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Revista de Ensino de Engenharia, v. 33, n. 2, p. 65-71, 2014 – ISSN 0101-5001  A P OBLE MATIZAÇ ÃO COM O INV ENÇÃ O: FUNDAMENTOS PAR A EDUCAÇÃO EM ENGENHAIA  José Ant onio Araven a-eyes 1 ESUMO Ese exo propõe um deslocameno de ênase para raar o ema da educação em engenharia. Para al, apona as diculdades de ormar aspecos essenciais dessa prossão, como é o caso da “invenividade écnica”, quando a engenharia é enendida como resolução de problemas. Como orma de superação dessas diculdades, explora-se a ideia da “problemaização” , num conexo em que, para além de repre- senar uma ação para esabelecer um enunciado que revela uma r upura com uma v ida anecipada (um obsáculo), ela exprime um complexo processo de invenção de novos modos de exisência. Palavras-chave: Educação em engenharia; resolução de problemas; invenção; invenividade écnica.  ABSTRCT POBLEMATIZATION AS INVENTION: GOUNDS FO ENGINEEING EDUCATION Tis paper proposes a shi o emphasis o address he issue o engineering educaion. o do his, i is oriened o describe he diculies o eaching essenial aspecs o his proession, as is he case o he echnical inveniveness”, when engineering is undersood as a problem solving approach. As a way o overcoming hese diculies, i explores he idea o “problemaizaion , in a conex which, in addiion o represening an acion o esablish an enunciaion ha reveals a break wih an anicipaed lie (an obsacle), i expresses a complex process o invenion abou new modes o ex isence. Keywords: Engineering educaion; problem solving ; invenion; echnical inveniveness. 1 Proessor Associado IV , D Sc. em Engenharia Oceânica, Universidade Federal de Juiz de For a; jose.aravena@u f.edu.br

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Revista de Ensino de Engenharia, v. 33, n. 2, p. 65-71, 2014 – ISSN 0101-5001

 A POBLEMATIZAÇÃO COMO INVENÇÃO:FUNDAMENTOS PAR A EDUCAÇÃO

EM ENGENHAIA

 José Antonio Aravena-eyes1

ESUMO

Ese exo propõe um deslocameno de ênase para raar o ema da educação em engenharia. Para al,apona as dificuldades de ormar aspecos essenciais dessa profissão, como é o caso da “invenividadeécnica”, quando a engenharia é enendida como resolução de problemas. Como orma de superaçãodessas dificuldades, explora-se a ideia da “problemaização”, num conexo em que, para além de repre-senar uma ação para esabelecer um enunciado que revela uma rupura com uma vida anecipada (umobsáculo), ela exprime um complexo processo de invenção de novos modos de exisência.

Palavras-chave: Educação em engenharia; resolução de problemas; invenção; invenividade écnica.

 ABSTRCT

POBLEMATIZATION AS INVENTION:

GOUNDS FO ENGINEEING EDUCATION

Tis paper proposes a shi o emphasis o address he issue o engineering educaion. o do his, i isoriened o describe he difficulies o eaching essenial aspecs o his proession, as is he case o he“echnical inveniveness”, when engineering is undersood as a problem solving approach. As a way oovercoming hese difficulies, i explores he idea o “problemaizaion”, in a conex which, in addiiono represening an acion o esablish an enunciaion ha reveals a break wih an anicipaed lie (an

obsacle), i expresses a complex process o invenion abou new modes o exisence.Keywords: Engineering educaion; problem solving; invenion; echnical inveniveness.

