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23 de Julho de 2010— O ADVOGADO – 5 Declaro-vos: – mulher e “wife”; – marido e “husband” RENATA SILVA SANTOS A união entre pessoas do mesmo sexo remonta aos primórdios da humanidade. Nas culturas grega e romana, e mesmo em algumas comunidades cristãs, tal existiu sob a forma de um sacramento denomi- nado por Adelphopoiesis. No Japão, foi também permitida a união entre pessoas do mesmo sexo, sob a forma de cerimónias denominadas por Fujian (entre homens) e Orquídeas de Ouro (entre mulheres). Nas Américas, as pessoas homossexuais eram consideradas como um terceiro sexo e podiam variar na sua união entre as res- ponsabilidades de homens ou de mulheres. Nos anos 90, a luta pela possibilidade de uma união legal entre pessoas do mesmo sexo começou a assumir contornos relevantes. Portugal dá os primeiros passos com a promulgação da Lei 7/2001, de 11 de Maio, que regula a situação jurídica de duas pessoas, independentemente do sexo, que vivam em união de facto há mais de dois anos. Mas esta lei, ainda assim, não fornecia a mesma tutela jurídica do casamento, quer a nível pessoal quer a nível patrimonial. A norma vigente no nosso ordena- mento jurídico, de acordo com o código civil dada pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de Novembro de 1996, definia o casa- mento, no seu artigo 1587º, como “o contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida…”. Em Portugal, a Lei 9/2010, de 31 de Maio de 2010, veio permitir o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. No entanto, alguns autores nacionais não lhe reconheceram tão grande novidade, porque entendiam, usando elementos de interpretação de normas jurídicas como o actualista e, sobretudo, o teleológico, ser admissível o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o que faz até sentido se pen- sarmos que o fim da mesma era a cons- tituição de família mediante a plena co- munhão de vida, que não é sinónimo, necessariamente, de procriação. Como argumento favorável, apresentava-se o facto de não constar dos impedimentos ao matrimónio o sexo dos nubentes, como argumento desfavorável, o casamento entre pessoas do mesmo sexo era ferido da mais grave das sanções jurídica – a inexistência tout court (art.º 1628º, alínea e), do Código Civil). Desde a data da entrada em vigor da lei até à presente, 31 de Maio de 2010, fo- ram celebrados em Portugal, tanto quanto se julga saber, dois casamentos entre pes- soas do mesmo sexo. No entanto, apesar da sua precocidade, têm vindo a levantar-se vozes que a acusam de omissa e geram confusão, propaladas em jornais de tiragem nacional onde já foi exposto, sem qualquer pejo, que a “(…) lei que estabelece o casamento entre pessoas do mesmo sexo, desde 31 de Maio de 2010, é omissa no que concerne às uniões entre portugueses e cidadãos estrangeiros, originando que casais homossexuais estejam a ser impedidos de celebrarem tal contrato…” e mais se tem adiantado que “(…) não há casamentos até haver uma clarificação legislativa (…)” é certo que a nova lei pode até revelar alguma incongruência, mas não quanto a esta matéria. Há que separar as águas para clarificar o oceano da “pretensa” problemática… Na verdade, a lei sempre admitiu o casa- mento entre pessoas do mesmo sexo, indepen- dentemente da nacionalidade dos nubentes. O que sucede é que, nos termos do artigo 1596º do Código Civil, um dos elementos necessários para a celebração do casamento é a capacidade matrimonial, atestada pelo certificado de capacidade ma- trimonial ou por declaração do próprio nu- bente. Do certificado de capacidade matri- monial consta, entre outros elementos, a As regras para o casamento celebrado entre cidadãos ou com cida- dãos estrangeiros são as mesmas que se aplicam ao de dois portu- gueses

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R ENATA S ILVA S ANTOS gueses 23 de Julho de 2010— O ADVOGADO – 5 E se o Conservador celebrar o ca- samento com base na falsa declara- ção dos nubentes? Se o Conservador não detectar a falácia da declaração, pode celebrar o casamento, mas este contrato já não será reconhecido no país de origem do nubente, apesar 6 – O ADVOGADO — 23 de Julho de 2010

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23 de Julho de 2010— O ADVOGADO – 5

Declaro-vos:– mulher e “wife”;– marido e “husband” RENATA SILVA SANTOS

A união entre pessoas do mesmo sexoremonta aos primórdios da humanidade.

Nas culturas grega e romana, e mesmoem algumas comunidades cristãs, tal existiusob a forma de um sacramento denomi-nado por Adelphopoiesis. No Japão, foitambém permitida a união entre pessoasdo mesmo sexo, sob a forma de cerimóniasdenominadas por Fujian (entre homens) eOrquídeas de Ouro (entre mulheres). NasAméricas, as pessoas homossexuais eramconsideradas como um terceiro sexo epodiam variar na sua união entre as res-ponsabilidades de homens ou de mulheres.

