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0 DINARA DE ARRUDA OLIVEIRA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL À LUZ DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: UM ENFOQUE AO ART. 170 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL MARÍLIA 2007

315PIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMAN UM ENFOQUE … · dignidade da pessoa humana, que é, na realidade um metaprincípio, concluindo-se que o princípio da dignidade da pessoa humana

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DINARA DE ARRUDA OLIVEIRA

DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL À LUZ DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: UM ENFOQUE AO ART. 170 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

MARÍLIA

2007

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DINARA DE ARRUDA OLIVEIRA

DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL À LUZ DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: UM ENFOQUE AO ART. 170 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília, como exigência parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito, sob orientação do Prof. Dr. Ruy de Jesus Marçal Carneiro.

MARÍLIA

2007

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Autora: Dinara de Arruda Oliveira

Título: Da ordem econômica constitucional à luz do princípio da dignidade da pessoa humana: um enfoque ao Art. 170 da Constituição Federal

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de

Marília, área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e

Mudança Social, sob a orientação do Prof. Dr. Ruy de Jesus Marçal Carneiro.

Aprovado pela Banca Examinadora em ____/____/______ _________________________________________ Prof. Dr. Ruy de Jesus Marçal Carneiro Orientador __________________________________________ Prof. Dr.Flávio Luis de Oliveira Membro __________________________________________ Prof. Dr. Lourival José de Oliveira Membro

3

Dedico este trabalho aos meus pais, que sempre me auxiliaram e me incentivaram a buscar meus sonhos. E, por terem me propiciado a melhor educação possível.

Ao Marcelo, companheiro que conheci nesta caminhada e, que foi antes de tudo um amigo e incentivador; pessoa que me auxiliou e apoiou nos momentos mais difíceis da concretização deste trabalho. Agradeço por seu amor, apoio, compreensão e paciência, durante todo o processo.

Às minhas irmãs, Danielli e Denise.

Aos amigos e a todas as pessoas que, de

alguma forma contribuíram para o

sucesso deste trabalho.

4

Agradeço, em primeiro lugar à Deus, que me deu a vida e me possibilitou realizar tantas coisas. À Nossa Senhora, que com seu amor de mãe, me iluminou nesta caminhada. Aos meus familiares, e ao Marcelo, pelo apoio incondicional. Agradeço a todos os professores do Curso de Mestrado e de forma especial ao Professor Ruy de Jesus Marçal Carneiro, meu orientador, que dedicou seu tempo a me ensinar e a sanar todas as minhas dúvidas, sempre com zelo, amizade e muito carinho. Agradeço, ainda, a todos os funcionários da UNIMAR, em especial à Regina, sempre atenciosa e muito prestativa. Agradeço a todos os meus amigos que me incentivaram a realizar este curso, especialmente às amigas, Dynair e Daniela, que muito me estimularam. Agradeço, também, aos colegas e amigos, conquistados no decorrer do curso de mestrado, em especial à Ana Carla (minha eterna companheira de quarto) e à Thais, pela força nos momentos finais. E, também, à Alexandra, Junio e Douglas. E, à Jucelma e Claudiane, que, ao cuidarem do escritório, em todas as minhas ausências, viabilizaram a realização deste sonho.

5

É necessário que com força, a questão moral, entendida como efetivo respeito à dignidade da vida de cada homem e, portanto, como superioridade deste valor em relação a qualquer razão política da organização da vida em comum, seja resposta ao centro do debate na doutrina e no Foro, como única indicação idônea a impedir a vitória de um direito sem justiça. (Pietro Perlingieri)

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DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL À LUZ DO PRINCÍPIO

DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: UM ENFOQUE AO ART. 170

DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Resumo:

O presente estudo tem como objetivo analisar a ordem econômica constitucional à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, enfatizando, em especial o exame do Art. 170 da Constituição Federal. Dessa forma, o trabalho analisará os princípios que regem a ordem econômica, previstos no referido artigo, verificando que seus incisos funcionam como limitadores da própria ordem econômica. O capítulo inicial tratar-se-á das relações entre Estado e Economia, passando-se por uma visão histórica de ambos os institutos, até se alcançar o conceito atualmente conhecido. Além disso, discorrer-se-á acerca da doutrina Liberal e do Estado Democrático de Direito. No capítulo subseqüente, tratar-se-á da Constituição como sistema, passando-se por uma análise do conceito de sistema, bem como de suas características. Analisar-se-á, também, os princípios, distinguindo-os de regra, que fazem parte do gênero norma, passando pelos princípios constitucionais, bem como pela interpretação. No terceiro capítulo, discorrer-se-á sobre a intervenção do Estado na ordem econômica como instrumento para o respeito à dignidade da pessoa humana, analisando-se todas as Constituições brasileiras, para se chegar à Constituição de 1988, ponderando-se, ai, sobre o Art. 170, em especial acerca da dignidade da pessoa humana como fundamento inspirador da ordem econômica constitucional. No último capítulo tratar-se-á do princípio maior que é o da dignidade da pessoa humana, que é, na realidade um metaprincípio, concluindo-se que o princípio da dignidade da pessoa humana funciona, efetivamente, como limitador da ordem econômica.

. Palavras-chave: Constituição. Ordem econômica constitucional. Intervenção. Dignidade da pessoa humana.

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DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL À LUZ DO PRINCÍPIO

DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: UM ENFOQUE AO ART. 170

DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Abstract:

It is important to the full democracy in a State that there is an economic organizarion properly regulated that can be efective to the fundamental garanties of the human being and this garanties are recognized by the Constitution. The Constitution of 1988, the Economic Law, in its context gives the north to be followed about the basic principles of economic law, trying to prime the social and establish rules and limits to the Economic Order in order to protect the human being and give it the opportunity of a worthy life, priming the labor, social justice, consumer protection, enviroment, reduction of region and social differences, limitating the property rights and asking from it a social function as the article 170 teaches. By the reading of article 170 of the Federal Constitution it can be verified the human´s being dignity defense is among the garanties that the Constitution wants to keep and part of the Economic Order limits, emerging as a principle to be respected by the juridical order of our contry such as the other principles established there. Keywords: Constitution. Human being dignity.

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LISTA DE ABREVIATURAS CF – Constituição Federal Art. – Artigo. Arts. – Artigos. Inc. – Inciso.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................12 1. RELAÇÃO ENTRE O ESTADO E ECONOMIA.................................................16 1.1 ASPECTOS CONCEITUAIS DO ESTADO...........................................................16 1.1.1 A concepção de Estado antes de 1500..................................................................17 1.1.2 A concepção de Estado pós 1500 e como se é concebido atualmente.................28

1.2 ELEMENTOS DO ESTADO...................................................................................53

1.2.1 Soberania................................................................................................................53

1.2.2 Povo........................................................................................................................56

1.2.3 Território................................................................................................................57

1.3 UM RESGATE NA VISÃO ECONÔMICA DA ANTIGÜIDADE........................57

1.4 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PENSAMENTO ECONÔMICO NA IDADE

MÉDIA E PERÍODO SUBSEQUENTE........................................................................60

1.5 A DOUTRINA LIBERAL E AS ESCOLAS DO PENSAMENTO

ECONÔMICO.................................................................................................................68

1.6 CARACTERÍSTICAS DO INTERVENCIONISMO SOCIAL DO ESTADO.......70

1.7 A NOÇÃO DE UM ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO..........................72

2. A CONSTITUIÇÃO COMO SISTEMA.................................................................75

2.1 CONCEITO DE SISTEMA......................................................................................75

2.2 FUNÇÃO................................................................................................................. 79

2.3 CLASSIFICAÇÃO DE SISTEMA...........................................................................80

2.3.1 Sistema Fechado....................................................................................................81

2.3.2 Sistema Aberto.......................................................................................................82

2.4 NORMAS: REGRAS E PRINCÍPIOS......................................................................84

2.4.1 Regras....................................................................................................................87

2.4.2 Princípios...............................................................................................................89

2.4.2.1 Princípios Constitucionais...................................................................................90

2.5 INTERPRETAÇÃO..................................................................................................94

2.6 CONFLITOS ENTRE PRINCÍPIOS?.......................................................................98

2.6.1 Proporcionalidade..................................................................................................99

10

2.6.2 Interpretação conforme a Constituição.................................................................106

2.7 A CONSTITUIÇÃO COMO SISTEMA.................................................................109

2.7.1 A constitucionalização da ordem econômica......................................................112

2.7.2 Uma conceituação de ordem econômica e financeira..........................................116

2.7.3 Modelos econômicos e seus reflexos na ordem econômica e financeira.............118

2.8 MODALIDADES DE CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA......................................119

3. A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA COMO

INSTRUMENTO PARA O RESPEITO À DIGNIDADE DA PESSOA

HUMANA.....................................................................................................................123

3.1 INTERVENÇÃO ESTATAL NA ORDEM ECONÔMICA BRASILEIRA: BREVE

ANÁLISE DAS CONSTITUIÇÕES QUE PRECEDERAM A ATUAL.....................128

3.2 A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988..................................................138

3.2.1 Os objetivos e fundamentos formadores da ordem econômica na Constituição da

República de 1988.........................................................................................................144

3.2.2 A intervenção na ordem econômica: análise do art. 170 da Constituição da

República.......................................................................................................................145

3.2.2.1 A dignidade da pessoa humana como fundamento inspirador da ordem

econômica constitucional..............................................................................................145

3.2.2.2 A valorização do trabalho humano...................................................................146

3.2.2.3 A livre iniciativa................................................................................................147

3.2.2.4 A Justiça social................................................................................................ 149

3.2.2.5 A soberania nacional.........................................................................................151

3.2.2.6 A propriedade privada.......................................................................................152

3.2.2.7 A função social da propriedade.........................................................................153

3.2.2.8 A livre concorrência......................................................................................... 155

3.2.2.9 A defesa do consumidor....................................................................................156

3.2.2.10 A defesa do meio ambiente.............................................................................159

3.2.2.11 A redução das desigualdades regionais e sociais.............................................160

3.2.1.12 A busca do pleno emprego..............................................................................161

3.2.2.13 O tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de

pequeno porte...............................................................................................................162

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4. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO

LIMITADOR DA ORDEM ECONÔMICA.............................................................164

4.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA................................................................164

4.1.1 Retrospectiva histórica.........................................................................................165

4.1.2 Conceito................................................................................................................174

4.1.3 Da dignidade da pessoa humana: tratados internacionais....................................180

4.2 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO FUNDAMENTO DA

REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL E DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE

DIREITO.......................................................................................................................191

6.3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO LIMITADOR DA

ORDEM ECONÔMICA................................................................................................195

CONCLUSÃO..............................................................................................................201

BIBLIOGRAFIA.........................................................................................................207

12

INTRODUÇÃO

A presente dissertação tem por objetivo defender o princípio da dignidade da

pessoa humana como um limitador de toda a Ordem Econômica, sendo tal fato

evidenciado em sua validade universal.

Parte-se, para tanto, de uma análise do Estado, verificando-se, inicialmente, a

formação dele próprio, com seu desenvolvimento no decorrer dos tempos. Demonstra-

se, ainda, que a evolução possibilitou a formação de modelos estatais voltados para o

social; para a garantia dos direitos individuais e coletivos, visando à dignidade de todos

os seres humanos.

Importante ressaltar, desde logo, que foi feito ao presente estudo, um corte

metodológico, para tratar, de forma mais apurada, de um dos princípios da ordem

econômica constitucional, que é o princípio da dignidade da pessoa humana, buscando

retratar alguns aspectos do referido princípio, em especial sua inclusão como

fundamento da República Federativa do Brasil e do Estado Democrático de Direito,

bem como no tocante a sua incorporação como referência dentro da Ordem Econômica

constitucional, servindo, portanto, de parâmetro para a mesma.

A presente temática, Da ordem econômica constitucional à luz do princípio da

dignidade humana:um enfoque ao Art. 170 da Constituição Federal, representa uma

importante linha de pesquisa cuja segmentação repousa nos limites doutrinários

constitucionais, inseridos no ordenamento jurídico brasileiro. Tentar-se-á entender, por

meio do trabalho proposto, se o princípio da dignidade da pessoa humana pode ser

considerado como um instrumento garantidor da intervenção econômica do Estado,

identificando, para tanto, as características intervencionistas da ordem econômica estatal

no âmbito em que se consideram as características do princípio mencionado. O método

utilizado foi o dedutivo, com utilização de pesquisa bibliográfica.

O móvel do trabalho encontra suas raízes na disciplina jurídica que estabelece a

dignidade da pessoa humana como um dos princípios da ordem econômica do Estado

brasileiro na Constituição da República de 1988, mais precisamente no Art. 170.

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Além do Art. 170, verificar-se-á que a dignidade da pessoa humana encontra

suporte em todo o Texto constitucional, sendo, inclusive, fundamento da própria

República Federativa do Brasil. Além disso, pode-se considerar o princípio da

dignidade da pessoa humana, como um metaprincípio; estes como modais deônticos,

dentro da Constituição Federal.

Acontece que a temática têm despertado certas indagações, principalmente no

que tange à elucidação dos mecanismos constitucionais que servem para assegurar a

intervenção do Estado na Economia, de forma primordial para garantir a dignidade da

pessoa humana. Nisso observa-se um necessário esclarecimento doutrinário de tais

características.

A par da supramencionada indagação sustenta-se ainda que o Texto

Constitucional esteja municiado de mecanismos geradores de efetividade que permitem

ao ente estatal intervir nas relações econômicas, visando a aplicação dos princípios

formadores da ordem econômica, em especial, do princípio da dignidade da pessoa

humana.

Dessa forma, sustenta-se que a presente linha de pesquisa estabelece uma

incontestável envergadura doutrinária por associar na temática constitucional às raízes

das normas infraconstitucionais, como uma notável previsão legislativa que possibilita

ao Estado brasileiro a prerrogativa de intervir na ordem econômica assegurando a

harmonia nas relações sociais.

Para responder às indagações formuladas, o presente trabalho irá,

primeiramente, procurar estabelecer as relações existentes entre o Estado e a Economia,

analisando os aspectos conceituais do Estado; vislumbrando a influência histórica na

construção de seu conceito (desde tempos imemorias, passando-se por sua concepção

antes e pós 1500). Analisa-se, também, os elementos do Estado (soberania, povo e

território), para melhor entendimento da temática proposta.

Faz-se um resgate na visão econômica da Antigüidade, procurando demonstrar

as idéias e perspectivas da época, fazendo-se um apanhado geral, acerca dos sistemas

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econômicos, situando-os na História. Passa-se, então, à análise do pensamento

econômico da Idade Média, levantando-se as questões religiosas existentes à época, em

face do domínio da Igreja Católica, que impunha seu pensamento em todas as áreas,

inclusive na Economia.

Traçando alguns aspectos da doutrina Liberal, procura-se vislumbrar o princípio

da livre iniciativa, ainda existente no ordenamento jurídico brasileiro, amparado pela

Constituição Federal, o qual é, nos dias atuais, balizado, por outros princípios previstos

na Lei Maior, destacando-se o principal, que é o da dignidade da pessoa humana.

Apresenta, ainda, as características do intervencionismo social, para finalmente chegar a

uma noção do Estado Democrático e Social de Direito.

Como não podia deixar de ser, faz-se uma pequena incursão pela noção de

sistema, apresentando-se uma conceituação, além de delimitar sua função e, ainda,

trazer a classificação em sistema aberto e fechado. O presente trabalho, também,

detém-se no estudo da interpretação constitucional, analisando o conflito entre

princípios, bem como, a aplicação do princípio da proporcionalidade e a interpretação

conforme a Constituição, encerrando referido tópico, com a verificação da Constituição

como um sistema.

Apresenta-se a constitucionalização da ordem econômica, delimitando suas

espécies, bem como, analisando as modalidades de Constituição econômica, além de

seus elementos formadores.

Para que a hipótese seja comprovada, faz-se uma incursão na intervenção

do Estado na Ordem Econômica, por intermédio de seus aspectos gerais e de um

retrospecto histórico, analisando-se todas as Constituições brasileiras, desde a Carta

Constitucional de 1824 à Carta de 1967, além da Emenda Constitucional nº1/69.

Registre-se, por importante, que a expressão “Carta” aqui retratada é aquele documento

máximo que é imposto a uma sociedade pela vontade de um tirano, imperador, ditador

etc., posto que entre a primeira e a última citadas aparecem as Constituições

verdadeiramente consagradas pela população nacional por meio da eleição dos seus

representantes soberanos, que se reuniam em nome daquela, constituindo as

Assembléias Nacionais Constituintes, como, por exemplo: a de 1891, 1934 e 1946, com

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exceção, naturalmente, da de 1937, a Carta de Vargas, no âmbito do Estado Novo, por

ele alcunhado.

Além disso, faz-se um estudo da atual Constituição da República Federativa do

Brasil, promulgada em outubro de 1988, analisando-se de maneira mais específica o

Art. 170, que se encontra inserido no Título VII, que traz o norte a ser seguido, em

relação aos princípios básicos do direito econômico. Outrossim, apresenta seus

objetivos, fundamentos e princípios. Verifica-se, ainda, se a dignidade da pessoa

humana é fundamento inspirador da ordem econômica, tornando-se vetor primordial da

mesma, bem como de todo o ordenamento jurídico.

Para que se constate a plenitude da Democracia em um Estado, faz-se necessário

a existência de uma organização econômica, devidamente regulamentada, que possa dar

efetividade às garantias fundamentais do ser humano, garantias estas reconhecidas pela

própria Constituição. Em face disso, o Poder Constituinte de 1988 incorporou a Ordem

Econômica como preceito a ser regido pela Lei Maior, introduzindo-a em capítulo

próprio. E, da mesma forma, incorporou a dignidade da pessoa humana, como elemento

fundante de toda a ordem jurídica nacional.

A dignidade da pessoa humana é retratada de forma a se verificar e efetuar,

inicialmente, um retrospecto histórico, passando pelos tratados internacionais, para que

se delimite seu conceito. Passa-se a averiguar, ainda, a dignidade da pessoa humana

como fundamento da própria República Federativa do Brasil, analisando-se a

Constituição como um todo.

Por fim, investiga-se a principal hipótese levantada, para se analisar, a fundo, se

o princípio da dignidade da pessoa humana realmente funciona como limitador da

Ordem Econômica brasileira.

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1. RELAÇÕES ENTRE O ESTADO E ECONOMIA Inicia-se o primeiro capítulo do presente trabalho tratando das relações

existentes entre o Estado e a Economia, para que se dê embasamento teórico ao tema

proposto no trabalho, qual seja, de demonstrar por um enfoque ao Art. 170 da

Constituição Federal que o princípio da dignidade da pessoa humana deve funcionar

como limitador da ordem econômica.

Tal fato torna-se imprescindível em decorrência da necessidade de um aporte

acerca do conceito de Estado, bem como dos sistemas econômicos e a relação existente

entre ambos, para que se verifique se o modelo de Estado existente no Brasil suporta, de

forma satisfatória, a meta de se obter a plenitude da dignidade da pessoa humana. Mas,

para isso, faz-se necessária uma incursão na História da humanidade, até os dias atuais,

em face de que, o momento em que hoje se encontra o Brasil, é resultado de um

construído de conceitos, idéias e valores, trazidos do seio da sociedade e que foram

adquiridos no decorrer de sua história.

1.1 ASPECTOS CONCEITUAIS DO ESTADO

Para que se possa dar a conceituação de Estado, importante se faz que se apresente

a concepção deste antes de 1500 (que marca o fim da Idade Média, também conhecida

com Idade das Trevas), bem como sua concepção após aquele ano, chegando-se,

posteriormente ao seu entendimento atual, já que:

O Estado não existiu eternamente. Houve sociedades que passaram sem ele, que não tinham a menor idéia do Estado ou de seu poder. Num determinado estágio de desenvolvimento econômico que estava necessariamente ligado à divisão da sociedade em classes, o Estado, em virtude dessa divisão, tornou-se uma necessidade. 1

1 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado, Trad.: Ciro Mioranza, São Paulo: Escala, 2006, p.185.

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Passa-se, portanto à construção histórica, bem como à análise, do conceito de Estado,

apresentando-se alguns filósofos que contribuíram para a formação da concepção que se

conhece hoje. Importante frisar, todavia, que não se pretende trazer, neste trabalho todos os

filósofos conhecidos da humanidade, mas apenas e tão somente ilustrar o caminhar da

História, por intermédio do pensamento de alguns filósofos, até a formação do que se entende,

atualmente, como Estado. Ressalta-se, também, que não se esgotará, neste todas as

informações e características da cada filósofo apresentado, o que resultaria, por si só, em um

novo trabalho, pincelando, somente, alguns pontos importantes para o desenvolvimento deste,

em face do corte metodológico eleito.

Apresentar-se-á, também, o pensamento de juristas, os quais ajudaram a moldar o

conceito de Estado, bem como definiram suas funções e elementos.

1.1.1 A Concepção do Estado antes de 1500

A concepção do Estado antes do término da Idade Média e início do período das

navegações e das grandes conquistas (em especial para Portugal e Espanha), não deve ser

vislumbrada apenas na era cristã, devendo-se, de outra forma, ser analisada em face dos

grandes filósofos e pensadores da Antiguidade, em especial dos pensadores gregos. E, um dos

grandes representantes dessa época é Sócrates (por volta de 470/69-399 a.C.), que já tinha

uma concepção a respeito do Estado. Percebe-se que, na época ora tratada, o conceito de

Estado se confunde, na maioria das vezes, como o de governo e, vice-versa. Aliás, foi a

filosofia grega que trouxe uma teoria racional de Estado, tendo sido os gregos os primeiros

cultivadores desse pensamento. 2

Friedrich Engels, na obra “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”,

remonta a tempos pré-históricos da civilização, para explicar, em primeiro lugar, como se

originou a família e, como dela surgiu o Estado. Passa pelo estado selvagem, pela barbárie e,

posteriormente, pelo início da civilização, para demonstrar o desenvolvimento e

aprimoramento humano, em todos os aspectos, inclusive nas ligações afetivas. Faz um

retrospecto histórico, passando por várias fases da evolução da humanidade, referente ao 2 CASSIRER, Ernst. El mito del Estado. Coleción popular 90, Trad.: Eduardo Nicol, 2. ed., Mexico: Fondo de Cultura Económica, 1968, p. 64.

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desenvolvimento e avanço da “família”, até chegar à gens grega e, posteriormente, à gênese

do Estado Ateniense, apontando que:

Nos tempos pré-históricos já os gregos e outros povos de tribos aparentadas, estavam constituídas em séries orgânicas idênticas à dos índios americanos: gens, fatria, tribo, confederação de tribos. [...] Em resumo, a riqueza passou a ser valorizada e respeitada como bem supremo e as antigas instituições da gens foram pervertidas para justificar a obtenção de riquezas pelo roubo e pela violência. Só faltava uma coisa: uma instituição que não só protegesse as novas riquezas individuais contra as tradições comunistas de constituição gentílica, que não só consagrasse a propriedade privada, antes tão pouco estimada, e declarasse essa consagração como a finalidade mais elevada da comunidade humana, mas também imprimisse o selo do reconhecimento da sociedade às novas formas de aquisição da propriedade, que se desenvolviam umas sobre as outras e, portanto, a acumulação cada vez mais acelerada das riquezas; uma instituição que não só perpetuasse a nascente divisão da sociedade em classes, mas também o direito de a classe possuidora explorar aquela que pouco ou nada possuía e a dominação da primeira sobre a segunda. E essa instituição nasceu. Foi inventado o Estado. Em nenhum lugar melhor que na antiga Atenas, pode-se observar como o Estado se desenvolveu, pelo menos na primeira fase de sua evolução [...]3 (grifo do autor).

Sócrates, apesar do governo de Atenas ter sido uma das primeiras democracias

conhecidas no mundo, não a reconhecia como a melhor forma de governo, já que entendia que

o Estado estaria melhor se fosse governado apenas por uma pessoa, que deveria ser sábia, já

que este filósofo denominava governante, como “aquele que sabe”. Importante frisar também,

que, para ele, só se poderia dizer o que é lícito, se soubesse o que é justo, já que, como citado

por Platão, na obra “A República”, ele assim se manifesta: “Adiemos então, a discussão a

respeito do que é lícito dizer sobre os homens, até que tenhamos concluído o que é a Justiça,

se é útil a quem a pratica, quer este pareça justo, quer não.” 4

Com relação, ao Estado, faz-se necessária a transcrição de um trecho da Obra “A

República de Platão”, onde Adiamanto, discípulo de Sócrates, em uma discussão com este,

afirma que: Sem nenhuma dúvida, o desprezo das leis insinua-se aí de maneira tão fácil que as

pessoas acabam não se dando conta. Sócrates, em contrapartida, concorda com seu aluno,

tendo, ainda, acrescentado que o desrespeito se dá na forma de jogos, como se tal fato não

ocasionasse nenhum mal. Adiamanto, ato contínuo, concordou com as palavras de seu mestre,

tendo afirmado:

3 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado, Trad.: Ciro Mioranza, São Paulo: Escala, 2006, p.107/117. 4 SÓCRATES, apud PLATÃO. A República de Platão. Trad.: Ana Paula Pessoa, São Paulo: Sapienza, 2005, p. 97.

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A princípio, não faz senão introduzir-se pouco a pouco e infiltrar-se suavemente nos usos e costumes, daí, sai mais forte e passa às relações sociais; em seguida, das relações sociais marcha sobre as leis e as constituições com muita insolência, Sócrates, até que finalmente, haja consumado a ruína total dos cidadãos e do Estado. [...] Sócrates: Eu não creio que, numa cidade mal ou bem governada, o verdadeiro legislador devesse se preocupar com este tipo de leis: no primeiro caso, porque são inúteis e de nenhum efeito; no segundo, porque qualquer pessoa descobrirá uma parte e a outra derivará das instituições já estabelecidas. [...] A moderação não atua assim: espalhada no conjunto do Estado, põe em uníssono da oitava os mais fracos, os mais fortes e os intermédios, sob a relação da sabedoria, se quiseres, da força, se também quiseres, do número, das riquezas ou de qualquer outra coisa semelhante.5 (grifo do autor).

Sócrates entendia que existiam tantas formas de governo, quanto havia espécies de

almas, já que, dentre elas, se entre os magistrados há um homem que se sobrepõe aos outros,

esta forma é chamada de Monarquia; e, se de outra forma, a autoridade é compartilhada por

vários homens, chama-se de Aristocracia. Todavia, afirmava este filósofo que havia uma

única espécie de constituição, tendo em vista que quer o mando esteja nas mãos de um só

homem, quer nas de vários, isto não altera, em regra, as leis fundamentais da cidade.

Veja-se, a preocupação de Sócrates e, de seu discípulo com o desprezo das leis, já

naquela época, tendo em vista que a norma, em seu entendimento, se não for obedecida acaba

por causar a ruína dos homens e do próprio Estado. E, que somente com a educação seria

possível a total obediência às leis, tornando-as efetivas.

Ainda, seguindo os ensinamentos de Sócrates, tem-se, acerca da forma de governo,

que:

Reputo, pois, uma tal forma de governo boa e correta, tanto para a cidade como para o homem, e julgo as outras más e defeituosas, se aquela for correta, quer objetivem a administração das cidades, quer a organização do caráter no indivíduo. Estas formas de governo são representativas de quatro modalidades de vícios. [...] Em minha opinião, aquele que mata alguém acidentalmente comete um crime menor do que aquele que induz alguém a erro a respeito de belas, boas e justas leis. Além do mais, é preferível correr esse risco entre inimigos do que entre amigo!6

Sócrates demonstra, na seqüência, a sua inclinação, no sentido de que o governo deve

ficar a cargo daqueles que possuem, não só conhecimento, como também a experiência,

obtida empiricamente, em detrimento daqueles que se limitam apenas à especulação.

5 SÓCRATES, apud PLATÃO. A República de Platão. Trad.: Ana Paula Pessoa, São Paulo: Sapienza, 2005, p. 139. 6 Idem, p. 173.

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Sócrates entendia que na Democracia, o povo era a classe mais numerosa e a mais

poderosa, quando unida. E, o povo tem o costume de por à sua frente um homem, cujo poder

alimenta e engrandece. Surge, portanto, o tirano, cuja raiz se encontra no protetor, como um

lobo que, na pelo de um cordeiro, simula-se preocupado com os que se encontram a sua volta

e, “[...] nos primeiros dias, sorri e acolhe bem todos os que encontra, declara que não é um

tirano, promete muito em particular e em público, adia dívidas, distribui terras pelo povo e

pelos seus prediletos e finge ser bom e amável para com todos.” 7 Todavia, após se sentir

tranqüilo e confiante, incita a guerra, para que o povo tenha necessidade de um chefe.

Os ensinamentos deixados por Sócrates são inúmeros, todavia não há como, neste

estudo, esgotar referidos ensinamentos, até porque não é este o objeto desta pesquisa.

Dando seqüência, ao estudo do Estado, em face dos pensamentos filosóficos da

História, tem-se o sucessor e, discípulo, de Sócrates, Platão (aproximadamente 428/7-348/7

a.C.), sendo que, como seu grande mestre, também questionava a República e, pregava que o

sábio deveria governar, pois entendia que a Justiça depende do saber. Na sua obra “A

República”, ele expõe suas idéias políticas, bem como as filosóficas, além de outros

conceitos, como Justiça, trazendo a tona os ensinamentos de seu grande mestre, o qual teve

suas obras compiladas pelo próprio Platão.

Platão, assim como seu mestre, pregava a Justiça, entendendo que esta pertencia à

classe dos maiores bens, devendo ser perquiridos não só pelas suas conseqüências, mas, de

forma mais incisiva, por eles mesmos.

Platão iniciou seus estudos da ordem social com uma definição e uma análise do conceito de justiça. O Estado não tem outro fim, ou um fim mais elevado, do que ser administrador da justiça. Mas, na linguagem de Platão, o termo justiça não significa o mesmo que na linguagem comum. Tem um significado muito mais profundo. [...] É um princípio geral de ordem, regularidade, unidade e legalidade.8

7SÓCRATES, apud PLATÃO. A República de Platão. Trad.: Ana Paula Pessoa, São Paulo: Sapienza, 2005 , p. 324/327. 8 CASSIRER, Ernst. El mito del Estado. Coleción popular 90, trad.: Eduardo Nicol, 2. ed., Mexico: Fondo de Cultura Económica, 1968, p. 82. (tradução nossa). Platón inició su estudio del orden social com una definición y un análisis del concepto de justicia. El estado no tiene otro fin, o un fin más alto, que el de ser administrador de la justicia. Pero en el lenguaje de Platón ele término justicia no significa lo mismo que en el habra común. Tiene una significación mucho más profunda y compreensiva. [...] Es un princípio general de orden, regularidad, unidad y legalidad.

21

Além disso, Platão buscava não um Estado melhor (diferentemente de outros

filósofos), mas sim um Estado ideal, o qual estaria embasado nos princípios de Justiça. Até

porque, para ele, o Estado teria por finalidade a obtenção da justiça. E, Platão não podia

substituir simplesmente um sistema político ou forma de governo por outro novo e melhor.

Necessitava, desse modo, introduzir um novo modelo e um novo postulado ao pensamento

político. Platão entendia, assim, que os governantes deveriam governar de forma a perseguir

a justiça, utilizando-a como mola propulsora para a construção do Estado.

Ernst Cassirer lembra que, Platão, em sua juventude, pretendia fazer parte da estrutura

do Estado ateniense, tendo, todavia, abandonado tal pretensão quando se tornou discípulo de

Sócrates, passando a ser um estudioso voraz da dialética. Mas, foi a própria dialética que o

levou novamente à Política, pois Platão percebeu que o conhecimento que Sócrates exigia não

se podia conseguir enquanto o homem permanecesse cego acerca da questão principal e

enquanto não penetrasse efetivamente no alcance da vida política, pois a alma do indivíduo

está sujeita à natureza social, não tendo como separar uma da outra. Sendo interdependentes,

se a vida pública é corrupta, a vida privada não tem como se desenvolver e nem alcançar seus

fins. Platão, em sua obra “República” inseriu uma descrição dos perigos aos quais se expõe

um indivíduo dentro de um Estado injusto e corrompido. Ainda, Ernst Cassirer, ao pinçar

trechos da “República” traz que:

Sabemos que toda semente ou toda coisa que cresça, seja animal ou planta, quando não encontra alimento, ou clima, ou terreno apropriados, sofre tanto mais por estas privações quanto mais vigorosas sejam. O mal é pior inimigo dos bons do que dos maus. [...] O mesmo ocorre, pois, com essa natureza que temos assinalado ao filósofo, o qual, quando recebe a educação apropriada, chega necessariamente a produzir todos os frutos da virtude, porém se, pelo contrário, a planta é semeada e cresce em terra ruim, então produz, necessariamente, todos os vícios, a menos que seja salva pela intervenção divina. Esta foi a idéia fundamental que conduziu Platão, desde seus primeiros estudos da dialética, ao estudo da política. Não podemos proceder a uma reforma da filosofia sem nos empenharmos em reformar o Estado. Se desejarmos trocar a vida ética dos homens, este é o único caminho. O primeiro problema é o mais urgente, que é encontrar a verdadeira ordem política. 9

9 CASSIRER, Ernst. El mito del Estado. Coleción popular 90, trad.: Eduardo Nicol, 2. ed., Mexico: Fondo de Cultura Económica, 1968, p. 75-76 (tradução nossa). Sabemos que toda simiente o toda cosa que crezça sea animal o planta, cuando no encuentra alimento, o clima, o terreno apropiados, sufre tanto más por esta privaciones cuanto más vigorosa sea. El mal es peor enemigo de los buenos que de los no buenos. [...] Lo mismo ocurre, pues, con esa naturaleza que le hemos asignado al filósofo, el cual, cuando recibe la enseñanza apropiada, llega necesariamente a producir todos los frutos de virtud, pero si, por el contrario, la planta se siembra y arraiga y crece en mala tierra, entonces, produce necessariamente todos los vícios, a menos que la salve la intervención de los dioces. Esta fué la idea fundamental que condujo a Platón, desde sus primeros estudios de dialéctica, al studio de la política. No podemos proceder a una reforma de la filosofia si no empezamos reformando el estado... Si deseamos cambiar la vida ética de los hombres, este es el único camino. El primer problema y el más urgente es encontrar el verdadero orden político.

22

É perceptível que Platão preocupa-se com a necessidade de conjugação da ética com o

próprio Estado, entendendo que tudo passa pelo Estado, sendo que se este contiver vícios vai

viciar todo o resto. Verifica-se, pois, a importância do Estado para a construção de uma

sociedade mais justa e, portanto, com mais dignidade.

Ao concluir o pensamento de Platão, Ernst Cassirer aponta que, para aquele filósofo, a

manutenção do Estado não pode assegurar seu êxito material, nem pode de outra forma,

garantir a sustentação de certas leis, sendo que, ainda, as leis (escritas ou não) precisam estar

arraigadas na mente do povo, para que possam vincular, já que sem esse apoio popular e,

moral, a força do próprio Estado pode ficar em perigo.

Na seqüência, tem-se Aristóteles (aproximadamente 384-322 a.C.), outro grande

filósofo grego, cujos pensamentos sempre estiveram muito voltados para com a Ética, sendo o

autor de “Ética a Nicômaco” (onde trata dos tipos de busca da felicidade pelo homem) e

“Política”, entre outros textos. Para o mesmo, a Ciência Política deveria estar embasada na

prática, devendo esta prática ser realizada com ética, já que, para ele, o homem bom é aquele

que está bem preparado para governar, pois “[...] o bom governante é um homem bom e

sensato, e que aquele que quiser ser um estadista deverá ser um homem sensato.” 10

Dentro da obra “Política”, Aristóteles discorre acerca do que a Ciência Política deveria

estudar, conforme trazido por Mendo Castro Henriques, em introdução e comentário à

referida obra:

I. A ciência política deveria estudar (1) o Estado ideal, (2) aquelas Cidades que podem ser melhores obtidas sob circunstâncias especiais, e até mesmo (3) aquelas que são essencialmente ruins. O estadista deve, algumas vezes, ser capaz de tirar o melhor de uma constituição ruim.11

Veja-se a preocupação, que sempre foi constante, da necessidade de um Estado

voltado para a busca de um ideal, de um Estado voltado para as necessidades da sociedade

que o formam, o que demonstra desde cedo, a preocupação social, na qual se encontra

presente a própria dignidade da pessoa humana, já que impossível conseguir a efetividade do

bem comum sem se preocupar com a dignidade do indivíduo.

10 ARISTÓTES, Política. trad.: Pedro Constantin Toles, São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 118. 11 HENRIQUES, Mendo Castro. Introdução Aristóteles, in ARISTÓTES, Política. trad.: Pedro Constantin Toles, São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 41.

23

Aristóteles trata de um Estado ideal, no qual “[...] a idéia de um Estado constitucional

implica que seus cidadãos são considerados iguais por natureza. Não obstante é preciso

distinguir os que comandam de seus comandados [...]” 12 E, além disso, para este filósofo, o

melhor regime político seria aquele em que o grupo governante mostrasse a excelência

humana, em especial, as virtudes éticas, tendo em vista que o homem atinge a real felicidade,

por intermédio da virtude, sendo que referidas virtudes só poderão ser realizadas na esfera da

sociedade política. Assim, o Estado deve se preocupar com a virtude e, conseqüentemente,

com a felicidade de cada indivíduo. E, para a felicidade plena, o indivíduo tem que ter

garantida a plenitude de sua dignidade. Lembrando-se que havia à época distinção entre

homem livre e escravo, entre homem e mulher etc., sendo considerados cidadãos apenas uma

pequena parcela da sociedade, portanto, apenas essa pequena parcela possuía direitos e,

podendo, assim, galgar a plenitude de sua dignidade.

O método utilizado por Aristóteles é empírico, baseado, portanto, na experiência. Na

obra “Política”, o que se propõe “[...] é oferecer uma análise descritiva das várias formas de

Constituição. Mas, precisamente porque é um observador empírico, encontra que é impossível

negar a fundamental desigualdade entre os homens.” 13

Para este filósofo, os homens são desiguais, tanto em caráter, quanto em seus dons

naturais, do qual se verifica a necessidade da escravatura, pois segundo Aristóteles, nem todos

os homens de uma sociedade são considerados cidadãos, não fazendo parte, portanto, de

forma efetiva, da sociedade da época, determinando-se a existência, para ele, de escravos

natos, em face de que “[...] um cidadão é definido como aqueles cujos pais são cidadãos;” 14 e

somente os cidadãos poderão ser considerados como iguais. Havendo escravos natos, pode-se

dizer que há muitos homens incapazes de governarem a si mesmos, não podendo, portanto,

serem membros do Estado. Carecem, pois, de direitos e responsabilidades próprias e devem

estar, sempre, ao comando de seus superiores. Para Aristóteles, a abolição da escravatura não

é um ideal político e ético, mas uma mera ilusão, sendo que acreditava que os homens não são

naturalmente iguais, mas que uns nascem para a escravidão e outros para a dominação,

12 ARISTÓTES, Política. trad.: Pedro Constantin Toles, São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 74. 13 CASSIRER, Ernst. El mito del Estado. Coleción popular 90, trad.: Eduardo Nicol, 2. ed., Mexico: Fondo de Cultura Económica, 1968, p. 119. (tradução nossa). [...] es ofrecer un análisis descriptivo de la varias formas de constitución. Pero, precisamene porque es un observador empírico, encuentra que es impossible negar la fundamental desigualdad entre los hombres.13 (grifo do autor). 14 ARISTÓTES, Política. Trad.: Pedro Constantin Toles, São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 115.

24

verificando-se, portanto, a importância de se ter governantes éticos e preocupados com o bem

comum.

Sete séculos mais tarde, Santo Agostinho retoma o pensamento de Platão. A cultura

medieval, todavia, não foi o resultado imediato do pensamento grego. Com o nascimento do

Cristianismo surgiu uma força superior que, a partir de então, absorveu todo o interesse

prático e teórico. O Estado ideal de Platão estaria além do tempo e do espaço; não teria,

assim, um aqui e agora. As idéias do filósofo grego, na doutrina de Santo Agostinho, passam

a ter pensamentos de Deus, sendo que em conformidade com essa transformação, todos os

conceitos da filosofia grega teriam que passar por uma mudança radical. Com essa

metamorfose, nem sequer o Estado ideal, descrito por Platão, seria um porto seguro para

Santo Agostinho, já que o Estado, ainda que perfeito não tem como satisfazer os desejos

humanos, posto que o único repouso verdadeiro, para o ser humano, é o repouso em Deus.

Ainda sobre a Idade Média, pode-se dizer que a República de Platão foi considerada

sempre como uma utopia política, ainda que fosse o modelo clássico de pensamento político,

já que tinha pouco ou nada a ver com a vida política; a vida real. Todavia, averiguando-se a

vida pública e social da Idade Média, essa idéia teria que ser abandonada, tendo em vista que

o pensamento de Platão do Estado legal mostrou-se, nesse período, possuir uma força real e

ativa, a qual influenciou tanto os pensamentos dos homens, como suas ações. A idéia de que o

foco principal do Estado é a Justiça foi incorporada pela teoria política medieval, tendo sido

aceita por todos os pensadores da época, tendo penetrado em todas as formas da civilização da

Idade Média. Platão, tendo sido citado por Santo Agostinho, afirmava que a Justiça é o

fundamento do Direito e da sociedade organizada, sendo que onde não há Justiça não há

comunidade. E, para haver plenitude da Justiça, necessário se faz a promoção do bem estar

social, e, conseqüentemente, garantir-se a dignidade da pessoa humana.

Apesar desse ponto de toque entre a Teoria Medieval e a Clássica, há da mesma

forma, diferenças substanciais, não somente em um viés teórico, mas também, com

conseqüências práticas. Em conformidade com os princípios basilares, o período medieval

não podia conceber uma Justiça abstrata e impessoal, já que na religião monoteísta

(lembrando que a Igreja Católica dominava à época) a lei tem que sempre se referir a uma

fonte pessoal e sem um legislador não pode haver nenhuma lei. E, em face da Justiça não

poder ser considerada algo puramente convencional; acidental, o legislador tinha que estar

25

acima de toda a força humana. A vontade que se manifesta na Justiça é uma vontade sobre-

humana. Ora, a idéia de bem de Platão não requeria nenhuma autoridade sobre-humana, pois

para esse filósofo cada idéia existe e subsiste por ela mesma, tendo uma validez objetiva e

subjetiva. Esse princípio, todavia, não podia ser aceito por Santo Agostinho ou pelos dogmas

da época, porque para aplicar as idéias de Platão fazia-se necessário converte-las aos

pensamentos de Deus, redefinindo-as e adequando-as, portanto. Tudo deve submeter-se a um

poder mais alto, sendo que no pensamento cristão só existe a lei divina, devendo as pessoas, a

natureza e todas as leis humanas curvarem-se diante dela. Não podendo ser diferente com o

próprio Estado, que deveria, também, se curvar às leis de Deus. Esse reflexo ocasionou uma

procura, ainda que tímida, pela dignidade da pessoa humana, posto ser o homem, filho de

Deus, criado à semelhança d’Ele, motivo pelo qual, deveria se resguardar a dignidade do

homem.

Santo Agostinho, em uma de suas obras, afirmou que Deus fez o homem senhor dos

animais, mas não senhor de outros homens, não lhe dando poderes sobre as almas humanas.

Assim, pode-se concluir que a autoridade política não pode jamais ser absoluta, estando

sempre subordinada às leis da Justiça. E, essas leis são sempre invioláveis e irrevogáveis, pois

exprimem a vontade do legislador supremo (Deus). No pensamento medieval nem mesmo os

reis estavam isentos de se submeter a essa lei, sendo que o princípio divino dos reis estava

sempre submetido a certas limitações fundamentais.15 E, um dos limites que se destaca é a

própria dignidade da pessoa humana, já que o pensamento da Igreja estava voltado, de alguma

forma, para o ser humano, por este ser filho de Deus, possuindo, portanto, uma parcela do

divino e, o divino deveria sempre prevalecer sobre o mundano; sobre o mundo terreno. Assim,

a Igreja impedia que atrocidades fossem cometidas pelos soberanos contra os homens

comuns, limitando, assim, a própria soberania.

Sete séculos após Santo Agostinho, Gregório VII continuava repetindo a mesma tese.

Salientava que o Estado era obra do diabo, sendo, portanto, pecado. De qualquer forma, até

essa teoria radical deveria fazer algumas concessões ao Estado terreno. Deveria reconhecer

que a ordem política possui, ao menos, um valor condicional (já que exerce, ainda que de

forma limitada, uma função indispensável). É certo que não tem a capacidade de levar até o

15 CASSIRER, Ernst. El mito del Estado. Coleción popular 90, trad.: Eduardo Nicol, 2. ed., Mexico: Fondo de Cultura Económica, 1968, p. 125.

26

caminho verdadeiro, mas evita que os homens padeçam de algo pior: a anarquia. O problema

do Estado encontra-se arraigado como o pecado original, sendo profundo e incurável, todavia

não é algo absoluto, mas relativo. Ao comparar o Estado com a suprema e absoluta verdade

religiosa, verifica-se que o primeiro está muito abaixo da referida vontade religiosa (que

pretende representar a vontade de Deus), todavia verifica-se a sua necessidade em face dos

homens, os quais se não fosse o Estado estariam no mais completo caos. Em um mundo

corrompido e desorganizado, o Estado terreno é o único modo de se tentar manter o

equilíbrio.

São Tomás de Aquino jamais duvidou dos dogmas e ensinamentos da Igreja Católica,

entretanto encontrou um novo mestre e uma nova autoridade. Para ele, assim como para

Dante, Aristóteles era o mestre do conhecimento. E, São Tomás de Aquino desejava não

somente acreditar, mas, da mesma forma, conhecer. Para ele, não há contradição entre esses

dois desejos, sendo que além de compatíveis, um complementa o outro, já que a razão e a

revelação são duas expressões distintas da mesma verdade, a verdade de Deus, não havendo,

entre elas, desacordo algum. Não cabe confusão alguma entre o reino da natureza e o divino;

tendo cada um seus próprios objetos e direitos. Alberto Magno elaborou sua própria teoria

acerca da natureza, tendo São Tomás de Aquino seguido os mesmos passos, entendendo que

Deus é o criador de todas as coisas, sendo que se deve sempre referir a Ele como causa

primeira e principal. 16

O mundo moral tem o mesmo tipo de estrutura do mundo físico. Deus não só é o

criador do mundo físico, como também é o legislador; a origem da lei moral. Como seguidor

de Aristóteles, São Tomás de Aquino teria que derivar a ordem social de um princípio

empírico e não transcendental, no sentido de ser algo que está além da capacidade humana. O

Estado se origina do instinto social do homem, sendo que o instinto social é o mesmo para os

homens e os animais, todavia, nos homens, adquire uma nova forma, um novo molde, não

sendo somente um produto natural, mas, também, racional, dependendo de uma atividade

livre e consciente. É claro que Deus continua sendo a causa do Estado, mas uma causa um

pouco mais distante. O homem, por intermédio de seu próprio esforço, deve construir uma

ordem de Direito e de Justiça, sendo que sua liberdade é demonstrada nessa organização do

16 CASSIRER, Ernst. El mito del Estado. Coleción popular 90, trad.: Eduardo Nicol, 2. ed., Mexico: Fondo de Cultura Económica, 1968, p. 133/135.

27

mundo moral e do próprio Estado. São Tomás de Aquino está convencido de que o supremo

bem (tratado pelos gregos) não pode ser alcançado somente pela razão; havendo necessidade

da visão mística de Deus. Porém, é o homem que tem que iniciar a obra e preparar-se para o

evento. O Direito divino não anula o Direito humano, que se origina da razão, mas, ao

contrário, eles acabam se complementando. Assim, o homem não perdeu seu livre arbítrio de

trabalhar e preparar sua própria salvação. Nesta concepção, a vida política do homem cobra

uma nova dignidade. O Estado terreno e o divino não são mais dois pólos opostos, se

relacionam um com outro e se complementam, visando atingir algo essencial para o homem;

sua dignidade.

Não se pode esquecer, com certeza, é da influência romana na construção do Estado,

sendo que se percebe até os dias atuais a herança deixada pelos romanos. Os romanos

conquistaram todo o mundo conhecido à época, tendo, portanto, levado seus pensamentos a

todos os povos. Os romanos influenciaram, e muito, a sociedade, tendo contribuído com a raiz

do Direito moderno, bem como com a noção de Estado, como dito acima, além é, claro, do

alicerce da República e do Senado.

Friedrich Engels, na já citada obra “A origem da família, da propriedade privada e do

Estado”, ao tratar da gens e o Estado em Roma, diz que:

É fato conhecido o de que a gens romana era uma instituição igual à grega. Se a gens grega era uma forma desenvolvida da unidade social, cuja forma primitiva pôde ser observada entre os peles-vermelhas americanos, o mesmo pode ser dito, da gens romana. [...] Assim, ao povo romano só podia pertencer quem fosse membro de uma gens e, em decorrência, de uma cúria e de uma tribo. [...] a população da cidade de Roma e do território romano, ampliado pelas conquistas, ia crescendo, em parte por causa da imigração, em parte pela integração de habitantes das regiões submetidas, na maioria, povos latinos. Todos esses novos súditos do Estado [...] viviam fora das antigas gens, cúrias e tribos e, por conseguinte, não faziam parte do populus romanus, do povo romano propriamente dito. [...] Formavam a plebe, excluída de todos os direitos políticos. [...] A nova constituição atribuída ao rex Sérvio Túlio, é baseada em modelos gregos, sobretudo em Sólon. Ela criou uma nova Assembléia do povo, na qual eram admitidos ou não, sem distinção, os indivíduos do populus e da plebe, segundo tivessem ou não prestado o serviço militar. [...] Por essa nova assembléia transitaram todos os direitos políticos da assembléia anterior das cúrias. [...] Assim foi destruída em Roma, antes da supressão do cargo de rex, a antiga ordem social fundamentada nos vínculos de sangue. Uma nova organização a substituiu. [...] Dentro dessa nova constituição, segue seus passos toda a história da república romana, com suas lutas entre patrícios e plebeus pelo acesso aos cargos públicos, pela participação na distribuição das terras do Estado, até a dissolução final da

28

nobreza patrícia na nova classe dos grandes proprietários de dinheiro e de terras.17 (grifo do autor).

A ruína do Império romano deu-se em 1453, com a queda de Constantinopla, que era o

último baluarte do império. E, “com a queda de Constantinopla, tem fim a Idade Média,

começando o Renascimento, impulsionado com a fuga dos sábios gregos para o Ocidente.” 18

É claro que o conceito de Estado que existe hoje em muito se difere daquele utilizado

anteriormente, mas que serviu como base para a concepção atual, sendo que se deve levar em

conta a evolução da humanidade, em especial no campo organizacional e jurídico, até para

que se possa entender a própria dignidade da pessoa humana, no conceito em que hoje ela se

apresenta, em decorrência de sua evolução na sociedade, resultado do desenvolvimento,

também, do Estado, por ser este formado, dentre outros elementos, da carga valorativa

extraída da sociedade como um todo.

1.1.2 A Concepção do Estado pós 1500 e como é concebido atualmente

Para se falar da concepção de Estado é imperioso, primeiramente, que se tragam as

idéias de grandes estudiosos (ressaltando-se que não se pretende, no presente trabalho, tratar

de todos os pensadores, mas apenas de alguns selecionados para ilustrar a evolução acerca do

conceito e entendimento do termo Estado), sendo que se pode colocar (por ordem cronológica

e não de importância), em primeiro lugar, Nicolau Maquiavel (1469-1527 d.C), filósofo,

escritor e político italiano, o qual, apesar de ter nascido antes de 1500 deve fazer parte desta

era, tendo em vista que suas obras foram escritas quando este se encontrava no exílio, que

aconteceu após 1500, destacando-se entre elas, “O Príncipe”, que revolucionou o conceito de

Política, conhecido até aquele momento, preocupando-se não com o ideal de como se deve

viver e governar (como pensavam os filósofos gregos), mas sim acerca das condições na qual

se vive. Preocupou-se com a criação do melhor regime político possível à época, para que as

condições em que se viviam (real) pudessem se aproximar, ao máximo, das condições em que

se deveria viver (ideal). Mas, a obra que foi um marco divisor nas idéias e pensamentos

17 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado, Trad.: Ciro Mioranza, São Paulo: Escala, 2006, p.135/139. 18 CRETELLA JÚNIOR, J. Curso de Direito Romano: O Direito Romano e o Direito Civil brasileiro. 13. ed., rev. e aum., Rio de Janeiro: Forense, 1991, XVII.

29

acerca do Estado foi realmente “O Príncipe”, sendo que este autor é considerado, por esta

obra, como o precursor do moderno conceito de Estado.

Na edição de “O Príncipe”, traduzida por J. Cretella Júnior e Agnes Cretella, com as

notas de Napoleão Bonaparte, as anotações a respeito da obra trazem que:

O Príncipe, de Nicolau Maquiavel (1469-1527) é, sem a menor sombra de dúvida, conforme eminente mestre europeu o entendeu, não só a mais famosa obra da literatura política de todos os tempos, como também a mais discutida [...] Relevante é a opinião do célebre filósofo e crítico de arte Benedeto Croce, para quem coube a Maquivel o mérito de haver separado a política da moral, e expor que as exigências da primeira prescindem de quaisquer considerações éticas. Essa afirmação pode ser contestada, porque Maquiavel, estudando embora os problemas do Estado sob o ângulo da dinâmica das forças sociais, e, portanto, de um prisma inteiramente político, não prescinde das considerações éticas, e, cada vez que aconselha, como necessária, uma conduta moralmente discutível, ou reprovável, não deixa de observar que seria melhor assim não agir, mas que é imprescindível para evitar a ruína do Estado e para que este não venha a ser destruído. Isso não significa, porém, deixar de lado os problemas éticos, mas, entender que devem ser enfrentados abertamente, resolvendo-os na base do valor que prevalece no Estado, o que foi observado também por conceituados pensadores, mas que também não escapara a outros escritores, que o analisaram com profundidade.19 (grifo do autor).

Nicolau Maquiavel, na supra citada obra, consegue, de forma brilhante, analisar as

espécies de Estado conhecidas à época, tendo mencionado que “todos os Estados, todos os

governos que tiveram e têm poder sobre os homens, são repúblicas ou principados.”20,

verificando os acertos e desacertos dos governantes (príncipes e imperadores). Intencionava

implementar uma nova ordem social, voltada para a liberdade, de forma ampla, possibilitando

aos homens uma melhoria substancial.

Lembra, ainda, Nicolau Maquiavel, que os governantes devem tentar ter o apoio do

povo, posto que imprescindível para um governo bem sucedido.

Deve, portanto, quem se torna príncipe, mediante apoio do povo, mantê-lo amigo, o que é fácil, porque o povo quer apenas não ser oprimido. Aquele que, entretanto, se torna príncipe, com apoio dos poderosos, deve procurar, antes de tudo, conquistar o povo; o que é fácil, quando lhe consegue a proteção. E por que os homens recebem o bem dos que acreditavam receber o mal, obrigam-se mais com o benfeitor e o povo se torna rapidamente mais benévolo do que se tivesse sido levado ao principado por favores dele. E o príncipe pode consegui-lo de vários modos, que variam conforme as circunstâncias, não se podendo estabelecer regra fixa, que depois se deixará de lado.

19 Cf. Nota in MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. 4. ed., rev. da trad.: J. Cretella Jr. e Agnes Cretella, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 11/14. 20 MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. 4. ed., rev. da trad.: J. Cretella Jr. e Agnes Cretella, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 19.

30

Concluirei apenas, dizendo que, para o príncipe, necessário é ter o povo sempre como amigo; de outro modo fracassará na adversidade. [...] Assim, um príncipe sábio deve pensar no modo pelo qual, sempre, e em todas as circunstâncias, os cidadãos tenham necessidade do Estado e dele, sendo-lhe, então, sempre fiéis.21 (grifo nosso).

Defendia, ainda, a política do equilíbrio, e que era necessário, ao príncipe, ter bons

fundamentos, sob pena de se ver arruinado, sendo que os principais fundamentos, de todo

Estado, eram, para ele, a existência de boas leis e bons exércitos. 22

Outro filósofo que se faz necessário tratar, em linha geral, é Grotius (1583-1645), o

qual era seguidor da Teoria do Direito Material, tendo influenciado outros pensadores. Para

ele, a igualdade era algo que decorria do divino e as leis existiam para proteger o Direito

natural. Além disso, nas palavras de Paulo Nalin, “O contratualismo de Grocius seguia a linha

do Direito Público, dedicada à fundação do Estado, mesmo que particularizada em face de

outros contratualistas, por julgá-lo um fato histórico e não uma simples hipótese.”.23

Além disso, Grotius auxiliou na formação de um conceito de sociedade internacional,

sociedade esta voltada para a noção de que os Estados, bem como seus governantes, possuem

leis que se aplicam a eles, sendo que a comunidade internacional deve se manter coerente com

os acordos estabelecidos pelo Direito Internacional, até porque todas as nações estão sujeitas

ao mesmo.

Após Maquiavel e Grotius, o mundo presenciou as idéias de Thomas Hobbes (1588-

1679 d.C.), grande filósofo inglês, que escreveu “Leviatã”, que trata acerca da origem, bem

como do papel do Estado moderno. O Estado foi criado por necessidade, pois, aqui, já não

havia mais o meu e o teu; havia muita luta, porque “o homem é o lobo do homem”. Assim,

havia a necessidade de uma autoridade, superior, que pudesse apontar os limites existentes

entre os direitos individuais, para que pudesse haver a segurança jurídica. E, essa autoridade

superior revelou-se na forma do Estado. Para ele, o soberano deveria ter poderes ilimitados e

os súditos deveriam submeter-se a ele, para que pudesse governar o Estado da melhor maneira

que entendesse.

