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    PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO RIO GRANDE DO SUL

    INSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS

    CURSO DE PS-GRADUAO EM FILOSOFIA

    A CONTRADIO DALINGUAGEM

    EM WALTER BENJAMIN

    ALUNO: PAULO RUDI SCHNEIDER

    ORIENTADOR: DR. ERNILDO JACOB STEIN

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    Agradecimentos

    Agradeo minha FAMLIA pela pacincia e compreenso nos tempos de minha

    ausncia em recolhimento, meditao e trabalho de escrita da tese.

    Agradeo ao PROFESSOR DR.ERNILDO JAKOB STEIN pela grande amizade

    e por toda a segurana no apoio nas horas de fato decisivas.

    Agradeo UNIJU e, especialmente, aos COLEGAS do Departamento de

    Filosofia e Psicologia pela oportunidade dos perodos de meu afastamento temporrio para

    os estudos de mestrado e doutorado.

    Agradeo CAPES pela concesso da bolsa para a realizao do doutorado

    sanduche junto EBERHARDT-KARLS-UNIVERSITT TBINGEN sob a

    orientao do PROF. DR. OTFRIED HFFE de agosto de 2004 a janeiro de 2005.

    Porto Alegre, outubro de 2005

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    RESUMO

    A presente tese tem o intuito de indiciar a contradio da linguagem em suas duas

    dimenses medida que a expe como o fio condutor e critrio para a compreenso da

    obra de Walter Benjamin, a fim de poder mostrar que ele por intermdio da mesma avaliagrande parte das manifestaes da cultura humana. A primeira delas a concepo que

    dimensiona a linguagem como instrumento de sinalizao de objetos fora da sua

    circunscrio e que o falante ento aponta como se fosse separado de si mesmo,

    inaugurando, em inteno implcita, a subjetividade como fundante da totalidade do saber.

    A segunda caracteriza a linguagem enquanto intermitente expresso da prpria totalidade

    que implcita e inevitavelmente sempre deve supor, sem poder nomin-la jamais. Qualquer

    inteno de fundamentao ser simultaneamente acompanhada pela linguagem, que lhe

    antecede como mbito de atividade e em que participa, mas o que est a esquecer na

    objetivao absoluta base de pretenso de subjetividade enquanto princpio fundante.

    A contradio da linguagem o paradoxo da ambivalncia em que o ser humano se

    encontra e que lhe possibilita a compreenso esquecida de si enquanto conhecimento

    objetivado, por um lado, e, por outro, tambm a compreenso enquanto recordao do

    encontro que j sempre numa unidade total, que, porm, nunca poder definir por

    explicaes de causa e efeito, pois tambm elas mesmas j se do na expresso de simesmo na linguagem em ocorrncia.

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    Zusammenfassung

    Die vorliegende Tese beabsichtigt den Widerspruch der Sprache in seinen zweiDimensionen anzuzeigen, indem sie ihn als roter Faden und Kriterium fr das Verstndnis

    des Werkes von Walter Benjamin darlegt, um zeigen zu knnen, dass er mit demselben

    einen grossenTeil der Erscheinungen der menschlichen Kultur bewertet. Die erste von

    ihnen ist das Ansehen, dass die Sprache ein Werkzeug zur Kennzeichnung der

    Gegenstnde ausser ihres Bereiches sei und welche der Sprecher dann anzeigt, als ob sie

    von ihm getrennt seien, und so in impliziter Absicht die Subjektivitt als das Begrndende

    der Totalitt des Wissens inauguriert. Die zweite charakterisiert die Sprache alsbestndiger Ausdruck der Totalitt selbst, welche sie implizit und unausweichlich immer

    vorraussetzt muss, ohne sie jemals bennenen zu knnen. Jegliche Absicht der Begrndung

    wird simultan von der Sprache, die ihr vorausgeht als Bereich der Aktivitt und in dem sie

    mitteilt, begleitet, was sie aber in der absoluten Objektivation, in der Absicht der

    Subjektivierung als begrndendes Prinzip, vergisst.

    Der Widerspruch der Sprache ist das Paradox der Ambivalenz, in dem der Mensch

    sich befindet und das ihm, erstens, das vergessene Verstehen ber sich selbst als

    objektiviertes Wissen ermglicht, und dann auch das Verstndnis als Erinnerung der

    Begegnung in einer totaler Einheit, die er immer schon ist, die er aber nie durch

    Kausalerklrungen umschreiben kann, weil auch sie selbst sich im Ausdruck seiner selbt

    als Ereignis in der Sprache ergibt.

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    SUMRIO

    I. INTRODUO...................................................................................................................6

    II. O MOVIMENTO CULTURAL DA JUVENTUDE......................................................36

    1. INDICAO DA CONTRADIO DA LINGUAGEM: CONVERSAO...........51

    2. ENSAIO APLICATIVO DA CONTRADIO DA LINGUAGEM: DUAS

    POESIAS DE HOELDERLIN......................................................................................154

    3. APRESENTAO DA CONTRADIO DA LINGUAGEM: SOBRE A

    LINGUAGEM EM GERAL E A LINGUAGEM DOS HOMENS........................... 172

    4. POSICIONAMENTO FILOSFICO: SOBRE A FILOSOFIA

    VINDOURA................................................................................................................... 221

    5. A CONTRADIO DA LINGUAGEM NA TAREFA DO TRADUTOR ..............240

    6. A CONTRADIO DA LINGUAGEM NA FILOSOFIA E NA ARTE.................252

    7. A CONTRADIO DA LINGUAGEM ENTRE A DILUIO TOTAL E A

    OBJETIVAO DELIRANTE: AO SOL .................................................................286

    8. COMPLEMENTAO CONTRADIO DA LINGUAGEM: DOUTRINA

    DO SEMELHANTE .....................................................................................................315

    8.1 SOBRE A FACULDADE MIMTICA...............................................................320

    9. A APLICAO DA CONTRADIO NA LINGUAGEM: FRANZ

    KAFKA ..........................................................................................................................327

    10. ENTRE O DIZER E O DITO.......................................................................................365

    CONCLUSO.......................................................................................................................372

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ..............................................................................384

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    I. INTRODUO

    A.

    Para a manuteno da sua idia fundamental a Universidade ainda hoje necessita

    conviver com a imposio histrica de uma coordenao geral de um ncleo bsico de

    estudos de carter humanstico e de formao geral, os quais fazem parte da maioria dos

    cursos obrigatoriamente. Desse ncleo bsico de estudos, a filosofia em grande parte era e

    ainda responsvel pela contribuio na formao de todos os alunos da Universidade com

    disciplinas como tica, Epistemologia, Teoria do Conhecimento e Introduo Filosofia

    em geral. Isso significa que todos os professores de filosofia da Universidade, alm do

    contato, das obrigaes e das relaes tpicas com tudo o que concerne a um curso

    especfico de filosofia, tem a oportunidade e a obrigao de articular com eficiente

    capacidade pedaggica o seu saber em reas que, primeira vista, parecem distantes das

    preocupaes tericas do filsofo, como, por exemplo, as variaes das engenharias, a

    sade, a administrao, a economia, o direito, todo o mbito de estudos da rea emprico-

    analtica, bem como em reas consideradas mais prximas da filosofia, denominadas

    costumeiramente por cincias humanas. Significa tambm que uma grande parte da

    totalidade dos estudantes da universidade ainda hoje tem contato com assuntos filosficos,

    mesmo que precariamente, oportunizando as mais diversas reaes, discusses e tentativas

    de soluo a esse respeito.

    Qual o contedo a ser elaborado conjuntamente em todos os cursos por professores

    e alunos e que satisfaa s exigncias da universalidade evidentemente presente como

    suposto no todo da universidade e em cada uma das suas reas de pesquisa, ensino e

    extenso? Por que exatamente estas e no outras disciplinas so consideradas como

    capazes de formao humanstica, universal e viso relacional? O que filosofia? Para que

    filosofia? Por que h que estudar filosofia se no imediatamente transformvel em valor

    de sobrevivncia econmica? Qual a capacidade de aproveitamento positivo da filosofia na

    construo da utopia social? O estudo e o exerccio da filosofia rende indicaes utilizveis

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    para a construo de um sistema produtivo justo e democrtico para a sociedade em geral?

    Qual, enfim, a utilidade da filosofia em cada um dos cursos? Deve a filosofia fazer a

    tentativa de adaptar-se promoo da fundamentao do que as mais diversas reas

    elaboraram como especificidade? Deve a filosofia oferecer uma rede de conceitos a todas

    as reas, a qual fosse capaz de formar um pano de fundo terico cultural comum a todas

    elas para que nele pudessem reconhecer-se? Qual a funo do curso de filosofia na

    universidade de hoje e a sua relao com todos os outros? Essas perguntas, entre outras,

    surgem na relao prtica e efetiva de cada professor de filosofia na universidade: se no

    for capaz de pelo menos aceit-las entrando no jogo da argumentao e no vislumbrando

    soluo alguma, a sua atuao perde imediatamente o sentido de solidificao relacional

    atribudo desde sempre filosofia e o seu significado descamba para o irracionalismo, oupara o cinismo utilitarista sem maiores reflexes e preocupaes. Tais perguntas, entre

    outras, por isso tambm levam necessariamente busca constante do conhecimento de

    filsofos, cujo pensamento aborda desde questes de fundamentao na e da filosofia at

    preocupaes e discusses sobre formas especficas de relao com reas especficas da

    cultura.

    Na Ps-modernidade, poca em que temos um acmulo de informaes e uma

    diviso cada vez maior nas mais diversas reas do conhecimento notoriamente j causam

    enormes dificuldades de arregimentao contra o relativismo desistente de qualquer

    reflexo na busca de uma suposio fundamental comum, algumas perguntas

    anteriormente descritas at j se desenvolvem como acusao, dando a entender que para a

    perfeita preservao da unidade da Universidade bastam os aspectos administrativos,

    econmicos e jurdicos. A filosofia como rainha das cincias, ou at mesmo como somente

    guardi da racionalidade a muitas reas da cultura universitria, voltadas

    profissionalizao e atentas aos apelos do mercado, j no mais convence e, para algunsfilsofos, at j comea a parecer duvidoso todo o esforo empenhado em discursos de

    convencimento a respeito dos acertos e das receitas da filosofia para a salvao e felicidade

    gerais da sociedade humana.