1 Proessor Associado IV, D Sc. em Engenharia Oceânica, Universidade Federal de Juiz de Fora; [email protected]

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[66] A PROBLEMATIZAÇÃO COMO INVENÇÃO: FUNDAMENTOS PARA A EDUCAÇÃO EM ENGENHARIA

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INTODUÇÃO

 A engenharia é amplamene enendida emunção da resolução de problemas. Bazzo e Pereira(2006), num exo clássico de inrodução à enge-

nharia, por exemplo, consideram que a engenhariamoderna é aquela que se caraceriza por uma oreaplicação de conhecimenos cieníficos à solução deproblemas. al afirmação sineiza enunciados mui-o diundidos na comunidade acadêmica, os quaisêm-se enraizado ão proundamene que as dificul-dades de ensino em engenharia são enendidas, naaualidade, em ermos de deficiências ou ausênciasmeodológicas (PINO e OLIVEIR, 2012)2  oque, muias vezes, se equaciona mediane a peri-nência da escolha de ceras abordagens meodológi-cas, como é o caso do ensino por problemas.3

Meodologicamene alando, o ensino porproblemas pare do pressuposo adicional de que oproblema já exise. Seja para raá-lo de orma con-crea (um problema real) ou de orma absraa (umproblema ideal), a noção de que o problema exiseé uma condição meodológica sobre a qual se cons-rói um arcabouço procedimenal, que, em úlimainsância, visa à apropriação de coneúdos específi-cos por pare dos alunos.

Sendo assim, não é a condição onológica doproblema que ganha cenralidade no ensino basea-

do em problemas; é a aplicação do coneúdo pro-gramáico que, nessa abordagem meodológica, seorganiza em orno de um enunciado que esá sobconrole. De uma orma ou oura, o processo de en-sino por problemas se undamena na ariculaçãode demandas de coneúdos para serem aplicadosa uma condição de enunciação. Mas, nessa condi-ção, os coneúdos não se esruuram livremene: éo enunciado que esabelece as condições de análisee as possibilidades de ariculação de coneúdos, pre- viamene induzidos como imporanes para a reso-lução do ipo de problema enunciado.

2 Segundo os auores, para se ornar um docene e ser capaz de azer a die-rença na ormação dos novos engenheiros, há a necessidade de conhecer eaplicar méodos e écnicas de ensino/aprendizagem esruurados e consis-enes que pressuponham a apropriação do conhecimeno e de méodosrelacionados à ormação.

3 Um grande volume de publicações sobre ensino de engenharia é baseadoem relaos de sucesso em relação à adoção desse ipo de meodologias.

O que se preende mosrar nese rabalho éque o mesmo undameno da quesão meodológicaesá presene na ormulação do perfil de ormaçãodo engenheiro, o que resula em uma séria limiaçãoem ermos de ormação, pois, ao se pensar a resolu-

ção de problemas como a base do perfil profissional,a dimensão inveniva do engenheiro fica resria aum universo operacional muio limiado, que acabacriando uma condição de pensameno que desavo-rece o desenvolvimeno da invenividade écnica,caracerísica undamenal da vida profissional.

Na seguine seção, será eia uma breve análi-se de como al limiação se consolida nas direrizescurriculares de engenharia, para, depois, elaborarceros elemenos que deveriam ser consideradoscomo imporanes na ormação do engenheiro, de

modo a desenvolver a sua capacidade inveniva. A ESOLUÇÃO DE POBLEMAS

NAS DCEng 

Na legislação brasileira, a quesão do ensinode engenharia enconra-se equacionada nas Dire-rizes Nacionais para o Ensino de Graduação emEngenharia do Brasil – DCEng (MEC/CNE/CES,2002), nas quais o enendimeno que se apresenasobre o engenheiro esá descrio no seguine exo:

 Ar. 3º O Curso de Graduação em Engenharia em

como perfil do ormando egresso/profissional oengenheiro, com ormação generalisa, humanisa,críica e reflexiva, capaciado a absorver e desen- volver novas ecnologias, esimulando a sua aua-ção críica e criaiva na idenificação e resolução deproblemas, considerando seus aspecos políicos,econômicos, sociais, ambienais e culurais, com visão éica e humanísica, em aendimeno às de-mandas da sociedade.

De ao, oda a ormulação descria nesse re-cho deve ser garanida, em ermos de realização, me-diane um projeo pedagógico:

 Ar. 5º Cada curso de Engenharia deve possuir umprojeo pedagógico que demonsre claramenecomo o conjuno das aividades previsas garaniráo perfil desejado de seu egresso e o desenvolvimen-o das compeências e habilidades esperadas.

