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3-1 Motores a Combustão Interna Prof. Fernando Porto Curso Eng. Mecânica - UNITAU 3. CICLOS E PROCESSOS IDEAIS DE COMBUSTÃO 3.1. CICLOS DE POTÊNCIA DOS MOTORES A PISTÃO Aqui serão apresentados ciclos ideais de potência a ar para ciclos onde o trabalho é realizado pelo movimento de pistões em cilindros. Os motores mais utilizados em automóveis operam com vários cilindros (3, 4, 6, 8 ou mais) e cada conjunto cilindro – pistão apresenta diâmetro nominal B. O pistão está conectado a um virabrequim (manivela) através de uma biela. O ângulo da manivela, , varia com a posição do pistão no cilindro. Curso do pistão: = 2 Volume deslocado: ݏ = ( ݔ) Relação de compressão: ܥ= ݔ/ Figura 3-1: O volume deslocado e a relação de compressão definem a geometria do motor O trabalho específico líquido em um ciclo completo é utilizado para definir a pressão média efetiva: ݓ = ݒ= ( ݒ ݒ ) Lembrando que trabalho específico líquido é definido como sendo a diferença entre o trabalho entregue pelo sistema e o trabalho absorvido pelo mesmo. Em um sistema de geração de potência a vapor, trata-se da diferença entre o trabalho gerado na turbina e o trabalho consumido nas bombas. No caso do motor, trata-se do trabalho específico gerado na câmara de combustão descontando as perdas por atrito no cilindro e também as perdas por cargas parasitas (compressor do ar condicionado, bomba de óleo, alternador, turbo-compressor, etc.). A pressão média efetiva é um bom parâmetro para a comparação de motores, em termos de projeto. No capítulo de leitura adicional isto é apresentado com mais detalhes. O trabalho líquido realizado por um cilindro, por sua vez: = . ݓ = . ( ݒ ݒ )= ( )

3. CICLOS E PROCESSOS IDEAIS DE COMBUSTÃO 3.1. CICLOS DE ... · O ciclo padrão a ar Otto é um ciclo ideal que se aproxima do motor de combustão interna de ignição por centelha

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3. CICLOS E PROCESSOS IDEAIS DE COMBUSTÃO 3.1. CICLOS DE POTÊNCIA DOS MOTORES A PISTÃO Aqui serão apresentados ciclos ideais de potência a ar para ciclos onde o trabalho é realizado pelo movimento de pistões em cilindros. Os motores mais utilizados em automóveis operam com vários cilindros (3, 4, 6, 8 ou mais) e cada conjunto cilindro – pistão apresenta diâmetro nominal B. O pistão está conectado a um virabrequim (manivela) através de uma biela. O ângulo da manivela, , varia com a posição do pistão no cilindro. Curso do pistão:

푆 = 2 푅푚푎푛 Volume deslocado:

푉푑푒푠푙 = 푁푐푖푙 (푉푚푎푥 − 푉푚푖푛) Relação de compressão:

푅퐶 = 푉푚푎푥 / 푉푚푖푛

Figura 3-1: O volume deslocado e a relação de compressão definem a geometria do motor

O trabalho específico líquido em um ciclo completo é utilizado para definir a pressão média efetiva:

푤 = 푝푑푣 = 푝 (푣 − 푣 )

Lembrando que trabalho específico líquido é definido como sendo a diferença entre o trabalho entregue pelo sistema e o trabalho absorvido pelo mesmo. Em um sistema de geração de potência a vapor, trata-se da diferença entre o trabalho gerado na turbina e o trabalho consumido nas bombas. No caso do motor, trata-se do trabalho específico gerado na câmara de combustão descontando as perdas por atrito no cilindro e também as perdas por cargas parasitas (compressor do ar condicionado, bomba de óleo, alternador, turbo-compressor, etc.). A pressão média efetiva é um bom parâmetro para a comparação de motores, em termos de projeto. No capítulo de leitura adicional isto é apresentado com mais detalhes. O trabalho líquido realizado por um cilindro, por sua vez:

푊 = 푚.푤 = 푚.푝 (푣 − 푣 ) = 푝 (푉 − 푉 )

3-2

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Por sua vez, a potência do motor pode ser obtida através do trabalho líquido realizado por cada cilindro:

푊̇ = 푁 .푚.푤 .푅푃푀

60

É importante observar que a potência em motores 4 tempos é a metade desta, pois cada pistão realiza 2 revoluções para que o motor complete o ciclo. 3.2. O CICLO–PADRÃO A AR OTTO O ciclo padrão a ar Otto é um ciclo ideal que se aproxima do motor de combustão interna de ignição por centelha.

Figura 3-2: Ciclo-padrão a ar Otto

Figura 3-3: Calor absorvido e calor removido no ciclo-padrão a ar Otto.

O processo 1-2 é uma compressão isentrópica do ar quando o pistão se move, do PMI para o PMS. Na etapa 2-3, calor é transferido à volume constante no instante em que o pistão se encontra em repouso no PMS. No motor real, este momento é correspondente à ignição da mistura ar-combustível. O processo 3-4 é uma expansão isentrópica, e o processo 4-1 é o de rejeição de calor do ar, enquanto o pistão está no ponto morto inferior (PMI).

Como os processos são internamente reversíveis, as áreas nos diagramas p–V e T–S representam o trabalho e o calor envolvidos, respectivamente.

3-3

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Figura 3-4: Estimativa do trabalho realizado, calor absorvido e calor removido no ciclo-padrão a ar Otto, através dos gráficos p-V e T-S.

Admitindo que o calor específico do ar seja constante durante o ciclo, o rendimento térmico pode ser expresso como segue:

휂 é =푄 − 푄푄

= 1 −푄푄

QH : calor transferido no corpo em alta temperatura (entre os pontos 2 e 3) QL : calor transferido no corpo em baixa temperatura (entre os pontos 4 e 1) Desenvolvendo:

휂 é = 1 −푄푄

= 1 −푚퐶 (푇 − 푇 )푚퐶 (푇 − 푇 ) = 1 −

(푇 − 푇 )(푇 − 푇 )

휂 é = 1 −푇 푇

푇 − 1

푇 푇푇 − 1

Como a etapa 1-2 no ciclo ideal é isentrópica, a diferença entre a entropia final e a inicial desta etapa é nula. Portanto

푆 − 푆 = 푐 푙푛푇푇

− 푅푙푛푝푝

= 0

ou

푙푛푇푇

=푅푐

푙푛푝푝

푙푛푇푇

= 푙푛푝푝

푇푇

=푝푝

3-4

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Sabendo-se que R = cp0 – cv0 e que k = cp0/cv0, tem-se que

푅푐

=푐 − 푐푐

=푐푐

−푐푐

= 1 −1푘

=푘 − 1푘

De mododo que

푇푇

=푝푝

=푝푝

Ocorre que para gases perfeitos p1V1

k = p2V2k , portanto

푇푇

=푝푝

=푉푉

=푉푉

Do mesmo modo

푇푇

=푉푉

Observando a Figura 3-3, verifica-se que:

V1 = V4 e V2 = V3 Então

푉푉

=푉푉

e 푇푇

=푇푇

⇒ 푇푇

=푇푇

Substituindo na equação do rendimento térmico:

휂 é = 1 −푇 푇

푇 − 1

푇 푇푇 − 1

= 1 −푇 푇

푇 − 1

푇 푇푇 − 1

= 1 −푇푇

휂 é = 1 −푇푇

Como 푇푇

=푉푉

Então

휂 é = 1 −푉푉

Como a taxa de compressão rv é definida como sendo V1/V2, então, finalmente,

휂 é = 1 − (푟 )

3-5

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Isto demonstra que o rendimento térmico de um motor atendendo ao ciclo Otto é altamente dependente da razão de compressão!