    No transcurso das discusses sobre a relao da filosofia com todas as reas do

    saber ao longo dos anos, estudos e ensaios foram escritos, textos foram lidos e traduzidos,

    entre os quais especificamente as Teses sobre o conceito de histria de Walter Benjamin.

    Percebemos que este texto, traduzido pela primeira vez para o portugus em 1984 no

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    mbito da Uniju e a internamente ativado como motivo de interlocuo com as diversas

    reas do conhecimento, trouxe novas luzes para a questo da filosofia e da universidade e

    instigou ao estudo continuado da obra do autor. O conceito de filosofia de Walter

    Benjamin confunde-se com a sua forma de apresent-la em seus textos, os quais ao longo

    dos anos da sua vida abordam questes de vrias reas do saber, o que possibilitou ao

    filsofo um profcuo dilogo com elas. notrio o fato de que Benjamin estudado e

    consultado no apenas por autores que se interessam especificamente por filosofia, mas

    tambm por estudiosos da rea da esttica, da literatura, da sociologia, da comunicao, do

    direito, da cincia e da tecnologia. Diz-se at que Benjamin impossvel de ser

    sistematizado, j que a sua obra diversifica-se tanto que impossvel vislumbrar alguma

    rede conceitual que pudesse unir uma tal proliferao de interesses de estudos diferentes.

    A essa caracterstica de complexidade na abordagem de assuntos agrega-se a

    facilidade e a diversidade com que Benjamin os apresenta em seus textos. O filsofo

    escritor expressa-se mostrando o domnio de um amplo repertrio de formas literrias: O

    tratado monogrfico, o ensaio, o comentrio, o aforismo, o fragmento, a crtica, a resenha,

    a montagem, a pea radiofnica, a narrativa e o ensaio radiofnicos, o relato de sonhos e

    dos efeitos de drogas, o conto, a novela, o relato de viagem e a descrio de cidades, a

    imagem de pensamentos, o poema, o dilogo, a entrevista, o relatrio, a crnica, a anotao

    autobiogrfica, a traduo, a carta, a poesia.

    Outra caracterstica de Benjamin que chama a ateno era a sua capacidade de viver

    convivendo com o contraditrio: cultivava a amizade com Brecht, Adorno, Buber,

    Scholem, Bloch, e lia Heidegger, quando cada um desses autores entre si nutria a antipatia

    mtua, a discordncia explcita nas questes tericas e prticas, ou at m-vontade e

    inimizade mais grosseiras. Para ilustrar este aspecto do jeito de ser de Benjamin, Juergen

    Habermas sugere uma cena inusitada, apenas possvel para uma imaginao surrealista, ou

    seja, em que se sentassem para um banquete pacfico Scholem, Adorno e Brecht em torno

    de uma mesa, embaixo da qual estariam acocorados Breton ou Aragon, enquanto Wyneken

    estaria porta, todos reunidos para uma discusso sobre o Esprito da utopia ou at sobre

    O esprito como o adversrio da alma (Habermas, J., 1981, 338). Poderamos acrescentar a

    esta lista certamente Franz Rosenzweig com A estrela da redeno que inicia com as

    palavras: da morte, do medo da morte, que todo o conhecer da totalidade se inicia.

    (Rosenzweig, F., 3).

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    Estudioso do Romantismo e do Idealismo da filosofia alem, tradutor das obras de

    Baudelaire e Proust do francs para o alemo, ligado de maneira tnue Escola de

    Frankfurt, atento a todas as manifestaes culturais, polticas, cientficas e filosficas da

    primeira metade do sculo XX, ciente das suas determinaes religiosas pela ortodoxia da

    teologia judaica e pela cabala com sua ligao com a filosofia pr-socrtica e neoplatnica,

    conhecedor das questes teolgicas centrais do cristianismo, elaborador de teorias sobre a

    questo da arte e da esttica em geral ligada ao mundo tcnico cada vez mais imperante,

    interessado em prticas provisoriamente recalcadas no cotidiano pblico com possibilidade

    de virem a se constituir em pesquisa e cincia normal (quiromancia, astrologia, teorias

    espritas, etc), Benjamin d a impresso de configurar a prpria disperso ps-moderna no

    mau sentido, incapaz de qualquer relao conjugada em condies de sustentar umafragmentao de interesses, que parece definitiva. A analogia com o desenvolvimento da

    universidade sob os auspcios no suficientemente explcitos dos mitos administrativos,

    econmicos e jurdicos parece evidente.

    Na aposta de que uma posio filosfica enquanto ponto focal determinante e

    subjacente esteja a determinar todo o percurso terico do autor aparentemente em

    disperso acelerada, a presente tese almeja indiciar, elucidar, apresentar e tematizar, num

    percurso meditativo e crtico imanente aos textos, a sua concepo de filosofia como a

    contradio da linguagem. Tal posio filosfica vai bem mais alm do que a mera

    assuno, discusso ou defesa de grupos de conceitos epistemolgicos dando a estes

    mesmos, exatamente por isso, as condies de um dilogo que no esteja pautado pelo

    desejo fundamental de competio e de eliminao mtua. Mais do que apenas um verniz

    epistemolgico sofisticado em favor de uma retrica de manuteno da filosofia no pice

    da cultura, ela permanece na retaguarda e em meio ao exerccio da escuta, da notcia mtua

    em admirao e da organizao concreta de inter-relaes. Independentemente dasaproximaes com a arte, a teologia, a histria e a poltica, a filosofia para Benjamin um

    determinado mbito de abstrao reflexiva que se expressa numa postura de avaliao de

    auto-compreenso como jeito de ser medida que constantemente se d conta e descobre a

    contradio da linguagem.

    O resultado das mais variadas abordagens da filosofia de Walter Benjamin feitas at

    agora no esgotou as possibilidades que acenam desde o enfoque proposto pela presente

    tese. A mera afirmao corrente de que no h como sistematizar a produo intelectual do

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    autor por certo no dever desencorajar estudos de compreenso e apresentao filosficas

    de sua obra, sob pena de se estar entendendo a atividade filosfica definitivamente como

    simples elaborao e apresentao de sistemas fechados. Como j se observou, o prprio

    conceito de filosofia merecedor de ateno acurada na trama de conceitos do autor,

    apresentados mais superfcie, e a maior parte da escrita de Walter Benjamin pretende ser

    entendida como filosfica. A sua apresentao fragmentada e multifacetada possibilita

    entrever uma constelao de elementos capaz de dinamizar as relaes da filosofia com as

    mais diversas reas do saber j constitudas e da cultura em seus aspectos emergentes.

    Geralmente se toma por evidente que o carter de uma disperso dialgica, segura de si em

    seu movimento, forma-se na suposio de esteios fundamentais e assumidos que o

    suportam.

    O objetivo especfico constitui-se, portanto, no indiciamento, apresentao e

    aplicao da contradio da linguagem nos textos do autor, a qual intermitentemente

    suscita a curiosidade a respeito das relaes que se do no dilogo entre a tradio factual e

    agente sempre presente e o indivduo em deciso constante, bem como a mesma tradio

    identificvel no outro e o mesmo indivduo em atitude de silncio e ateno ao significado

    para si, uma atitude que, por sua vez, constituiria a possibilidade de ampliao da

    experincia sobre si mesmo. O percurso de vida na linguagem como condio de

    possibilidade fundamental sedimenta ou destri caminhos de significao relacionados a

    conceitos, tais como: jogo, mquina-automao, transparncia, fundamentao,

    objetivao, reificao, esquecimento, construo em correspondncia infinita, interno e

    externo, materialismo, histria, poltica e teologia.

    Pelo exposto, o mtodo empregado do presente trabalho ser o constante dilogo

    crtico com os textos em questo, visando uma interpretao interna e seqente

    apresentao do sentido do texto e nele enfocando insistentemente a tese de que o

    pensamento filosfico de Walter Benjamin se pauta pela descoberta, apresentao e

    aplicao da contradio da linguagem. Pelo fato do comprometimento intransfervel que

    a prpria contradio da linguagem aponta, a interpretao e a apresentao exigem cunho

    meditativo e reflexivo.

    Desde j, porm, possvel e, quem sabe, necessrio visualizar alguns parmetros

    em relao ao pensamento de Benjamin, quais sejam:

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    A concepo de filosofia de Benjamin caracteriza-se primeiramente como um

    exerccio em que se apresenta constantemente a possibilidade de relao com todas as

    reas de saber, mesmo em meio proliferao das idias de descentramento desesperado

    da ps-modernidade. A sua aposta e descoberta fundamental a de que, pela contradio

    da linguagem, j h uma relao entre todas as reas e que exatamente lhes d condies,

    mesmo que estejam sendo negadas em exerccio emprico. Tudo provm como que de um

    fundo no identificvel, mas s suposto inevitavelmente, e esse todo fundamental, quando

    exposto, nessa manifestao sempre parte precria e parcial de si mesmo, pois no prprio

    dizer, descrever, definir e nomear constantes chama a ateno para o fato de que sua

    exposio descritiva apenas atividade participativa nele, mas de evidente importncia.

    Todos os temas abordados nas diversas regies do saber indiciam esse fundo ambivalenteque se mostra na ocorrncia do emprico em evoluo operatria construtiva.

    transcendental? theos a forar a tematizao do aspecto teolgico como constante

    referncia do logos a si mesmo? Ou, no mximo a possibilidade de apenas se poder

    apontar de que h condio de possibilidade, sem a capacidade e o direito de nomear algo

    como se fosse um ente constantemente suposto em forma de figura definvel e possvel de

    ser circunscrita por conceitos de modo cabal, pois que quando nomeado apenas

    descoberto retraindo-se cada vez mais, como se fosse a destruio da apodicidade com queno emprico se justificam os julgamentos? Toda a tematizao de Benjamin, por exemplo,

    sobre a conservao da aura ou a sua destruio na arte contempornea tem a haver com

    esse quadro; pois h motivos de se poder entender a discusso sobre a aura como se fosse

    um constante indcio ao modo de um dar-se conta e de uma recordao involuntria do

    acontecer alm da mera mecanicidade normal do emprico j em operao geral.