Para complemenar esse quadro, em ouraspares do documeno, pode-se observar que são

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descrias mais compeências e habilidades a carac-erizar o ormando, enre as quais se enconram asde “conceber, projear e analisar sisemas, produose processos” e “idenificar, ormular e resolver pro- blemas de engenharia”.

 As direrizes para engenharia parecem incor-porar compeências e habilidades que possibiliamo desenvolvimeno da invenividade écnica, po-rém, segundo o arigo 5º, seria de responsabilidadedas insiuições de ensino o desenvolvimeno de umprojeo (políico) pedagógico capaz de maerializarclaramene essa possibilidade, mas o que se consaarequenemene na ormação de engenheiros é quehá uma grande disância enre o prescrio nas dire-rizes e o realizado denro de sala de aula.4

Por al moivo, é necessário desenvolver (inclu-

sive em ermos da lógica insiucional) uma dimen-são de análise que permia comparar o que esá escri-o no exo das direrizes com aquilo que é realizadona práica coidiana do ensino. Essa análise requerum undameno meodológico que inerpree a rea-lidade não só aravés de processos de avaliação comindicadores quaniaivos, senão ambém de ouros,de ordem qualiaiva, que permiam compreendercomo se promove (ou se inibe) o poencial inveni- vo nos ormandos.

Nessa direção, é imporane desacar que umdos senidos predominanes nos enunciados da prá-

ica coidiana do ensino de engenharia é que ela ra-a da resolução (e não da invenção) de problemas, oque acarrea um marco conceiual resriivo ao de-senvolvimeno da invenividade écnica.

Porém, não é somene esse marco conceiualde acesso ao pensameno invenivo que limia o de-senvolvimeno do poencial invenivo. Há um con- juno de práicas denro do processo de ormaçãoque ambém incide no desenvolvimeno do poen-cial invenivo e que requer aenção especial, inclu-sive, se o inuio é enender melhor os moivos que

impedem que uma deerminada meodologia deensino-aprendizagem não promova os resuladospreviamene esperados.

De ao, no exo do arigo 3º, pode-se consa-ar que os enunciados “absorver e desenvolver novas

4 Pino e Oliveira (2012) descrevem essa siuação regisrando que, no pro-cesso de ensino-aprendizagem de engenharia, ainda prevalece a visão doaluno como agene passivo.

ecnologias” e “idenificação e resolução de proble-mas” dão margem a muias inerpreações, odasas quais deveriam esar maerializadas em ormasprocedimenais claras nos projeos pedagógicos doscursos.

Se, por um lado, ais procedimenos não sãodiíceis de ser implemenados, dada a naurezasingular dos aos descrios (absorver, desenvolver,idenificar ou resolver), quando se considera a ne-cessidade de uma auação críica e criaiva por paredo ormando, a invenividade fica reduzida someneà idenificação e à resolução de problemas ou ao de-senvolvimeno de novas ecnologias, o que ambém,na práica, reduzem a invenividade écnica ao do-mínio da resolução de problemas.

Seguindo o mesmo raciocínio, a pare do exo

das direrizes que descreve ouras compeências ehabilidades a serem desenvolvidas pelo engenheiro,como a de conceber sisemas –produos e serviços–, parece conar com um enendimeno mais amploda invenividade écnica, mas se pode consaar queesse conceber, radicionalmene, ambém é raadona engenharia como resolução de problemas.

Como se pode observar, há uma grande arma-dilha episemológica que permeia oda a ormaçãodo engenheiro e que reside na premissa de que en-genharia é resolução de problemas. Na medida emque o pensameno predominane na academia en-ende a engenharia dessa maneira, a ormação doengenheiro (seja ano mais o menos criaiva, refle- xiva ou críica) se oriena a uma práica na qual oproblema esá dado, sendo necessário ão-someneum arcabouço meodológico para resolvê-lo.

Ou seja, há algum empo que os processos or-maivos são direcionados por uma premissa que ins-creve a auação do engenheiro no domínio da opera-ção, no senido de que, se os engenheiros resolvemproblemas, alguém (que não é esse engenheiro), emalgum lugar, os cria.