21 MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. 4. ed., rev. da trad.: J. Cretella Jr. e Agnes Cretella, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 65/67. 22 Idem, p. 75. 23 NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno, em busca de sua formulação na perspectiva Civil-Constitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p. 106.

31

Thomas Hobbes, na introdução de sua obra, estabelece uma comparação entre o

Leviatã (a República ou o Estado – civitas), com um organismo vivo, todavia, artificial, sendo

produto da engenhosidade humana. Para ele, o pacto social é totalmente necessário, em face

de que o homem é suscetível a fortes sentimentos, como a paixão, o que poderia levá-lo às

guerras e à solidão. Thomas Hobbes acredita ser necessária a concentração do poder político

nas mãos do soberano forte, sendo que este soberano precisa ser detentor de condições

necessárias para que possa entender a natureza humana. Para ele, o Estado concentra e, deve

concentrar todas as forças da sociedade, em virtude de um pacto social de natureza artificial.

Este autor não aceita a soberania popular, a qual, segundo ele, levaria à guerra de todos contra

todos, pregando, de outro modo, o poder político “nas mãos” do monarca, o qual teria poderes

absolutos e poderia garantir o bem comum, que nada mais é (para Thomas Hobbes) do que a

paz entre os indivíduos de uma Nação. 24 O modelo concebido por Thomas Hobbes contrasta

com a moderna noção de Democracia, a qual se encontra fundada na liberdade humana.

Eduardo Appio salienta que:

Muito embora aceite a existência de corpos políticos (criados pelo poder do soberano com missão de representá-lo nos estritos limites de cartas recebidas do monarca), considera inconveniente a criação de assembléias que representam a vontade popular, na medida em que esta poderia colidir com a do monarca, que é soberana, gerando, assim, a guerra interna. Propugna, então, que o Estado deva interferir na economia dos particulares, atendendo a uma finalidade de bem comum [...] 25

Sobre Thomas Hobbes, relevante destacar os pensamentos deste sobre poder e Estado,

em especial apontar que referido filósofo entendia que as leis careceriam de um reforço como

garantia de seu cumprimento em salvaguarda do pacto social, sendo que, portanto, torna-se

imprescindível um governo que fosse seguido e, de certa forma, autorizado, por todos os

componentes do corpo social, sendo que haveria de requerer que esse governo tivesse toda a

força, porque somente seria capaz de corresponder à sua finalidade se exercido

despoticamente.

24 APPIO, Eduardo. Teoria Geral do Estado e da Constituição. Curitiba: Juruá, 2005, p. 27-28. 25 Idem, p. 29.

32

Na visão de Thomas Hobbes, o absolutismo não derivava de um direito divino, mas,

de outro modo, das exigências do próprio pacto social, diferentemente do que afirmavam os

teólogos políticos contemporâneos.

Em 1596 nascia René Descartes, filósofo e matemático francês que, rompeu com o

pensamento da época, com suas idéias, dando-se ênfase à frase, por ele criada: “Penso, logo

existo”, que acabou por desvencilhar o pensamento filosófico da tirania escolástica,

permitindo novos vôos, para além das questões divinas, inaugurando, de forma definitiva, a

filosofia moderna, tudo isso por meio da criação de novos métodos. Desse modo, permitiu

que as idéias acerca do Estado pudessem partir para novos horizontes, para além dos dogmas

da Igreja; dogmas estes fechados, os quais pretendiam manter o Estado sob a égide da Igreja.

John Locke (1632-1704 d.C.) foi contemporâneo de Hobbes, sendo como este filósofo

inglês, além de teórico político. Era a favor do liberalismo político, onde o Estado não

intervém (ou pouco intervém) nas relações da sociedade.

Sobre o filósofo, importante apontar que:

Para ele, o direito de propriedade é a base da liberdade humana "porque todo homem tem uma propriedade que é sua própria pessoa". O governo existe para proteger esse direito. Locke estava interessado nos tópicos tradicionais da filosofia: o Eu, o Mundo, Deus e as bases do conhecimento. É contemporâneo de Thomas Hobbes, mas, ao contrário deste, é liberal e tem convicções parlamentaristas. Foi enorme a influência da obra de Locke. Suas teses estão na base das democracias liberais. No século XVIII, os iluministas franceses foram buscar em suas obras as principais idéias responsáveis pela Revolução Francesa. Montesquieu (1689-1775) inspirou-se em Locke para formular a teoria da separação dos três poderes. A mesma influencia encontra-se nos pensadores americanos que colaboraram para a declaração da independência americana em 1776.26 (grifo do autor).

Para John Locke, a origem do Estado estaria na necessidade de se superar o estado de

natureza, ou o estado de guerra, para um estado civil, onde a vítima de uma injustiça pudesse

obter reparação com o auxílio do poder estatal; do próprio Estado. Sua conceituação de

Governo civil provém da idéia que reafirma do direito natural de igualdade entre os homens,

sendo que, portanto, a concepção de poderes absolutos dos monarcas seria infundada. Veja-se,

26 COBRA, Rubem Queiroz. John Locke: Vida, época, filosofia e obras de John Locke. Disponível em: <http://www.cobra.pages.nom.br/fmp-locke.html>. Acesso em: 08 de janeiro de 2007.

33

aqui, a preocupação com a igualdade entre os homens, princípio que alicerça a própria

dignidade, pois ao se buscar a igualdade, se busca consequentemente, a dignidade.

Além disso:

Cumpre assinalar, dada a importância histórica da concepção, que Locke emprestava enorme importância ao Poder Legislativo – como também os demais contratualistas – na medida em que a origem dos governos, segundo o autor, estaria no consentimento individual que transfere a um poder de governo a prerrogativa de editar leis, decorrentes da vontade de uma maioria que elege seus representantes. O Poder Legislativo é, portanto, o principal poder do governo, na medida em que ninguém que ingressa numa comunidade política pode eximir-se do fiel cumprimento de suas ordens (ordens da maioria). [...] Deve-se a Locke, portanto, a origem do governo civil assentada na necessidade de defesa estatal do direito de propriedade que nenhum governante poderia suprimir, muito embora a cobrança de impostos para o bem de todos fosse aceitável. Tem-se, ainda, a “constituição” de um Poder Legislativo supremo, que não se subordina senão ao ato de sua constituição. E, finalmente, um Poder Executivo subordinado ao primeiro, mas de cunho permanente e, obviamente, limitado pela lei (ato do poder supremo).27

Montesquieu foi outro grande pensador, nascido em França (1689-1755 d.C.), tendo

sofrido influência das idéias de John Locke. Escreveu, entre outras obras, “O Espírito das

Leis”, onde discorre acerca das relações entre sociedade, política e religião. Revolucionou o

conceito de Estado ao criar a teoria da tripartição dos poderes, com a intenção de moderar o

poder do Estado, dividindo-o em funções (Judiciário, Executivo e Legislativo), e, ainda,

dando competências a órgãos diferentes do Estado. Na referida obra, o autor analisa as

relações que as leis têm com a natureza e os princípios de cada governo, desenvolvendo as

idéias do constitucionalismo.

Com a idéia dos três poderes, Montesquieu defende que o Executivo deveria ser

exercido por um rei, tendo este direito de veto sobre as decisões do parlamento. O poder

Legislativo, por sua vez, seria convocado pelo Executivo e, deveria ser separado em duas

Casas, onde uma delas deveria representar o povo (sendo, portanto, formado por

representantes deste) e, a outra, constituída por nobres. Cada uma das Casas teria assembléias

separadas, bem como sairiam deliberações de cada uma delas, tendo estas opiniões

independentes e, possivelmente conflitantes. Montesquieu entende que "só o poder freia o

poder", no chamado "Sistema de Freios e Contrapesos" (Checks and balances), daí a real

necessidade de cada poder manter-se autônomo e constituído por pessoas e grupos diferentes. 27 APPIO, Eduardo. Teoria Geral do Estado e da Constituição. Curitiba: Juruá, 2005, p. 40-41.

34

Este filósofo analisou todas as formas de governo, manifestando-se contra a

Monarquia absolutista francesa e, demonstrando seu ideal em uma Monarquia constitucional,

com garantia de liberdade e separação dos poderes.

O princípio da separação de poderes, trazido na obra de Montesquieu, deve ser

entendida não como uma cisão absoluta do poder político, mas, de outro modo, como uma

especificação de funções, até porque não há que se falar na existência de vários poderes, mas,

sim, na existência de apenas um poder, o qual é dividido em funções, para o melhor

funcionamento do próprio Estado. A Constituição brasileira de 1988 adota esta teoria, ao

dispor em seu Art. 2º, que: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o

Legislativo, e Executivo e o Judiciário.”

Além disso, para Eduardo Appio, a finalidade de Montesquieu, na obra “Espírito das

Leis” é assinalar os diferentes contorno de governo, encontrando-se aqui o sistema

republicando, o monárquico e o despótico, em conformidade com os princípios adotados, em

especial:

[...] no tocante à forma como são criadas e executadas as leis. Na república, o espírito das leis do governo estaria vinculado à democracia, já que é fundado na igualdade. Para Montesquieu, o Estado não poderia sustentar-se na concentração do poder, mas, na distribuição das funções do Estado em poderes distintos, com a única finalidade e evitar a tirania e o arbítrio em detrimento do cidadão. Enquanto Locke (1690) e Hobbes (1588) – cada qual à sua maneira – se preocupam com a origem do poder do Estado, Montesquieu concentra suas forças em delimitar de que maneira as forças políticas do Estado serão distribuídas, na estrita consonância da natureza de suas funções.28

Em seguida, tem-se um dos maiores pensadores da era contemporânea, Jean-Jacques

Rousseau (1712-1778 d.C.), filósofo suíço, que revolucionou e influenciou o mundo com sua

obra “Contrato Social”, onde defende uma religião natural e ataca de forma veemente a

organização social da época. Rousseau acreditava que o Estado deveria ser uma espécie de

acordo entre os homens, os quais deveriam ceder alguns direitos a fim de que se tornassem

cidadãos, acabando com o Estado déspota, no qual o que importava era a propriedade. Era um

ferrenho lutador contra o racionalismo progressista. Foi também, um dos precursores do

romantismo.

28 APPIO, Eduardo. Teoria Geral do Estado e da Constituição. Curitiba: Juruá, 2005, p. 31-32.

35

Para Paulo Nalin foi tanto com a influência de Thomas Hobbes, quanto de Jean-

Jacques Rousseau que se afirmaram os direitos individuais tanto contra o Estado, como, da

mesma forma, contra todo o sistema de corporação que regulasse a atividade profissional,

tendo afirmado que:

A sociedade tinha de ser constituída por indivíduos por intermédio de um fundamento voluntário, ou seja, contratual. As idéias de igualdade e liberdade, enquanto direitos (subjetivos) naturais, ganham peso, uma vez que somente podia contratar quem a detinha. Podia renunciar a parcela de sua liberdade, para contratar, formando o Estado ou firmando relação interprivada, só o sujeito que dela dispõe. A igualdade, suficiente em sua composição meramente formal à modernidade, veio a ser revista com a Constituição de Weimar que, além de preservar as garantias dos direitos individuais conquistados pelo liberalismo, tornou exigência a sua aplicação num contexto social ou funcional – liberta, uguaglianza e diritti social – propunha.29 (grifo do autor).

Jean-Jacques Rousseau, na sua mais famosa obra “Contrato Social” tratou, dentre

outras coisas, da escravidão, tendo se mostrado radicalmente contra tal fato, tanto da

escravidão individualizada, quanto da escravidão de um povo, salientando que renunciar a

liberdade é uma forma de renunciar à qualidade de homem, renunciando aos direitos da

própria humanidade e os seus deveres; renunciando, assim, por via de conseqüência, a própria

dignidade (o que se entende não poder ser renunciado, por ser a dignidade um direito

intrínseco, natural do ser humano, acarretando, assim, sua indisponibilidade).

Ora, um homem que se torna escravo de outro não se dá, mas se vende, ao menos para sua subsistência: mas um povo, por que se vende? Longe de um rei fornecer aos súditos a subsistência, ele tira deles a sua, e segundo Rabelais, um rei não vive de pouco. Os súditos oferecem, pois, sua pessoa, com a condição de que se lhes tomem também os bens? Não vejo o que lhes resta para conservar. [...] Renunciar a liberdade é renunciar à qualidade de homem, aos direitos da humanidade, até mesmo a seus deveres. Não existe nenhuma compensação para quem renuncia a tudo. Tal renúncia é incompatível com a natureza do homem e é eliminar toda moralidade de suas ações, assim como eliminar toda liberdade de sua vontade.30

Ora, Jean-Jacques Rousseau viveu na época do iluminismo, tendo contribuído para

difundir os ideais da Revolução de 1789, tendo defendido a educação do povo, para que se

pudesse chegar a uma sociedade justa e libertar-se do jugo dos mais fortes. Para isso, os

homens deveriam unir suas forças com a de outros homens, em um conjunto de forças, tendo

29 NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno, em busca de sua formulação na perspectiva Civil-Constitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p. 106. 30 ROUSSEAU, J. J. Do Contrato Social: Princípios do Direito político. Trad.: J. Cretella Jr. e Agnes Cretella, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.25-26.

36

afirmado que em face dos homens não poderem conceber novas forças, mas somente reunir e

direcionar as que já existem, “não possuem outros meios para se conservar senão formar, por

agregação, um conjunto de forças, que possa levar à resistência, empregar um único móvel a

fazê-los agir em conformidade com eles.” 31.

Apontava, ainda, que se faz necessário observar que a deliberação pública, que pode

obrigar todos os súditos em relação ao soberano, por conta de dois diferentes prismas sob os

quais cada qual é encarado (como membro do soberano em relação aos particulares e como

membro do Estado em relação ao soberano), não pode, por outra via, obrigar o soberano em

relação a si mesmo e, conseqüentemente, é contrário à natureza do corpo político que o

soberano se imponha uma lei que não pode infringir. E, continua, afirmando que, não há como

considerar, senão sob um único e mesmo aspecto a questão de um particular que contrata

consigo mesmo, de onde se depreende que não existe e, tampouco pode existir nenhuma

espécie de lei fundamental obrigatória para o corpo do povo, nem mesmo o contrato social (o

que não quer dizer que o referido corpo não possa se comprometer com outrem, como é o

caso do estrangeiro, que é apenas um indivíduo).32 Além disso, na seqüência, Jean-Jacques

Rousseau salienta:

Se o Estado ou a Cidade não é senão uma pessoa moral, cuja vida consiste na união de seus membros, e se o mais importante de seus cuidados é o da sua própria conservação, necessita de uma força universal e compulsiva para mover e dispor de cada parte, de maneira mais conveniente a todos. Assim como a natureza dá a cada homem um poder absoluto sobre todos os seus membros, o pacto social dá ao corpo político um poder absoluto sobre todos os seus, e é este o mesmo poder que, dirigido pela vontade geral, traz, como já disse, o nome de soberania.33

É pelo pacto social, segundo Jean-Jacques Rousseau, que se dá vida ao corpo político

e, por intermédio das leis, que se consegue obter os movimentos e a vontade, sendo que as leis

são gerais (já que para o autor, a lei considera o súdito como corpos e as ações como

abstratas, nunca considerando o homem como indivíduo e, tampouco, uma ação particular).

Dessa maneira, continua afirmando que a lei pode definir que haverá privilégios, todavia, não

poderá conferir, de forma específica a ninguém. A lei pode, ainda, estabelecer um governo

real, bem como, uma sucessão hereditária, contudo, não tem como indicar um rei e, nem, pode

determinar uma família real. Assim, toda função que se relaciona com um objeto individual

31ROUSSEAU, J. J. Do Contrato Social: Princípios do Direito político. Trad.: J. Cretella Jr. e Agnes Cretella, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.31. 32 Idem, p. 34. 33 Idem, p. 35

37

não pertence ao poder legislativo. Desse modo, perde a importância a questão a respeito de

quem incumbe fazer as leis, em face de que são atos de vontade geral; tampouco se o príncipe

está acima da lei, já que é um membro do Estado; e, ainda, não há porque se indagar se a lei

pode ser injusta, posto que nada é injusto em relação a si mesmo; e, ainda, nem como se é

livre e submetido às leis, desde que as leis não sejam mais do que registros de novas vontades.

Dessa forma, entende ser República todo Estado regido por leis, independente da forma de

administração, já que, assim, somente o interesse público governa; sendo que todo governo

legítimo é republicano.

Outro ponto interessante acerca das idéias de Jean-Jacques Rousseau é quando ele

trata do tema “Da Democracia”, na obra em análise. Ele entende que, se for tomada em sua

conceituação mais rigorosa, pode-se concluir que jamais existiu e jamais existirá uma

democracia verdadeira, posto ser contra a ordem natural que “um grande número governe e

que um número pequeno seja governado.” Não há como se imaginar que o povo possa

permanecer, de forma incessante, reunido para cuidar dos negócios públicos e, percebe-se,

visivelmente, que não há como estabelecer, para tal intento, comunicações, sem alterar a

forma de administração. Além disso, “se houvesse um povo de deuses, ele se governaria

democraticamente. Um governo tão perfeito não convém aos homens.” 34

Eduardo Appio aponta, acerca das idéias e da obra de Jean-Jacques Rousseau,

asseverando, entre outros pontos, que:

Rousseau buscava discutir os diversos sistemas de legislação e de administração, analisando, inclusive, as diversas formas de exercício do Poder político, como a democracia, a aristocracia e a monarquia. Resta evidente que dois dos princípios basilares de sua engenharia política são a busca da igualdade e da liberdade [...] [...] A importância desta obra resulta em duas conseqüências de capital importância no desenho do Estado moderno: (a) os direitos e garantias individuais não são bens livremente distribuídos pelo detentor do poder político, mas sim, direitos inalienáveis dos quais os cidadãos consentem em ceder pequena parcela com única forma de garantir a convivência nas sociedades modernas; (b) a ruptura dos mecanismos de aferição da vontade da Nação, como, por exemplo, a supressão de eleições, deslegitima o poder instituído na medida em que a vontade particular se opõe à vontade geral. Donde a importância da recuperação do discurso de Rousseau sobre as origens da legitimidade e a fragilidade dos governos que rompem este pacto social usando a coerção e a força.35

34ROUSSEAU, J. J. Do Contrato Social: Princípios do Direito político. Trad.: J. Cretella Jr. e Agnes Cretella, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.91-92. 35 APPIO, Eduardo. Teoria Geral do Estado e da Constituição. Curitiba: Juruá, 2005, p. 35/37.

38

Para Jean-Jacques Rousseau, portanto, a participação popular, bem como seus

mecanismos, possui fundamental importância para a manutenção do Estado moderno, já que,

os direitos e garantias individuais, como acima apontado, não são bens distribuídos livremente

àqueles que detêm o poder público, mas, de outra forma, são direitos irrenunciáveis e

inalienáveis, os quais os cidadãos concedem, aos seus representantes políticos, uma pequena

parcela, visando garantir a convivência social.

Voltaire, que esteve engajado em grandes causas a favor da tolerância religiosa e a

favor da liberdade de expressão, tornando-o um dos mentores da Revolução Francesa e,

Diderot, outro filósofo francês que era contrário à monarquia absolutista, foram

contemporâneos de Rousseau, mas estes não compartilhavam, de forma direta, das idéias dele.

Sobre Voltaire é importante apontar que este filósofo foi um ferrenho defensor da

liberdade (sendo dever do indivíduo procurar controlar a sua própria vida), pregando a idéia

de um sentimento inato e universal de Justiça. Foi um pregador do liberalismo e contrário ao

despotismo.

Quanto a Diderot, é importante evidenciar que ele também se mostrava contrário ao

regime adotado à época, bem como, entendia que o povo deveria ser libertado das garras da

Igreja Católica, sendo que para ele "O homem só será livre quando o último déspota for

estrangulado com as entranhas do último padre".36

Em 1724 nascia Immanuel Kant (1724-1808 d.C.), grande filósofo alemão com idéias

revolucionárias, tendo defendido a liberdade, sendo que esta deveria ser garantida por uma

Constituição política, não sendo o Estado o promotor das relações contratuais, em face da

prevalência, à época, das relações privadas.

Nesse momento, ganha força a opinião de KANT, que coloca o elemento volitivo no centro de todas as relações privadas. Não era o Estado o grande fomentador das relações contratuais, mas o próprio homem, revestido do direito subjetivo absoluto, pois natural, de liberdade, sempre tendo como pressuposto formar a igualdade de seus pares. Ao Estado cabia somente a fiscalização dos atos praticados pelos indivíduos, objetivando preservar tais direitos subjetivos plenos, não cabendo a intervenção nesta seara individual. O individualismo e o subjetivismo acabam se arraigando e gerando conquistas individuais, até hoje preservadas, elencadas como direitos fundamentais da liberdade e igualdade (CR, art. 5º, caput), sem prejuízo de

36 ENCICLOPEDIA VIRTUAL WIKIPÉDIA. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Denis_Diderot>. Acesso em: 11 de janeiro de 2007.

39

uma atual funcionalização de tais direitos, á luz da repersonalização e da despatrimonialização do Direito Civil. Para o momento sócio-político vivido não há como negar que os ideais de um homem livre e igual, frente aos demais, realmente teve relevância para a construção do atual Estado Democrático de Direito.37

Para Kant, a transição para o Estado civil ocorre do surgimento da necessidade, por

parte dos próprios indivíduos, de adentrarem em um estado civil, em decorrência de que no

chamado estado de natureza não existe, de forma definida, uma segurança de um indivíduo

em relação ao outro, bem como as liberdades desses indivíduos não são definidas, ou sequer

delimitadas. Com o advento do Estado civil, o direito privado, natural, não desaparece,

todavia, de outra forma, muda de figura, já que passa a ter garantias, as quais não seriam

possíveis no estado natural.

Os Estados, na concepção de Kant, vivem em constante estado de guerra, em muito

parecido ao estado de natureza já vivido pelos indivíduos. Segundo Kant, os Estados têm

desse modo, a obrigação de entrar em um estado jurídico, regulado por uma Constituição.

Pela instituição de uma constituição forte, que pudesse regular as relações e os conflitos

internacionais, a humanidade passaria a viver em um mundo cosmopolita de liberdade.

A teoria política de Kant, juntamente com as idéias de outros pensadores liberais, foi

decisiva para a superação da forma de governo absolutista dominante na Europa até o fim do

século XVIII e para a instauração de um novo modelo de Estado, o Estado Constitucional

liberal, no qual se deve de garantir aos indivíduos o exercício tranqüilo das liberdades a eles

conferidas pelo direito natural. Importante lembrar que, para Kant, o direito, na realidade, tem

por finalidade, a promoção do exercício máximo das liberdades individuais, impondo limites

à liberdade de um somente a partir do momento em que esta agrida o exercício da liberdade

de outro, de forma que a todos seja garantido exercer igualmente suas liberdades. O termo

direito é aplicado por Kant com sentido valorativo, tratando-se daquilo que seja justo.

Emmanuel Joseph Sieyès (1748-1836 d.C.), no ano de 1888 escreveu, na França, a

obra: “Qu’est-ce que le Tiers Etat” (“Que é o Terceiro Estado), a qual revolucionou e sacudiu

a sociedade da época. Verifica-se que a obra foi escrita um ano antes da Revolução Francesa,

tendo sido, portanto, importante mola propulsora para a mesma. Este autor estava preocupado

37 NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno, em busca de sua formulação na perspectiva Civil-Constitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p. 106-107.

40

com a participação popular, já que naquele período pré-revolucionário, tinham voz, efetiva,

somente os membros da nobreza e do clero. Emmanuel Joseph Sieyés, apesar de abade,

entendia que os componentes, do chamado Terceiro Estado, também deveriam participar,

ativamente, das decisões do reino, até porque representavam a maioria da população. Ou seja,

Emmanuel Joseph Sieyès pregava a necessidade de mudança no sistema francês, entendendo

que a legitimidade de representação estava com o Terceiro Estado, o qual deveria formar o

Poder constituinte originário.

Rogério Gesta Leal descreve, de forma simples, acerca da teoria do Poder constituinte

de Emmanuel Joseph Sieyès:

[...] a teoria do poder constituinte a partir de Sieyès vai buscar fundamentar a necessária mudança do modelo político das Monarquias absolutas através de uma proposta de representação polítca que mantenha intacta a ordem e a estrutura econômico-social da Nação, e também oportunize o surgimento de uma sociedade moderna, assegurando o trabalho e a liberdade dos homens na cidade (espaço criado para a implantação de um poder político dito democrático e público).38

E, quem era (ou o que era) o Terceiro Estado? O Terceiro Estado era constituído pelos

membros da classe trabalhadora, aqui formados pelos homens da cidade, comerciantes

enriquecidos, os fabricantes da indústria incipiente e do campesinato. Os outros dois Estados

eram formados pelos membros da nobreza e do clero. Importante lembrar, como já dito em

outro momento, que o conceito de Estado, nação, povo etc., daquela época, não condiz com os

conceitos atuais, sendo que em alguns casos a conceituação desses institutos até se

confundiam.

No prefácio da tradução, para o português, da obra de Emmanuel Joseph Sieyès, José

Ribas Vieira faz algumas considerações acerca da vida e pensamentos do citado autor, bem

como do momento histórico pelo qual estava passando a França. Salientou, então, que

Emmanuel Joseph Sieyès colocou-se em caminho oposto ao do pensamento de Jean-Jacques

Rousseau, tendo elaborado um processo reflexivo, no campo político, com o significado de

um instrumento de limitação da estrutura representativa. No tocante ao processo

revolucionário vivido pela França, aponta que naquele momento a França encontrava-se em

uma grave crise, tanto no aspecto econômico, quanto social. O monarca, Luís XVI, convocou

38 LEAL, Rogério Gesta. Teoria do Estado: Cidadania e poder político na modernidade. 2. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 159, apud, APPIO, Eduardo. Teoria Geral do Estado e da Constituição. Curitiba: Juruá, 2005, p. 45.

41

uma reunião com os Estados gerais, visando discutir a reforma tributária. Por conta dos

direitos que eram assegurados, nos Estados Gerais, apenas ao clero e a nobreza, verifica-se o

caráter minoritário que era dado ao Terceiro Estado. Em face disso, o processo revolucionário

se deu, especialmente, em virtude de conflitos entre o Terceiro Estado e as classes

privilegiadas (o clero e a nobreza). E, foi nesse período que a obra de Emmanuel Joseph

Sieyès foi editada (em fevereiro de 1789), trazendo a proposta de igualdade de direitos para o

Terceiro Estado, igualando-o aos Estados privilegiados; clero e nobreza. 39

Após a instalação dos Estados Gerais, o conflito se mostra entre a nobreza e o clero,

no tocante ao Terceiro Estado. Diante disso, em 17 de junho de 1789, os membros do Terceiro

Estado declaram sua legitimidade de instituírem em Assembléia, independente da presença,

ou não, das classes privilegiadas. Neste momento, prevalece, então, a noção trazida dentro da

própria obra, de ilegitimidade de hegemonia das classes dominantes, clero e nobreza, por

representarem apenas uma pequena parcela da população. Diante dessa perspectiva, é

assumido um compromisso pela Assembléia Nacional, o de elaborar uma Constituição para a

França. Ato contínuo, em 4 de agosto de 1789, a Assembléia Geral decreta a igualdade fiscal,

abolindo todos os direitos de tributos feudais, sem exceção. Ainda, seguindo os apontamentos

de José Ribas Vieira, este lembra que é neste exato instante que se consegue compreender a

posição de Emmanuel Joseph Sieyès, já que caracteriza sua visão política modernizadora bem

limitada ao se opor à abolição dos direitos fiscais eclesiásticos. Na seqüência, tem-se outro

importante documento para a Revolução Francesa, em 26 de agosto de 1789, a Declaração

dos Direitos do Homem e do Cidadão.40

Ainda prefaciando a obra de Emmanuel Joseph Sieyès, José Ribas Vieira esclarece

(acerca das manifestações ora assinaladas), que:

Diante do fato de Luís XVI se recusar a sanção destes decretos, prevalece, mais uma vez, a tese de Sieyès de que à Nação cabe uma autoridade anterior de estabelecer uma ordem jurídica. Em conseqüência, tal proposição traduz-se na idéia de um Poder Constituinte originário por parte da nação. E nós encontraremos esta concepção revolucionária para a época de forma explícita na obra Qu’est-ce que le Tiers Etat? A redação definitiva da carta constitucional da primeira fase revolucionária de 1789 completa-se com a sua promulgação em 3 de setembro de 1791. Nela está contida, na sua plenitude, a idéia de nação delineada por Sieyès. Ao contrário de Rousseau,

39 VIEIRA, José Ribas. Prefácio, in SIEYÈS, Emmanuel Joseph. A Constituição Burguesa: Que é o terceiro Estado ?. Trad.: Norma Azeredo, 1. ed., 2. tir., Rio de Janeiro: Liber Juris, 1988, p.22/25. 40 Idem, p. 25.

42

com sua proposta democrática mais plena de soberania (soberania popular), na qual a representação é uti singuli. Sieyès postula um processo representativo restrito. [...] Portanto, a noção deste “corpo nacional” substitui com muito mais sabedoria a concepção de contrato do Século XVII. [...] Abre-se caminho para uma abstração formal através do conceito de nação na qual todos estariam representados sem diferenciação de qualquer nível.41 (grifo do autor).

Na introdução da mesma obra, Aurélio Wander Bastos também traz importantes

considerações acerca de Emmanuel Joseph Sieyès, vida e obra. Para Aurélio Wander Bastos,

o livro “O Terceiro Estado” estaria não em momento anterior ou posterior à Revolução. De

outra forma, seria parte da dinâmica da Revolução Francesa, sendo uma tradução bastante

explícita da esperança revolucionária vivida naquela época. A obra de Emmanuel Joseph

Sieyès demonstra a influência de novas teorias econômicas, sendo que visava obter uma nova

teoria sobre a representatividade política. Lembra, na introdução, que na época, tanto o clero

quanto a nobreza não pagavam impostos (de qualquer espécie), o que acaba por deixar os

trabalhadores (que faziam parte do Terceiro Estado) indignados com essa condição. Esta obra

fornece inúmeros elementos diferenciadores acerca do conceito de cidadania política e civil,

tendo Emmanuel Joseph Sieyès dito que, a “cidadania política alcança novos espaços e

significados jurídicos que a cidadania civil, muitas vezes, não alcança e não traduz”. Sendo

que relata que foi o autor quem melhor tomou conhecimento dessa situação, tendo percebido

que não era suficiente à classe trabalhadora (burguesia, que era parte do Terceiro Estado) a

cidadania civil, sendo, todavia, necessário, também, a conquista da cidadania política, que em

momento anterior à Revolução, era privilégio dos outros “Estados” (clero e nobreza). 42

Aurélio Wander Bastos salientou, ainda, que Emmanuel Joseph Sieyès não admitia

que:

Teoricamente, para o autor, o fundamento de legitimidade do poder não é exclusivamente o domínio econômico da classe laboriosa na sociedade, inclusive considerando que arca com as responsabilidades essenciais do reino, mas o seu Direito natural de governar. [...] a obra deve ser analisada de dois prismas: o que seria a representatividade política da nação e, em segundo lugar, como que os deputados deveriam se organizar para promulgar uma Constituição representativa. O pensamento de Sieyès, visto de hoje, parece acentuadamente conservador, mas, para a época,

41 VIEIRA, José Ribas. Prefácio, in SIEYÈS, Emmanuel Joseph. A Constituição Burguesa: Que é o terceiro Estado ?. Trad.: Norma Azeredo, 1. ed., 2. tir., Rio de Janeiro: Liber Juris, 1988, p. 26-27. 42 BASTOS, Aurélio Wander. Introdução. in SIEYÈS, Emmanuel Joseph. A Constituição Burguesa: Que é o terceiro Estado ?. Trad.: Norma Azeredo, 1. ed., 2. tir., Rio de Janeiro: Liber Juris, 1988, p. 33-41.

43

mesmo na sua proposta de recuperação legitimista do passado, foi significadamente revolucionário. [...] Desta forma, o Terceiro Estado, ou os comuns, poderia se tornar Câmara quantitativamente superior, pois os “deputados do povo” seriam necessariamente mais numerosos que os representantes do clero e da nobreza.43 (grifo do autor).

Nas palavras do próprio Emmanuel Joseph Sieyès, sua obra tinha por finalidade

responder a três questões relacionadas ao Terceiro Estado e, a partir das respostas

apresentarem a melhor solução para que o Terceiro Estado pudesse atingir o seu devido lugar

dentro do cenário francês:

Le plan de cet ècrit est assez simple. Nous avons trois questions à nous faire: 1º Qu’est-ce que le tiers état? Tout. 2º Qu’a-t-il été jusqu’à présent dans l’ordré politique? Rien. 3º Que demande-t-il? A y devenir quelquer chose. On verra si les réponses sont justes. Nous examinerons ensuite les moyens que l’on a essayés, et ceux que l’on doit prendre, afin que le tiers état devienne, en effet, quelque chose. Ainsi nous dirons: 4º Ce que les ministres on tenté, et ce que les privilégiés euxmêmes proposent en sa faveur. 5º Ce qu’on aurait dû faire. 6º Enfin, ce qui reste à faire au tiers pour prendre la place Qui lui est due. [...] Que faut-il pour qu’une nation subsiste et prospère? Des travaux particuliers et des fonctions publiques.44 (grifo do autor).

Na tradução da obra para o português, tem-se que:

O plano deste trabalho é muito simples. Devemos responder a três perguntas: 1ª. O que é o Terceiro estado? Tudo 2ª. O que tem sido ele, até agora, na ordem política? – Nada 3ª. O que é que ele pede – Ser alguma coisa. Vamos ver se as respostas estão certas. Examinares, em seguida, os meios experimentados e os que deverão ser utilizados a fim de que o Terceiro estado consiga ser, efetivamente, alguma coisa. Vamos dizer, então:: 1º. O que os ministros tentaram e o que os próprios privilegiados propõem a favor do Terceiro estado. 2º. O que deveria ter sido feito. 3º. O que ainda não foi feito para que o Terceiro estado ocupe o lugar que lhes cabe politicamente. [...] O que é preciso par que uma nação subsista e prospere? Trabalhos particulares e funções públicas.45 (grifo do autor).

43 BASTOS, Aurélio Wander. Introdução. in SIEYÈS, Emmanuel Joseph. A Constituição Burguesa: Que é o terceiro Estado? Trad.: Norma Azeredo, 1. ed., 2. tir., Rio de Janeiro: Liber Juris, 1988, p. 41/45. 44 SIEYÈS, Emmanuel. Qu’est-ce que le Tiers Etat? Preface de Jean Tulard, nouvelle édition, Paris: Presses Universitaire de France, 1982, p. 27-28. 45 SIEYÈS, Emmanuel Joseph. A Constituição Burguesa: Que é o terceiro Estado? Trad.: Norma Azeredo, 1. ed., 2. tir., Rio de Janeiro: Liber Juris, 1988, p. 63/65.

44

E, ainda, na mesma obra, Emmanuel Joseph Sieyès, ressalta a importância do povo na

formação do Estado, entendendo que o chamado “Terceiro Estado” tem todos os elementos

necessários à formação de uma nação completa, já que uma nação pode ser entendida como

um corpo de associados que vivem sob uma lei comum e representados pela mesma

legislatura. 46 E, o terceiro Estado podia, portanto, representar, perfeitamente, uma nação em

sua integralidade.

Verifica-se que a finalidade do citado autor consistia em se conceder aos membros do

Terceiro Estado (o povo) a representatividade política, de maneira a lhes possibilitar o livre

acesso a cargos e funções de grande importância para o Estado francês. Para comprovar a real

necessidade dessa mudança, demonstra a falta de representatividade do povo, naquele

momento existente na França, utilizando-se da análise do número de membros do clero e da

nobreza, comparado ao número de membros do Terceiro Estado. Com Sieyès, tem-se

ampliada, em larga escala, a discussão sobre a formação do Poder Legislativo, possibilitando,

assim, a construção dos conceitos de legitimidade e legalidade.47

George W. F. Hegel (1770-1831 d.C.), outro grande filósofo alemão, viveu na mesma

época de Kant, tendo nascido alguns anos mais tarde. Hegel apresenta à dialética, que é o

próprio movimento do conceito, não sendo um método que supõe trazer a exterioridade do

próprio objeto.

Quando trata do Estado de Direito, este autor busca embasamento nas idéias extraídas

da Grécia Antiga, tendo trazido, inclusive, o pensamento dos Estóicos, os quais entendem

que: “O que para o estoicismo era o em si apenas abstração, agora é mundo efetivo. O

estoicismo não é outra coisa que a consciência que leva à sua forma abstrata o princípio do

Estado-de-Direito, a independência carente de espírito.” 48 (grifo do autor).

Na seqüência, tem-se Karl Marx (1818-1883 d.C.), revolucionário alemão e escritor da

famosa obra “O Capital”, tendo escrito, também, conjuntamente com Engles, o “Manifesto

Comunista”, entre outras obras. Este revolucionário entendia que a luta de classes era fruto do

sistema capitalista.

46SIEYÈS, Emmanuel Joseph. A Constituição Burguesa: Que é o terceiro Estado? Trad.: Norma Azeredo, 1. ed., 2. tir., Rio de Janeiro: Liber Juris, 1988 , p. 68-69. 47 APPIO, Eduardo. Teoria Geral do Estado e da Constituição. Curitiba: Juruá, 2005, p. 43. 48 HEGEL. G. W. F. Fenemologia do espírito. 4. ed., trad.: Paulo Menezes, com a colaboração de José Nogueira Machado, SJ, Coleção: Pensamento Humano, Parte II, Petrópolis: Vozes, 1999, p. 32.

45

Importante apontar que anteriormente ao período Capitalista, o capital era acumulado

por intermédio do comércio, estendendo-se este comércio não apenas a troca de mercadorias,

mas, também, relacionado a conquistas, pirataria, saque, exploração etc. A partir do século

XVI, com a exploração de ouro e prata na América; início das conquistas, com muitos saques

na Índia; exploração e comercialização de escravos, oriundo principalmente da África, entre

outros fatores, contribuíram para que pudesse acumular capital em volume suficiente e se

desse início a idade da produção capitalista. Leo Huberman traça interessante paralelo acerca

do mencionado período apontando que o comércio era resultado, especialmente, de pirataria,

composta por conquistas, saques e exploração, tendo o capitalismo iniciado sua produção, por

intermédio da conjunção do referido capital. Aponta, ainda que:

Não é sem razão que Marx escreveu: “Se o dinheiro... ‘Vem ao mundo com uma mancha congênita de sangue numa das faces’, o capital vem pingando da cabeça aos pés, de todos os poros, sangue e lama.” Comércio - conquista pirataria, saques, exploração - esse os recursos eficientes. Produziram lucros enormes, somas fabulosas - um suprimento de capital que aumentava cada vez mais. [...] Era preciso, porém, algo mais do que o capital acumulado [...] era necessária também uma oferta de trabalho adequada. [...] Somente quando os trabalhadores não são donos da terra e das ferramentas -somente quando foram separados desses meios de produção - é que procuram trabalhar para outra pessoa. Não o fazem por gosto, mas porque são obrigados [...] Destituídos dos meios de produção, não têm escolha. Devem vender a única coisa que lhes resta - sua capacidade de trabalho, sua força de trabalho. A história da criação de uma oferta necessária à produção capitalista deve, portanto, ser a historia de como os trabalhadores privados dos meios de produção.49 (grifo do autor).

Diante do quadro acima colocado, Karl Marx assim se manifesta:

O processo que abre caminho para o sistema capitalista não pode ser senão o processo que toma ao trabalhador a posse de seus meios de produção; um processo que transformará, de um lado, os meios de subsistência e produção no capital, e, de outro, os produtos imediatos em trabalhadores assalariados... O produtor imediato, o trabalhador, só podia dispor de sua pessoa depois de libertado do solo e depois que deixasse de ser escravo ou servo, dependendo de outrem. Para tornar-se um livre vendedor de sua força de trabalho, que leva sua mercadoria a qualquer lugar onde encontre mercado, ele precisa livrar-se antes do regime de corporações, de suas regras para aprendizes e jornaleiros, e de restrições dos regulamentos de trabalho... Esses novos libertos só se tornaram vendedores do próprio trabalho quando se viram destituídos de seus meios de produção e de todas as garantias de vida proporcionadas pela velha organização feudal. E a história disso, de sua expropriação, é escrita nos anais da humanidade em letras de sangue e fogo.50

49 HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Trad.: Waltensir Dutra, 21. ed., rev., Rio de Janeiro: LTC, 1986, p. 148. 50 MARX, Karl. O Capital. vol. 1, apud, HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Trad.: Waltensir Dutra, 21. ed., rev., Rio de Janeiro: LTC, 1986, p. 149.

46

Após o período feudal, os camponeses perderam o direito à terra, o que se tornou para

eles um desastre. De forma natural, sentiram-se irritados contra os senhores, que lhes

expulsaram das terras, bem como contra o governo, que nada fazia para mantê-los na terra e,

que, pelo contrário, criava medidas para retirá-los, de forma eficiente, da terra. Sem terra, as

classes mais baixas tinham, que de alguma forma, conseguir seu sustento, sendo que, assim,

passaram a trabalharem para as indústrias como assalariados.

Friedrich Engels (1820-1895 d.C.), também trouxe grande contribuição para a hoje

conhecida conceituação e definição de Estado. Entre outras obras, escreveu como dito alhures

“A origem da família, da propriedade privada e do Estado”, tendo dito, entre outras coisas,

que os gregos (assim como outros povos), desde tempos imemoriais já viviam em tribos, as

quais eram oriundas das gens (conjunto de famílias que se encontram ligadas e submetidas

politicamente a uma autoridade comum), com regras próprias. Com a evolução natural,

passou-se a considerar a riqueza como bem supremo e as antigas instituições da gens foram

adulteradas para justificar a obtenção de riquezas pelo roubo e pela violência. Nesse momento

histórico, havia necessidade da existência de uma instituição que protegesse as novas

riquezas, a propriedade privada, bem como as novas formas de aquisição dessa propriedade.

E, ainda, fazia necessário o surgimento de uma instituição que não só mantivesse a divisão da

sociedade em classes, mas e, sobretudo, que permitisse que a classe possuidora pudesse

explorar aquela que pouco ou nada possuía e a dominação da primeira sobre a segunda. Dessa

necessidade, surgiu o Estado. Entende ser a democracia a mais completa de todos os modelos

de Estado, tendo apontado que:

A república democrática, a mais elevada de todas as formas de Estado em nossas modernas condições sociais se torna cada vez mais uma necessidade inevitável e é a única forma de Estado sob a qual pode ser travada a última e definitiva batalha entre o proletariado e a burguesia – a república democrática, oficialmente, não reconhece mais as diferenças de posses.51

Na esteira da História, a Alemanha produz mais um notável filósofo, Friedrich W.

Nietzche (1844-1900 d.C.), sendo que este propôs à humanidade a “genealogia dos valores”,

que pregava o questionamento dos valores morais, já que para este filósofo, os valores morais

se originavam dos mais fracos, de sua reação diante dos poderosos. Na obra “A genealogia da

Moral”, este autor trata de conceitos como o “bom” e o “mau”, fazendo severas críticas

51 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado, Trad.: Ciro Mioranza, São Paulo: Escala, 2006, p.184.

47

àqueles que governam, àqueles que detêm o poder e o mando do Estado, já que os mesmos

entendiam que somente eles possuíam bondade, somente eles estavam corretos, em

contraposição à “plebe”, tendo destacado que:

[...] Para mim, é evidente em primeiro lugar que essa teoria procura e fixa a origem de emergência do conceito “bom” num lugar em que não está: o juízo “bom” não emana daqueles a quem se prodigalizou a “bondade”. Foram os próprios “bons”, os homens nobres, os poderosos, aqueles que ocupam uma posição de destaque e têm a alma enlevada que julgaram e fixaram a si e a seu agir como “bom”, ou seja, “de primeira ordem”, em oposição a tudo o que é baixo, mesquinho, comum e plebeu. Foi esse pathos da distância que os levou a arrogar-se por primeiros o direito de criar valores, de forjar nomes de valores: que lhes importava a utilidade! [...] Fechar momentaneamente portas e janelas da consciência, permanecer insensível ao barulho e à luta próprios do trabalho de colaboração e de oposição do mundo subterrâneo de órgãos que se constituem em nossos servidores; um pouco de silêncio, um pouco de tabula rasa de nossa consciência; e de fato praça limpa para algo novo, antes de tudo para as funções e os funcionários mais nobres, para o governo, a previsão, a determinação por antecipação (porque nosso organismo está estruturado de maneira oligárquica) [...]52 (grifo do autor).

O jurista francês León Duguit (1859-1928 d.C.), entende que Estado designa toda a

sociedade humana, sendo uma autoridade política. Assim:

No seu sentido mais geral, a palavra Estado designa toda a sociedade humana em que existe diferenciação política, diferenciação entre governantes e governados, segundo a expressão consagrada, uma autoridade política. As tribos do centro de África, que obedecem a um chefe, são Estados da mesma maneira que as grandes sociedades européias que possuem um mecanismo de governo sábio e complicado. Mas, importa dizer, a seguir, que a palavra Estado se reserva, de ordinário, para designar as sociedades em que a diferenciação política atingiu determinado grau.53 (grifo do autor).

Referido autor, em crítica a Hobbes e Rousseau, afirmou ser um círculo vicioso tentar

explicar a sociedade pelo contrato social, já que a idéia de contrato só é possível de existir

quando o homem vive em sociedade, ou seja, o pensamento acerca do contrato social só nasce

dentro daquele que já viveu, ou vive em sociedade. Para ele, o poder político e, o próprio

Estado, é resultado de uma evolução social, sendo que em todos os grupos sociais, que podem

ser qualificados de Estado, desde os mais simples aos mais complexos, um fator determinante

encontra-se sempre presente, indivíduos mais fortes do que os demais, sendo que os primeiros

acabam por impor sua vontade aos últimos.54

52 NITZCHE. Friedrich. A Genealogia da Moral. Trad.: Antonio Carlos Braga, São Paulo: Escala, 2006, p. 25/56. 53 DUGUIT, León. Fundamentos do Direito. Trad.: Eduardo Salgueiro, Florianópolis: Obra Jurídica, 2004, p.32. 54 Idem, p. 42/47.

48

O jurista italiano Francesco Carnelutti (1879-1965 d.C.), na obra clássica “Como

nasce o Direito”, traz algumas considerações acerca do Estado, as quais entendem que o

Estado e o Direito encontram-se interligados, sendo que:

[...]a sociedade juridicamente ordenada se chama Estado. A idéia do direito e a idéia do Estado estão, portanto, intimamente relacionados: não há Estado sem direito e nem direito sem Estado. [...] O Estado, isto é, a estabilidade da sociedade da sociedade, é um produto, e até o produto do direito.55 (grifo do autor).

Lembra, ainda, referido autor, dos primórdios da humanidade e da formação do próprio

Estado, que surgiu da família (caracterizando-se em um Estado minúsculo), passando pela

gens romana e pela polis, desenvolvendo-se a partir dessa constituição.

Karl Engisch (1899 d.C.-), estudioso do Direito, trata na obra “Introdução ao

Pensamento Jurídico”, acerca do sentido e estrutura da regra jurídica, interpretação, bem

como de alguns conceitos, apontando que Direito está impregnado de valores e de princípios,

não se esgotando simplesmente na lei. Trata também do Estado, tendo dito que:

Em todo caso, sempre é verdade que a causalidade natural se baseia em leis naturais, ao passo que a causalidade jurídica se funda em leis humanas, sendo que estas últimas em certo sentido são produtos duma criação arbitrária. Mas também com esta consideração não fica o assunto arrumado: “É verdade que os factos jurídicos não possuem por si mesmo a força criadora de Direito (rechtserzeugende Kraft), mas a recebem da lei ou do costume: a causalidade jurídica é instituída pelo....Estado [...].56 (grifo do autor).

Veja-se que Karl Engisch aponta que o Estado é responsável pela instituição da

causalidade jurídica, tendo o poder de determinar as ações a serem realizadas pela população

de uma maneira em geral. É claro que o Estado deve ficar atento para que possa atender de

forma efetiva aos anseios do povo, retirando dele (do povo) seus valores e, os transformando

em normas.

Jurgen Habermas (nascido em 18 de junho de 1929) trouxe importante contribuição

para a construção do conceito de Estado, tento tratado, de forma direta ou indireta, em

diversas obras, estando entre elas “O Discurso filosófico da modernidade”, onde o autor

55 CARNELUTTI, Francesco. Como nasce o Direito. Trad.: Hilomar Martins Oliveira, Belo Horizonte: Líder, 2005, p.53. 56 ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Trad.: J. Baptista Machado, 9. ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p. 62-63.

49

aponta que o Estado, enquanto democraticamente legitimado, deve embasar-se na soberania

popular, estando a serviço do povo. Além disso, entende que a modernidade está voltada para

a visão sistêmica, tendo afirmado que:

Segundo as idéias normativas da nossa tradição política, o aparelho do Estado democraticamente legitimado, fundado na soberania popular e não mais na dos príncipes, deveria ser capaz de realizar a opinião e a vontade do público de cidadãos. Os próprios cidadãos. Os próprios cidadãos participam da formação coletiva da consciência, sem poder agir coletivamente. Mas e o Estado, pode? Uma “ação coletiva” significaria que o Estado traduziria em autodeterminação organizada da sociedade este conhecimento intersubjetivamente constituído que a sociedade possui sobre si mesma. Todavia, já devido às razões da teoria dos sistemas, deve-se duvidar dessa possibilidade. A política tornou-se hoje, efetivamente, assunto de um sistema parcial, funcionalmente diferenciado; diante dos sistemas parciais restantes, esse sistema não pode dispor do grau de autonomia que seria exigível para um controle central, isto é, para uma atuação sobre si mesma que parta da sociedade enquanto totalidade e retorne a esta.57

Dentre os autores que contribuíram para o conceito moderno e, atual, de Estado,

ressalta-se, também, a lição de Hans Kelsen, que trata do referido instituto em várias de suas

obras, como na Teoria General del Estado, trazendo inúmeros conceitos, entendendo que o

Estado, independentemente da conceituação, estará, sempre ligado ao social, sendo o Estado o

conceito específico, dentro de um conceito genérico, que é a sociedade. O Estado seria,

portanto, o conjunto de todos os fenômenos sociais.

Uma das mais usuais é aquela em virtude da qual designamos como “Estado” o conjunto de todos os fenômenos sociais, identificando-o com a Sociedade (no sentido de uma totalidade orgânica e em consciente contraposição a qualquer de suas manifestações parciais). Uma variedade desta aplicação intensiva do conceito é o recente intento de identificar o “Estado”, pura e simplesmente, com a história em repouso, e a história como o Estado que flui (SPENGLER); frase criativa, mas falta a exatidão científica. 58

Hans Kelsen também trabalha o “Estado” em sua famosa obra: “Teoria Pura do

Direito”, onde destacou, entre outras coisas, que o Estado é uma ordem de coação, sendo que

57 HABERMAS, Jurgen. O Discurso filosófico da modernidade. São Paulo: LAEL, 1990, p.500-501. 58 KELSEN, Hans. Teoria general del Estado. Traducción directa do alemã por Luis Legaz Lacambra, México: Editora Nacional, 1959, p. 4. (tradução nossa). Uma de las más corrientes es aquella en virtud de la cual designamos como “Estado” el conjunto de todos los fenómenos sociales, identificándolo com la Sociedad (en el sentido de una totalidad orgánica y en consciente contraposición a cualquiera de sus manifestaciones parciales). Una variedad de esta aplicación intensiva del concepto es el reciente intento de identificar el “Estado” pura y simplesmente como la historia en reposo, y a la historia como el Estado que fluye (SPENGLER); frase ingeniosa, pero falta de exacititud científica. En contraposición a estos puntos de vista, hallamos a veces un concepto de “Estado” que considera a éste como uno de tantos hechos que constituye con los restantes el reino de lo social, de modo que la Sociedad es el concepto específico. (grifo do autor).

50

o “elemento político específico desta organização consiste na coação exercida de indivíduo a

indivíduo e regulada por essa ordem, nos atos de coação que essa ordem estatui.” 59 Além

disso, ressalta que apesar do Estado ser uma ordem jurídica, o contrário não é verdadeiro, já

que para que a ordem jurídica se caracterize como Estado, imprescindível à mesma o caráter

de organização, criando e organizando órgãos, devem funcionar em conformidade com o

princípio da divisão do trabalho para a criação e aplicação das normas que formam referida

ordem.

Para Norberto Bobbio, entender o Estado como sociedade civil ainda é possível,

todavia, referida definição se revela, a cada dia, mais incongruente e desviante. Para ele, é

indiscutível ser Nicolau Maquiavel considerado como o fundador da ciência política moderna,

sendo que por esse motivo, o Estado não pode mais ser confundido como uma forma de

sociedade, até porque, enquanto perdurou a controvérsia entre Estado e Igreja (acerca dos

limites a cada estabelecido) era aceitável que o Estado fosse definido como uma forma de

sociedade. Contudo, com o decorrer dos tempos, alteraram-se as conceituações, como, por

exemplo, quando do surgimento da doutrina natural e, da mesma forma, com o

contratualismo, momento em que o Estado passou a ser visto, especialmente, em seu aspecto

de associação, de forma voluntária, para a defesa de alguns interesses, como a propriedade, a

vida e a liberdade.60

Tércio Sampaio Ferraz Jr. faz uma breve análise do trabalho de Hans Kelsen, tendo

apontado que Direito e Estado se confundem, já que:

Direito é um conjunto de normas, uma ordem coativa. As normas, pela sua estrutura, estabelecem sanções. Quando uma norma prescreve uma sanção a um comportamento, este comportamento será considerado um delito. O seu oposto, o comportamento que evita a sanção, será um dever jurídico. Ora, o Estado, neste sentido, nada mais é que o conjunto das normas que prescrevem sanções de uma forma organizada. [...] Sem esta ordem normativa, o Estado deixa de existir juridicamente falando. Um Estado que é só força, só poder, só violência, ainda que eficaz, mas cujos comandos não constituem uma ordem, uma relação orgânica de normas sancionadoras e normas de competência, não pode ser considerado como tal ângulo da ciência jurídica.61 (grifo do autor).

59 KELSEN, Hans.Teoria pura do Direito. trad.: João Batista Machado, 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 316-317. 60 BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade: Para uma teoria geral da política, Trad.: Marco Aurélio Nogueira, 12. ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005, p.50. 61 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Por que ler Kelsen Hoje, in COELHO, Fábio Ulhoa. Para entender Kelsen. Prólogo de Tércio Sampaio Ferraz Jr., 4. ed., rev. São Paulo: Saraiva, 2001, XIX/XX.

51

Para outros, o Estado é uma realidade cultural, como Miguel Reale, que entende que o

Estado é uma realidade construída de forma natural, em decorrência da própria natureza social

do homem. Todavia, para ele, isso não acarreta na negação de que se deva, da mesma forma,

levar em consideração a contribuição que o homem, de maneira consciente e voluntária, tem

trazido à organização da ordem estatal. Complementa, ponderando que a referida concepção

culturalista do Direito, se dá, em virtude de que não é possível entender o Direito sem associá-

lo a um sistema de valores, já que se estabelecem relações de homem para homem com

exigência bilateral de fazer ou não fazer alguma coisa.62

Pedro Calmon associa a idéia de Estado a uma nação politicamente organizada, sendo

esta independente e soberana:

O Estado é a nação politicamente organizada. E a Nação, a coletividade que, em determinado território, unificada pela raça e pelo idioma, com os seus velhos costumes, as suas tradições comuns, o seu govêrno próprio, não se confunde com os outros grupos humanos. Ao contrário, dêles se distancia pelo vigor ou pela originariedade, pela fôrça inconsciente ou pela agressiva defesa de sua ‘cultura’... nacional. Estado é portanto nação emancipada (em relação às demais), independente ou soberana.63 (grifo do autor).

Lourival Vilanova levanta alguns questionamentos acerca da conceituação do Estado,

sendo que para ele, a noção de Estado é utilizada de forma bastante ampla, não estando

associado apenas a conceitos políticos:

O CONCEITO de Estado é um conceito que se encontra amplamente usado, na ciência da história, na sociologia, na teoria do direito público, na ciência política, na filosofia do Estado e na filosofia da cultura. Um termo com usos em tantas disciplinas, julgar-se-á, deve ter o mesmo conceito. Não obstante, cada disciplina ora suprime características, ora põe outras em mais evidência, de sorte que o termo recebe conceptuações que guardam analogia, mas não equivalência. [...] Julgamos acertado dizer que a conotação do termo Estado sofre três variações, em concordância com a categoria de conhecimento que se tem em vista. Se o conhecimento se dirige à origem e à formação do Estado, quer por método individualizador, quer pela forma generalizadora, teremos respectivamente a história do Estado e a sociologia do Estado; o conceito de Estado será amplo, no sentido acima indicado, e meramente descritivo do objeto. O conceito funciona, no conhecimento histórico e no conhecimento sociológico, como esquema aproximativo da realidade e como hipótese de trabalho. Para o conhecimento dogmático, o conceito de Estado é um conceito jurídico, é um conceito limitado à órbita do direito público. O objeto, correlato desse conceito, defini-se pela sua específica normatividade, quer dizer, distinta de sua normatividade ética ou religiosa. Se bem que o conceito dogmático de Estado seja descritivo, todavia, ressalta no objeto a categoria de dever-ser. Agora, se a classe de conhecimento

62 REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado. São Paulo: Martins, 1940, p. 8-9. 63 CALMON, Pedro. Curso de teoria geral do Estado. 5. ed., rev., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1958, p. 16.