    Na tematizao das mais diversas reas do saber Benjamin preocupa-se com a

    postura e o papel da filosofia. A pergunta central que transparece a de como se pode oudeve entender a atividade filosfica em meio aos fenmenos mais diversos da ps-

    modernidade em seus deslocamentos radicais em termos de teorizao no mbito das

    cincias humanas, das cincias exatas, das artes e da teologia. Sem poder substituir a

    vitalidade emergente da atividade nos campos mencionados ela acontece como procura de

    relao pelo prprio processo de sua auto-limitao tendo a contradio da linguagem por

    pano de fundo como que avaliador do que acontece frente.

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    Por isso, caso a filosofia arvorar-se a ser como as cincias, erra; pois estaria

    abandonando o seu prprio aspecto enquanto mbito descritivo procura das condies de

    possibilidade do que se apresenta como efetiva realidade exatamente atravs das mesmas

    cincias. O aspecto construtivo da filosofia, que Benjamin por vezes menciona, deve ser

    entendido pelo vis da destruio do carter ingnuo da sua positividade cientfica

    caracterizada pelo esquecimento de que seus prprios supostos epistemolgicos e

    fundamentaes tericas so possibilitados por condies que a suportam e que

    desconhece. Esse carter destrutivo especificamente mencionado no texto intitulado O

    carter destrutivo. Por isso, explica-se o construtivo no como mera positividade

    esquecida na auto-seduo da sua promoo estratgica, mas como atividade de encontros

    e oferta de cenrio pelo pano de fundo relacional j aventado, pela procura e descoberta deprincpios, quando no at como alargamento de horizontes alm de totalizaes

    provisrias com falso aspecto de definio ltima.

    Caso a filosofia arvorar-se a promover a suspenso das cincias, erra; pois a

    atividade filosfica mesma depende delas, est em seu meio fazendo uso das conquistas

    dos seus resultados histrico-sociais em sua prpria elaborao e considera-as como, no

    mnimo, uma das condies reais da sua atividade de descrio e de surgimento da sua

    temtica prpria. Exemplos, metforas e conceitos fundamentais que sustentam as

    argumentaes cientficas so constantemente usados, analisados e dinamizados na

    evoluo temtica do dilogo da filosofia com as cincias, bem como nas conversaes

    entre direes filosficas gerais no intuito de visualizar possibilidades de justificao do

    estatuto da sua existncia.

    Caso a filosofia arvorar-se a querer fundamentar as cincias no sentido de justific-

    las, erra; pois estaria na situao de mera construo estratgica e desistindo da sua

    atividade como elucidao descritiva dos pressupostos que as constituem. As cincias, em

    sua positividade em constante elaborao operatria e experimentao e em sua constante

    auto-construo por deduo de princpios e axiomas aceitos em carter definitivo,

    realimentando-se sem cessar da sua prpria evoluo sem necessidade do suporte

    estrangeiro e sacerdotal das especulaes filosficas, ressente-se da falta de interlocutores

    para o dilogo possibilitador da emergncia do sentido do seu fazer, bem como da

    visualizao de horizontes indicadores da sua localizao no todo da cultura humana.

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    Caso a filosofia entender-se como sistema capaz de englobar o todo em tudo

    sempre, erra; j que a descrio, mesmo que inclua em si inevitavelmente algum aspecto

    ordenador, s pode existir na suposio de emergncia em nova compreenso e

    experincia.

    A filosofia s pode, a partir das cincias, elaborar-se especulativamente e de forma

    relacional com elas tendo-as como suposto; pois seria ingenuidade querer prescindir da sua

    existncia j pelo simples fato de fazerem parte do todo da compreenso ocorrente

    enquanto desenvolvimentos, deslocamentos e constelaes de idias arcaicas primeiras

    sempre presentes na linguagem do uso cotidiano, pleno de senso comum cientfico, quando

    no em forma das mais diversas metforas, analogias e comparaes.

    A filosofia a partir da contradio da linguagem sempre relacionada com a histria,

    com a pesquisa e com o aspecto criativo da arte descobre deslocamentos, novas formaes,

    transformaes a partir de elementos comuns e aponta a transfigurao dos mesmos em

    novas constelaes ativadas como travejamento para a compreenso normalizada de

    pocas inteiras. A essa temtica agregam-se os conceitos de tradio, origem, aura e tempo

    para serem relacionados compreenso do que seja a aventada normalidade da conexo

    entre sujeito e objeto.

    A filosofia como que o mbito de ateno ao que se apresenta como realidade

    natural fenomnica em todas as reas para a constante descoberta das suas condies de

    possibilidade em termos relacionais. Ela se reveste de especial importncia pelo fato de ser

    a participao privilegiada na totalidade inevitavelmente suposta como a tarefa do

    pensamento, assim como foi elaborada pelos pensadores pr-socrticos. O aporte que

    promove das mais diversas tradies pela relao que com elas tem e o seu aproveitamento

    em exemplificao reflexiva para a compreenso da contemporaneidade d-lhe a

    caracterstica de concretude, complexidade e veracidade.

    Exatamente pelo fato de que a obra de Benjamin se apresente minada de aluses e

    sugestes e, por isso, j usada para os fins mais contraditrios, necessrio um esforo no

    trabalho de garimpo do fio condutor dos seus textos. Ainda em abril de 1940 Benjamin em

    carta menciona a permanncia de idias fundamentais que povoavam o seu esprito e que

    aproveitava no texto das teses Sobre o conceito de Histria, o qual seria o seu derradeiro,

    apenas seguido do seu Curriculum Vitae em fins de julho de 1940:

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    A guerra e a constelao que a trouxe consigo levou-me apor no papel alguns pensamentos, dos quais posso dizer que porvolta de vinte anos guardei comigo, sim, at de mim mesmo...Emtodo o caso, quero chamar a tua ateno especialmente para areflexo XVII; ela que dever fazer reconhecer o nexo velado,mas concludente, dessas consideraes com os meus trabalhosanteriores, na medida em que ela se manifesta sem rodeios sobre omtodo das ltimas [das teses].(GS 1226)

    O texto da tese em questo junta de forma sucinta filosfico-criticamente

    preocupaes quanto linguagem sobre narrativas historiogrficas, ou seja, de um lado, o

    historicismo em seu vis objetal a fundamentar-se numa base terica ingnua, que no

    subsiste crtica pelo fato de se esquecer da sua auto-incluso no que diz e, de outro, a

    historiografia materialista proposta, que sabe do seu comprometimento construtivo quando

    promove a ruptura com o fluxo explicativo normalizado imobilizando o pensamento em

    nova configurao de presente e passado, capaz de fazer emergir o no pensado, o

    recalcado ou o esquecido em seu valor de compreenso atual. Na linguagem ocorrente da

    narrativa histrica que se v em tenso com todo o passado presente esquecido, o prprio

    tempo se gera possibilitando nova objetivao: o tempo carente do gosto da objetivao e

    da sedimentao de novas configuraes de sentido que se estruturam para normalizar-se

    de poca em poca.

    O historicismo culmina na Histria Universal. Pelo seumtodo, a historiografia materialista se distingue dessa histriamais nitidamente, talvez, do que todas as outras historiografias.

    Falta ao historicismo arcabouo terico. Ele procede por adio;convoca a massa dos fatos a fim de preencher o tempo homogneoe vazio. A historiografia materialista, ao contrrio, repousa sobreum princpio construtivo. No s movimentar o pensamento que prprio ao pensar, mas, igualmente, imobiliz-lo. Ali onde o

    pensamento se imobiliza em uma constelao saturada de tenses,a ele comunica a essa um choque que faz com que ele prprio se

    cristalize em mnada. O materialista histrico s se aproxima deum objeto histrico quando vai ao encontro desse objeto comouma mnada. Ele reconhece nessa estrutura o sinal de umaimobilizao messinica do acontecer; em outras palavras, umaoportunidade revolucionria no combate pela libertao de um

    passado de opresso. Ele percebe essa oportunidade de fazer comque uma determinada poca irrompa do transcurso homogneo da

    Histria; assim, ele faz explodir, de dentro de uma poca, umadeterminada vida; de dentro de uma obra de vida, umadeterminada obra. O resultado de seu procedimento que, naobra, conservada e subsumida a obra de sua vida; na obra, todo

    o transcurso da Histria. O fruto nutritivo daquilo que historicamente conceptualizado contm em si o tempo qualsemente preciosa, mas carente de gosto (GS I-2, 691).

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    Numa abordagem preliminar da questo da linguagem possvel afirmar que os

    textos Metafsica da juventude, Dois poemas de Friedrich Hlderlin (1915) e Drama e

    tragdia (1916), bem como Sobre a linguagem em geral e sobre a linguagem humana

    (1916) e Sobre o programa da filosofia vindoura (1918) determinam em grande parte as

    escolhas conceituais de Walter Benjamin neste campo, dando como que a direo dos seus

    interesses e da sua posio filosfica. Muitos autores mencionam uma filosofia da

    linguagem, o que se constitui em m interpretao do prprio conceito de filosofia assim

    como Benjamin o entende. No se trata de construo sistemtica e de explicitao de uma

    teoria, mas de uma tentativa de exposio prvia e reflexiva da tarefa do pensador por meio

    de materiais literrios da tradio em forma de mito, sempre na circunscrio da linguagemque em seu exerccio perfaz uma contradio fundamental, ou seja, aponta para algo

    externo a si na suposio de fundamento absoluto tambm externo, mas tendo que se

    recolher a si mesma a cada instante na compreenso de que as suas suposies igualmente

    fazem parte do seu repertrio. Desde logo h um interesse pela elaborao significativa e

    atual das experincias da humanidade em forma de textos das mais diversas tradies ao

    dispor de todos.

    A linguagem no uma particularidade do homem. Na criao tudo linguagem e,por isso, entre a linguagem em geral encontra-se a do homem.

    O que a linguagem comunica? Comunica a essnciaespiritual correspondente. fundamental saber que essa essnciaespiritual comunica-se na linguagem e no pela linguagem. Noexiste, pois, nenhum locutor de linguagens quando se designadeste modo aquele que se comunicaporestas linguagens (GS II-1,143).

    A linguagem comunica-se por si mesma de forma absoluta imediatamentecomo as coisas e os acontecimentos e no pode ser compreendida como meramente

    instrumental veiculando somente contedos sobre algo como algo.

