha ao tipo de hierarquia estabelecida por Wolpe, ou seja, da menos para a mais ansiógena. Portanto, em qualquer relação terapêutica não ameaçadora, a dessensibilização pode ser alcançada como foi em Wolpe. Esta relação, por minimizar a ansiedade evocada pelo externo, torna possível para o cliente experienciar e trazer à tona suas ansiedades internamente induzidas na medida em que ele for aos poucos se apropriando delas dentro da relação aceitadora.

Além disso, o condicionamento operante serve para reforçar a produção das verbalizações, elas que, acredita o terapeuta, têm efeito terapêutico ou são ao menos necessárias para o transcorrer da terapia. O terapeuta recompensa estas verbalizações através do seu interesse e da sua atenção ou então por meio de aprovação e elogio explícitos. No começo da terapia, elementos negativos

31 Allport, G.W. Psychological models for guidance. Harvard educ. Rev., 1962, 32, 373-381.

32 Goldstein, A.P. Therapist-patient expectancies in psychotherapy. New York: Macmillan, 1962, p. 105

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podem ser reforçados – por exemplo, a expressão de problemas, conflitos, medos e ansiedade, bem como auto-referências negativas. Conforme a terapia progride, o terapeuta pode reforçar elementos positivos – por exemplo, esforços na resolução de problemas, pensamentos, atitudes e sentimentos positivos, bem como auto-referências positivas. O terapeuta tem a expectativa de que aconteçam progressos desse tipo e se mostra sensível a esta expressão no cliente.

A questão a ser encarada, para citar Jourard, é: “Que condições favorecema produção do comportamento operante no terapeuta que podemos dizer ser‘facilitador de crescimento do paciente’? Ou seja, que condições evocam no terapeuta as atitudes que estimulam o cliente a emitir comportamentos que contribuem para seu crescimento?”33

Os princípios do condicionamento têm contribuído para a compreensão da natureza do processo terapêutico e da relação terapêutica. Mas não o condicionamento mecânico que ocorre em um rato na caixa de Skinner. Falamosdo condicionamento como aspecto da relação terapêutica que se manifesta e que é influenciado por ela. Há diversas evidências de que o grau e a extensão do condicionamento são influenciados pelas atitudes e personalidade do experimentador e pela relação entre este e seu sujeito.34 Nesta relação estão presentes características do cliente – seus interesses, motivações, pensamentos, atitudes, percepções e expectativas – bem como do conselheiro. Há também a influência da situação na qual a relação ocorre – o que num experimento de pesquisa se chama de caraterísticas da demanda. Como disseram Ullmann & Krasner, “as expectativas, antecipações, etc., tanto no sujeito quanto no examinador, têm efeito importante sobre a resposta individual à situação”, e “os melhores resultados são obtidos quando o paciente e o terapeuta estabelecem um bom relacionamento interpessoal”35 A relação, portanto, não pode serignorada, mesmo numa terapia comportamental. Krasner lembra que Skinner classificava a atenção como reforço genérico.36 As influências mais poderosas para o comportamento – ou, em termos de condicionamento, os reforços – são o respeito, o interesse, a consideração e a atenção do terapeuta. A demonstração experimental dos efeitos destes reforços generalizados apóia a teoria da importância do relacionamento no aconselhamento e na psicoterapia.

Há ainda um ponto adicional que enfatiza a importância da relação terapêutica. Muitos, se não a maioria dos problemas e dificuldades dos clientes envolvem relações interpessoais. Cada vez mais tem-se reconhecido que boasrelações interpessoais são caracterizadas por honestidade, sinceridade eespontaneidade. A psicoterapia é uma relação que tem estas características e é, portanto, uma situação na qual o cliente tem oportunidade de aprender sobre boas relações interpessoais. De fato, a terapia seria limitada se tentasse influenciar as relações interpessoais do cliente apenas dando a ele uma outra forma de relação. E se tentasse influenciar relacionamentos interpessoais evitando o estabelecimento de uma relação terapêutica, seria ineficiente. Ensinar (ou condicionar o comportamento individual) de maneira mecânica não traria grande esperança quanto à generalização disso para outros relacionamentos fora da terapia. O que o terapeuta faz é prover um modelo de bom relacionamento interpessoal para o cliente.