52

referente ao Estado é conhecimento filosófico, o conceito de Estado envolve como constituinte necessária a referência a valor.64

Percebe-se que Lourival Vilanova traz como parte do conceito de Estado, no âmbito

filosófico, uma referência a valor, voltado para a busca do Estado justo, do Estado ideal,

capaz de assegurar que todos possam ter os direitos resguardados. É claro que o Estado ideal

normalmente encontra-se distanciado do Estado real, da própria realidade empírica.

Todos os autores trazidos, neste tópico (tanto os gregos como os que se sucederam),

contribuíram de alguma forma, para a construção do conceito de Estado, ainda que não

tenham diretamente tratado dele.

O melhor conceito de Estado é aquele que não fica adstrito à mera definição do termo

destituindo-o de finalidade, bem como de valoração. Aliás, como já manifestava Platão, para

o qual o Estado tinha por escopo a Justiça.

Importante lembrar que, nos tempos atuais, não há como se admitir que o Estado não

tenha como objetivo primordial o bem comum, como forma de alcançar a própria dignidade

da pessoa humana. Portanto, Estado, é formado pelos seus elementos constitutivos, povo,

território e soberania, visando atingir um bem maior; por intermédio da aplicação e efetivação

da dignidade da pessoa humana, pois a partir do momento que cada indivíduo for detentor de

dignidade, a sociedade, como um todo, verá alcançado o que deve ser a finalidade precípua do

Estado, o bem comum.

Como dito por Kant, tudo deve ter uma finalidade, não devendo, o Estado, se esquivar

de tal obrigação. E, essa finalidade deve ser sempre o ser humano e, nos tempos atuais, em

especial, deve ser a dignidade do ser humano, a bandeira a ser levantada e defendida pelo

Estado. Até porque, a dignidade da pessoa humana é fundamento do Estado, proibindo-se,

assim, o emprego utilitarista do homem, pois o ser humano não deve ser meio, mas fim.

Estado, de outro modo, como dito por autores acima citados, é uma unidade de poder,

organizada e soberana, constituído dentro de um território, ocupado por um povo. O Estado

64 VILANOVA, Lourival. Escritos jurídicos e filosóficos. Vol. 1, São Paulo: IBET, 2003, p. 114-115.

53

prescreve normas, eivadas de coação, visando à distribuição da Justiça, por intermédio da

consecução da dignidade da pessoa humana.

1.2 ELEMENTOS DO ESTADO

O Estado é constituído, segundo a doutrina clássica, por três elementos, sendo eles:

povo, território e governo soberano (ou soberania). E, para explicar o porquê da existência

desses elementos, Norberto Bobbio apresenta a conceituação de Mortati, na qual se encontra

que o Estado é “um ordenamento jurídico destinado a exercer o poder soberano sobre um

dado território, ao qual estão necessariamente subordinados os sujeitos a ele pertencentes.” 65

De outra forma, ensina Manoel Gonçalves Ferreira Filho, que, consoante dita a doutrina

tradicional, “[...] o Estado é uma associação humana (povo), radicada em base espacial

(território), que vive sob o comando de uma autoridade (poder) não sujeita a qualquer outra

(soberana).” (grifo do autor). Em resumo, diz que é “[...] o Estado uma ordem jurídica

relativamente centralizada, limitada no seu domínio espacial e temporal de vigência, soberana

e globalmente eficaz.” 66

Importante lembrar a lição de Paulo Bonavides, a qual traz que, após o fim do Império

romano, a Idade medieval (com sua organização feudal), predominantemente cristã, assistiu o

colapso do modelo de governo conhecido pelos antigos e, chamado de Estado. Pelo menos

com relação ao Estado, assim entendido como instituição materialmente reunido de coerção,

pronto a demonstrar a unidade de um sistema com plena normatividade e eficácia absoluta. 67

1.2.1 Soberania

Paulo Bonavides lembra que foi a soberania que inaugurou o Estado moderno, tendo

afirmado ainda que:

65 MORTATI, C. Instituzioni di Diritto pubblico. Cedam, Pádua, 1969, p. 23, apud BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade: Para uma teoria geral da política, Trad.: Marco Aurélio Nogueira, 12. ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005, p. 94. 66 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 29. ed., rev., atual., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 48. 67 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 4. ed., rev., ampl., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 20.

54

Ao termo da Idade Média e começo da primeira revolução iluminista que foi a Renascença, brilhante precursora da segunda revolução, a revolução da razão, ocorrida no século XVIII, o Estado Moderno já manifestava traços inconfundíveis de sua aparição cristalizada naquele conceito sumo e unificador – o de soberania , que ainda hoje é o seu traço mais característico, sem embargo das relutâncias globalizadoras e neoliberais convergentes no sentido de expurgá-los das teorias contemporâneas do poder. [...] foi a soberania, por sem dúvida, o grande princípio que inaugurou o Estado Moderno, impossível de constituir-se se lhe falecesse a sólida doutrina de um poder inabalável e inexpugnável, teorizado e concretizado na qualidade superlativa de autoridade central, unitária, monopolizadora de coerção.68

É claro que antes de se constituir uma instituição presente e manifesta, mas

despersonalisada, como o é o Estado, a autoridade se prendia, totalmente, à pessoa do

soberano, do príncipe. Sendo que, não se concebia o príncipe despido, destituído de suas

qualidades de soberano; das prerrogativas absolutas. Esse pensamento de grandeza de

soberania estava a coroar a cabeça do príncipe, sustentando, assim, o Estado Moderno, o qual

era Estado da soberania ou do soberano, para posteriormente, se transformar em Estado da

Nação ou do povo.

Na concepção de Hans Kelsen, a soberania não deve ser entendida como algo

totalmente ilimitado, já que afirma:

A afirmação de que a soberania é uma qualidade essencial do Estado significa que o Estado é uma autoridade suprema. A ‘autoridade’ costuma ser definida como o direito ou o poder de emitir comandos obrigatórios. O poder efetivo de forçar os outros a certa conduta não basta para constituir uma autoridade. O indivíduo que é, ou que tem, autoridade deve ter recebido o direito de emitir comandos obrigatórios, de modo que os outros sejam obrigados a obedecer. Tal direito ou poder pode ser conferido a um indivíduo apenas por uma ordem normativa. Desse modo, a autoridade, originalmente, é a característica de uma ordem normativa. Apenas uma ordem normativa pode ser ‘soberana’, ou seja, uma autoridade suprema, o fundamento último de validade das normas que um indivíduo está autorizado a emitir como ‘comandos’ e que os outros são obrigados a obedecer.69 (grifo do autor).

A soberania é um poder que constitui e fundamenta o Estado, sendo uma de suas

características primordiais. Permite que o Estado determine suas competências, de

conformidade com os seus critérios e necessidades.

68 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 4. ed., rev., ampl., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 21. 69 KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado. Trad.: Luiz Carlos Borges, 3. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 544-545.

55

Manoel Gonçalves Ferreira Filho traz uma conceituação bastante simples, mas eficaz

acerca do instituto, entendendo que: “[...] soberania é o caráter supremo de um poder:

supremo, visto que esse poder não admite qualquer outro, nem acima, nem em concorrência

com ele.” 70. (grifo do autor).

A Constituição da República do Brasil, em seu Art. 1º traz a soberania como

fundamento do próprio Estado Democrático de Direito, ao dispor que a República Federativa

brasileira é constituída pela união indissolúvel dos Estados, Distrito Federal e Municípios,

constituindo Estado Democrático de Direito, o qual tem por fundamentos, entre outros, a

soberania (que ocupa o primeiro inciso do mencionado artigo).

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, ao comentarem o referido Art. 1º,

ressaltam que não há limitação a este na ordem interna, sendo, portanto, um poder político

supremo e, também, independente, não sendo, assim, subserviente a ordens de governo

estrangeiro. É claro que não se pode deixar de lado o Direito Internacional, o qual, por meio

de cláusulas de supranacionalidade, permite que os Estados tenham a supremacia mitigada,

relativizada, em detrimento dos Tratados Internacionais dos quais o Estado seja signatário, na

medida em que estes ingressam na ordem interna do país71, como por exemplo, norma de

igual hierarquia à Constituição, como ora acontece no Brasil, com os Tratados Internacionais

de Direitos Humanos, na forma determinada pela Lei Maior, em face da Emenda

Constitucional nº. 45.

Ainda acerca da concepção moderna de soberania, importante transcrever o

pensamento de Rosemiro Pereira Leal, para o qual:

Poder-se-ia acrescentar que a soberania, na acepção moderna, como instituição condicionante e criadora do ordenamento jurídico dos povos em forma de Estados auto-determináveis e independentes, equivale a consciência coletiva que, por direito fundamental, decorre da livre manifestação do povo para modelar o Estado, segundo princípios imanentes à esssa própria consciência. Esses princípios, além de terem caráter jurídico, porque são ordenadores do Estado, devem guardar

70 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 29. ed., rev., atual., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 49. 71 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Constituição Federal comentada e legislação Constitucional: De acordo com as recentes Emendas Constitucionais. atual. até 10.04.2006, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 1187.

56

identidade com os postulados dos direitos fundamentais como caminhada histórica inexorável do homem à busca e sua plena libertação.72

Assim, entende-se por soberania a condição de um Estado que não se submete a outro

Poder; exercendo sua autoridade sem quaisquer restrições, lembrando-se a possibilidade de

mitigação dessa soberania, em decorrência de Tratados e Convenções Internacionais.

1.2.2 Povo

Acerca do conceito de povo, Hans Kelsen entende que este “[...] é constituído pela

unidade da ordem jurídica válida para os indivíduos cuja conduta é regulamentada pela ordem

jurídica nacional, ou seja, é a esfera pessoal de validade dessa ordem”.73

Veja-se que o autor entende que o povo constitui uma unidade jurídica, sendo a esfera

de validade, pessoal, do próprio Estado, que é a ordem jurídica nacional. Ao interpretar o

conceito de povo, trazido por Hans Kelsen, Manoel Gonçalves Ferreira Filho depreende que o

povo, que é a coletividade, emana de critérios que são fixados pela ordem jurídica estatal,

sendo, que, portanto, pertence ao povo quem o Direito assim determinar, dando como

exemplo, a dupla nacionalidade, onde o mesmo indivíduo faz parte de mais de um Estado.

Dessa forma, ressalta e aponta que, com Hans Kelsen, se pode e, deve, dizer que a ordem

jurídica estatal é composta por quem o Direito estatal reconhece como integrante do próprio

Estado, mas, referido integrante o é em sua dimensão pessoal. Conclui-se, portanto, que o

“[...] povo é o conjunto de todos aqueles para os quais vigora uma ordem jurídica. Ou seja,

para os quais, especificadamente, existe essa ordem jurídica (já que nenhuma ordem estatal

pode existir para reger, apenas, aqueles que ela considera estrangeiros).” 74 (grifo do autor).

Já, para Pedro Calmon, o conceito de povo está ligado à participação e integração na

sociedade política, tendo em vista que para esse autor, povo é “o conjunto de cidadãos.” 75

Sendo que, quando se menciona revolta do povo, ou opinião do povo, está se referindo

(segundo a opinião do autor) à parte da população integrada na sociedade política, não sendo,

72 LEAL, Rosemiro Pereira. Soberania e mercado mundial: A crise jurídica das economias nacionais. 2. ed. rev., atual., Rio de Janeiro: De Direito, 1999, p. 39. 73 Kelsen, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. Trad.: Luis Carlos Borges, São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 334. 74 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 29. ed., rev., atual., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 48. 75 CALMON, Pedro. Curso de teoria geral do Estado. 5. ed., rev., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1958, p. 125.

57

portanto, para ele, todas as pessoas que vivem no mesmo território e sob a mesma ordem

jurídica estatal.

Não se pode confundir povo com nação ou com população, sendo estes dois últimos

institutos diversos do primeiro, já que povo é conjunto de pessoas ligadas ao Estado por um

vínculo jurídico ou político. População, de outra forma, é algo mais amplo, já que está

relacionado a todos aqueles que se encontram dentro de determinado território, neles se

incluindo os estrangeiros e o próprio povo (de determinado país). Já, nação, é o conjunto de

pessoas ligadas por laços culturais, históricos e lingüísticos, não havendo necessidade de

estarem vinculados efetivamente a um Estado (como é o caso da nação palestina)76; ou,

também, pode-se dizer que nação é o território com autonomia política e habitado por um

povo.

1.2.3 Território

Outro elemento constitutivo do Estado, o território, que seria o espaço físico deste,

composto por porções de terra, água e ar (espaço aéreo); é o espaço onde o Estado exerce de

maneira exclusiva e, independente, a sua soberania. Para Pedro Calmon, “O território é a base

física, o âmbito geográfico da Nação, onde ocorre a validade de sua ordem jurídica. É

patrimônio sagrado – inalienável – do povo.” 77

Nas palavras de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, território “[...] é o domínio espacial

de vigência de uma ordem jurídica estatal. É também por ela definido, tanto no tocante às

terras como às águas, tanto no concernente às profundezas quanto às alturas.” 78

1.3 UM RESGATE NA VISÃO ECONÔMICA DA ANTIGUIDADE

Importante que se faça, neste momento, no presente trabalho, uma viagem retrospectiva,

até os primórdios da humanidade desenvolvida, verificando-se, brevemente, as idéias

econômicas da antiguidade.

76 DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2005, p. 3. 77 CALMON, Pedro. Curso de teoria geral do Estado. 5. ed., rev., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1958, p. 128. 78 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 29. ed., rev., atual., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 48.

58

Entre os séculos XII ao VIII, antes de Cristo, a economia era apenas doméstica, nas

cidades gregas. Após esse período, a Grécia (mais especificadamente no século V a.C. –

período clássico -, e entre os séculos IV a III a.C. – era helênica), viveu uma fase de

econômica propriamente dita, sendo esta, uma fase econômica de trocas, na qual os

estrangeiros e libertos tiveram papel de suma importância, nessa época em as conquistas

abrem espaço para que a Grécia desenvolva o comércio, por intermédio da abertura para

novos e ricos mercados. E, alguns caracteres da Grécia contribuíam para o desenvolvimento

do comércio e da navegação, como a pobreza e escassez do solo, bem como o número elevado

da população. E, ainda, algumas características geográficas, como o local em que estava

situado o território grego, com um mar repleto de golfos e baías.79

Tudo isso, porém, não fez desenvolver um pensamento econômico de grande escala. E,

tal fato se deu em virtude do predomínio da filosofia, que orienta o pensamento da população,

impedindo o estudo, de forma independente e isenta acerca dos problemas e questionamentos

econômicos, em face das seguintes ideais: pensamento dominante do geral sobre o particular;

igualdade; e, o desprezo pela riqueza.

As idéias acima apontadas se justificam em decorrência da realidade grega, já que o

pensamento que tratava da prevalência do geral sobre o particular se entende pelo fato de que

a Grécia era dividida em cidades (que eram independentes), que viviam em guerra, umas com

as outras. Desse modo, a cidade e, sua proteção, era a principal preocupação e, não o

comércio, tendo em vista que o indivíduo devia se sacrificar em nome do coletivo, em nome

da segurança e prosperidade de todos. Quanto à idéia de igualdade, esta se dava em virtude de

que, em um local onde se verifica a exigüidade dos meios de existência parece improvável

que alguém possa acumular riquezas sem que isto ocorra à custa da perda de outra pessoa. E,

a ética, domina as manifestações teóricas e práticas do espírito grego. Dessa forma, a visão

econômica acaba sendo obscurecida pelos ideais e pensamentos filosóficos da época.

Por fim, pode-se dizer que os pensamentos filosóficos levaram ao desprezo à riqueza,

como bem demonstra Platão, ao afirmar que: “O ouro e a virtude são dois pesos colocados nos

pratos de uma balança, de tal modo que um não pode subir sem que desça o outro.” 80 Sendo

assim, entendia-se que a acumulação de riquezas era contrária a uma vida virtuosa e, o

79 HUGON, Paul. História das Doutrinas Econômicas. 14. ed., 14. tir., 1995, p. 30. 80 PLATÃO, apud, HUGON, Paul. História das Doutrinas Econômicas. 14. ed., 14. tir., 1995, p. 32.

59

homem só conseguia obter a felicidade se vivesse de forma a observar a virtude, já que a

primeira reside na segunda. A preocupação primordial do homem não deveria ser a riqueza,

mas sim, a vida da alma. Tudo isso acabava por dificultar a propagação das idéias

econômicas, mas não as impediu de ocorrer.

Outro ponto que merece destaque é a respeito da moeda, que surgiu, na forma cunhada,

na Grécia, por volta de VIII e VII a.C, tendo sido o instrumento necessário à expansão

econômica. É claro que antes desse período havia outras espécies de “moeda”, que serviam

para facilitar o “comércio”, à base de troca de mercadorias, como, por exemplo, o gado.

Paul Hugon lembra que Aristóteles, na obra “Política”, discorre acerca do histórico da

moeda, mostrando, “[...] ter tido a sua invenção por fim obviar as dificuldades da troca direta.

A troca por meio de moeda, operação abstrata, suprime os inconvenientes da permuta ou troca

direta, ato concreto.” 81 Assim, Aristótes estabelece primordial diferença entre as duas

economias sucessivas, sendo a primeira, a cremática natural, que é a economia chamada

doméstica, que entende ser boa e necessária; a segunda, de outra forma, é a cremática não

natural ou economia mercantil, que, de outro modo, é censurável, já que acaba por levar o

indeivíduo a obter da troca um provento, um ganho, o que é totalmente contrário à natureza.82

Diferentemente dos gregos, os romanos tinham o pensamento econômico intimamente

ligado à política e, não à filosofia. Apesar da existência de uma vida econômica, não havia,

em Roma (aqui se tratando da Roma antiga), um pensamento econômico geral e

independente. Em face de se tratar de um grande Império, o qual dominou o mundo conhecido

à época, Roma era um grande mercado, no qual circulavam mercadorias do mundo todo.

Todavia, reinava, em Roma, o espírito da dominação, por terem caráter militar e política, onde

a acumulação de riquezas tinha apenas um propósito, o de fazer novas conquistas, bem como,

assegurar as já realizadas. O Império Romano possuía uma tendência, inicialmente,

intervencionista, que teve seu auge na antiguidade romana, mas que acabou por ocasionar

dificuldades de abastecimento e, posteriormente, individualista, representada pelos

jurisconsultos romanos.

81 ARISTÓTELES, apud, HUGON, Paul. História das Doutrinas Econômicas. 14. ed., 14. tir., 1995, p. 37. 82 HUGON, Paul. História das Doutrinas Econômicas. 14. ed., 14. tir., 1995, p. 37.

60

1.4 CONSIDERAÇÕES DO PENSAMENTO ECONÔMICO NA IDADE MÉDIA E

PERÍODO SUBSEQUENTE

Para Paulo Hugon, a Idade Média, do ponto de vista econômico, pode ser dividida em

duas fases primordiais, sendo que o primeiro período se deu entre os séculos V a XI e, o

segundo, do século XI ao XIV. Na primeira fase, tem-se a invasão dos bárbaros, que resultou

no fim da economia antiga e o surgimento e fortalecimento do feudalismo, criando, assim, o

fracionamento político e a fragmentação econômica. Nesse período, a produção é

praticamente toda rural, sendo que as trocas passam a ser insignificantes e rudimentares, não

ultrapassando, em regra, a localidade, que vive às margens do castelo do senhor feudal. A

população passa a se reanimar a partir do século XI, para expandir-se do século XII, em

diante, tendo ressurgido o sistema de trocas.83

É importante lembrar que no sistema feudal detectava-se a existência de três classes,

sendo elas, a dos sacerdotes, dos guerreiros e dos trabalhadores, sendo que esta última

produzia o sustento das duas primeiras. A maioria das terras agrícolas da Europa ocidental e

central estava dividida em áreas conhecidas como feudos, sendo que um feudo consistia

apenas em uma aldeia e as várias centenas de acres de terra arável que a circundavam, e nas

quais o povo da aldeia trabalhava. No período feudal a terra produzia praticamente todas as

mercadorias de que necessitava e, dessa maneira, a terra e, somente e, especialmente, a terra

era a chave da fortuna de um homem. Por isso, a importância exacerbada que tinha a terra

naquele período.

A medida de riqueza era determinada por um único fator, qual seja a quantidade de

terra. Esta era, portanto, disputada de forma contínua, não sendo por isso de surpreender que o

período feudal tivesse sido um período de guerras. Para vencer as guerras era preciso aliciar

tanta gente quanto possível, e a forma de fazê-lo era contratar guerreiros, concedendo-lhes

terra em troca de certos pagamentos e promessa de auxílio, quando necessário. A igreja era,

além de parte, membro desse sistema feudal. A igreja constituía uma organização que se

estendeu por todo o mundo cristão; mais poderosa, maior, mais antiga e duradoura que

qualquer coroa. Tratava-se de uma era religiosa e a Igreja Católica, sem dúvida, tinha um

83HUGON, Paul. História das Doutrinas Econômicas. 14. ed., 14. tir., 1995, p. 45.

61

poder e prestígio espiritual tremendos. Além disso, tinha riqueza, no único sentido que

prevalecia na época, ou seja, a igreja foi a maior proprietária de terras no período feudal.

O ideal econômico da Igreja, nesse período medieval, se verifica pelo pensamento de

que a terra é dada aos homens por Deus e que aqueles que não a possuem devem ficar

resignados com tal fato, sendo que, ainda, o objetivo do trabalho não deve ser a acumulação

de riquezas e, a usura deve ser evitada por todos, o que acabou por atravancar o comércio de

uma maneira em geral, por entender a Igreja que o comércio não era menos reprovável que o

dinheiro. A Igreja, nesse mundo rigorosamente hierárquico, possui o primeiro e mais

importante lugar, possuindo ascendência tanto moral quanto econômica (pois, como já dito,

possui mais domínios do que a própria nobreza. Para melhor vislumbrar tais fatos, é

necessário transcrever a lição de Henri Pirenne, na obra “História econômica e social da Idade

Média”:

Seu conceito do mundo adaptou-se admiravelmente às condições econômicas desta época, em que o único fundamento da ordem social era a terra. A terra foi, com efeito, dada por Deus aos homens para que pudessem viver neste mundo pensando na salvação eterna. A finalidade do trabalho não é enriquecer, mas conservar-se na condição em que cada um nasceu, até que, desta vida mortal, passe à vida eterna. A renúncia do monge é o ideal a que tôda a sociedade deve aspirar. Procurar riqueza é cair no pecado da avareza. A pobreza é de origem divina e de ordem providencial. Compete, porém, aos ricos, aliviá-la por meio da caridade, de que os mosteiros dão exemplo. O excedente das colheitas deve-se, por conseguinte, armazenar para que se possa repartir gratuitamente, da mesma maneira como as abadias distribuem, de graça, os adiantamentos que se lhe pedem, em caso de necessidade. Proibição da usura. “Mutuum date nihil inde sperantes”. O empréstimo a juros, ou, para empregar o têrmo técnico com que é designado e que, deste então, teve significado pejorativo que se conservou até nossos dias, a usura, é uma abominação. Sempre foi proibida ao clero; a Igreja conseguiu, a partir do século IX, que se tornasse proibida também aos leigos, e reservou o castigo dêsse delito à jurisdição de seus tribunais. Além disso, o comércio em geral não era menos reprovável do que o do dinheiro. É também perigoso para a alma, pois afasta-a de seus fins últimos.84 (grifo do autor).

Após esse primeiro período feudal, entra em cena o comerciante, trazendo o

investimento da riqueza na Idade Média e o intercâmbio de mercadorias. Importante papel,

para que tal fato ocorresse, tiveram as Cruzadas e o próprio comércio, representado pelos

mercados e feiras.

84 PIRENNE, Henri. História econômica e social da Idade Média. Trad.: Lycurgo Gomes da Motta, 4. ed., São Paulo: Mestre Jou, 1968, p. 19.

62

Hoje, há inúmeras maneiras de se aplicar o capital, mas logo no início da Idade Média,

isso não era possível, e, tampouco, acessível, aos ricos. Estes possuíam grande fortuna, mas

era um capital estático e não continuamente movimentado como hoje, já não se necessitava

diariamente de dinheiro para adquirir coisas, pois quase nada era comprado. Praticamente

toda alimentação e o vestuário, de que o povo precisava, eram obtidos no feudo. Havia uma

economia de consumo, em que cada aldeia feudal era praticamente auto-suficiente. Sem

dúvida, havia certo intercâmbio de mercadorias, todavia, com o comércio em tão baixo nível

não havia razão para a produção de excedentes em grande escala. Só se fabrica ou cultiva

além da necessidade de consumo quando há uma procura firme. Assim sendo, o comércio nos

mercados semanais nunca foi muito intenso e era sempre local. Outro obstáculo à sua

intensificação era a péssima condição das estradas e com um grande número de salteadores.

Outros obstáculos retardavam a marcha do comércio. O dinheiro era escasso e as moedas

variavam conforme o lugar. Pesos e medidas também eram variáveis de região para região.

Por todos esses motivos, era pequeno o comércio nos mercados feudais locais.

Mas, o comércio cresceu, sendo que esse crescimento acabou por afetar a vida da

Idade Média. O século XI teve como palco o desenvolvimento do comércio; sendo que no

século seguinte, a Europa ocidental transformou-se em virtude desse evento. As Cruzadas

impulsionaram o comércio, já que necessitavam de provisões durante todo o caminho, e os

mercadores os seguiam, visando fornecer-lhes o que era necessário. Além disso, verificou-se

um aumento na população, depois do século X, sendo que os novos habitantes necessitavam,

da mesma forma, de mercadorias. A procura aumentou vertiginosamente, aumentando, com

isso, a necessidade do fornecimento de mercadorias.

No tocante às Cruzadas e seus motivos, tem-se que em primeiro, havia a Igreja, a qual,

sem dúvida, ali estava, por um motivo religioso legítimo, mas, também, no sentido de

reconhecer que se tratava de uma época de luta. Segundo, enquanto a igreja Romana

encontrou nas Cruzadas a oportunidade de estender seu poderio, a Igreja Bizantina via nelas o

meio de restringir o avanço mulçumano ao seu próprio território. Terceiro, havia os nobres e

cavaleiros que desejavam os saques ou estavam endividados, e os filhos mais novos, com

pequena ou nenhuma herança, sendo que, assim, todos julgavam ver nas Cruzadas uma

oportunidade para adquirir terras e fortuna. E, em quarto, havia as cidades de Veneza, Gênova

e Pisa. Veneza foi sempre uma cidade comercial, apresentando uma localização ideal para a

época, pois o bom comércio era o do Oriente, tendo o Mediterrâneo como saída. E, as cidades

63

comerciais italianas encaravam as Cruzadas como uma oportunidade de obter vantagens

comerciais. Assim é que a terceira Cruzada teve por objetivo não a reconquista da Terra

Santa, mas, sim, a aquisição de vantagens comerciais para as cidades italianas. Os cruzados

atravessaram Jerusalém, em demanda das cidades comerciais ao longo da costa.85

A quarta Cruzada começou em 1201. Desta vez, Veneza desempenhou o papel mais

importante e lucrativo. Se os séculos XI e XII presenciaram um renascimento do comércio no

Mediterrâneo, ao sul, viram também o grande despertar das possibilidades comerciais nos

mares do norte. Nessas águas, o comércio não renasceu. Pela primeira vez, na história, tornou-

se realmente intenso.

Nos séculos XII e XIII, os meios de transporte não estavam tão desenvolvidos. Nem

havia uma procura firme e constante de mercadorias, em todas as regiões, que pudesse

garantir às lojas uma venda diária durante todo o ano. A maioria das cidades, por esse motivo,

não podia ter comércio permanente, sendo que as feiras periódicas na Inglaterra, França,

Bélgica, Alemanha e Itália constituíam um passo em prol do comércio estável e permanente.

Note-se que há diferença entre os mercados locais semanais, os dos primórdios da Idade

Média e, as grandes feiras do século XII ao XV. Os mercados eram pequenos, negociando

com os produtos locais; agrícolas. As feiras, no entanto, eram enormes, negociando

mercadorias por atacado, as quais vinham de todos os pontos do mundo conhecido à época.

Outro ponto a se destacar é o uso do dinheiro, da moeda, que torna o intercâmbio de

mercadorias mais facilitado e, dessa maneira, auxilia o comércio, posto que o incentive. A

intensificação do comércio, em contrapartida, reage na extensão das transações financeiras.

Depois do século XII, a economia, antes de ausência de mercados, se transformou, de forma

radical, para uma economia de muitos mercados; e com o crescimento do comércio, a

economia natural do feudo auto-suficiente do início da Idade Média se transformou em

economia de dinheiro, num mundo de comércio em constante expansão.86

Um dos efeitos que mais se verifica com os fatos acima relatados e, com o

desenvolvimento e aumento do comércio, é o crescimento das cidades. Em decorrência disso,

surgem as corporações, que eram contrárias aos pensamentos feudais. O choque foi inevitável.

85 HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Trad.: Waltensir Dutra, 21. ed., rev., Rio de Janeiro: LTC, 1986, p. 18-19. 86 Idem, p. 24.

64

Com o crescimento da influência dos mercadores estes acabaram por modificar o sistema

feudal, pois o mercado é dinâmico e não podia continuar aceitando as “amarras” impostas

pelos senhores feudais. Além disso:

Nos primórdios do feudalismo, a terra, por si só, constituía a medida da riqueza do homem. Com a expansão do comércio surgiu um novo tipo de riqueza – a riqueza em dinheiro. No início da era feudal o dinheiro era inativo, fixo, móvel; agora se tornara ativo, vivo, fluido. No início da era feudal os sacerdotes e guerreiros, proprietários de terras situavam-se num dos extremos da escala social, vivendo do trabalho dos servos, que se encontravam no outro extremo. Agora, um novo grupo surgia – a classe média, vivendo de uma forma diferente, da compra e da venda. No período feudal, a posse da terra, a única fonte de riqueza, implicava o poder de governar para o clero e a nobreza. Agora, a posse do dinheiro, uma nova fonte de riqueza, trouxera consigo a partilha no governo, para a nascente classe média.87

Outro ponto a destacar sobre este tópico, é que não se podia mais conceber a idéia,

trazida e defendida pela Igreja – como já relatado acima -, de que os juros não deveriam ser

praticados, por ser a usura um pecado, já que o homem deveria se contentar com aquilo que

Deus lhe havia dado na terra. O justo, segundo os preceitos da Igreja, era receber exatamente

aquilo que havia sido emprestado, na mesma medida. Todavia, a própria Igreja não seguia

seus ensinamentos, realizando empréstimos (tomando e concedendo), com cobrança de juros.

Lentamente a Igreja acabou por aceitar, em face da força dos comerciantes da época, e fez

concessões acerca da usura, o que permitiu um avanço ainda maior do comércio. E, dessa

forma, “[..] foi desaparecendo a doutrina da usura da Igreja e ‘a prática comercial diária’

passou a predominar. Crenças, leis, formas de vida em conjunto, relações pessoais – tudo se

modificou quando a sociedade ingressou em nova fase de desenvolvimento.”88 (grifo do

autor).

Ato contínuo modifica-se a situação do camponês, que começa a ser dono de terra.

Uma das modificações mais importantes foi a nova posição do camponês, já que enquanto a

sociedade feudal permaneceu estática, no tocante à relação entre senhor e servo, fixada pela

tradição, foi praticamente impossível ao camponês melhorar sua condição. Contudo, com o

crescimento do comércio, a introdução de uma economia monetária, bem como, com o

crescimento das cidades proporcionaram-lhe formas para, finalmente, romper os laços que

ainda o prendiam.89

87, HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Trad.: Waltensir Dutra, 21. ed., rev., Rio de Janeiro: LTC, 1986 p. 33. 88 Idem, p. 38. 89 Idem, p. 39.

65

Além disso, verifica-se aqui, a valorização do indivíduo (de forma incipiente, é

claro), antes relegado a mero fornecedor de força de trabalho, “burro de carga” e, agora, como

um possível consumidor, detentor de riquezas.

A velha organização feudal rompeu-se sob a pressão de forças econômicas que não podiam ser controladas. Em meados do século XV [...] O trabalhador agrícola passou a ser algo mais do que um burro de carga. Podia começar a levantar a cabeça com um ar de dignidade. [...] O fato de que a terra fosse assim comprada, vendida e trocada livremente, como qualquer outra mercadoria determinou o fim do antigo mundo feudal. Forças atuando no sentindo de modificar a situação varriam toda a Europa ocidental, dando-lhe uma face nova.90

A indústria também se modifica, já que, inicialmente, a produção era feita em casa

mesmo, independentemente da espécie de mercadoria a ser comercializada. A indústria

deixou de ser doméstica, passando à cidade, tornando-se local. Surge o artesanato

profissional, assim como o regime das corporações e, com isso o senhor feudal é substituído

pela burguesia.

Na última metade do século XIV, as corporações começaram a decair. O poder das

cidades livres começou a enfraquecer. E, novamente, passaram a ser controladas de fora,

todavia sob uma nova forma; especialmente por um rei, o qual pretendia unificar num Estado

nacional regiões até então desorganizadas; verdadeiras nações com territórios definidos.

Surge, portanto, o absolutismo.

Em 1453, com a tomada de Constantinopla pelos turcos, finalizou-se o comércio com

o Mediterrâneo oriental. A burguesia européia foi obrigada a encontrar novas rotas comercial

pelo oeste, contribuindo-se, assim, para o progresso das técnicas de navegação, que se

permitiram os grandes descobrimentos. Concomitantemente, houve uma repulsa pela cultura

medieval e a busca de uma nova identidade, o que faz surgir o Renascimento (e, com o

Renascimento, tem-se a volta das idéias Gregas e, portanto, o humanismo).

Com o absolutismo, vem, também, a corrida pela acumulação de riquezas, dentro dos

Estados. E, os reis tentaram, de todas as formas, acumularem ouro e prata e, uma dessas

formas se consolidou nas grandes navegações, já que se tentava localizar metais preciosos em

outros cantos da terra. Ora, nesse período, quando o ouro e prata eram tão necessários à

90HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Trad.: Waltensir Dutra, 21. ed., rev., Rio de Janeiro: LTC, 1986, p. 47-48.

66

expansão do comércio, essa mesma expansão propiciou a descoberta de grandes jazidas

desses mentais que, por sua vez, levaram a uma expansão ainda maior do comércio. Para o

povo do século XV, Colombo, que não tivera êxito em sua viagem às Índias, representava um

fracasso. Foi somente no século XVI, com o afluxo da prata das minas do México e do Peru

para a Espanha, que se deu a essa descoberta o devido valor. Assim, novos navios foram

“lançados”, em todas as direções. Em 1497, Vasco da Gama, circunavegou o continente

africano, e em 1498 ancorou no porto de Calecute, Índia. Descobrira-se o caminho marítimo

para as Índias. 91 Em 1500, o Brasil é descoberto.

Apesar dos lucros dos mercados, perde os governos e os trabalhadores, gerando

conseqüências na agricultura, o que acaba por elevar o número de miseráveis. Os dados sobre

o número de mendigos nos séculos XVI e XVII são surpreendentes. Um quarto da população,

de Paris, na década de 1630, era constituída de mendigos, e nos distritos rurais seu número era

igualmente grande. Na Inglaterra, as condições não eram melhores. A Holanda estava cheia

delas e na Suíça. Qual a explicação dessa miséria generalizada entre as massas, num período

de grande prosperidade pra uns poucos? A guerra, como sempre, foi uma das causas.92

Com a expansão do mercado, surge o embrião do hoje conhecido sistema capitalista.

Do século XVI ao XVIII, os artesãos independentes da Idade Média tendem a desaparecer, e

em seu lugar surgem os assalariados, que cada vez dependem mais do capitalismo mercador-

intermediário-empreendedor.

Entre os séculos, XVII e XVIII, tem-se a fase da política mercantilista. Pretendia-se

transferir para o plano nacional os princípios que havia tornado as cidades ricas e importantes.

Tendo organizado o Estado político, como anteriormente apontado (na forma das monarquias

absolutistas) faltava, agora, organizar o Estado econômico. As teorias expressas e as leis

baixadas foram classificadas pelos historiadores definitivamente como sistema mercantil, não

sendo, todavia, um sistema. O mercantilismo era, na realidade, um número de teorias

econômicas aplicadas pelo Estado em um momento ou outro, num esforço para obter riqueza

e poder. Os estadistas ocupavam-se e, muito, do problema, não porque lhes fosse agradável

91 HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Trad.: Waltensir Dutra, 21. ed., rev., Rio de Janeiro: LTC, 1986, p. 79-80. 92 Idem, p. 88.

67

pensar nele, todavia em face de que seus governos estavam sempre extremamente

interessados na questão, já que sempre se encontravam em situação financeira desfavorável.93

A Espanha foi, no século XVI, talvez o mais rico e poderoso país do mundo. A posse

de ouro e prata, portanto, o total de barras que um país possuísse, era o índice de sua riqueza e

poder. Como os governos acreditavam nessa teoria de que quanto mais ouro e prata houvesse

num país, tanto mais rico este seria; o passo seguinte era óbvio. Criaram-se leis proibindo a

saída dos metais. E, além disso, os países poderiam aumentar sua reserva de ouro com o

comércio exterior, onde a diferença no valor de suas exportações, em relação às importações,

teria de ser paga em metal (acumulando-se assim dentro do país). Necessitava-se, então,

exportar mercadorias de valor e importar apenas o que fosse necessário, recebendo o saldo em

dinheiro. Dessa maneira, estimulou-se a indústria de todas as formas possíveis, em que face

de seus produtos tinham um valor muito maior do que os da agricultura, conseguindo, assim,

mais dinheiro nos mercados estrangeiros. Era o começo da balança de comércio favorável,

além da tentativa de tornar o país auto-suficiente, não dependendo, assim, de outros países.

Mercantilistas foram a favor do desenvolvimento da indústria, tendo asseverado que o

crescimento da indústria representava um grande aumento nas exportações, o que auxiliava

em uma balança comercial favorável, e, além disso, acabava por implementar o emprego.

Em 1776, os norte-americanos fizeram a Declaração da Independência, soltando-se,

portanto do julgo mercantilista da Inglaterra. No mesmo ano, Adam Smith publicou a obra

“Riqueza das nações”, trazendo a crescente revolta contra a política mercantilista. Havia um

clamor pelo comércio livre. Outros autores também participaram desse “levante” contra o

sistema mercantilista, entre eles se destacando Gounay, que estava indignado com a

regulamentação excessiva, presente no referido sistema. Desejava que a França, seu país, se

livrasse da mesma, tendo criado, então, a frase que se tornou o grito de batalha de todos os

que se opunham às restrições de toda sorte: “Laissez-faire!”, ou seja, “Deixem-nos em paz!”.

Os impostos, nessa fase, eram demasiadamente altos, sendo que o chamado Terceiro

Estado, como apontado anteriormente, sustentava os outros dois, o clero e a nobreza. Referida

situação encontrava-se insustentável. O povo, que não possuía nenhum privilégio começou a

93HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Trad.: Waltensir Dutra, 21. ed., rev., Rio de Janeiro: LTC, 1986, p. 108.

68

se revoltar. A burguesia estava desejosa para que seu poder político se igualasse ao poder

econômico que já possuía. A burguesia, que também fazia parte do Terceiro Estado (já que

não tinha nenhuma espécie de privilégio) juntou-se ao povo, propriamente dito (aqui

entendidos os miseráveis, artesãos e camponeses), para a tomada do poder. A classe

economicamente mais baixa lutou e a burguesia lucrou.

Com a revolução francesa, em 1789, a classe burguesa conseguiu, finalmente, obter o

que pretendia: poder. Como bem salienta Leo Huberman, “O ano de 1789 bem pode ser

considerado como o fim da Idade Média, pois foi nele que a Revolução Francesa deu o golpe

mortal no feudalismo.” 94 Com isso, a burguesia introduziu, definitivamente, o capitalismo,

buscando-se sempre o lucro e, isso foi concebido de forma a permitir o livre comércio, sem a

intervenção do Estado, como acontecia até aquele momento, passa-se, então à fase do

Liberalismo.

1.5 A DOUTRINA LIBERAL E AS ESCOLAS DO PENSAMENTO ECONÔMICO

A Revolução Francesa marca o fim de uma era, sendo que com a referida revolução

surge a necessidade de um novo modelo de Estado, tendo, se aprimorado, então, o modelo

liberal, que vem, justamente, para romper com anterior, que era centralizador, no qual o

Estado era o elemento central (exteriorizada na figura do monarca). Como acima apontado, a

classe burguesa foi a que mais ganhou com a revolução, sendo que, inclusive, pode-se afirmar

que, “o Estado liberal humanizou a idéia estatal, democratizando-a teoricamente, pela

primeira vez, na Idade Moderna, Estado de uma classe – a burguesia [...].” 95

Para Caio Tácito:

Estado liberal nasce sob o signo de liberdade do cidadão. Limitando o poder absoluto do Estado afirma os direitos individuais e políticos. A ordem econômica se fundamenta no princípio da liberdade de iniciativa e de comércio, assegurando o florescimento da burguesia e disseminação do novo regime capitalista. A ação do

94 HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Trad.: Waltensir Dutra, 21. ed., rev., Rio de Janeiro: LTC, 1986, p. 140. 95 BONAVIDES, Paulo. O Estado social e sua evolução rumo à democracia participativa, in MEZZAROBA, Orides (org.). Humanismo latino e Estado no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2003, p.17-18.

69

Estado visa facilitar e garantir o livre jogo dos negócios, tendo como base jurídica a autonomia da vontade, em que se apóia a liberdade de contrato e de associação.96

Importante apontar que, no Estado liberal, a economia ficava por conta dos particulares,

já que não havia, nesse momento, a figura do Estado interventor, sendo que, por esse motivo,

permitia que os indivíduos tivessem total liberdade. Até porque, o modelo do liberalismo se

apóia, totalmente, na idéia de liberdade. Sendo que o liberalismo latu sensu “é toda doutrina

ou posição tendente a aumentar o campo de ação da liberdade humana, e diminuir,

consequentemente, o autoritarismo nas diversas maneiras como se apresenta.” 97

Acerca do tema, não é demais ressaltar, nesta oportunidade, que:

A particularidade que assume a teorização liberal, desde Locke (justificando a apropriação privada e o capitalismo), pelo menos, passando por Adam Smith, é a de que os interesses privados seriam responsáveis pela satisfação de interesses coletivos. Aqui se dá a conciliação do bem comum com o benefício individual. Porém, é importante ressaltar, em nenhum momento o pensamento liberal se desvia, muito pelo contrário, da tradição de pensar o Estado como legitimado por buscar o bem comum, no sentido de oportunizar à apropriação privada do Poder Público. Apenas para o liberalismo, o bem comum passa a ser tendencialmente alcançado mediante o resguardo máximo da liberdade individual em face do Estado.98

Já, Miguel Reale, tem entendimento diverso, afirmando, de maneira categórica, que:

“O liberalismo se caracteriza, em tôdas (sic) as suas expressões, pela permanente

desconfiança em face dos governos, e pela confiança otimista que deposita nas virtudes dos

dispositivos legais tendentes a cercear os excessos de autoridade.” 99

O liberalismo pregava a liberdade das pessoas, sem a intervenção estatal, em nenhum

campo, o que também valia para o campo econômico, onde o capitalismo reinava absoluto,

buscando o seu objetivo, lucro, sem a intervenção do Estado. Vigorava a autonomia da

vontade, onde o que se pactuava deveria ser cumprido, independentemente do que ou como

fora pactuado.

Alvacir Alfredo Nicz aponta que o Estado eminentemente liberal, não trazia, em suas

Constituições, referências à ordem econômica, o que, para esse autor, demonstrava o 96 TÁCITO, Caio. Do Estado liberal ao Estado do bem-estar social. Temas de Direito Público, Rio de Janeiro: Renovar, 1997, 1v., p. 377. 97 RIBEIRO JÚNIOR, João. Pessoa, Estado & Direito. São Paulo: Universidade São Francisco, 1992, p. 97. 98 AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços públicos. São Paulo: Max Limonad, 1999, p.42. 99 REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado. São Paulo: Martins, 1940, p.25.

70

completo desinteresse do Estado no tocante aos rumos tomados pela economia. Lembra,

ainda, que as Declarações de Direito também não eram diferentes. Assim, a preocupação do

Estado estava cingida à segurança interna e externa, estando, portanto, vinculado a uma

função de manutenção policial em seu âmbito interno, bem como, das forças armadas, no

tocante ao ambiente externo, não se preocupando de forma direta com a Economia. 100

O liberalismo, assim, funcionou como suporte para o capitalismo, permitindo que este

sistema econômico pudesse crescer e se desenvolver sem a interferência estatal a lhe tolher os

movimentos.

O Estado liberal e o Estado socialista, frutos de movimentos que resolveram e abalaram com armas e sangue os fundamentos da sociedade, buscavam, sem dúvida, ajustar o corpo social a novas categorias de exercício do poder, concebidas com o propósito de sustentar, desde as bases, um novo sistema econômico adotado por meios revolucionários.101

Para Paulo Bonavides, a evolução do próprio Estado Liberal que faz surgir o Estado

Social; avançando para eleger o caminho da Democracia participativa, inserindo na ordem

Constitucional os Direitos alcançados pelo homem, tendo se manifestado de forma expressa

que: “O Estado Liberal não é estático, e evolui; a dinâmica política, sem eliminar-lhe o

substrato da liberdade, mas antes forcejando por ampliá-lo, faz nascer o Estado Social, o qual

introduz nos artigos da Constituição os direitos sociais.” 102

1.6 CARACTERÍSTICAS DO INTERVENCIONISMO SOCIAL DO ESTADO

Após a exacerbada liberdade verificada no Estado liberal, o Estado passou a

desempenhar um papel diferenciado, começando a intervir não só nas relações econômicas,

como nas demais.

100 NICZ, Alvacir Alfredo. A liberdade de iniciativa na Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 2. 101 BONAVIDES, Paulo. O Estado social e sua evolução rumo à democracia participativa, in MEZZAROBA, Orides (org.). Humanismo latino e Estado no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2003, p. 26. 102 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 4. ed., rev., ampl., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 29.

71

Para José Anacleto Abduch Santos, o surgimento do Estado Social traz, consigo seu

caráter primordial, que é o intervencionismo, visando com tal método, promover a própria

sociedade, dando-lhe garantias e serviços:

Surge, portanto, a figura do Estado Social, que tem como fundamento de sua atuação prover ao conjunto da sociedade os sistemas vitais (serviços públicos essenciais) e de prestações (emprego, segurança social, saúde, acesso a bens culturais) que garantem o seu funcionamento, e um nívem mínimo de bem-estar. [...] a característica fundamental do Estado Social foi o intervencionismo, a absorção de responsabilidade plena sobre os destinos da sociedade.103

Tem-se que a ideologia do Estado social se distancia, de forma evidente do outro

modelo, do Estado liberal, sem, contudo, decompor as conquistas da liberdade e da igualdade;

de outro modo, apenas funcionalizando-as, visando focar as atenções no ser humano, em face

do que se encontra na Lei Máxima deste país. Tem-se a introdução de uma cláusula geral de

solidariedade social, também presente na Constituição Federal, que tem como propósito

basilar a manutenção dos direitos individuais, visando à Justiça social, conforme define seu

artigo 170, caput.104

Percebe-se que o Estado Social é o que mais se aproximou e, mais se adequou, para

efetivação dos valores abstratos e, universais das Declarações dos Direitos fundamentais,

voltando-se, sempre, para a constitucionalização de referidos Direitos, por serem de extrema

importância para a construção do próprio Estado.

É Estado social onde o Estado avulta menos e a Sociedade mais; onde a liberdade e a igualdade já não se contradizem com a veemência do passado; onde as diligências do poder e do cidadão convergem, por inteiro, para transladar, ao campo da concretização, direitos, princípios e valores que fazem o Homem se acercar da possibilidade de ser efetivamente livre, igualitário e fraterno. A esse Estado pertence também a revolução constitucional do segundo Estado de Direito, onde os direitos fundamentais conservam sempre o seu primado. Sua observância faz a legitimidade de todo o ordenamento jurídico.105

E é com o Estado Social que se tem a promoção da plena realização dos valores

humanos, colocando-se em destaque como função do Estado, a pacificação social, como meio

efetivo de realização e concretização da Justiça.

103 SANTOS, José Anacleto Abduch. Contratos de concessão de serviços públicos: Equilíbrio econômico-financeiro. 1. ed., 3. tir., Curitiba: Juruá, 2004, p.36/38. 104 NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva Civil-Constitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p.41-42. 105 BONAVIDES, Paulo. O Estado social e sua evolução rumo à democracia participativa, in MEZZAROBA, Orides (org.). Humanismo latino e Estado no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2003, p.27.

72

Alexandre Santos de Aragão ressalta um ponto muito importante, e, o faz, lembrando

que “a configuração de um Estado como liberal ou social decorre de sua Constituição, dos

princípios e fundamentos por ela adotados e, ainda, das obrigações impostas e prerrogativas

conferidas ao Estado.” 106 E, a Constituição da República brasileira possui normas, valores e

princípios que confirmam tal referência; social.

1.7 A NOÇÃO DE UM ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

O Estado Democrático de Direito, na sociedade atual, desempenha papel fundamental,

em face de ser um dos principais focos que possibilitam a reprodução construtiva da própria

sociedade, tanto no que se refere à sua complexidade sistêmica quanto no que concerne à sua

heterogeneidade de interesses, valores e discursos. 107

Ora, o Estado Democrático de Direito consiste numa organização política cuja

qualificação de Estado baseia-se em duas idéias que não podem ser separadas, que são a

prévia regulamentação legal e a democracia.

Além disso, é importante frisar que “[..] o princípio democrático impõe a submissão

das funções estatais à vontade democrática livremente manifestada”, já que a democracia

indica a participação efetiva do povo nas decisões políticas; nas decisões estatais, até porque:

“A legitimidade democrática é exigida, agora, para toda a atuação estatal, abrangendo desde a

necessidade de eleição democrática a fiscalização e garantia contra ingerências ilegítimas ou

ilegais dos órgãos representativos do poder.”108

Nas palavras de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, existem dois valores ditos

fundamentais, os quais são o alicerce da democracia: liberdade e igualdade, sendo que “a

106 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Configuração do Estado social brasileiro na Constituição de 1988: Reflexos da despublicização da atuação estatal. in FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de; NUZZI NETO, José (org.). Temas de Direito Constitucional: Estudos em homenagem ao advogado público André Franco Montoro. São Paulo: ADCOAS, 2000, p. 21. 107 NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: Uma relação difícil – O Estado Democrático de Direito a partir e além de Luhmann e Habermas. São Paulo: Martins Fontes, 2006, XIX. 108 STUMN, Raquel Denize. Princípio da proporcionalidade no Direito Constitucional brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995, p. 113.

73

liberdade de cada um e de todos é, assim, inerente à democracia.” 109 Dessa forma, conclui-se

que, para esse autor, são objetivos, primordiais, do Estado Democrático de Direito a garantia

plena da liberdade e igualdade.

Os objetivos fundamentais do Estado Democrático estão definidos pelo princípio

democrático, que é a garantia popular, visando que as políticas públicas e sociais estejam

resguardadas como finalidades do Estado. Referido princípio implica em democracia

participativa, ou seja, oferecer aos cidadãos efetiva possibilidade de participação na vida

política do Estado, permitindo que os mesmos possam fazer parte do processo decisório.

Consoante o pensamento de José Joaquim Gomes Canotilho, o poder político é

constituído, legitimado e controlado pelo povo, que são, da mesma forma, legitimados a

participarem no processo de organização e construção do próprio Estado, bem como do

Governo110. Além disso, o Estado Democrático de Direito não tem como sobreviver, com a

ausência de uma Lei Máxima, uma Constituição, que o garanta; estruture e, que, ainda, possa

regular todas as suas concretizações. Depreende-se, portanto, não ser possível e, nem

palpável, efetivar-se a plenitude do Estado Democrático de Direito divorciada da realização e

efetividade dos princípios constitucionais, não havendo, portanto, democracia sem respeito à

Constituição; sem que se cumpram todos os seus preceitos.

Rizzato Nunes, ao discorrer sobre o referido ponto, assim se posiciona:

[...] Os princípios estruturantes são aqueles que representam o arcabouço político fundamental constitutivo do Estado e sobre os quais se assenta todo o ordenamento jurídico. São, pois, princípios desse tipo o Princípio Democrático e o do Estado de Direito. Daí, claro, pela junção necessária que se faz, só se pode falar em Estado de Direito Democrático. [...] De qualquer maneira, é de indicar que no Sistema Constitucional Brasileiro é o princípio estruturante o Estado de Direito Democrático, e entendemos que também o é da dignidade da pessoa humana, uma vez que nossa ordem democrática reconhece a dignidade como elemento fundamental legitimador do Sistema Jurídico Nacional.111 (grifo do autor).

109 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 29.ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 99. 110 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 4. ed. Lisboa -Portugal: Almedina, s/d. 111 NUNES, Luiz Antônio Rizzato. O Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 37/40.

74

Verifica-se que o princípio da dignidade da pessoa humana encontra-se, na

Constituição brasileira, como fundamento a legitimar todo o sistema jurídico nacional. Além

disso, logo no primeiro artigo da Lei Máxima deste país, pode-se encontrar o Estado

Democrático de Direito como elemento constitutivo e indispensável, para a formação e

manutenção da própria República.

No Brasil tem-se, portanto, os alicerces de um Estado Democrático de Direito, no qual

o poder emana do povo, sendo por ele exercido, de forma direta ou indireta, por meio dos

representantes eleitos. Além disso, tem-se o caráter social, já que a Constituição, assim como

o Estado brasileiro rege-se por valores e princípios voltados para a dignidade da pessoa

humana e para a manutenção da sociedade como um todo e, também, do indivíduo, de

maneira particular, primando, assim, pela Justiça social.

Importante salientar os ensinamentos de Ruy de Jesus Marçal Carneiro, que, ao

discorrer sobre o Art. 1º lembra da importância da participação social nos eventos que

envolvem o próprio Estado, como apontado acima, já que participa ativamente da construção,

manutenção e organização do Estado, em face de que todo o poder emana do povo, devendo

ser, portanto, para ele direcionado. E, a dignidade da pessoa humana reforça essa idéia, pois

possibilita que o poder seja efetivamente exercido por todos e para todos, como prevê a

Constituição Federal.

Vê-se, neste registro, que tal poder não é um poder qualquer, vazio, anêmico, somente retórico, mas um poder definitivo, individualizado, singularizado, onde o próprio substantivo (PODER) sofre uma influência absoluta do artigo definido (O) que o antecede e o anima, reforçando a tese de que o poder do Estado brasileiro só tem um titular: O POVO.112 (grifo do autor).

A finalidade do Estado é, portanto, o bem comum, promovendo, para tanto, a

plenitude dos valores esculpidos na Constituição Federal, onde a dignidade da pessoa humana

ocupa lugar de destaque, pois, como salienta Ruy de Jesus Marçal Carneiro, o Estado

brasileiro só tem um titular, que é o povo, devendo, portanto, servi-lo, resguardando todos os

seus direitos. E, ao resguardar a dignidade humana, o Estado brasileiro consegue abrigar todos

os demais direitos individuais, pois sem moradia, alimentação, saúde, segurança etc., não há

como se efetivar a dignidade de cada ser humano. 112 CARNEIRO, Ruy de Jesus Marçal. Cooperação das associações representativas no planejamento municipal: preceito constitucional vinculante. Tese apresentada no Programa de Doutorado da PUC-SP, 2001, p. 19.

75

2. A CONSTITUIÇÃO COMO SISTEMA

Importante se faz, para o presente estudo, em que se pretende demonstrar que a

dignidade da pessoa humana é um princípio constitucional fundamental - capaz, portanto, de

atingir e limitar a ordem econômica, em face da interpretação sistemática -, entender a

Constituição como um sistema e, para isso, necessário se faz uma compreensão do que seja

sistema, sua finalidade, formas, elementos etc.

2.1 CONCEITO DE SISTEMA

Para apreender, da melhor forma possível, o conceito de sistema deve-se,

primeiramente, antes de adentrar-se no campo jurídico, partir da conceituação trazida por

outras Ciências, como as Ciências Biológicas, por exemplo, onde há uma busca por uma

existência equilibrada. Um exemplo mais palpável do que seria sistema é o corpo humano, o

qual funciona de forma ordenada, com a interdependência de vários órgãos, sendo que a falta

ou falha de qualquer um deles pode ocasionar falha no funcionamento ou, o perecimento do

sistema como um todo. Da mesma forma, têm-se, o sistema solar, que é um conjunto de

corpos celestes, todos convivendo em harmonia, dentro de um único espaço.

Nada determina que tenhamos que entrar nos sistemas tradicionalmente tratados pela física. Podemos muito bem buscar princípios aplicáveis a sistemas em geral, sem importar que sejam de natureza física, biológica ou sociológica. Sem estabelecermos isso e definirmos bem o sistema, observa-se que existem modelos, princípios e leis que aplicam a sistemas generalizados, sem importar com seu gênero particular, elementos e força participantes. 113

Assim, as outras Ciências possibilitarão a melhor compreensão do sistema jurídico,

dando contornos já conhecidos, visando impedir entendimentos errôneos do mesmo; como o

pensamento matemático de organização, conjunto e totalidade, por exemplo, os quais levam à

percepção de um sistema, bem como de seu próprio funcionamento.