    A opinio de que a essncia espiritual de uma coisaconsista exatamente em sua linguagem essa opinio entendidacomo hiptese o grande abismo, no qual toda a teoria dalinguagem ameaa decair, enquanto que a tarefa conservar-se

    flutuando acima, exatamente sobre ele. (GS II-1, 141)

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    A linguagem a expresso em locuo ocorrente da essncia e nunca a prpria

    essncia em si nela somente objetivada. A idia que a linguagem descreve o ser humano

    seja qual for o contedo a que se atm, havendo, portanto, uma ambigidade fundamental

    nela mesma quando sempre exerce a capacidade de apresentao de si e dos contedos

    veiculados em seu querer dizer. Numa nota frase citada Benjamin pergunta: Ou no

    antes a tentao de pr a hiptese no incio que faz o abismo de todo o filosofar? (GS II-1,

    141). A pergunta pertinente e a indicao de uma das questes filosficas fundamentais

    de Benjamin, ou seja, a constante objetivao necessria para que a linguagem possa

    existir como atividade de apontar para algo, mesmo que espiritual, em constante

    dependncia das hipteses que, desconhecendo-as ou no, possibilitam o seu exerccio

    atual. O flutuar acima do precipcio parece ser possvel como equilbrio entre a atrao doirracionalismo mstico desinteressado de suas origens e a objetivao seduzida

    definitivamente por sua prpria consistncia. As possibilidades entre ambos Benjamin

    descreve com a ajuda dos textos conhecidos do AT, atravs dos quais consegue expor as

    dificuldades da situao humana como se fosse uma teatralizao. Todos os textos so

    elevados hermeneuticamente como que a uma segunda potncia para se tornarem

    significativos na cultura atual qual eles mesmos servem de suporte, por vezes

    completamente esquecido nas operaes de superfcie.

    Juntamente com as questes sobre a linguagem uma determinada concepo de

    teologia perpassa toda a obra de Benjamin. Desde os textos da juventude em que diz: No

    gnio Deus fala e escuta a contradio da linguagem (...) (GS II-1, 93). O gnio falante

    mais silencioso do que aquele que escuta como o que reza mais silencioso do que Deus

    (GS II-1, 93), at a primeira tese de Sobre o conceito de histria encontramos referncias

    sobre teologia:

    conhecido o caso do autmato construdo de formaa ser capaz de responder a todos os lances de seusadversrios no jogo de xadrez, vencendo assim todas as

    partidas. Um boneco vestido turca, narguil na boca, estsentado diante do tabuleiro, que repousa sobre uma largamesa. Um jogo de espelhos cria a iluso de que a mesa totalmente transparente ao olhar. Na realidade, esconde-senela um ano corcunda, mestre na arte do xadrez, que,atravs de fios, dirige a mo do boneco.2 No campo da

    filosofia, pode-se imaginar um equivalente desse aparelho. O

    boneco chamado materialismo histrico dever ganhar

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    sempre. Ele poder desafiar ousadamente qualquer um, sepuser a seu servio a Teologia, que hoje, como se sabe, ane feia e, alm disso, j no ousa aparecer.(Benjamin W, GS,Band I-2, pg 504).

    necessrio atentar para o fato de que as questes teolgicas no podem ser

    entendidas de forma alguma como reiterao das simplificaes religiosas e confessionais.

    O sagrado em Benjamin muito mais imanente ao prprio acontecer do real entendido

    como operao concreta acompanhada da multiplicidade multifacetada e complexa das

    suas justificaes tericas e, exatamente por isso, muito mais distante do que a

    compreenso ingnua construda pelos postulados interesseiros da f esperanosa em

    certeza e segurana num sonho em sono dogmtico. A teologia constitui-se como oconjunto das prprias condies de possibilidade da compreenso ocorrente em todas as

    reas da cultura, mas completamente esquecida enquanto origem de todas as manifestaes

    que fenomenalmente perfazem a sua construo positiva em forma de normalidade

    naturalizada. A teologia fala construtivamente determinando as relaes, os meandros e as

    sistematizaes do mundo da vida, englobando at as tentativas de administrao geral do

    mundo cientfico em sua dinmica em acelerao atordoante e difcil de visualizar pela

    quantidade de suas fragmentaes. O ano esquecido na mquina a farsa da inexistnciada teologia. No interior da mquina l est a manipular um jogo desde o incio j viciado

    quando esquecido e transparente ao olhar. A sua descoberta essencial, e essa a tarefa da

    filosofia como mbito em que se possibilita a abertura de portas para a liquidao de

    transparncias falsas.

    Quanto histria, j nos textos sobre o sentido autntico da crtica romntica, ou

    sobre afinidades eletivas de Goethe, sobre o drama barroco ou sobre a poesia de

    Baudelaire, Benjamin defende a idia da salvao de uma significao que est ameaada eque forma ou pode formar uma relao em termos de constelao com uma experincia

    crtica bem determinada do presente. Os sentidos ocultos, esquecidos ou escamoteados por

    interesses da histria construda pelo vis do historicismo com intenes positivistas,

    podem tornar-se altamente esclarecedores e vitais para a atualidade, estabelecendo, assim,

    uma importncia poltica a partir da ruptura que promovem com a quebra da narrativa

    comum que perfaz a compreenso de todos. No se trata somente sobre discusses a

    respeito de fatos histricos disposio na linha do tempo, mas muito mais da descoberta,relativizao ou at destruio de certos princpios das narrativas histricas como, por

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    exemplo, a crena ingnua no progresso, a tese subjacente de uma linha do tempo

    homogneo e vazio, ou a projeo de uma histria universal com intenes de mapeamento

    cientfico e absoluto de dados at estatisticamente disponveis. Tambm aqui a histria

    entendida como narrativa em forma de linguagem e que deve merecer a anlise sob duas

    perspectivas, ou seja, uma vez como fala em sua inteno explicativa de contedos e fatos

    e, outra, como um conjunto discursivo possvel a partir de critrios e compromissos, os

    quais nem sempre so declarados pelo narrador por inconscincia ou por interesse

    especfico.

    O passado na histria do presente do historiador narrador constante citao

    conforme as determinaes da sua compreenso, a qual, por sua vez, de constituio

    multiforme e no s enfeixada pelos princpios meramente cientficos que apresenta como

    suporte. A conscincia desse estado de coisas muda a mentalidade do historiador

    obrigando-o ao constante re-exame da convenincia da escolha das suas citaes e

    elaboraes interpretativas, re-exame que remetido ao que subjaz narrao histrica

    enquanto princpios ainda no descobertos ou no justificados por argumentao mais

    abrangente e convincente.

    A histria naturalizada assim entendida pelo conjunto das foras compreensivas da

    atualidade a normalizao da catstrofe em andamento vislumbrada com olhos de pavor

    pelo anjo da histria, do qual fala a IX tese de Sobre o conceito de histria. A mesma

    histria na XIX tese do mesmo texto considerada como o catastrfico saque durante

    sculos de grande parte da humanidade e que, por uma inverso em forma de esquecimento

    programado, leva, alm de tudo, a honra de ser a herana cultural da humanidade.

    Na questo da histria h que ter cuidados com a questo da verdade apofntica e a

    verdade enquanto acontecimento narrativo comprometido com pressupostos

    desconhecidos. No possvel imaginar que se trata de justificar a mera pregao a favor

    de um sistema doutrinrio e com isso capaz de permanecer em permanente ortodoxia com

    ares de juventude, mas exatamente do seu contrrio: a narrativa histrica consciente do seu

    estatuto de narrativa pode despender cada vez maiores esforos para aprofundar a sua

    verdade em termos de verdade entendida como adequao sem, porm, esquecer da sua

    condio de verdade perpetuamente no mbito de uma apresentao inevitavelmente

    pragmtica.

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    A arte tambm uma linguagem e tal que com mais autenticidade representa a

    verdade, pelo fato de preservar a capacidade humana de nomear. Benjamin em sua anlise

    da linguagem considera que a faculdade de nomear sofreu uma ciso em que permanecem

    separadas a imagem e a significao abstrata e que ambas podem estar unidas nas obras de

    arte dependendo da sua maior ou menor autenticidade. H que, ento, constantemente

    depender das anlises possveis da arte atual como se fossem acessos diretos verdade,

    manifestao do sagrado e origem sempre pronta a promover a ruptura com as

    normalidades catastrficas de cada poca. por isso que Benjamin busca apaixonadamente

    o entendimento de Hlderlin, de Goethe, do perodo barroco e, entre outros mais, os

    movimentos tericos e autores de vanguarda como o Surrealismo, Kraus, Kafka, Klee,

    Proust e Brecht.

    O romantismo de Iena fez uma interpretao da Crtica do juzo de Kant, na qual

    Benjamin se inscreve. Desde Kant at Hlderlin h na filosofia uma grande discusso

    sobre as proibies de saltos metafsica por parte do pensamento crtico. Tal discusso a

    respeito da coisa em si, de uma natureza alm da natureza articulada pelo acesso do

    entendimento e de uma origem nica, fundamental e exprimvel conceitualmente por meio

    de processos reflexivos ocupou filsofos da grandeza de Fichte, Schelling, Hegel, os

    irmos Schlegel e Novalis. Transgredir os impedimentos que os laos da conceituao

    racional apresentava foi a soluo que mais seduziu a partir dos pargrafos 76 e 77 da

    Faculdade do juzo, os quais propem uma natureza que de certa forma trabalha s costas

    ou coincidentemente com o ser humano propondo atravs das obras do gnio novas origens

    em forma da expresso do belo em termos de manifestao do absoluto. O belo assim seria

    sinal sensvel da idia ou do absoluto inacessveis ao conhecimento racional. Hlderlin

    interpretava esse estado de coisas no sentido de que o gnio poeta responsvel pela tarefa

    de dar forma ao sentido ltimo a que at Deus deve servir.

    No seu trabalho investigativo sobre O conceito de arte no Romantismo alemo,

    Benjamin adere especulao romntica com o seu conceito central de reflexo e

    apresentando o mesmo em trs nveis, quais sejam, o conceito filosfico desenvolvido por

    Fichte e interpretado pelos romnticos, o princpio esttico de reflexo como crtica

    romntica e o conceito artstico de reflexo enquanto cuidado e oposto ao xtase criador

    que nada deixa restar para o trabalho crtico e conceitual.