London acredita que Mowrer oferece uma solução às inadequações da divisão entre terapias de compreensão, por um lado, e terapias de ação, por

33 Jourard, S.M. On the problem of reinforcement by the therapist of healthy behavior in the patient. In

F.J. Shaw (Ed.), Behavioristic approaches to counseling and psychotherapy. Tuscaloosa, Ala.: University of Alabama Press, 1961, p. 14.34

Ullmann, L.P. & Krasner, L. op.cit.35

Ibid., p. 43.36

Krasner, L. The therapist as a social reinforcement machine. In H.H. Strupp & L. Luborsky (Eds.), Research in psychotherapy. Vol. II. Washington: American Psychological Association, 1962. P. 67.

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outro.37 Porém, a abordagem de Mowrer, mesmo que ainda não tenha sido apresentada ou desenvolvida de forma sistemática, é uma terapia de relação.38

Mowrer, reconhecendo que a personalidade é produto de relacionamentos interpessoais, enfatiza o valor terapêutico da disponibilidade e da auto-descoberta nestas relações. No entanto, ainda que sinta que tal abertura possa iniciar-se no relacionamento com um terapeuta individual, ele afirma que para isso raramente são necessárias mais que uma ou duas entrevistas. Mowrer acredita que o cliente deve transportar-se rapidamente do grupo de dois para o grupo maior de ‘outros’ significativos em sua vida (para usar um termo de Sullivan) ou grupos primários (em termos sociológicos).

Não há, portanto, contradição básica ou necessária entre terapia do comportamento e terapia de relação. Uma enfatiza a modelagem ou modificação de aspectos específicos do comportamento através de recompensas ou reforços específicos. A outra enfatiza modificações mais genéricas do comportamento(incluindo mudanças de atitude e sentimento), obtidas por meio de reforços genéricos. Ambas utilizam os princípios da aprendizagem – uma de maneira mais limitada, enfatizando o condicionamento, a outra de forma mais abrangente, enfatizando o que poderíamos chamar de aprendizagem social.39 Os terapeutas comportamentais, como apontam Ullmann & Krasner, são sistemáticos na aplicação que fazem de conceitos de aprendizagem específicos.40 Mas também pode ser dito que os terapeutas de relação são sistemáticos na aplicação de reforços generalizados. O condicionamento e a terapia comportamental estão apoiados em evidências empíricas, incluindo laboratório e pesquisa experimental. A abordagem de relação também tem apoio em pesquisas, incluindo algumas sobre condicionamento. É interessante e significativo que ambos os grupos estejam chegando às mesmas conclusões, um a partir do trabalho de laboratóriocom condicionamento, o outro da experiência e pesquisa em aconselhamento e psicoterapia. É importante, porém, que os terapeutas comportamentais consigam reconhecer a complexidade do processo de aprendizagem com seus aspectos sociais ou de relacionamento, e que também os terapeutas que enfatizam o relacionamento estejam conscientes de que o condicionamento é um aspecto do aconselhamento ou psicoterapia. O processo total, ainda que seja um aprendizado, é do tipo complexo. Vários tipos de aprendizagem estão envolvidos e não simplesmente o condicionamento operante ou clássico. Fazem parte deste processo elementos perceptivos, cognitivos e afetivos, sendo que todos eles sãoimportantes para o comportamento e para sua modificação. A dificuldade de seprover uma relação terapêutica, com seus necessários aspectos afetivos, é maior que a de se criar uma relação de condicionamento de laboratório, ou mesmo a de se estabelecer numa entrevista uma relação racional de resolução de problemas.

A complexidade do processo e a importância do interesse, consideração e compreensão do terapeuta têm uma implicação fundamental. O processo não pode ser mecanizado, simplificado ou controlado em termos de planejamento ou de objetivos, manipulação forjada de recompensas para expressar interesse, consideração, etc. Isto porque o comportamento do terapeuta só pode ser efetivo quando é sincero e espontâneo, não quando é uma técnica planejada. O terapeuta é mais efetivo quando age como pessoa – quando ele é, como diz a abordagem centrada no cliente, “autêntico” no relacionamento. Enquanto os terapeutas do comportamento esforçam-se para ser efetivos tentando reduzir o tratamento às bases da técnica, parece que para ser o mais efetivo possível o

37 London, P. op. cit.

38 Mowrer, O.H. op. cit.

39 Murray, E.J. Learning theory and psychotherapy: biotropic versus sociotropic approaches. J.

counsel. Psychol., 1963, 10, 251-25540

Ullmann, L. P. & Krasner, L. op. cit., p. 37.

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terapeuta deve ser uma pessoa humana real. A influência mais efetiva é aquela em que uma outra pessoa oferece um relacionamento humano genuíno.

