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Revista InterteXto / ISSN: 1981-0601 v. 5, n. 2 (2012) 1 SEMÂNTICA, PRAGMÁTICA E TRADUÇÃO SEMANTICS, PRAGMATICS AND TRANSLATION Albeiro Mejia Trujillo 1 Resumo: A Semântica é uma área da Linguística relativamente nova que tem por objeto desvendar o sentido dos termos no contexto proposicional e discursivo, dentro dos princípios de boa formação. A Semântica estabelece os princípios de semiose ou interpretação que as formações Lógicas e Sintáticas não conseguem definir, assim como também supera as limitações de significação dos estudos etimológicos e da Lexicologia. Aborda-se, ao longo do texto, além de alguns elementos históricos relevantes, a síntese de três vertentes da semântica que são: Semântica Interpretativa, Gerativa, e Estruturalista para, finalmente, estabelecer a relação entre Semântica, Pragmática e Interpretação com um foco na análise fenomenológica. Palavras-Chave: Expressão; Interpretação; Léxico; Sentido; Significação. Abstract: Semantics is a relatively new area of Linguistics whose objective is to unveil the meaning of the terms in propositional and discursive context, within the principles of good formation. The Semantic lays the principles of semiosis or interpretation that Syntactic and Logical formations do not define, as well as overcomes the limitations of significance of Lexicology and etymological studies. It is approached in the text, in addition to some relevant historical elements, the synthesis of three aspects of semantics that are: Interpretive, Generative, and Structuralist Semantics, to finally establish the relationship between Semantics, Pragmatics, and Interpretation with a focus on the phenomenological analysis. Keywords: Expression; Interpretation; Lexicon; Meaning; Significance. Introdução A linguagem humana tem sido objeto de atenção pelo próprio homem que buscando entendê-la fez, e continua a fazer, suposições e aplicações que vão de conceitos metafísicos, passando por teorias de diversa ordem, descrições históricas e historiográficas, até exposições do funcionamento das línguas particulares. Diante da inexistência de uma “ciência da linguagem”, no período anterior ao século XIX, os estudos linguísticos eram domínio da Filosofia, Antropologia, Biologia, e até a Medicina. Com base nos estudos aristotélicos e durante a idade média a Lógica, Gramática e Retórica eram tratadas como disciplinas que abrangiam o estudo da morfologia, sintaxe, lexicologia e, até, a variação de sentido dos termos. Desde suas origens, no século XIX, a Linguística não tem conseguido reunir os componentes essenciais à compreensão do fenômeno linguístico, e vem oscilando entre 1 Formado em Filosofia/Sociologia e Letras, Mestre em Teoria Literária (UnB), Doutor em Literatura (UnB), e Pós-Doutorado em Gramaticologia (PUC/SP). Instituição UNIPLAN-DF. E-mail: [email protected]

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  • Revista InterteXto / ISSN: 1981-0601 v. 5, n. 2 (2012)

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    SEMNTICA, PRAGMTICA E TRADUO

    SEMANTICS, PRAGMATICS AND TRANSLATION

    Albeiro Mejia Trujillo1

    Resumo: A Semntica uma rea da Lingustica relativamente nova que tem por objeto desvendar o sentido dos termos no contexto proposicional e discursivo, dentro dos princpios de boa formao. A Semntica estabelece os princpios de semiose ou interpretao que as formaes Lgicas e Sintticas no conseguem definir, assim como tambm supera as limitaes de significao dos estudos etimolgicos e da Lexicologia. Aborda-se, ao longo do texto, alm de alguns elementos histricos relevantes, a sntese de trs vertentes da semntica que so: Semntica Interpretativa, Gerativa, e Estruturalista para, finalmente, estabelecer a relao entre Semntica, Pragmtica e Interpretao com um foco na anlise fenomenolgica.

    Palavras-Chave: Expresso; Interpretao; Lxico; Sentido; Significao.

    Abstract: Semantics is a relatively new area of Linguistics whose objective is to unveil the meaning of the terms in propositional and discursive context, within the principles of good formation. The Semantic lays the principles of semiosis or interpretation that Syntactic and Logical formations do not define, as well as overcomes the limitations of significance of Lexicology and etymological studies. It is approached in the text, in addition to some relevant historical elements, the synthesis of three aspects of semantics that are: Interpretive, Generative, and Structuralist Semantics, to finally establish the relationship between Semantics, Pragmatics, and Interpretation with a focus on the phenomenological analysis.

    Keywords: Expression; Interpretation; Lexicon; Meaning; Significance.

    Introduo

    A linguagem humana tem sido objeto de ateno pelo prprio homem que buscando

    entend-la fez, e continua a fazer, suposies e aplicaes que vo de conceitos

    metafsicos, passando por teorias de diversa ordem, descries histricas e

    historiogrficas, at exposies do funcionamento das lnguas particulares. Diante da

    inexistncia de uma cincia da linguagem, no perodo anterior ao sculo XIX, os estudos

    lingusticos eram domnio da Filosofia, Antropologia, Biologia, e at a Medicina. Com base

    nos estudos aristotlicos e durante a idade mdia a Lgica, Gramtica e Retrica eram

    tratadas como disciplinas que abrangiam o estudo da morfologia, sintaxe, lexicologia e,

    at, a variao de sentido dos termos.

    Desde suas origens, no sculo XIX, a Lingustica no tem conseguido reunir os

    componentes essenciais compreenso do fenmeno lingustico, e vem oscilando entre 1 Formado em Filosofia/Sociologia e Letras, Mestre em Teoria Literria (UnB), Doutor em Literatura (UnB), e

    Ps-Doutorado em Gramaticologia (PUC/SP). Instituio UNIPLAN-DF. E-mail: [email protected]

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    preocupaes tericas e a perda de sua identidade ao cair em abordagens correlatas a

    domnios de outras cincias. A fontica e fonologia, morfologia e sintaxe tem sido uma

    base relativamente estvel da Lingustica, sendo que campos como a neurolingustica,

    psicolingustica, sociolingustica, variacionismo, gneros discursivos, anlise do discurso

    entre outros campos de estudo da lngua tm levado ao abandono da historiografia

    lingustica, filologia, semntica e, a mais rejeitada de todas que a gramaticologia.