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    O mtodo de Benjamin no pode ser apenas circunscrito s suas explicaes da

    Origem do drama barroco alemo como sendo tratado e desvio com todas as suas

    implicaes tericas, nem s o mtodo de citao na perspectiva de montagem, mas, mais

    alm, tambm a descrio das decises fundamentais que transparecem como pressupostos

    em parte em seu procedimento de anlise descritivo e em parte expressos como indicao

    de rumo imprimido sua concepo de filosofia e circunscrevendo a sua posio. Tanto o

    uso tcnico de formas de linguagem fazendo parte da sua prpria pragmtica discursiva

    como a apresentao objetiva de contedos definidos em tempo de transmisso fazem parte

    do seu mtodo efetivo. Tambm h que ser lembrada, por um lado, a grande versatilidade

    de Benjamin no uso de formas literrias para a expresso mxima dos seus contedos e,

    por outro, as suas indicaes da tarefa de pensar, de ateno, de escuta, de experimentaocom pensamentos, de elogios, de construo e destruio, de desenterrar, de silncio e de

    dilogo.

    Desde a anlise da tarefa e das possibilidades da linguagem at a posio segura

    quanto ao trabalho do narrador historiador, encontra-se em Benjamin a questopoltica em

    maior ou menor grau. Nas teses Sobre o conceito de histria temos advertncias, antemas

    e juzos desfavorveis ortodoxia marxista e social democracia traidoras por

    permanecerem renitentes em posies de cunho meramente estratgico para a manuteno

    de uma positividade embotada, mas tambm encorajamento esperana, participao e

    ao orgulho de camadas sociais desfavorecidas na construo da catstrofe histrica da

    humanidade. Encontramos desde o incio a aluso de que a linguagem humana por si

    mesma na sua contradio, por um lado, objetiva-se por motivos de estratgia poltica e,

    por outro, expresso com a sugesto de que ela seja participao ativa no todo da

    linguagem em geral. H que valorizar todas as elucubraes tericas de Benjamin como

    sendo ensaios e experimentaes participantes para o ordenamento, deslocamento econfigurao da constelao do todo da cultura como o seu destinatrio e o seu remetente

    ao mesmo tempo. A idia a de que toda a sua obra se inscreve de forma conscientemente

    ativa no todo da participao universal.

    Conforme o expressa a I tese de Sobre o conceito de histria, a filosofia um

    mbito. Nesse mbito h projeo, experimentao, exemplificao e, com tudo isso,

    produo de tenso ao molde da imagem dialtica, que paralisao do pensamento como

    se fosse mnada plena de tenses entre sentidos emergentes do passado presente e o fluxo

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    compreensivo tradicional no comando gerencial dos passos do atual. Assim, quem estuda

    Walter Benjamindever-se- dar conta de pelo menos trs aspectos centrais da sua obra,

    quais sejam:

    Em primeiro lugar, a meno dos filsofos e a relao terica de Benjamin com

    eles. Encontram-se menes desde os pr-socrticos, Scrates e Plato at Adorno, o que

    evidencia o profundo arraigamento de Benjamin na filosofia ocidental com o seu vis de

    entender-se e conduzir-se como tarefa do pensamento a relacionar a totalidade dos

    fenmenos. Tal dependncia da centralidade da filosofia do ocidente no elimina a fora

    arcaica de significao metafrica dos textos da tradio veiculados pelo AT e NT e pela

    tradio da Cabala judaica, brilhantemente pesquisada e reconstituda pelo amigo de

    Benjamin Gershom Sholem.

    Em segundo lugar, a descrio da apresentao prpria de Benjamin nos textos do

    que seja filosofia enquanto contedo e exerccio. notrio o fato de que em todos os

    textos mais importantes Benjamin se esmera na oferta de parmetros epistmico-filosficos

    para o que quer dizer. Basta que se mencione a introduo Origem do drama barroco

    alemo e as conhecidas teses de Sobre o conceito de Histria, que estavam destinadas para

    servir como moldura para todo o pensar a ser exposto no trabalho sobre A Obra das

    passagens.

    Em terceiro lugar, a ateno principalmente relao entre as questes do mtodo e

    os supostos que o possibilitam, bem como dos contedos por meio dele tratados.

    Como j foi expresso anteriormente, um dos interesses maiores da pesquisa e da

    elaborao da tese intitulada A contradio da linguagem em Walter Benjamin surge do

    aspecto relacional da filosofia com todas as reas do saber que a contradio possibilita, a

    comear com a teologia como exemplo. Na teologia, projetada anteriormente como semprepresente, mesmo que negada, encontram-se semelhanas entre os aspectos religiosos e os

    cientficos. Trata-se do fato de que h ano teolgico na mquina da vida administrada e a

    filosofia, ento, o embarque na aventura da aposta e do exerccio de encontr-lo

    descobrindo-o a comandar o jogo institudo at nos mnimos detalhes do cotidiano. A

    prpria possibilidade de um constante exerccio de hermenutica sobre cada um dos

    fundamentos que constitui a constelao an com pretenso de exclusividade em todos os

    meandros do dia a dia, a prpria condio de atividade de tematizao sobre qualquerjustificativa filosfica fundamental, denuncia a extrema dificuldade de fixar de uma vez

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    por todas os arcanos do universo e do ser. Alm disso, quando se tem a pretenso da

    anlise, do diagnstico de uma determinada estrutura do mundo, tal atividade acontece no

    suposto de explicao em termos de causa e efeito na linha do tempo: a explicao

    acontece e existe como produto de causas passadas pelo modelo gentico de compreenso.

    Porm, na relao entre filosofia e teologia, o articulador-enunciador da explicao visto

    como a autor-criador da explicao existente, mesmo quando no se d conta disso. As

    dificuldades do articulador-enunciador so as de uma ciso fundamental que

    resumidamente pode ser assim descrita: a linguagem e a racionalidade ativadas ao que

    vieram, num primeiro instante, tm a pretenso de exclurem a si mesmas de todas as

    implicaes do estatuto de dependncia da presena dos resultados da explicao e

    interpretao realizada. O autor no se compromete com a sua obra e relega-a a um mundoindependente de si. O autor se aliena da sua obra e no se compreende e no se v mais

    nela. Mas o autor enquanto articulador-enunciador constitui-se da sua prpria explicao e

    interpretao, tanto que a totalidade daquilo que compreende que seja. D-se o caso,

    ento, que at a explicao dos fatos em termos de causa e efeito em linha do tempo

    reservada compreenso do que seja o exerccio externo a si deve ser a ele aplicada, a tal

    ponto de exclusiva particularidade, que a sua pretenso de ativar algum olhar fora do

    mundo e alm dele inteiramente relativizada. Permanece a explicao e o sentido dadoindependentemente do autor, mas de qualquer forma ele identificado enquanto autor e

    promotor de explicaes e interpretaes e por elas responsabilizado. Autor e autoria e

    obra identificam-se completamente e no h possibilidade de ser autor independente sem

    compromissos com a sua obra e os seus supostos. O autor de explicaes e interpretaes

    ator, agente de si mesmo a se expressar e identificar pela linguagem das suas obras.

    No possvel filosofia abordar ao mesmo tempo todas as reas do saber em

    apresentao e aplicao na Universidade, pelo simples fato de que as cincias se mantmnum processo acelerado de fragmentao, o qual j fora a vista de todos os mortais que

    queiram visualizar a sua amplitude em termos de simples quantificao e ridiculariza a

    quem se atrever a posar de perito em cada uma das suas especificidades, mesmo que seja

    sob o vis nico da epistemologia. Por isso, a inteno de visualizao possvel s pode

    concretizar-se por meio de caracterizaes gerais, comuns a todas as reas cientficas e

    tecnolgicas, e os exemplos trazidos para a descrio da relao e da descoberta na obra de

    Benjamin talvez nunca possam fazer justia totalidade das reivindicaes trazidas desde

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    os aspectos da amplitude e da especificidade. Mas eles devem valer por isso mesmo, ou

    seja, exemplos de descoberta.

    necessrio acentuar que no rol das cincias e das tecnologias tambm esto

    includas as cincias humanas que abordam analiticamente outras cincias, j que se trata

    em grande parte da mesma inteno de objetividade cientfica e de competncia

    tecnolgica na manipulao de resultados obtidos e do seu possvel aproveitamento num

    mundo tido por administrvel por meio dessa atividade.

    Na relao entre filosofia e cincias certamente as questes epistemolgicas,

    ligadas ao mesmo tempo com as questes sociais, so as mais salientes, o que podemos

    inferir da forma com que Benjamin apresenta essa temtica no seu texto A arte na era da

    reprodutibilidade tcnica, em que encontramos imbricadas as questes da arte, da cincia

    exata e da tcnica, dos aspectos sociolgicos, dos aspectos teolgicos, da poltica, e de

    execuo de anlise filosfica. Na obra de Benjamin encontram-se concentradas as

    descries do aspecto maquinal do mundo, com todas as suas promoes na rea da

    teologia e das cincias de forma j prtica, na frrea tentativa de unilateral conduo

    organizada da vida por supostos e suportes tericos, mas tambm com todas as suas

    implicaes subjacentes em termos de produo de sentimento da necessidade de

    recorrncia de idnticos crculos compreensivos visualizveis, transparentes, objetivveis

    e, por isso, dominveis por quem tem acesso ao repertrio estatstico do que foi, assim e

    talvez ser construdo sem o concurso do mbito da filosofia.

    A presente tese sobreA contradio da linguagemem Walter Benjamin dever ser

    vista como emergente do ambiente de conferncias, discusses e estudos de Ps-

    Graduao da Pontifcia Universidade Catlica de Porto Alegre com o aporte da

    experincia de docncia na Uniju. Tal convivncia possibilitou a compreenso mais

    acurada da fundamental insero do pensamento de Walter Benjamin na tradio da

    filosofia alem, pois nela e na sua relao com a filosofia europia em geral, desde a

    origem no pensamento pr-socrtico, que todos os temas ligados ao ncleo mencionado

    tm j uma vasta elaborao precedente. A meno em diversos textos de filsofos como

    Leibniz, Kant, Fichte, Hegel, Schelling, os irmos Schlegel, Novalis, Nietzsche, Marx,

    Simmel, Rosenzweig, Heidegger, Bloch, Lukcs, bem como os poetas e escritores Goethe,

    Schiller, Hoelderlin e Brecht entre outros, j atestam a relao de profunda insero numa

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    tradio cultural resultando na recepo de um conjunto de temas que Benjamin re-elabora

    procurando desenvolver criativamente.