Os comentários de Jourard são relevantes aqui:

Acredito que estamos prestes a descobrir que quando um terapeuta experiente abre mão da técnica e é apenas ele mesmo na presença do seu paciente: 1. Ele está, na verdade, criando condições que provoquem um‘ser si mesmo’ verdadeiro, ou seja, uma auto-descoberta espontânea e não forjada em seu paciente. Isto é análogo a preparar a bomba d’água ou mostrar ao rato como funciona a alavanca. 2. Ele está oferecendo um reforço poderoso para o ‘ser si mesmo’ verdadeiro em seu paciente. ‘Ser si mesmo’ gera ‘ser si mesmo’. 3. Ao responder espontaneamente ao paciente, o terapeuta não apenas evoca o ‘ser si mesmo’ verdadeiro, mas também extingue muitas das respostas que evocam a doença emitidas pelo paciente. 4. Ele está evitando os tão prejudiciais comportamentos forjados e a manipulação impessoal, sua e de seu paciente. De forma mais apropriada, ele está oferecendo ao paciente um modelo real decomportamento honesto e saudável.41

As evidências parecem atribuir a uma forma particular de relacionamento o papel de elemento crucial no aconselhamento e na psicoterapia. Uma relação não tanto caracterizada pelas técnicas que o terapeuta usa, mas por quem ele é; não tanto por aquilo que ele faz, mas pela forma como faz. Rogers diz que “alguns dos estudos realizados recentemente sugerem que um terapeuta autêntico e calorosamente humano, interessado apenas em compreender a cada momento os sentimentos desta pessoa que comparece para a relação com ele é o terapeuta mais efetivo. Claramente, nada indica que o terapeuta friamenteintelectual, analítico e fatual seja efetivo”42. Muito do que fazem os terapeutas é supérfluo ou não tem relação com a sua efetividade; na verdade, é provável que boa parte do seu êxito não esteja ligado àquilo que eles fazem, ou mesmo ocorra apesar do que fazem, desde que ofereçam esta relação que tantos terapeutas das mais diversas abordagens parecem oferecer. Pelo menos em algum nível, mesmo os behavioristas mais radicais estabelecem um relacionamento desse tipo.

DUAS QUESTÕES

A conclusão de que a essência do aconselhamento ou psicoterapia consiste num relacionamento humano autêntico caracterizado por interesse, consideração, compreensão empática e congruência por parte do terapeuta conduz a duas questões.

1. O que há de único neste relacionamento? Em que ele difere dos outros bons relacionamentos humanos? Se a resposta for, como parece óbvio, que nada existe de único ou diferente, então o que há de especial na prática de aconselhamento ou psicoterapia? Fiedler concluiu a partir de seus estudos que “uma boa relação terapêutica é muito semelhante a qualquer outro bom relacionamento interpessoal” 43

Esta visão pode sofrer oposição daqueles que a sentem privar conselheiros ou terapeutas de seus poderes únicos, aqueles que temem que esta situação

41 Jourard, S.M. op. cit., pp. 15-16.

42 Rogers, C.R. On becoming a person. Boston: Houghton Mifflin, 1961. P. 269.

43 Fiedler, F. The concept of an ideal therapeutic relationship. J. consult. Psychol., 1950, 14, 235-245.

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“deixe aquele que os pratica sem especialidade”44 Não deve nos causar surpresa, porém, o fato de que as características da psicoterapia sejam iguais às de todas as boas relações humanas. E isto também não significa, por não estarem estas características limitadas ao aconselhamento ou à psicoterapia, que estes não sejam relevantes ou específicos. A essência da perturbação emocional são relações humanas perturbadas. O indivíduo foi alienado, separado da comunidade dos homens. Suas relações com outros sofreram uma ruptura ou foram construídas sobre uma base insegura, falsa ou por demais frágil. Ele precisa restabelecer boas relações com outros.

No entanto, muitas vezes ele não consegue fazer isso sozinho, por diversas razões. Ele pode não estar apto a modificar o comportamento que contribui para a manutenção destes relacionamentos empobrecidos. Ele pode não saber quais comportamentos estão envolvidos. Outros podem não dar a ele a chance de mudar, ou mesmo que ele mude, podem não reconhecer, aceitar ou acreditar na permanência da mudança. O comportamento destes ‘outros’, pelo menos em parte estimulado pelo próprio comportamento do sujeito em questão, contribui para o círculo vicioso de relações empobrecidas. Tal situação não contribui em nada com a mudança; o indivíduo está ou sente-se acuado pelos outros e reage, por sua vez, acuando-os.