Essa conusão episemológica submee oda acapacidade inveniva do engenheiro a uma operaçãoécnica que é a de resolver os problemas criados porouros. esula imporane, porano, saber quemdefine os problemas que os engenheiros resolvem,pois grande pare da ormação do engenheiro é ba-lizada por esse ipo de condição episemológica, aopono de não se quesionar mais porque os moivos

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que aualmene susenam o desejo de esudar en-genharia passam, principalmene, por garanias deacesso a paamares socioeconômicos avoráveis nasociedade capialisa, e não pelo desejo de se inserirnuma práica cuja essência é inveniva e socialmene

produiva.É assim que se consrói essa engenharia sem au-

onomia: mediane a produção de um pensamenosujeiado a uma dourina que recora a poência dopensameno invenivo para colocá-la à disposiçãodos ineresses de uma maquinação socioeconômicaria e compleamene despersonalizada, que usuruide um processo ormaivo que sequer reconhececonceiualmene a prounda dimensão do invenar,casrando as possibilidades invenivas com enuncia-dos exernos que definem um marco de práicas sob

os quais se conrolam e limiam os deslocamenosnaurais das menes curiosas e invenivas dos apren-dizes.

Se um dos senidos hegemônicos que exiseem engenharia é de que ela raa da resolução deproblemas, o que se preende ao quesionar a pre-missa episemológica é que se abra um espaço deauonomia cidadã e profissional, mediane a críicaa essa concepção, de modo que, ao enender a enge-nharia como o lugar da invenção, se possa ormar oengenheiro para invenar ouros – e aé novos – i-

pos de exisência, aravés do desenho das suas con-dições maeriais, como será sugerido aqui, de modoa promover uma nova perspeciva para uma orma-ção mais apropriada aos auais desafios da vida emsociedade.

INVENTIVIDADE EPOBLEMATIZAÇÃO

 A engenharia sempre oi associada à resoluçãode problemas, mas a invenividade écnica esá paraalém dessa perspeciva. Não há uma condição a prio-

ri  para um problema, menos ainda para dizer queum problema é exclusivamene de engenharia. Deao, o que esá em jogo é o próprio problema, na suacondição onológica. Anes de er sido enunciado,um problema não passa de um esado sensível, quese maniesa como uma demanda de deslocamenoperane a realidade presene. Após enunciado, algu-ma pare da realidade é colocada como preocupa-

ção presene, ao mesmo empo em que as ouras sãodescaradas.

Parece evidene que, além de conrolar a in- venividade écnica aravés de um processo lógi-co de idenificação e ormulação de problemas de

engenharia, o recore necessário em ermos dascompeências e habilidades que se promovem nasdirerizes é pouco uncional. De ao, a experiênciainveniva relevane para a ormação do engenheironão pode ser condicionada ao reconhecimeno deque um dado problema esá no domínio da enge-nharia, pois seria necessário, primeiro, er a cerezade que al problema esá circunscrio denro do do-mínio da engenharia para, só depois, poder idenifi-cá-lo e ormulá-lo, ao que orna conradiória essaabordagem denro de qualquer perspeciva discipli-

nar, e não só para a engenharia. Em realidade, iden-ificar um problema no domínio esrio da engenha-ria, necessariamene, opera de orma a resringir ossinais do problema àqueles que azem senido emrelação àquilo que chamamos de engenharia. Issosem considerar que a ormulação sempre opera so- bre elemenos conhecidos (idenificáveis), para osquais se devem esabelecer as suas verdadeiras (edemonsráveis) relações.