113 BERTALANFFY. Ludwing von. Teoría general de los sistemas: Fundamentos, dessarolo, aplicaciones. trad. Juan Almela, México: Fondo de Cultura Económica, s.d., p. 33. (tradução nossa). Nada prescribe que tengamos que desembocar en los sistemas tradicionalmente tratados por la fisica. Podemos muy bien buscar principios aplicables a sistemas en general, sin importar que sean de naturaleza fisica, biológica o sociológica. Si planteamos esto y definimos bien el sistema, hallaremos que existem modelos, principios y leys que se aplican a sistemas generalizados, sin importar su particular género, elementos y ‘fuerza’ participantes. (grifo do autor).

76

Assim, pode-se dizer que a idéia de sistema está intimamente ligada a unidade e

ordenação, já que para que haja um sistema (em qualquer Ciência), necessário se faz que haja

uma similitude entre os componentes do próprio sistema, como é o caso dado acima do corpo

humano, onde vários órgãos funcionam de forma equilibrada, todos voltados a um único fim,

o de fazer o corpo funcionar de forma harmônica, sendo necessário para tal finalidade que os

órgãos trabalhem conjuntamente.

A definição trazida pelo Dicionário Caldas Aulete, aponta que sistema é o:

1. Conjunto de elementos interdependentes que funciona com uma estrutura organizada: sistema eleitoral/viário. 2. Forma de governo, de organização social (sistema político). 3. Fig. Pop. Conjunto de práticas com certa unidade; MÉTODO: sistema de trabalho. 4. Teoria que busca organizar dados e conhecimento num todo: sistema evolutivo de Darwin. 5. Conjunto natural constituído de partes e elementos interdependentes: sistema solar/ montanhoso. 6. Anat. Conjunto de órgãos que funcionam com um propósito comum (sistema digestório). 7. Qualquer forma específica de classificação ou esquematização (sistema métrico). 8. Aparelho de certa complexidade: sistema de som. 9. Inf. Conjunto formado pelo computador, periféricos e programas projetados para funcionar juntos.114 (grifo do autor).

De outra forma, é correto dizer que sistema é um conjunto composto por elementos

que funcionam de maneira ordenada, com um objetivo comum que os une; ou, ainda, a união

de elementos conexos entre si, com uma finalidade comum, funcionando em uma estrutura

organizada.

Como dito alhures, duas características são marcantes na definição de sistema, que

são: a ordenação e a unidade, que, para Claus-Wilhelm Canaris, no que tange ao primeiro (a

ordenação), tem-se a pretensão de com ela demonstrar um estado de coisas intrínseco

racionalmente apreensível, ou seja, fundado na realidade. Já, referente à unidade, pode

averiguar-se que esse fator modifica o que resulta já da ordenação, por não permitir uma

“dispersão numa multitude de singularidades” 115 (no sentido de que valores que analisados

isoladamente tem um significado diferente, mas quando reunidos, muda-se o panorama, sendo

que, dessa forma, a ordenação seria responsável pela junção de particularidades – por vezes

aparentemente desconexas – em algo unificado).

114 GEIGER, Paulo (editor responsável). Minidicionário contemporâneo da língua portuguesa Caldas Aulete. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004, p. 735. 115 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do Direito. Introdução e trad. de A. Menezes Cordeiro, 2. ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, s.d., p. 12-13.

77

Luiz Alberto Warat apresenta uma definição bastante clara acerca do instituto em

estudo, entendendo que um sistema é formado por vários elementos, ou várias partes,

atrelados por um escopo comum:

[...] sistema aparece como o objeto formado de porções que se vinculam debaixo de um princípio unitário ou como a composição de partes orientadas por um vetor comum. Onde houver um conjunto de elementos relacionados entre si e aglutinados perante uma referência determinada, teremos a noção fundamental de sistema. 116

Partindo-se para o conceito de sistema jurídico, após o entendimento do sistema de

maneira em geral, deve-se levar em consideração, primeiramente, o conceito trazido por Hans

Kelsen, para o qual o direito é entendido como uma ordem normativa; como um sistema de

normas que regulariam a conduta dos homens. E, nesse sentido, portanto, ordem, deve ser

percebida como um sistema de normas constituídas pelo mesmo fundamento de validade, o

que acarretaria, portanto, sua unidade. 117 Assim, mister considerar como elemento

imprescindível do sistema, a unidade, que torna possível a ligação entre os elementos

componentes de um dado sistema, estabelecendo-se uma conexão entre os mesmos.

Importante, também, ressaltar a concepção de Norberto Bobbio, o qual entende que

sistema é um conjunto de entes que possuem uma ordem, sendo que, ainda, aponta três

significados de sistema jurídico: o primeiro estaria mais próximo do significado de sistema

dedutivo, no sentido de que é considerado sistema quando todas as normas jurídicas, daquele

ordenamento, derivam-se de alguns princípios gerais – os princípios gerais do Direito; quanto

ao segundo significado é encontrado na Ciência do Direito moderno, o qual nasceu da

pandectista alemã, vindo de Savigny – “Sistema do Direito romano atual”, sendo que muitos

juristas entendem que tal passagem ocorreu quando da mudança da Jurisprudência exegética

para a Jurisprudência sistemática, sendo que a expressão Jurisprudência sistemática refere-se

ao campo das ciências empíricas e naturais. O procedimento desta forma de sistema é a

classificação e não a dedução; e, finalmente, no tocante ao terceiro e último (que, para

Norberto Bobbio é o mais interessante), tem-se que o sentido de sistema está interligado ao

pensamento de que um ordenamento jurídico constitui um sistema, em face de que não podem

coexistir nele normas incompatíveis, tem-se, neste, a idéia de sistema equivalendo-se à

116 WARAT, Luiz Alberto. O Direito e sua Linguagem. p. 65, apud, CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da incidência. 2. ed., rev., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 39. 117 KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. trad. João Batista Machado, 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 33.

78

validade do princípio que exclui a incompatibilidade das normas, não admitindo tal fato.

Assim (neste último significado apresentado), pode-se mencionar que nem todas as normas

que forem produzidas pelas fontes autorizadas considerar-se-iam validadas, no entanto, sendo

somente aquelas compatíveis com as outras.118

Sob outro enfoque, Paulo de Barros Carvalho, entende que sistema jurídico seria uma

expressão ambígua (a qual pode levar à falácia do equívoco, dependendo do contexto), já que

serviria tanto para designar o domínio da Ciência do Direito quanto para o direito positivo,

instalando-se certa instabilidade semântica, o que, para esse autor, prejudicaria a fluência da

comunicação, de tal forma que, “mesmo incorrendo o erro lógico mencionado, a compreensão

do texto ficará comprometida, perdendo seu rigor.”.119

Mais adiante, Claus-Wilhelm Canaris assevera que o sistema jurídico tem como

objetivo a tentativa de se obter a Justiça, destacando, ainda que a idéia de sistema jurídico

justifica-se justamente a partir desse valor, bem como na sua efetivação, que, para referido

autor, é um dos mais elevados valores do Direito. Além disso:

[...] que outro valor supremo, a segurança jurídica aponta na mesma direcção. Também ela pressiona, em todas as suas manifestações – seja como determinabilidade e previsibilidade do Direito, como estabilidade e continuidade da legislação e da jurisprudência ou simplesmente como praticabilidade da aplicação do Direito – para a formação de um sistema, pois todos esses postulados podem ser muito melhor prosseguidos através de um Direito adequadamente ordenado, dominado por poucos e alcançáveis princípios, portanto um Direito ordenado em sistema, do que por uma multiplicidade inabarcável de normas singulares desconexas e em demasiado fácil contradição uma com as outras. Assim, o pensamento sistemático radia, de facto, imediatamente, na idéia de Direito (como o conjunto dos valores jurídicos mais elevados).120 (grifo do autor).

118 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. trad.: Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos, 10 ed., Brasília: Universidade de Brasília, 1999 (reimpressão: 2006), p. 71/81. 119 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: Fundamentos Jurídicos da incidência. 2. ed., rev., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 39. 120 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do Direito. Introdução e trad. de A. Menezes Cordeiro, 2. ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 22-23.

79

2.2 FUNÇÃO

Quando se fala em função do sistema é importante tratar, antes de qualquer coisa, das

metas da teoria geral dos sistemas. E, Ludwing Von Bertalanffy aponta de forma primorosa as

metas principais, sendo elas:

Há uma tendência geral à integração geral nas várias ciências, naturais e sociais. Referida integração parece girar em torno de uma teoria geral dos sistemas. Mencionada teoria poderia ser um importante recurso para se buscar uma teoria exata, nos campos não físicos da ciência. Ao elaborar princípios unificadores que correm verticalmente pelo universo das ciências, esta teoria nos leva à meta da unidade da ciência. Isto pode conduzir a uma integração, que faz muita falta na instrução científica. 121

E, dessa forma, por ser o sistema um nexo, com fins de ser uma reunião de coisas, ou

ainda, um conjunto de elementos, nas palavras de Maria Helena Diniz, percebe-se que o

sistema não é uma realidade nem uma coisa objetiva, sendo, na visão da referida autora, o

aparelho teórico pelo qual se pode observar a própria realidade, e, portanto, que se pode. 122

Pela leitura dos autores supra mencionados, é possível concluir que sistema tem,

portanto, a função de ordenar elementos, reunindo-os de forma organizada, visando sempre

um fim comum. E, esse objetivo a ser buscado é aquele referido por Claus-Wilhelm Canaris,

o qual entende que o papel do conceito de sistema é “o de traduzir e realizar a adequação

valorativa e a unidade interior da ordem jurídica.” 123 Sendo que, dessa forma, assume

relevante papel, já que o sistema tem, nas palavras desse autor, a função de concretizar os

valores tidos como importantes. Dessa forma, sistema teria como função primordial a

efetivação dos valores escolhidos e determinados por dado sociedade ou por dada ordem

jurídica.

121 BERTALANFFY. Ludwing von. Teoría general de los sistemas: Fundamentos, dessarolo, aplicaciones. trad. Juan Almela, México: Fondo de Cultura Económica, s.d., p. 38. (tradução nossa). (1) Hay una tendencia general hacia la integración en las varias ciencias, naturales y sociales.(2) Tal integración parece girar en torno a una teoria general de los sistemas.(3) Tal teoria pudiera ser un recurso importante para buscar una teoria exacta en los campos no fisicos de la ciencia.(4) Al elaborar principios unificadores que corren ‘verticalmente’ por el universo de las ciencias, esta teoria nos cerca a la meta de la unidad de la ciencia.(5) Esto puede conducir a una integración, que hace mucha falta, en la instrucción científica. (grifo do autor). 122 DINIZ, Maria Helena. As lacunas no Direito. 7. ed., adaptada ao novo Código Civil (Lei 10.406, de 10-1.2002), São Paulo: Saraiva, 2002, p. 25 123 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do Direito. Introdução e trad. de A. Menezes Cordeiro, 2. ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 23.

80

2.3 CLASSIFICAÇÃO DE SISTEMA

Há várias possibilidades de se classificar um sistema. Hans Kelsen apresenta uma

delas, utilizando-se o critério da natureza do fundamento de validade. Para referido autor,

pode-se conceber dois tipos diferentes de sistema de normas, sendo eles: 1) estático e 2)

dinâmico; sendo que o sistema estático seria aquele sistema de normas no qual tanto o

conteúdo quanto o fundamento de validade são percebidos e extraídos de uma norma

pressuposta, que é a norma fundamental. O dinâmico, de outra maneira, caracteriza-se pelo

fato da norma fundamental pressuposta ter por conteúdo a instituição de um fato produtor de

normas; a atribuição de poder a uma autoridade legisladora, pressupondo-se que se faz

necessária a existência de uma regra que determine como devam ser criadas as normas gerais

e individuais do ordenamento, o qual se encontra fundado sobre esta norma fundamental.

Significa dizer que a norma fundamental irá, na realidade, delegar poderes a uma autoridade

legisladora, a qual terá como papel a fixação de uma regra que servirá para a criação das

demais normas do sistema.124

Ao tratar da análise de sistema feita por Hans Kelsen, Norberto Bobbio também utiliza

o mesmo critério de classificação, entendendo que sistema estático é “aquele no qual as

normas estão relacionadas umas às outras como as proposições de um sistema dedutivo”, e,

isto se daria, exatamente pelo fato de que se “derivam uma das outras partindo de uma ou

mais normas originárias de caráter geral, que têm a mesma função dos postulados ou axiomas

num sistema científico”. E, já o sistema dinâmico, é aquele “no qual as normas que o compõe

derivam uma das outras através de sucessivas delegações de poder, isto é, não através do

conteúdo, mas através da autoridade que as colocou.” Dessa forma, uma autoridade inferior

irá derivar de uma autoridade superior, até se chegar à autoridade suprema, a qual não terá

nenhuma outra acima de si.125

Para, Paulo de Barros Carvalho, a classificação que melhor tem conquistado prestígio

seria aquela que classifica sistema em 1) reais e 2) proposicionais. O primeiro, também

124 KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. trad. João Batista Machado, 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 219. 125 BOBBIO, Norberto.Teoria do ordenamento jurídico. trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos, 10 ed., Brasília: Universidade de Brasília, 1999 (reimpressão: 2006), p. 72.

81

chamado de empírico, é composto por objetos do mundo físico e social. Já, os segundos, são

formados por proposições, pressupondo, assim, linguagem. 126

Outro critério será o utilizado no presente estudo, o qual classifica o sistema em

fechado e aberto. Ludwing von Bertanffy é um dos que utiliza, em sua obra, referido critério,

utilizando-o como forma de ilustração da teoria geral dos sistemas.

2.3.1 Sistema fechado

No sistema fechado não existe uma interação com o meio, bastando ele em si mesmo.

Neste sistema há uma inalterabilidade de seus elementos, sendo que não se permite a troca

entre o exterior e o interior.

Ludwing von Bertanffy, ao tratar acerca do tema, assim se manifesta:

Particularmente, o segundo princípio afirma que, em um sistema fechado, certa magnitude, a entropia, deve aumentar até o máximo, e o processo acabará por deter-se um estado de equilíbrio. Pode formular-se o segundo princípio de diferentes modos, segundo uma das causas da entropia é medida de probabilidade, e assim um sistema fechado tendo ao estado de destruição mais provável. 127

A idéia do sistema fechado é verificado com seu método lógico-dedutivo, ou jus-

naturalista, sendo limitado nele mesmo, sem que outras experiências possam renovar suas

bases.128 No sistema fechado não há uma troca entre o sistema e o meio em que ele se

encontra, no seio da sociedade, o que acaba por levá-lo à sua própria destruição.

Mas, o modelo fechado de sistema não é o ideal, já que o sistema jurídico não pode e,

nem deve ser colocado fora do contexto de valores materiais e históricos, sendo que de nada

126 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: Fundamentos Jurídicos da incidência. 2. ed., rev., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 41. 127 BERTALANFFY. Ludwing von. Teoría general de los sistemas: Fundamentos, dessarolo, aplicaciones. trad. Juan Almela, México: Fondo de Cultura Económica, s.d., p. 39. (tradução nossa). En particular, el segundo principio afirma que, en un sistema cerrado, cierta magnitud, la entropia, debe aumentar hasta el máximo, y el proceso acabará por deternerse en un estado de equilibrio. Puede formularse el segundo principio de difrentes modos, según uno de los cuases la entropia es medida de probabilidad, y así uns sistema cerrado tiende al estado de distribución más probable. 128 NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva Civil-Constitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p. 57.

82

servem as construções abstratas do pensamente, meramente. Além disso, uma proposta

sistemática de cunho fechado em seus próprios enunciados já demonstrou que é imprópria

para a resolução dos casos práticos, 129 já que deixa de observar o que está ocorrendo ao seu

redor, evitando, portanto, o crescimento e desenvolvimento do próprio sistema.

2.3.2 Sistema aberto

O sistema aberto, diferentemente do sistema fechado, é aquele que pode trocar energia

e massa com o exterior, ou seja, este tipo de sistema está em constante interação com o

exterior, permitindo a entrada de elementos de fora, não se bastando, portanto, em si mesmo.

Verifica-se nesta espécie, que há sempre uma renovação do sistema, já que há uma

permanente entrada e saída (o que permite uma efetiva reciprocidade entre o sistema jurídico

e a sociedade).

Sendo aberto, é permitido ao sistema que busque elementos na sociedade, com o fito

de manter-se sempre atualizado, já que em sendo aberto há uma troca entre o ordenamento

jurídico e a sociedade, visando à renovação e atualização do sistema, para melhor oxigenação

e manutenção do próprio sistema.

Contudo, encontramos sistemas que, por sua natureza e definição não são sistemas fechados. Todo organismo vivo é, antes de qualquer coisa, um sistema aberto. Mantém-se em contínua incorporação e eliminação de matéria, constituindo e demolindo componentes, sem alcançar, enquanto durar a vida, um estado de equilíbrio químico e termodinâmico, senão mantendo-se em estado chamado uniforme (steady) que difere daquele. Tal é a essência mesma desse fenômeno fundamental da vida chamado metabolismo, os processos químicos dentro das células vivas. 130

Na visão de Paulo Nalin, importante demonstrar que nos dias atuais não há lugar para

um sistema fechado, sendo que há uma mudança de paradigma, passando de um sistema

anteriormente fechado, para um aberto.

129 NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva Civil-Constitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p. 59. 130 BERTALANFFY. Ludwing von. Teoría general de los sistemas: Fundamentos, dessarolo, aplicaciones. trad. Juan Almela, México: Fondo de Cultura Económica, s.d., p. 39. (tradução nossa). Sin embargo, encontramos sistemas que, por su misma naturaleza y definición, no son sistemas cerrados. Todo organismo vivente es ante todo un sistema abierto. Se mantiene en continua incorporación y eliminación de materia, constituyendo y demoliendo componentes, sin alcançar, mientras la vida dure, un estado de equilibrio químico y termodinámico, sino manteniéndose en un estado llamado uniforme (steady) que difiere de aquél. Tal es la esencia misma de ese fenómeno fundamental de la vida llamado metabolismo, los procesos químicos dentro de las células vivas. (grifo do autor).

83

No sistema teleológico, adversamente ao lógico-axiomático (fechado = não funcionalizado), há o reconhecimento de sua imperfeição, pois uma vez formada sua unidade interna por meio de princípios gerais, podem estes se mostrar contraditórios, o que seria inadmissível entre os axiomas. A leitura atual do sistema jurídico não poderia ser outra que não sob uma perspectiva aberta, sem rigor absoluto, logo, relativa. O próprio homem, atualmente, se mostra fragmentado (relativo) em seus vários “eus”, desconexo entre o seu pensar e o seu sentir, prova maior da superação do absoluto (fechado).131 (grifo do autor).

Outro ponto merecedor de destaque é quanto à interpretação sistemática do Direito,

em face da Constituição. Ressalta-se que é por intermédio da referida interpretação que se faz

a construção do sistema jurídico, porquanto aberto e passível de influências jurídicas e

metajurídicas (como a sociedade), terminando por levar o intérprete à conclusão de

incompletude do ordenamento jurídico, em contrapartida ao pensamento, levantado por Hans

Kelsen, do dogma da completude, já que com o modelo aberto verifica-se a falácia da

completude, em face de que o sistema jurídico está (e deve estar) sempre em construção,

sempre sendo influenciado pelo meio (de forma mais específica, pela sociedade).

Pode-se concluir, portanto, que o sistema aberto é o melhor modelo para o sistema

jurídico, já que nessa espécie pode sempre ocorrer a interação com o ambiente, alimentando-

se dos elementos encontrados no mesmo. Um sistema jurídico que não se alimenta acaba

perecendo, pois necessita buscar cognição; conhecimento ao seu redor, para estar

constantemente atualizado e capacitado para reger as relações sociais. Dessa maneira, há uma

conexão entre este sistema e a sociedade, de forma que o primeiro receba os recursos da

última (ou seja, seus valores, anseios, desejos, preocupações etc.) e, com o que foi trazido,

constrói regras balizadas naqueles subsídios e os devolve à sociedade, a qual irá responder de

forma positiva ou negativa, com um “feed back”, retornando-se para o sistema, constituindo,

assim, um círculo permanente de atualização e manutenção do mesmo.

Assim, o sistema, enquanto aberto, não se esgota em si mesmo, ou ainda, nos seus

elementos componentes, mas, de outra forma, como dito por Paulo Nalin:

[...] na força jurisprudencial, depreendendo-se dele, sobretudo, uma finalidade evidenciada pela funcionalização dos institutos jurídicos. Ora, no sistema fechado mostra-se desnecessária qualquer aplicação funcional dos institutos jurídicos componentes, pois ele não se encontra comprometido com valores tais como a idéia de Direito e a justiça social, mas sim com o simples funcionamento do próprio

131 NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva Civil-Constitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p.55-56.

84

sistema. [...] A dinamicidade do movimento social implica a dos seus próprios valores, pois que a sociedade exige do sistema jurídico uma plasticidade a qual, no mínimo, deve se adaptar aos ventos da sua dinâmica. 132

Além disso, para Claus Wilhelm Canaris:

A abertura como incompletude do conhecimento científico acresce assim a abertura como modificabilidade da própria ordem jurídica. Ambas as formas de abertura são essencialmente próprias do sistema jurídico e nada seria mais errado do que utilizar a abertura do sistema como objecção contra o significado da formação do sistema na Ciência do Direito ou, até, caracterizar um sistema aberto como uma contradição em si. A abertura do sistema científico resulta, aliás, dos condicionamentos básicos do trabalho científico que sempre e apenas pode produzir projectos provisórios, enquanto, no âmbito questionado, ainda for possível um progresso, e, portanto, o trabalho científico fizer sentido; o sistema jurídico partilha, aliás, esta abertura com os sistemas de todas as outras disciplinas. 133

Como acima apontado por Paulo Nalin, a própria sociedade exige que o sistema seja

aberto, porquanto que referido modelo permite a dinamicidade do sistema e sua efetiva

integração com a sociedade, em face de que se encontra comprometido com os valores e com

a própria justiça social, a qual para ser concretizada deve primar, em especial, pelo princípio

da Dignidade da Pessoa Humana, em face da eleição deste valor pela Constituição Federal de

1988.

2.4 NORMAS: REGRAS E PRINCÍPIOS

Para que se faça um estudo detalhado acerca do objeto deste trabalho, imperioso tratar

da conceituação de princípio constitucional, o que leva forçosamente à necessidade de

estudar, ainda que de forma breve, as normas jurídicas. Isso se justifica pelo fato de que as

normas jurídicas podem conter uma regra ou um princípio.

As normas jurídicas são: “[...] no seu conteúdo essencial, imperativos, ela não deixará

de fazer surgir, no espírito daqueles que conhecem o mundo conceitual da filosofia Kantiana,

132 NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva Civil-Constitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p. 67. 133 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do Direito. Introdução e trad. de A. Menezes Cordeiro, 2. ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 109-110.

85

a seguinte pergunta: são estes imperativos categóricos ou hipotéticos?” 134 Karl Engish

salienta que, em outro momento, já havia se manifestado, dizendo que as regras ou

preposições são regras hipotéticas de dever-ser. Mas, importante, primeiramente, entender o

que são imperativos categóricos e o que são imperativos hipotéticos. Estes últimos são meros

conselhos, sendo, ainda, aqueles que trazem a necessidade prática de uma possível conduta

como forma para se obter algo que se pretenda. Já, os imperativos categóricos são os que

apresentam uma conduta como objetivamente necessária para um determinado fim; não

sendo, portanto, meio. Normas, desse modo, são imperativos categóricos.

Para Norberto Bobbio, o Direito não é uma norma somente, mas um conjunto delas,

devidamente ordenadas, sendo que, portanto, uma norma jurídica nunca se encontra sozinha,

mas, de outra forma, sempre conectada a outras normas, com as quais se irá formar um

sistema normativo.135

Antes de qualquer coisa, a norma jurídica é uma regra de conduta social, tendo como

objetivo o de regular a atividade dos homens em sociedade.136 A norma jurídica, portanto, tem

como finalidade primordial, regular o comportamento do ser humano em suas relações

sociais.

Na obra “Teoria Pura do Direito”, Hans Kelsen apresenta, entre outras ponderações,

algumas considerações acerca da norma, tendo se posicionado no sentido de que:

A norma funciona como esquema de interpretação. Por outras palavras; o juízo em que se enuncia que um ato de conduta humana constitui um ato jurídico (ou antijurídico) é o resultado de uma interpretação específica, a saber, de uma interpretação normativa. [...] O Direito [..] é uma ordem normativa da conduta humana. Com o termo ‘norma’ se quer significar que algo deve ser ou acontecer, especialmente que um homem se deve conduzir de determinada maneira.137 (grifo do autor).

134 ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Trad.: J. Baptista Machado, 9. ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p. 48. 135 BOBBIO, Norberto.Teoria do ordenamento jurídico. trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos, 10 ed., Brasília: Universidade de Brasília, 1999 (reimpressão: 2006), p. 21. 136 MONTOURO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 20. ed., ref. com a colaboração de Luiz Antonio Nunes, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 306. 137 KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. trad.: João Batista Machado, 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 4-5.

86

Maria Helena Diniz, ao tratar do conceito de norma jurídica, como problema de

essência, inicia seus estudos trazendo os ensinamentos de Von Ihering, analisando-os e

reinterpretando-os, tendo se pronunciado sobre os mesmos, da seguinte forma:

Assim, segundo o que obervou Ihering, a norma jurídica é o instrumento elaborado pelos homens para lograr aquele fim consistente em que se produza a conduta desejada, é, portanto, um meio especial adotado pelos indivíduos em sociedade para assegurar a realização dos fins cujo logro consideram necessário para sua vida. [...] A norma jurídica vive, necessariamente, como já dissemos, vinculada a uma determinada realidade social. A norma jurídica é a ‘coluna vertebral’ do corpo social.138 (grifo do autor).

Como “coluna vertebral” do corpo social, a norma jurídica transforma-se, pois, no

esteio da própria sociedade, já que se encontra atrelada à própria realidade social,

estabelecendo, portanto, regras e princípios para o seu bom desenvolvimento e, ainda, visando

a mantença das relações sociais, em conformidade com os próprios valores daquela dada

sociedade.

Entende, ainda, referida autora, que a norma jurídica é um objeto cultural e, portanto

deve ser sempre a expressão de um valor. É de suma relevância destacar referido

ensinamento, que traduz como o sentido da norma jurídica a extensão de um valor. Veja-se

que o Estado, impõe a norma, visando regular as condutas sociais, com fins de realizar a

justiça plena e efetiva na sociedade.

Na obra, “A finalidade no Direito”, Von Ihering traz relevante contribuição para a

conceituação de norma jurídica, tendo ali se manifestado, da seguinte forma:

A definição usual de direito reza: direito é o conjunto de normas coativas válidas num Estado, e essa definição a meu ver atingiu perfeitamente o essencial. Os dois fatores que ela inclui são o da norma e o da realização por meio de coação... O conteúdo da norma é um pensamento, uma proposição (proposição jurídica), mas uma proposição de natureza prática, isto é, uma orientação para a ação humana; a norma é, portanto, uma regra conforme a qual nos devemos guiar.139

Tércio Sampaio Ferraz Júnior lembra que a norma é proposição, a qual determina

como deve ser o comportamento, sendo, portanto, uma proposição do dever-ser. Citando Hans

138 DINIZ, Maria Helena.Conceito de norma jurídica como problema de essência. 1. ed., 3. tir., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, p. 24-25. 139 IHERING, Von. A finalidade do Direito. 1916, p. 256, apud FERRAZ JR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito: Técnica, decisão, dominação. 4. ed., rev., ampl., São Paulo: Atlas, 2003, p. 99.

87

Kelsen, afirma que a norma pode até ser entendida como o resultado de uma vontade, mas,

todavia, sua existência não depende dela. Entretanto, aponta que os juristas também concebem

a norma como prescrições, ou seja, como ato de vontade, sendo esta vontade impositiva, a

qual estabelece disciplina para a conduta, abstração feita de qualquer resistência. Também a

norma entendida como prescrição se exprime pelo dever-ser.140

A exigência da natureza humana, de viver em sociedade, de forma harmoniosa, é que

fundamenta a própria norma jurídica. Assim, são as normas necessárias para a efetiva garantia

da paz social (que é o objetivo almejado pelo Estado). Tem-se, também, como necessário e

primordial, apontar que as normas embasam-se, da mesma forma, na necessidade de

organização da sociedade, até porque não há sociedade despida de normas jurídicas, que têm

por objeto central uma ação humana, obrigando-a, permitindo-a ou proibindo-a, assim.

2.4.1 Regras:

Para dar início ao estudo das regras, importante apresentar o pensamento de Norberto

Bobbio, o qual entende que “as regras jurídicas constituem sempre uma totalidade.”141 A regra

será sempre um critério, o qual irá exprimir a ordem jurídica, não podendo, todavia, ser

considerada como uma. Regras jurídicas são, assim, um comando, um imperativo, sendo que

isso significa que as regras jurídicas exteriorizam a vontade da comunidade jurídica, do

Estado ou do próprio legislador (que representa o povo).

Na visão de Karl Engisch “a regra jurídica consta de hipótese legal e conseqüência

jurídica”, sendo regras de dever-ser, afirmando um dever-ser condicionado à uma hipótese

legal. Além disso, assevera que os reais portadores do significado da ordem jurídica são as

proibições e prescrições; ou seja, os comandos, os quais são dirigidos aos destinatários do

Direito. Assim, afirma que “toda regra jurídica perfeita (completa) contém uma prescrição

(um comando); muitas, porém, a mais disso, e mesmo em primeira linha, contém uma

concessão.” 142

140 FERRAZ JR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito: Técnica, decisão, dominação. 4. ed., rev., ampl., São Paulo: Atlas, 2003, p. 100-101. 141 BOBBIO, Norberto.Teoria do ordenamento jurídico. trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos, 10 ed., Brasília: Universidade de Brasília, 1999 (reimpressão: 2006), p. 19. 142 ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Trad.: J. Baptista Machado, 9. ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p. 42.

88

Importante, também, ressaltar os três modais deônticos, que são permissão, proibição e

prescrição, já que para Robert Alexy, o ponto culminante para distinção entre regras e

princípios:

É que estes são mandados de otimização, isto é, são normas que ordenam algo que deve ser realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Que podem ser cumpridos em diferentes graus e que a medida devida de seu cumprimento depende não somente das possibilidades reais mas também das jurídicas.143

Já, as regras são normas que somente podem ser cumpridas ou não. Se uma regra é

válida, então, há de fazer-se exatamente o que ela exige, nem mais, nem menos. Elas contêm,

pois, determinações, no âmbito do fática e juridicamente possível.

Para Herbert Hart, “a afirmação de que alguém tem ou está sujeito a uma obrigação

traz na verdade implícita a existência de uma regra.”, sendo que, portanto, constitui-se, pois,

em um padrão de comportamento. Além disso, na busca sobre a natureza do Direito, há certas

questões principais recorrentes: uma delas refere-se a que o sistema jurídico consiste pelo

menos em geral em regras. Ele mesmo constrói um modelo complexo, o Direito como a união

entre regras primárias e regras secundárias, que é, assim, "a chave para a ciência do

direito.”144

Reformulando o conceito de obrigação, ele remete-o necessariamente a uma regra. Em

vez de se falar nela como predição ou cálculo de probabilidades, de reação ao desvio, deve-se

dizer que a atitude de uma pessoa enquadra-se em tal regra.

Regra que, enquanto padrão de comportamento, "um guia de conduta da vida social"

não é uma idéia simples. Há consequentemente, necessidade de assinalar os tipos

diferenciados, distinguindo-se as regras primárias e as regras secundárias. Aquelas

determinam que as pessoas façam ou se abstenham de fazer certas ações; estas asseguram às

pessoas a possibilidade de criar, extinguir, modificar, julgar as regras primárias. Ou seja,

"As regras do primeiro tipo impõem deveres, as regras do segundo tipo atribuem poderes,

público ou privado.” 145

143ALEXY, Roberty. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 1998, p. 88. 144 HART, Herbert L.A . O conceito de Direito. Lisboa: Calouste Gulbelkian, 1986, p. 106. 145 Idem, p. 108.

89

2.4.2 Princípios:

Acerca dos princípios, é imperioso trazer novamente à baila o conceito de Roberty

Alexy, no qual: “os princípios são mandados de otimização, pois ordenam algo que seja

realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais.” 146 Portanto,

dentro de um sistema jurídico, os princípios são os que nortearão o sistema como um todo,

sendo, assim, elementos fundantes de toda a ordem jurídica.

Paulo de Barros Carvalho, em artigo publicado na Revista de Direito Tributário,

levanta alguns pontos bastante interessantes, tendo apresentado que a palavra princípio

significa, assim:

É uma palavra que freqüenta com intensidade o discurso filosófico, expressando o ‘início’, o ‘ponto de origem’, o ‘ponto de partida’, a ‘hipótese-limite’ escolhida como proposta de trabalho. Exprime também as formas de síntese com que se movimentam as meditações ‘filosóficas’ (‘ser’, ‘dever-ser’, ‘vir-a-ser’ e ‘não-ser’). [...] Cada ‘princípio’, seja ele um simples termo ou um enunciado mais complexo, é sempre passível de expressão em forma proposicional, descritiva ou prescritiva. Agora, o símbolo lingüístico que mais se aproxima desse vocábulo nas ordens das significações, é a ‘lei’. [...] Em termos de direito positivo, princípios são normas jurídicas portadoras de intensa carga axiológica, de tal forma que a compreensão de outras unidades do sistema fica na dependência da boa aplicação daqueles vetores.147 (grifo do autor)

Pode-se dizer, portanto, que os princípios trazem, consigo, uma carga valorativa muito

grande, sendo assim, passam a ocupar o papel de vetor dentro do sistema jurídico, posto que

expressam a vontade da sociedade, impressa, pelo legislador, na Constituição Federal. São

pilares do próprio Estado e, como alicerces, são de extrema necessidade, não havendo como

deixar de tê-los, conseqüentemente, não há como não permitir sua efetiva aplicação.

Paulo Bonavides, em sua obra Curso de Direito Constitucional traz interessante

conceito acerca de princípio, extraído de Luís Diez Picazo, para o qual a idéia de princípio

derivaria da linguagem geométrica, “onde designa as verdades primeiras”, sendo que

146 ALEXY, Roberty. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 1998, p. 99. 147 CARVALHO, Paulo de Barros. Sobre os princípios constitucionais tributários. Revista de Direito Tributário, São Paulo, ano 15, n. 55, janeiro-março de 1991, p. 143/154.

90

exatamente por isso são princípios, já que “estão ao princípio”, sendo, dessa forma, “as

premissas de todo um sistema que se desenvolve more geometrico.”148 (grifo do autor).

Depreende-se que a idéia de princípio está intimamente ligada àquilo que vem em

primeiro lugar; o que é causa primeira de algo, sendo, portanto, considerado, neste caso, como

fator determinante, sendo que os princípios são proposições que ocupam uma categoria no

sistema jurídico, sendo alicerce desse mesmo sistema, já que orientam (enquanto as regras

preceituam; determinam comportamentos). Os princípios são vetores; axiomas, estando

sempre presentes no sistema.

Acerca do instituto, Crisafuli assim se expressa:

Princípio é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada como determinante de uma ou de muitas outras subordinadas, que a pressupõem, desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direções mais particulares (menos gerais), das que determinam, e portanto resumem, potencialmente, o conteúdo: sejam, pois, estas efetivamente postas, sejam, ao contrário, apenas dedutíveis do respectivo princípio geral que as contém.149

Percebe-se, assim, a importância do princípio e a sua força vinculante, sendo que esta

independe de positivação, não importando se a mesma se apresenta em forma de preceito ou

por mera abstração.150 Ainda que não positivado, o princípio mantém a sua força vinculativa,

direcionando-se o ordenamento jurídico como um todo, o qual deverá seguir os preceitos por

ele instituídos, até porque os princípios possuem uma carga axiológica muito grande.

2.4.2.1 Princípios Constitucionais:

Os princípios são categorias universais, sendo que, quando incorporados a um sistema

constitucional, acabam por refletir a própria estrutura ideológica daquele dado Estado, e,

como conseqüência, refletem os valores da própria sociedade, em face de que ao estabelecer

148 PICAZO, Luís Diez. Los principios generales del Derecho en el pensamiento de F. de Castro. in Anuario de Derecho Civil, t. XXXVI, fasc. 3º, outubro-dezembro/ 83, p. 1267-1268, apud BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito constitucional. 6. ed., rev., atual., ampl., São Paulo: Malheiros, p. 229. 149 CRISAFULI. La Constituzione e le sue disposizione di principio. Milão, 1952, p. 15, apud BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito constitucional. 6. ed., rev., atual., ampl., São Paulo: Malheiros, p. 230. 150 NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva Civil-Constitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p.96.

91

princípios dentro da Lei Maior, o poder constituinte, legisla de forma a representar o povo,

espelhando-se em seus anseios e expectativas, mostrando, assim, os valores e princípios

arraigados dentro daquele povo.

Isto em justifica em face dos princípios serem normas que:

[...] exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fácticas e jurídicas. Os princípios não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de ‘tudo ou nada’; impõe a optimização de um direito ou de um bem jurídico, tendo em conta a ‘reserva do possível’, fáctica ou jurídica.151 (grifo do autor).

Rizzato Nunes traça algumas considerações acerca do conceito de princípio, tendo se

embasado em Geraldo Ataliba e Canotilho:

[...] princípios são linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do governo (poderes constituídos). Eles expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da administração e da jurisdição. Por estas não podem ser contrariados: têm que ser prestigiados até as últimas conseqüências. [...] A doutrina constitucional contemporânea reconhece a importância dos princípios constitucionais, apontando, inclusive, suas especiais e distintas funções. [...] De qualquer maneira, é de indicar que no Sistema Constitucional Brasileiro é o princípio estruturante o Estado de Direito Democrático, e entendemos que também o é da dignidade da pessoa humana, uma vez que nossa ordem democrática reconhece a dignidade como elemento fundamental legitimador do Sistema Jurídico Nacional. 152 (grifo do autor).

São os princípios linhas mestras, sendo, portanto, normas hierarquicamente

superiores dentro do sistema jurídico, impondo-se, assim, de forma absoluta. Os princípios

são categorias universais, sendo que, quando incorporados a um sistema constitucional,

acabam por refletir a própria estrutura ideológica daquele dado Estado, e, como conseqüência,

refletem os valores da própria sociedade, em face de que ao estabelecer princípios dentro da

Lei Maior, o poder constituinte, legisla de forma a representar o povo, espelhando-se em seus

anseios e expectativas, mostrando, assim, os valores e princípios arraigados dentro daquele

povo.

151 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1992, p.56. 152 NUNES, Luiz Antônio Rizzato. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 38.

92

Os princípios constitucionais são, assim, a essência do próprio Estado, sendo que,

como dito por Ruy Samuel Espíndola, a interpretação deve sempre:

[...] partir de um ponto de vista positivo-normativo, do texto da Constituição, para chegar aos princípios constitucionais, tanto os expressos como os implicitamente considerados. E a atitude metódica a ser levada em conta, deve ter como limite as disposições do texto constitucional; deve levar em conta possíveis extrações dos enunciados dos textos. E, para isso, é claro, deve servir-se o intérprete de uma metódica constitucionalmente adequada [...].153 (grifo do autor).

Depreende-se, que o intérprete só poderá considerar como princípio constitucional,

aqueles que decorrem da leitura do próprio Texto Constitucional, não podendo, portanto levar

em conta, pelo menos para a garantia do “status” constitucional, aqueles princípios extraídos

do sistema jurídico, como um todo. Desse modo, princípios constitucionais devem estar

previstos na Lei Máxima, de forma implícita ou explícita.

Acerca do tema, Canotilho assim se manifesta:

Mas o que deve entender-se por princípios consignados na Constituição? Apenas os princípios constitucionais escritos ou também os princípios constitucionais não escritos? A resposta mais aceitável, dentro da perspectiva principialista [..], é a de que a consideração de princípios constitucionais não escritos como elementos integrantes do bloco da constitucionalidade só merece aplauso relativamente a princípios reconduzíveis a uma densificação ou revelação específica de princípios constitucionais positivamente plasmados. (grifo do autor).154

Princípios constitucionais são, portanto, aqueles que estiverem previsto no Texto

Constitucional, de forma explícita ou implícita, de modo a demonstrar os valores impressos

na Lei Máxima, os quais exprimem a carga axiológica do próprio Estado, da qual faz parte a

sociedade como um todo.

Corroborando com este entendimento, Paulo Nalin assevera que nem todos os

princípios encontram-se descritos de forma expressa no sistema jurídico, todavia, não devem

ser desconsiderados por esse motivo, até porque, segundo referido autor, ainda que implícitos,

os princípios possuem força normativa, e, com maior intensidade os princípios

constitucionais:

153ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais: Elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada. 2. ed., rev. atual., ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 199-200. 154 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1992, p. 980-981.

93

Só pequena parte dos princípios jurídicos encontram estabilidade normativa, o que não implica um juízo de menos valia ante sua função aglutinadora das normas positivadas, mesmo porque a transformação de um princípio em norma (regra) não retira dele (princípio) todo o seu valor e sua potencialidade. [...] O indispensável é reconhecer força normativa no princípio, revestida de sanção, inclusive. 155

Dentro da idéia de princípio constitucional, é relevante considerar a questão dos

chamados metaprincípos ou sobreprincípios, que são aqueles princípios que se sobrepõem, em

regra, aos demais princípios, por diversos motivos. Nesse campo, encontra-se o princípio da

dignidade da pessoa humana, o qual é um princípio fundamental, sendo, portanto, necessário

e, indispensável para a manutenção da vida em sociedade.

Paulo de Barros Carvalho, em artigo publicado na Revista de Direiro Tributário, tece

algumas considerações acerca do que ele intitula de sobreprincípios – “princípios que operam

para a realização de outros ‘princípios’ superiores na escala hierárquica”, apontando os que

estariam, para ele, nessa categoria, como os princípios da segurança jurídica, da justiça e o da

certeza jurídica.

Há ‘princípios’ e ‘sobreprincípios’, isto é, normas jurídicas que portam valores importantes e outras que aparecem pela conjunção das primeiras. Vejamos como exemplo: a segurança jurídica não consta de regra explícita de qualquer ordenamento. Realiza-se, no entanto, pela atuação de outros ‘princípios’, tais como o da legalidade, o da irretroatividade, o da igualdade, o da universalidade de jurisdição etc. Na sua implicitude, é um autêntico ‘sobreprincípio’, produto da presença simultânea dos cânones que o realizam. [...] Diga-se o mesmo da justiça. Agora, há um princípio que sempre estará presente, ali onde houver direito. Trata-se do princípio da certeza jurídica. [...] Torna-se evidente que a certeza jurídica é também um sobreprincípio, mas dotado de aspectos lógicos peculiares que lhe atribuam preeminência sintática com relação a todos os demais.156 (grifo do autor).

Willis Santiago Guerra Filho aponta, ainda o princípio da proporcionalidade como

‘princípio dos princípios’, ou seja, aquele princípio que orienta o Direito. Rizzato Nunes

afirma que, também, reconhece no citado princípio, esse potencial, preferindo, todavia,

reconhecê-lo, bem como, tratá-lo, como derivado do princípio da dignidade da pessoa

humana, sendo este sim o princípio que estaria acima dos demais, surgindo como o verdadeiro

sobreprincípio.157 Perceba-se que, apesar da divergência de idéias acerca do tratamento

155 NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva Civil-Constitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p.96-97. 156 CARVALHO, Paulo de Barros. Sobre os princípios constitucionais tributários. Revista de Direito Tributário, São Paulo, ano 15, n. 55, janeiro-março de 1991, p. 150. 157 NUNES, Luiz Antônio Rizzato. O Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 42.

94

favorecido a este ou aquele princípio, os dois autores citados, atestam e, reconhecem, dentro

do ordenamento jurídico brasileiro, a existência de metaprincípios, os quais teriam o condão

de orientar o próprio sistema, atuando como balizadores em caso de ocorrência de conflitos,

em especial, de conflito entre princípios.

Apesar do profundo respeito ao entendimento de Paulo de Barros Carvalho e Willis

Santiago Guerra Filho sobre quais seriam os sobreprincípios, entende-se, todavia, que a

melhor doutrina é a do Rizzato Nunes, posto que no sistema jurídico brasileiro o princípio da

dignidade da pessoa humana deve ser considerado como o efetivo metaprincípio, como aquele

que deve ser o vetor de toda a sistemática jurídica, servindo de base para a interpretação e

aplicação dos demais princípios.

Assim, deve-se considerar o princípio da dignidade da pessoa humana como o norte a

ser seguido pelo intérprete no momento da aplicação da norma ao caso concreto, para que se

perfaça, concretamente, a vontade da sociedade, gravada no Texto Constitucional.

2.5 INTERPRETAÇÃO

Desde a Grécia antiga os intérpretes exercem papel fundamental para a efetividade dos

valores trazidos pelo Direito, conforme se verifica das lições deixadas por Sócrates, para o

qual, o bom e verdadeiro juiz seria aquele capaz de, conhecendo a injustiça, saber que esta

não deve ser aplicada, em face do mal que constitui, chegando, assim, à possibilidade de

cumprir com a norma Constitucional, que determina que a construção de uma sociedade mais

justa e solidária.

Paulo Nalin ressalta, também, a importância do julgador, entendendo que este exerce

função constitucional, a qual objetiva, em especial, dignificar o homem e eliminar as

desigualdades sociais e econômicas. 158

158NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva Civil-Constitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p.85.

95

Peter Haberle aponta que a interpretação constitucional deve ser feita de forma aberta,

integrando-se os valores da própria sociedade, não devendo se limitar a ser realizada por uns

poucos, que podem não expressar a vontade e leitura dos demais:

Interpretação constitucional tem sido, até agora, conscientemente, coisa de uma sociedade fechada. Dela tomam parte apenas os intérpretes jurídicos ‘vinculados às corporações’ (zunftmassige Interpreten) e aqueles participantes formais do processo constitucinal. A interpretação constitucional é, em realidade, mais um elemento da sociedade aberta. Todas as potências públicas, participantes materiais do processo social, estão nela envolvidas, sendo ela, a um só tempo, elemento resultante da sociedade aberta e um elemento formador ou constituinte dessa sociedade (...weil Verfassungsinterpretation diese offene Gesellschaft immer von neuem nitckonstituirt und von ihr konstituirt wird). Os critérios de interpretação constitucional hão de ser tanto mais abertos quanto mais pluralista for a sociedade. 159 (grifo do autor).

Os princípios auxiliam na interpretação, sendo elementos de construção,

transformação e mutabilidade do Direito, em face de terem esse caráter mutável, já que se

encontram diretamente ligados aos anseios sociais, bem como, exprimem, como

anteriormente dito, os valores de cada sociedade, em dado momento histórico.

Para a efetiva aplicação do Direito, necessário se faz que o indivíduo (o sujeito de

direito) compreenda efetivamente o real significado da norma. E, a hermenêutica possui esse

relevante papel, qual seja o de entender, por intermédio da interpretação, o direito, para que se

dê maior efetividade ao mesmo.

Tércio Sampaio Ferraz Júnior apresenta os métodos e tipos dogmáticos de

interpretação, apontando, inicialmente os métodos hermenêuticos (interpretação gramatical,

lógica e sistemática; interpretação histórica, sociológica e evolutiva; interpretação teleológica

e axiológica), para depois trazer os tipos de interpretação (interpretação especificadora;

integração restritiva; interpretação extensiva).

A interpretação gramatical é realizada verificando-se a conexão de uma expressão,

com as outras, dentro de um mesmo contexto, já que “a ordem das palavras e o modo como

elas estão conectadas são importantes para obter-se o correto significado da norma.” 160

159 HABERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição – contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Trad.: Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1997, p. 13. 160 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito: Técnica, decisão, dominação. 4. ed., rev., ampl., São Paulo: Atlas, 2003, p. 287.

96

Todavia, deve-se lembrar que a letra da norma é somente o ponto inicial da tarefa

interpretativa.

Na interpretação lógica, também se tem um instrumento técnico (como na gramatical),

a ser utilizado quando ocorrerem inconsistências nas normas, sendo que: “parte-se do

pressuposto de que a conexão de uma expressão normativa com as demais do contexto é

importante para a obtenção do significado correto.” 161 Além disso, como bem expressa

Tércio Sampaio Ferraz Júnior:

As regras da interpretação lógica, recomendações para criar as condições de decibilidade, são assim fórmulas quase-lógicas como ‘o legislador nunca é redundante’, ‘se duas expressões estão usadas em sentido diversos, é porque uma deve disciplinar a generalidade, outra abre uma exceção’, ou ‘deve-se ater aos diferentes contextos em que a expressão ocorre e classificá-los conforme a sua especificidade’ etc. Se tentássemos um quadro esquemático, poderíamos dizer que as incompatibilidades lógicas são evitadas conforme três procedimentos retóricos: a atitude formal, a atitude prática e a atitude diplomática. (grifo do autor). 162

Já, na interpretação sistemática se verifica o texto como um todo, analisando-se as

questões referentes à compatibilidade um todo estrutural, em fase da necessidade de que se

mantenha a unidade no sistema jurídico. Portanto, verifica-se, a relação da norma dentro do

sistema como um todo e não de forma isolada, analisando se a mesma é compatível com o

sistema jurídico vigente. Tércio Sampaio Ferraz Júnior lembra, também, que nesse modelo,

deve-se levar em conta a hierarquia das normas, sendo que além da interpretação da própria

norma em estudo, deve-se verificar se está esta harmonizada com todo o sistema e se com ele

é compatível, sendo imprescindível verificar se é possível sua existência; se a norma foi

elaborada observando-se os preceitos da Lei Máxima, a Constituição Federal. Tal fato se dá,

pois: “Correspondentemente à organização hierárquica das fontes, emergem recomendações

sobre a subordinação e a conexão das normas do ordenamento num todo que culmina (e

principia) pela primeira norma-origem do sistema, a Constituição.”163

A interpretação histórica levará em consideração o momento histórico em que a norma

ingressou no sistema jurídico, sendo que é recomendável que o intérprete, para o

levantamento das condições históricas, utilize do recurso dos precedentes normativos, ou seja,

161FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito: Técnica, decisão, dominação. 4. ed., rev., ampl., São Paulo: Atlas, 2003, p. 287. 162 Idem, p. 288. 163 Idem, ibidem.

97

de normas que vigoraram no passado e que antecederam, portanto, a nova norma, para, de

forma comparativa, compreender as razões condicionantes de sua gênese. E, para o

levantamento das condições atuais, é importante averiguar as funções do comportamento, bem

como, das instituições sociais, de forma a analisar o contexto em que ocorrem.

Na interpretação teleológica, deverá ser verificada a finalidade da norma; a qual fim se

destina, levando-se em consideração à própria sociedade, destinatária da norma. Como bem

lembra Tércio Sampaio Ferraz Júnior, a Lei de Introdução ao Código Civil, no Art. 5º, traz

uma exigência teleológica, ao dispor: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a

que ela se dirige e às exigências do bem comum.” 164 Sendo que, as expressões “fins sociais”

e “bem comum” devem ser recebidas e, portanto, entendidas, como sínteses éticas do

comportamento social do indivíduo, ou seja, a finalidade da norma, em face da convivência

do homem em sociedade, procurando trazer, à esse homem, a justiça e a paz social.

A interpretação axiológica, por seu turno, vai tratar do valor dado à norma, ou seja,

não destoa da interpretação teleológica, pelo contrário, a complementa, já que também irá

procurar, na norma, a sua finalidade e associá-la aos objetivos do próprio homem, para que os

valores buscados na sociedade e refletidos na norma possam ser efetivamente, aplicados.

Tércio Sampaio Ferraz Júnior apresenta, ainda, tipos de interpretação, sendo eles a

especificadora, a restritiva e a extensiva.

A interpretação especificadora irá partir do pressuposto de que o significado da norma

está contido na letra de seu respectivo enunciado. Aqui, a hermenêutica se vê diante de um

princípio, o da economia de pensamento. Postula dessa forma, que “para elucidar o conteúdo

da norma não é necessário sempre ir até o fim de suas possibilidades significativas, mas até o

ponto em que os problemas pareçam razoavelmente decidíveis.” 165

Na interpretação restritiva, ocorre a interpretação de forma a limitar o significado da

norma, ainda que haja amplitude em sua interpretação literal. Normalmente, o intérprete

utiliza de considerações teleológicas e axiológicas para fundamentar o raciocínio. Já, a

164 BRASIL, Lei de Introdução ao Código Civil, Art. 5º. 165 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito: Técnica, decisão, dominação. 4. ed., rev., ampl., São Paulo: Atlas, 2003, p. 295.

98

extensiva amplia o sentido da própria norma, ultrapassando-se, portanto, o que está contido no

texto da mesma.

2.6 CONFLITO ENTRE PRINCÍPIOS?

Uma questão deve ser levantada, dentro do estudo dos princípios constitucionais, que é

a hipótese ou não de haver a ocorrência de conflito entre princípios. Lembrando, como dito

previamente, as normas podem ser encontradas na forma de regras e princípios. E, dessa

forma, havendo conflito entre regras, devem-se utilizar os critérios apontados por Norberto

Bobbio (como se verifica no item subseqüente), ocorrendo, normalmente, a aplicação de uma

regra em detrimento de outra. Mas, e quando houver conflito entre princípios? Um

questionamento precede à esse, qual seja, é possível conflito entre princípios?

Ruy Samuel Espíndola lembra que havendo conflito entre regras tem-se a antinomia

jurídica própria, mas, a colisão entre princípios resulta na antinomia jurídica imprópria No

primeiro caso, exclui-se a regra conflitante (utilizando-se os critérios de hierarquia;

especialidade; e, cronológico, dependendo do caso). Na segunda hipótese, não há exclusão,

dentro da ordem jurídica, de uma das normas conflitantes. Sendo que:

Há incompatibilidade, porém não exclusão. Nesses casos, segundo Dworkin, o aplicador do Direito opta por um dos princípios, sem que o outro seja rechaçado do sistema, ou deixe de ser aplicado a outros casos que comportem sua aceitação. Ou seja, afastado um princípio colidente, diante de certa hipótese, não significa que, em outras situações, não venha o afastado a ser aproximado e aplicado em outros casos.166 (grifo do autor).

Não havendo, portanto, a possibilidade de se excluir um princípio do sistema jurídico,

não há o que se falar em efetiva ocorrência de conflito entre princípios, havendo, de outra

forma, uma mera incompatibilidade entre eles no momento da aplicação no caso concreto,

sendo que, o intérprete, dessa forma, fará uma ponderação sobre qual princípio deve ser

aplicado naquele momento no dado caso concreto.

166 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais: Elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada. 2. ed., rev. atual., ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 74.

99

Para que se faça essa ponderação, bem como averiguação de qual princípio deve ser

utilizado para aquela hipótese concreta que se apresenta, o intérprete tem, como ferramenta, o

princípio da proporcionalidade.

2.6.1 Proporcionalidade

A interpretação das normas jurídicas deve obedecer a certo critério, devidamente

estabelecido no ordenamento jurídico brasileiro. Ressalta-se que o intérprete deve buscar a

conciliação do sistema, utilizando-se, para tanto, das ferramentas que lhe são colocadas à

disposição: a hierarquia, a ordem cronológica ou temporal, a especialização e a ponderação de

valores, ferramentas estas que são utilizadas seguindo-se a idéia do razoável.167

Para Norberto Bobbio, devido à tendência de cada ordenamento jurídico se constituir

em um sistema, a presença de antinomias (que é o conflito de normas) em sentido próprio é

um defeito que o intérprete tende a eliminar. Assim, um questionamento deve ser feito, posto

que há duas (ou mais normas conflitantes). Qual das duas normas deve ser eliminada?

Norberto Bobbio apresenta, então, os critérios para a solução da antinomia existente:

As regras fundamentais para a solução de antinomias são três: a) o critério cronológico; b) o critério hierárquico; c) o critério da especialidade. O critério cronológico, chamado também de lex posterior, é aquele com base no qual, entre duas normas incompatíveis, prevalece a norma posterior: lex posterior derogat priori. [...] O critério hierárquico, chamado também de lex superior, é aquele pelo qual, entre duas normas incompatíveis, prevalece a hierarquicamente superior: lex superior derrogat inferiori. [..] O terceiro critério, dito justamente de lex specialis, é aquele pelo qual, de duas normas incompatíveis, uma geral e uma especial (ou excepcional), prevalece a segunda: lex specialis derogat generali.168 (grifo do autor).

Depreende-se, então que a interpretação das normas constitucionais deve ser feita de

forma sistemática, levando-se em conta todo o sistema normativo, compreendendo-se o

ordenamento jurídico, para se aplicar de forma mais acertada a norma geral abstrata, ao caso

167O Princípio da proporcionalidade aplicado às resoluções dos conflitos com a administração pública. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/Discursos>. Acesso em: 02 de maio de 2005. 168 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos, 10 ed., Brasília: Universidade de Brasília, 1999 (reimpressão: 2006), p. 92/96.

100

concreto, tornando-a norma concreta individual. É claro que não se pode esquecer-se das

outras formas de interpretação que poderão e, deverão ser utilizadas na aplicação da norma

constitucional ao caso concreto, como, por exemplo, a interpretação embasada nos valores

constitucionais, os quais são trazidos do seio da própria sociedade.