Assim, é preciso alguém que possa aceitar, em todo seu comportamento perturbado, irritante e ameaçador, o indivíduo que tem um problema, e possa mostrar a ele um relacionamento não ameaçador no qual ele consiga responder abertamente, também de forma não ameaçadora. A terapia oferece a oportunidade de aprender como se relacionar com os outros de maneira diferente, com maior efetividade. Para isso, personifica os princípios do que seja um bom relacionamento humano, algo que pode parecer simples, mas não é tão largamente praticado fora da situação de terapia. Se tal relação fosse vastamente aplicada, possivelmente não existiriam pessoas emocionalmente perturbadas, exceto aquelas cuja perturbação tem origem orgânica. A dificuldade de se experimentar um relacionamento desta ordem dentro dos padrões em que ocorre boa parte das inter-relações humanas talvez seja o fundamento da atitude do terapeuta de evitar que ocorra entre ele e seu cliente qualquer relação fora da relação terapêutica. Ainda que haja algum mérito na análise de Schofield dapsicoterapia como uma relação na qual se compra amizade45, a terapia, porém, é mais que amizade, pelo menos no sentido usual da palavra. Se numa visão depsicoterapia como algo obscuro e misterioso o terapeuta se assemelha a mágicose curandeiros, uma visão de compra e venda de amizade o coloca ao lado de garotos e garotas de programa.*

2. As características de aconselhamento ou psicoterapia desenvolvidasacima são freqüentemente consideradas elementos não específicos. Muitas vezes é dito que elas não têm relação com a perturbação específica de cada cliente e que, portanto, embora possam ser consideradas condições necessárias, não são suficientes. Além disso, características como atenção, interesse, consideração, fé, confiança e expectativa são parte daquilo que é chamado efeito placebo no tratamento de doenças físicas. Ainda que não se costume pedir a eliminação desse tipo de efeito no aconselhamento ou psicoterapia, é geralmente aceito que, como fatores não específicos, eles não sejam suficientes e que outros métodos ou técnicas devam ser incluídos para que se possa lidar com aspectos específicos da perturbação. Argumenta-se que qualquer método ou técnica só pode ser considerado útil se produzir efeitos maiores que os obtidos por elementos placebo.

44 Mowrer, O.H. op. cit., p. 235.

45 Schofield, W. Psychotherapy: the purchase of friendship. Englewood Cliffs, N.J.: Prentice-Hall, 1964.

* places him in the same category as taxi dancers, gigolos and call girls. – N.T.

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O efeito placebo é um efeito psicológico. Quando o interesse e a consideração são elementos que ajudam a determinar o efeito físico ou fisiológico de uma droga ou medicação administrada em uma doença ou perturbação conhecida, é justificável considerar este efeito como externo e não específico. Mesmo aqui, porém, há interesse em se reconhecer e estudar os efeitos de tais fatores psicológicos no funcionamento físico.

Mas o conceito de externo no efeito placebo pode não ser aplicável ao aconselhamento ou psicoterapia. Aqui, a desordem ou perturbação é psicológica. Não é lógico que o tratamento específico para uma condição psicológica seja psicológico? Não parece razoável que o tratamento contra relações humanas perturbadas seja o oferecimento de uma boa relação? Seria o efeito placebo, como afirmam Rosenthal & Frank, “uma forma não específica de psicoterapia”?46

Há muito sabe-se que qualquer nova forma de tratamento, do choque elétrico aos tranqüilizantes, consegue grande êxito logo de início, quando éintroduzida, mas que este sucesso diminui com o tempo. Isto porque no começo todos esperam que o tratamento funcione – há esperança e expectativa por parte do paciente e do terapeuta. Os pacientes tornam-se objeto de atenção e interesse crescentes. Com o passar do tempo, porém, conforme o procedimento se torna rotina, conforme dúvidas e questões aparecem (já que nem sempre há êxito), a efetividade cai. O sucesso inicial foi resultado, totalmente ou em parte, do efeito placebo. Novamente, é razoável que, na avaliação dos resultados de tratamentos experimentais, este efeito seja considerado não específico. Mas nós também poderíamos olhar o aparente sucesso da terapia comportamental da mesma forma. Quanto deste sucesso é na verdade intensificado pelo efeito placebo? Não seria necessário que este efeito fosse eliminado para que se pudesse avaliar o efeito real do condicionamento?