Figura 3-5: Curva de rendimento térmico em função da razão de compressão, para um motor

atendendo ao ciclo Otto. Entretanto, o motor de ignição por centelha de ciclo aberto se afasta do ciclo-padrão devido a: Os calores específicos dos gases reais não são constantes em relação à temperatura, aumentando

com o aumento desta. O processo de combustão substitui o processo de transferência de calor a alta temperatura e a

combustão pode não ser completa. Existe transferência de calor entre os gases e as paredes do cilindro. Cada ciclo mecânico do motor envolve um processo de alimentação e de descarga e, devido às

perdas de carga dos escoamentos nas válvulas, é necessária uma certa quantidade de trabalho para alimentar o cilindro com ar e descarregar os produtos da combustão no coletor de escape.

Figura 3-6: Comparação, para um motor obedecendo ao ciclo Otto, entre o ciclo real (linha cheia) e

o ciclo ideal a ar (linha pontilhada) equivalente.

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0 2 4 6 8 10 12 14 16

Razão de compressão, rv

Ren

dim

ento

térm

ico,

rmic

o

Limite aproximado para razão de compressão utilizando gasolina (12)

3-6

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O gráfico na Figura 3-7 compara as eficiências indicadas de um motor de ignição por centelha (gasolina) com eficiências de um ciclo de ar ideal correspondente. Verifica-se que o ciclo de ar fornece uma boa previsão das tendências de eficiência versus razão de compressão.

Figura 3-7: Comparação do rendimento térmico, para um motor obedecendo ao ciclo Otto, entre o

ciclo ideal a ar (linha cheia, superior) e ciclos reais com diferentes proporções combustível/ar (relação F/Fc).

3.3. O CICLO–PADRÃO A AR DIESEL A Figura 3-8 apresenta a representação do ciclo ideal para o motor Diesel, também conhecido como motor de ignição por compressão.

Figura 3-8: Representação gráfica do ciclo ideal para o motor Diesel.

No ciclo de ar-padrão Otto (Figura 3-9, à direita) é considerado que a adição de calor ocorre enquanto o pistão se encontra no PMS, a volume constante. Já no ciclo de ar-padrão diesel (Figura 3-9, à esquerda), considera-se que a adição de calor ocorre a pressão constante, iniciando-se quando o pistão atinge o PMS.

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Figura 3-9: Ciclo padrão a ar diesel e ciclo padrão a ar, Otto.

Assim como no caso do ciclo a ar-padrão Otto, neste ciclo ideal os processos são internamente reversíveis, de modo que as áreas nos diagramas p – V e T – S representam o trabalho e o calor envolvidos, respectivamente.

Figura 3-10: Relação entre o ciclo padrão a ar diesel e trabalho gerado, assim como do calor

absorvido e calor removido. Como já dito, na etapa 2-3 o calor é transferido para o gás a partir do momento em que o pistão alcança o PMS (ponto 2). Como o gás expande com o calor, durante o início do movimento do pistão (do ponto 2 até o ponto 3) a pressão permanece constante. Este processo corresponde à injeção e queima do combustível no motor diesel real. A partir do ponto 3, a transferência de calor cessa. Após cessar a transferência de calor no 3, o gás sofre uma expansão isentrópica (etapa 3 – 4) até que o pistão atinja o PMI. A rejeição do calor ocorre a volume constante, ou seja, no momento em que o pistão se encontra no PMI (etapa 4 – 1). A rejeição de calor na etapa 4 – 1 simula os processos de descarga e de admissão do motor real.