Dessa orma, podemos afirmar que, mais doque idenificar e resolver problemas, a area do en-genheiro pode ser posulada na orma de invenaros problemas (ARVENA-EYES, AGUILA e AZEVEDO, 2006), ou, de orma mais ampla, de in- venar as siuações para as quais é demandado umdeslocameno da realidade. Muias vezes, isso é en-endido como “problemaizar”, porém, a condiçãoque avorece a invenividade écnica é a invenivida-de em si, e não necessariamene as ormas visíveisda invenção. Dessa maneira, o invenar problemasque se pleieia aqui exige o esclarecimeno de doisaspecos imporanes de um processo: o invenarem si é um modo paricular de invenção que resula

na problemaização.Deleuze, por exemplo, ao raar o conceio de

inuição em Bergson (DELEUZE, 1999), o ideni-fica como um méodo essencialmene “problemai-zane”, “dierenciane” e “emporalizane”, no qual oproblemaizar significa “a críica de alsos problemase invenção de verdadeiros”. Com isso, pode-se dedu-zir que invenção e problemaização não são ermos

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idênicos, e que a problemaização oma aspecosda invenção para operar como al. Ou seja, a proble-maização é um modo da invenção, pois o processode problemaização, segundo descrio por Deleuze,opera em um movimeno que surge da críica de

uma siuação (alsa) ao surgimeno de oura (verda-deira). No caso da invenção em si, al movimenorepresena só uma orma paricular de invenar.

 A invenção em si é de exrema relevância, por-que nos coloca perane uma compeência que ex-rapola os limies da ormação profissional do enge-nheiro, aingindo uma dimensão exisencial em queé a própria vida o que se invena. A abrangência doinvenar em implicações direas no processo edu-cacional, e requer um enendimeno proundo se oobjeivo educacional é liberar a capacidade inveni-

 va para além de um dado modo de operacionaliza-ção, que seria, no caso, a problemaização.

INVENTA EM ENGENHAIA

 A engenharia, como oi apresenado anes, seenende em ermos hegemônicos como a resoluçãode problemas, minimizando o poencial invenivodo seu campo de ação. alvez esse enendimeno e-nha evoluído em unção das próprias demandas dosisema capialisa que, nooriamene no surgimen-o das écnicas de adminisração moderna, eve suasexpecaivas direcionadas a resolver os problemasda eficiência econômica do sisema produivo. An-es disso, porém, a engenharia esava amplamenemoivada à invenção dos objeos com eficiência éc-nica, não verificada exclusivamene aravés do cusodo objeo produzido, senão aravés da esabilidade edurabilidade do inveno écnico e da sua capacidadede consolidar deerminadas ormas de exisência.

Os anigos mecenas, mais que moivados pelaresolução de um problema econômico, eram asci-nados pelas invenções dos arisas engenheiros doenascimeno. Leonardo da Vinci, maerializando

oda a dinâmica social dessa época, é ainda enendi-do como a figura emblemáica do gênio, quer dizer,da pessoa que possui a capacidade inveniva por ex-celência.

 A parir dessa esreia relação enre o engenhei-ro e o invenor é que podemos raçar uma nova lei-ura para o cerne da profissão, pois, se o gênio inven-a usando seu engenho, pode-se pensar que o ermo

engenharia (ou engenheiro) eseja vinculado coma maior propriedade ao ermo gênio e, consequen-emene, ao ermo engenho, no seu enendimenode capacidade ou compeência inveniva (engenho/asúcia), do que ao ermo engenho no seu enendi-

meno como um cero resulado de um processo in- venivo (engenho/moor).5

O engenhar do engenheiro não esá relaciona-do exclusivamene com o azer objeos-engenhos,argumeno que muias vezes é uilizado para jusi-ficar a necessidade de uma hegemonia da racionali-dade cienífica ou de cera organização ou esruuramecanicisa para enender a engenharia. Em conra-posição, um engenhar baseado em uma significaçãomais próxima do uso da capacidade inveniva paraproduzir seus objeos não necessia ser jusificado

pela racionalidade cienífica.De ao, a proximidade da palavra engineer  coma palavra engine deve ser revisa para se enender me-lhor porque o engenheiro oi caraerizado como um“resolvedor” de problemas, pois, de cera maneira,os problemas a serem resolvidos esavam ampara-dos nos problemas de crescimeno da época, cujamariz de soluções alvez esivesse associada à ideiados mecanismos da lógica produiva da evoluçãoIndusrial. Essa proximidade não se consaa no e-nascimeno ialiano, quando podemos enconrar osprimeiros engenheiros auando de orma organiza-