    A ttulo de exemplo mencionamos algumas aproximaes, recepes e

    aproveitamentos temticos que evidenciam a profunda ligao com a filosofia alem, sem

    com isso querer negar o dilogo realizado com a filosofia europia em geral..

    J na sua juventude Benjamin participou de um movimento pedaggico

    determinado em parte pela filosofia de Hegel e que foi dirigido por Gustav Wyneken.

    Chegou at a colaborar com esse assim chamado Movimento da Juventude Livre Alem

    (Freideutsche Jugendbewegung) na edio de uma revista intitulada Anfang(Comeo), na

    qual os seus prprios artigos indicam a influncia de Nietzsche e da sua viso sobre a

    Grcia clssica. Mais tarde, do texto de 1915A vida dos estudantes, inferimos influncias

    dos primeiros romnticos, tambm ainda de Nietzsche, bem como de temticas metafsicas

    de Plato e Espinoza. As questes abordadas tratam da revalorizao da teoria, combate

    petrificao do estudo como simples superposio de conhecimentos, insero no esprito

    de totalidade, conscincia quanto utilizao de teorias em sua capacidade de expressar a

    plenitude do esprito humano.

    No texto intitulado Programa da filosofia vindoura, de 1918, registram-sepreocupaes tericas ligadas ao filsofo Kant e ao kantismo da poca: a questo do

    transcendental posto em termos definitivos ou histricos na filosofia; a possibilidade de

    conservar em toda a filosofia uma determinada tipologia kantiana, mas aduzindo

    preocupaes com a linguagem, a religio, ao conceito de identidade; reformulao do

    conceito de experincia para que se torne muito mais rico do que aquele que foi concebido

    na poca de Kant; produo de uma concepo de histria que Kant teria deixado em

    aberto. possvel aqui j afirmar que Kant ser um dos grandes interlocutores de Walter

    Benjamin em todas produes pela presena dos seus pensamentos em torno da moral, da

    liberdade, da revoluo, da violncia, dos critrios para o diagnstico de produo de

    teorias capazes de erigir um conceito de histria plausvel, alm daquele elaborado pelo

    historicismo. Alm disso, inegvel que todos os temas ligados s questes estticas em

    geral e da beleza, sobre os quais Benjamin escreve, tm profunda ligao com a terceira

    crtica kantiana, a Crtica do Juzo, principalmente os contedos dos seus pargrafos 76 e

    77, j fartamente elaborados interpretativamente at ento pelo idealismo alemo e o

    primeiro romantismo na direo de uma grande valorizao do termoNatur, ou seja, uma

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    natureza alm daquela que segundo a CRP produzida pelas condies transcendentais do

    conhecimento humano.

    No texto O conceito de crtica de arte no Romantismo alemo mencionam-se

    algumas perspectivas da filosofia de Fichte, dos irmos Schlegel e de Novalis, rastreando

    desde Fichte o conceito de reflexo e o seu aproveitamento no primeiro romantismo. A

    crtica romntica descrita em sua pretenso de ser equiparada prpria criao artstica

    de maneira inteiramente positiva, prolongando de modo ininterrupto a fruio esttica, mas

    tambm acusada de no apresentar em si um momento negativo.

    Origem do drama barroco alemo um texto de Benjamin fartamente comentado

    por muitos peritos, mas que, mesmo assim, ainda apresenta grandes dificuldades para o seu

    entendimento pelo fato de o autor supor em cada leitor o conhecimento de uma grande

    herana filosfica pelos conceitos com que se expressa. Jeanne-Marie Gagnebin sobre ele

    assim se expressa: Tenta-se l-lo, no se o entende, tenta-se esquec-lo, retorna-se a ele,

    pressentindo que a se encontram algumas das noes-chave de toda a filosofia

    bejaminiana: origem, salvao, mnada, alegoria, melancolia, s para citar as mais

    conhecidas (Folha de So Paulo, 9-12-1984). Contrapondo o drama barroco tragdia

    clssica, Benjamin aproxima por pr-figurao tal drama nossa forma de compreender

    contempornea em que os valores absolutos esto morrendo ou j morreram, restando um

    luto em que ns nos reconhecemos incessantemente sentindo-nos culpados e, por isso,

    alegorizando intermitentemente ao dizer uma coisa e sabendo, ao mesmo tempo, que

    significa outra, remetendo-nos sempre a outros nveis de significao. Nas questes

    mencionadas na Origem do drama barroco alemo aparecem discusses quanto ao

    estatuto da idia em relao aos conceitos e fenmenos, linguagem, verdade, ao mtodo

    e propriamente filosofia, todas elas enredadas pela tradio da filosofia alem, devendo,

    por isso, tal teia merecer a pesquisa mais intensa e a ateno cada vez mais acurada.

    A relao entre idias, conceitos e fenmenos que articulada, por exemplo, na

    Origem do drama barroco alemo parece oferecer um contraponto filosofia de Hegel.

    Quando em Hegel o conceito a consumao de todo o trabalho do esprito, pelo qual a

    razo alcana a viso e a assuno dos seus prprios limites para, ento, poder superar-se a

    si mesma, em Benjamin o mesmo cumpre o papel de mediao entre idia universal e

    fenmenos singulares. A fim de que no sejam dispersos os fenmenos so arrebanhados

    pelos conceitos, os quais, por sua vez, se configuram em idias universais. Estas idias

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    do, ento, sentido a tudo, como se fossem constelaes formadas do material conceitual e

    fenomenal. As idias so pensadas como um campo de foras com caractersticas de

    universalidade dinmica, conforme a terminologia de Leibniz, isto , como mnadas: no

    como realidade superior e parte de acordo com a conhecida interpretao platnica, mas

    como concretamente ligadas linguagem como um elemento simblico essencial

    palavra. Essa forma de ver releva imediatamente a importncia do papel da linguagem na

    filosofia de Benjamin, a qual efetivamente representou uma preocupao constante no

    conjunto do seu pensamento. J em 1916 havia surgido o texto Sobre a linguagem em

    geral e sobre a linguagem do ser humano e, depois, em 1933,A doutrina da semelhana e

    Sobre a faculdade mimtica. Mais tarde ainda, em 1935, Benjamin escreveuProblemas de

    sociologia da linguagem. Haman e Humboldt so nomes da filosofia alem, queimediatamente se apresentam como referncias para esse crculo de preocupaes

    procura de dar conta da concretude dos termos da linguagem sempre em perigo de se

    desvincularem do seu cho para se exilarem em abstraes muitas vezes inteis.

    Ao conhecer Bloch no ano de 1919 e seu livro O esprito da Utopia, com o passar

    do tempo Benjamin foi influenciado por este filsofo leitura e estudo de Histria e

    conscincia de classes de Lukcs, o que lhe abriu as possibilidades de pensar mais

    acentuadamente as relaes entre a teorizao e a ao, assim como Marx o propunha. Os

    seus esforos no mbito do pensamento poltico levam-no a encontrar Bertold Brecht para

    dele receber uma influncia definitivamente marcante, a ponto de suscitar os protestos

    tanto de Adorno, este j comprometido com uma viso de esquerda capaz de achar

    solues relacionando Marx e Hegel, como tambm do seu amigo Sholem, mais

    interessado pelo possvel vis unilateralmente teolgico que Benjamin talvez pudesse

    conferir sua obra. A tentao constante do engajamento poltico direto no consegue

    embot-lo a ponto de renunciar s elaboraes tericas, levando-o, pelo contrrio, a cadavez mais pensar e escrever sobre a possibilidade de juntar questes teolgicas, polticas e

    estticas para aproveitar, de forma criativa e por vezes chocante, os resultados da prpria

    cultura em que estava imerso, como mostra o livro Rua de mo nica (Einbahnstrasse),

    em que rene idias polticas, filosficas, estticas e literrias, bem como notas de viagem,

    reflexes gerais sobre amor, infncia, sonhos e selos postais, propondo, alm disso, um

    novo uso de citaes, as quais, em vez de um uso acadmico de erudio, deveriam ser

    aproveitadas para surpreender o leitor desestabilizando-o dos seus hbitos de compreensonormalizada e construda pela ideologia meramente conservadora para a manuteno do

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    que a assim se encontra em forma de comercializao da prpria vida. As temticas do

    livro trazem sugestes de aproveitamento cultural filosfico de todos os lados,

    imprimindo-lhes uma toro que os torna sempre atuais pelas intuies e relaes que

    sugerem.

    O Trabalho das passagens (Passagen-Werk), pesquisa de Benjamin que no

    chegou a ter forma de livro, foi-lhe sugerida pela leitura de O campons de Paris (Le

    Paysan de Paris) do surrealista Louis Aragon. A pesquisa levou Benjamin concluso de

    que deveria retomar a filosofia de Hegel, o O capitalde Marx, bem como se cruzar com os

    caminhos de Heidegger no que tange a concepo do tempo e da histria. Sobre Heidegger

    afirma que seria praticamente o teatro de todos os meus combates e de todas as minhas

    idias (Benjamin, W., Gesammelte Briefe II, 506).

    Os desafios da escrita histrica existente mesclada com questes polticas,

    teolgicas e ideolgicas em geral provocaram Benjamin cada vez mais em meio

    dinmica poltica e social em que se encontrava, por exemplo, desde 1933, exilado da

    Alemanha pelo evidente perigo de perseguio por parte do partido nazista em ascenso.

    As reflexes sobre a histria e conseqentes discordncias da maneira historicista

    de compreenso guiam-no ao aprofundamento terico e s hipteses alternativas que se

    esboam em seu textoInfncia berlinense em torno de 1900, em que o historiador visto

    como algum que parte do seu condicionamento presente para a investigao da matria do

    passado, o qual por sua vez, nunca comparece de forma neutra em sua meno presente: o

    passado carregado de possibilidades de futuro sempre tem algo de ns pelo fato de carregar

    ainda consigo os sonhos que no se realizaram, as promessas que no se cumpriram e a

    felicidade que no veio. Tempo e histria tambm surgem em relao obra de Franz

    Kafka. Na comparao que faz entre Kafka e Lukcs Benjamin entende que Kafka se

    interessa por perodos extremamente longos em ritmos muito lentos, porque pensa em

    perodos csmicos, enquanto que Lukcs pensaria em tempos histricos bem mais curtos

    de acordo comHistria e conscincia de classe.