Tem-se, como base, para a interpretação, a própria Constituição, em face de sua

supremacia, observando-a para a aplicação da norma, em cada caso concreto. Ocorre, todavia,

que em determinados casos, há colisão entre normas constitucionais, surgindo, então, a

necessidade de operacionalizar este problema, ou seja, se a Constituição é suprema, qual

dentre suas normas deve ser aplicada? Pois, se fosse conflito entre norma infraconstitucional e

a própria Constituição, esta última é que deve, sempre, prevalecer. Willis Santiago Guerra

Filho tenta responder a esta questão, afirmando que:

Para resolver o grande dilema que vai então afligir os que operam com o Direito no âmbito do Estado Democrático contemporâneo, representado pela atualidade de conflitos entre princípios constitucionais, aos quais se deve igual obediência, por ser a mesma a posição que ocupam na hierarquia normativa, é que se preconiza o recurso a um ´princípio dos princípios´, o princípio da proporcionalidade, que determina a busca de uma ´solução de compromisso´, na qual se respeita mais, em determinada situação, um dos princípios em conflito, procurando desrespeitar o mínimo ao(s) outro(s), e jamais lhe(s) faltando minimamente com o respeito, isto é, ferindo-lhe seu ´núcleo essencial´, onde se encontra entronizado o valor da dignidade humana. Esse princípio, embora não esteja explicitado de forma individualizada em nosso ordenamento jurídico, é uma exigência inafastável da própria fórmula política adotada por nosso constituinte, a do ´Estado Democrático de Direito´, pois sem a sua utilização não se concebe como bem realizar o mandamento básico dessa fórmula, de respeito simultâneo dos interesses individuais, coletivos e públicos.169

Verifica-se que o autor acima coloca o princípio da dignidade da pessoa humana como

valor a ser utilizado como elemento fundamental para a resolução da colisão entre princípios.

Assim, surge a figura do princípio da proporcionalidade, que vai servir como

parâmetro ao intérprete, quando houver “colisão” entre princípios constitucionais, como

garantidor dos direitos, assegurados pela Constituição Federal.

169 GUERRA FILHO, Willis Santiago. O princípio da proporcionalidade em Direito constitucional e em Direito privado no Brasil. Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br/html/artigos/documentos/texto347.htm>. Acesso em: 02 de maio de 2005.

101

É importante trazer, neste momento, um conceito do princípio, ora em análise, sendo

que o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, dessa forma, é o princípio

constitucional segundo o qual, sempre que houver poderes que colidam com direitos ou

interesses legalmente protegidos dos particulares, a Administração Pública deve atuar

segundo o princípio da justa medida, quer dizer, adotando, dentre as medidas necessárias para

atingir os fins legais, aquelas que implicam o sacrifício mínimo dos direitos dos cidadãos. As

decisões da administração que afetam direitos e interesses dos cidadãos, só podem ir até onde

sejam imprescindíveis para assegurar o interesse público, não devendo utilizar-se de medidas

mais gravosas quando outras, que o sejam menos prejudiciais, forem suficientes para atingir

os fins da lei.

Em outras palavras, pode-se dizer que o princípio da proporcionalidade ou da

razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão

informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a Justiça.170

O referido princípio surgiu entre os séculos XII e XVII, quando do surgimento das

teorias jusnaturalistas, na Inglaterra, ditando que o Estado soberano deveria respeitar os

direitos do homem, direitos estes relativos à sua própria natureza e, portanto, anteriores ao

surgimento do próprio Estado. E é durante a passagem do Estado absolutista, época em que o

governante tem poderes ilimitados, para o Estado de Direito, que pela primeira vez emprega-

se o princípio da proporcionalidade, com o objetivo de limitar o poder de atuação do Monarca

em face de seus súditos. Os Estados Unidos da América do Norte também tiveram a

preocupação de observar este princípio, utilizando como parâmetro a noção do

comportamento razoável segundo as circunstâncias, para a elaboração de suas decisões.171 No

campo constitucional, todavia, deve sua introdução, às revoluções burguesas do século XVIII,

em especial à concepção de inatingibilidade do homem e na necessidade incondicionada de

respeito à sua dignidade. Em 1791, a França previu, expressamente, em sua Constituição, o

princípio da legalidade, o qual foi instrumentalizado de forma a delinear, ainda que

implicitamente, o princípio da proporcionalidade.

170 PUHL, Adilson Josemar. Princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade: como instrumento assegurador dos Direitos e garantias fundamentais e conflito de valores no caso concreto. São Paulo: Pillares, 2005, p. 62 171 GUERRA FILHO, Willis Santiago. O princípio da proporcionalidade em Direito constitucional e em Direito privado no Brasil. Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br/html/artigos/documentos/texto347.htm>. Acesso em: 02 de maio de 2005.

102

Mas, coube ao Estado Alemão, a formulação atual do princípio da proporcionalidade,

em especial, no que diz respeito aos direitos fundamentais, sendo que a promulgação da Lei

Fundamental de Bonn representa, dessa forma, um marco inicial do princípio da

proporcionalidade em âmbito constitucional, ao colocar o respeito aos direitos fundamentais

como núcleo central e primordial de toda a ordem jurídica.172

A Constituição da República Federativa do Brasil, apesar de não prever, de forma

expressa, o cabimento do princípio da proporcionalidade, estabelece sua utilização de forma

implícita, determinando que utilize seus conceitos, quando da ocorrência de conflitos entre

normas constitucionais, servindo este de instrumento para o controle de constitucionalidade.

Gisele Santos Fernandes Góes, na obra “Princípio da proporcionalidade no processo

civil” apresenta algumas teorias acerca da constitucionalidade do princípio ora em estudo,

destacando sua presença, ainda que implícita, na Constituição Federal. O primeiro

fundamento utiliza o preceito contido no Art. 5º, § 2º, da Constituição, tendo em Paulo

Bonavides e Eros Roberto Grau (que justifica a utilização do princípio, em face de se tratar de

uma garantia dos cidadãos, para que possam se proteger dos excessos praticados pelo Poder

Público), como defensores de tal corrente. Referidos autores entendem que o princípio da

proporcionalidade flui do espírito da norma contido no mencionado artigo, qual disciplina e

apresenta um rol, meramente exemplificativo e, portanto, não exaustivo, de direitos e

garantias fundamentais do Art. 5º, sendo que, dessa forma, os direitos não se exaurem apenas

no mencionado artigo, observando o princípio da proporcionalidade em inúmeros dispositivos

constitucionais, tais como:

1º) art. 5º: inciso V – o direito de resposta é assegurado de modo proporcional ao

agravo; inciso X - inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas;

inciso XXV – possibilidade de utilização da propriedade particular, em caso de iminente

perigo público; 2º) art. 7º: inciso IV – salário mínimo; inciso V – piso salarial proporcional à

extensão e à complexidade do trabalho; inciso XXI – aviso prévio proporcional;173

172 SOUZA, Carlos Afonso Pereira de; SAMPAIO, Patrícia Regina Pinheiro. O princípio da razoabilidade e o princípio da proporcionalidade: uma abordagem Constitucional. Disponível em: <http://www.puc-rio.br/sobrepuc/depto/direito/pet_jur/cafpatrz.html>. Acesso em: 02 de maio de 2005. 173 GOÉS, Gisele Santos Fernandes. Princípio da proporcionalidade no processo civil: O poder de criatividade do juiz e o acesso à justiça. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 73.

103

Outra corrente encontra balizamento no Art. 5º, LIV, da Constituição Federal, ou seja,

no devido processo legal. Dentre os autores que seguem esta corrente estão Gilmar Ferreira

Mendes e Raquel Denise Stumm. Esta última afirma que:

A fundamentação do princípio da proporcionalidade, no nosso sistema, é realizada pelo princípio constitucional expresso do devido processo legal. Importa aqui a sua ênfase substantiva, em que há a preocupação com a igual proteção dos direitos do homem e os interesses da comunidade quando confrontados. O núcleo essencial dos direitos fundamentais deve sempre ser resguardado de arbitrariedades, ou de excessos cometidos contra eles. Nesse sentido, tem o princípio da proporcionalidade um papel importantíssimo para a racionalidade do Estado de Direito: a garantia do núcleo essencial dos direitos fundamentais.174

Já, Gilmar Ferreira Mendes, ao analisar uma decisão do Supremo Tribunal Federal,

entende que:

Essa decisão consolida o desenvolvimento do princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade como postulado constitucional autônomo que tem a sua sedes materiae na disposição constitucional que disciplina o devido processo legal (art. 5º, LIV). Por outro lado, afirma-se de maneira inequívoca a possibilidade de se declarar a inconstitucionalidade da lei em caso de sua dispensabilidade (inexigibilidade), inadequação (falta de utilidade para o fim perseguido) ou de ausência de razoabilidade em sentido estrito (desproporção entre o objetivo perseguido e o ônus imposto ao atingido).175 (grifo do autor).

Posicionamento diverso vai manifestar que o princípio da proporcionalidade encontra

seu caráter constitucional fundado no Estado de Direito. Nessa corrente encontram-se Konrad

Hesse e Nelson Nery Junior, entre outros. Há, ainda, os que trazem uma fundamentação

pluralista, como é o caso de Celso Antônio Bandeira de Mello, que apresenta três disposições

legais e constitucionais, para defender seu pensamento, e, comprovar o respaldo encontrado

relacionado ao princípio da proporcionalidade. São, portanto: o Art. 5º, II, que traz o princípio

da legalidade; o relativo às disposições gerais da Administração pública – Art. 37; além do

Art. 84, IV, que disciplina a atribuição do Presidente da República de sancionar, promulgar e

fazer publicar as leis.

Assim, quando, o Poder Judiciário, no julgamento de um caso concreto, se deparar com

um conflito de princípios constitucionais, deve buscar, para solução desta antinomia jurídica,

174 STUMN, Raquel Denize. Princípio da proporcionalidade no Direito constitucional brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995, p. 173.. 175 MENDES, Gilmar Ferreira. Moreira Alves e o controle de constitucionalidade no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 94

104

a razoabilidade e, o princípio da proporcionalidade, o qual utiliza a valoração, para a

aplicabilidade da norma, ponderando acerca de qual norma deve ser aplicada naquele

momento. Tem-se, portanto, que a Constituição Federal possui, em seu corpo, valores ditos

mais importantes que outros, no sentido de que uns devem prevalecer sobre os demais,

quando houver conflito entre eles. É o caso do próprio princípio da dignidade da pessoa

humana, que é um vetor da Constituição da República, devendo, portanto, estar acima de

outros princípios constitucionais, os quais acabam por derivar da dignidade.

Como dito anteriormente, a Constituição tem valores denominados fundamentais para a

manutenção do Estado Democrático de Direito, os quais em uma possível confrontação, no

momento da aplicação da norma. É o caso dos valores previstos no primeiro artigo da Lei

Máxima brasileira, que traz, em seu bojo, os fundamentos do Estado Democrático de Direito,

onde se verifica a dignidade da pessoa humana inserida como tal, ao dispor:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político.176

Raquel Denize Stumn, ao tratar sobre o tema o elucida, ao afirmar que:

Os direitos prima facie devem sofrer uma adequação às necessidades de cada caso, dependendo a sua aplicação definitiva da ponderação e da concordância prática que atenda determinadas circunstâncias concretas. [...] A ponderação dos resultados é um método de desenvolvimento do Direito, sendo que a elaboração do princípio da proporcionalidade surge justamente da racionalização de soluções concretas para o conflito de direitos e bens, como se evidencia na prática jurisprudencial.177 (grifo do autor).

Paulo Nalin ao tratar acerca da “Razoabilidade, exigências sócio-econômicas e

proporcionalidade na aplicação da lei”, entende que a primeira seria um juízo de valor,

colocado à disposição do intérprete, na aplicação do princípio da igualdade. E, a

proporcionalidade (em sentido estrito) como um princípio da justa medida, no qual os meios e

176 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. 177 STUMN, Raquel Denize. Princípio da proporcionalidade no Direito constitucional brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995, p. 77-78.

105

os fins são contrapostos, visando verificar se os meios de intervenção são proporcionais aos

resultados propostos.178

O juiz, ao fazer a aplicação da norma deve se valer, então, do princípio da

proporcionalidade, que trata de um sistema valorativo, para garantia do direito constitucional,

que nas palavras de Carlos Afonso Pereira de Souza e Patrícia Regina Pinheiro Sampaio:

[...] diz respeito a um sistema de valoração, na medida em que ao se garantir um direito muitas vezes é preciso restringir outro, situação juridicamente aceitável somente após estudo teleológico, no qual se conclua que o direito juridicamente protegido por determinada norma apresenta conteúdo valorativamente superior ao restringido. O juízo de proporcionalidade permite um perfeito equilíbrio entre o fim almejado e o meio empregado, ou seja, o resultado obtido com a intervenção na esfera de direitos do particular deve ser proporcional à carga coativa da mesma.179

Além disso, o princípio da proporcionalidade tem como função primária a preservação

e manutenção dos direitos fundamentais, elevando-os em detrimento de outras normas.

Poderá, todavia, ocorrer um choque, um “conflito”, entre direitos fundamentais, sendo que,

neste particular, deverá ser dada maior efetividade àquele cabível, adequado, ao caso concreto

(onde se verifica, com certeza, a aplicação, ou não, de determinada norma, àquele caso

concreto), devendo-se tomar os devidos cuidados para não prejudicar os direitos

fundamentais, garantidos pela Constituição.

[...] na colisão de direitos fundamentais, o legislador poderá, desde que o faça com base no princípio da proporcionalidade, limitar o raio de abrangência de um direito fundamental, visando dar maior efetividade a outro direito fundamental. [...] É preciso ter cuidado, porém, para não fazer com que a relatividade dos direitos fundamentais (e dos princípios constitucionais, portanto) esvazie o seu conteúdo, ou seja, atinja seu núcleo essencial. O direito fundamental, dentro do seu limite essencial de atuação, é inalterável e, por isso mesmo, seu núcleo é inatingível. Daí a necessidade de colocar, reflexivamente, a proporcionalidade como uma limitação à limitação dos direitos fundamentais.180

Verifica-se, pois, que o princípio da proporcionalidade serve como medida a sopesar

os interesses e valores envolvidos, dando ênfase ao espírito da norma constitucional,

178 NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva Civil-Constitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p.50. 179 SOUZA, Carlos Afonso Pereira de.; SAMPAIO, Patrícia Regina Pinheiro. O princípio da razoabilidade e o princípio da proporcionalidade: uma abordagem Constitucional. Disponível em: <http://www.puc-rio.br/sobrepuc/depto/direito/pet_jur/cafpatrz.html>. Acesso: em 02 de maio de 2005. 180 LIMA, George Marmelstein. O princípio da proporcionalidade e o Direito fundamental à ação. Disponível em: <http://www.ambito-juridico. com.br/aj/dpc0054..htm>. Acesso em: 02 de maio de 2005.

106

auxiliando na aplicação dos princípios e regras do ordenamento jurídico brasileiro, face à

supremacia da Constituição, a qual deve ser respeitada e preservada.

Conclui-se, portanto, que havendo colisão entre princípios a solução não há de ser

encontrada com a deliberação imediata da prevalência de um princípio sobre o outro, mas, de

outro lado, é acurado em decorrência da ponderação entre princípios colidentes, de modo que

cada um deles em dados momentos terá a prevalência. Dessa forma, determinar-se-á, no

momento da aplicação, qual princípio deve ser utilizado naquele caso concreto, sem, todavia,

eliminar o que não foi empregado do sistema jurídico (como pode ocorrer com as regras).

2.6.2 Interpretação conforme a Constituição

A interpretação conforme a Constituição é um princípio que se deriva diretamente da

natureza da Constituição como norma que confere unidade ao ordenamento jurídico,

demonstrando, assim, sua supremacia. Dessa forma, o magistrado, ao aplicar a norma, ao caso

concreto, deve fazê-lo levando em conta o que preceitua a Constituição Federal, interpretando

as normas infraconstitucionais em conformidade com a Constituição, em face de sua

supremacia normativa.

O princípio da interpretação conforme a Constituição estabelece que, quando houver a

possibilidade de mais de uma interpretação em uma norma, deve-se interpretá-la, dando

prioridade à interpretação que possua um sentido em conformidade com a Constituição, pois

quando há a possibilidade de se realizar duas ou mais interpretações, deve-se escolher a que

for mais compatível com a Constituição Federal.

Assim, pode-se concluir que a interpretação conforme a Constituição serve como uma

espécie de controle de constitucionalidade, na medida em que busca na norma a interpretação

constitucional e não o caso contrário (a não ser na impossibilidade plena de incompatibilidade

com a Constituição). E, no Estado Brasileiro, o órgão competente para resguardar o

cumprimento pleno e efetivo da Constituição é o Supremo Tribunal Federal, pelo menos na

forma concentrada, até porque para que haja a garantia de que nenhum ato jurídico persista no

ordenamento jurídico brasileiro quando for contrário à Constituição, há a previsão legal da

existência de um mecanismo, que é o controle de constitucionalidade, que tem por objetivo

manter a supremacia da Constituição Federal, no sentido em que impede que normas e ações

107

que ferem a Constituição Federal subsistam no mundo jurídico, servindo como instrumento de

afirmação da superioridade Constitucional.

Segundo Teori Albino Zavascki “a força normativa da Constituição a todos vincula e a

todos submete”, em referência à Supremacia da Constituição Federal, asseverando, ainda, que

“qualquer que seja o modo como se apresenta o fenômeno da inconstitucionalidade ou o seu

agente causador, ele está sujeito a controle pelo Poder Judiciário” 181.

No Brasil, existem duas espécies de controle de constitucionalidade, o controle

concentrado e o controle difuso. O controle incidental difuso possibilita aos litigantes, pessoas

comuns, que obtenham o controle constitucional em seus casos concretos, permitindo que

todos os magistrados, independentemente do grau de jurisdição, façam esse controle.

O Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal, tem competência para

realizar o Controle Concentrado de Constitucionalidade, por intermédio das Ações que

possibilitam a Declaração de Constitucionalidade, ou Inconstitucionalidade de uma norma

(como exemplo, tem-se a Ação Direta de Inconstitucionalidade) e o controle difuso via

Recurso Extraordinário.

Verifica-se a existência, portanto, de dois sistemas de controle de constitucionalidade,

quais sejam, o sistema difuso e, o sistema concentrado.

O sistema difuso, também conhecido por sistema americano, reconhece a competência de qualquer juiz para fiscalizar a constitucionalidade das leis quando da sua aplicação a um caso concreto. Com esse sistema afirma-se a supremacia da Constituição perante a lei. A existência desse sistema foi uma das grandes contribuições do constitucionalismo americano, por meio da judicial review 182. (grifo do autor).

O sistema concentrado, criado no direito austríaco, reserva a atribuição para julgar a

constitucionalidade das leis a um determinado órgão competente, podendo ser um tribunal do

Poder Judiciário ou não, criado especificadamente para o exercício dessa função. Nesse caso

há uma tendência de o órgão se caracterizar por uma função legislativa negativa.

181 ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 13-14. 182MANDELLI JUNIOR, Roberto Mendes. Argüição de descumprimento de preceito constitucional: Instrumento de proteção dos direitos fundamentais e da constituição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 39.

108

No Brasil, durante toda a sua história, foram realizadas algumas mudanças no tocante ao

controle de constitucionalidade. Iniciou apenas com o controle difuso, por via incidental

(sistema americano) e, posteriormente, ocorreu a introdução do Controle por via principal,

concentrado (sistema europeu), tendo sido este implantado pela Emenda Constitucional nº

16/65. E, a Constituição Federal de 1988 manteve ambos os sistemas, sendo que, portanto,

figura hoje, no Brasil, o sistema híbrido ou misto.

Verifica-se, dessa forma, que o controle de constitucionalidade tem a função de

impedir que normas inconstitucionais, ou seja, normas que ferem frontalmente a Constituição

permaneçam no ordenamento jurídico, impedindo, assim, a vigência das mesmas. E, o papel

de defensor da mantença da constitucionalidade é o Poder Judiciário, que nas palavras de

Lenio Luiz Streck, “aparece como salvaguarda para eventuais rupturas” 183, rupturas estas

ocorridas dentro do ordenamento jurídico em decorrência de afronta à Constituição.

Importante transcrever a lição de Paulo Lobo, o qual vê na interpretação conforme a

Constituição um grande avanço para o controle de constitucionalidade brasileiro:

O princípio da interpretação conforme a Constituição é uma das mais importantes contribuições dos constitucionalistas nas últimas décadas. Consiste, basicamente, em explorar ao máximo a compatibilidade com a Constituição das normas infraconstitucionais a ela anteriores ou supervenientes, e a partir dela. Apenas para ser declarada a inconstitucionalidade de uma norma quando a incompatibilidade dela com a Constituição for insuperável. Essa diretriz hermenêutica harmoniza-se com os princípios da presunção de constitucionalidade das normas infraconstitucionais e da força normativa da própria Constituição. Mais importante é a função que desempenha na interpretação do conteúdo das leis, que há de ser conformado, delimitado e densificado pelos princípios e normas constitucionais. 184

O princípio ora analisado se deriva da rigidez da própria Constituição e, via de

conseqüência, de sua supremacia em relação às demais normas, chamadas de

infraconstitucionais. Desse modo, a interpretação conforme a Constituição, mantém a

superioridade desta dentro do sistema jurídico. Assim, deve-se analisar as normas

infraconstitucionais sempre tendo como parâmetro a Constituição Federal. Acerca do tema,

Paulo Bonavides assim se manifesta:

183STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: Uma nova crítica do direito. 2. ed. rev. e ampl., Rio de Janeiro:Forense, 2004, p. 96. 184 LOBO, Paulo Luiz Netto. Direito de família e o novo código civil. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 153.

109

Decorre em primeiro lugar da natureza rígida das Constituições, da hierarquia das normas constitucionais – de onde proclama o reconhecimento da superioridade da norma constitucional – e enfim do caráter de unidade que a ordem jurídica necessariamente ostenta. Em rigor não se trata de um princípio de interpretação da Constituição, mas de um princípio de interpretação da lei ordinária de acordo com a Constituição.185

Pode-se concluir, dessa forma, que quando da interpretação de uma norma, deve-se

servir, dentre as inúmeras formas de interpretação disponíveis, daquela que torna a própria

norma compatível com a Constituição (não devendo empregar a interpretação que leva à

inconstitucionalidade da norma), utilizando, dessa feita, do princípio da interpretação em

conformidade com a Constituição.

Todavia, não se deve, pelo princípio da conservação das normas, reformar a norma

que se está apreciando, mas somente interpretá-la, até porque o Poder Judiciário não pode, em

regra, cumprir o papel do Poder Legislativo (face à tripartição das funções, estabelecida pela

própria Constituição). Dessa maneira, não se pode interpretar, na busca da

constitucionalidade, de forma a atingir, maculando, o próprio espírito da norma, infringindo a

concepção do legislador, alterando-se o texto da lei. Deve-se tentar, ao máximo, a obtenção de

uma interpretação de forma a coincidir com os ditames constitucionais, que é o que prega o

princípio da interpretação conforme a Constituição, entretanto, não sendo possível, não há

permissão de modificação de texto de uma norma, pelo Poder Judiciário, aqui representado

pelo Supremo Tribunal Federal, que é o guardião da Constituição Federal, sendo assim, esta

norma será, portanto, inconstitucional.

2.7 A CONSTITUIÇÃO COMO SISTEMA

A Constituição, base do ordenamento jurídico de um Estado de Direito deve sempre

prevalecer sobre as normas inferiores (também chamadas de infraconstitucionais), devendo

estas se compatibilizar com a Constituição Federal. Dessa forma, as normas incompatíveis

com a Constituição de um país não podem ter vigência naquele sistema jurídico, já que uma

norma só é válida, se tiver buscado seu fundamento de validade em uma norma superior, e

nada no ordenamento jurídico é maior do que a Constituição, a qual ocupa o ápice da 185 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 474.

110

pirâmide imaginada por Hans Kelsen, em que uma norma para ser válida é necessário que se

encontre o fundamento de validade em uma norma superior, e assim em diante, de maneira de

que todas as normas cuja validade possa ser levada a uma mesma norma fundamental

compõem um sistema de normas, uma ordem normativa.186

Assim, para esse autor, a ordem jurídica é um sistema de normas, dentro do qual a

Constituição Federal é a lei maior, que deve ser respeitada e obedecida pelas demais leis que

compõe o sistema, já que há uma gradação, uma hierarquia entre as normas, devendo-se

verificar, primeiramente, a lei maior, que é a Constituição Federal, para posteriormente, diante

da mesma, verificar a validade das demais normas, encontradas sempre subjacentes à

Constituição Federal. E, dessa forma, deve ser feita a aplicação da norma, no caso concreto.

Ao tentar explicar o conceito de Hans Kelsen, impresso na Teoria Pura do Direito,

José Afonso da Silva traz importante esclarecimento acerca do tema, ao afirmar que:

Trata-se da teoria gradualista da ordem jurídica, que se compõe de normas escalonadas hierarquicamente: uma norma individualizada vale porque foi criada de conformidade com uma lei; esta lei deriva sua validade da constituição, enquanto tenha sido estabelecida por um órgão competente e na forma prescrita pela própria constituição. [...]. Segundo essa teoria, a ordem jurídica constituiu uma unidade na pluralidade, unidade que se exprime na circunstância de poder ser descrita em proposições jurídicas que não se contradizem.187

Assim, o ordenamento jurídico tem como sua bússola a Constituição Federal, tendo

sempre que caminhar de conformidade com a estrada indicada pelo instrumento utilizado para

encontrar o norte, o destino final, sob pena de, não seguindo de acordo com a bússola (a

Constituição Federal), se perder no meio do caminho, de modo a deixar de ter validade no

sistema jurídico a que pertence.

A Constituição Federal é lei suprema, que paira acima de todo ordenamento jurídico,

determinando que todas as situações havidas no mundo jurídico se baseiem nos fundamentos

e preceitos trazidos por ela.

186 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. apud FERREIRA, Olavo Alves. Controle de constitucionalidade e seus efeitos. São Paulo: Método, 2003, p. 21. 187 SILVA. José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6. ed., 3. tir. , São Paulo: Malheiros, 2004, p. 210.

111

Depreende-se, dessa forma, que as normas que não se encontram enquadradas no que

determina a Constituição brasileira, pois são normas inválidas, não podendo ter vigência no

ordenamento jurídico pátrio, pois todas as normas devem se adequar aos parâmetros

estabelecidos pela Constituição Federal.

Assim, quando houver conflito entre uma norma inferior e a Constituição Federal, a

norma inferior será considerada inconstitucional e, via de conseqüência, abolida do sistema

jurídico. Nesse sentido, entende-se que não pode ter vigência a norma que contraria

frontalmente a Constituição.

Conclui-se, pois, que todas as normas infraconstitucionais devem se submeter às

regras estabelecidas na Constituição Federal, sob pena de deixar de pertencer ao ordenamento

jurídico, já que a Constituição, além de ditar normas, estabelece limites à criação de novas

normas que lhe sejam desfavoráveis. Para Maria Helena Diniz, “a supremacia da Constituição

se justificaria para manter a estabilidade social, bem como a imutabilidade relativa de seus

preceitos.” 188

Além disso, a manutenção da própria unidade e, organização do sistema jurídico se dá

com a hierarquia da Constituição, como é lembrado por Paulo Nalin:

O princípio da hierarquia constitucional mantém a unidade do sistema jurídico, em seus mais diversos (micro) ordenamentos, servindo a Constituição e leis constitucionais (v.g. disposições transitórias, emendas etc.) de fonte ordenadora e reguladora de inúmeras normas infraconstitucionais, mantendo, em torno de si, a unidade do sistema como um todo.189 (grifo do autor).

Maria Garcia, na obra “Desobediência civil” aponta que a Constituição deve pertencer

a um sistema aberto, onde se permite a ligação entre a sociedade, havendo-se, portanto, uma

troca de fluidos, o que possibilita uma constante e, sadia, alteração e modificação, para

adequação com a sociedade e com o momento histórico vivido pela mesma.

A idéia da Constituição como um sistema interno, ou seja, como uma conexão de princípios imanentes (expressos ou implícitos, revelados ou não em normas constitucionais), constitutivos de uma certa ordem e unidade – a ordem

188 DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. 5. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001, p.15. 189 NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva Civil-Constitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p.42.

112

constitucional surge em Canotilho como uma ‘ordem aberta às alterações e mudanças temporalmente adequadas’.190 (grifo do autor).

Na seqüência, referida autora, citando José Afonso da Silva, afirma, categoricamente,

que: “Conjunto ou organização dos elementos essenciais do Estado, a Constituição é vista por

José Afonso da Silva como um sistema de normas jurídicas, a lei fundamental do Estado.”191

(grifo do autor).

Portanto, a Constituição faz parte de um sistema, figurando no ápice do mesmo, já que

todas as demais normas devem respeitar a Constituição, para que possam continuar a

pertencer ao sistema jurídico. O modelo ideal de sistema é o aberto, em face de permitir a

interação entre a ordem jurídica e a sociedade que irá receber as normas do sistema,

propiciando a troca de energias e a renovação constante do sistema.

2.7.1 A Constitucionalização da ordem econômica

Interessante que se faça um retrospecto histórico do tema, já que o constitucionalismo,

“como movimento que pretende assegurar determinada organização do Estado” 192 tem suas

raízes no período da antiguidade clássica, sendo que, portanto, não é correto afirmar que o

surgimento do constitucionalismo se deu somente com as revoluções da Idade Moderna (em

especial com a Revolução Francesa).

André Ramos Tavares aponta que foi karl Loewenstein quem primeiro identificou a

gênese do movimento constitucionalista, a qual ocorreu entre os hebreus, que designaram

limitações ao poder político, no Estado teocrático, em face da lei do Senhor, ou da lei de

Deus.193 Cabe aqui ressaltar que, apesar de ter sido o berço do constitucionalismo, referido

movimento ainda era bastante tímido, mas foi lá que ele nasceu, vindo a sofrer mutações,

desde a sua concepção.

190 GARCIA, Maria. Desobediência civil: Direito fundamental. 2. ed., rev., atual., ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 109. 191 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.37-38, apud GARCIA, Maria. Desobediência civil: Direito fundamental. 2. ed., rev., atual., ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 109. 192 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito constitucional. 2. ed., rev., ampl., São Paulo: Saraiva, 2003, p.3. 193 Idem, p. 3.

113

Posteriormente, por volta do século V da era cristã, têm-se os gregos, com suas

Cidades-Estado, configurando o primeiro exemplo de democracia constitucional, concebendo

o início de uma racionalização do poder.

Na Idade Média, o regime dominante era o absolutista, sendo que, portanto, os

indivíduos não tinham como participar do poder (de forma direta ou mesmo indireta), não

havendo, da mesma forma, qualquer espécie de balizamento aos governantes, já que estes

gozavam de “imunidade”, no sentido de que seus atos estavam sempre acima da lei. Ainda

assim, o constitucionalismo, ressurge com a bandeira das conquistas de liberdades

individuais, como se verifica pelo surgimento da Magna Carta. A Magna Carta, todavia, “não

se limitou a impor balizas para a atuação soberana, mas também representou o resgate de

certos valores, como garantir direitos individuais em contraposição à opressão estatal.” 194

E é no período medieval, portanto, que tem início o desenho de uma lei fundamental,

sendo que, primeiramente, denotou a “consagração de um conjunto de princípios, normas e

práticas adotadas nas relações religiosas e comunitárias, especialmente entre as classes sociais

e o soberano.” 195

Canotilho entende que:

A idéia da lei fundamental como lei suprema limitativa dos poderes soberanos virá a ser particularmente salientada pelos monarcas franceses e reconduzida à velha distinção do século VI entre ‘lois de royaume’ e ‘lois du roi’. Estas últimas eram feitas pelo rei e, por conseguinte, a ele competia modificá-las ou revogá-las; as primeiras eram leis fundamentais da sociedade, uma espécie de lex terrae e de direito natural que o rei devia respeitar.196 (grifo do autor).

Na Era Medieval, foi na Inglaterra, que o constitucionalismo ressurgiu, impulsionado

pelo nascimento de vários diplomas constitucionais. Referida fase é conhecida como período

pré-constitucionalista. O primeiro diploma foi a Magna Carta, concedido pelo soberano, em

1.215. Posteriormente, tem-se, pela luta entre o rei e o parlamento o Petition of Right, de

1.628 (que foi o documento voltado para as liberdades públicas) e as revoluções de 1648 e

1688, e o Bill of Rigths de 1689.

194TAVARES, André Ramos. Curso de Direito constitucional. 2. ed., rev., ampl., São Paulo: Saraiva, 2003, p.4. 195 Idem, ibidem. 196 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. p. 61/62 apud TAVARES, André Ramos. Curso de Direito constitucional. 2. ed., rev., ampl., São Paulo: Saraiva, 2003, p.4.

114

Sobre o tema, Erivaldo Moreira Barbosa, assim se manifesta:

O Constitucionalismo de inspiração iluminista/liberal já despontara de forma germinativa na Idade Média, quando no século XIII, em 1215, o rei inglês conhecido pela alcunha de João-Sem-Terra viu-se forçado a pactuar com parcela de súditos (oligárquicos rurais ingleses), iniciando, assim, um processo em escala ascendente de fragmentação do sistema vigente e construção de novas formas estatais de atuar. A monarquia inglesa, a partir desse lapso temporal, vê-se forçada a reconhecer direitos individuais de grupos sociais. Frisa-se, porém, que o reconhecimento desses direitos não era estendido para toda população inglesa, restringindo-se unicamente aos abastados economicamente, embora exclusos dos direitos humanos e políticos.197

Apesar de tudo isso, a Inglaterra passa por um longo, lento e progressivo processo de

construção das instituições constitucionais. Tal fato pode ser facilmente interpretado como o

ressurgimento do constitucionalismo, carregando consigo a mudança da fonte do poder do

Estado, transmutando das mãos do soberano, para o Texto Constitucional.

O direito constitucional inglês constituiu um modelo político-jurídico único em sua

época, que contemplava o Poder Real, a aristocracia e os comuns. Formou-se, então, um

sistema de governo misto, que não se identificava nem com as monarquias absolutas, nem

com as repúblicas aristocráticas, nem com os regimes puramente democráticos, já

experimentados à época. Santi Romano lembra que “se pode dizer que o direito constitucional

dos Estados Modernos resulta do direito constitucional inglês e das demais ordenações, dele

mais ou menos derivadas diretamente.” 198

Importante ressaltar que, apesar do pioneirismo inglês, não há, até hoje, uma

Constituição escrita, naquele país, estando o mesmo assentado nos costumes e tradições.

A Inglaterra, [...] nunca teve uma constituição escrita, salvo alguns textos fragmentários nos quais estão consagrados seus princípios basilares; entretanto, quando a ordenação inglesa foi transplantada para outros lugares, no sentido e nos limites que serão mencionados, prevaleceu, por exemplo, na América do Norte e na França, o sistema de redigir o direito constitucional, resumindo-o em cartas ou estatutos fundamentais.199

197 BARBOSA, Erivaldo Moreira. Direito constitucional: uma abordagem histórico-crítica. São Paulo: Madras, 2003, p. 22. 198 ROMANO, Santi. Princípios de Direito constitucional geral. Trad.: Maria Helena Diniz, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 42-43. 199 Idem, p. 44.

115

Como já dito, no capítulo anterior, no século XVII, a palavra Estado aparece na sua

acepção moderna, na obra de Nicolau Maquiavel, “O Príncipe”, tendo-se, dessa forma, o

constitucionalismo moderno.

Mas, é no século XVIII que o movimento do constitucionalismo moderno teve

eclosão, com a Revolução Francesa; já que se pode considerar o movimento do

constitucionalismo como um movimento de caráter ideológico e político contra o absolutismo

monárquico, com o objetivo de implantar normas jurídicas racionais e obrigatórias, tanto para

os governados, como para os governantes. Canotilho aponta que:

O constitucionalismo exprime também uma ideologia: ‘o liberalismo é constitucionalismo; é governo das leis e não dos homens’ (Mac Ilwain). A idéia constitucional deixa de ser apenas a limitação do poder e a garantia de direitos individuais para se converter numa ideologia, abarcando os vários domínios da vida política, econômica e social (ideologia liberal ou burguesa).200 (grifo do autor).

Consolidando-se e, estruturando-se, o movimento constitucionalista, no século

seguinte, com a Revolução Industrial e, com o surgimento das Constituições escritas, em face

da massificação das relações sociais, já que havia necessidade do surgimento de um modelo

de Constituição forte (diferentemente do que foi o modelo liberal e, individualista), para

regular e interferir (diretamente), nas relações, passa o Estado, a adotar uma postura

intervencionista.

Paulo Nalin na obra escrita anteriormente ao advento do novo Código Civil (de 2002),

mas após a Constituição de 1988, trata exatamente do tema da constitucionalização,

discorrendo que o Código Civil não pode mais ser visto com uma legislação que esteja acima

da Constituição (aliás, nada pode ser vislumbrado dessa forma), devendo ser considerada (a

Lei Maior) como o ápice do ordenamento jurídico:

[...] contendo a Carta (sic) uma verdadeira “força geradora” do Direito Privado, destinada tanto ao legislador como ao juiz e para os demais órgãos do Estado. O Código Civil não pode ser mais ser visto como uma categoria superior da “Carta” Constitucional, como normalmente acontecia nos diplomas oitocentistas, sempre fundados sobre o instituto da propriedade e dos bens pertencentes aos particulares. Atualmente, aquele antigo desenho não mais prevalece, perante uma Constituição normativa que põe, no centro de seu ordenamento, a pessoa humana, consagrando a ela um valor preeminente. É com base nesta relocação das figuras legais que se

200 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 5. ed., ampl. Coimbra: Almedina, 1992, p. 66.

116

busca reconstruir a idéia do contrato, sempre centrada na figura da pessoa humana (sujeito contratante) e na sua proteção constitucional.201 (grifo do autor).

Assim, o constitucionalismo do futuro tem que estar fundado em valores como a

solidariedade, a verdade, a participação, a integração, a universalização, entre outros;

voltando-se para o ser humano e para a garantia de sua dignidade, estando, portanto, a

dignidade da pessoa humana, como vetor da própria Constituição Federal.

2.7.2 Uma conceituação de ordem econômica

Antes de se adentrar à conceituação, propriamente dita, faz-se necessário, relembrar o

significado de ordem. Como explanado anteriormente, sistema está intimamente ligado à idéia

de conjunto; de unidade, sendo que, portanto, pode-se dizer que ordem relaciona-se com

organização; um conjunto organizado, visando atingir uma meta comum. Ordem, pois, é uma

“seleção direcionada dos elementos que integram um conjunto. Essa seleção se faz [...] com

um objetivo, com uma finalidade. Toda organização tem um direcionamento para uma meta,

um encaminhamento de elementos para um futuro.” 202

E, não é diferente com a ordem econômica, a qual visa regular todo o complexo de

normas jurídicas que regulam, direta ou indiretamente, a Economia. Importante dizer que o

Direito Econômico é disperso na Constituição Federal, justamente porque não se pode falar

que apenas as regras indicadas no Título VII, tenham conteúdo econômico.

A explicação que Vital Moreira traçou para o que seja ordem econômica

consubstancia o acima apontado:

- em um primeiro sentido, ‘ordem econômica’ é o modo de ser empírico de uma determinada economia concreta; a expressão, aqui, é termo de um conceito de fato e não de um conceito normativo ou de valor (é conceito do mundo do ser, portanto) [...];

- em um segundo sentido, ‘ordem econômica’ é a expressão que designa um conjunto de regras de todas as normas (ou regras de conduta), qualquer que seja a sua natureza (jurídica, religiosa, moral etc), que respeitam à regulação do comportamento dos sujeitos econômicos; é o sistema normativo (no sentido sociológico) da ação econômica;

201 NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva Civil-Constitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p.46-47. 202 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito econômico. 5. ed., rev., atual., Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 83.

117

- em um terceiro sentido, ‘ordem econômica’ significa ordem jurídica da economia.203 (grifo do autor).

Ato contínuo, importante destacar que têm conteúdo econômico (ou seja, fazem parte

do Direito Econômico) as regras que guardam consonância ao ciclo econômico, formado por

quatro eventos: produção, circulação, repartição e consumo. Eros Roberto Grau entende que

ordem econômica é a reunião de normas que define, de maneira institucional, um dado modo

de produção econômica. Dessa forma, ordem econômica seria uma parcela da própria ordem

jurídica (encontrado no mundo do dever-ser); um conjunto de normas, portanto, que

institucionaliza uma determinada ordem econômica (no mundo do ser).204

Para Jorge Alex Athias, a ordem econômica deve ser entendida como um dado da

própria realidade, sendo este um dado empírico, portanto, vislumbra a possibilidade de que a

mesma possa ser entendida sob três diferentes perspectivas; como conceito de fato,

sociológico e de direito:

[...] ordem, nesse sentido, é um conceito de facto e não um conceito normativo ou de valor, e exprime a realidade de uma inerente articulação do econômico como facto. O Econômico não se apresenta nesse conceito, como um modelo caótico; é já, por si, uma ordem (natural, automática, impessoal), é típico da teoria liberal. O segundo conceito teria conteúdo nitidamente sociológico ao significar o conjunto de regramentos, de qualquer natureza (morais, éticos, religiosos e mesmo jurídicos), que pretendem ordenar a atividade econômica [...] O terceiro sentido [...] é o sentido jurídico, entendendo-se a ordem econômica como a ordem jurídica da economia, sendo constituída pelo conjunto de regras jurídicas que regulam a vida econômica [...].205

Américo Luís Martins da Silva aponta que, no Brasil, somente na Constituição de

1934 foi implantado o constitucionalismo econômico, apesar de já constar nas Constituições

anteriores algumas questões econômicas, ainda que de forma isolada, não estando, todavia,

explicitada de forma consolidada.

Nunca é demais lembrar que a ordem econômica, apesar de estar inserida na

Constituição Federal, não reina na mesma de forma absoluta, já que deve obedecer aos demais

203 MOREIRA, VITAL. A ordem jurídica do capitalismo. Coimbra: Centelha, 1973, p. 67, apud, GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: Interpretação e Crítica. 9 ed., rev., atual., São Paulo: Editora Malheiros, 2002, p. 57-58. 204 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: Interpretação e Crítica. 9 ed., rev., atual., São Paulo: Editora Malheiros, 2002, p. 63. 205 ATHIAS, Jorge Alex. A ordem econômica e a Constituição de 1988. apud BARBOSA, Erivaldo Moreira. Direito constitucional: uma abordagem histórico-crítica. São Paulo: Madras, 2003, p. 202.

118

preceitos ali esculpidos, como bem retrata o próprio Art. 170 da Lei Máxima, que resguarda a

ordem constitucional (assegurando, inclusive, a livre iniciativa), mas prevê que este deve

respeitar os preceitos ali retratados, em especial, o princípio da dignidade da pessoa humana,

fundamento do Estado Democrático de Direito brasileiro.

2.7.3 Modelos econômicos e seus reflexos na ordem econômica

O modelo econômico adotado em cada Estado influencia, de forma direta, a ordem

econômica e financeira, em face de que dependendo do sistema implantado a ordem

econômico/financeira se moldará e manifestará de uma ou outra maneira.

Eros Roberto Grau aponta a existência de uma ordem econômica liberal e, uma ordem

econômica intervencionista, na qual será relevante o modelo econômico representado na Lei

Máxima do país (se liberal ou social).

As Constituições liberais não apresentam, de forma explícita, normas que compõem

uma ordem econômica constitucional (uma ordem econômica propriamente dita), já que,

nesse modelo, o Estado não deve intervir na Economia, havendo a ocorrência de um Estado

mínimo. É satisfatório, estar retratado, na Constituição, a garantia da propriedade privada e a

liberdade contratual (livre iniciativa) de forma ampla e irrestrita, sendo que, portanto, a ordem

econômica existente no mundo do ser não precisa ser modificada ou, até mesmo reparada,

pelo mundo do dever-ser.

As transformações ocorrem no momento em que as precedentes ordens econômicas –

encontradas no mundo do dever-ser – passam a instrumentalizar a efetivação de políticas

públicas. Ou seja, no exato momento em que a ordem econômica, devidamente elevada a

nível constitucional, “passa a predicar o aprimoramento da ordem econômica (mundo do ser),

visando à sua preservação. O direito é afetado, então, por uma transformação, justamente em

razão de instrumentar transformação da ordem econômica (mundo do ser).”206

Com a leitura do Art. 170 da atual Constituição Federal consegue-se perceber que

referida transformação é buscada, isto porque “a ordem econômica (mundo do ser) deverá

206 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: Interpretação e Crítica. 9 ed., rev., atual., São Paulo: Editora Malheiros, 2002, p. 65.

119

estar fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa... A ordem econômica

liberal é substituída pela ordem econômica intervencionista.”207 (grifo do autor), que se

preocupa, notadamente, com a dignidade da pessoa humana.

E, na ordem econômica intervencionista, o Estado deixa de ser mínimo (não

interventor), passando a se transmudar em um Estado que intervêm nas relações econômicas,

visando atender ao bem comum; à justiça social; ao primado do trabalho e, especialmente, e,

fundamentalmente, à dignidade da pessoa humana. Dessa mudança do Estado liberal, para o

social (portanto, intervencionista), bem como, da conseqüente modificação da ordem

econômica liberal, para intervencionista, trata Eros Roberto Grau, da seguinte maneira:

A introdução, no nível constitucional, de disposições específicas, atinentes à conformação da ordem econômica (mundo do ser), não consubstancia, em rigor, uma ruptura dela. Antes, pelo contrário, expressa [...] o desígnio de se aprimorar, tendo-se em vista a sua defesa. A ordem econômica (mundo do dever ser) capitalista, ainda que se qualifique como intervencionista, está comprometida com a finalidade de preservação do capitalismo. Daí a feição social, que lhe é atribuída, a qual, longe de desnudar-se como mera concessão a um modismo, assume, nitidamente, conteúdo ideológico.208 (grifo do autor).

E, portanto, o modelo econômico utilizado pelo Estado Democrático e Social de

Direito, abraçado pelo Estado interventor encontra-se preocupado com a manutenção do

social; do bem-estar social e, isso só é possível de se realizar, de forma plena, se houver o

acolhimento do princípio da dignidade da pessoa humana, que guarda, em seu seio, todos os

demais princípios que dela decorrem, propiciando, assim, a efetiva justiça social.

2.8 MODALIDADES DE CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA

Inicialmente, é imprescindível trazer à baila, lição de Ivo Dantas, para o qual, a

Constituição econômica não existe desprendida da Constituição jurídica do Estado, muito

pelo contrário, já que nesta “poderá, ou não, existir, sem que sua inexistência comprometa

207GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: Interpretação e Crítica. 9 ed., rev., atual., São Paulo: Editora Malheiros, 2002, p. 65. 208 Idem, p. 66-67.

120

(salvo sob os ângulos sociológico e ideológico) a caracterização daquela.”209 Assim, a

Constituição econômica tem que ser vista como um apêndice, como um subsistema da

Constituição total de um Estado, o qual é o verdadeiro sistema.

Outro ponto que merece destaque é o levantado por Celso Ribeiro Bastos, que, na obra

“Curso de Direito Econômico”, questiona: “Existe efetivamente uma Constituição

econômica?” Entende que, no decorrer da História as Constituições passaram a invadir outras

áreas, o que ocorreu, em especial, no século XX, sendo que, dessa forma, passaram a vigorar

dentro do Texto Constitucional, os princípios gerais e regras fundamentais relacionados ao

social e ao econômico. Surge, dessa maneira, a Constituição econômica, que para este, nada

mais é do que “uma especial focalização da matéria relativa a Economia dentro da

Constituição. Aquela sempre existiu mesmo em se tratando das Constituições liberais, sendo

que nelas as diretrizes econômicas eram extraídas da posição tomada pela Lei Maior sobre

outras questões.”210 Assim, conclui-se:

Em outras palavras, Constituição Econômica existe sim, mas como um sistema ou conjunto de normas jurídicas, tendo como critério unificador o dado econômico ou a regulação da economia. Ela não é, todavia, autônoma. Pelo contrário, só ganha sentido se embutida dentro da Constituição em sentido amplo, em função da qual se torna inelegível e compreensível.211

Para João Bosco Leopoldino da Fonseca, outra questão que se levanta é se no período

anterior a 1934 haveria existido uma Constituição econômica, já que a partir dessa Lei Maior

que houve a previsão expressa de uma ordem econômica (apesar de constarem, nas

Constituições que a precederam, dispositivos que tratavam, de alguma forma, das questões

econômicas). Para este autor, o sistema econômico deve ser entendido como conjunto de

estruturas econômicas, institucionais, jurídicas, sociais e mentais, todas elas organizadas,

visando garantir a efetiva realização de um número de metas econômicas, tais como,

equilíbrio, crescimento etc. Com isso, aponto que somente a partir da Primeira Grande

Guerra, que a conceituação de Constituição econômica toma impulso, impulso este que será

ainda maior a partir da crise do Capitalismo (1929) e, ainda mais, após a Segunda Grande

Guerra. Aponta, ainda, a Constituição econômica tem por fim delimitar os princípios e regras,

209 DANTAS, Ivo. Direito constitucional econômico: globalização e constitucionalismo. 1. ed., 5. tir., Curitiba: Juruá, 2004, p. 55. 210 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2004, p. 70. 211 Idem, p. 75.

121

informadores da ordem econômica, operando, portanto, a conversão do regime econômico em

ordem jurídico-econômica.212

Já, André Ramos Tavares, embasado em Vital Moreira, afirma que, apesar de no

Brasil, a expressão Constituição econômica ter surgido somente após o fim de Primeira

Guerra Mundial, como dito acima, já em 1771, nos estudos de Baudeau, se verifica o uso da

expressão, sendo que, na “literatura econômica que o termo em primeiro lugar obteve curso,

mas com sentido diverso: significando o mesmo que estrutura econômica ou sistema

econômico [...]” 213 (grifo do autor).

Gilberto Bercovici salienta que:

O Estado Social de Direito é, deste modo, a ordem soberana da economia, pretendendo subordinar a economia capitalista de mercado a um conjunto jurídico-político nacional [...] As esferas da vida social devem ser planejadas pela vontade política do povo soberano. Desta forma, no Estado Social de Direito, o direito econômico deve eliminar a anarquia econômica, concretizando a soberania estatal sobre a economia, não uma economia de Estado ou a dissolução do Estado na economia.214

Antes de adentrar-se nas modalidades de Constituição econômica, importante que se

conceitue tal instituto, que, nas palavras de Américo Luís Martins da Silva, significa, “uma

parte da constituição política e o seu objeto não se confunde com a ordenação total, global e

acabada da sociedade” 215. Na visão de Vital Moreira, Constituição econômica seria:

[...] o conjunto de preceitos e instituições jurídicas que, garantindo os elementos definidores de um determinado sistema econômico, instituem uma determinada forma de organização e funcionamento da economia e constituem, por isso mesmo, uma determinada ordem econômica; ou, de outro modo, aquelas normas ou instituições públicas que, dentro de um determinado sistema e forma econômicos, que garantem e/ou instauram, realizam uma determinada ordem econômica concreta.216

212 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito econômico. 5. ed., rev., atual., Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 90/93. 213 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p.73. 214 BERCOVICI, Gilberto. Entre o Estado total e o Estado social: Atualidade do debate sobre Direito, Estado e economia na república de Weimar. São Paulo: Dedalus, 2003, p. 111-112. 215 SILVA, Américo Luís Martins. A ordem constitucional econômica. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 45. 216 MOREIRA, Vital. Economia e Constituição. Coimbra: Faculdade de Direito, 1979, p. 35, apud, SILVA, Américo Luís Martins. A ordem constitucional econômica. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 45.

122

Quanto à classificação, pode-se dizer que há duas modalidades de Constituição

econômica, sendo elas: Constituição formal e Constituição material. Américo Luís Martins

da Silva apresenta que:

Portanto, a constituição econômica assim entendida como o conjunto dos princípios fundamentais informadores da atividade e da organização econômica, é, na opinião de LUIS S. CABRAL DE MONCADA, constituída simultaneamente de normas formalmente constitucionais (normas inscritas no texto constitucional) e por normas apenas materialmente constitucionais (normas pilares da organização básica da ordem econômica, sem assento no texto constitucional).217 (grifo do autor).

Para André Ramos Tavares e, Manoel Gonçalves Filho, quando um conjunto de

normas que tratam acerca do econômico está presente na Lei Máxima, tem-se a Constituição

econômica formal. Todavia, André Ramos Tavares, lembra que referido conceito pode

apresentar o inconveniente de “elevarem à categoria de Constituição econômica todas as

normas de cunho econômico, ainda que as mais comezinhas e inexpressivas (justamente por

terem sido incorporadas na Constituição).” 218

217 SILVA, Américo Luís Martins. A ordem constitucional econômica. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 45. 218 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p.80-81.

123

3. A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA COMO

INSTRUMENTO PARA O RESPEITO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

No primeiro capítulo do presente trabalho foi feito um breve estudo acerca da

evolução do Estado, passando por alguns modelos estatais, para chegar ao Estado

Democrático Social de Direito (modelo que o Brasil, apesar de adotar, ainda não o utiliza de

forma plena). Percebe-se que o tipo de modelo estatal caracteriza-se, principalmente, pela

intensidade com que o Estado atua no campo econômico, pois no modelo liberal, por

exemplo, o Estado pouco, ou nada, intervém na Economia; diferentemente do Estado Social,

que muito intervém na Economia. E, é por intermédio da intervenção que se verifica de que

forma o Estado atua na seara econômica, demonstrando, portanto, a imprescindibilidade da

análise do referido instituto.

É sempre importante traçar elementos históricos dos institutos jurídicos e, não poderia

ser diferente com a intervenção estatal. Desde tempos imemoriais, o Estado (ainda que não da

forma conhecida atualmente) já intervinha de alguma forma, na Economia. E, foi assim, no

Egito – onde tanto a produção agrícola como a industrial – se mantinham sob o controle

estatal; na Grécia antiga e em Roma, que, com seu caráter militar e, portanto, conquistador

intervinha, principalmente, nos Estados dominados, visando à obtenção de riqueza, para o

patrocínio de novas expedições militares.

O modelo de Estado que surgiu com a Revolução Francesa e, que perdurou e

preponderou por todo o século XIX, foi o Estado liberal, o qual operava de maneira

dissociada entre a Economia e a Política, impondo, assim, o afastamento do Estado do

domínio econômico, deixando este praticamente livre para agir da forma que melhor lhe

conviesse, até porque o Estado era apenas uma “mão invisível” atuando sobre o econômico.

Com a evolução do Estado liberal, para o Estado do bem-estar-social (também

chamado de welfare state), como assentado em capítulo anterior, tem-se a necessidade de uma

intervenção do Estado na ordem econômica, já que a Economia deixa de ser livre (com

mínima interferência estatal), para ser regulada pelo Estado, a fim de que as relações sociais

124

possam se tornar mais equilibradas e, até mesmo, igualitárias, garantindo-se, assim, a

plenitude do social.

A Igreja Católica teve grande influência na modificação do modelo estatal, ao trazer

noções de justiça social e bem comum, entre outras, noções estas que pretendia que fossem

aplicadas nos Estados, de forma plena. A Encíclica Papal Rerum Novarum (Papa Leão XIII,

em 1891) é um exemplo disso, já que conclama, aos governantes, que protejam a sociedade e,

para tanto, necessário se faz que exista um concurso de ordem geral, consistindo em regulação

das leis, instituições e da própria Economia, estabelecendo não ser justo que o indivíduo, ou a

até mesmo a família, sejam absorvidos pelo Estado, mas é justo, pelo contrário, que ambos

tenham faculdade de proceder com liberdade, desde que não atentem contra o bem geral e não

prejudiquem ninguém. Propõe uma nova reconstrução econômico-social, voltada para a

justiça.

O Papa Pio XI, na Encíclica Quadragesimo Anno (1931), da mesma forma, condena o

vício do Liberalismo, em face de que tal modelo levou à deformação do próprio Estado. Mais

uma vez se verifica a afirmação de necessidade de implementação do intervencionismo

estatal, para que o equilíbrio e a justiça possam prevalecer, em face do capitalismo demasiado,

que acarreta, somente, injustiças e desigualdades sociais, que resultam em uma indignidade

humana, a qual não pode ser permitida.

O Papa João XXIII, na Encíclica Mater et Magistra (1961), também prega a

necessidade de interferência do Estado nas relações sociais e econômicas, para a garantia do

bem comum, tendo asseverado que o Estado não pode manter-se afastado do mundo

econômico, já que a razão de ser deste é a realização do bem comum. Deve, portanto:

[...] intervir com o fim de promover a produção duma abundância suficiente de bens materiais, cujo uso é necessário para o exercício da virtude, e também para proteger os direitos de todos os cidadãos, sobretudo dos mais fracos, como são os operários, as mulheres e as crianças. [...] Mas é preciso insistir sempre no princípio de que a presença do Estado no campo econômico, por mais ampla e penetrante que seja, não pode ter como meta reduzir cada vez mais a esfera da liberdade na iniciativa pessoal dos cidadãos; mas deve, pelo contrário, garantir a essa esfera a maior amplidão possível, protegendo, efetivamente, em favor de todos e cada um, os direitos essenciais da pessoa humana.219

219 PAPA João XXIII. Rerum Novarum, apud VENANCIO FILHO, Alberto. A intervenção do Estado no domínio econômico: O Direito público econômico no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1968, p. 18.