da, em lojas de aresãos ou pedreiros, espaços nosquais se preendia conesar a hegemonia da Igrejana explicação dos processos naurais, mediane aapropriação (ingenium) de uma perspeciva não-di- vina da realidade que permiia invenar (inventum)novas ormas de exisência, para além das consagra-das pela radição caólica. Assim, engenho e capaci-dade inveniva parecem ser um solo mais ecundopara se enender as caraerísicas das compeênciasundamenais necessárias à ormação profissional.

Nesse senido, embora grande pare dos pro-

cessos de operação e do correo uncionameno desisemas de engenharia sejam comumene enen-didos como uma area própria de engenheiros, acarência da dimensão inveniva mosraria que, ain-da quando necessário que engenheiros conheçam

5 Ver, por exemplo, o verbee descriivo do conceio “engenharia” segundodescrio na Wikipedia (<htp://p.wikipedia.org/wiki/Engenharia>), noqual o engenheiro é descrio como a alguém que operava engenhos.

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muio bem os processos dos sisemas écnicos deuma deerminada siuação, al conhecimeno nãoconfigura um fim em si mesmo, senão um meio parasubsidiar a inuição nas suas demandas por invenara ecnicidade dos novos modos de exisência.

 A POBLEMATIZAÇÃO COMOMODO DE INVENÇÃO

O que se invena obedece a uma demanda poraualizar as condições de realização de um deermi-nado modo de exisência. Em ouras palavras, é ummodo de conhecimeno produivo, que raz para opresene uma configuração de produção em ornodaquilo que se deseja experimenar como vivênciaplena.

O problema, na orma de rupura ou de obsá-culo à coninuidade de um dado modo de vida, nãoexaure a condição inveniva, uma vez que, como al,o problema exige uma exerioridade que o definacomo al (o modo de vida com o qual se rompe).Por al moivo é que a pesquisa e o projeo omamum lugar relevane nas meodologias de resolução de

problemas: raa-se de idenificar e modificar aquiloque obsaculiza ou rompe com a coninuidade de

uma vida que já oi operacionalmene anecipada,no senido dado por Bouine (2000) a esse ermo.

De ao, podemos dizer que, se, na esera me-odológica, a própria rupura (o problema) podeser produzida como mecanismo didáico, em úlimainsância, raa-se de produzir os problemas mais doque resolvê-los.

É nesse senido que o problemaizar é inven-ar. Na dimensão produiva, ao se invenar um pro- blema, longe daquilo que o exerior nos inorma,se configura um espaço de reflexão produiva, quese undamena mais na dinâmica inveniva do quena idenificação e no reconhecimeno da realidade

operacionalmene anecipada.É aqui que resula imporane enender a pro- blemaização como uma area inveniva, pois, ao searelar a problemaização a uma dada realidade, nãohá mais um esorço inelecual invenivo relevane.Só há adapação a um conjuno de enunciados quedizem da realidade de orma inquesionável. A pro- blemaização como adapação a uma realidade dada

é submissa e não reconhece os deslocamenos queum corpo demanda. Muio pelo conrário, um alenendimeno simplesmene resringe as preocu-pações da vida àquilo que, em algum lugar, se defi-ne como realidade relevane. Ou seja, a quesão daproblemaização, assim como a do problema e suaresolução, resula numa abordagem didáica maisalienane do que emancipadora, caso a condição on-ológica (o que é a problemaização) não considerea carografia das orças sociais e singulares que de-finem porque, quando ou como se deve problema-izar. Esabelecer, a priori , as ormas da problemai-zação, mediane uma definição, coloca a engenhariana senda de uma operação obediene, a qual, maisdo que paricipar do enendimeno da realidade, azdela uma operação sobre uma realidade dada.