É estranho que, mesmo com tanta evidência sobre a força do efeito placebo, ele não tenha sido reconhecido como a abordagem mais efetiva no tratamento de problemas psicológicos. Como colocam Krasner & Ullmann, “ainda que todo problema tenha sido entendido anteriormente como a eliminação dos‘efeitos placebo’, parece razoável maximizar estes efeitos na situação de tratamento com o intuito de aumentar a probabilidade do cliente modificar-se. Há um número cada vez maior de evidências segundo as quais o tal ‘efeito placebo’ é um eufemismo para as variáveis da influência do examinador”47

O efeito placebo, enquanto efeito psicológico, inclui grande variedade de elementos – todos os elementos de um relacionamento psicológico, na verdade.Somados às variáveis do relacionamento enfatizadas acima, também inclui comportamentos do terapeuta que façam crescer seu prestígio, status e autoridade, bem como sugestão direta ou indireta – elementos que aparecem deforma proeminente na terapia comportamental. Estes fatores mostraram-se efetivos em estudos sobre placebo envolvendo medicamentos. A relação entre a efetividade da terapia comportamental e a presença destes fatores ainda não foi avaliada.

UM CONTINUUM DE RELAÇÕES DE AJUDA

O reconhecimento das analogias básicas entre as diversas formas de abordagem ao aconselhamento ou psicoterapia, enfatizando o relacionamento, é importante. No entanto, as diferenças não podem ser ignoradas, e nos parece que deve ser realizada alguma tentativa de se desenvolver um modelo ou estrutura

46 Rosenthal, D. & Frank, J.D. op. cit.

47 Krasner, L. & Ullmann, L.P. (Eds.) Research in behavior modification. New York: Holt, Rinehart and

Winston, 1965, p. 230.

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teórica que consiga acomodar estas diferenças. Tal modelo minimizaria a tendência de dicotomizar, de afirmar uma posição do tipo ‘um ou outro’ tal como a representada por London entre as terapias de “compreensão” e de “ação” ou entre o “modelo médico” e o “modelo de aprendizagem”. Tais distinções, como aponta Lazarus, são supersimplificações.48

Outros autores sugerem que, ao invés de um único modelo ou uma dicotomia, exista uma multiplicidade de métodos e abordagens separados. A proliferação de teorias, métodos e técnicas propiciou o ressurgimento de uma proposição recorrente segundo a qual as técnicas devem estar adaptadas aos problemas e aos clientes. Ford & Urban, na retrospectiva que fizeram para a Annual Review of Psychology, notaram uma ênfase crescente neste tratamento diferencial.49 Krumboltz afirmou desta forma: “O que precisamos saber é que procedimentos e técnicas são, quando usados para conseguir que tipo demudança de comportamento, mais efetivos com quais tipos de clientes quandoaplicados por quais tipos de conselheiro”50.

De forma semelhante, Blocher escreve: “As velhas questões do tipo ‘O aconselhamento é efetivo?’ ou ‘Qual teoria de aconselhamento está correta?’ são extremamente retóricas. Elas deram lugar a perguntas como ‘Quais tratamentos nas mãos de quais conselheiros podem oferecer quais benefícios para clientes específicos?’”51 Paul coloca: “Em toda sua complexidade, a questão para a qual todos os resultados de pesquisa devem em última análise ser direcionados é aseguinte: Qual tratamento, realizado por quem, é o mais efetivo para esteindivíduo com aquele problema específico, e sobre que conjunto de circunstâncias?”52 E Strupp & Bergin, depois de analisarem centenas de referências, afirmam: “O problema da pesquisa em psicoterapia... deve sofrer uma reformulação... Que intervenções específicas produzem mudanças específicas em pacientes específicos sob condições específicas?”53

Esta abordagem parece bastante empírica. Contudo, como programa de pesquisa ela é praticamente impossível, pelo menos atualmente. Sua realização exigiria (a) um sistema de classificação para os clientes e/ou problemas dos clientes, (b) uma classificação dos tratamentos e abordagens em aconselhamento e (c) um sistema de classificação para os conselheiros. Após algumas centenas de anos de esforços, a psiquiatria ainda não conseguiu obter um sistema de diagnósticos aceitável (e podemos até mesmo questionar se um dia conseguirá). Uma leitura dos capítulos anteriores deste livro torna claro que não temos um sistema para realizar a classificação dos métodos de tratamento. A pesquisa sobre as características dos conselheiros apenas começou.