125

Na mesma esteira, André Ramos Tavares lembra que as Constituições ditas sociais

trazem a necessidade de um modelo estatal intervencionista, em oposição ao modelo liberal,

em que o Estado pouco ou nada fazia, com relação à interferência nas relações privadas e, na

própria ordem econômica:

As constituições sociais correspondem a um momento posterior na evolução do

constitucionalismo. Passa-se a consagrar a necessidade de que o Estado atue positivamente,

corrigindo as desigualdades sociais e proporcionando, assim, efetivamente, a igualdade de

todos. É o chamado Estado do Bem Comum. Parte-se do pressuposto de que a liberdade só

pode florescer com o vigor sublimado quando se dê igualdade real (e não apenas formal) entre

os cidadãos. É bastante comum, nesse tipo de Constituição, traçar expressamente os grandes

objetivos que hão de nortear a atuação governamental, impondo-os (ao menos a longo prazo).

Não por outro motivo tais Constituições são denominadas, com CANOTILHO,

‘dirigentes’.220 (grifo do autor).

Veja-se que o intervencionismo é implantado, de forma efetiva, no Estado do bem-

estar-social, com as Constituições Sociais, com maior determinação após o advento do

movimento constitucionalista, quando já se encontrava consolidada a idéia de Estado de

Direito, estando o Poder Público limitado por uma ordem jurídica e, pronto para estabelecer

limites à atividade privada.

O intervencionismo, modernamente conhecido, tem como marco zero, a legislação

americana (antitruste, de 1890). Todavia, o divisor de águas ocorreu em outro momento. Após

a Revolução de 1917, na Rússia (com o levante do proletariado, que não suportou o

Liberalismo exacerbado que provocava uma disparidade excessiva entre as classes detentoras

de riqueza e os que pouco ou nada detinham) e, posteriormente com a crise econômica dos

anos 20 e 30, que culminou com o “crack” da Bolsa de Nova York, ocasionando a quebra de

milhares de bancos, o que resultou em uma elevação, inimaginável (para a época) no número

de desempregados, além da desvalorização da moeda norte americana, o modelo econômico

liberal, da forma que estava posto, não tinha mais como se sustentar.

220 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito constitucional. 2. ed., rev., ampl., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 71.

126

Para tentar restabelecer o mercado, bem como, para dar dignidade à população de seu

País (já que em face do ocorrido, muitos ficaram sem a mínima condição de sobrevivência e,

portanto de dignidade), o Presidente dos Estados Unidos da América do Norte, Franklin

Delano Roosevelt, adotou inúmeras medidas intervencionistas, visando a recuperação

econômica e, conseqüentemente, objetivando o restabelecimento das condições dignas dos

indivíduos norte-americanos. Referidas medidas, intervencionistas, foram necessárias, em

face de que havia a necessidade de se impor, de alguma forma, contrariamente ao

Liberalismo. E, o intervencionismo tem esse caráter, posto que ao traçar limites, estabelecer

regras dentro do sistema econômico, se posiciona de maneira adversa àquela doutrina.

O intervencionismo moderno teve seu termo, portanto, com fins de assegurar à todos a

existência digna, já que o mercado livre não estava garantindo a dignidade da pessoa humana,

devendo, dessa forma, sofrer limites estatais, para a total garantia da própria pessoa humana.

Assim, o intervencionismo surge para regular a economia, visando à coibição de abusos por

parte do mercado, para que sejam garantidas as condições de sobrevivência de toda a

população.

A intervenção é, portanto, o modo pelo qual o Estado,

[...] toma a si o encargo de atividades econômicas, passando a exercer, além das funções de manutenção da ordem jurídica, da soberania e segurança nacionais, outras que visem ao bem-estar social e ao desenvolvimento econômico. O intervencionismo visto sob o prisma do Direito Econômico, varia de intensidade, que pode ir da ação supletiva (intervenção branda) ao monopólio estatal (intervenção total). Segundo os doutrinadores, no chamado neo-capitalismo, essa intervenção se faz sentir pela legislação que protege a sociedade dos abusos do poder econômico, através do que denominam Direito Regulamentar Econômico (espécie do Direito Econômico) comparecendo o Estado na atividade econômica para assumir as atividades demasiadamente onerosas ou desinteressantes para a iniciativa privada.221 (grifo do autor).

A intervenção é, na realidade, a possibilidade do Estado intervir na atividade

econômica, para garantir o cumprimento e, assim, a efetividade, das normas constitucionais,

para que o mercado possa crescer, nos limites estabelecidos por lei. O Estado pode intervir na

Economia tanto como agente normativo, ou seja, impondo regras de conduta à vida

econômica e, também, como parte do processo econômico. Assim, tem-se o Estado como

221 PEREIRA, AFFONSO INSUELA. O Direito econômico na ordem jurídica. São Paulo: José Bushatsky, 1974, p. 249.

127

norma (Direito Regulamentar Econômico) e o Estado como agente (Direito Institucional

Econômico).

E, o intervencionismo se justifica em face de que o direito à livre iniciativa apesar de

assegurado pelo ordenamento jurídico vigente, inclusive pela própria Constituição Federal,

não é mais ilimitado, recebendo, pois um condicionamento, em decorrência da própria

condição em que vive a sociedade atualmente, visando, sobretudo, a promoção da pessoa

humana e, conseqüentemente, de sua dignidade.

Têm-se, adotando a classificação de alguns autores (como Celso Ribeiro Bastos, João

Bosco Leopoldino da Fonseca, Paulo Roberto Lyrio Pimenta, Américo Luís Martins da Silva,

entre outros), duas modalidades de intervenção na atividade econômica; a direta e a indireta.

A primeira encontra-se prevista no Art. 173 da Constituição, onde prevê que o Estado agirá de

forma direta, dentro do campo econômico, por intermédio de empresa pública, sociedade de

economia mista ou subsidiária. Nesta hipótese, o ente Público pratica operações mercantis,

passando, desse modo “[...] a atuar como empresário, comprometendo-se com a atividade

produtiva, quer sob a forma de empresa pública quer sob a de sociedade de economia

mista.”222 (grifo do autor). Além disso, esta intervenção pode ocorrer, ainda, quando o Estado

assume a gestão da empresa privada, passando a dirigi-la, desde que interesses sociais exijam

referida espécie de intervenção. Paulo Roberto Lyrio Pimenta entende que na modalidade de

intervenção direta:

[...] o Estado, na qualidade de agente econômico da atividade produtiva não está submetido ao regime jurídico de direito público, por ser este incompatível com os fins e meios da ordem econômica. Assim, o Estado não goza de superioridade em suas relações com os particulares. Aqui, o ente estatal comercializa, importa, produz, enfim, pratica atos típicos de direito privado.223

Na segunda forma de intervenção, o Estado irá atuar como agente normativo e

regulador da atividade econômica, como se verifica do disposto no Art. 174 da Constituição.

Aqui, o Estado atua de forma a exigir que o mercado cumpra com o que está disposto nas

normas constitucionais e infraconstitucionais, acerca da matéria. Nesta hipótese, o Estado não

222 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito econômico. 5.ed., rev., atual., Rio de Janeiro: Forense, 2004, p.281. 223 PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. Contribuições de intervenção no domínio econômico. São Paulo: Dialética, 2002, p. 39.

128

visa lucro, mas, sim, o efetivo cumprimento das normas, objetivando o bem comum; a justiça

social e a dignidade da pessoa humana, de forma primordial. Nesta modalidade, o Estado, pode

exercer a função de fiscalizador, agente regulador e, também, fomentador, ao constituir políticas

econômicas, visando o combate ao abuso praticado pelo mercado econômico, que atinge

frontalmente a dignidade da pessoa humana. Um exemplo de intervenção indireta ocorre quando o

Estado atua por intermédio das Agências reguladoras, que visam a proteção dos princípios

trazidos pela Constituição Federal, oportunizando-lhes a concretização efetiva.

Sobre o tema, Américo Luís Martins da Silva, afirma que:

[...] o Estado pode atuar direta ou indiretamente no domínio econômico. A atuação direta assume a forma de empresas públicas (empresas públicas propriamente ditas e sociedades de economia mista). Na atuação indireta, o Estado o faz através de normas, que têm como finalidade fiscalizar, incentivar ou planejar. Em outras palavras, o Estado atua diretamente, através de entes da administração descentralizada ou surge como agente do processo econômico, sendo que em certas oportunidades, por via indireta, usa seu poder normativo, disciplinando e controlando os agentes econômicos.224

Ressalta-se que, as limitações da intervenção do Estado, no campo econômico,

deverão observar os princípios dispostos no Art. 170 da Constituição da República, que tem o

princípio da dignidade da pessoa humana como vetor da ordem econômica e fundamento do

próprio Estado Democrático de Direito, já que o Estado intervirá somente quando necessário,

em decorrência de imperativos da segurança nacional, de relevante interesse coletivo e,

quando houver definição legal. Portanto, a intervenção do Estado na ordem econômica prima

pela manutenção da dignidade humana, servindo de instrumento para a sua concretização.

3.1 INTERVENÇÃO ESTATAL NA ORDEM ECONÔMICA BRASILEIRA: BREVE

ANÁLISE DAS CONSTITUIÇÕES QUE PRECEDEREM A ATUAL

A intervenção do Estado na ordem econômica não é privilégio da Constituição ora

vigente, tendo aparecido, ainda que de forma tímida, em outros diplomas constitucionais

brasileiros.

224 SILVA, Américo Luís Martins. A ordem constitucional econômica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1996, p. 120.

129

Passa-se, desse modo, a analisar os aspectos da ordem econômica, existentes em todos

os Textos Constitucionais deste País, desde a Carta Imperial, de 1824 até a atual Constituição

da República Federativa do Brasil, de 1988. Todavia, cabe ressaltar que, neste tópico se

limitará à verificação dos Textos anteriores ao de 1988, se voltando até a Carta Constitucional

de 1967, com a Emenda Constitucional nº 1/69.

O primeiro Estatuto Constitucional brasileiro foi outorgado no período Imperial, sendo

que referida Carta política instituía um novo poder, o Poder Moderador. Esse poder

moderador era conhecido como a chave da organização política do País, já que permitia o

regular funcionamento da Carta Imperial. Além disso, o Poder Moderador representava,

também, papel relevante do ponto de vista econômico, já que possibilitava, em decorrência da

estabilidade que propiciou ao regime, o desenvolvimento adequado da vida econômica

durante o século XIX.

No tocante à Carta Imperial de 1824, Erivaldo Moreira Barbosa traça, inicialmente,

algumas considerações acerca do momento histórico que a antecederam, para, posteriormente,

destacar o caráter liberal da referida Carta Magna:

[...] em 1823, com a universalização das idéias liberais, surgem no País movimentos em prol da Constituição escrita. Assentava-se, assim, a primeira Assembléia Constituinte, com o fito de produzir um Texto Mater genuinamente brasileiro. Este movimento teve duração efêmera, haja vista o Imperador ter dissolvido a Assembléia por não concordar com seus requisitos formais e materiais. [...] Observemos que, tanto o Projeto Constitucional, como a Carta Imperial, dão mais ênfase ao Direito de Propriedade de forma absoluta: usar, gozar e dispor do bem jurídico ao seu livre-arbítrio, sem nenhuma restrição por parte do Estado. Ora, essa é a tônica do liberalismo econômico, isto é, o Estado não deve imiscuir-se em atividades econômicas.225

A Carta de 1824 previa o direito de propriedade em toda sua plenitude, não se

preocupando em regrar as demais instituições econômicas, a exemplo de outras Constituições

daquele século. Veja-se que a ênfase, aqui, é a garantia da propriedade plena (resguardando-

se a liberdade sem limites), e não a regulação da Economia, em face do caráter liberal,

impregnado no referido Texto Constitucional, que refletia o modelo econômico vivido à

época.

225 BARBOSA, Erivaldo Moreira. Direito constitucional: uma abordagem histórico-crítica. São Paulo: Madras, 2003, p. 70/72.

130

Apesar de liberal, a Carta Imperial já aportava dispositivos intervencionistas, como

bem destaca Alberto Venancio Filho:

Do ponto de vista da intervenção do Estado no domínio econômico, o panorama do

Império revela sempre a ênfase nos problemas das tarifas alfandegárias, que eram, na verdade,

os que tinham influência no incipiente sistema econômico da época, e os quais, em tôdas (sic)

as situações históricas, têm sempre a primazia como primeira atividade onde o Estado

intervém no domínio econômico.226

Ou seja, não obstante seu aspecto visivelmente liberal, a Carta Política de 1824 não

deixa de se preocupar, ainda que de forma acanhada, com a intervenção na Economia, com

fins de resguardar, naquele momento, o problema das tarifas alfandegárias.

Em seguida, com a primeira Constituição da República brasileira, de 1891, o Estado

brasileiro ainda não se liberta de sua vocação liberal, mesmo porque não haveria como fazê-

lo, já que o modelo econômico vigente, à época, era o liberal. Aqui também a propriedade

individual é vista como um princípio absoluto, o qual não deve sofrer limitações por parte do

Estado.

Mais uma vez encontram-se no Texto Constitucional as diretrizes liberais,

verificando-se, portanto, aqui, a figura de um Estado mínimo, que não intervinha nas relações

sociais, permitindo que o mercado se auto regulasse.

Já preliminarmente percebe-se a ideologia liberal do nosso Texto Maior, enquanto se reporta a um regime livre. O significado dessa liberdade nada mais é do que não se permitir a intervenção do Estado nas atividades econômicas. Lembre-se, pois, que a tônica liberal que perpassou toda a Carta Master anterior também traça as diretrizes da Constituição em tela.227

O Texto Constitucional, de 1891, garantia, da mesma forma que a Carta de 1824, a

plenitude do direito de propriedade, demonstrando sua bandeira liberal, como se verifica pelo

226 VENANCIO FILHO, Alberto. A intervenção do Estado no domínio econômico: O Direito público econômico no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1968, p. 25. 227 BARBOSA, Erivaldo Moreira. Direito constitucional: uma abordagem histórico-crítica. São Paulo: Madras, 2003, p. 74-75.

131

teor do Art. 72, § 17: “O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, salva a

desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia.” 228

O regime político, traçado na Constituição, mantém a posição do Estado como ente

ausente das atividades econômicas. No início da República, o café mantinha-se como a grande

âncora da economia nacional e, por isso, para propiciar a sua defesa, deixa o Estado de ser

totalmente ausente da Economia, aparecendo as medidas intervencionistas, visando manter o

café em posição de evidência no cenário e nos mercados internacionais.

A Constituição de 1934 é um marco no tocante à ordem econômica, em face de ser a

primeira Constituição brasileira a tratar, de forma explícita dela e, também social, já que trata,

em seu Capítulo IV, “Da Ordem Econômica e Social”. Já, no preâmbulo, esta Constituição se

diferencia do Texto anterior, já que introduziu a expressão ‘bem-estar-social e econômico’,

como uma das primordiais diretrizes que deveriam ser respeitadas.

No Brasil, o constitucionalismo econômico foi implantado, de forma efetiva, a partir

de 1934, apesar das Constituições anteriores à de 1934 (como anteriormente explanado),

tratarem de algumas questões econômicas ou, ainda, relacionadas à intervenção do Estado no

domínio econômico.

Esta Constituição foi a primeira a consagrar princípios e normas sobre a ordem

econômica, tendo criado um título específico, “Da Ordem Econômica e Social”.

O preâmbulo, da Lei Maior de 1934, estabelecia que:

Nós, os Representantes do Povo Brasileiro, pondo a nossa confiança em Deus, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para organizar um regime democrático, que assegure à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômico, decretamos e promulgamos a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL.229

Com esta Constituição inaugura-se, no Brasil, o Estado do bem-estar-social, voltado

para o bem estar do indivíduo, pregando a justiça social. Infelizmente, esta Constituição teve

228 BRASIL, Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 1891. 229 BRASIL, Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 1934.

132

curta duração, em decorrência do golpe sofrido, no País, que resultou, posteriormente, na

Carta de 1937.

Erivaldo Moreira Barbosa apresenta elementos que influenciaram esta Lei Máxima,

sendo estes tanto elementos internos (como a polarização em disputa por parte da oligarquia

rural e a burguesia industrial, ainda embrionária influenciaram a ideologia retratada na

Constituição); quanto os externos (como é o caso, por exemplo, da crítica socialista aos

Textos Constitucionais abstratos, da crítica da Igreja Católica à não-respeitabilidade aos

direitos sociais e, ainda, a primeira grande guerra).

Importante, ainda, destacar outros aspectos históricos que antecederam a promulgação

da Constituição de 1934, trazendo-se, especialmente, as Constituições que influenciaram, não

só a Constituição brasileira, da época, como as Constituições de outros países, de uma forma

em geral. Tratam-se das Constituições, Mexicana, de 1917 e, Alemã (Constituição de

Weimar), de 1919, que primeiramente previram de forma expressa, a intervenção do Estado

no domínio econômico.

A respeito da Constituição do México, de 1917, pode-se dizer que “a ordem

econômica adquiriu dimensão jurídica a partir do momento em que as constituições passaram

a discipliná-las sistematicamente, o que teve início com a Constituição mexicana de 1917”230,

Constituição esta que seguiu as diretrizes trazidas pela Revolução Mexicana. A referida

Constituição trazia uma intervenção estatal bastante ampla; impondo à propriedade privada

modalidades que são trazidos pelo interesse público. Foi abolido, aqui, o caráter absoluto da

propriedade privada, ligando-se o seu uso ao interesse coletivo.

Após a primeira grande guerra, a Alemanha se encontrava em situação de miséria,

levando-se à necessidade de se considerar o regramento econômico como norma de ordem

Constitucional. O Estado alemão passou a ter um papel mais visível dentro do cenário social,

ocupando-se, portanto, da justiça voltada para o social. Foi nesse momento que eclodiu a

Constituição de 1919, a qual, posteriormente, serviu de modelo a várias Constituições ao

redor do mundo, inclusive a brasileira, de 1934.

230 SILVA, Américo Luís Martins. A ordem constitucional econômica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1996, p. 6.

133

Importante destacar que:

A República de Weimar inaugurou uma fase inédita de estruturação constitucional do Estado alemão, com papel mais ativo no desenvolvimento social, na construção de uma sociedade com justiça social pela efetivação dos Direitos Sociais formalizados na Constituição de Weimar, de 11 de agosto de 1919 – o Sozialstaat ou Estado Social de Direito. A ordem econômica e social criada pela nascente República alemã serviu de modelo para alguns Estados no período imediatamente posterior à Primeira Guerra Mundial. No Brasil, por exemplo, intenso foi o debate sobre as conquistas sociais e constitucionais de Weimar, tendo a Carta Magna de 1934 sofrido forte influência do recém-criado modelo social alemão [...] Esta Constituição brasileira praticamente assimilou os idealizados avanços da nova ordem social alemã, mas apenas em seu aspecto jurídico-formal. Padeceu, contudo, por não contextualizar muitos dos seus ideais à realidade material brasileira.231 (grifo do autor).

Além disso, a crise da bolsa de Nova York, ocorrida em 1929 (que acarretou o

desmoronamento do setor cafeeiro e, conseqüentemente, dos mecanismos de sua defesa), que

resultou na agonia do sistema político da República Velha, a expressão no Brasil, crescendo,

portanto, o anseio por novos métodos de organização política e social.

A Constituição de 1934 trata da justiça social e da necessidade de se possibilitar, a

todos, uma existência digna, sendo que a ordem econômica deve seguir essas determinações.

Percebe-se que o Liberalismo acaba por perder sua força, em face, primordialmente, da

intervenção do Estado na ordem econômica. Como exemplo, pode-se citar os Arts. 115 e 121,

da referida Constituição Federal, os quais dispõem:

Art. 115. A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade econômica. Parágrafo único. Os poderes públicos verificarão, periodicamente, o padrão de vida nas várias regiões do país. [...] Art. 121. A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições de trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do país. 232 (grifo nosso).

Ainda é mantido o caráter liberal, como se verifica pela análise da referida

Constituição, já que continua preservando o direito à propriedade, todavia, com limitações

impostas, voltadas para o social. A Lei Máxima de 1934 já estabelecia a dignidade da pessoa

humana como finalidade a ser alcançada, já que, consoante estabelecido nos artigos acima

231 GUEDES, Marco Aurelio. Estado e ordem econômica e social: A experiência constitucional da República de Weimar e a Constituição brasileira de 1934, Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 2. 232 BRASIL, Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 1934.

134

transcritos, determina que a ordem econômica deve ser ordenada segundo os princípios da

justiça e em conformidade com as necessidades nacionais, de forma a permitir a todos uma

existência digna, em toda sua plenitude, promovendo para tanto, entre outras coisas, melhores

condições de trabalho, visando a proteção social do trabalho e os interesses econômicos

brasileiros.

A Constituição de 1934 teve uma vigência muito curta, em face do golpe de governo,

sofrido pelo País, golpe este que teve a frente Getúlio Vargas. A Carta Constitucional de 1937

era centralizadora, sendo que o Poder Executivo reunia não apenas as suas funções usuais,

como, também, a maioria das funções desempenhadas por outros órgãos.

A Carta de 1937 guardava apenas o aspecto de um Estado Democrático de Direito,

mas, a realidade era totalmente diferente, já que na mesma não foram agasalhados, por

exemplo, os princípios da legalidade, da irretroatividade da lei, entre outros. De outro modo,

tem-se o surgimento de outros preceitos (os quais não encontravam guarida na CF de 1934),

como a pena de morte para os crimes políticos e para os homicídios cometidos por motivo

fútil e com extremos de perversidade. O direito de manifestação de pensamento foi limitado

pela censura prévia da imprensa, teatro, cinema e radiodifusão, tendo a autoridade competente

a possibilidade de proibir a circulação, a difusão ou a representação.

Esta Carta foi chamada de “Constituição polaca”, em virtude de ter sido inúmeras

vezes comparada com a Constituição polonesa de 1935. Foi repudiada por todos os segmentos

políticos, que a consideravam fascista. Era exageradamente nacionalista, tendo ampliado o

leque de possibilidades de intervenção do Estado na Economia. Aliás, pela primeira vez a

expressão “intervenção do Estado no domínio econômico” aparece em uma Lei Magna, como

se verifica pelo Art. 135, o qual dispunha:

Art. 135 – Na iniciativa individual, no poder de criação, de organização e de invenção do indivíduo, exercido nos limites do bem público, funda-se a riqueza e a prosperidade nacional. A intervenção do Estado no domínio econômico só se legitima para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores de produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado. A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a forma de controle, do estímulo ou da gestão direta.233 (grifo nosso).

233 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1937.

135

Além disso, cabe aqui mencionar que a Carta de 1937, no campo econômico, foi

elaborada com base na busca de um Estado que pudesse suprir a atividade privada, visando

sustentar o próprio sistema econômico que se verifica incipiente, já que as indústrias

brasileiras da época não possuíam capitais e técnicas suficientes para solucionar as questões

econômicas encontradas naquele período.

Em 1º de fevereiro de 1946 foi inaugurada uma nova Assembléia Constituinte,

para elaboração de uma nova Lei Máxima, em face de que a era Getúlio Vargas havia se

encerrado, com a deposição do mesmo, por intermédio de um golpe militar, que o retirou do

poder, sendo substituído pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal. Na data de 19 de

setembro de 1946 foi promulgada a Constituição, a qual trazia um texto muito menos

repressor que o anterior.

Acerca do momento histórico em que se encontra o Brasil e, o mundo, bem como da

evolução política e econômica, Washington Peluso Albino de Souza assim se manifesta:

Após a experiência das duas Grandes Guerras, conclui-se que a política econômica

exigiu do estado a participação em um novo tipo de relação jurídica, diferente daquela que se

caracterizava nos demais ramos do Direito. De simples mantenedor da ordem e da justiça,

ocupado em administrar-se, exercia funções diretas na vida econômica nacional. E, se a

história oferecia o exemplo do Mercantilismo, entre outros, que lhe dava as bases desta nova

situação, as conquistas tecnológicas atuais, somadas ao crescimento do poderio econômico

privado, configuravam um quadro bastante diverso daquele. 234

A Constituição de 1946 contemplava a ordem econômica e social, no Título V,

pautando referida ordem, nos ditames da justiça social, ou seja, verifica-se a ocorrência

embrionária da tentativa de conciliação entre a livre iniciativa, com os valores sociais, como a

valorização do trabalho humana, a própria justiça social e a dignidade da pessoa humana.

Além disso, a Constituição de 1946 optou por manter os preceitos contidos na

Constituição de 1934, no tocante aos valores sociais trazidos da Constituição alemã de 1919, a

Constituição de Weimar, sendo que, todavia, o fez de forma a adaptar os preceitos

234 SOUZA, Washington Peluso Albino de. Direito econômico. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 282.

136

“importados” da Constituição alemã, para a realidade nacional, ajustando-os de forma a

melhor desempenhar seu papel no cenário brasileiro.

O Art. 145 do Texto Constitucional de 1946 estabelecia que:

A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano. Parágrafo único. A todos é assegurado trabalho que possibilite existência digna. O trabalho é obrigação social.235

Verifica-se que o citado artigo demonstra que, já no Texto Constitucional de 1946

havia a preocupação com a dignidade da pessoa humana (como também se constata na CF de

1934), vislumbrando-se tal fato na obrigatoriedade de que a ordem econômica deveria ser

organizada, em conformidade com os preceitos da justiça social, compatibilizando a liberdade

(livre iniciativa, portanto), com a valorização do trabalho humano, o qual estaria regulado em

virtude de propiciar uma existência digna, pautada na própria dignidade da pessoa humana.

Os anos 60 marcaram de forma profunda o cenário político nacional, portanto, faz-se

necessário, trazer à baila, um retrospecto histórico, do momento da imposição da Carta de

1967, bem como do que a antecedeu.

Ainda estava em vigor a Carta Mater de 1946, quando, em 2.9.1961, a Emenda Constitucional nº 4 instituiu o sistema de governo parlamentar, com o propósito de restringir os poderes do Presidente da República. Entretanto, esta mudança não foi bem acolhida pela população, sendo posteriormente revogada em 23.1.1963, por meio da Emenda Constitucional nº 6, retornando a tradicional forma de governo presidencialista. Os militares, já ansiosos para deflagrar o golpe de Estado, aproveitaram-se dos acontecimentos políticos que vinham acontecendo no país e forjaram uma instabilidade política, com o intuito de tomarem o poder via força bruta. Assim procedendo, em 31 de março de 1964 as Forças Armadas destituíram João Goulart da Presidência da República e iniciaram uma vertiginosa escalada ditatorial. As forças armadas passaram a editar uma série de Atos Institucionais – todos inconstitucionais – restringindo os direitos políticos e aumentando formas de repressão. Os Atos Institucionais, muitos deste dos próprios punhos dos generais, eram implementados sem obedecer aos mínimos princípios constitucionais e jurídicos. 236

A Carta de 1967 foi outorgada sob a égide do governo militar, sendo que, portanto, se

verifica uma forte carga de intervenção estatal, com fins de se manter o mercado sob o jugo

235 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1946. 236 BARBOSA, Erivaldo Moreira. Direito Constitucional: uma abordagem histórico-crítica. São Paulo: Madras, 2003, p. 91.

137

do próprio Estado. Apesar disso, é possível extrair, daquele Texto, a finalidade (ainda que

meramente formal) da ordem econômica, em realizar a justiça social.

Para Américo Luís Martins da Silva, o Texto de 1967, prevê a intervenção do Estado

no domínio econômico, de modo a se opor à iniciativa privada, o que, pode significar um

retrocesso, nos termos da nova configuração da Democracia, em especial com o parâmetro

deixado pela Constituição anterior, de 1946. 237

Já, a Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, apesar de considerada

como uma nova Carta manteve a idéia de unidade, apesar das modificações na forma de

governo e de Estado, pelos quais estava passando o país.

Tal como vinha ocorrendo desde 1934, o legislador da Emenda Constitucional nº 1, de

17.10.1969, fez inserir em seu texto um título sob a denominação “Da ordem econômica e

social, relativo ao modo pelo qual o Estado deveria intervir na economia e à posição do

indivíduo em diversas dimensões sociais de relevo, inclusive no que diz respeito às relações

entre o capital e o trabalho. [...] dá real importância a livre empresa e a limitada intervenção

do Estado na economia privada, bem como declara que a ordem econômica deve ter por

finalidade fundamental a realização do desenvolvimento nacional e a justiça social,

observando-se os seguintes princípios constitucionais: liberdade de iniciativa, valorização do

trabalho como condição da dignidade humana, função social da propriedade, harmonia e

solidariedade entre as categorias sociais de produção, repressão ao abuso do poder

econômico, expansão das oportunidades de emprego produtivo.238

Assim, percebe-se que os traços da ordem econômica e financeira retratados na

Constituição da República de 1988 já apareciam na Emenda Constitucional nº 1, de 1969,

dando-se prevalência, ali também, pelo menos formalmente, ao princípio da dignidade da

pessoa humana.

É claro que, em face da ditadura militar, que vinha ocorrendo nesse período, os

princípios esculpidos naquela Carta Magna não foram efetivamente aplicados, mas, naquele

237 SILVA, Américo Luís Martins. A ordem constitucional econômica. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 40. 238 Idem, p. 41.

138

momento os princípios, tanto do desenvolvimento nacional, quanto da justiça social deixaram

de ser meramente informadores, para ser finalidade precípua da própria ordem econômica e

social. Além disso, “a Emenda Constitucional nº 1, de 17.10.1969, adotou o princípio da

subsidiariedade em relação a autorização da intervenção estatal na economia, ou seja, admitiu

ela que a intervenção estatal deveria ser efetuado de modo subsidiário.”239 (grifo do autor).

As Constituições aqui retratadas demonstram a evolução da ordem econômica no

Brasil, sendo que todas elas contribuíram para a promulgação da Constituição de 1988, já que

auxiliaram na construção da atual ordem econômica, nos moldes hoje retratados.

3.2 A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em outubro de 1988,

trouxe, em seu Título VII, “Da Ordem Econômica e Financeira”, estabelecendo o norte a ser

seguido, em relação aos princípios básicos do direito econômico, pois como bem elucida o

doutrinador Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “a democracia não pode desenvolver-se a

menos que a organização econômica lhe seja propícia” 240 e, a Democracia, encontra-se como

valor absoluto dentro da referida Constituição, valor este que tem que ser observado de forma

plena por todos, Estado e indivíduos.

É importante, para que ocorra a plenitude da Democracia em um Estado, que haja uma

organização econômica, devidamente regulamentada, que possa dar efetividade às garantias

fundamentais do ser humano, garantias estas reconhecidas pela própria Constituição. E, com

tal visão, o Poder Constituinte de 1988, mais uma vez, incorporou a ordem econômica como

preceito a ser regido pela Lei Maior, introduzindo-a em capítulo próprio.

239SILVA, Américo Luís Martins. A ordem constitucional econômica. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.42. 240 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 29. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 339.

139

O pensamento de Champaud, citado por João Bosco Leopoldino da Fonseca expressa

a importância do Direito econômico, corroborando assim com o merecido destaque dado pela

Constituição.

Se o Estado desempenha um papel primordial na constituição e na vida das grandes unidades de produção e distribuição de massa, o Direito Econômico é essencialmente composto de regras que regem as relações do Estado e de suas unidades. Ele aparece então como um Direito Público. Se sua criação e sua animação é, no essencial, deixada à iniciativa privada, o Direito Econômico é quase exclusivamente formado de regras que regem relações entre particulares. Apresenta-se então com um Direito Privado. [...] Na realidade, mais que uma disciplina, o Direito Econômico é uma ordem jurídica decorrente das normas e das necessidades de uma civilização ainda em via de formação.241 (grifo do autor).

Todavia, a presença do Direito econômico em uma Constituição brasileira não é

privilégio da Constituição de 1988, já que desde a Constituição da República de 1934, como

retratado anteriormente, o mesmo se faz presente, de forma constitucionalizada, sendo que “o

que se extrai da leitura despida de senso crítico, dos textos constitucionais, é a indicação de

que o capitalismo se transforma na medida em que assume novo caráter, social.”242 (grifo do

autor). Além disso, desde a época do Brasil-Colônia já existia a preocupação de se tratar de

algumas questões econômicas, ou até mesmo de alguma espécie (ainda que de forma tímida)

de intervenção estatal, na área econômica, dentro da Lei Maior, como se verifica no item

anterior.

Mas, foi a partir do término da 1ª Grande Guerra, num fenômeno mundial, que o

constitucionalismo assumiu uma feição diferenciada, perdendo a vinculação com o

liberalismo. As Constituições passaram, então, a marcar o advento do constitucionalismo

social, não focalizando apenas o indivíduo em abstrato, mas também, como parte integrante

da sociedade. Houve a consagração dos direitos sociais, via declarações expressas, nos Textos

Constitucionais, tendo o constitucionalismo se enquadrado em novos moldes, dos quais não

mais se dissociou.243

241 CHAMPAUD, Claude. Contribuition à la définition du Droit économique: II Diritto dell´economia – rivista di doutrina e di giurisprudenza, Milano, vol. 13, nº 2, 1967, p. 141/154, apud, FONSECA, João Bosco da. Direito econômico. 5. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 13-14. 242 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 9. ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 56-57. 243SILVA, Américo Luís Martins. A ordem constitucional econômica. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 6.

140

A Constituição da República de 1988, seguindo a tendência do mundo, hoje

globalizado, trouxe o Direito econômico, em seu bojo, procurando primar pelo social,

estabelecendo regras e limites à ordem econômica, com fins de resguardar o ser humano,

dando-lhe oportunidade de uma vida digna, primando pelo trabalho, justiça social, defesa do

consumidor, do meio ambiente (protegendo as gerações presentes e futuras), redução das

desigualdades regionais e sociais e, limitando o direito à propriedade, exigindo que a mesma

cumpra sua função social, como preceitua o Art. 170:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I- soberania nacional; II- propriedade privada; III- função social da propriedade; IV- livre concorrência; V- defesa do consumidor; VI- defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII- redução das desigualdades regionais e sociais; VIII- busca do pleno emprego; IX- tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede e administração no País; Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.244

Comentando o supra transcrito Art. 170, o doutrinador André Ramos Tavares, assim

se posiciona:

Além daqueles princípios fundamentais – livre iniciativa e valor social da iniciativa humana – enumerados em seu caput, o art. 170 das Constituição relaciona em seus nove incisos os princípios constitucionais da ordem econômica, afirmando que esta tem por fim assegurar a existência digna, conforme os ditames da justiça social, respeitados os seguintes princípios: soberania nacional, propriedade privada, função social da propriedade, livre concorrência, defesa do consumidor, defesa do meio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais, busca do pleno emprego e tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país. Estes princípios perfazem um conjunto cogente de comandos normativos, devendo ser respeitados e observados por todos os “Poderes”, sob pena de inconstitucionalidade do ato praticado ao arrepio de qualquer deles. Portanto, serão inadmissíveis (inválidas) perante a ordem constitucional as decisões do Poder Judiciário que afrontarem estes princípios, assim como as leis e qualquer outro ato estatal que estabelecer metas e comandos normativos que, de qualquer maneira, oponham-se ou violem tais princípios. (grifo do autor).245

244 BRASIL. Constituição da república federativa do Brasil, 1988. 245 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p. 134.

141

Em outra oportunidade, o mesmo autor trata das finalidades da ordem econômica,

tendo constatado que a existência digna e a justiça social são os objetivos primordiais dessa

ordem, a serem atingidos por intermédio da implementação dos ditames constitucionais,

justificando, assim, a intervenção do Estado no domínio econômico.

Esta intervenção na Economia, para garantia do social, é reflexo do aprimoramento do

Estado que, de Liberal (com pouca ou nenhuma intervenção na Economia) evoluiu,

transformando-se em Estado do bem-estar-social (intervindo na Economia para a garantia de

manutenção dos direitos trazidos pela Constituição). E, esse Estado garante a livre iniciativa e

a livre concorrência (permitindo o desenvolvimento e enriquecimento do setor privado e,

fortalecimento do Capitalismo), mas o faz desde que a iniciativa privada siga os princípios

determinados pela Constituição Federal (o Estado intervindo, portanto, no privado, para

garantia da coletividade, do social). Princípios estes estabelecidos no corpo da Constituição da

República de 1988, merecendo destaque os outrora citados e encontrados no Art. 170, com o

objetivo de que o indivíduo possa ter garantida a observância dos direitos que lhe foram

concedidos pela própria Constituição.

Interessante lição acerca do tema traz Américo Luiz Martins da Silva ao expor que:

Vale lembrar que os Estados sócios-liberais, como o nosso, conquanto reconheçam e assegurem a propriedade privada e a livre empresa, condicionam o uso dessa mesma propriedade e o exercício das atividades econômicas voltadas ao bem-estar social. Portanto, há limites para uso e gozo dos bens e riquezas particulares e, quando o interesse público o exige, intervém na propriedade privada e na ordem econômica, através de atos de império tendentes a satisfazer as exigências coletivas e a reprimir a conduta anti-social da iniciativa particular. Como vimos, modernamente, o ‘Estado de Direito’ aprimorou-se no ‘Estado do Bem-Estar’, em busca de melhoria das condições sociais da comunidade. Não é o ‘Estado Liberal’, que se omite ante a conduta individual, nem o ‘Estado Socialista’, que suprime a iniciativa particular. É o Estado orientador e planejador da conduta individual no sentido do bem-estar social. (grifo do autor).246

O reflexo desse Estado, que deixa de ser mínimo (que pouco, ou nada, intervém na

Economia) e passa a ser regulador (intervindo quando necessário), resulta em uma

Constituição que permite a obtenção de lucro (modelo de uma sociedade capitalista), desde

que não haja violação dos princípios garantidos pela referida Lei Maior, já que o Estado

246 SILVA, Américo Luís Martins. A ordem constitucional econômica. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 55.

142

intervêm, somente quando for necessário, no sentido de que permite a livre concorrência e a

livre iniciativa, desde que não infrinja os preceitos regidos pela Constituição.

Para que se verifique a ocorrência deste fenômeno, a norma constitucional deve ser

interpretada de forma sistemática (como exposto anteriormente), ou seja, deve-se verificar

todo o texto normativo da Constituição, para aplicação efetiva da norma, sob pena de se

cometer abusos contra a Constituição Federal, motivo pelo qual não se pode afirmar que a

garantia da livre iniciativa é plena, posto que a mesma deve obedecer todos os preceitos

determinados pela Lei Maior, no sentido de que há sim garantia da ordem econômica; há sim,

garantia da livre iniciativa, desde de que estas não interfiram nas demais garantias expressas,

desde que não infrinjam a dignidade da pessoa humana e tudo aquilo que dela decorre, como

o direito à vida, o primado do trabalho, o ambiente, o direito do consumidor etc.

Contribuição importante traz Eros Roberto Grau ao afirmar que:

Em síntese: a interpretação do direito tem caráter constitutivo – não pois meramente declaratório – e consiste na produção, pelo intérprete, a partir de textos normativos e dos fatos atinentes a um determinado caso, de normas jurídicas a serem ponderadas para a solução desse caso, mediante a definição de uma norma de decisão. Interpretar/aplicar é dar concreção [= concretizar] ao direito. Neste sentido, a interpretação/aplicação opera a inserção do direito na realidade; opera a mediação entre o caráter geral do texto normativo e sua aplicação particular; em outros termos, ainda: opera a sua inserção na vida.247

Diante disso, tem-se que, apesar da ordem econômica ter sido privilegiada dentro da

Constituição da República, não significa que a mesma reina absoluta, já que a interpretação e

aplicação efetiva da norma, emanada do ordenamento jurídico brasileiro, dentro da realidade,

devem obedecer a certos requisitos, como outrora mencionado.

O Art. 170 da Constituição da República ainda estabelece os princípios gerais da

ordem econômica, trazendo garantias para a mesma, como a liberdade de iniciativa do setor

privado, mas disciplinando, também, limites a serem seguidos, tendo em vista alguns valores,

tidos como absolutos, na própria Constituição, como o é a dignidade da pessoa humana. Deve,

também, a ordem econômica se balizar por outros princípios constitucionais, como, o primado

247 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 9. ed., rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2004, p. 147.

143

do trabalho, na garantia de uma subsistência do cidadão (garantindo-lhe emprego), de forma

digna (garantia de um mínimo para a sua sobrevivência digna – como se encontra em vários

artigos da Constituição Federal – como a garantia de saúde, habitação, lazer, educação etc.).

Rizzato Nunes, em sua obra “Curso de direito do consumidor”, bem esclarece estas

limitações, ao escrever que:

Ora, a Constituição Federal garante a livre iniciativa? Sim. Estabelece garantia à propriedade privada? Sim. Significa isso que, sendo proprietário, qualquer um pode ir ao mercado de consumo praticar a ‘iniciativa privada’ sem nenhuma preocupação de ordem ética no sentido de responsabilidade social? Pode qualquer um dispor de seus bens de forma destrutiva para si e para os demais partícipes do mercado? A resposta a essas duas questões é não. Os demais princípios e normas colocam limites – aliás, bastante claros – à exploração do mercado. 248

Desta maneira, percebe-se que a Constituição limita, objetivando o bem comum, a

iniciativa privada, restringindo dessa forma o próprio regime capitalista, na tentativa de dar

melhores condições de vida a todos os indivíduos, garantindo-lhes uma existência digna.

O interesse coletivo, pelos valores constitucionais, está acima do interesse privado,

passando a prevalecer (quando há conflito entre as normas), como disciplinado pela

Constituição da República de 1988, os princípios que norteiam a pessoa humana (e sua

dignidade), sendo estes, o primado do trabalho, na dignidade, a preservação e conservação do

ambiente, o direito do consumidor, dentre outros. Assim, a Constituição, apesar de resguardar,

também os interesses privados, como, por exemplo, o interesse das empresas de iniciativa

privada, não permite que estes prejudiquem os demais princípios constitucionais, servindo os

mesmos de barreira aos primeiros, na medida em que a iniciativa privada tem o direito à livre

iniciativa e à livre concorrência, não podendo, todavia, colidir, por exemplo, e, especialmente,

com a dignidade da pessoa humana e, da mesma forma, não podendo infringir o direito

ambiental, direito do consumidor etc., devendo, ainda, utilizar a propriedade privada de forma

a cumprir o seu papel social.

A Constituição da República, apesar de resguardar a livre iniciativa, portanto

(assegurando, assim, a manutenção do Capitalismo, no sentido que permite que as empresas

possam obter lucro em seus negócios), impõe limites, estes trazidos na própria Constituição,

248 NUNES, Rizzato. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 55.

144

os quais asseguram que a empresa pode trabalhar livremente, desde que não prejudique a

dignidade da pessoa humana, o primado do trabalho, o ambiente, o direito do consumidor,

entre outros. Portanto, tais limitações funcionam como parâmetros à livre iniciativa, não

permitindo que esta prejudique princípios e valores estabelecidos na ordem jurídica brasileira,

em especial, na Constituição da República de 1988.

3.2.1 Os objetivos e fundamentos formadores da ordem econômica na Constituição da

República de 1988

A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece, nos Arts. 3º e 4º os

objetivos fundamentais da ordem constitucional, sendo eles:

Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I- construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Art. 4º. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações. 249

Veja-se que a República brasileira objetiva a construção de uma sociedade livre, justa,

solidária e igualitária, pois com a igualdade conseguirá obter a erradicação da pobreza e a

redução das desigualdades sociais, além de conseguir a promoção do bem para todos. E, ao

alcançar esses pontos conseguirá obter uma dignidade plena para todos os indivíduos.

Pela leitura do Art. 170, verifica-se, também, como fundamento e objetivo da

República, a própria ordem econômica, em especial, os princípios limitadores da ordem

econômica, dispostos no referido artigo.

Para Celso Ribeiro Bastos:

Uma observação genérica sobre a disciplinação jurídica da ordem econômica no Texto Constitucional aponta para os seguintes fatos. Em primeiro lugar, há uma definição muito clara dos princípios fundamentais que a regem, quais sejam liberdade de iniciativa, propriedade privada, regime de mercado etc. Existe, portanto, uma intenção bastante nítida, de limitar a presença econômica do Estado.

249 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.

145

Há uma clara definição pelo sistema capitalista, do ponto de vista principiológico. [...] Afigura-se, portanto, alentador o quadro oferecido pela Constituição de 1988, no que diz respeito aos princípios adotados na seara econômica.250

Destarte, imperativo analisar o Art. 170 da Constituição Federal de 1988, que traz, no

seu interior, os objetivos e fundamentos formadores da ordem econômica.

3.2.2 A intervenção na ordem econômica: análise do Art. 170 da Constituição da República

A Constituição brasileira, em seu Art. 170, estabelece os fundamentos da ordem

econômica, assim como os princípios gerais da atividade econômica, princípios estes que

servem de limites fixados, pelo legislador constitucional à livre iniciativa e, portanto, ao

próprio mercado, com fins de que o mercado se desenvolva, levando em conta os ditames

estabelecidos pela Lei Máxima, em especial, os da dignidade da pessoa humana e da justiça

social.

Passa-se a analisar todo o Art. 170 da Constituição, verificando-se os fundamentos e

princípios que norteiam referido artigo, servindo de parâmetro limitador para toda a ordem

econômica e financeira.

3.2.2.1 A dignidade da pessoa humana como fundamento inspirador da ordem econômica

constitucional

A Constituição da República do Brasil trouxe, como valor fundante, o princípio da

dignidade da pessoa humana, sendo, portanto, princípio regulador da própria ordem

econômica (aliás, de toda a ordem jurídica). Assim, a ordem econômica apresenta-se como

livre – em decorrência da livre iniciativa, assegurada, também, pelo Art. 170 -, devendo,

todavia, ter como paradigma, como norte a ser seguido, a dignidade da pessoa humana, o que

levará à obediência e, portanto, à observância, dos demais princípios ali estabelecidos.

João Bosco Leopoldino da Fonseca enfoca a norma jurídico-econômica e o princípio

da dignidade da pessoa humana, apontando que a direção dada por uma política econômica

não deve perder o foco de que o Direito é uma criação do homem, não sendo, todavia, uma

250 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2004, p. 112-113.

146

criação livre, arbitrária; havendo, sempre (ou devendo existir) a necessidade de uma mútua

influência entre o dado econômico e o ideal vislumbrado pelo Direito. Além disso, o Texto

Constitucional, ao colocar a dignidade da pessoa humana como fundamento, consoante consta

no Art. 1º, III, da Constituição, não significa que fez constar algo eminentemente abstrato,

mas, sim, a algo concreto, até porque, “não existe política econômica alheia às exigências de

respeito e de concretização da dignidade humana. Os direitos sociais devem figurar de forma

primacial neste quadro de exigências.” 251

Além disso, “o fim último da atividade econômica é a satisfação das necessidades da

coletividade” 252 e, ao elevar a dignidade da pessoa humana à título de fundamento do próprio

Estado Democrático de Direito, a Constituição a está colocando como uma das mais

importantes (se não a mais) necessidades a serem supridas, não só pela ordem econômica,

mas por todo o sistema jurídico brasileiro.

A finalidade precípua da ordem econômica constitucional é assegurar à todos uma

existência digna e, para isso, necessário se faz que a vida econômica seja organizada em

consonância com os princípios da justiça. Portanto, a dignidade da pessoa humana pode e,

deve, ser considerada como fundamento inspirador de toda a ordem econômica.

A dignidade da pessoa humana será analisada, de forma mais detida, no capítulo

subseqüente.

3.2.2.2 A valorização do trabalho humano

Erivaldo Moreira Barbosa aponta que o trabalho na Antigüidade não era considerado

digno, sendo desempenhado pelos menos favorecidos, já que os nobres não deveriam se

envolver em atividades consideradas tão baixas. Somente no período Medieval esse conceito

sofreu modificações, em face do Cristianismo, passando a ser vislumbrado como “um vetor

contributivo da dignidade.” 253

251 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito econômico. 5. ed., rev., atual., Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 69. 252 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2004, p. 127. 253 BARBOSA, Erivaldo Moreira. Direito constitucional: uma abordagem histórico-crítica. São Paulo: Madras, 2003, p. 205.

147

Desde a Constituição de 1934 se verifica, de forma mais efetiva, o interesse pelo

social, trazendo referida Constituição, princípios fundamentais relativos ao Direito do

trabalho.

A Carta Constitucional de 1967, alterada pela Emenda nº 1, de 1969, em seu Art. 160,

II, já previa a valorização do trabalho humano como condição da dignidade humana, já

incorporando, neste momento, um valor social ao trabalho humano.

Celso Ribeiro Bastos entende que “o Texto Constitucional refere-se à valorização do

trabalho humano no sentido também material que a expressão possui. É dizer, o trabalho deve

fazer jus a uma contrapartida monetária que o torne materialmente digno.” 254 Além disso,

referido autor aponta que o trabalho deve receber a dignificação da sociedade, por servir de

instrumento de concretização da própria dignidade, pois não há como obter dignidade plena se

não há condições mínimas de subsistência. E, a valorização do trabalho passa justamente por

isso, pois ao dar melhores condições e oportunidades de trabalho ao indivíduo, fornece

subsídios para que o mesmo atinja a dignidade, que lhe é assegurada, em toda a sua plenitude,

pela Constituição Federal.

3.2.2.3 A livre iniciativa

A livre iniciativa, símbolo máximo do liberalismo (liberdade acima de tudo) deixa de

ser ampla e irrestrita, como outrora, para ser elemento balizado por outros princípios

constitucionais, já que é permitida a livre iniciativa, desde que observados os demais

fundamentos e princípios dispostos na Constituição Federal, em especial, os do Art. 170 da

Lei Máxima.

Desde a Carta Imperial de 1824, que o constitucionalismo brasileiro adota o princípio

da livre iniciativa, o fazendo, é claro, de forma diferenciada em cada um dos Textos, até

porque houve uma mudança, no decorrer da História, do modelo econômico, refletindo-se,

assim, no próprio modelo estatal.

A liberdade de iniciativa, na concepção liberal:

254 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2004, p. 113.

148

[...] é uma expressão ou manifestação no campo econômico da doutrina favorável à liberdade. O liberalismo vem a ser um conjunto de ideais, ou concepções, com uma visão mais ampla, abrangendo o homem e os fundamentos da sociedade, tendo por objetivo o pleno desfrute da igualdade e das liberdades individuais frente ao Estado. A liberdade de iniciativa consagra-se tão-somente a liberdade de lançar-se à atividade econômica sem encontrar peias ou restrições do Estado, que, por sua vez, constitui uma das expressões fundamentais da liberdade humana.255

No modelo estatal dos dias de hoje não se admite a liberdade de iniciativa de forma

plena, em face dos preceitos constitucionais. Até mesmo o Direito contratual, exemplo maior

da liberdade de iniciativa (refletida na liberdade de contratar), sofre alterações, para se ajustar

ao momento atual, onde a liberdade de iniciativa só pode persistir se estiver delimitada pelos

demais preceitos constitucionais.

O contrato, sob aquele enfoque, âmbito maior do ranço clássico do patrimonialismo, e seu princípio nuclear (liberdade contratual) não saem ilesos, pois o princípio da liberdade e da livre iniciativa jamais podem ser colocados à margem da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social, visto que a liberdade é encarada enquanto princípio fundamental da ordem econômica, perseguidora do desenvolvimento da personalidade humana.256

A Constituição de 1988 só possibilita a livre iniciativa enquanto funcionalizada pela

justiça social e, também, e especialmente, pela dignidade da pessoa humana, sendo que,

portanto, a livre iniciativa somente será permitida se observados os limites impostos pelo

Texto Constitucional.

A realidade atual não mais se coaduna com a possibilidade de existência de uma livre

iniciativa sem freios, sem limites que a segurem. Assim, a regra é que está assegurada a livre

iniciativa, mas desde que esta não infrinja os limites estabelecidos pela Constituição Federal,

neste caso, os princípios ali assegurados.

Celso Ribeiro Bastos lembra que “A nossa Constituição trata da livre iniciativa logo

no seu art. 1º., inc. IV [...]. Ela é, portanto, um dos fins da nossa estrutura política, em outra

palavras, um dos fundamentos do próprio Estado Democrático de Direito.”257, mas, nem por

isso deixa de estar vinculada à obediência aos demais preceitos constitucionais (em especial,

255 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2004, p. 115. 256 NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva Civil-Constitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p.87. 257 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2004, p. 121.

149

ao princípio da dignidade da pessoa humana, do qual termina por decorrer os demais

princípios).

Os contornos impostos à livre iniciativa se justificam em face da necessidade

imperiosa de se garantir a realização da justiça social e do bem-estar coletivo, visando atingir

a plenitude da dignidade da pessoa humana.

3.2.2.4 A Justiça social

De grande importância o tema da justiça social, todavia, não é algo novo, já que,

conforme demonstra a História, essa preocupação sempre foi uma constante, como bem

salienta Erivaldo Moreira Barbosa:

A justiça social também vem nesse direcionamento secular, tendo em vista que, na Idade Média, já começara sua germinação. Entretanto, a justiça social só veio a ser veículo de crítica quando apontou a exploração sofrida pelo trabalhador, por meio do capitalismo liberal. Neste caminhar, as críticas pronunciadas pelo socialismo e pela Igreja Católica começaram a ganhar força no cenário internacional.258

A justiça social acaba por reforçar a idéia da própria dignidade da pessoa humana, já

que se obterá a plenitude da dignidade, quando houver a efetividade da justiça social, já que

esta consiste “na possibilidade de todos contarem com o mínimo para satisfazerem às suas

necessidades fundamentais, tanto físicas quanto espirituais, morais e artísticas.”259

João Bospo Leopodino da Fonseca, na obra “Direito econômico” traz o pensamento do

Papa Leão XIII, na Encíclica Rerum Novarum acerca da justiça social e da própria Economia:

O Papa Leão XXIII publicou sua famosa Encíclica Rerum Novarum sobre a ‘questão operária’ e sobre a ‘economia social’. Leão XXIII situa a solução dos graves problemas sociais dentro dos parâmetros de uma justiça social. Lembra que o Estado pode melhorar a sorte das classes operárias, removendo a tempo as causas de que se prevê que hão de nascer os conflitos, editando leis sobre a jornada de trabalho, sobre a salubridade, sobre salário justo.260 (grifo do autor).

258 BARBOSA, Erivaldo Moreira. Direito constitucional: uma abordagem histórico-crítica. São Paulo: Madras, 2003, p. 205. 259 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2004, p. 128-129. 260 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito econômico. 5. ed., rev., atual., Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 68.

150

Como exposto alhures, a Igreja teve grande influência na constitucionalização da

justiça social, já que desde a Idade Média tem como discurso, a necessidade de diminuição

das desigualdades sociais, para que se obtenha uma melhoria nas condições de trabalho,

levando-se à justiça social, para que se possa garantir que o indivíduo usufrua, plenamente, de

sua dignidade. É claro que os termos utilizados pela Igreja foram se modificando no decorrer

dos séculos, mas, a essência sempre foi a mesma, como se verifica desde a Encíclica Rerum

Novarum (que discute a questão operária e a Economia social, apontando para a necessidade

de um melhor controle do Estado na regulação da Economia, para que se obtenha uma

condição mais digna para os trabalhadores), até os dias atuais

Paulo Nalin, ao tratar do Contrato no Projeto do Código Civil, quando ainda da

vigência do Código de 1916, aponta para a observância da justiça social, inclusive nas

relações interprivadas, já que: “[...] desde a Carta (sic) de 1988, há o imperativo conformante

da livre iniciativa, a qual de melhor forma não se revela, a não ser pela figura do contrato

interprivado, podendo ser empregada nos ditames da justiça social.”261

Erivaldo Moreira Barbosa aponta que o caput do Art. 170 se vislumbra que a ordem

econômica constitucional, “traz como pilar de sustentação o trabalho e a livre iniciativa;

contudo, para que todos convivam com dignidade, necessitam imprescindivelmente de justiça

social.” Assevera, ainda, que apesar de aparentemente inconciliável a livre iniciativa com os

ditames da justiça social, demonstra-se totalmente possível a harmonização entre os institutos,

desde que a Constituição seja respeitada em sua integralidade, especialmente na observância

de seus princípios. 262

A justiça social deve ser buscada pelo Estado, para que se garanta a concretização de

todos os valores resguardados pela Lei Máxima, posto que a justiça não é apenas uma

imposição ética, mas uma comprometimento estatal, por representar uma de suas finalidades

básicas. E, o Estado tem obrigação de cumprir e exigir o cumprimento, para que se possa

concretizar referido princípio, o que levará, portanto, ao alcance da dignidade da pessoa

humana, de forma cabal, já que a justiça social reforça a idéia da dignidade.

261NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno – em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p. 80. 262 BARBOSA, Erivaldo Moreira. Direito constitucional: Uma abordagem histórico-crítica. São Paulo: Madras, 2003, p. 204-205.

151

3.2.2.5 A soberania nacional

A soberania nacional, como dito anteriormente, é um dos elementos do Estado e, a

Constituição Federal, já, em seu Art. 1º traz a soberania, não só como elemento, mas, como

fundamento do próprio Estado Democrático de Direito, ao estabelecer que:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania;263

Denota-se relevante asseverar que a soberania tratada no Art. 170 é uma

complementação do Art. 1º, já que necessário se faz complementar a soberania política

(estabelecida no Art. 1º) com a soberania econômica. A soberania econômica do Estado

significa que o mesmo deve ser independente perante os demais Estados. Além disso, é

importante observar que, na realidade, “a soberania nacional, aqui focalizada, decorre da

autonomia conseguida pelas pessoas que integram a nação. Não se pode falar de soberania da

nação se os indivíduos que a compõem são incapazes de reger-se por um padrão de vida digno

de uma pessoa humana.” 264

Portanto, a soberania econômica deve ser almejada, visando-se a concretização e

concessão de um “padrão de vida digno” a todos. Tal fato se dá em virtude de que a

soberania, neste particular, aspira ao desenvolvimento econômico e social, como forma de

propiciar um avanço na qualidade de vida dos indivíduos, valorizando-se, via de

conseqüência, o trabalho humano, resultando-se, portanto, na obtenção da dignidade. Esse

resultado é possível, em face de que ao se oportunizar a todos um trabalho condigno, tem-se a

garantia de satisfação de todas as necessidades do indivíduo e de sua família, convergindo na

efetividade do preceito constitucional da dignidade da pessoa humana.