    As Escolas e/ou Crculos lingusticos de Praga, Copenhague, Moscou, Estados Unidos

    entre outras, em muitos de seus aspectos, ficaram to prximas das anlises feitas pela

    Filosofia que se torna difcil separar as teorias lingusticas, da filosofia da linguagem

    desenvolvida, sobretudo, pelo Crculo de Viena e seus seguidores. A essa altura, salvo

    alguns movimentos franceses e alemes, a preocupao lingustica era lgico-sinttica,

    com uma reduo do sentido da lngua a meros termos lexicogrficos, fato fcil de se

    entender se analisarmos a descrio positivista como so apresentados nos Dicionrios

    os termos isolados de uma lngua.

    A compreenso de que a Lgica, Sintaxe e Lexicologia no conseguem espremer o

    potencial polissmico dos termos lingusticos nas funes expressivas, conforme os

    contextos e circunstncias de cada poca e lugar, contribuiu para que a preocupao com

    o sentido profundo dos enunciados lingusticos tivesse um instrumento prprio

    denominado de Semntica e que aos poucos vem se firmando como um dos domnios da

    Lingustica, embora haja movimentos que se refiram Semntica como uma cincia

    autnoma, da mesma forma que o fazem com a Filologia, Gramaticologia, Lexicologia e a

    Semitica.

    Aspectos histricos da Semntica

    H dois ramos importantes da lingustica que tratam diretamente das palavras: a

    etimologia que o estudo da origem das palavras e, a lexicologia que o estudo do

    significado das palavras. Com a limitao das descries lexicogrficas e etimolgicas

    para a compreenso plena dos discursos surge, num perodo relativamente recente, um

    novo campo de estudo da linguagem. No sculo XIX surgiu a necessidade de criar, dentro

    da Lingustica, uma rea autnoma do significado, e ento que emerge a semntica

    como uma diviso importante da Cincia da Linguagem.

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    O fato da Semntica haver-se firmado como rea da Lingustica h relativamente pouco

    tempo, no quer dizer que os antigos gregos e latinos fossem indiferentes aos problemas

    do significado, mas, pelo contrrio, os mesmos fizeram penetrantes observaes acerca

    do emprego e do sentido das palavras e mencionaram diversos aspectos fundamentais da

    mudana semntica, como feito por Plato em seu Dilogo: Crtilo ou da exatido dos

    nomes. Na verdade, pode-se afirmar que muitos dos assuntos relevantes da semntica

    moderna j foram enunciados em observaes de escritores gregos e latinos.

    Uma das questes estudadas pelos gregos e latinos o fato das mudanas de significado

    como reflexo de transformaes na mentalidade pblica: assim como em estados de

    guerra e de invases, a audcia temerria passa a ser considerada como corajosa

    lealdade enquanto, a hesitao prudente entendida como covardia. Conforme Ullmann

    (1964), sobre a atitude tolerante para com a debatida questo da correo da linguagem,

    Horcio assumiu a ascenso e a queda das palavras da seguinte forma: muitos vocbulos

    que morreram, tero um segundo nascimento, e muitos daqueles que agora gozam de

    honra cairo, se assim o quiser o USO, em cujas mos est o arbtrio, o direito e a lei da

    fala.

    Proclo, filsofo neo-platnico do sculo V, estudando o domnio semntico distinguiu certo

    nmero de tipos bsicos como a mudana cultural, metfora, alargamento e restrio do

    significado etc. Esses tipos de recursos continuam a fazer parte dos modernos

    instrumentos da Semntica. O interesse dos antigos pela palavra no se restringiu s

    mudanas de significado, pois tambm fizeram muitas observaes pertinentes sobre o

    seu comportamento na fala efetiva.

    O carter vago das palavras e a diversidade do seu emprego j foram notados na obra

    homrica quando afirma que as palavras dos mortais tm muitos e variados sentidos, e o

    mbito da fala extenso para um e outro lado. Demcrito assinala duas espcies

    diferentes de significado mltiplo: a mesma palavra pode ter mais de um sentido e,

    inversamente, pode haver mais de uma palavra para exprimir a mesma ideia. Para se

    referir ao termo ou palavra Aristteles define esta como a menor unidade significativa da

    fala. O filsofo grego tambm estabeleceu a distino entre duas espcies de palavras: as

    que mantm o significado mesmo quando isoladas, e as que so meros instrumentos

    gramaticais. Entretanto, aquelas palavras que para a semntica podem ser tidas apenas

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    como instrumentos, em termos de estrutura so componentes constitutivos da formao

    sinttica da lngua sem as quais o discurso fica sem sentido completo.

    Embora as ideias greco-romanas a respeito das palavras e seu emprego tenham exercido

    forte influncia sobre a semntica moderna foram, sobretudo, dois fatores que

    desempenharam um papel decisivo no seu aparecimento na primeira metade do sculo

    XIX: primeiro foi o nascimento da filologia comparada e, de modo mais geral, o

    surgimento da lingustica cientfica no seu sentido moderno e; o segundo fator foi a

    influncia do movimento romntico na literatura, haja vista que os escritores desse

    movimento consagraram s palavras um interesse vivo e universal, que se estendia do

    arcaico ao extico, fascinando-os o poder misterioso e estranho das palavras.

    No sculo I a.C. Varro codificou a gramtica latina considerando a etimologia,

    morfologia, e sintaxe como as trs principais divises dos estudos lingusticos. Em 1825

    C. Reisig comea a criar uma nova concepo de gramtica, a qual era dividida em

    etimologia, sintaxe, e semasiologia que considerava uma disciplina de carter histrico

    que procuraria estabelecer os princpios que governam o desenvolvimento do significado.

    Esta disciplina ser vista pelos alemes da poca como uma saudvel reao contra as

    excessivas preocupaes formalistas dos estudos filolgicos. Esta primeira fase da

    semntica (semasiologia) ficou restrita a um grupo reduzido de estudiosos do assunto.