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Assim como para o ciclo Otto, o rendimento térmico pode ser expresso como segue:

휂 é =푄 − 푄푄

= 1 −푄푄

QH : calor transferido no corpo em alta temperatura (entre os pontos 2 e 3) QL : calor transferido no corpo em baixa temperatura (entre os pontos 4 e 1) Entretanto, no ciclo Diesel a absorção de calor se passa a pressão constante, portanto:

휂 é = 1 −푄푄

= 1 −푚퐶 (푇 − 푇 )푚퐶 (푇 − 푇 )

Como k = cp / cv, então

휂 é = 1 −(푇 − 푇 )푘(푇 − 푇 )

휂 é = 1 −푇 푇

푇 − 1

푘푇 푇푇 − 1

Observa-se na Figura 3-8 que a relação de compressão (etapa 1 – 2) é maior do que a relação de expansão isentrópica (etapa 3 – 4). Analisando-se a equação do rendimento térmico, verifica-se que, fixando o estado do fluido nos pontos 1 e 2, o rendimento diminui com o aumento da temperatura máxima (T3). Sabe-se que p2 = p3, então, considerando a equação de estado do gás ideal (p =.R.T), tem-se que

푇푇

=푉푉

⇒ 푇 = 푇푉푉

A razão V3/V2 é denominada de razão de corte rc, pois a partir de alcançado o volume V3 não haverá mais adição de calor, de modo que:

푇 = 푇 × 푟 Lembrando que, como a etapa 1 – 2 e 3 – 4 são isentrópicas,

푇푇

=푉푉

= 푟 푒푇푇

=푉푉

=푟푟

Isto porque V1 = V4 :

푉푉

=푉푉

.푉푉

=푉푉

.푉푉

=푟푟

Utilizando estas equações e um pouco de esforço algébrico, o rendimento térmico pode ser expresso em função da razão de compressão e da razão de corte:

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휂 é = 1 −1

푘. 푟푟 − 1푟 − 1

Figura 3-11: Curva de rendimento térmico em função da razão de compressão e da razão de corte,

para um motor atendendo ao ciclo Diesel. O gráfico da Figura 3-12 compara as eficiências indicadas de um motor diesel real com a eficiência de um ciclo de ar ideal correspondente. Verifica-se que o ciclo de ar fornece uma razoável previsão das tendências de eficiência versus razão ar/combustível.

Figura 3-12: Comparação do rendimento térmico, para um motor obedecendo ao ciclo Diesel em

diferentes proporções combustível/ar (relação F/Fc), entre o ciclo ideal a ar (linha cheia, vermelha) e ciclos reais.

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24

rc = 1,5rc = 2rc = 3

Razão de compressão, r

Ren

dim

ento

térm

ico,

rmic

o

Região aproximada adequada para o ciclo diesel

3-10

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3.4. CICLO–PADRÃO A AR: COMPARAÇÃO ENTRE DIESEL E OTTO É possível fazer comparações entre o ciclo Diesel e o Otto a partir dos respectivos ciclos-padrão a ar. Estes tem o mesmo estado no início do curso de compressão, mesmo deslocamento volumétrico e mesma relação de compressão. Pode-se ver que, nestas condições, o ciclo Otto tem rendimento maior que o ciclo Diesel. Ocorre que, na prática, o ciclo Diesel opera com taxas de compressão (de 11 a 22, aproximadamente) mais altas do o ciclo Otto (de 6 a 12, aproximadamente). Isto porque motores de ignição por centelha comprimem uma mistura de ar-combustível e a pré-detonação é um sério problema em altas taxas de compressão. Este problema não ocorre no motor Diesel porque somente ar é comprimido durante o processo de compressão.

Figura 3-13: Gráfico comparando o ciclo-padrão a ar Diesel e o ciclo-padrão a ar Otto.

3.5. MOTORES A JATO: CICLO-PADRÃO Neste ciclo, o trabalho efetuado pela turbina é exatamente igual ao necessário para acionar o compressor.

Figura 3-14: Esquema de motor turbo-jato puro, sem fan para by-pass (turbofan) ou pós-queimador.