Nas palavras de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, a soberania:

É o poder político supremo (não há limitação a ele na ordem interna) e independente (não obedece a ordens de governo ou organismo estrangeiro) do Estado. Por meio de

263 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. 264 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. 5. ed., rev., atual., Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 127.

152

cláusula de supranacionalidade, os Estados podem ter sua soberania mitigada, na medida em que tratados internacionais dos quais o Estado seja signatário ingressa na ordem interna do País como norma superior à Constituição (e.g. CF 5º. § 4º.: submissão do Brasil às decisões do Tribunal Penal Internacional) ou de igual hierarquia (e.g. CF 5º. § 3º.: tratado internacional sobre direitos humanos como norma constitucional).265 (grifo do autor).

Assim, a soberania é um atributo do próprio Estado, sendo que, todavia, este atributo

não é mais absoluto, em face das relações globalizadas vividas pelo mundo atual. Em maior

ou menor grau, o Estado sofre influências internacionais, em decorrência de tratados

assinados, que garantem a convivência entre os Estados, convivência esta inclusive e,

principalmente, no âmbito econômico, que é regulado pelas relações dos mercados

internacionais.

A afirmação do Texto Constitucional, da soberania nacional como princípio informativo da ordem econômica, não pode significar a procura de um nacionalismo xenófobo ou mesmo de qualquer sorte de autarquia econômica. O que o Texto Constitucional procura pôr em destaque é que a colaboração internacional, com as concessões que ela implica, e que não pode chegar ao ponto de subtrair ao País as possibilidades de sua autodeterminação. Ademais, seria uma incongruência interpretar-se o princípio da soberania nacional na ordem econômica de forma absoluta, uma vez que o mundo todo passa por um processo de globalização. Processo este que se dá, sobretudo, no campo da economia, através da formação de blocos econômicos.266

Verifica-se, portanto, que, atualmente, não há mais, na prática, uma soberania estatal

absoluta, por força da globalização das relações entre os Estados. Contudo, essa globalização

não pode ultrapassar a autodeterminação do Estado brasileiro, devendo referido Estado dar

preferência por um desenvolvimento nacional, voltado para a concretização da dignidade da

pessoa humana, o que, aliás, se coaduna com os demais incisos do Art. 170.

3.2.2.6 A propriedade privada

A propriedade privada encontra-se constitucionalizada desde a Carta de 1824,

mantendo-se no Texto Constitucional até hoje. É claro que há diferenças consideráveis entre a

Carta Imperial e a Constituição atual, no tocante ao instituto em questão, em decorrência do

acentuado caráter liberal daquele primeiro Texto, como se verifica também na Constituição de

1891. Nos primeiros Textos, portanto, a propriedade privada era garantida de forma absoluta,

265 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Constituição Federal comentada e legislação Constitucional: De acordo com as recentes Emendas Constitucionais. atual. até 10.04.2006, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 117. 266 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2004, p. 133.

153

sendo que foi perdendo esse caráter incondicional com a evolução, restando, com a

Constituição Federal de 1988 limitada pelos princípios ali estabelecidos.

Referido instituto está assegurado no Art. 5º da Constituição Federal (além de ter sido

disciplinada em vários outros artigos dentro do Texto Constitucional), no capítulo dos

direitos individuais. Encontrando, também, previsão no rol dos princípios da atividade

econômica; no Art. 170.

Nas palavras de Celso Ribeiro Bastos:

O atual Texto Constitucional em seu art. 5º, inc. XVII, que dispõe sobre o rol dos direitos e garantias fundamentais, observa como princípio a garantia do direito de propriedade. Portanto, a propriedade privada é um direito fundamental. [...] A propriedade tornou-se, portanto, o anteparo constitucional entre o domínio privado e o público. Neste ponto reside a essência da proteção constitucional: é impedir que o Estado, por medida genérica ou abstrata, evite a apropriação particular dos bens econômicos ou, já tendo esta ocorrido, venha a sacrificá-la mediante um processo de confisco.267

Apesar de sua previsão constitucional a propriedade privada não deve mais ser

considerada um valor absoluto, posto que subordinado a outros valores, como a necessidade

de cumprimento de sua função social, para que se cumpra a finalidade de assegurar a todos

existência digna, em conformidade com os ditames da justiça social. Como bem acentua

André Ramos Tavares, é imprescindível que haja um ajuste entre os preceitos constitucionais,

sendo que, portanto, a propriedade privada não pode mais ser ponderada em seu caráter

puramente individualista (como era no modelo liberal), já que a propriedade está inserida na

ordem econômica que tem como fim primordial garantir a todos uma vida digna. 268

3.2.2.7 A função social da propriedade

Apesar do direito de propriedade estar assegurado pela Constituição Federal de 1988,

o mesmo não é mais absoluto, tendo em vista que deve cumprir sua função social, sob pena de

desapropriação. Como dito anteriormente, a propriedade privada se encontra limitada pelos

princípios que regem a ordem econômica, em especial pelos princípios da função e da justiça

267 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2004, p. 134/136. 268 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 2. ed., rev., ampl., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 476.

154

social, objetivando-se alcançar, com isso, uma vida digna para todos os indivíduos. A

Constituição garante a propriedade, contudo a erige nos moldes da função social.

O Texto Constitucional estabelece nos artigos 182, § 2º e 186 os requisitos a serem

preenchidos para que se atinja a finalidade da função social, porque não é tarefa fácil definir

quando se tem o cumprimento da função social, pela propriedade. Assim, a propriedade

urbana cumpre sua função social quando atende às exigências do Plano Diretor, que tem por

meta garantir o bem-estar de seus habitantes.

Já a propriedade rural possui uma gama muito maior de elementos a serem

observados, ressaltando-se que os requisitos devem ser cumpridos de forma simultânea. São,

portanto, requisitos para o cumprimento da função social: a) faz um aproveitamento racional e

adequado da propriedade; b) assegura a preservação do meio ambiente, utilizando-se

coerentemente os recursos naturais disponíveis; c) observa as disposições que regulam as

relações de trabalho; d) favorece o bem-estar dos proprietários e de seus trabalhadores (cujo

resultado é uma vida digna para todos). Ou seja, quando se observa todo o ordenamento

jurídico brasileiro, em especial, os ditames previstos na Constituição Federal, tendo como

balizador os princípios que regem todo o Texto Constitucional.

Para José Afonso da Silva, a Constituição está adotando um princípio de

transformação da própria propriedade, condicionando e limitando a mesma de forma integral,

pois:

[...] a Constituição não estava simplesmente preordenando fundamentos às limitações, obrigações e ônus relativamente à propriedade privada, mas adotando um princípio de transformação da propriedade capitalista, sem socializá-la, um princípio que condiciona a propriedade como um todo, não apenas seu exercício, possibilitando ao legislador entender com os modos de aquisição em geral ou com certos tipos de propriedade, com seu uso, gozo e disposição.269

Então, apesar do Direito à propriedade estar assegurado na Constituição Federal de

1988, em seu Art. 5º, XXII, este não é absoluto, pois deve seguir outros princípios dentro da

própria Constituição, devendo, ainda, exercer sua função social. Como dito anteriormente,

quando há conflito entre dispositivos constitucionais, deve-se, utilizando o princípio da

proporcionalidade, buscar o princípio maior dentro da Constituição da República, o qual 269 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição, São Paulo: Malheiros, 2005, p. 738.

155

neste caso é aquele que representa o interesse coletivo, já que apesar do modelo brasileiro

estar filiado ao primado da propriedade, sua aplicação necessita ser ajustado com fins sociais

mais amplos. E, tanto o Art. 5, XXIII, quanto o próprio Art. 170, III (que trata da ordem

econômica), apontam que a propriedade privada deve, obrigatoriamente, atender seus fins

sociais.

3.2.2.8 A livre concorrência

A Constituição Federal resguarda a livre concorrência, que é, primeiramente, um

preceito; um fundamento do Liberalismo, em face da liberdade do próprio mercado, que pode

em tese, concorrer livremente, utilizando-se de recursos para a obtenção de maiores resultados

econômicos. É claro que a livre concorrência deve estar alicerçada nos preceitos trazidos pelo

Texto Constitucional.

Sobre a livre concorrência, André Ramos Tavares assim se posiciona:

[...] a livre concorrência é considerada como a ‘existência de diversos produtores ou prestadores de serviço’. A livre concorrência, portanto, ‘consiste na situação em que se encontram os diversos agentes produtores de estarem dispostos à concorrência de seus rivais.’ Livre concorrência é a abertura jurídica concedida aos particulares para competirem entre si, em segmento lícito, objetivando o êxito econômico pelas leis de mercado.270 (grifo do autor).

Portanto, é obrigação constitucional que as empresas zelem pela livre concorrência,

para que não haja formação de cartéis, por exemplo, visando lesar o consumidor (outro

princípio resguardado pelo Art. 170), que acaba por não ter opções e se vê obrigado a

consumir determinado bem ou serviço de determinada empresa, que acaba, ou figurando

sozinho no mercado, ou o dominando. Isso resulta em uma condição indigna, pois não

permite ao indivíduo obter total acesso a todos os bens de consumo (por força de elevados

preços praticados ou, ainda, em face da má qualidade dos produtos).

Para Sérgio Varella Bruna, livre iniciativa e livre concorrência são dois princípios

indissociáveis, já que:

270 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico, São Paulo: Método, 2003, p. 254.

156

[...] são, pois, princípios intimamente ligados. Ambos representam liberdades, não de caráter absoluto, mas liberdades regradas, condicionadas, entre outros, pelos imperativos de justiça social, de existência digna e de valorização do trabalho humano. Assim, o que a Constituição privilegia é o valor social da livre iniciativa, ou seja, o quanto ela pode expressar de socialmente valioso. Da mesma forma, a livre concorrência é erigida à condição de princípio da ordem econômica não como uma liberdade anárquica, mas sim em razão de seu valor social. A extensão de tais liberdades dependerá de sua análise conjugada com os demais objetivos e princípios, não só da ordem econômica mas da Constituição como um todo. Desta forma, a consagração da livre iniciativa e da livre concorrência não exclui a atuação do Estado no domínio econômico, seja exercendo sua função de agente normativo e regulador da atividade econômica (CF, art. 174), seja atuando com vistas à preservação da própria livre concorrência, como agente repressor dos abusos do poder econômico.271

A Constituição Federal prevê punições àqueles que violarem os preceitos contidos no

Art. 170, em especial, para o inciso, ora em estudo, aqueles que macularem os princípios da

livre iniciativa e da livre concorrência, sendo que a lei irá reprimir toda e qualquer espécie de

abuso ao poder econômico, como, por exemplo, aquele que pretender dominar o mercado,

eliminando a livre concorrência e, assim, se portando de forma contrária aos ditames

estabelecidos no decorrer de todo o Texto Constitucional. O Art. 173, da Lei Máxima,

estabelece, de forma contundente que a lei reprimirá todo e qualquer abuso do poder

econômico que pretenda a dominação dos mercados, a eliminação da concorrência e o

aumento arbitrário dos lucros.

3.2.2.9 A defesa do consumidor

Com o advento da Constituição de 1988 a defesa do consumidor passou a merecer

papel de destaque, dando início a uma mudança paradigmática, dentro do cenário nacional,

inclusive tocante aos contratos, sendo que Paulo Nalin, em obra anterior ao Código Civil de

2002, chega a afirmar que o então projeto do novo Código Civil teve seu brilho apagado, em

face do Código de Defesa do Consumidor (de 1990), o qual, seguindo os ditames

constitucionais, trouxe a proteção ao contratante hipossuficiente, entre outros valores,

buscando-se o equilíbrio contratual. Para referido autor, o Código de Defesa do Consumidor

foi inovador “[...] ao relançar não só a boa-fé, mas ainda os princípios da confiança,

transparência e, especialmente, da equidade.” 272

271 BRUNA, Sérgio Varella. O poder econômico e a conceituação do abuso em seu exercício. 1. ed., 2. tir., São Paulo: Revista do Tribunais, 2001, p. 136. 272 NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva Civil-Constitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p.81.

157

Além do Art. 170, a Constituição disciplina em outros artigos a proteção do

consumidor, destacando-se os artigos 5º, XXXII; 24, VIII; 150, § 5º e Art. 48 do Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias, demonstrando a preocupação da Constituição

Federal com a defesa do consumidor.

Os princípios constitucionais de proteção e defesa dos consumidores impedem, por parte do Estado e das pessoas jurídicas de direito privado, a execução de atos que não garantam os interesses daqueles (função negativa). Assim sendo, a legislação infraconstitucional deve guardar plena harmonia com os princípios supramencionados, valendo-se o Estado dos meios de que dispõe para buscar a sua realização (função positiva).273

O Art. 5º, XXXII, da Constituição Federal, inserido no Capítulo dos direitos e

garantias individuais e coletivas, preceitua que: “O Estado promoverá, na forma da lei, a

defesa do consumidor”274. A Constituição de 1988 trouxe muitas mudanças neste sentido,

privilegiando a garantia de defesa do consumidor, abrindo espaço para o surgimento da Lei n.

8.078, de 11 de setembro de 1990, Código de Defesa do Consumidor.

O direito do consumidor, como o direito econômico, possui raiz no direito

constitucional, posto que presentes na Lei Maior, a qual dá certo destaque a estes ramos do

direito. Todavia, o direito do consumidor serve, também, como freio ao direito econômico, na

medida em que reprime certos atos do direito econômico se estes estiverem prejudicando o

consumidor, amparado pela Constituição e pelo Código de Defesa do Consumidor. Rizzato

Nunes assim destaca:

Ao estipular como princípios a livre concorrência e a defesa do consumidor, o legislador constituinte está dizendo que nenhuma exploração poderá atingir os consumidores nos direitos a eles outorgados (que estão regrados na Constituição e também nas normas infraconstitucionais). Está também designando que o empreendedor tem para oferecer o melhor de sua exploração, independentemente de atingir ou não os direitos do consumidor. Ou, em outras palavras, mesmo respeitando os direitos do consumidor, o explorador tem de oferecer mais. A garantia dos direitos do consumidor é o mínimo. A regra constitucional exige mais. Essa ilação decorre do sentido da livre concorrência. 275

No mesmo sentido, André Ramos Tavares, esclarece que:

273 RÊGO, Franco Pereira; RÊGO, Oswaldo Luiz Franco. O código de defesa do consumidor e o direito econômico. Disponível em <http.www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2801>. Acesso em: 26 de abril de 2005. 274 BRASIL. Constituição da República federativa do Brasil. Brasília,DF: Senado Federal, 1988. 275 NUNES, Rizzato. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 56.

158

Torna-se nítido, pois, que o denominado princípio da liberdade congrega, nas relações de consumo, duas forças que atuam em sentido opostos. Para um lado, atua a força empresarial, calcada em respectiva liberdade de iniciativa, produção e concorrência. Para outro lado, contudo, atua a liberdade do consumidor, em informar-se, realizar opções e, eventualmente, adquirir ou não certos produtos e novidades colocados no mercado de consumo e ´impostos´ pela comunicação em massa. [...] ambas devendo conviver harmonicamente, sem que uma possa sobrepor-se à outra. [...] Numa primeira concepção, a livre concorrência tem como centro de suas atenções o consumidor, considerado como parte vulnerável da relação de consumo a merecer a proteção jurídica, promovida, em parte, pela tutela da livre concorrência.276

A necessidade de regulamentação das relações, de consumo, decorre do

desenvolvimento da própria sociedade, já que após a revolução industrial, o mercado

consumidor passou, a cada vez mais, exigir do fornecedor, de bens e consumos, mais e

melhor, movimentando, assim, a atividade empresarial, que necessita do consumidor para

vender o que produz, obtendo êxito em sua meta principal, que é conseguir lucro. Esse

consumidor, agindo com total liberdade, como lhe permite o ordenamento jurídico, adquire o

produto que lhe é oferecido, pagando o preço devido (na geração do lucro), mas exigindo as

vantagens que lhe são ofertadas e, que devem ser cumpridas, de forma integral pelo

fornecedor, podendo valer-se do Poder Judiciário, quando tais obrigações deixarem de ser

cumpridas, como dispõe o Código de Defesa do Consumidor, em especial em seu Art. 6º.

O Estado, não pode permitir, em face dos inúmeros princípios tratados em sua Lei

Máxima, que a iniciativa privada, na sua ânsia de obter lucros, os obtenha de forma

desenfreada, prejudicando sobremaneira os indivíduos, por isso intervêm, para coibir abusos,

pois a Constituição se preocupa em tutelar os direitos dos indivíduos, dentre os quais estão os

consumidores.

A Constituição da República, apesar de resguardar a livre iniciativa (assegurando,

assim, a manutenção do Capitalismo, no sentido que permite que as empresas possam obter

lucro em seus negócios), impõe limites, estes trazidos na própria Constituição, os quais

asseguram que a empresa pode trabalhar livremente, desde que não prejudique a dignidade da

pessoa humana e, via de conseqüência, não atinja, frontalmente, o primado do trabalho, o

meio ambiente, o direito do consumidor, entre outros. Portanto, tais limitações funcionam

como parâmetros à livre iniciativa, não permitindo que esta prejudique princípios e valores

estabelecidos na ordem jurídica brasileira, em especial, na Constituição da República de 1988.

276 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico, São Paulo: Método, 2003, p. 255.

159

Como observado, a proteção ao consumidor (assim como outros institutos) opera, como “freio” à livre iniciativa, impedindo que esta cometa abusos no seu objetivo primordial de obtenção de lucro. Dessa forma, o Direito Econômico se relaciona e, muito com o Direito do Consumidor, no sentido em que ambos atuam com relações de consumo, o primeiro dependendo do segundo para obtenção de lucro (o fornecedor de serviços e produtos, por exemplo, necessita do consumidor para adquirir os produtos por ele colocados no mercado) e, em segundo lugar o Direito do Consumidor, por autorização da Constituição de 1988, acaba servindo de limitação à ordem econômica, visando a coibição de possíveis abusos.

3.2.2.10 A defesa do meio ambiente

Outro princípio resguardado pela Constituição de 1988 é a defesa do meio ambiente,

posto ser uma preocupação constante no referido Texto Maior, como se depreende da leitura

do mesmo. A Constituição visa a proteção do meio ambiente, para que se resguarde, em

última análise a própria dignidade da pessoa humana, pois propicia melhores condições de

vida a todos os seres humanos.

Celso Ribeiro Bastos lembra que foi a partir da Constituição de 1988 que o meio

ambiente passou a ser tratado como um princípio constitucional, o que para ele pode ser

explicado em face de uma maior conscientização da humanidade para os problemas gerados

pelo descaso com o meio ambiente, sendo imperativo a utilização de forma racional do

mesmo, já que a humanidade necessita de um ambiente equilibrado e saudável para sua

própria sobrevivência. Assim:

A defesa do meio ambiente, é sem dúvida, um dos problemas mais cruciais da época moderna. Os níveis de desenvolvimento econômico, acompanhados da adoção de práticas que desprezam a preservação do meio ambiente, têm levado a uma gradativa deteriorização deste, a ponto de colocar em perigo a própria sobrevivência do homem.277

Além do estabelecido no Art. 170, a Constituição Federal resguarda o meio ambiente

em outros dispositivos, como é o caso do Art. 186, que trata dos requisitos que devem ser

cumpridos para que se considere que a propriedade conseguiu atingir sua função social.

Assim, a função social da propriedade rural é cumprida quando se utiliza de forma adequada

dos recursos naturais disponíveis, preservando-se o meio ambiente.

277 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2004, p. 156/159.

160

Como dito anteriormente, a própria ordem econômica é limitada por alguns princípios,

dentre eles a defesa do meio ambiente. Assim, a própria Constituição Federal limitou a

atividade econômica, quando se tratar da defesa do meio ambiente, entre outros casos. E, a

proteção ao meio ambiente é tão importante que chega até a ultrapassar o direito adquirido e a

coisa julgada, como bem aponta Hugo Nigro Mazzilli:

Em matéria ambiental, a consciência jurídica indica a inexistência de direito adquirido de degradar a natureza. [...] Afinal, não se pode formar direito adquirido de poluir, já que é o meio ambiente patrimônio não só das gerações atuais como futuras. [...] Ora, não se pode admitir, verdadeiramente, a formação de coisa julgada ou direito adquirido contra direitos fundamentais da humanidade; não existe o suposto direito de violar o meio ambiente e destruir as condições do próprio habitat do ser humano. Como admitir a formação de direitos adquiridos e coisa julgada em grave detrimento até mesmo de gerações que ainda nem nasceram?! .[...] Não se invocará direito adquirido para se escusar de obrigações impostas por normas de ordem pública com o escopo de proteger o meio ambiente”. 278

Além disso, o Art. 225 da Constituição Federal trata da responsabilidade do Poder

Público (em qualquer instância), no tocante às práticas ambientais ilícitas e danosas, já que

incumbe ao Poder Público assegurar que todos tenham a possibilidade de usufruir de um

ambiente ecologicamente equilibrado, em face de ser de uso comum do povo, além de

essencial à sadia qualidade de vida e, portanto, imprescindível para a efetividade da dignidade

da pessoa humana.

O art. 225 da Constituição Federal trouxe a responsabilidade direta do Poder Público – federal, estadual e municipal – em relação às práticas ambientais ilícitas e danosas, com evidente reforço legislativo à normas de natureza infraconstitucional. A responsabilidade civil constitucional de natureza objetiva permite que qualquer pessoa física, jurídica ou mesmo sem personalidade jurídica, tais como o espólio e a massa falida etc., seja acionada civilmente para responder pelas ilicitudes e danos ambientais. [...] A legitimidade passiva no processo coletivo ambiental é aberta, ou seja, pertence a todos aqueles que contribuíram ativa e passivamente para a pratica do dano ou ilícito ambiental, conforme o mandamento do art. 225 da Constituição Federal.279

3.2.2.11 A redução das desigualdades regionais e sociais

Também se constitui como um dos objetivos fundamentais, eleito pela República

Democrática do Brasil e, exteriorizado na Constituição Federal, a redução das desigualdades

regionais e sociais.

278 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo, 15ª ed., São Paulo: Ed. Saraiva, 2002, p. 433-434. 279 SOUZA, Jadir Cirqueira de. Ação civil pública ambiental, São Paulo: Pillares, 2005, p. 190/192.

161

Este princípio reside na idéia de que o país como um todo, deve suportar as diferenças

existentes entre os Estados Federados, já que os Estados do Norte e Nordeste em muito se

diferem – especialmente economicamente – dos Estados do Sul e Sudeste, tudo isso em face

da forma com que a colonização foi feita neste País e, que deixou de herança marcas culturais

e sociais diversas, por todo o Território Nacional.

A inserção deste princípio, no Texto Constitucional, no título destinado à ordem

econômica e financeira, deve ser visto como algo natural, já que a redução das desigualdades

sociais e regionais constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil,

consoante previsto no Art. 3º, inciso III

Manoel Gonçalves Ferreira Filho lembra, todavia, que se deve sopesar a utilização do

referido princípio, para que não haja distorções, sendo que:

É preciso sublinhar, porém, que o desenvolvimento não é um fim em si mas um simples meio para o bem-estar geral. Dessa forma, tem ele de ser razoavelmente dosado para que não sejam impostos a alguns, ou mesmo a toda uma geração, sacrifícios sobre-humanos, cujo resultado somente beneficiará as gerações futuras, ou que só servirão para a ostentação de potência do Estado.280

Para, Erivaldo Moreira Barbosa, este princípio diz respeito, também, ainda que de

forma implícita, ao princípio do desenvolvimento econômico281, que deve ser atingido, para

que se consiga concretizar a dignidade da pessoa humana para todos os indivíduos, em cada

canto deste imenso País.

3.2.2.12 A busca do pleno emprego

Outro princípio abarcado pela ordem econômica é o da busca pelo pleno emprego.

Todavia, a efetividade do inciso VIII, do Art. 170 da Constituição Federal, é bastante

preocupante, já que o desemprego é um dos grandes males que assola um país continental,

como é o Brasil:

280 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito constitucional. 29. ed., rev., atual., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 352. 281 BARBOSA, Erivaldo Moreira. Direito constitucional: uma abordagem histórico-crítica. São Paulo: Madras, 2003, p. 206-207.

162

O inciso VIII refere-se ao ‘pleno emprego’, que fora insculpido no art. 170, mas, na concretude dos acontecimentos, vem sendo considerado quase como uma utopia. Afirmamos isto por causa da crescente onda de desemprego que vem assolando nosso País, em parte por questões relacionadas à automação capitalista via robótica e informatização; em parte, por fatores impostos pela nova ordem mundial e, em grande parte, por medidas internas de uma política econômica inconsistente, que, ao invés de priorizar as reais necessidades da sociedade, beneficia exclusivamente o grande capital privatista.282 (grifo do autor).

Da mesma forma, Celso Ribeiro Bastos, aponta que a redação atual do Texto

Constitucional é deveras utópica e, praticamente inatingível, diferentemente da Constituição

anterior, que tratava do princípio da expansão das oportunidades de emprego produtivo. Além

disso, trata-se de política de médio a longo prazo e, não efetivamente, para ser realizada a

curto prazo.283

É claro que é importante lembrar, como o faz Lafayete Josué Petter, que existe, no

Texto Constitucional, a previsão de um direito ao desenvolvimento, sendo a pessoa humana o

sujeito central desse direito, sendo, que, por esse motivo, não se poderá tomá-la como simples

fator de produção. Pelo contrário, haverá a necessidade de se propiciar que o ser humano

possa aferir frutos que possibilitem sua existência digna, que é a finalidade da própria ordem

econômica e financeira, sendo responsabilidade do Estado a efetiva concretização do

desenvolvimento.284

3.2.2.13 O tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno

porte

O Art. 170 dispõe que haverá tratamento favorecido para as empresas de pequeno

porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País,

visando, portanto, a igualdade estabelecida na própria Constituição (é claro que uma

igualdade efetiva – material, portanto -, e não apenas uma igualdade formal), tratando de

forma igualitária os iguais e diferentemente os desiguais, na medida de suas diferenças,

visando, ao final, atingir a igualdade plena.

282 BARBOSA, Erivaldo Moreira. Direito constitucional: uma abordagem histórico-crítica. São Paulo: Madras, 2003, p. 206. 283 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2004, p. 162. 284 PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 256-257.

163

Para Lafayete Josué Petter, referido princípio se justifica, em decorrência da leitura de

todo o Texto Constitucional, bem como dos valores e preceitos ali insculpidos, trazidos do

seio da própria sociedade, bem como do ideal de igualdade e justiça.

A economia (sic) deixada a agir tão-somente segundo as livres forças do mercado, tende a situações monopolísticas e oligopolísticas: empresas de grande vulto controlam parcela significativa do mercado, impondo aos concorrentes a dura realidade através do poder econômico que representam. São naturais, então, as dificuldades de criação e desenvolvimento a que pequenas e micro ficam expostas. Neste sentido, a adoção de um tratamento favorecido pode fomentar a sobrevivência dos pequenos, provocando maior presença de agentes econômicos na economia, o que invariavelmente se traduz em benefícios a consumidores e ao próprio mercado em face do estímulo da concorrência.285

É claro que esse tratamento favorecido não deve ir além do necessário, para que não

haja uma desvirtuação do pretendido, acabando por desigualar, sobrepondo as empresas de

pequeno porte às demais empresas.

Em outras palavras, o favorecimento que a Constituição autoriza não pode ir além do

equilíbrio determinado pelo princípio da igualdade, o que significa dizer que deverá ser

respeitada a justa medida, indo tão-somente ao ponto necessário para compensar as fraquezas

e as inferioridades que as microempresas e as médio porte possam apresentar.286

Veja-se que a Constituição Federal mais uma vez pretende obter a igualdade material,

não se contentando com a formal, exigindo, para tanto, a observância efetiva de seus

princípios e fundamentos.

Atingindo a dignidade da pessoa humana, poder-se-á conseguir a efetividade dos

demais princípios e valores constitucionais, em face de ser um meta-princípio; o ápice; o vetor

constitucional, fazendo com que todos os demais princípios decorram do mesmo.

285 PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do Art. 170 da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 266. 286 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2004, p. 166.

164

4. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO LIMITADOR DA

ORDEM ECONÔMICA

A Economia é a mola que faz avançar todo o mecanismo social, sendo, portanto,

regulada pelo Direito e, por ele balizada. Como externado anteriormente, as normas são

preceitos; regras de conduta social, sendo estabelecidas com o propósito de conduzir e regular

a própria pessoa humana, em suas incontáveis relações.

E, o ser humano, em suas diversas facetas se relaciona de várias formas, em face de

sua natureza eminentemente social, a qual está habituada a viver em sociedade e com ela

interagir. Assim, o homem, enquanto gênero liga-se com o mercado econômico de inúmeras

maneiras, como consumidor; fornecedor; trabalhador etc. É imperioso, por conseguinte, a

proteção do ser humano e de sua dignidade na seara econômica, como também o é, também,

nos demais campos sociais.

4.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O princípio da dignidade da pessoa humana encontra-se assentado em vários artigos,

no decorrer de todo Texto Constitucional, demonstrando que o Poder Constituinte, voltado

para os valores trazidos do seio da sociedade, já que afinal, o legislador representa o povo, por

meio do sufrágio universal, interagindo com essa sociedade, contribui para a constante

manutenção do sistema jurídico, aberto e sempre pronto para receber os valores sociais,

transformando-os em regras e princípios.

A dignidade da pessoa humana é verificada, primordialmente, a partir de uma

necessidade extremada de vislumbrar-se garantida a estabilidade social e a confiabilidade,

portanto, nas instituições públicas. Revela-se, dessa forma, como um segmento que orienta na

interpretação e efetiva aplicação dos demais direitos e garantias fundamentais.

165

O tratamento digno do ser humano deixa de ser mero dogma, para tornar-se uma

imperiosa regra de observação prática, exigindo-se que o Estado adapte seu aparato à

prestação jurisdicional adequada e satisfatória.

4.1.1 Retrospectiva histórica

A Bíblia, no livro de Gênesis, inicia o seu relato evidenciando, na criação do mundo, o

surgimento do homem, criado por Deus à sua imagem e semelhança, constituindo, portanto, o

apogeu de toda a criação. Verifica-se a importância histórica do ser humano, em face de que

naquele momento já se mostra superior às demais criaturas, possuindo, portanto, um valor

supremo e único. A Bíblia é um livro Sagrado seguido e, respeitado, por bilhões de pessoas ao

redor do mundo, sendo, ainda, um paradigma utilizado pelas maiores religiões, o que

demonstra que o homem, por possuir um pouco de Divino, tem sua dignidade assentada desde

a sua criação, por sua estreita ligação com o Criador, com o qual firmou uma aliança.

André Ramos Tavares aponta que é no período axial (compreendido entre os séculos

VII e II a.C.) que alguns dos maiores pensadores desenvolveram suas idéias; seus

pensamentos, destacando-se entre eles: Zaratustra, na Pérsia, Buda, na Índia, Confúcio, na

China, Pitágoras, na Grécia e Déutero-Isaías, em Israel. Como embasamento dessa afirmação,

transcreve Fábio Konder Comparato, que afirma ser justamente nesse período que o ser

humano passa a ser considerado, pela primeira vez, em toda a História, como ser dotado de

liberdade e razão, ressaltando-se a igualdade entre os homens. São lançados, nesse momento,

os fundamentos para a apreensão da pessoa humana, bem como para a afirmação da existência

de direitos ditos universais, em face de serem a ela inerentes.

166

Pedro Calmon também faz um retrospecto histórico, lembrando que os

atenienses (na época da Grécia antiga – de Platão), apesar de ignorarem o indivíduo,

dando total poder à Assembléia do Povo; reservavam certa distinção para os

experientes, anciãos dignos e respeitados. Não foi diferente em Roma, onde, apesar de

ainda não perfilhar a humanidade, reconhecia a “romanidade”, que seria uma espécie de

situação de privilégio (onde havia uma separação entre os indivíduos do clã – o

indivíduo superior); que não deixava de ser uma forma de humanização.

O Cristianismo, por seu turno, substitui o termo romanidade pelo conceito de

humanidade, sendo que, contudo, desprezou a liberdade individual em si - em

decorrência de seu pouco valor -, em face da alma, esta sim que é de Deus. O

Cristianismo aperfeiçoou teologicamente o “sentido humanista da convivência na

sociedade em que a hierarquia e a virtude se ajustavam para organizar o Estado.”287

Até porque, Jesus Cristo pregava, entre os seus ensinamentos, que os homens

deveriam seguir, em especial, dois mandamentos, “Amar a Deus sobre todas as coisas”

e “Amar ao próximo como a ti mesmo”, ou seja, coloca, primeiramente, Deus acima de

todas as coisas, devendo, sempre, prevalecer a lei divina e, em seguida, coloca o

indivíduo em uma categoria acima do próprio Estado, já que o indivíduo foi criado à

imagem e semelhança de Deus, merecendo, portanto, atenção especial. Assim, o

indivíduo deve ser respeitado e valorizado, em face de sua ligação com o divino.

Verifica-se aqui, claramente, a valorização do homem, enquanto ser detentor de direitos;

detentor de dignidade.

É somente com o Cristianismo, portanto, que o conceito de pessoa, enquanto

categoria espiritual, ou seja, que possui valor em si mesma, como ser de fins absolutos

e, conseqüentemente, possuidor de direitos subjetivos ou fundamentais, possuindo,

assim, dignidade, é ressaltado, como primórdio do que hoje se conhece; já que os povos

antigos não possuíam o conceito de pessoa, como é concebido atualmente.288

287 CALMON, Pedro. Curso de teoria geral do Estado. 5. ed., rev., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1958, p. 257-258. 288 SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Celso Bastos, 1999, p. 19.

167

Fernando Ferreira dos Santos destaca que com a proclamação do conceito de

pessoa e do valor desta, pelo Cristianismo, acarretou-se a afirmação dos direitos

específicos de cada homem, dissociando a figura do homem do próprio Estado:

A proclamação do valor distinto da pessoa humana terá como conseqüência lógica a afirmação de direitos específicos de cada homem, o reconhecimento de que, na vida social, ele, homem, não se confunde com a vida do Estado, além de provocar um ‘deslocamento do Direito do plano do Estado para o plano do indivíduo, em busca do necessário equilíbrio entre a liberdade e a autoridade. ’289 (grifo do autor).

Assim, tem-se que inicialmente a idéia do indivíduo como valor teve origem no

pensamento clássico e na própria ideologia cristã, o que foi sustentado durante toda a

Idade Média. É claro que o conceito de dignidade e o próprio conceito de ser humano

foi se alterando no decorrer dos séculos, até se obter a concepção atual.

Sobre o tema, Vicente Greco Filho discorre acerca das escolas cristãs, do

período medieval, que contribuíram para a construção e divulgação da dignidade

humana, citando, inicialmente, a Patrística, como a primeira grande escola, que teve, na

pessoa de Santo Agostinho, o seu maior expoente e, que concebia o Estado terreno

como forma profundamente imperfeito, podendo ser consagrado, unicamente, por ser a

passagem para o Estado divino, a Civitas Dei. O direito natural era de outra forma, a

“manifestação pura da vontade de Deus à qual os direitos terrenos deveriam submeter-

se.” Já, a segunda escola, foi a Escolástica, que, com São Tomás de Aquino, afasta a

visão pessimista da realidade humana, buscando, no indivíduo, “a natureza associativa e

a potencialidade da constituição de um Estado justo e aceitável.” 290

Para São Tomás de Aquino, a dignidade humana guarda enorme relação com sua

concepção de pessoa, sendo que esta nada mais é do que uma qualidade inerente a todo

e qualquer ser humano e o elemento que difere o ser humano das demais criaturas é a

racionalidade, já que pela racionalidade o ser humano é livre e responsável pelos seus

atos291, podendo, portanto, fazer suas escolhas. É claro que nesta fase, o homem era

289 SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Celso Bastos, 1999, p. 20. 290 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 17. ed., atual., São Paulo: Saraiva, 2003, p.19-20. 291 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: Princípio constitucional fundamental, 1. ed., 4. tir., Curitiba: Juruá, 2006, p. 24.

168

visto tão somente em função do divino; de Deus, por ter sido, como dito outrora, criado

à Sua imagem e semelhança.

Concomitantemente à doutrina cristã, outros movimentos auxiliaram na

construção e desenvolvimento dos direitos individuais (processo esse que foi lento e

árduo), decorrendo em um processo evolutivo da própria dignidade da pessoa humana.

Destaca-se a Magna Carta e as Constituições de Frederico II de Svevia. Importante,

todavia, ressaltar que à época da assinatura da Magna Carta, em 1215, por João Sem

Terra, a idéia de liberdade era muito diferente da que é concebida atualmente, já que

liberdade então era sinônimo de privilégios. Os barões buscavam privilégios, quando

obrigaram o rei a assinar a Magna Carta e não a igualdade entre todos os seres, o que

resultaria na dignidade plena de todos. O rei, em face de inúmeras derrotas militares

encontrava-se enfraquecido, levando-o a necessidade de apoio de seus súditos, apoio

este traduzido, principalmente, em favores pecuniários e militares, sendo que, portanto,

houve uma comercialização, já que o soberano concedeu direitos em troca de reforço no

poder real.

É claro que, “a idéia de direitos individuais, portanto, ainda não se formara no

sentido que se tem hoje, de direito iguais para todos e que contra todos podem ser

contrapostos, por via de um poder estatal autônomo, o Judiciário.” 292 Destaca-se,

entretanto, que a Magna Carta é de grande relevância histórica, já que fixa, pela

primeira fez princípios mais gerais, como legalidade, além de outros direitos, os quais

deveriam ser respeitados pelo soberano, limitando, portanto o poder deste.

Também, na Europa, por volta do século XIII, a maior influência foi da

percepção de Estado e organização jurídica de Frederico II da Svevia. Referido

soberano, partiu da Sicília, tendo se projetado para a Itália, impondo, leis que deveriam

ser respeitadas por todos, independentemente da classe social a que pertenciam, ou seja,

se possuíam privilégios ou não. Tudo isso foi imposto por intermédio das chamadas

Constituições de Melfi, as quais consagravam, entre outros, princípios que demonstram

a tentativa de se alcançar a igualdade entre os membros das mais diversas classes

sociais, já que independente de ser nobre ou plebeu, as regras eram as mesmas.

292 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 17. ed., atual., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 21.

169

1)a justiça só poderia ser administrada por tribunais constituídos por magistrados escolhidos pelo rei, não se admitindo tribunais especiais para nobreza e outros para cidadãos comuns; 2) a cidade não poderia eleger magistrados que não tinham sido aceitos pelo soberano, e os crimes, especialmente os de sangue, deveriam ser punidos com a morte, fosse culpado nobre ou plebeu. 293

No período renascentista, por volta de 1486, Pico della Mirandola, em obra

revolucionária, intitulada, “Discurso sobre a dignidade do homem”, discorre acerca da

dignidade, tendo como pressuposto sua indispensável e, fundamental, possibilidade de

escolha. Aqui, o homem é tido como centro do universo (dotado de liberdade), sendo

necessário, por conseguinte, ter sua dignidade reconhecida. Consoante o pensamento

deste autor, “a temática da dignidade envolve três níveis de inteligibilidade: a razão, a

liberdade humana e o ser.”294 (grifo do autor).

Em momento posterior, já na fase do jusnaturalismo, dos séculos XVII e XVIII,

procurou-se determinar o conceito de dignidade da pessoa humana, tendo como ponto

de partida a visão liberal do Estado (calcado em uma liberdade plena), tendo o ser

humano como um fim em si mesmo, logo, como ponto de partida e de chegada,

demonstrando uma visão individualista, tese esta que tem Immanuel Kant como um dos

maiores expoentes.

Fernando Ferreira Santos apresenta o pensamento do referido filósofo,

apontando que:

Situar o conceito de Kant dentro de sua filosofia liberal importa em ressaltar os seus limites, na sua defesa do individualismo, que, antinomicamente, há de prevalecer em relação à sociedade, em caso de conflito. Além, é claro, de uma compreensão assaz acanhada das funções do Estado. Individualismo que irá marcar, sobremaneira, a definição dos direitos fundamentais, que serão sobretudo os direitos da liberdade, direitos inatos de cada pessoa e, por isso, de resistência ou de oposição frente ao Estado295.

Para os filósofos jusnaturalistas, todos os homens têm direitos inatos,

sendo estes direitos imprescritíveis, irrenunciáveis e, o exercício desses direitos só

293 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 17. ed., atual., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 23. 294 ZISMAN, Célia Rosenthal. O princípio da dignidade da pessoa humana: estudos de Direito Constitucional. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p. 52. 295 SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Celso Bastos, 1999, p.28.

170

encontra barreira naquilo que assegura os direitos dos demais indivíduos da sociedade;

o direito do indivíduo termina onde começa o direito do outro.

Na obra de Kant se vislumbra a dignidade como valor intrínseco do ser humano,

sendo que cada um deve respeitar a si e ao outro como fim e não como meio, já que o

homem, por ser racional, é capaz de ser responsável por seus atos, devendo ser

responsável pelos mesmos. A dignidade é, assim, um valor interno absoluto.

Além da Magna Carta, acima apontada, outros instrumentos demonstraram-se de

grande valia para a construção das Constituições modernas, por terem contribuído, de

forma contundente, para a evolução e aprimoramento das liberdades públicas, como a

Peticion of Rights (1628), o Habeas Corpus Act (1679) e o Bill of Rights (1689), já que

a primeira, a Magna Carta, inaugurou a proteção da liberdade pessoal e a segurança da

pessoa e de seus bens (assegurando o direito de propriedade), sendo o devido processo

legal a garantia de tais direitos fundamentais. Já com o due process of law, houve o

estabelecimento de regras disciplinadoras para a privação da liberdade e da própria

propriedade.296 É claro que os Estatutos apontados não são, apesar da grande

contribuição, declarações de direito no sentido moderno, conceitos estes que só irão

surgir com a Revolução Francesa e a Americana, ambas ocorridas no século XVIII.

É claro que o processo de aquisição de direitos individuais não foi tarefa fácil,

pelo contrário, foi lento e doloroso, já que por muito tempo o Estado, principalmente na

figura do soberano, possuía poderes ilimitados, não tendo interesse em dividir esse

poder com seus súditos. Isso se confirma pelo fato de que o surgimento desses direitos

se deu somente quando os reis da Idade Medieval começaram a firmar pactos (a

exemplo da Magna Carta, já mencionada), com o intuito de fortalecimento do próprio

poder real.

Pelo acima exposto, verifica-se que a origem do conceito de pessoa como sujeito

com valor em si mesmo, logo, dotado de dignidade, passou por três concepções, a saber:

o individualismo, o transpersonalismo e o personalismo.

296 ZISMAN, Célia Rosenthal. O princípio da dignidade da pessoa humana: estudos de Direito Constitucional. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p.57.

171

Caracteriza-se o individualismo por ter como cerne da questão o próprio

indivíduo, que pensando em si mesmo e cuidando de seus interesses, como

conseqüência, protege e realiza indiretamente os interesses de toda a coletividade.

Em seguida, a fase do transpersonalismo caracterizou-se pelo inverso, haja vista

que nela se instituiu a necessidade da realização do bem coletivo, para que estejam

seguros os interesses individuais, logo, a dignidade da pessoa humana se verifica no

coletivo, não mais tendo o indivíduo como cerne do referido princípio. Como exemplo,

tem-se as concepções socialistas ou coletivistas, principalmente a realizada por Marx.297

E, finalmente, a terceira corrente (a qual permeia o Texto Constitucional

brasileiro), denomina-se personalismo, a qual defende a existência da harmonia

espontânea entre indivíduo e sociedade, tendo como finalidade a compatibilização dos

interesses individuais e coletivos, para que não haja predomínio de nenhum dos

interesses, mas o equilíbrio entre os mesmos.

Também é importante ressaltar as dimensões dos Direitos Humanos, os quais

retratam a evolução e consagração dos referidos direitos, no decorrer da História. Como

bem lembra Norberto Bobbio, os direitos do homem, do ponto de vista teórico, são

direitos históricos, ou, de outra forma, nascidos em certas circunstâncias, marcados por

lutas, contra poderes dominantes, em prol das liberdades, obtidos gradualmente.

Surgindo, esses direitos da necessidade da própria sociedade, no decorrer da História, já

que o aumento de poder do homem sobre o homem acaba por criar ameaças à liberdade

do indivíduo, sendo que referidas ameaças são enfrentadas com demandas de limitações

de poder, exigindo-se que o Poder intervenha de modo protetor. 298

Os primeiros direitos a surgir, sendo, portanto, os da primeira dimensão, foram

os direitos individuais e políticos, surgidos conjuntamente com o Estado liberal, o qual,

com a Revolução Francesa, pretendiam, em oposição à monarquia absolutista, a

manutenção de um Estado mínimo, que não interviesse nas relações sociais (em total

oposição ao modelo estatal anterior).

297 SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Celso Bastos, 1999, p.30. 298 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad.: Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 5.

172

André Ramos Tavares aponta que nessa primeira relação de direitos, encontra-

se, entre outros, a proteção contra a privação arbitrária da liberdade, a inviolabilidade do

domicílio, a liberdade e o segredo de correspondência. Além, é claro, das liberdades da

ordem econômica (como, por exemplo, a liberdade de iniciativa; a liberdade de

atividade econômica; a liberdade de eleição da profissão; a livre disposição sobre a

propriedade, entre outras). Quanto às liberdades políticas, tem-se aquelas relacionadas à

participação do indivíduo no processo político (como a liberdade de associação; de

reunião; de formação de partidos; direito ao voto; direito de controlar os atos estatais

etc.).299

Já, os direitos de segunda dimensão, são os direitos sociais, os quais objetivam

conceder meios para a efetivação dos direitos individuais. Tem-se, neste momento,

portanto, o Estado, não mais liberal, mas social (intervindo nas relações sociais, para

garantir a concretização dos direitos para todos os indivíduos). Nesta dimensão

encontram-se, também, os direitos econômicos, voltados, da mesma forma, para a

garantia de efetivação dos direitos sociais. Tem-se, por exemplo, o direito ao trabalho, o

direito ao salário mínimo, direito ao repouso semanal remunerado, acesso ao ensino etc.

O Estado passa do isolamento e não-intervenção a uma situação diametralmente oposta. O que essa categoria de novos direitos tem em mira é, analisando-se mais detidamente, a realização do próprio princípio da igualdade. De nada vale assegurarem-se as clássicas liberdades se o indivíduo não dispõe das condições materiais necessárias a seu aproveitamento. Nesse sentido, e só nesse sentido, é que se afirma que tal categoria de direitos se presta como meio para propiciar o desfrute e o exercício pleno de todos os direitos e liberdades. Respeitados os direitos sociais, a democracia acaba fixando os mais sólidos pilares.300

A terceira dimensão, por sua vez, são os direitos coletivos ou difusos,

encontrando-se nessa categoria, os direitos do consumidor e ambiental. André Ramos

Tavares, faz menção, ainda, à quarta dimensão de direitos, na qual estariam os direitos

das minorias, cuja proteção acabaria por se tornar como um termômetro, do nível

democrático de um país.

299 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 2. ed., rev., ampl., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 370/371. 300 Idem, p. 370-371.

173

Norberto Bobbio, na obra “A era dos direitos”, fazendo um retrospecto de todas

as dimensões de direito, até chegar à atual, aponta que, à primeira dimensão

corresponde os direitos de liberdade (ou não-agir do Estado); já, na segunda, têm-se os

direitos sociais (ou ação positiva do Estado); os de terceira dimensão que são, para o

autor, uma categoria ainda “excessivamente heterogênea e vaga, o que nos impede de

compreender do que efetivamente se trata.” Dentre os direitos de terceira dimensão, os

mais importantes são aqueles que tratam do direito de viver num ambiente

ecologicamente equilibrado. Atualmente, se apresentam novas exigências, as quais não

se enquadram nas anteriores, havendo a necessidade, portanto, de uma quarta dimensão

de direitos, relacionados “aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica,

que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo.”301

Importante lembrar, mais uma vez, a Encíclica Papal Rerum Novarum, onde se

prega a necessidade de interferência do Estado nas relações sociais e econômicas, para a

garantia do bem comum, além dos direitos essenciais à pessoa humana, em face de que

o Estado não pode manter-se ausente do mundo econômico, devendo intervir quando

necessário, para que se possa resguardar o direito de todos; os direitos essenciais da

pessoa humana.

A dignidade se transforma em bandeira trabalhista em meados do século XIX,

quando, com a Revolução Industrial, o mercado oprime cada vez mais o trabalhador (a

classe operária), em face da necessidade preemente de uma produção acelerada, que

possa satisfazer a obtenção cada vez mais desenfreada de lucro. Ferdinand Lassalle

impõe a necessidade de uma melhoria nas condições de trabalho dos operários, para que

se possa atribuir-lhe uma vida digna.

Autores como Proudhon e John Rawls, entendem que a idéia de dignidade

humana está intimamente ligada à concepção de justiça, entendendo que são conceitos

que se fundem e se complementam. Habermas acrescenta à justiça, a necessidade

imperiosa da ética, para que se obtenha a dignidade, encontrando-se esta vinculada a

uma acepção rigorosamente moral e jurídica.

301 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad.: Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro: Campus, 1992, p.6.

174

Outro ponto a se destacar, dentro desta acepção histórica do instituto em análise,

é a Constituição de Weimar, de 1919, que traz, em seu Texto, o reconhecimento da

necessidade de se ordenar o mundo econômico, para que se possa efetivar a garantia de

existência digna a todos os homens. Em seu Art. 151, disciplina a matéria, dispondo

que: “A vida econômica deve ser organizada em conformidade com os princípios da

justiça e com vista a garantir a todos uma existência digna do homem. Nestes limites, a

liberdade econômica do indivíduo deve ser respeitada.”

Após as Grandes Guerras, em especial a 2ª Guerra Mundial, houve um

rompimento com os Direitos Humanos, em face das barbáries cometidas nas guerras,

com o extermínio de milhões, de forma desumana e indigna. O pós-guerra veio para

retomar com esses direitos, tendo como exemplo mais marcante a Declaração Universal

dos Direitos Humanos, que já no Art. 1º proclama: “todos os homens nascem livres e

iguais em dignidade e direito. São dotados de razão e consciência e devem agir em

relação uns aos outros com espírito de fraternidade.”302 (grifo nosso). Veja-se que a

Declaração Universal dos Direitos Humanos, desde 1948 já proclama que todos os

homens nascem livres (vedada, portanto, a escravização), atém de iguais, tanto em

dignidade quanto em Direito. Ora, a qualidade de igualdade entre os homens deve ser

verificada com relação à dignidade e aos direitos, já que as pessoas são diferentes

(diferença de cor, credo, sexo, religião etc.), mas devem ser iguais em dignidade e em

Direito. Assim, desde 1948 já existe legislação internacional resguardando, e

ressaltando, a dignidade da pessoa humana.

No Brasil, como dito no Capítulo que a este antecedeu a dignidade da pessoa

humana somente ganhou “status” constitucional com o Texto de 1988, apesar de já se

encontrar implícita em Constituições anteriores, como é o caso da Constituição de 1934,

que se espelhou nas Constituições mexicana, de 1917 e, alemã, de 1919.

4.1.2 Conceito

Depara-se com uma grande dificuldade, no momento da conceituação do

instituto em estudo, em face do mesmo pertencer a uma categoria axiológica aberta,

302 Declaração Universal dos Direitos Humanos.

175

podendo se ajustar em cada momento histórico, por estar em constante ação de

construção e desenvolvimento. Como auxílio na elaboração do que ora se propõe que é

apresentar um conceito de dignidade da pessoa humana, traz-se à colação o

entendimento de renomados autores.

Immanuel Kant entende ser a dignidade da pessoa humana um categórico

assumindo valor não-relativo na cultura dos povos. Para Kant, a humanidade deve ser

vista como um fim e nunca como um meio, ressaltando assim o princípio da dignidade

da pessoa humana, por ser o homem a medida de todas as coisas. Da mesma forma,

Dworkin, embasado nas lições de Kant, ressalta que o ser humano não poderá, em

hipótese alguma, ser concebido como mero instrumento para a concretização de fins

outros, não podendo, assim, ser considerado como objeto; não devendo ser tratado de

maneira indigna.

A dignidade da pessoa humana é uma qualidade intrínseca e inerente do ser

humano, sendo, portanto, irrenunciável e inalienável, na medida em que constitui

elemento que qualifica a própria pessoa humana. Sendo assim, não há como a pessoa se

desfazer dessa qualidade, em face de ser a mesma a ela intrínseca.

Mas, o que vem a ser dignidade? No Dicionário Caldas Aulet, o verbete

dignidade vem com o seguinte significado: “1. Qualidade de digno. 2. Amor-próprio,

respeito a si mesmo, honradez pessoal, altivez. 3. Função ou cargo honroso; honraria;

dignidade de reitor. 4. Decência, honestidade.”303 (grifo do autor). Veja-se, portanto,

que dignidade é algo inerente à própria pessoa; qualidade do ser humano, ligado, de

forma intrínseca à honestidade, honra e ética.

Frei Bento Domingues aponta, todavia, que ao se saber ser a dignidade é uma

característica do ser humano, precisa-se saber o que se pode considerar como pessoa.

Assim, para tanto, utiliza as palavras de Orlando Carvalho, que definiu pessoa humana

como sendo:

O ser vivo, que pela sua estrutura física ou psíquica e pela sua capacidade de conhecimento e de amor é o único verdadeiro centro de decisão e de

303 GEIGER, Paulo (editor responsável). Minidicionário contemporâneo da língua portuguesa Caldas Aulete. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004, p. 275.

176

imputação, de liberdade e de responsabilidade, na natureza e na história, assumindo-se como projeto autônomo e transformante de si mesmo e do mundo. 304

Depreende-se, assim, que a dignidade faz supor uma antropologia, a qual faz do

homem um ser “dotado de razão, de vontade livre, de comunicação pela linguagem,

enraizada em desejos e paixões da natureza, mas capaz de se distanciar deles e até de se

impor aos seus impulsos.”305

Chega-se, portanto, ao conceito de dignidade da pessoa humana, mediante uma

passagem histórica pelo tema, até obter que a dignidade pode ser compreendida,

também, como o respeito que é devido e, que, portanto, deve ser dispensado, a uma

pessoa; um comportamento que denote respeito e consideração, tendo em vista que a

dignidade não é apenas um dado, mas um ideal, que não deve ficar preso às

diferenciações existentes na sociedade. São Tomás de Aquino lembra que a afinidade

entre pessoa e dignidade já é notada há muito tempo, já que: “Vem, pelo menos, do

teatro grego. Como nas comédias e tragédias eram representados homens famosos, o

nome pessoa, da personagem teatral passou a significar aqueles que tinham uma

dignidade.” 306

Ingo Wolfgang Sarlet também se filia ao entendimento que a dignidade seja

inerente ao ser humano, dissociado, portanto, das ocorrências externas.

Além disso, como já visto, não se deve olvidar que a dignidade independe das circunstâncias concretas, sendo algo inerente a toda e qualquer pessoa humana, de sorte que todos – mesmo o maior dos criminosos são iguais em dignidade. Aliás, não é outro o entendimento que subjaz ao art.1º da Declaração Universal da ONU (1948), segundo o qual ‘todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos’. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito e fraternidade307. (grifo do autor).

304 CARVALHO, Orlando. apud, DOMINGUES, Frei Bento. Dignidade humana, in GOMES, Jorge F. S., et. al. (Org.). Comportamento organizacional e gestão: 21 temas e debates para o século XXI. Lisboa: RH Ltda., 2006, p. 342. 305 DOMINGUES, Frei Bento. Dignidade humana, in GOMES, Jorge F. S., et. al. (Org.). Comportamento organizacional e gestão: 21 temas e debates para o século XXI. Lisboa: RH Ltda., 2006, p. 342. 306 Idem, p. 343-344. 307 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Advogado, 1998, p.104.

177

Há, ainda, o entendimento de que a dignidade da pessoa humana não seja

considerada somente como algo inerente à ela, em face da existência de um sentido

cultural, por ser decorrência do trabalho de diversas gerações, sendo assim, pertencente

à humanidade como um todo. Em face desse entendimento, a dignidade da pessoa

humana passa a ser simultaneamente o limite e a obrigação dos Estados.

Em relação à dignidade, pode-se afirmar que é algo que pertence a cada um, não

podendo, portanto ser transferido, ser doado etc., pois se assim o fosse deixaria de

existir, não havendo, desse modo, qualquer limite a ser respeitado. Além disso, como

obrigação tem-se que ao Estado somente é permitido seguir, desde que não desrespeite o

princípio da dignidade da pessoa humana.

Outro ponto de destaque, é que a dignidade da pessoa humana, deve ser

averiguada, de forma concreta, dentro do contexto social em que o indivíduo está

inserido, posto que este não vive isolado, como traz Rizzato Nunes:

[...] acontece que nenhum indivíduo é isolado. Ele nasce, cresce e vive no meio social. E aí, nesse contexto, sua dignidade ganha – ou como veremos, tem o direito de ganhar – um acréscimo de dignidade. Ele nasce com integridade física e psíquica, mas chega um momento de seu desenvolvimento que seu pensamento tem de ser respeitado, suas ações e seu comportamento – isto é, sua liberdade -, sua imagem, sua intimidade, sua consciência – religiosa, científica, espiritual – etc., tudo compõe sua dignidade308.