    Apesar da afinidade de Benjamin com os integrantes expoentes da Escola de

    Frankfurt Adorno e Horkheimer no que concerne a vrios assuntos, vrias divergncias

    emergem em pontos centrais do seu pensar como, por exemplo, na recusa por mediaes

    por demais sofisticadas e caractersticas dos dois frankfurtianos mencionados, ou na

    diferena quanto positividade determinista ou no dos fatos histricos, ou quanto

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    concepo da totalidade, ou ainda na recusa da indstria cultural, sobre a qual Benjamin

    cultivava idias prprias, j que procurava captar as suas contradies e reconhecer os seus

    avanos tcnicos.

    Pelo exposto compreensvel que a posio filosfica de Walter Benjamin

    imediatamente relacionada com a filosofia alem pelos nomes dos filsofos mencionados e

    pelas temticas encetadas. Divergindo dela ou no, consciente dela ou no, a carga

    tradicional de idias, conceitos e sugestes metdicas de articulao filosfica, textual e

    temtica cultural com que trabalhou em sua obra enorme, tanto que em seu ltimo escrito

    intitulado Sobre o conceito de histria, alm do pano de fundo geral difuso e possibilitador

    da articulao geral das teses, encontramos a meno, a aplicao e o aproveitamento

    diretos de todos os resultados da histria como programa consciente por parte do autor, e

    at de exigncia da afirmao da essencialidade desse gesto para que um novo conceito de

    histria pudesse ser elaborado em relao com a sua posio filosfica pautada na

    linguagem e, especificamente, na contradio da linguagem.

    B

    Conforme j afirmado, a tese sobre Walter Benjamin se prope acompanhar apresena do que ele mesmo denomina de a contradio da linguagem e verificar a sua

    importncia como vetor de compreenso da sua obra em determinados escritos

    fundamentais. Em seguida a uma seco que trata de apresentar especificamente a insero

    terica de Benjamin quando jovem noMovimento cultural da juventude sob a liderana de

    Wyneken, so analisados os escritos em que a contradio da linguagem aparece, quando

    no explicitamente, pelo menos, ento, implicitamente. So dez escritos que assim

    constituem as seces em que a contradio da linguagem vista como o ponto focalou ofio condutorpara a compreenso da obra do autor.

    As dez manifestaes literrias analisadas esto, portanto, sob a gide da

    contradio da linguagem como, alis, se depreende da organizao dos ttulos das dez

    seces. A expresso em si mesma refere-se ao fato de que na linguagem e com a

    linguagem se pressupem duas dimenses fundamentais.

    A primeira delas a concepo que dimensiona a linguagem como instrumento de

    denotao, ou de sinalizao objetiva e externa de algo que o falante aponta como se fosse

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    separado de si mesmo. Por esse vis se intenta reproduzir no pensamento e pela linguagem

    algo que se apresenta como objeto de realidade em si e fora dos limites da mesma

    linguagem, bem como tambm externa ao falante, o qual, assim, se constitui em sujeito

    articulador do processo. O sujeito supe suas capacidade de conhecer para representar em

    si figurativamente uma realidade objetiva externa a si com os recursos instrumentais da

    linguagem. A partir de ento, necessita controlar e analisar sem cessar as modificaes da

    realidade externa e suas prprias capacidades quanto eficincia da representao que faz

    em termos de adequao. O sujeito tanto mais suporte e fundamento do seu discurso ser,

    quanto mais puder observar, calcular e analisar o que se lhe apresenta enquanto externo e

    separado de si e quanto mais puder estabelecer, tambm por anlise, as prprias condies

    internas que lhe possibilitam que explique a correspondncia entre ambos os plos. Numprocesso de infinita recorrncia necessita, ento, assegurar-se de que as condies da

    fundamentao em si mesmo e o uso da linguagem instrumental estejam corretas para que

    a adequao realidade seja realizada por representao perfeita. Para tal processo de

    objetivao, portanto, o sujeito deve instaurar um fundamento sempre separado de si

    mesmo que precisamente o fundamente como sujeito, a fim de que seja possvel o

    julgamento sobre a correo do trabalho de anlise e elaborao do objeto separado e fixo

    em frente. A exemplo da adorao de dolo, necessita instaurar de modo recorrente umadivindade separada e provisria que suposta e hipoteticamente justifique e legitime como

    fundamento a correo do discurso elaborado.

    Todas as fundamentaes objetivadas resultam fictcias por pretenderem

    estabelecer a totalidade absoluta por um discurso dela separado. Totalidade sempre suposta

    que no inclua o seu proponente, totalidade no . O resultado a impossibilidade de

    fundamentao total e absoluta de qualquer discurso que suponha fundamentao possvel.

    Sempre ser totalidade parcial, geralmente esquecida depois de implementada comosistema compreensivo e atividade de aplicao dedutiva em todos os campos do saber.

    Esse estado de coisas permanentemente recorrente constitui a metfora do mundo aps a

    queda em que o ser humano vtima das prprias construes feitas base de

    fundamentaes vrias, comendo o fruto da rvore do conhecimento do bem e do mal e da

    vida, ao promover a separao entre fundamento posto e separado alm da linguagem,

    sujeito que prope a separao e objeto absolutamente externo s articulaes da

    linguagem. A proibio precisamente a da inveno do dolo nomeado enquantofundamento separado de um todo que sempre escapa compreenso, possibilitando-lhe

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    assim a abertura pela liquidao da recorrente e reduzida totalidade em que se movimenta

    em pocas de esquecimento. A filosofia sob este aspecto se configura como a atividade da

    descoberta das totalidades dogmtica e eficientemente redutoras da compreenso com o

    indiciamento das suas precrias e provisrias fundamentaes, que se manifestam no

    exerccio da linguagem proposicional de objetos absolutamente fora da linguagem.

    A segunda dimenso da contradio da linguagem trata da compreenso da mesma

    enquanto intermitente expresso da prpria totalidade que necessria e inevitavelmente

    sempre supe pelo fato de nela participar. Tal expresso inclui todas as formas de

    explicao porventura j elaboradas a respeito de fundamentao, subjetividade e

    objetividade. Sendo a prpria linguagem com todas as suas virtualidades j imediatamente

    expresso da totalidade que inevitavelmente supe, ento todas as tentativas de

    fundamentao fazem parte do seu acervo expressivo, pois no h como elaborar algo

    expressiva e significativamente sem linguagem. Desse modo o homem se define pela

    linguagem humana que mesmo enquanto sempre relacionado com a linguagem total das

    coisas que est precisamente a traduzir. Qualquer manifestao intencional de construir

    edifcios de fundamentao ser acompanhada pela linguagem que , mas que est a

    esquecer na iluso da objetivao com o que, enquanto inteno de sujeito, est a cada

    passo edificando o seu prprio degredo como que em intermitente expulso quando

    esquecido desta mesma condio.

    A contradio da linguagem o paradoxo da ambivalncia pelo qual o ser humano

    se define e que lhe possibilita a compreenso enquanto conhecimento objetivado, por um

    lado, e, por outro, a compreenso enquanto recordao do encontro que j sempre numa

    unidade total que nunca poder definir por explicaes de causa e efeito, pois tambm

    estas categorias j se do como expresso de si mesmo no nome, ou seja, na linguagem.

    Tal linguagem deixa de ser meramente proposicional objetal para se tornar expressiva e

    no proposicional.

    Pelo menos desde o texto Conversao deMetafsica da juventude Benjamin conta

    com a contradio da linguagem, variando a sua maneira de abord-la e tendo-a sempre

    presente como critrio de avaliao para a sua prpria condio de autor e tradutor, e

    crtico da obra de outros autores. O presente trabalho procura expor esta dinmica em dez

    sees, prefaciando-as com uma introduo geral sobre a formao e a obra de Benjamin

    quando jovem:

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    A introduo obra de Benjamin quando jovem trata de algumas questes centrais

    da formao de Benjamin quando jovem, principalmente da sua atuao no O movimento

    cultural da juventude, bem como de algumas idias dos seus escritos iniciais. Benjamin,

    provindo da escola convencional de Berlin, passa a fazer parte da Comunidade escolar

    livre (Freie Schulgemeinde), fundada por Gustav Wyneken como reao crescente

    mudana estrutural da sociedade promovida pela industrializao e possibilitada pelo

    avano das cincias naturais implementadas na tecnologia. Os textos apresentados

    sucintamente nesta introduo geral no segundo ponto e que abordam em grmen temticas

    posteriores que se referem produo literria da poca da juventude de Benjamin so:

    Leben der Studenten (Vida dos estudantes),Dialog ueber die Religiositaet der Gegenwart

    (Dilogo sobre a religiosidade contempornea), Der Moralunterricht (Ensino da moral),Die drei Religionssucher(Trs procura de religio) e j a carta a Martin Buber em que se

    nega a cooperar com uma literatura de intenes estratgicas.

    1. Indicao da contradio da linguagem. Nesta primeira seo especfica quanto

    contradio da linguagem o texto crptico Conversao interpretado no sentido de se

    constituir em descoberta da mesma e paulatina segurana para exposio e aplicao em

    textos posteriores. No texto so mencionados personagens e seus movimentos que a nosso

    ver procuram teatralizar todos os recursos da linguagem. Para a compreenso, o texto

    crptico exige um acompanhamento meditativo numa leitura constante do no dito, mas

    sugerido entre uma sentena e outra, parecendo cada uma delas, por vezes, aforismos

    completamente desconexos a uma primeira leitura. Pelo recurso da teatralizao das

    perspectivas e possibilidades da linguagem aos poucos vai emergindo a compreenso da

    contradio da linguagem da condio humana. O ttulo desta seco tem a inteno de

    apresentar o indiciamento enquanto descoberta compreensiva da contradio da linguagem.

    2. Ensaio aplicativo da contradio da linguagem. Duas poesias de Hoelderlin. Esta

    segunda seco da temtica central trata da questo da linguagem na poesia. Nessa seo, o

    texto Duas poesias de Hoelderlin apresenta uma reflexo tendo como pano de fundo a

    contradio da linguagem que transparece em sua ambivalncia quando da acentuao do

    plo da linguagem e compreenso repetitiva, por um lado, e, por outro, do plo da notcia

    do poetizado que a poesia traz inerente a si. Restringimo-nos abordagem da primeira

    parte do texto de Benjamin, que traz as reflexes preliminares anlise concreta das duas

    poesias. Basta a enfatizar o que parece ser a primeira aplicao da descoberta.