Nos anos 90, a luta pela possibilidadede uma união legal entre pessoas do mesmosexo começou a assumir contornosrelevantes.

Portugal dá os primeiros passos coma promulgação da Lei 7/2001, de 11 deMaio, que regula a situação jurídica de duaspessoas, independentemente do sexo, quevivam em união de facto há mais de doisanos.

Mas esta lei, ainda assim, não forneciaa mesma tutela jurídica do casamento, quera nível pessoal quer a nível patrimonial.

A norma vigente no nosso ordena-mento jurídico, de acordo com o códigocivil dada pelo Decreto-Lei n.º 47344, de25 de Novembro de 1996, definia o casa-mento, no seu artigo 1587º, como “o contratocelebrado entre duas pessoas de sexo diferenteque pretendem constituir família mediante umaplena comunhão de vida…”.

Em Portugal, a Lei 9/2010, de 31 deMaio de 2010, veio permitir o casamentocivil entre pessoas do mesmo sexo. Noentanto, alguns autores nacionais não lhereconheceram tão grande novidade,

porque entendiam, usando elementos deinterpretação de normas jurídicas como oactualista e, sobretudo, o teleológico, seradmissível o casamento entre pessoas domesmo sexo, o que faz até sentido se pen-sarmos que o fim da mesma era a cons-tituição de família mediante a plena co-munhão de vida, que não é sinónimo,necessariamente, de procriação. Comoargumento favorável, apresentava-se ofacto de não constar dos impedimentos aomatrimónio o sexo dos nubentes, comoargumento desfavorável, o casamentoentre pessoas do mesmo sexo era feridoda mais grave das sanções jurídica – ainexistência tout court (art.º 1628º, alíneae), do Código Civil).

Desde a data da entrada em vigor dalei até à presente, 31 de Maio de 2010, fo-ram celebrados em Portugal, tanto quantose julga saber, dois casamentos entre pes-soas do mesmo sexo.

No entanto, apesar da sua precocidade,têm vindo a levantar-se vozes que a acusamde omissa e geram confusão, propaladasem jornais de tiragem nacional onde já foi

exposto, sem qualquer pejo, que a “(…) leique estabelece o casamento entre pessoas domesmo sexo, desde 31 de Maio de 2010, é omissano que concerne às uniões entre portugueses ecidadãos estrangeiros, originando que casaishomossexuais estejam a ser impedidos decelebrarem tal contrato…” e mais se temadiantado que “(…) não há casamentos atéhaver uma clarificação legislativa (…)” – écerto que a nova lei pode até revelaralguma incongruência, mas nãoquanto a esta matéria.

Há que separar as águas para clarificaro oceano da “pretensa” problemática…

Na verdade, a lei sempre admitiu o casa-mento entre pessoas do mesmo sexo, indepen-dentemente da nacionalidade dos nubentes.

O que sucede é que, nos termos doartigo 1596º do Código Civil, um doselementos necessários para a celebraçãodo casamento é a capacidade matrimonial,atestada pelo certificado de capacidade ma-trimonial ou por declaração do próprio nu-bente.

Do certificado de capacidade matri-monial consta, entre outros elementos, a

As regras para o casamento celebrado entre cidadãos ou com cida-

dãos estrangeiros são as mesmas que se aplicam ao de dois portu-

gueses

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identificação de ambos os nubentes, o quepossibilita o conhecimento a priori do sexodos mesmos.

As regras para o casamento cele-brado entre cidadãos ou com cidadãosestrangeiros são as mesmas que se aplicamao de dois portugueses, devendo, no en-tanto, e para o efeito, os noivos estrangeirosapresentar, para além da sua certidão denascimento – como, aliás, se exige aosnoivos nacionais – os seguintes docu-mentos:

1.certificado de capacidade matri-monial passado pelas autoridades com-petentes do seu país de origem;

2. título ou autorização de residência;3.e o passaporte ou documento

equivalente

Ora, nada a este respeito foi alte-rado com a Lei 9/2010, de 31 de Maio de2010).

O que sucede é haver países que nãoemitem certificado de capacidade matri-monial que são, por norma, países que têmvários Estados, referindo-se, a título deexemplo os Estados Unidos da América, oBrasil, a América Latina.

Ora, se o país estrangeiro, de onde éoriginário o nubente que pretende contraircasamento civil com um português, à luz da leiportuguesa, não reconhecer o casamento entrepessoas do mesmo sexo, não emitirá o certificado

de capacidade matrimonial para o efeito e oEstado Português, na pessoa do Conservador, nãopoderá, por falta de elementos essenciais, celebraro casamento – o que, de resto, já acontecia naredacção do Decreto-Lei n.º 47344, de 25 deNovembro de 1986, relativamente a casamentosheterossexuais.

E se não for apresentado o certi-ficado de capacidade matrimonialou este não for emitido?