    Michel Bral em 1883 traou o programa da nova cincia, sendo que segundo ele as leis

    que precedem transformao dos sentidos, escolha de expresses novas, ao

    nascimento e morte das locues foram deixadas na sombra ou apenas mencionadas

    acidentalmente. Bral afirma que este estudo merece um nome como a fontica e a

    morfologia e o chama de semntica (), isto , a cincia das significaes. Tanto

    Bral quanto Reisig consideravam a semntica como um estudo puramente histrico.

    A orientao da semntica em suas duas primeiras fases teve como princpio orientador a

    ideia de que a sua tarefa primordial era estudar as mudanas de significado, explorar as

    suas causas, classifica-las de acordo com critrios lgicos, psicolgicos etc., e, se

    possvel, formular leis gerais e investigar as tendncias subjacentes. Nas trs primeiras

    dcadas do sculo XX, segundo Ullmann (1964), o estudo das mudanas de significado

    teve considerveis progressos, voltando-se para disciplinas vizinhas como a filosofia,

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    psicologia, sociologia, histria da civilizao etc. Esta aproximao dessas cincias visava

    alcanar uma compreenso mais ampla dos processos semnticos.

    Para melhor compreender as mudanas referentes terceira fase da semntica preciso

    retomar a ruptura de Saussure com a orientao histrica da Lingustica do sculo XIX em

    que mostra haver duas orientaes basicamente diferentes e igualmente justificveis nos

    estudos da linguagem: uma descritiva ou sincrnica, que a registra tal como ela existe

    num dado momento; outra histrica ou diacrnica que traa a evoluo de seus vrios

    elementos. As duas orientaes so complementares, mas no devem ser confundidas.

    A semntica contempornea difere das escolas anteriores em dois aspectos importantes:

    abandonou a orientao unilateralmente histrica e, embora as mudanas de significado

    continuem a receber certa ateno, houve uma inequvoca alterao na importncia

    concedida semntica descritiva. Em segundo lugar, fizeram-se nos ltimos anos

    diversas tentativas de estudo da estrutura interna do vocabulrio.

    O aparecimento nos primeiros anos do sculo XX de uma nova cincia da estilstica teve

    uma influncia profunda nos estudos semnticos. A relao da estilstica com a semntica

    demonstrou que todos os grandes problemas da semntica tm implicaes estilsticas.

    Outro trao distintivo da ltima semntica o fato de o centro de interesse ter passado

    dos princpios gerais para o estudo das lnguas particulares.

    A semntica contempornea, como exposto por Ullmann (1964), caracteriza-se, tambm,

    por um interesse marcado pelas relaes entre a linguagem e o pensamento. J no se

    considera a linguagem como mero instrumento de expresso dos nossos pensamentos,

    mas, sim, como uma influncia especial que os molda e pr-determina, dirigindo-os para

    vias especficas.

    Semntica Interpretativa:

    O processo de semiose ou interpretao de cdigos de um mesmo sistema lingustico

    deve distinguir a dimenso sinttica da linguagem que se refere s relaes dos signos

    entre si; a dimenso semntica que diz respeito s relaes entre os signos ou

    complexos de signos e os objetos por eles designados; e a dimenso pragmtica que

    trata das relaes entre os signos e os seus utilizadores.

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    Ao excluir as questes que surgem quando se tenta traduzir o problema das relaes

    entre palavras e objetos no referente s relaes recprocas entre os signos, na

    perspectiva de muitos linguistas europeus, resolve-se o problema semntico ao conseguir

    reduzi-lo a problemas lexicogrficos, isto , quando sistematicamente se estudaram

    problemas como os da homonmia, polissemia, campos semnticos etc. No interessa

    neste contexto partir de uma noo intuitiva de significado, entendido, por exemplo, como

    unidade cultural, e estudar, por assim dizer, a vida dos significados, isto , o complexo

    de relaes, cdigos, valores, que venha a ser instaurado, num contexto social, a partir de

    tais entidades. Interessa aqui problematizar a noo de significado e individuar uma srie

    de pr-requisitos para sua definio adequada. Interessa, igualmente, tratar o problema

    semntico na base de uma abordagem transformacional da sintaxe. Em outras palavras,

    torna-se necessrio discutir a estrutura que deve assumir o componente semntico de

    uma gramtica transformacional para satisfazer condies de adequao descritiva.

    O termo semntica interpretativa tomado como simples componente semntico de

    uma gramtica gerativa transformacional. Se para Chomsky a possibilidade de construir

    uma gramtica no est vinculada a consideraes relativas ao significado dos

    enunciados, isto , que para descobrir uma gramtica no necessria nenhuma

    informao semntica porque existe uma tomada de posio chomskiana em que de

    acordo com a construo geral do discurso, a afirmao da independncia da gramtica

    tinha um carter metodolgico preliminar ao estudo efetivo das estruturas sintticas.

    A tentativa de assumir a independncia da gramtica tendo como corolrio uma ntida

    demarcao das fronteiras entre sintaxe e semntica, no impediu de constatar que

    existia uma correspondncia definida entre a estrutura e os elementos descobertos pela

    anlise gramatical formal, e especficas funes semnticas. Entre os traos formais e os

    traos semnticos da lngua subsiste uma inegvel, ainda que imperfeita

    correspondncia. Primeiro se afirmava que os problemas semnticos no eram tratveis

    antes dos sintticos, porm nos trabalhos chomskianos posteriores passa-se a afirmar

    que semntico tudo aquilo que permanece no explicado pelos estudos sintticos.

    A semntica enquanto uma srie de questes metatericas trata de explicar a capacidade

    do falante de usar e compreender um nmero infinito de enunciados a partir de uma

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    experincia necessariamente limitada, isto , fundada em um nmero finito de

    enunciados. Essa capacidade do falante deve-se a sua habilidade lingustica de formar

    um conjunto de regras recursivas que projetam o conjunto finito de enunciados

    encontrados por ele, no conjunto infinito de enunciados da lngua. Isto , a compreenso

    dos enunciados nunca antes vistos pelo falante composicional, o que implica dizer que

    as regras conhecidas pelo usurio de uma lngua lhe permitem determinar o significado

    de novos enunciados, que constituem uma nova combinao de elementos conhecidos.