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    3. Apresentao da contradio da linguagem: Sobre a linguagem em geral e a

    linguagem dos homens. Nesse texto Benjamin expe explicitamente a ambivalncia da

    linguagem tendo como um dos seus plos o seu lado objetal na pressuposio da

    possibilidade de descrio de algo alm dela, e como outro, a dimenso da recordao do

    esquecimento de que ela o mbito e ao mesmo tempo a expresso do ser humano em

    todas as suas manifestaes. A unidade absoluta suposta no possvel de se verificar por

    fundamento ltimo, pois cada instaurao em termos de raciocnio pela categoria de causa

    e efeito j sempre tambm a pressupe, sendo apenas acessvel como expresso na

    compreenso do itinerrio de uma compreenso sempre emergente na recordao de uma

    participao ocorrente.

    4. Posicionamento filosfico: Sobre o programa da filosofia vindoura. Nesse texto

    Benjamin estabelece a sua concepo filosfica em relao a Kant, decidindo-se pela

    conservao e apoio parcial sua tipologia, que consiste em aprofundar-se na busca das

    condies de possibilidade do conhecimento como Plato j iniciara a faz-lo. Distancia-

    se, porm, de Kant quando em sua obra percebe a falta de tematizao da linguagem que a

    tudo inclui e carrega, inclusive a busca das condies de possibilidade por um sujeito que

    nessa procura intenta instituir a si mesmo como fundamento ltimo possvel no intuito de

    constituir um mundo de objetos a partir de si. O sujeito assim posto mito em meio a um

    tempo pobre de experincia por imaginar a captao de sensaes sem a interferncia da

    histria, presentada na doutrina enquanto a pletora do sentido sempre subjacente em

    quaisquer decises e explicaes atuais. A filosofia vindoura deve, portanto, preocupar-se

    com a linguagem em que o ser humano sempre se movimenta e a religio como suposto

    sistemtico sempre a ser descoberto, o que vem a configurar novamente os dois plos da

    contradio da linguagem.

    5. A contradio da linguagem na tarefa do tradutor. No texto A tarefa do tradutor

    trata-se da seguinte questo: como se pode traduzir a dimenso da linguagem, que, de

    acordo com a contradio da mesma, no comunica, no repassa um contedo, no

    transmite algo alm de si mesma? A obra de arte no precisa minimamente levar em conta

    o conhecimento de qualquer receptor pelo fato de que no pode haver estratgia de

    conhecimento ou inteno competente na transmisso de algum contedo. A obra no deve

    prestar-se comunicao no sentido costumeiro e, por isso, no necessrio o

    conhecimento, ou a captao do que comunica. Tudo depende da possibilidade de se a

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    verdade inscrita na obra traduzvel ou no, e isso quem decide a obra, pois ela que por

    sua prpria fora aspira e leva traduo. A necessidade da traduo decorre da essncia

    da obra que deste modo exige a continuidade da sua existncia. Numa traduo interlinear

    as palavras e as frases do original tornam-se citaes na escrita de vida do prprio tradutor,

    pois do texto emerge a verdade que, por um lado, j o inclui na obra e, por outro, ao

    mesmo tempo, atualiza a mesma na concreo da vida. A contradio da linguagem se

    localiza enquanto preocupao de no se esmerar numa traduo a carregar contedos

    como se fossem objetos de uma lngua outra.

    6. A contradio da linguagem na filosofia e na arte. No texto Origem do drama

    barroco alemo Benjamin insiste na afirmao de que a forma da filosofia deve ser ao

    modo da apresentao expositiva, sem as pretenses de sistema que tipificam o

    conhecimento objetivado. O conhecimento objetivado, portanto, no tem o problema da

    apresentao pelo fato de j estar pronto e ao dispor da possvel aplicao prtica

    automatizada e tendente ao esquecimento. Ele subsiste sob as condies da combinada

    adequao s coisas e promove seguramente a certeza da compreenso que se reitera

    recorrentemente base de princpios aceitos e assim estabelecidos. O sistema entendido

    como rede tecida com conceitos e entre conceitos para apanhar a verdade como se fosse

    objeto separado prprio da modernidade. Os conhecimentos, nesse caso, ocupam a

    funo de capturar e enredar uma verdade vista como mera objetivao enquanto alvo a ser

    constantemente alcanado por conquista. O pretenso resultado a posse da verdade pelos

    conhecimentos como se ela fosse coisa e manipulvel a qualquer hora. Mas a filosofia em

    sua tarefa crtica, portanto, no pode esquecer o seu prprio comprometimento na atividade

    de escuta e recordao, bem como no pode esquecer-se do fato de que a obra tambm no

    um produto que se pudesse desvincular da atividade da sua realizao. Na comparao

    entre filosofia e sistema, Benjamin decide que o ser reduzido s determinaes categoriaise aos sistemas de classes em geral merece a desconfiana e a discordncia, e tambm por

    isso se expressa no sentido de que as classificaes histrico-literrias no conseguem se

    legitimar, devendo ser compreendidas antes a partir da idia. A filosofia a atividade que

    percebe as duas dimenses da histria: a do fenmeno articulado enquanto objeto pelos

    recursos da racionalidade da sua mtica autonomia, e a como quase paisagem, como idia,

    como recordao, como saber participativo de um retorno ao local onde sempre se esteve

    exatamente a fazer parte da idia e da paisagem e onde os nomes se do. Alm da histriaarticulada por proposies na inteno de objetivao, encontra-se a idia de origem que

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    tem a histria como que por dentro, pois engloba e assume o comprometimento com toda a

    forma de explicao possvel. Na concepo da idia de origem, que j traz consigo a

    compreenso inevitvel do ser ativo e em totalidade mesmo que sempre indefinvel por

    definitivo, a histria caracterizada pelo vis de causa e efeito uma imagem, um teor, um

    mosaico para a contemplao, e no mais diretamente o acontecer bruto que pudesse afet-

    la. Novamente a encontramos em outra roupagem a contradio da linguagem.

    7. A contradio da linguagem entre a diluio total e a objetivao delirante: Ao

    sol. No textoAo solBenjamin descreve o percurso entre a condio de linguagem objetiva

    enquanto instrumento de sinalizao exterior e a percepo da imagem que se faz sonora

    no nome enquanto integrao paisagem at quase diluio de si no todo circundante. A

    tentativa descrever os extremos possveis da prpria contradio da linguagem.

    8. Complementao contradio a linguagem: Doutrina do semelhante. O texto

    conserva os resultados bsicos deA linguagem em geral e a linguagem dos homens, mas

    com a complementao de algumas questes, principalmente pelo conceito de semelhana

    no sensvel em forma de linguagem. Como a natureza em geral, o homem reconhece e

    produz semelhanas, as quais ao longo do tempo deslocaram-se e se metamorfosearam em

    semelhanas no sensveis na linguagem. O que se reputa como pura dimenso semitica,

    na verdade seria o funcionamento do cdigo de semelhanas esquecido, que na velocidade

    do relmpago faz a juno de som de palavra e coisa. O deslocamento e a velocidade do

    processo impede de perceb-lo sensivelmente a ponto de h muito tempo estar

    automatizado levando aos enganos sobre a significao da prpria linguagem.

    9. A aplicao da contradio na linguagem.Franz Kafka. Personagens que se do

    conta da contradio da linguagem agem de maneira muito estranha, pois so capazes de

    expressar a ruptura com a normalidade da objetivao para promover um movimento de

    retorno que primeiramente os capta como um processo de melancolia e angstia para

    libert-los na dinmica da recordao e da compreenso em que existem na prpria

    ambivalncia da contradio da linguagem que sempre j so.

    10. Entre o dizer e o dito. No artigoHoffnung im Vergangenen (Esperana no que

    passou), Peter Szondi percebe claramente a postura de Benjamin que a de se voltar ao

    passado de si com as circunstncias da poca a fim de vasculhar o significado l inscrito,

    como se fosse uma escrita presente e pstuma ao mesmo tempo, mas ainda capaz deacordar no tempo presente o bom leitor. A pergunta que se faz ouvir : o que impede que

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    na poca exata se leia corretamente? O que impede que muitos no acordem pela

    rememorao nem em tempos posteriores? H um impedimento fatal, uma dificuldade

    enorme por vencer a fim de que se chegue ao entendimento considerado correto. Que

    impedimento esse?

    A tese a de que se trata da contradio da linguagem quando esta se concentra

    exclusivamente na objetivao, pois em suas metamorfoses a linguagem determina o

    tempo relacionando o passado com o presente, como se fosse acessvel atualidade qual

    um objeto analisvel cientificamente a partir de fundamento absoluto e fixo. A descoberta,

    a apresentao e a aplicao da contradio da linguagem como ponto focal, ou fio

    condutor para a leitura da obra de Walter Benjamin configura o ncleo da presente tese.

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    II. O MOVIMENTO CULTURAL DA JUVENTUDE

    certo que os interesses de Walter Benjamin no se reduzem s questes do mbito

    da filosofia da linguagem, pois os mais variados aspectos da cultura mereceram a suaateno. Mesmo assim a referncia da sua filosofia voltada linguagem essencial em

    toda a sua obra. Ademais, se pode dizer que a filosofia em geral simplesmente una e

    independe das perspectivas em que se ativa, de modo que, enquanto voltada linguagem,

    ela est necessariamente tambm relacionada com todas as reas.

    Na idade de vinte e quatro anos Benjamin escreveu o texto programtico sobre a

    filosofia da linguagem A linguagem em geral e a linguagem humana, que marca

    definitivamente a sua obra. Algo sobre formao anterior do autor facilita o entendimento

    desse importante texto. Aos quatorze anos de idade Benjamin encontrou Gustav Wyneken,

    filsofo e pedagogo reformador do ensino mdio e fundador da Comunidade escolar livre

    (Freie Schulgemeinde). Provindo da escola convencional de Berlin, instituio de

    orientao rigidamente orientada (Gilherminisches Gymnasium) para a profissionalizao,

    defrontou-se a com as idias de reforma p