0,4

0,45

0,5

0,55

0,6

0,65

0,7

5 7 9 11 13 15 17 19 21 23

OttoDiesel

Razão de compressão, r

Ren

dim

ento

térm

ico,

rmic

o

rc = 1,5

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Os gases são expandidos na turbina até uma pressão tal que o trabalho da turbina é exatamente igual ao trabalho consumido no compressor (são interligados mecanicamente). Então, a pressão na seção de descarga da turbina será superior à do meio, e o gás pode ser expandido em um bocal até a pressão do meio ambiente. Como os gases saem do bocal a alta velocidade, estes apresentam uma variação de quantidade de movimento e disto resulta um empuxo sobre o avião no qual o motor está instalado. O ciclo padrão a ar é mostrado na Figura 3-15. Este ciclo opera de modo similar ao do ciclo de Brayton e a expansão no bocal é modelada como adiabática e reversível.

Figura 3-15: Ciclo-padrão a ar do motor turbo-jato.

O rendimento do ciclo padrão pode ser expressado desta forma:

휂 é = 1 −푄푄

= 1 −퐶 (푇 − 푇 )퐶 (푇 − 푇 )

Sabendo-se que

푝푝

=푝푝

=푇푇

=푇푇

Então

휂 é = 1 −푇푇

Observa-se que, quanto maior a diferença entre a temperatura da câmara de combustão e a do meio ambiente, maior a eficiência do motor a jato. Teoricamente, o limite superior desta temperatura seria dado pelo limite estequiométrico do combustível (para o JP4, seria cerca de 2400oC), mas a resistência

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dos materiais usados no compressor, estatores e turbina decai rapidamente em temperaturas acima de 960oC, de modo que a temperatura T2 tem sido atualmente limitada por volta de 1300 a 1550oC. Outra característica do motor a jato puro (turbo-jato) é que a potência no compressor pode representar de 40 a 80% da potência desenvolvida na turbina. Assim, no motor real, o rendimento global diminui rapidamente com a diminuição das eficiências do compressor e da turbina. Se estas eficiências caírem abaixo de 60%, será necessário que todo o trabalho realizado na turbina seja utilizado no acionamento do compressor, e o rendimento global será nulo. 3.6. LEITURA ADICIONAL 3.6.1. TORQUE E POTÊNCIA Auto-serviço: O que significa dizer que um motor é “elástico”? Torque e potência são muito importantes, mas a rotação em que eles aparecem também Por Henrique Rodriguez Disponível em: https://quatrorodas.abril.com.br/auto-servico/o-que-significa-um-motor-ser-elastico/ Publicado em 30 jan 2017, 15h33 Não é raro dizer em testes e comparativos que um motor é elástico, seja pela forma como ele desenvolve, ou como reage nas acelerações. Mas o que exatamente vem a ser isso? Vamos por partes. Há dois números chave para motores. Eles dizem respeito à potência e ao torque gerados. Existe uma discussão sobre qual deles é mais importante para o motorista, mas os dois estão intimamente ligados. O torque, medido em mkgf ou kgfm (ou Nm ou lb-ft, dependendo do país) expressa o trabalho feito pelo motor para realizar certo esforço independente do tempo necessário para fazê-lo – o importante é levantar o saco de cimento, independente se levará um minuto ou uma hora. Já a potência, medida em cavalo-vapor (ou kW ou hp), representa o torque multiplicado pelas rotações do motor, exprimida em rotações por minuto (rpm), uma medida que existe em função do tempo (o minuto). Os números de potência e torque máximos aparecem em rotações diferentes. Um dos desafios para os engenheiros é desenvolver um motor que cumpra duas exigências: entregar a potência máxima na rotação mais elevada possível, o que teoricamente proporciona maior velocidade, e obter o torque máximo em uma rotação mais baixa, para que ele tenha força suficiente para ganhar velocidade de forma mais rápida. Em automóveis, não basta ter muito torque sem potência. É o que acontece com tratores: com números de torque bem mais impressionantes que os de potência, eles são muito fortes para puxar carga e equipamentos, mas não conseguem ganhar velocidade com rapidez. Além disso, manter a linearidade (ou seja, um crescimento progressivo, sem variações abruptas) na geração de torque e potência também é importante, para que o motor não apresente “degraus” em seu fôlego conforme as rotações vão subindo.