    (...) nada pode parecer mais ilimitado do que o pensamento humano, que no apenas escapa a toda autoridade e a todo poder do homem, mas tambm nem sempre reprimido dentro dos limites da natureza e da realidade. Formar monstros e juntar formas e aparncias incongruentes no causam imaginao mais embarao do que conceber os objetos mais naturais e mais familiares. (...) Pode-se conceber o que ainda no foi visto ou ouvido, porque no h nada que esteja fora do poder do pensamento, exceto o que implica absoluta contradio. Entretanto, embora nosso pensamento parea possuir esta liberdade ilimitada, verificaremos, atravs de um exame mais minucioso, que ele est realmente confinado dentro de limites muito reduzidos e que todo poder criador do esprito no ultrapassa a faculdade de combinar, de transpor, aumentar ou de diminuir os materiais que nos foram fornecidos pelos sentidos e pela experincia (HUME, 1992, p. 70).

    O processo de interpretao dos enunciados por parte do falante/ouvinte permite

    conceber o significado dos enunciados da lngua como sendo o resultado da associao

    dos elementos atmicos da linguagem. Esse posicionamento atribui ao significado dos

    elementos atmicos da lngua a natureza definvel de modo completo e autnomo,

    independentemente de suas relaes recprocas. O componente semntico apresenta

    duas partes: um dicionrio, que fornece a significao a cada elemento lexical e; um

    conjunto finito de regras de projeo, que atribuem uma interpretao semntica a cada

    sequncia gerada pelo componente sinttico. O componente semntico estritamente

    interpretativo e no gerativo, pois ele no acrescenta nenhuma informao nova quelas

    j contidas nos indicadores sintagmticos gerados pelos componentes sintticos, mas

    simplesmente traduz em complexos significantes entidades formais abstratas.

    A tentativa de reduzir uma construo semntica ao estudo das relaes que intercorrem

    entre signos j tomados como significantes leva, necessariamente, da construo de uma

    teoria semntica construo de uma lexicografia em que o problema central no mais

    a estrutura do significado, mas a estrutura da interpretao, sendo assim o ponto de

    partida dessa semntica , pois, um significante lexical, e o problema que aqui se pe

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    o da interpretao, isto , o da identificao de seu significado. Uma teoria desse tipo se

    reduziria a um arranjo dos significados e das acepes correspondentes a um

    significante, isto , a um aspecto da prxis lexicolgica.

    Uma perspectiva lexicogrfica conduz convico de que os elementos lexicais da lngua

    so definidos independentemente de suas relaes recprocas e, portanto, induz na

    recusa em considerar o enunciado como o verdadeiro objeto de uma teoria semntica. O

    significado de um enunciado pode ser tratado, afinal, como o significado de um signo, e

    no como um legtimo nvel de organizao da linguagem. Se a explicitao do significado

    lexical de uma palavra se d por meio de outras palavras, desencadeia-se um processo

    circular de interdefinies no qual, para definir o significado de um termo, se recorre a

    termos que, por sua vez, devem ser definidos, chegando-se, no melhor dos casos a uma

    sequncia de definies por sinonmia.

    Semntica Gerativa:

    A Semntica Gerativa dirige sua principal crtica teoria chomskiana que se fundamenta

    na noo de estrutura profunda, que um conceito central e rico de implicaes

    epistemolgicas. A estrutura profunda satisfaz a dois postulados tericos fundamentais: a

    separao de sintaxe e semntica, em virtude da qual a estrutura profunda uma

    entidade exclusivamente sinttica tendo como contrapartida a interpretao semntica e;

    a forte caracterizao da estrutura profunda como entidade sinttica, razo pela qual

    nela que se aplicam todas as operaes sintticas semanticamente relevantes.

    A separao entre sintaxe e semntica na qual se funda a noo de estrutura profunda se

    revela inadequada para explicar vrios fenmenos lingusticos, haja vista que as

    propriedades sintticas de determinadas entidades lingusticas s se explicam atravs do

    recurso s suas propriedades semnticas. Um dos indicadores da boa formao na

    gramtica transformacional o nvel semntico no qual as restries seletivas funcionam

    como condio dessa boa formao. As restries seletivas no podem deter um status

    independente dos significados, quando cada diferena de restrio seletiva reconduzvel

    a uma diferena de significado. Nenhum trao no-semntico associado aos nomes

    desempenha qualquer papel na seleo, mas as restries so fundadas na propriedade

    semntica que designa tanto o unitrio quanto o conjunto na construo do sentido

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    gramatical, sendo que as representaes semnticas garantiro a boa formao dos

    enunciados.

    Quando as representaes semnticas so expressas em categorias sintticas, a

    distino entre sintaxe e semntica torna-se sem sentido. Quando a estrutura sinttica do

    enunciado se identifica com a sua representao semntica, esta passa a ser identificada

    com o objeto formal gerado pela base do componente semntico da gramtica e, no,

    sinttico. O significado dos elementos individuais em unidades mnimas s pode ser

    decomposto a partir da estrutura semntica do enunciado, pois os termos lexicais isolados

    carregam possveis sentidos que uma determinada construo sinttica, embora bem

    formulada, pode mudar conforme suas referncias e determinantes.

    Sero aceitos como gramaticais os enunciados intuitivamente definveis como

    verdadeiros e falsos, pois os elementos ltimos das representaes semnticas no

    correspondem necessariamente s palavras que comparecem na estrutura superficial do

    enunciado. Isto significa que as representaes semnticas no contm material lexical,

    mas material semntico e, desse modo, estabelece-se uma distino de princpio entre

    lexicografia e semntica.