Separar os problemas das suas condições deenunciação implica uma alienação muio convenien-e para a manuenção do enendimeno dominane,pois os problemas são colocados como demandasuniversais e absoluas, sem que haja quesionamenoao seu valor inrínseco. Um problema, por exemplo,pode ser produo dos ineresses de um deerminadogrupo que, suilmene, se ampara num quesiona-meno aparenemene neuro e objeivo para exer-cer seu poder.

Problemaizar, porano, não corresponde a

um méodo que simplesmene permie elaborar osproblemas. Problemaizar exige a produção de umenunciado que esgoe o problema como pono deparida para converê-lo em reerência de ransor-mação da realidade. Por al moivo, ele não pode seerigir sobre a cereza, visando a uma lógica de verifi-cação de condições esabelecidas apriorisicamene. A problemaização deve ser a própria lógica de posi-cionameno em orno do enunciado do problema, aparir da qual se reconfigura a realidade mediane aexpliciação da exisência que se desdobra inegral-

mene com o seu enunciado. Anes de se enunciar um problema, não se emnada expliciamene. Após ser enunciado, em-se ummodo de exisência que exige ser maerializado pormeio de suas possíveis soluções. A problemaiza-ção, de ao, pode ser um novo paradigma (FABE,2009) ou uma orma de emancipação das imagensde pensameno dogmáicas (OSBONE, 2003).

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CONCLUSÕES

Muio mais do que pensar na engenharia comoa resolução de problemas, os anecedenes coloca-dos aqui propõem um deslocameno dessa perspec-

iva hegemônica, para uma direção que recupera ainvenividade écnica como uma caracerísica un-damenal da engenharia e, consequenemene, daormação em engenharia.

 A invenividade écnica pode ser recuperadacomo veor primordial para a reorienação do pro-cesso ormaivo, visando à auonomia do esudane,de modo a insiuir um espaço de ariculação de sa- beres, novos ou radicionais, como orma de com-peência profissional.

raa-se de um movimeno que exrapola ouniverso da resolução de problemas para avançar na

arena da problemaização como modo de invenção.Nesse senido, a problemaização não represena sóuma orma de esabelecer enunciados de problemas,senão um modo críico de invenar verdadeiros pro- blemas, no senido dado por Bergson, resabelecen-do o papel social e políico que muios engenheiros já conseguiram aricular ao longo da hisória.

Em úlima insância, a auonomia em orno dodevir engenheiro: a possibilidade de poencializarum modo de exisência, que enconra na écnica ainvenção da própria vida.

DADOS DO AUTO 

 José Antonio Aravena-eyes aualmene é Proessor Associado IV da Universidade Federal de Juiz de Fora. Mesre e douor em

Ciências da Engenharia Oceânica pela COPPE-UFJ, em 1994 e 1998, respecivamene. Aua como proessor da disciplina Projeo

e Desenho Auxiliado por Compuador para os Cursos de Engenharia Civil e Engenharia Saniária e Ambienal da Universidade Fe-

deral de Juiz de Fora. Coordenador do Curso de Pós-Graduação em ecnologias Digiais de Inormação e Comunicação no Ensino

Básico da Universidade Abera do Brasil. Exerce o cargo de coordenador geral do Cenro de Educação a Disância da Universidade

Federal de Juiz de Fora e de coordenador insiucional do Conselho Insiucional de Formação de Proessores – COMFO. Líder

do Núcleo de Esudos e Pesquisas em Educação e ecnologia e membro do Grupo de Pesquisa em Inovação ecnológica na Cons-

rução Civil, com ineresse em ormação de proessores em engenharia, ensino da gesão de projeo e consrução civil, educação a

disância e filosofia da engenharia e da ecnologia.

EFEÊNCIAS

 ARVENA-EYES, J.; AGUILA, M.; AZEVEDO, W. Una propuesta de educación para la tecnologia.Fourh LACCEI Inernaional Lain American and Ca-ribbean Conerence or Engineering and echnology.

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PINO, D.; OLIVEIR, V. eflexões sobre a práica doengenheiro-proessor. Anais do XL Congresso Brasi-leiro de Educação em Engenharia , COBENGE, Be-lém, PA, 2012.