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Figura 3-16

Quanto maior for a diferença entre a rotação de torque máximo e a rotação de potência máxima, mais elástico tende a ser o motor. A consequência é uma boa sensação de força para o motorista, que precisará fazer menos trocas de marcha para retomadas no trânsito, por exemplo. A propósito, o ideal é manter as rotações do motor dentro desta faixa de giro, como já explicamos. Vale analisar alguns exemplos: Com etanol, o Peugeot 208 1.2 12V gera 13 mkgf de torque a 2.750 rpm e 90 cv a 5.750 rpm. A diferença entre os dois picos é de bons 3.000 rpm. Concorrente dele, o Chevrolet Onix 1.4 8V precisa girar a 4.800 rpm para encontrar seus 13,9 mkgf e os 106 cv surgem a 6.000 rpm, modestos 1.200 rpm distanciando os dois picos. São dois carros que se comportam bem no trânsito, mas o Onix de fato necessita de mais reduções de marcha, ainda que seja o único com câmbio manual de seis marchas. Contudo, a potência e o torque nem sempre surgem de uma forma linear. É aí que entra o gráfico de curvas dos motores obtidos em dinamômetro (equipamento que mede o torque dos motores). Os gráficos abaixo são de motores Fiat. A esquerda está o 1.4 Fire Evo, com potência que surge de uma forma bastante progressiva, enquanto o torque está sempre aumentando (apesar de ficar estável em dois momentos). É algo que combina com a sensação de boa disponibilidade de torque que este motorista sente. Mesmo que tenha potência e torque modestos frente ao 1.4 do Onix, ele é mais elástico: os picos estão distantes em 2.250 rpm.

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Figura 3-17

Do lado direito está o motor 1.6 16V E.TorQ. Por volta dos 2.500 rpm a curva de potência passa subir com menos vigor. Neste mesmo momento o torque tem uma leve queda. Quando introduziu este motor na linha, a Fiat destacava que 93% do torque estava disponível a 2.500 rpm, mas não dizia que este número diminuía até por volta dos 3.500 rpm. Para o motorista, este E.TorQ passa a sensação de que é necessário levá-lo a altos giros para ter força. Com 1.000 rpm entre potência e torque máximos, é o motor menos elástico entre os que analisamos brevemente aqui. Com ajuda de turbo, injeção direta e duplo comando de válvulas variável, o motor 1.4 16V TSI da Volkswagen ilustra o mundo perfeito. Nele, os 25,5 mkgf de torque máximo estão disponíveis desde os 1.500 rpm, enquanto a potência máxima de 140 cv (este queima apenas gasolina) aparece em 5.000 rpm, resultando em uma garante diferença de 3.500 rpm entre os picos.

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Figura 3-18

Não há dúvidas que este é um motor bem elástico, ou seja: ao volante, a sensação é de que há sempre potência e torque abundantes em qualquer rotação, diminuindo a necessidade de trocas de marcha. Além da agilidade, o consumo também acaba melhorando, pois não há a necessidade de elevar as rotações em busca de força. 3.6.2. MOTOR TURBOFAN Para uma temperatura fixa de entrada na turbina, a velocidade de exaustão de um motor turbojato, que esteja impulsionando uma aeronave subsônica ao nível do mar, é relativamente constante. A eficiência da propulsão depende da razão da velocidade de voo para com a velocidade da exaustão, e esta eficiência aumenta à medida que o valor da razão aumenta. Por outro lado, o empuxo depende da diferença entre a velocidade da exaustão e a velocidade de voo; quanto maior a diferença, maior o empuxo por unidade de massa de ar induzida no motor. Portanto, reduzindo a velocidade de exaustão e simultaneamente aumentando o fluxo de massa de ar através do motor, a eficiência da propulsão pode ser aumentada sem decréscimo do empuxo. Para tal medida é que foram desenvolvidos os motores turbofan. A Figura 3-19 mostra esquematicamente os componentes principais de um motor turbofan. Existem duas turbinas, uma turbina de baixa pressão (LPT – low pressure turbine) e uma de alta pressão (HPT – high pressure turbine). A HPT movimenta o compressor de ar (letra C, Figura 3-19), enquanto que a LPT movimenta o fan. O ar entra no fan em uma taxa maF e é ejetado através de um bocal de área A7F com uma velocidade VjF < Vj, onde Vj é a velocidade de exaustão alcançada pelo fluxo de ar ma1