    Os postulados de significao devem oferecer condies semnticas de boa formao

    para as formas lgicas dos enunciados e, em consequncia, decorre a exigncia de

    construir uma semntica em que, como premissa para a explicitao da noo de

    significado, seja possvel dar conta das condies de verdade dos enunciados. Essa

    exigncia pressupe a existncia de uma estrutura sinttica do enunciado, cuja

    identificao no coincide imediatamente com a representao da estrutura semntica do

    prprio enunciado, embora a estrutura sinttica seja parte da representao semntica do

    mesmo. Nas relaes lgico-sintticas se estabelecem regras de funcionalidade

    gramatical que fixam a existncia ou no de significado dos enunciados, porm, nem a

    lgica nem a sintaxe conseguem individuar qual o significado do enunciado por ser

    domnio da semntica que, por sua vez, no est restrita funo associativa e

    referencial do lxico.

    Semntica Estrutural:

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    Estrutura uma entidade autnoma de dependncias internas. A Estrutura, longe de ser

    uma simples combinao de elementos, um todo formado de fenmenos solidrios tais,

    que cada um depende dos demais e s pode ser o que em e por sua relao com os

    demais. Do ponto de vista estrutural o domnio do vocabulrio apresentado num

    espectro ctico, pois o mesmo instvel, muda constantemente, num estado de lngua h

    um vaivm incessante de novas palavras que se forjam vontade e segundo as

    necessidades, assim como palavras antigas que caem em desuso e desaparecem. Enfim,

    o vocabulrio se apresenta, numa abordagem inicial, como a negao mesma de um

    estado, de uma estabilidade, de uma sincronia, de uma estrutura.

    Se a lexicologia entendida como um compartimento vazio na sistemtica da Lingustica,

    forosamente passar a ser uma simples lexicografia, ou enumerao de um amontoado

    de empregos diferentes e aparentemente arbitrrios de significados. Eis por que a

    semntica, fruto tardio entre as disciplinas lingusticas, nasceu de um diacronismo e, em

    parte, de um psicologismo exclusivos, tendo dificuldades para encontrar suas bases no

    quadro da lingustica estrutural. Porm, a semntica clssica tendeu a perder-se em

    ensaios literrios, enquanto a semntica estrutural ainda se encontra em fase de

    consolidao, suscitando interesses diversos.

    A substncia semntica apresenta, conforme Hjelmslev (1991), dois nveis hierrquicos

    que so: o nvel fsico cuja descrio das coisas significadas no consegue caracterizar o

    uso semntico adotado em uma comunidade lingustica pertencente lngua que se

    deseja descrever e; o nvel da percepo e avaliao ou apreciao coletiva, sendo que

    para dar uma descrio exaustiva do conjunto preciso descrever todos os nveis e suas

    relaes mtuas, cabendo descrio por avaliao a primazia na hierarquia dos nveis

    adotados por uma comunidade. A descrio semntica deve consistir numa aproximao

    da lngua s demais instituies sociais e constituir o ponto de contato entre a lingustica e

    os demais ramos da antropologia social, pois uma s coisa fsica pode receber

    descries semnticas bem diversas segundo a civilizao considerada, e isso no

    vlido s para os termos de apreciao imediata como bom ou ruim, nem somente

    para as coisas diretamente criadas pela civilizao, mas tambm para as coisas da

    natureza.

    No apenas cavalo, cachorro, montanha, pinheiro etc., sero definidos diferentemente numa sociedade que os conhece (e os

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    reconhece) como coisas nativas e numa outra para a qual permanecem como fenmenos estranhos. Mas o elefante algo muito diferente para um hindu ou um africano que o utilizam e o cultuam, que o temem ou amam, e, por outro lado, para uma sociedade europeia ou americana, para a qual o elefante existe apenas como um objeto de curiosidade exposto num jardim zoolgico e nos circos ou exposies. O cachorro receber uma definio semntica inteiramente diversa entre os esquims, onde um animal de trao, entre os parses, de quem o animal sagrado, numa sociedade hindu, onde renegado como pria, e nas sociedades ocidentais, onde sobretudo o animal domstico para a caa ou vigilncia. Em todos esses casos a definio zoolgica seria, do ponto de vista lingustico, nitidamente insuficiente. Cumpre compreender que no se trata de uma diferena de grau, mas de uma diferena essencial e profunda (HJELMSLEV, 1991, p. 125).

    Alm dos nveis da substncia semntica existem nveis nas prprias unidades: signos

    mais extensos (palavras), signos mnimos (raiz, afixos), partes de signos. Ao nvel do

    signo (palavra) o quantitativo das unidades frequentemente ilimitado, sendo que os

    nomes substantivos de uma lngua normalmente constituem uma classe aberta. As

    classes abertas, contudo, opem-se s classes fechadas: palavras-instrumentos, afixos,

    desinncias etc. Mencionamos como exemplo as preposies, as conjunes e, de modo

    geral, tudo o que se conhece sob a designao de classes gramaticais. As classes

    fechadas encontram-se no domnio prprio do lxico: entre os adjetivos primrios

    frequentemente h pequenas classes fechadas, em geral com dois membros (feio/bonito).

    Uma descrio estrutural s se poder efetuar sob a condio de poder reduzir as classes

    abertas s classes fechadas. Na descrio estrutural do plano da expresso, tem-se

    conseguido operar essa reduo, concebendo-se os signos como compostos de

    elementos, dos quais, um efetivo relativamente baixo, basta para levar a cabo a

    descrio. A descrio semntica no se reduz pura descrio semntica dos

    elementos de contedo separados pela anlise, mas subsiste a necessidade de descrever

    a manifestao das unidades maiores. A significao da palavra, antes como depois da

    anlise, permanece como um assunto essencial da semntica, e a palavra semntica, a

    palavra lexical ou a palavra pura e simples reclamam os seus direitos.