É possível, porém, esboçar um começo em termos de grandes diferenças entre métodos de tratamento e clientes. Parte da nossa dificuldade atual é que a palavra “aconselhamento”, particularmente, e cada vez mais a palavra “psicoterapia” estão sendo usadas de maneira tão ampla que cobrem uma grande variedade de atividades. Seria interessante se pudéssemos de alguma forma delimitar estes termos ou obter consenso sobre a existência de diferentes tipos de aconselhamento ou psicoterapia. Se isto não puder ser feito, talvez seja possível ao menos distinguir a terapia comportamental daquilo que poderíamos chamar terapia de relação. Além disso, poderia ser útil pensar em termos de um

48 Lazarus, A.A. Behavior therapy and beyond. New York: McGraw-Hill, 1971. P. 10.

49 Ford, D. & Urban, H.B. Psychotherapy. Ann. rev. Psychol., 1967, 18, 333-372.

50 Krumboltz, J.D. Promoting adaptive behavior: new answers to familiar questions. In J.D Krumboltz (Ed.)

Revolution in counseling. Boston: Houghton Mifflin, 1966. Pp. 3-26.51

Blocher, D. What can counseling offer clients? Implications for selection. In. J.M. Whiteley (Ed.), Research in counseling: evaluation and refocus. Columbus, Ohio: Merrill, 1967.52

Paul, G.L. Strategy of outcome research in psychotherapy. J. consult. Psychol., 1967, 31, 109-118.53

Strupp, H.H. & Bergin, A.E. Some empirical and conceptual bases for coordinated research in psychotherapy: a review of issues, trend, and evidence. Int. J. Psychiat., 1969, 7, 18-90.

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continuum de relações de ajuda. Um conceito ainda mais amplo é o de métodos de ajuda, que incluiria métodos outros que não envolvem qualquer relação entre os participantes, tais como intervenção ambiental ou manipulação social. No entanto, isto vai além do nosso interesse aqui, que é tentar introduzir alguma ordem na variedade de relações de ajuda que envolvem contatos pessoais tais como no aconselhamento ou na psicoterapia (pensados no sentido usual dos termos).

A figura seguinte apresenta esta tentativa. Muitas variáveis subjacentes ao continuum de relações de ajuda estão indicadas. As primeiras três são variáveis contínuas, não dicotomizadas; a quarta e a quinta talvez sejam dicotomias.

Este modelo nos dá uma base para “diagnóstico” ou classificação dos problemas dos clientes e das avaliações do tratamento num sentido amplo e geral. Então, o tratamento é específico. É interessante que, neste sentido, a relação é, como sugeriram Wolpe e outros, não específica na terapia comportamental, mas o tratamento específico na terapia de relação. A terapia de relação é o tratamento específico para os clientes cujo problema está na carência de relacionamentos interpessoais facilitadores. Portanto, para este problema a relação é necessária e suficiente. E para outros problemas ela pode ser necessária, mas não suficiente. Um cliente que carece de informação ou habilidades precisa de mais que uma relação; precisa de informação e instrução. É claramente possível, e de fato provável, que muitos clientes tenham um certo número de problemas diferentes que exigem vários métodos diferentes de tratamento. O conselheiro ou psicoterapeuta – ou, para usar um termo genérico, o profissional de ajuda – deve decidir em qual porção do continuum de relações de ajuda ele deseja ou é competente para se situar. Os profissionais de ajuda parecem ter o direito de limitar seu trabalho se assim desejarem, encaminhando os clientes que precisam de outros tipos de ajuda para problemas particulares.

CONTINUUM DE RELAÇÕES DE AJUDA:Entrevista informativa

Instrução subjetiva

Modificação de comportamento

Terapia do comportamento

Terapia de relação

( e d uc a çã o ) ( e d uc a çã o ) (r e e d u caç ã o ) Cognitiva Afetiva

Impessoal Pessoal

Específica GeralAprendizagem

(resposta fora do repertório)

Performance (resposta no repertório)

Relação como meio

Relação como essência

O conceito da multiplicidade de relações de ajuda, todas envolvendo as variáveis de um bom relacionamento humano, ainda que em diferentes níveis, com algumas envolvendo outras variáveis, incluindo os métodos da terapia comportamental, parece propiciar fundação ou estrutura para o desenvolvimento de um sistema geral, uma teoria da ajuda ou do comportamento terapêutico.