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que atravessa a câmara de combustão (exaustão quente). O gerador de gases aquecidos basicamente é um motor turbojato. Um parâmetro chave é a razão bypass (BPR – By Pass Ratio), definida como sendo a razão entre o fluxo de massa de ar através do duto do fan, e o fluxo de massa de ar no gerador de gases aquecidos: Portanto, basicamente a razão BPR é a proporção entre o fluxo de ar frio sobre o fluxo de ar quente. Os motores turbofan atualmente em uso empregam BPR entre 5 a 10, com valores próximos a 5 no caso de grandes motores comerciais para aeronaves de carga e passageiros, como por exemplo o Pratt & Wittney 4000 e o General Electric CF-6. Aeronaves militares, devido a sua necessidade de maior empuxo por peso de motor, empregam BPRs menores. O motor Rolls-Royce Pegasus 11 Mk104 (BAe Harrier) emprega BPR ≈ 1,4; o Rolls-Royce Turboméca Adour 151 (BAe Hawk), ≈0,8; enquanto o Turbo Union RB199 (Panavia Tornado), ≈1,0.

Figura 3-19: Esquema ilustrativo de motores turbofan subsônicos.

Em (a) motor turbofan aft-fan, e em (b), motor ducted-fan. O combustível é adicionado no fluxo ma1 na taxa mf. Portanto a massa de gás aquecido, ma1+mf, é descarregada para a atmosfera através do bocal de saída com área A7 na velocidade Vj. Ambos o tipos de turbofan apresentados na Figura 3-19 produzem uma velocidade média de saída VjTF a qual é menor que a velocidade Vj de exaustão de um turbojato com a mesma T4 e P3/P2 (pressão de admissão). Os arranjos mostrados na figura Figura 3-19 são de motores subsônicos. Combustível também pode ser queimado dentro do duto do fan, para aumentar o empuxo.

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Praticamente todos os novos aviões comerciais de passageiros são impulsionados por turbofans, e muitos das antigas aeronaves ainda em serviço tem sido re-motorizadas com novos turbofans. As vantagens de um velocidade média VjTF menor são basicamente: Aumento da eficiência do motor. Diminuição do ruído produzido, com consequente aumento de conforto para o passageiro. A nova geração de grandes motores turbofan para transporte provavelmente será a dos motores HighBypass. Possuem uma maior capacidade de empuxo e apresentam melhorias no consumo, alcançado pelo emprego de altas taxas de compressão (acima de 40:1) e maior temperatura na entrada da turbina (acima de ≈2600oC). Além destes, existem também os motores Ultrahigh-Bypass, projetados com duto ou na forma aberta (Figura 3-20 e Figura 3-21) e dotados de fan formado por conjuntos de pás contra-rotativas de passo variável. Estes motores trabalham com uma taxa de compressão na ordem de 80:1. Esta última configuração é adequada para grandes aviões de carga ou passageiros, uma vez que não restringe aerodinamicamente a velocidade da aeronave e provê uma redução de 35% no consumo sobre os atuais High-Bypass subsônicos.

Figura 3-20: Motor Ultrahigh-Bypass GE 36

Figura 3-21: Configurações do motor Ultrahigh-Bypass.