    No estudo das classes fechadas que, em geral, constituem a Estrutura de uma lngua,

    verifica-se que as preposies, entre outros instrumentos gramaticais, apresentam

    diferentes acepes que partem desde um significado material, desdobrado em forma de

    uma cadeia de gradaes e matizes semntica at alcanar um sentido imaterial e

    abstrato, manifestado no discurso construdo pelo falante. No fcil apreender a

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    diversidade de relaes expressas por uma mesma preposio, porque sabemos que

    muitas acepes primitivas desaparecem ou so substitudas por outras que se

    distanciam muito da significao original. importante considerar as alteraes

    semnticas ocasionadas pelas influncias externas e temporais que a lngua portuguesa

    vem sofrendo no decorrer da sua histria, pois nos permite observar que o carter estvel

    destas partculas se encontra na prpria estrutura do idioma.

    Said Ali (1964) afirma que algumas preposies vieram para o portugus e continuaram a

    ser usadas da mesma forma do latim, outras, no entanto, tiveram novas aplicaes de

    significado alm das antigas. Originariamente cada preposio teve um sentido

    delimitado, mas a associao de ideias tornou possvel o alargamento do domnio

    semntico de algumas a ponto de invadirem umas o domnio das outras e confundirem a

    aplicao na prtica. As preposies tm sua referncia de significao na estrutura

    interna da lngua, visto que a base de sua constituio de vocbulos que no possuem

    significado quando aparecem isolados. So elementos gramaticais que contribuem para

    dar sentido orao:

    Tal como seria expresso por uma escola moderna de pensamento, as palavras plenas so auto-semnticas, significativas por si prprias, enquanto que os artigos, preposies, conjunes, pronomes, advrbios e outros so sinsemnticos, significativos apenas quando aparecem acompanhados por outras palavras (ULLMANN, 1964, p. 94).

    O autor mencionado ao conceituar as palavras-formas afirma ser a sua funo muito

    mais sinttica do que lexical, porque, no contexto, elas se aproximam mais das flexes

    que do significado das palavras plenas. Enquadram-se, as primeiras, na categoria de

    instrumentos gramaticais, palavras-instrumentos segundo a denominao de Hjelmslev

    (1991) diferentes dos termos independentes.

    As palavras, no contexto do discurso, alm do seu sentido prprio, podem apresentar

    sentido metafrico, ou seja, transferncia de uma acepo para outra. Segundo

    Nascentes (1960), estas mudanas de significao geralmente so devidas a dois fatores:

    generalizao do especial e especializao do geral. Nesse trocadilho o autor considera a

    gramatizao que as palavras sofrem ao longo do tempo. Como exemplos ele utiliza o

    verbo britar que possua o sentido genrico de quebrar e tomou um sentido mais

    restrito quebrar pedras ou, a palavra cavalo que antes era utilizada para caracterizar

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    cavalo ruim, e passou a significar qualquer tipo de cavalo, sendo que neste ltimo caso,

    houve uma generalizao do significado.

    Said Ali (1951) utiliza conceito semelhante ao de Nascentes para indicar alterao

    semntica, e o faz ao definir este processo como extenso de um termo de sentido

    especial que passa a ter sentido geral e vice-versa. As mudanas de significao que

    ocorrem nos vocbulos ao longo do tempo e do espao fazem parte do domnio da

    semntica e podem ser observadas pela metonmia que, segundo Dubois (1997), o

    fenmeno lingustico pelo qual uma noo designada por um termo diferente do que

    seria necessrio, estando as duas noes ligadas por uma relao de causa e efeito,

    sendo um exemplo de metonmia o seguinte: Joo avistou uma vela no horizonte (ao

    invs de avistar um barco); pela analogia: entendida como o carter de regularidade

    atribudo lngua; pelo eufemismo: maneira suavizada de exprimir fatos ou ideias cuja

    denotao pode ferir como se depreende do seguinte exemplo: Maria muito cautelosa

    (ao invs de medrosa).

    Ao observar, numa perspectiva estruturalista, o caso da lngua portuguesa falada no

    mundo, percebe-se que esta nica, possui a mesma estrutura, no entanto o seu lxico

    sofre alteraes no tempo e no espao, fato constatado ao compararmos o lxico da

    lngua portuguesa utilizado no espao geogrfico da Amrica (Brasil) e Europa (Portugal).

    Nesta diferena observa-se que a mesma palavra rapariga, no primeiro assume uma

    conotao pejorativa (prostituta) e no segundo, moa de boa famlia. No Brasil,

    dependendo da regio, temos palavras com significao diferenciada como se constata

    na palavra canjica que, enquanto no Sul indica o milho branco cozido em gua ou leite

    com acar, amendoim e coco, no Norte um pur de milho verde. Todavia, preciso

    salientar que: por muitas que sejam as significaes de um vocbulo, s uma delas entra

    de cada vez em cena, de modo que podemos considerar cada acepo como vocbulo

    independente (SAID ALI, 1951, p. 84).

    Antenor Nascentes (1960) examina algumas mudanas de significao das palavras e

    como este processo se d em relao fontica, morfologia e sintaxe. H palavras que

    mudam de sentido conforme a acentuao: vlido e valido; conforme o timbre: frma e

    forma. Na morfologia a alterao de significado se relaciona ao nmero: ar e ares; ao

    gnero: o moral e a moral. Na sintaxe a regncia acarreta mudanas: o julgamento em

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    Nuremberg no o mesmo que o julgamento de Nuremberg. A sintaxe de colocao,

    tambm altera a significao das palavras: pequena mulher no o mesmo que mulher

    pequena. Estes so alguns exemplos de mudanas semnticas que podem ocorrer em

    um idioma quando se usam modos permitidos dentro de sua estrutura. Isto implica em

    afirmar que a mudana da ordem sinttica, nas lnguas analticas, impe transformaes

    de natureza semntica.

    Semntica e Pragmtica:

    Entende-se que linguagem somente existe enquanto cdigo, sendo que este como meio

    de comunicao constitudo por um conjunto de regras que orientam o processo de

    codificao/decodificao, na medida em que direciona as funes dos signos. Os

    cdigos que se combinam mediante certas regras tm por finalidade a ativao do signo

    que se constitui como a associao de um contedo a uma expresso: o contedo a

    mensagem, a informao e a imagem mental; , por conseguinte, algo abstrato. A

    expresso, por sua vez, a sua manifestao exterior e, como tal, algo sensorial e

    concreto.