Neste caso não será de considerar aatestação da capacidade matrimonial pormera declaração, uma vez que a mesma nãocorresponderá à realidade, facto de que oConservador terá noção graças à fácilidentificação dos países em que não é per-mitido o casamento entre pessoas do mes-mo sexo, dada a exiguidade dos que admi-tem (1). Perante uma situação deste tipo po-de e deve o Conservador recusar a celebra-ção do casamento ou, em caso de dúvida,averiguar da existência de impedimentos,sendo que das decisões do Conservador,cabe sempre recurso nos termos gerais.

E se o Conservador celebrar o ca-samento com base na falsa declara-ção dos nubentes?

Se o Conservador não detectar afalácia da declaração, pode celebrar ocasamento, mas este contrato já não seráreconhecido no país de origem do nubente, apesar

de ser perfeitamente válido e eficaz, in casu, emPortugal.

Permitir que se celebrem casamentosentre pessoas do mesmo sexo, mas de na-cionalidades diferentes, sem emissão docertificado de capacidade matrimonialoutorgado por entidade nacional compe-tente do país de origem ou admiti-lo pe-rante a declaração ostensivamente falsa donubente, seria admitir um verdadeiro “forumshopping” e os estrangeiros eram livres deobter um resultado que no país da suanacionalidade era ilegal, mas que, por des-locação espacial voluntária com vista àmudança de ordenamento jurídico, passa aser legal, consubstanciando-se tal fenóme-no numa verdadeira “fraude à lei”.

Não há, pois, qualquer omissão da lei,pois tudo o mais encontra-se resolvidopelas normas de direito internacionalprivado.

Advogada

(1) Países que admitem o casamento entrepessoas do mesmo sexo:

- Holanda (2001);- Bélgica (2004);- Espanha e Canadá (2005);- África do Sul (2006);- Estado do Connecticut (EUA, 2008);- Noruega, a Suécia, o Estado do Iowa

(EUA), o Estado de Vermont (EUA), o Estadodo Maine (EUA) (2009),

- Estado de New Hampshire (EUA),Portugal e Islândia (2010).

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POR JOSÉ PEDRO ANDRADE

Num cenário menos positivo daeconomia, as relações que se estabelecementre as entidades financeiras, as empresase os contribuintes em geral ganham umarelevância acrescida. A locação financeiraou leasing é em termos gerais um contratoque se estabelece entre o locador e olocatário, sendo que o cumprimento dasobrigações que ambos assumem, temrepercussões nos indicadores económicosporque implica uma maior ou menorfragilidade das entidades financeiras e umagravamento das condições de vida dasfamílias ou da saúde contabilística dasempresas. Ambas as partes deverãocumprir os seus deveres acima de tudo poruma questão de boa fé e, seguidamente,por uma questão de lógica. Conformedispõe o artigo 1.º do D.L. 149/95 de 24/06, a locação financeira é “o contrato peloqual uma das partes se obriga, medianteretribuição, a ceder à outra o gozo tem-porário de uma coisa, adquirida ou cons-truída por indicação desta, e que o locatáriopoderá comprar, decorrido o período

Locação Financeira:– as responsabilidades do locatário

acordado, por um preço determinado oudeterminável mediante simples aplicaçãodos critérios nele fixados”. Ora, torna-senecessário, com o desenvolver da activi-dade económica e com o surgir de inú-meras figuras jurídicas similares à locaçãofinanceira, referir algumas obrigações dolocatário num contrato de locação finan-ceira. Em primeiro lugar, cabe desde aolocatário o cumprimento de uma prestaçãode capital, que é o pagamento da renda,que pode ser de valor constante ou variável.Apesar da existência de algumas teses

quanto à qualificação desta prestação,cremos que a renda paga pelo locatário aolocador corresponde ao reembolso ex-clusivo do financiamento, ou seja, ao paga-mento do capital que o locatário investiuna aquisição do bem locado, dos inerentesjuros e, como é óbvio, do risco que sem-pre existe na concessão do crédito. Paraalém desta, existem ainda outras obrigaçõesdo locatário, como é o caso da obrigaçãode manter e conservar o bem locado,nomea-damente assegurando o pagamen-to de todas as despesas necessárias para oefeito. Outra das obrigações imputadasao locatário e que reveste uma importân-cia fulcral, é o de segurar a coisa locada.Deve pois o locatário celebrar um contratode seguro, figurando como tomador, comvista a cobrir os riscos inerentes àdeterioração e perda do bem locado etambém para segurar os danos que a mesmapossa causar a terceiros. Contudo, deveráo locatário ter em atenção o facto de sernecessário constar dos contratos de seguro,que o bem em causa é propriedade dolocador e que se encontra em regime delocação financeira, sendo ao locador que aempresa seguradora deverá entregar arespectiva indemnização em caso desinistro. Advogado

É necessário constar dos contratos de seguro, que o bem em causa é

propriedade do locador e que se encontra em regime de locação

financeira, sendo ao locador que a empresa seguradora deverá entregar

a respectiva indemnização em caso de sinistro.