    O estudo do significado das formas lingusticas apresenta dois problemas: primeiro, a

    pergunta sobre qual a poro do significado oriundo da interpretao das estruturas e dos

    itens lxicos (semntica); segundo, saber qual a poro que provm do conhecimento

    que o falante tem das formas extralingusticas (pragmtica). A compreenso dos

    enunciados no funo exclusiva de um processamento das estruturas lingusticas

    contidas nelas, mas a compreenso tambm uma funo parcial de nossa percepo da

    situao em que nos encontramos.

    O signo um valor mentalizado por cada indivduo pertencente a um grupo, e dotado de

    uma manifestao fsica construda consensualmente pelos diversos indivduos de uma

    comunidade comunicativa que estabelece conjuntos de signos com suas regras

    combinatrias, as quais instituem os cdigos que definiro as regras de entendimento dos

    textos de diferente natureza. O maior ou menor grau de exatido no processo de

    decodificao que ocorre na atividade da traduo est associado, em parte,

    importncia atribuda aos sub-cdigos lingusticos de ordem pragmtica e que podem ser:

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    Diatpicos: sub-cdigos de ordem geogrfica que mostram, por exemplo, como

    apesar de Angola, Moambique, Portugal, Brasil etc., possurem o mesmo cdigo

    lingustico, cada pas apresenta peculiaridades nacionais prprias.

    Diatrtico: sub-cdigo de nvel de formalidade ou classe social. Uma comunidade

    lingustica apresenta trs sub-cdigos caracterizados como A ou modelo ideal de

    uma comunidade lingustica, caracterizado pela formalidade e sua predominncia na

    modalidade escrita; C ou oposto ao modelo de ideal lingustico, e se realiza mais

    na fala do que na escrita; B o sub-cdigo menos marcado por situar-se no meio

    termo entre os sub-cdigos A e B.

    Diacrnico: sub-cdigo temporal que remete ao fato de que os membros de uma

    comunidade lingustica reconhecem as variaes intergeracionais, alm de entender

    que entre perodos de tempo pode-se identificar as modificaes ocorridas na

    lngua. Os arcasmos e os neologismos pertencem a este tipo de sub-cdigo.

    Grupais: sub-cdigos que identificam certos grupos sociais como acontece com os

    jarges tcnicos e profissionais, e grias de grupos sociais especficos.

    Idioletais: sub-cdigos que identificam na estrutura fonolgica, lexical e, s vezes, na

    sintaxe da fala, principalmente, os sujeitos de regies demarcadas no s

    geograficamente, mas tambm por traos histricos e culturais comuns.

    O processo de interpretao compreende duas etapas: a primeira consiste em extrair do

    enunciado o que possvel depreender a partir da estrutura formal (morfossinttica), e o

    resultado uma representao semntica chamada de significado literal do enunciado;

    na segunda etapa a representao semntica se associa a fatores ligados ao contexto da

    comunicao e ao conhecimento prvio existente na memria do falante e do ouvinte,

    sendo que da resulta o que se chama de significado composicional ou final.

    Em muitos casos o significado literal vem tona, sem interferncia de fatores

    pragmticos. Em outros casos, o significado literal no mais do que um estgio na

    composio do significado final. O componente que produz o significado literal denomina-

    se semntica, enquanto o componente que computa o significado final com base no

    significado literal, mais fatores extralingusticos, chama-se pragmtica. Esta ltima

    concerne s caractersticas da utilizao da linguagem, tais como motivaes

    psicolgicas dos falantes, reaes dos interlocutores, tipos socializados da fala, objeto da

    fala etc., por oposio aos aspectos sintticos como so as propriedades formais das

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    construes lingusticas; e aspectos semnticos constitudos pela relao entre as

    unidades lingusticas e o mundo.

    Pode-se supor que a semntica e a pragmtica podem ser descritas separadamente e ao

    lado da sintaxe, morfologia, fonologia etc., embora a hiptese da separao da semntica

    e da pragmtica em componentes distintos no seja universalmente aceita. As formas

    lingusticas so interpretadas por um componente semntico que, por sua vez,

    composto por regras chamadas regras de interpretao semntica, alm de outros

    mecanismos tais como filtros e restries vrias ou, restries seletivas como

    propriedades semnticas, segundo Chomsky.

    O resultado da aplicao das regras de interpretao s formas lingusticas uma

    representao semntica, que corresponde ao significado literal. Essa representao

    semntica poder ser ainda alterada por razes pragmticas, antes que se obtenha o

    significado composicional ou final. As representaes semnticas apresentam dois

    aspectos da descrio semntica de uma lngua que so: a semntica dos itens lexicais

    que se ocupa do significado individual dos itens lxicos, isto , da descrio dos traos

    semnticos que caracterizam o significado de cada um deles e; a semntica das formas

    gramaticais que descreve a contribuio da estrutura morfossinttica interpretao

    semntica, sendo que, a semntica das formas gramaticais descrita atravs de regras

    semnticas que se aplicam a estruturas morfossintticas e lhes atribuem uma

    interpretao.

    O componente semntico da gramtica constitui um conjunto de regras que atribuem s

    estruturas certas representaes semnticas. Cada item lxico compreende, ao lado da

    matriz fonolgica, sinttica, e morfolgica, tambm traos semnticos. A matriz semntica

    compreende, por sua vez, traos bastante gerais, isto , que tambm se aplicam a outros

    itens como ao, evento, compatibilidade etc. Assim compreendido, o componente

    semntico tem a funo de derivar representaes de sentido a partir dos itens lxicos e

    das funes sintticas.

    A mal-formao lgica da frase pode ser uma representao sinttica e morfologicamente

    correta. Mas a representao semntica que desobedece s condies de um termo da

    orao (beber papel) marcada como mal-formada. As regras semnticas, como as

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    demais, podem funcionar como uma espcie de filtro, bloqueando frases que apresentam

    uma m formao.

    A traduo ato de transpor uma mensagem cifrada em um cdigo de origem para outro

    denominado de cdigo destino. Essa transposio do cdigo de origem exige um

    profundo conhecimento dos sub-cdigos da lngua de origem, mas essa passagem de um

    sistema cifrado para outro nem sempre possvel que acontea de modo literal, exigindo

    do tradutor uma alta dose de interpretao, mesmo que as regras da hermenutica no

    sejam suficientes para realizar uma traduo plenamente confivel, e seja exigido um

    domnio lgico, semntico e pragmtico da lngua para que essa tarefa possa se

    aproximar de um ideal de credibilidade.

    A ideia de uma gramtica universal que fixe as formas de significao indispensveis a

    qualquer linguagem, e permitam pensar com toda a clareza as lnguas empricas como

    realizaes embaralhadas da linguagem essencial supe que esta seja um dos objetos

    que a conscincia constitui soberanamente e, as lnguas atuais, casos muito particulares

    de uma linguagem possvel cujo segredo a conscincia detm: sistemas de signos ligados

    significao delas por relaes unvocas e suscetveis, tanto em sua estrutura como em

    seu funcionamento, de uma explicao total.

    A linguagem colocada como um objeto diante do pensamento no poderia desempenhar

    com relao a ele seno o papel de acompanhante, de substituto, de auxiliar ou meio

    secundrio de comunicao. Em contrapartida, em textos mais recentes a linguagem

    aparece como uma maneira original de visar certos objetos como o corpo do pensamento

    ou mesmo como a operao pela qual pensamentos, que sem ela permaneceriam

    fenmenos privados, adquiririam valor intersubjetivo e finalmente existncia ideal.

    A fenomenologia da linguagem no pretende objetivar todas as lnguas possveis perante

    uma conscincia constituinte universal e intemporal, mas, contrariamente, busca trat-la

    como uma volta do sujeito falante ao contato com a lngua que fala. As diversas cincias

    que tm a linguagem como objeto de estudo tendem a v-la no passado, considerando a

    longa histria de uma lngua, com seus acasos e revolues de sentido que a constituem

    naquilo que no presente. O estudo do sentido de uma lngua que tenha como alicerce

    um conjunto de incidentes e processos histricos torna incompreensvel que a lngua

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    possa significar seja o que for sem equvocos. Considerar a linguagem como fato

    consumado e resduo de atos de significao do passado implica em deixar escapar a

    clareza prpria da fala e a fecundidade da expresso.

    Pensar numa semntica histrica nos leva associao de constructos fragmentrios de

    interpretaes possveis resultantes do conjunto das perspectivas fornecidas pela

    Antropologia, Histria, Filosofia, Filologia, Lexicologia etc. Uma lngua vista como simples

    amontoado de signos incapaz de expressar qualquer coisa, de onde decorre a

    necessidade da individuao pelo uso, das necessidades de expresso, pois assim como

    X pode significar xis, tambm pode ser indicador de multiplicao, de indeterminao (x

    quantidade), numeral romano, marcador de alternativas ou de interdies etc. Tal

    exemplo nos conduz a aceitar a afirmao de Merleau-Ponty (1991), de que no h na

    lngua seno diferenas de significado e, ainda em referncia a Saussure afirma:

    Se finalmente ela (a lngua) quer dizer e diz algo, no porque cada signo veicule uma significao que lhe pertenceria, porque fazem todos juntos aluso a uma significao sempre protelada quando os consideramos um a um, e na direo da qual os ultrapasso sem que eles nunca a contenham (Merleau-Ponty: 1991, p. 94) (grifo meu).

    A Semntica enquanto domnio da Lingustica vai ocupando novos espaos na pesquisa

    acadmica e se torna cada vez mais clara a diferena da semntica com a Lexicologia,

    Filologia, Lgica entre outros domnios do conhecimento; enquanto se firma a convico

    de que a fonologia, morfologia, sintaxe tanto quanto a antropologia, histria, filosofia etc.,

    so partes de um todo que ajudam a constituir os sentidos da lngua que a semntica

    desvenda seguindo as regras da boa formao determinadas pelo carter funcional

    atribudo pelas exigncias comunicacionais da sociedade.

    Consideraes Finais:

    A Semntica uma rea importante da Lingustica que surgiu de uma sntese da

    etimologia (estudo da origem das palavras), e da lexicologia (estudo do significado das

    palavras). O sentido dos termos e sentenas de uma lngua no se restringe ao

    conhecimento da origem das palavras individuais do idioma, como tampouco se reduz ao

    domnio de um nmero expressivo do lxico usado em certo espao e tempo social, pois

    termos deixam de existir, outros mudam de sentido ou adquirem novas conotaes, e

    outras palavras so incorporadas ao vocabulrio utilizado por grupos de falantes.

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    A Semntica emerge como uma alternativa ao problema da correo das regras lgico-

    sintticas que apresentam normas de boa composio formal, mas que no satisfazem

    aos princpios de significao real. A anlise profunda (interna) dos termos e das

    proposies de um discurso deve ser acrescida do valor externo atribudo s sentenas

    que cumprem as normas de formao sinttica. Isto , os filtros que corrigem a mal-

    formao sinttica tm de servir de reforo para os filtros que previnem a mal-formao

    semntica para, desse modo, alcanar-se uma significao final que no sobreponha

    forma e contedo real.

    Pode-se afirmar que o sentido final do discurso, apresentado pela Semntica, somente se

    concretiza depois de identificar o valor externo decorrente da anlise sinttica, alm do

    significado lexical, aliado analise profunda obtida das relaes textuais, contextuais e

    extra-textuais como so os fatores culturais, econmicos, histricos, polticos,

    geogrficos, de gnero e demais circunstncias crono-tpicas que envolvem o fenmeno

    da linguagem. Estes e outros elementos ajudaro no processo de interpretao, e que

    so fundamentais para a determinao do sentido do discurso, haja vista que a

    Semntica no define significaes com valores fixos como o faz a lexicografia, mas

    desvenda sentidos possveis dos termos dentro de determinados contextos.

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