John Rawls estabelece um contraponto em torno do termo dignidade da pessoa

humana, entendendo que o mais importante é estruturar a sociedade, para que esta possa

afirmar e favorecer o respeito mútuo entre os cidadãos.

Rawls não concebe o respeito de si como um dever moral individual, mas como um ‘bem fundamental’, um bem que virtualmente todo indivíduo consideraria como objeto do seu desejo racional, quaisquer que sejam as outras coisas que ele deseje [...] Um elemento capital de tal teoria da justiça é o argumento segundo o qual, se fossem adotados, esse princípios de ‘justiça como equidade’ (liberdade e oportunidades iguais para todos, e o ‘princípio da diferença’) favoreceriam mais o respeito de si do que os princípios utilitaristas.309 (grifo do autor).

308 NUNES, Rizzato. O Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 49. 309 CANTO-SPERBER, Monique (Org.). Dicionário de ética e filosofia moral. Trad.: Ana Maria Ribeiro-Althorf, et. ali, São Leopoldo: Unisinus, 2003, p.443-444.

178

Vicente Greco Filho eleva a dignidade; o valor da pessoa humana, como

fundamento do próprio Direito, apontando a importância do conteúdo valorativo do

Direito, sendo que: “todas as consagrações constitucionais dos direitos individuais

supõem a existência de alguns direitos básicos da pessoa humana, os quais pairam,

inclusive acima do Estado, porquanto este tem como um de seus fins principais a

garantia desses direitos.” Além disso, ressalta: “O direito talvez cronologicamente

coincida com o homem e a sociedade, mas não pode ser entendido senão em função da

realização de valores, no centro dos quais se encontra o valor da pessoa humana.”310, até

porque a ordem jurídica não teria sentido algum se não tivesse como finalidade a

realização dos referidos valores.

Franco Bartolomei, na obra que trata da dignidade humana como conceito e

valor constitucional, na Constituição Italiana, aponta que a dignidade humana não se

reduz a um mero direito, sendo fundamento da liberdade; um direito fundamental. 311

Assim, a dignidade da pessoa humana é efetivamente, uma qualidade inerente ao

próprio ser humano, sendo, portanto, irrenunciável e indisponível. A Constituição

Federal, ao trazer este princípio como fundamento da República o eleva à categoria de

meta-princípio; de vértice constitucional, que não pode, portanto ser infringido. A

universalização da dignidade leva a todos os indivíduos (sem distinção), a garantia de

que deverão receber de todos (inclusive do próprio Estado), o tratamento condizente

com a sua qualidade de ser humano, já que todos são, segundo o Texto Constitucional,

iguais perante a lei. Além disso:

O princípio da dignidade, expresso no imperativo categórico, refere-se substantivamente à esfera de proteção da pessoa enquanto fim em si, e não como meio para a realização de objetivos de terceiros. A dignidade afasta os seres humanos da condição de objetos à disposição de interesses alheios. [...] A dignidade humana impõe constrangimentos a todas as ações que não tomem a pessoa como fim. 312

310 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 17. ed., atual., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 16. 311 BARTOLOMEI, Franco. La dignità umana come concetto e valore constituzionale. Torino: G. Giappicheli, 1987, p. 18-19. 312 VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos fundamentais: uma leitura da jurisprudência do STF. São Paulo: Malheiros, 2006, p.67.

179

O conceito trazido por Ingo Wolfgang Sarlet consegue reunir todas as

concepções anteriormente apontadas, entendendo-se ser o mesmo o mais completo e o

que melhor define a dignidade da pessoa humana:

Assim sendo, tem-se por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos313. (grifo do autor).

Entende-se, destarte, ser a dignidade como valor intrínseco do ser humano,

independente do reconhecimento e concessão do Estado; é, portanto, inerente; sendo

indisponível e irrenunciável. A dignidade, como apontado outrora, não se reduz a um

mero direito, sendo fundamento da liberdade; um direito fundamental. O Estado, por

conseguinte, deve, obrigatoriamente, resguardar a dignidade em todos os seus aspectos,

até porque a dignidade serve de fundamento para outros direitos, como o da liberdade,

igualdade, justiça, entre outros.

A dignidade da pessoa humana é um valor essencial, eleito pela Constituição

Federal de 1988, informando toda a ordem jurídica, servindo de critério e parâmetro,

que deve orientar não só a interpretação, como todo o sistema constitucional, para que

se mantenha a unidade de todo o sistema. É um valor supremo, concebido como

referência constitucional, que unifica todos os direitos fundamentais, decorrendo desse

fato, a finalidade da ordem econômica de assegurar a todos uma existência digna.

A dignidade deve ser considerada em sua universalidade, pois todos são iguais

em direito (como se verifica da Declaração Universal dos Direitos Humanos) não

devendo deixar de levar em conta, todavia as diferenças existentes entre os homens,

pois “a pluralidade é a condição da ação humana pelo fato de sermos os mesmo, isto é,

313 SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. In SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Dimensões da dignidade: ensaios de filosofia do Direito e Direito Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 37.

180

humanos, sem que ninguém seja exatamente igual a qualquer pessoa que tenha existido,

exista ou venha a existir.”314

Conclui-se, dessa forma, que todos são titulares de dignidade,

independentemente da religião, sexo, cultura, raça, cor, credo etc., não necessitando,

inclusive, que os titulares tenham noção ou conhecimento desta qualidade, em face dela

ser inerente a todo ser humano. Além disso, não há como o ser humano se tornar

indigno, ainda que este cometa atos assim considerados, contra si ou contra outrem, em

face da irrenunciabilidade e indisponibilidade deste direito.

4.1.3 Da dignidade da pessoa humana: Tratados Internacionais

Imperioso, para que se possa apresentar um sucinto esboço, acerca dos Tratados

Internacionais, afetos à dignidade da pessoa humana, discorrer, também de forma breve,

a propósito dos direitos humanos. E, tratar de um assunto tão relevante, como os direitos

humanos, não é tarefa fácil, tendo em vista suas inúmeras implicações no cotidiano das

pessoas, além de que os direitos humanos se relacionam de forma direta com a

dignidade da pessoa humana.

Antes de se adentrar no assunto proposto, faz-se necessário trazer a conceituação

do que seriam direitos humanos. Para o Cardeal D. Paulo Evaristo Arns, direitos

humanos são:

Essencialmente, o direito aos bens inerentes à vida, aos bens que preservam a humanidade do homem. Entre eles, o respeito à personalidade e à igualdade essencial dos indivíduos, a manutenção da liberdade física e de pensamento, a garantia de justiça e o reconhecimento da honestidade, enfim, os direitos apenas possíveis numa legítima democracia, em que os cidadãos poderão ser ‘sábios para o bem, simples diante do mal’ (Rm. 16, 19). (grifo do autor)315

Verifica-se que a conceituação trazida acima trata, em primeiro lugar, da

dignidade da pessoa humana, bem como dos direitos que correspondem às necessidades

essenciais da pessoa, cuja dignidade deve ser acentuada e preservada.

314 ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 16. 315 ARNS, D. Paulo Evaristo. Cardeal, Prefaciando a obra: JUNIOR SANTOS, Belisário dos, et. ali. Direitos humanos: Um debate necessário. 2. ed., Brasília: Brasiliense, p. 7.

181

Norberto Bobbio entende que direitos humanos encontram-se intimamente

ligados com a Democracia e a Paz, sendo que os três são fatores necessários do mesmo

movimento histórico, já que “sem direitos do homem reconhecidos e protegidos não há

democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para a solução pacífica

dos conflitos.”316

Pode-se considerar a expressão direitos humanos como uma maneira abreviada

de tratar dos direitos fundamentais da pessoa, já que:

Esses direitos são considerados fundamentais porque sem eles a pessoa humana não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e de participar plenamente da vida. Todos os seres humanos devem ter asseguradas, desde o nascimento, as mínimas condições necessárias para se tornarem úteis à humanidade, como também devem ter a possibilidade de receber os benefícios que a vida em sociedade pode proporcionar. Esse conjunto de condições e de possibilidades associa as características naturais dos seres humanos, a capacidade natural de cada pessoa pode valer-se como resultado da organização social. É a esse conjunto que se dá o nome de direitos humanos. (grifo do autor).317

Mais uma vez, verifica-se a ênfase que deve ser dada à dignidade da pessoa

humana, já que ao preservá-la, automaticamente estar-se-á preservando os direitos

humanos. Além disso, deve-se lembrar que a cada pessoa deve ser assegurado o mínimo

para a sua sobrevivência em sociedade de forma digna, dando-se destaque à teoria do

mínimo ético, em que o direito internacional pretende assegurar, ao menos, o mínimo

para que cada pessoa humana viva com dignidade, não significando que os países não

possam implementar esses direitos (aliás, devem), aumentando-os e, assim, concedendo

às pessoas uma dignidade plena.

Para Sidney Guerra, é de suma importância, na discussão dos Direitos Humanos

no âmbito do direito internacional, averiguar, inicialmente, se a pessoa humana é

efetivamente considerada como sujeito na ordem jurídica internacional, já que, somente

dessa forma, é possível afirmar, com certeza, que há uma proteção internacional dos

direitos humanos, em decorrência desse entendimento. Conclui que, realmente, a pessoa

316 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad.: Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 1. 317 O que são Direitos humanos? Direitos Humanos: Noção e significado. disponível em:<http://www.ceut.com.br/mandacaru/O%20QUE%20SAO%20DIREITOS%20HUMANOS%20-%20 Dalmo%20Dallari.doc> Acesso em: 02.08.2006.

182

humana é destinatária de inúmeras normas de direito internacional, sendo que tal fato se

dá em virtude da internacionalização dos direitos da pessoa humana. E, aponta, para

reforçar sua assertiva, que existem duas razões primordiais para a pessoa humana ser

considerada como sujeito internacional:

a) a própria dignidade humana, que leva a ordem jurídica internacional a lhe reconhecer direitos fundamentais e procurar protegê-los; b) a própria noção de Direito, obra do homem para o homem. Em conseqüência, a ordem jurídica internacional vai se preocupando cada vez mais com os direitos do homem, que são quase verdadeiros direitos naturais concretos. 318

Para Kant, a idéia de dignidade da pessoa humana é uma idéia central (e os seres

humanos são insubstituíveis, pois são um fim em si mesmos), sendo, portanto, sujeitos,

plenos, de direito.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e, proclamada pela

resolução 217 A (III) da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, de 10 de

dezembro de 1948, protege e assegura direitos, a todos os seres humanos, sem distinção

de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de

outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra

condição, em face de que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros

da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade,

da justiça e da paz no mundo, confome se verifica em seu preâmbulo, no qual dispõe

que: “Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da

família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da

justiça e da paz no mundo;”

Além disso, considera imprescindível que os direitos da pessoa humana sejam

resguardados contra o império da lei e que os Estados se esforcem em promover, por

intermédio do ensino e da educação o respeito a todos os direitos e liberdades, até

porque, como ali se encontra, “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e

direito. São dotados de razão e de consciência e devem agir em relação umas às outras

com espírito de fraternidade” 319, não podendo haver distinção, de qualquer natureza

318 GUERRA, Sidney. Direito à privacidade: uma discussão à luz do Direito Internacional dos Direitos Humanos in DELGADO, Ana Paula; CUNHA, Maria Lourdes da. Estudos de Direitos humanos: Ensaios interdiciplinares. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 37. 319 Declaração universal dos Direitos humanos.

183

entre as pessoas, já que todos os homens tem capacidade para gozar os direitos e as

liberdades na referida Declaração.

Deve-se lembrar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi uma

resposta à barbárie ocorrida na 2ª Guerra Mundial, onde milhares de pessoas foram

mortas, única e exclusivamente, por serem diferentes. Assim, em um primeiro

momento, a comunidade internacional, por intermédio do direito internacional, procurou

estabelecer, ou melhor, ressaltar, via declarações e tratados, a existência da igualdade

entre todos os seres humanos (já que todos são iguais em dignidade) e, em um segundo

momento, a comunidade internacional, procurou estabelecer, legalmente, a diversidade

entre as pessoas, ou seja, apesar da igualdade em dignidade, as pessoas são diferentes,

em fase da variedade existente em decorrência da raça, religião, sexo, nacionalidade

etc., ressaltando que, apesar das diferenças, em dignidade permanecemos todos iguais,

devendo, portanto, serem considerados como tal.

Além disso, a Declaração Universal dos Direitos dos Homens:

[...] colocou as premissas para transformar também os indivíduos singulares, e não mais apenas os Estados, em sujeitos jurídicos do direito internacional, tendo assim, por conseguinte, iniciado a passagem para uma nova fase do direito internacional, a que torna esse direito não apenas o direito de todas as gentes, mas o direito de todos os indivíduos. 320

A 2ª Guerra Mundial, desse modo, marcou a ruptura com os Direitos Humanos,

tendo em vista que foram cometidos diversos atos atentatórios à dignidade humana,

sendo que, em resposta à tal fato, o pós 2ª Guerra possibilitou a reconstrução dos

Direitos Humanos.

Reafirmando a necessidade do respeito às diferenças, Nilmário Miranda, assim

se posiciona:

Hoje os direitos humanos são universais e as fronteiras do Estado são indivisíveis. É a partir desses conceitos que construimos uma cidadania planetária, uma sociedade civil mundial que respeite as diferenças entre muçulmanos, cristãos, indígenas e africanos fundada na aceitação e na tolerância.

320 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad.: Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro: Campus, 1992, p.139.

184

Também faz parte de nosso referencial a compreensão de que os direitos humanos são interdependentes. Não se pode estabelecer hierarquias com os direitos civis e políticos, atribuindo mais importância a estes do que aos direitos igualitários, econômicos, sociais e culturais.321

Para, que se possa compreender, efetivamente e, facilmente, o que seriam os

direitos humanos, é suficiente mencionar que tais direitos correspondem a necessidades

essenciais da pessoa humana. Trata-se daquelas necessidades que são iguais para todas

as pessoas e que, portanto, devem ser atendidas para que a pessoa possa viver com

dignidade. Dessa maneira, tem-se como exemplo principal, que a vida é um direito

humano fundamental, porque sem ela a pessoa não existe. E, por tal fato, a preservação

da vida é uma necessidade de todos as seres humanos. É claro, todavia, que a vida não é

o único direito fundamental, podendo citar, ainda, outras necessidades essenciais (para

que a pessoa viva com dignidade), como a alimentação, a saúde, a moradia, a educação,

por exemplo. 322

A Constituição da República Federativa do Brasil, em vários dispositivos, trata

da dignidade da pessoa humana, sendo que a norma inserida em seu Art. 1º, inciso III,

prescreve uma conduta, em termos, principiológicos, de que a pessoa humana possui

valor em si mesma.

Na visão kantiana, como dito anteriormente, o meio dos fins que faz da pessoa

um ser de dignidade própria, em que tudo o mais tem significação, relativa. Segundo o

imperativo categórico de Kant: “age como se fosse a máxima de tua ação se devesse

tornar pela tua vontade em lei universal da natureza”323 E, nesse agir, veja

simultaneamente a ti e a humanidade como um fim e, nunca como um meio, não

devendo se utilizar dos outros como meros objetos, sendo que aqui, se verifica o

princípio da dignidade da pessoa humana. Enfim, o homem, para ele ser sujeito e não

simples objeto.

321 MIRANDA, Nilmário in VIEIRA, Oscar Vilhena, Coord. Direitos humanos: Estado de Direito e construção da paz. São Paulo:Quartier Latin do Brasil, 2005, p. 28. 322 O que são Direitos humanos? Direitos Humanos: Noção e significado. disponível em: <http://www.ceut.com.br/mandacaru/O%20QUE%20SAO%20DIREITOS%20HUMANOS%20%20Dalmo%20Dallari.doc> Acesso em: 02.08.2006. 323 KANT, Emanuel. apud SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo, Celso Bastos Editor, 1999, p. 26

185

Por fim, tudo está a serviço do homem, assim tudo o mais aparece como valor de

meio perante o homem, que se caracteriza, assim, como valor absoluto. O homem como

fim não pode ser, assim, considerado como coisa, já que é terminantemente proibida a

“coisificação” e, desse modo, a degradação do homem, que não pode ser tratado como

mero objeto, como já afirmado acima.

Apesar da importância do princípio, ora tratado, várias são as dificuldades para

se estabelecer o significado e o conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana,

devido ao contorno vago e impreciso instituído genericamente por ele, como dito

anteriormente.

Pode-se dizer, todavia que a dignidade da pessoa humana é indiscutivelmente

uma qualidade intrínseca e inerente ao ser humano, irrenunciável e inalienável, na

medida em que constitui elemento que qualifica a pessoa humana.

Nas palavras de Ingo Wolfgang Sarlet:

Além disso, como já visto, não se deve olvidar que a dignidade independe das circunstâncias concretas, sendo algo inerente a toda e qualquer pessoa humana, de sorte que todos – mesmo o maior dos criminosos são iguais em dignidade. Aliás, não é outro o entendimento que subjaz ao art.1º da Declaração Universal da ONU (1948), segundo o qual ‘todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos’. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito e fraternidade324. (grifo do autor).

Ainda a despeito do tema, há o entendimento de que a dignidade da pessoa

humana não seja considerada apenas como inerente à pessoa humana, haja vista que ela

traz um sentido cultural, pois é conseqüência do trabalho de diversas gerações, sendo

assim, pertencente à humanidade como um todo.

Portanto, para que haja a garantia da igualdade, indistintamente para todos, deve-

se perceber a diferença entre as diversas pessoas, raças, religião, sexo etc., sendo que

apesar da individualidade de cada um e, das culturas diferenciadas, deve-se tratar as

pessoas com igual valor.

324 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos fundamentais. Porto Alegre: Advogado, 1998, p.104.

186

Desse feito, apesar das pessoas serem diferentes (ocorrendo tal diferença em

diversos fatores, como cultura, raça, sexo, religião, entre outros), continuam, todavia,

todas iguais como seres humanos (com a mesma dignidade), tendo as mesmas

necessidades e faculdades essenciais. Disso resulta a existência de direitos

fundamentais, que são iguais para todos, conforme tratado, inclusive na Declaração

Universal dos Direitos Humanos.

Boaventura de Sousa Santos trata dos conceitos de universalismo e relativismo

cultural, para se chegar ao mais importante para o reconhecimento das diferenças, sem

deixar de levar em conta a igualdade pela dignidade, tendo concluído, referido autor,

que o melhor caminho seria o multiculturalismo:

Como é possível, ao mesmo tempo, exigir que seja reconhecida a diferença, tal como ela se constituiu através da história, e exigir que os “outros” nos olhem como iguais e reconheçam em nós os mesmos direitos de que são titulares? [...] A expressão multiculturalismo designa, originalmente, a coexistência de formas culturais ou de grupos caracterizados por culturas diferentes no seio de sociedades “modernas”. Rapidamente, contudo, o termo se tornou um modo de descrever as diferenças culturais em um contexto transnacional e global. [...] A resposta reside na adoção de dois imperativos interculturais: “das diferentes versões de uma dada cultura, deve ser escolhida aquela que representa o círculo mais amplo de reciprocidade dentro dessa cultura, a versão que vai mais longe no reconhecimento do outro”; “as pessoas e os grupos sociais têm o direito a ser iguais quando a diferença os inferioriza, e o direito a ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza”.325 (grifo nosso).

O pensamento do autor anteriormente citado revela os objetivos dos direitos

humanos, qual seja: a necessidade do reconhecimento e da distribuição, de uma

igualdade que possibilite o reconhecimento das diferenças e de uma diferença que não

cause, alimente ou reproduza desigualdades, além disso, a possibilidade de que “as

pessoas e os grupos sociais têm o direito a ser iguais quando a diferença os inferioriza, e

o direito a ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza”.

Visando alcançar a plenitude da dignidade, para todas as pessoas humanas, a

comunidade internacional, após a Declaração Universal dos Direitos Humanos, celebrou

inúmeros Tratados Internacionais.

325 SANTOS, Boaventura de Sousa. Reconhecer para libertar: Os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 25/56.

187

O reflexo desses citados Tratados, no Brasil, deu-se, de forma significativa, no

ordenamento jurídico, o qual, por força deles próprios, teve que se adequar ao que esteja

disposto nos referidos instrumentos internacionais. É claro que o Brasil ainda não se

encontra totalmente adequado ao que dispõe os tratados internacionais, mas já avançou

muito (pelo menos em termos legislativos), como abaixo se demonstrará.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, rompeu de forma

definitiva com o período ditatorial, tornando-se um marco jurídico do processo de

transição democrática, tendo adotado inúmeros princípios e conceitos dos Direitos

Humanos, tendo elegido como um dos maiores princípios a serem seguidos, o princípio

da dignidade da pessoa humana, o qual norteia todo o Texto Constitucional.

Sobre a referida transição democrática, a Profª. Flávia Piovesan, assim se

manifesta:

Após o longo período de vinte e um anos do regime militar ditatorial que perdurou de 1964 a 1985 no País, deflagrou-se o processo de democratização no Brasil. Ainda que esse processo se tenha iniciado, originariamente, pela liberação política do próprio regime autoritário – em face de dificuldades em solucionar problemas internos -, as forças de oposição da sociedade civil se beneficiaram no processo de abertura, fortalecendo-se mediante formas de organização, mobilização e articulação, que permitiram importantes conquistas sociais e políticas. A transição democrática, lenta e gradual, permitiu a formação de um controle civil sobre as forças militares. Exigiu ainda a elaboração de um novo código, que refizesse o pacto político-social. Tal processo culminou, juridicamente, na promulgação de uma nova ordem constitucional – nascia assim a Constituição de outubro de 1988. A Carta de 1988 (sic) institucionaliza a instauração de um regime político democrático no Brasil.326

Para Paulo Sérgio Pinheiro:

O Brasil tem hoje a carta de direitos mais precisa e abrangente de toda a sua história política. A Constituição Brasileira de 1988 é um marco na sua institucionalização no País e serve como ponto de referência para implementar políticas públicas para proteção e promoção dos direitos humanos. Desde a transição para a democracia, em 1985, ao contrário do que acontecia durante o período do autoritarismo, o Governo Federal tem promovido mudanças na legislação, apoiado políticas públicas para proteger e promover os direitos humanos, em particular os direitos dos grupos mais

326 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o Direito constitucional internacional. 7. ed. rev., ampl., atual., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 21/24.

188

vulneráveis. O País tornou-se signatário dos principais tratados internacionais de direitos humanos. A prática do Governo Federal em relação às graves violações de direitos humanos mudou diametralmente, se comparada com as práticas existentes durante o regime autoritário.327 (grifo do autor).

O constituinte brasileiro evoluiu ao inserir o princípio da dignidade da pessoa

humana no Texto Constitucional. Ao estatuir-se o referido princípio, no inciso III do

Art. 1º da Constituição Federal de 1988, embasou-se em uma visão personalista, posto

que ao ser colocado como fundamento, determinou-se a existência do Estado em razão

das pessoas. Nesse sentido, determinou-se que cada homem é o fim em si mesmo e

conseqüentemente deve o Estado existir em razão de todas as pessoas, e não estas em

razão do Estado328.

Deste modo, toda a ação decorrente do Estado deve ser avaliada, de acordo com

o princípio da dignidade humana, sob pena de ser declarada inconstitucional, sendo que

cada pessoa deve ser considerada como um fim em si mesma para que possam ambos,

indivíduo e Estado conviverem pacificamente.

Neste contexto, mesmo tendo a dignidade da pessoa humana um conteúdo

moral, ao inseri-la na Constituição, demonstrou o constituinte também uma

preocupação de cunho moral, de forma que não se aceite a prática de tortura, racismo e

tantas outras humilhações a que o brasileiro se acostumou em seu dia-a-dia, bem como

de cunho material, qualquer que seja, para que haja condições de se viver dignamente,

consoante dispõem os Tratados Internacionais dos quais o Brasil faz parte.

Tal sentido, para Celso Ribeiro Bastos: “[...] foi, sem dúvida, um acerto do

constituinte, pois coloca a pessoa humana como fim último de nossa sociedade e não

como simples meio para alcançar certos objetivos [...].”329

Para verificar a inserção, dentro do ordenamento jurídico nacional, dos Tratados

Internacionais, dos quais o Brasil é signatário, passa-se a demonstrar, de forma

327 PINHEIRO, Paulo Sérgio. Direitos humanos. Disponível em: < http://www.mre.gov.br/cdbrasil/itamaraty/web/port/polsoc/dirhum/apresent/apresent.htm> Acesso em: 01.08.2006. 328 SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Celso Bastos, 1999, p.92. 329 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito constitucional. 18.ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p.158.

189

exemplificativa e, não exaustiva, algumas legislações nacionais. E, como não poderia

deixar de ser, a primeira lei a ser tratada a Constituição Federal.

Como já dito anteriormente, a Constituição de 1988 rompeu com o período

ditatorial, trazendo para seu bojo, inúmeros preceitos de Direitos Humanos, dentre eles,

deu maior destaque àquele que, seguramente, é o mais importante, que é o princípio da

dignidade da pessoa humana, o qual se encontra em inúmeros dispositivos

constitucionais, em especial quando trata dos Princípios Fundamentais e dos Direitos e

Garantias Fundamentais (lembrando-se que também se encontra em outros capítulos),

além, é claro, de outros direitos, garantidos em tratados internacionais (merecendo

maior destaque aos de direitos humanos).

Mais uma vez, importante lembrar que a citação feita acima é meramente

exemplificativa, para demonstrar que a Constituição brasileira está recheada de

princípios trazidos por tratados internacionais, e, de forma especial, os de Direitos

Humanos. Para que se dê maior destaque ao que ora se coloca, importante a transcrição

dos §§ 2º, 3º e 4º do Art. 5º da Constituição Federal.

§ 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. § 3º. Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. § 4º. O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão.330

Verifica-se que, por todo o Texto Constitucional, há a recepção de Tratados

Internacionais, os quais foram incorporados no ordenamento jurídico, via normas

nacionais, em especial, por intermédio da Constituição Federal, merecendo destaque a

recepção dos tratados de Direitos Humanos, tendo em vista que a Constituição de 1988

tem como princípio fundamental a dignidade da pessoa humana, além, é claro, de outros

princípios internacionais, como a auto-determinação dos povos, a erradicação da

pobreza, a proteção das crianças e adolescentes, proteção e socialização dos portadores

de deficiência, o repúdio à qualquer forma de discriminação e de qualquer espécie de

330 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.

190

trabalho escravo e infantil, e, ainda, prevalência dos direitos humanos, repúdio ao

terrorismo e ao racismo, a igualdade entre todos, a inviolabilidade do direito à vida, à

liberdade, à igualdade; à segurança e à propriedade, além de outros tantos ali

encontrados.

Inúmeras legislações trazem a proteção da dignidade da pessoa humana, como se

exemplifica com a Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997, que regulamenta o Estatuto dos

refugiados e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Na mesma esteira, o novo Código

Civil brasileiro.

Mister salientar que o novo Código Civil brasileiro trouxe inúmeras mudanças,

em especial dentro da entidade familiar, equiparando a mulher ao homem, sendo ambos

sujeitos de direito, em igual situação, não havendo mais diferença entre ambos (um

exemplo é o fim do pátrio poder – onde o pai tinha o poder sobre os filhos -, e a

instituição do poder familiar – onde os pais – mãe e pai – possuem os mesmos direitos e

deveres sobre os filhos); além do fim da possibilidade do marido anular o casamento,

sob o fundamente de que sua esposa já se encontrava deflorada, quando do matrimônio,

além de outros absurdos que ainda perduravam no Código Civil revogado. Tal fato

demonstra a vontade do País, representado por suas normas, de se ajustar aos Tratados

de que é signatário, em especial, neste caso específico, à Convenção sobre a eliminação

de todas as formas de discriminação contra a mulher.

Merecem destaque, da mesma forma, o Estatuto do Idoso e o Código de Defesa

do Consumidor, os quais também demonstram o avanço na legislação nacional,

adequando-se, portanto, aos Tratados Internacionais, dos quais o Brasil é signatário, já

que privilegia a proteção dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana;

resguardando, em decorrência, a dignidade da pessoa humana.

Conclui-se, portanto, que, pelo menos no papel, o Brasil já deu inúmeros

avanços, tendo em vista que, consoante os exemplos de legislação acima apontados,

recepcionou e, incorporou de alguma forma, praticamente todos os tratados em que é

Estado-membro. Todavia, apesar das normas já estarem previstas, muitas delas não

saíram totalmente do papel, continuando os abusos contra os direitos humanos, como é

o caso do crime de tortura, de racismo (os quais se verificam diuturnamente nos

191

noticiários), além da existência, ainda nos dias atuais, de trabalho escravo e infantil,

dentre outras violações contra os Direitos Humanos.

Sobre isso, bem lembra Maria Lourdes da Cunha:

O Brasil, tristemente, também vem se configurando como um dos grandes violadores dos direitos e da dignidade do ser humano. A prostituição e a exploração do trabalho infantil, a falta d segurança, a carência de educação, a dificuldade de acesso ao Judiciário, a corrupção, a indignidade da saúde pública e a fome, além dos conflitos no campo, parecem-nos exemplos sistêmicos. Não obstante todas essas mazelas, não vislumbramos enfrentamentos políticos sérios direcionados à superação desses problemas.331

4.2 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO FUNDAMENTO DA

REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL E DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE

DIREITO

A Constituição da República do Brasil, em seu Art. 1º traz a dignidade da pessoa

humana, como fundamento do próprio Estado Democrático de Direito, ao dispor:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana;332

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, ao comentarem o referido

Art. 1º, no tocante à dignidade da pessoa humana, apontam que este princípio é

fundamento axiológico do próprio Direito, sendo primordial a proteção do ser humano,

o qual é sujeito e, nunca objeto de Direito. Trazem, como embasamento para a análise,

trechos de outros autores, como do Papa João Paulo II; tendo apontado que:

Os valores fundamentais encartados na estrutura político-jurídica da Carta Magna, refletem-se em princípios gerais de direito quando informam seus

331 CUNHA, Maria Lourdes da. Uma reflexão sobre os Direitos da pessoa humana. in DELGADO, Ana Paula; CUNHA, Maria Lourdes da. Estudos de Direitos Humanos: Ensaios interdiciplinares. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 8. 332 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.

192

elementos e privilegiam a realidade fundamental do fenômeno jurídico que é a consideração primordial e fundamental de que o homem é sujeito de direito e, nunca, objeto de direito. Esse reconhecimento principiológico se alicerça em valor fundamental para o exercício de qualquer elaboração jurídica; está no cerne daquilo que a Ciência do Direito experimentou de mais especial; está naquilo que o conhecimento jus-filosófico buscou com mais entusiasmo e vitalidade: é a mais importante consideração jus-filosófica do conhecimento científico do Direito. É o fundamento axiológico do Direito; é a razão de ser da proteção fundamental da pessoa e, por conseguinte, da humanidade do ser e da responsabilidade que cada homem tem pelo outro (João Paulo II, Evangelium Vitae, Edições Paulinas, 1995, p. 22). Por isso se diz que a justiça como valor é o núcleo central da axiologia jurídica (Antonio Hernandes Gil, Conceptos Jurídicos Fundamentales, Obras Completas, v. I, Madrid, Escalpa Calpe, 1987, p. 44) e a marca desse valor fundamental de justiça o homem, princípio de razão de todo o Direito.333 (grifo do autor)

Ressaltam, ainda, referidos autores que o princípio da dignidade da pessoa

humana é o princípio fundamental do Direito, sendo o mais importante; o primeiro. Esse

princípio é a razão de ser do próprio Direito, sendo que se bastaria para organizar de

forma estruturada todo o ordenamento jurídico. Além disso, ao se comprometer com a

dignidade da pessoa humana, o Estado brasileiro se compromete também, com a vida e

com a liberdade de todo ser.

Para Ingo Wolfgang Sarlet:

Embora entendamos que a discussão em torno da qualificação da dignidade da pessoa como princípio ou direito fundamental não deva se hipostasiada, já que não se trata de conceitos antitéticos e reciprocamente excludentes (notadamente pelo fato de as próprias normas de direitos fundamentais terem cunho eminentemente – embora não exclusivamente – principiológico), compartilhamos do entendimento de que, muito embora os direitos fundamentais encontrem seu fundamento, ao menos em regra, na dignidade da pessoa humana e tendo em conta que [...] do próprio princípio da dignidade da pessoa (isoladamente considerado) podem e até mesmo devem ser deduzidos direitos fundamentais autônomos, não especificados (e, portanto, também pode admitir que – nesse sentido – se trata de uma norma de direito fundamental), não há como reconhecer que existe um direito fundamental à dignidade, ainda que vez por outra se encontre alguma referência neste sentido.334

Paulo Nalin, ao discorrer acerca da temática: “A leitura do Direito Civil à luz da

Constituição”, na obra: “Contratos”, assevera que existe a tendência de se condicionar a

efetividade dos efeitos patrimoniais dos atos jurídicos, de forma atrelada à efetiva 333 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Constituição Federal comentada e legislação constitucional: De acordo com as recentes Emendas Constitucionais. atual. até 10.04.2006, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 118. 334 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 70-71.

193

realização de valores superiores do ordenamento, como, por exemplo, a dignidade da

pessoa humana, já que referido valor jurídico, entre outros, encontra-se no ápice da

própria estrutura legal.335

Na mesma obra, Paulo Nalin cita Maria Celina B. M. Tepedino, a qual afirma

categoricamente que os objetivos de construção de uma sociedade, justa e solidária, bem

como o da erradicação da pobreza, dentro da Constituição Federal, assentaram os

valores essenciais no topo do sistema jurídico nacional, devendo todos os ramos do

Direito se enquadrar ao princípio da dignidade, por se encontrar a pessoa humana no

ápice do ordenamento. O autor arremata entendendo que a justiça só pode ser

considerada social quando o sistema é informado com valores, estando a dignidade da

pessoa humana no topo dos mesmos.

Isso se justifica porque os direitos humanos se desdobram na sua

conceituação e magnitude, como se verifica com os direitos individuais, sociais,

coletivos e difusos; e, primordialmente, se universalizam, porque “sua natureza e

projeção transcendem fronteiras geográficas e sistemas de governo, ideologias e teorias

econômicas. Situam-se acima de tudo.” 336

E, os direitos fundamentais têm por finalidade a proteção da dignidade da pessoa

humana, como bem elucida a lição de Luiz Aberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes

Júnior,

Os direitos fundamentais podem ser conceituados como a categoria jurídica instituída com a finalidade de proteger a dignidade humana em todas as dimensões. [...] Isso significa que todos os direitos que recebem o adjetivo de fundamental possuem características comuns entre si, tornando-se assim, uma classe de direitos. 337

O princípio da dignidade da pessoa humana, não se apresenta somente como

fundamento da República Federativa do Brasil, mas, também, como algo absoluto e,

portanto, intransponível.

335NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva Civil-Constitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p.35. 336 GARCIA, Maria. Limites da ciência: a dignidade da pessoa humana – a ética da responsabilidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 140. 337 ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito constitucional. 4. ed., rev., atual., São Paulo: Saraiva, 2001, p. 79-80.

194

A dignidade da pessoa humana – ponto comum também a todos os outros direitos fundamentais – constitui-se em um limite intransponível, linde que o legislador não pode ultrapassar. [...] O ôntico, o que se realiza a partir não só do conhecimento, mas também da garantia de um conjunto de bens ou valores imprescindíveis, essenciais mesmo, ao indivíduo e à comunidade da qual faz parte, denominados direitos sociais. 338

Isso tudo se dá, em virtude da dignidade da pessoa humana ser um

metaprincípio, como dito alhures, tendo sido escolhido como vértice do ordenamento

jurídico vigente, servindo, portanto, de balizamento para as decisões judiciais, as quais

devem, no momento da interpretação, servir de parâmetro para as decisões.

[...] é um verdadeiro supraprincípio constitucional que ilumina todos os demais princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais. E por isso não pode o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana se desconsiderado em nenhum ato de interpretação, aplicação ou criação de normas jurídicas. 339 (grifo do autor).

Portanto, a Constituição da República Federativa do Brasil adota a dignidade da

pessoa humana como um metaprincípio, sendo que, desse modo todos os demais

princípios se submetem a ela, assim como todo o ordenamento jurídico brasileiro deve

levar em conta essa opção. Com isso, o Estado brasileiro se sustenta em um vetor, o

qual serve de baluarte para a consolidação do Estado Democrático e Social de Direito,

já que ao se efetivar a dignidade da pessoa humana se estará resguardando e efetivando

todos os demais princípios que dela decorrem.

Assim, é papel do Estado, como um todo, orientar-se de modo a preservar a

dignidade do indivíduo, assim como, a dar condições para que a dignidade possa ser

efetivada. A dignidade encontra-se emoldurada pelo senso de justiça, devendo, portanto,

ser sempre adotada pelo operador do direito.

José Afonso da Silva pondera que a dignidade da pessoa humana encontra-se

arraigada no seio da sociedade, sendo que, portanto, não se trata de uma criação

constitucional. A Constituição busca os valores da sociedade e os eleva ao patamar

constitucional, tornando-os – aqui neste caso o princípio da dignidade da pessoa

338 BIANCHINI, Alice. Pressupostos materiais mínimos da tutela penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 113. 339 NUNES, Luiz Antônio Rizzato. O Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2002 ,p. 50-51.

195

humana – valores que servirão de vetor para a mesma sociedade e para o Estado, como

um todo, ou seja, valores absolutos que não permitem a flexibilização dos mesmos.

[...] a dignidade da pessoa humana, não é uma criação constitucional, pois ela é um desses conceitos a priori, um dado preexistente a toda experiência especulativa, tal como a própria pessoa humana. A Constituição, reconhecendo a sua existência e a sua eminência, transformou-a num valor supremo da ordem jurídica, quando a declara como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil constituída num Estado Democrático de Direito. [...] Em conclusão, a dignidade pessoa humana constitui um valor que atrai a realidade dos direitos fundamentais do homem, em todas as suas dimensões, e, como, a democracia é o único regime político capaz de propiciar a efetividade desses direitos, o que signica dignificar o homem, é ela que se revela como o seu valor supremo, o valor que a dimensiona e a humaniza. 340 (grifo do autor).

A constitucionalização da dignidade da pessoa humana e a elevação deste

princípio a fundamento da própria República, impedem a degradação do homem, na

hipótese de sua conversão em mero objeto do Estado, sendo que referido princípio

trouxe conseqüências importantes: o reconhecimento da igualdade entre os homens; a

consagração da autonomia dos indivíduos; a observância e proteção de seus direitos

inalienáveis e a necessidade de ação para garantia de condições mínimas de vida, a fim

de que essa vida possa ser vivida de forma plena, “evitando-se abusos e lesões aos

direitos, que, caso venham a ocorrer, deverão ser sanados através da intervenção do

Estado.”341

4.3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO LIMITADOR DA

ORDEM ECONÔMICA

Por todo o exposto no decorrer do presente trabalho, percebe-se que o princípio

da dignidade da pessoa humana é um metaprincípio, um meio que serve como vetor,

340 SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da Democracia, in, Revista de Direito Administrativo, São Paulo: Revista dos Tribunais, n.212, abr/jun. 1998, p. 91. 341 COELHO, Lilian Dias. O processo como instrumento de efetividade do princípio da dignidade humana: acesso à justiça e duração razoável do processo. in DELGADO, Ana Paula; CUNHA, Maria Lourdes da. Estudos de Direitos humanos: Ensaios interdiciplinares. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 65.

196

como parâmetro a ser seguido por todos os preceitos, constitucionais e

infraconstitucionais. Assim, a dignidade da pessoa humana limita todas as normas, já

que nenhuma delas pode ser contrária à dignidade da pessoa humana, já que esta é um

valor que dá sustentáculo à própria República Federativa do Brasil, bem como ao

Estado Democrático de Direito. Desta forma, com maior razão, o princípio da dignidade

da pessoa humana é limitador da Ordem Econômica, já que impede que a Economia e, o

próprio mercado, funcionem, quando, de forma direta ou indireta, violem esse princípio.

Desse modo, é correto afirmar que a Constituição Federal abriga a Ordem Econômica,

desde que esta não agrida a dignidade da pessoa humana, pois se afrontar a prevalência

será sempre da última, por ser um princípio que norteia todo o sistema jurídico

brasileiro.

Nas palavras de Paulo Nalin:

Há de se perseguir um mais amplo favorecimento da pessoa humana nas relações jurídicas e, especificamente, nas contratuais; conforme reafirmado nesta tese, a vontade contratual deixou de ser o núcleo do contrato, cedendo espaço a outros valores jurídicos, institutos fundados na Carta. O paradigma da autonomia da vontade, em detrimento da tutela da pessoa na sua dimensão contratante, talvez até possa encontrar legitimidade no espaço do Código Civil, pois do homem em si não se ocupa, mas sempre estará em descompasso com a Constituição.342

Como se denota de todo o assentado, o princípio da dignidade da pessoa humana

é um metaprincípio, a regular todo o ordenamento constitucional, sendo que, portanto,

todas as normas ali disciplinadas, bem como, todas as normas infraconstitucionais,

devem ter como vetor, o princípio da dignidade da pessoa humana.

Aliás, como bem expõe Rizzatto Nunes:

Está mais do que na hora de o operador do Direito passar a gerir sua atuação social pautado no princípio fundamental estampado no Texto Constitucional. Aliás, é um verdadeiro supraprincípio constitucional que ilumina todos os demais princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais. E por isso não pode o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ser desconsiderado em nenhum ato de interpretação, aplicação ou criação de normas jurídicas. [...]

342 NALIN, Paulo. Do Contrato: Conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva Civil-Constitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p.91.

197

Assim, caminhando para a conclusão, é necessário repetir: a dignidade humana é um valor preenchido a priori, isto é, todo ser humano tem dignidade só pelo fato de ser pessoa.343 (grifo do autor).

Desse modo, o princípio da dignidade da pessoa humana está a funcionar como

limitador da Ordem Econômica, posto que como bem dispõe o Art. 170 (que foi objeto

de estudo no capítulo anterior), esta é livre, desde que resguarde os preceitos

encontrados no referido dispositivo, dentre os quais se destaca o princípio da dignidade

da pessoa humana que, se for cumprido, por si só, consegue alcançar a efetividade dos

demais.

As anotações de Flávia Piovesan merecem ser apresentadas, já que trazem que a

dignidade da pessoa humana é um imperativo da justiça social, sendo que ressalta que o

legislador constituinte de 1988 elegeu o referido princípio como um valor essencial e

imprescindível.

Infere-se desses dispositivos quão acentuada é a preocupação da Constituição em assegurar os valores da dignidade e do bem-estar da pessoa humana, como um imperativo da justiça social. [...] pode-se afirmar que a Carta de 1988 elege o valor da dignidade humana como um valor essencial que lhe dá unidade de sentido. Isto é, o valor da dignidade humana informa a ordem constitucional de 1988, imprimindo-lhe uma feição particular.344

A Constituição de 1988 garante a efetividade da dignidade da pessoa humana,

mas, além disso:

[...] se é o respeito pela dignidade humana a condição para a concepção jurídica dos direitos humanos, se se trata de garantir esse respeito de modo que se ultrapasse o campo do que é efetivamente protegido, cumpre admitir, como corolário, a existência de um sistema de Direito como um poder de coação.345

De outro modo, figura a dignidade da pessoa humana no centro de todo o

ordenamento jurídico brasileiro, devendo as normas se embasar no referido princípio,

não se admitindo interpretação que vá de encontro a este valor constitucional e, antes de

tudo, valor social, posto que emanado do seio da própria sociedade.

343 NUNES, Luiz Antônio Rizzato. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 50/52. 344 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 1996, p. 59. 345 PERELMAN, Chaim. Ética e Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 400.

198

Depreende-se, assim, que o princípio da dignidade da pessoa humana é um

princípio norteador no direito constitucional brasileiro, sendo que a Constituição

Federal garante que todos são iguais perante a lei, independentemente de credo, raça,

sexo, idade etc., sendo que, ainda, todos têm direito ao trabalho, educação, saúde, lazer,

segurança, moradia e, principalmente, a possibilidade e, a garantia de uma vida digna,

primando, assim, pela dignidade da pessoa humana.

Importante que se diga, todavia, que não basta a previsão legal, da

dignidade da pessoa humana, é imprescindível a efetividade da norma constitucional,

sendo que faz-se necessário anotar que a Constituição “não deve ser aquela norma

utilizada apenas em momentos patológicos, quando há flagrante inconstitucionalidade,

não; ela tem que se incorporar ao dia-a-dia e ser utilizada habitualmente.”346. É

necessário que se dê efetividade e, para tanto, as normas brasileiras, em especial a

Constituição Federal, vêm se adaptando à nova realidade, a da celeridade processual,

posto não haver nada mais indigno do que impedir o indivíduo de receber uma tutela

justa e efetiva, de forma célere.

Embasado no entendimento acima trazido, a dignidade da pessoa humana passa

a ser simultaneamente o limite e a obrigação dos Estados. Sendo que, como limite à

dignidade é algo que pertence a cada um e que não pode ser transferido, eis que deixaria

de existir, e logo não haveria mais limite a ser respeitado. E como obrigação traz-se a

idéia exatamente de que ao Estado somente é permitido ir até onde não se desrespeite a

dignidade da pessoa humana. Em face disso, o Estado se obriga a direcionar as suas

ações, seja para preservar a dignidade da pessoa humana, seja para criar meios que

possibilitem o exercício da mesma.

Complementando o tema, Rizzato Nunes traz importante lição:

[...] acontece que nenhum indivíduo é isolado. Ele nasce, cresce e vive no meio social. E aí, nesse contexto, sua dignidade ganha – ou como veremos, tem o direito de ganhar – um acréscimo de dignidade. Ele nasce com integridade física e psíquica, mas chega um momento de seu desenvolvimento que seu pensamento tem de ser respeitado, suas ações e seu comportamento – isto é, sua liberdade -, sua imagem, sua intimidade, sua

346 VIANNA, Luís Gustavo. Direito fundamental à educação: instrumento de concretização da dignidade da pessoa humana. in SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Dimensões da dignidade: Ensaios de filosofia do Direito e Direito Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 125.

199

consciência – religiosa, científica, espiritual – etc., tudo compõe sua dignidade347.

Depreende-se, portanto, que somente haverá a observância da dignidade da

pessoa humana, se forem asseguradas condições mínimas para uma existência digna, de

forma que a intimidade e a identidade do indivíduo não sejam objeto de ingerências

indevidas, bem como haja a garantia da igualdade, indistintamente para todos. Isso

porque a igualdade e a dignidade devem andar lado a lado, embasando os direitos

humanos.

Conclui-se, pois, que a dignidade da pessoa humana é limitador não só da

Ordem Econômica, mas, também, de toda a ordem jurídica, por ser este princípio o

orientador de todo o sistema jurídico brasileiro, sendo que, para a sua concretização,

necessário se faz a efetividade do princípio, que se dará, em especial, na possibilidade

de se conseguir uma prestação jurisdicional célere e justa.

Como dito por Ingo Wolfgang Sarlet:

[...] assume particular relevância a constatação de que a dignidade da pessoa humana é simultaneamente limite e tarefa dos poderes estatais e, no nosso sentir, da comunidade em geral, de todos e de cada um, condição dúplice esta que também aponta para uma paralela e conexa dimensão defensiva e prestacional da dignidade. Como limite, a dignidade implica não apenas que a pessoa não pode ser reduzida à condição de mero objeto da ação própria e de terceiros, mas também o fato de a dignidade gera direitos fundamentais (negativos) contra atos que a violem ou a exponham a graves ameaças. Como tarefa, da previsão constitucional (explícita ou implícita) da dignidade da pessoa humana, dela decorrem deveres concretos de tutela por parte dos órgãos estatais, no sentido de proteger a dignidade de todos, assegurando-lhe também por meio de medidas positivas (prestações) o devido respeito e promoção. 348

Portanto, como limite, deve a dignidade da pessoa humana ser sempre respeitada

e, aplicada, por todos, do Estado à própria sociedade, funcionando como balizador e

elemento concretizador do Estado Democrático de Direito. E, com maior razão é limite

da Ordem Econômica, visando-se adequar o mercado de forma que funcione sempre

347 NUNES, Rizzato. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2002, p.49. 348 SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. in SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Dimensões da dignidade: Ensaios de filosofia do Direito e Direito Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 30 e 32.

200

levando-se em consideração a dignidade da pessoa humana, devendo balizar suas ações

com o intuito de fazer prevalecer esse princípio constitucional, para que o ser humano

não seja deixado de lado; para que não seja considerado como mero objeto, no afã

desenfreado da obtenção de lucros, sabidamente existente no sistema capitalista.

E o Estado Democrático e Social de Direito, modelo atual existente no Brasil

(ainda que de forma rudimentar, já que não plenamente aplicado e consolidado), não

pode permitir que as garantias constitucionais, em especial, as que tratam dos

fundamentais, sejam desrespeitadas pelo mercado econômico. Assim, garante-se, pela

mesma Constituição, a Ordem Econômica, dando-lhe embasamento para se sustentar,

mas, de outro lado, a limita, para que esta seja funcionalizada, para que prevaleçam os

direitos do homem, em especial, aquele que é o esteio de todo o ordenamento jurídico: a

dignidade da pessoa humana.

201

CONCLUSÃO

Por todo o analisado e exposto, no presente trabalho, conclui-se, primeiramente,

que, no mundo atual, predomina-se, como modelo, o Estado Democrático de Direito, o

qual, prima pelo social, sem deixar de lado o Capitalismo, representado pelo mercado

econômico e, no Estado brasileiro, o panorama não é diferente.

Tem-se, portanto, não um Estado totalmente liberal (tudo permitindo em nome

da livre iniciativa) e, tampouco, um Estado totalmente socialista, que suprime a

iniciativa particular. É, de outro modo, o Estado que visa o bem-estar social,

objetivando, portanto, a plenitude da dignidade da pessoa humana.

O modelo atual, no Brasil, é intervencionista, mas a intervenção se dá de modo

pontual, apenas realizando-se para a concretização dos objetivos traçados pela

Constituição Federal, não sendo de forma indiscriminada, como no modelo socialista.

Há duas modalidades de intervenção na atividade econômica; a direta e a indireta. A

primeira encontra-se prevista no Art. 173 da Constituição, onde prevê que o Estado

agirá de forma direta, dentro do campo econômico, por intermédio de empresa pública,

sociedade de economia mista ou subsidiária.

Na segunda forma de intervenção, o Estado irá atuar como agente normativo e

regulador da atividade econômica, como se verifica do disposto no Art. 174 da

Constituição. Aqui, o Estado atua de forma a exigir que o mercado cumpra com o que

está disposto nas normas constitucionais e infraconstitucionais, acerca da matéria. Nesta

hipótese, o Estado não visa lucro, mas, sim, o efetivo cumprimento das normas,

objetivando o bem comum; a justiça social e a dignidade da pessoa humana, de forma

primordial. Nesta modalidade, o Estado, pode exercer a função de fiscalizador, agente

regulador e, também, fomentador. Tudo isso (a intervenção estatal na Economia) se dá, em

virtude, primeiramente, da constitucionalização da Ordem Econômica que passa a ter

“status” constitucional.

202

É claro que, a presença do direito econômico em uma Constituição brasileira não é

privilégio, somente da atual Constituição Federal, promulgada em 1988, já que desde a

Constituição da República de 1934 o mesmo se faz presente, de forma

constitucionalizada e explícita, já que desde a época do Brasil-Colônia já existia a

preocupação de se tratar de algumas questões econômicas, ou até mesmo de alguma

espécie (ainda que de forma tímida) de intervenção estatal, na área econômica, inserida

dentro da Lei Máxima do país. Verifica-se pela simples leitura dos Textos

Constitucionais, que o Capitalismo se transforma na medida em que assume novo

caráter, mais social, já que a intervenção do Estado vem assumindo novos papéis,

aumentando os já existentes, na medida em que se averigua a evolução constitucional

brasileira.

Apesar da existência do movimento constitucionalista, este ganhou forças no pós

guerra (após a primeira Grande Guerra), já que foi nesse período que o

constitucionalismo assume nova feição, desvinculando-se do liberalismo, onde o Estado

passa a intervir na atividade econômica. As Constituições passaram, então, a marcar o

advento do constitucionalismo social, sendo que tem-se, assim, a consagração dos

direitos sociais, de forma expressa, nos Textos Constitucionais, tendo o

constitucionalismo se enquadrado em novos moldes, os quais foram mantidos, como se

verifica na Constituição da República Federativa do Brasil.

A Constituição da República de 1988 traz o direito econômico, em título

próprio, procurando primar, sempre, pelo social, estabelecendo, portanto, regras e

limites à Ordem Econômica, com fins de resguardar o ser humano, e, em especial a sua

dignidade, dando-lhe, para tanto, oportunidade de uma vida digna, trabalho, justiça

social, defesa do consumidor, do meio ambiente (protegendo as gerações presentes e

futuras), redução das desigualdades regionais e sociais e, limitando o direito à

propriedade, exigindo que a mesma cumpra sua função social, como preceituam os

artigos referentes à ordem econômica, em especial, o Art. 170.

A Constituição traz a previsão de intervenção estatal, a qual se justifica em face

da necessidade da garantia dos princípios e valores esculpidos no Texto Constitucional,

203

sendo que a existência digna e a justiça social são os objetivos primordiais dessa ordem,

justificando, assim, a intervenção do Estado no domínio econômico.

Conclui-se que a intervenção na Economia, para garantia do social, é reflexo do

aprimoramento do próprio Estado, como dito acima, já que, anteriormente era Liberal,

passando-se, para Estado do Bem-Estar-Social, com interesse, assim, na intervenção na

atividade econômica, visando garantir a manutenção dos direitos e garantias previstos

no Texto Constitucional. Tem-se um Estado que, ao mesmo tempo garante a livre

iniciativa e a livre concorrência (elevando-as a categoria constitucional), possibilitando,

assim que ocorra o desenvolvimento e enriquecimento do setor privado, com

conseqüente fortalecimento do capitalismo, mas, que, limita essa mesma livre iniciativa

e livre concorrência, com fins de garantir o social, em face de que o mercado deverá se

balizar pelos princípios disciplinados pela Constituição da República, destacando-se

aquele que é um metaprincípio, posto que norteador de todo o ordenamento jurídico

brasileiro; a dignidade da pessoa humana.

O reflexo desse Estado, que deixa de ser mínimo, ou seja, que pouco intervém na

economia, passando a regulador, intervindo quando necessário, resulta em uma

Constituição que permite a obtenção de lucro, desde que não haja violação dos

princípios garantidos pela referida Lei Maior, já que o Estado intervêm, somente quando

for necessário, no sentido de que permite a livre concorrência e a livre iniciativa, desde

que não infrinja os preceitos regidos pela Constituição, especialmente, o princípio da

dignidade da pessoa humana.

O Art. 170 da Constituição da República ainda estabelece os princípios gerais da

Ordem Econômica, trazendo garantias para a mesma, como a liberdade de iniciativa do

setor privado, mas disciplinando, também, limites a serem seguidos, tendo em vista

alguns valores, tidos como absolutos, na própria Constituição, como o são, por exemplo,

a dignidade da pessoa humana e o primado do trabalho, na garantia de uma subsistência

do cidadão (garantindo-lhe emprego), de forma digna (garantia de um mínimo para a

sua sobrevivência digna – como se encontra em vários artigos da Constituição Federal –

como a garantia de saúde, habitação, lazer, educação etc.).

204

O interesse coletivo, pelos valores constitucionais, está acima do interesse

privado, passando a prevalecer (quando há conflito entre as normas), como disciplinado

pela Constituição da República de 1988, os princípios que norteiam a pessoa humana,

sendo estes, o primado do trabalho, a dignidade da pessoa humana, a preservação e

conservação do ambiente, o direito do consumidor, dentre outros. Assim, a

Constituição, apesar de resguardar, também os interesses privados, como, por exemplo,

o interesse das empresas de iniciativa privada, não permite que estes prejudiquem os

demais princípios constitucionais, servindo os mesmos de barreira aos primeiros, na

medida em que a iniciativa privada tem o direito à livre iniciativa e à livre concorrência,

não podendo, todavia, colidir, por exemplo, com o direito ambiental, direito do

consumidor etc., devendo, ainda, utilizar a propriedade privada de forma a cumprir o

seu papel social.

É papel do Estado, como um todo, orientar-se de modo a preservar a dignidade

do indivíduo, assim como, a dar condições para que a dignidade possa ser efetivada. A

dignidade encontra-se emoldurada pelo senso de justiça, devendo, portanto, ser sempre

adotada pelo operador do direito. A Constituição busca os valores da sociedade e os

eleva a nível constitucional, tornando-os – aqui neste caso o princípio da dignidade da

pessoa humana – valores que servirão de vetor para a mesma sociedade e para o Estado,

como um todo, ou seja, valores absolutos que não permitem a flexibilização dos

mesmos.

A constitucionalização da dignidade da pessoa humana e a elevação deste

princípio a fundamento da própria República, impede a degradação do homem, na

hipótese de sua conversão em mero objeto do Estado, sendo que referido princípio

trouxe conseqüências importantes: o reconhecimento da igualdade entre os homens; a

consagração da autonomia dos indivíduos; a observância e proteção de seus direitos

inalienáveis e a necessidade de ação para garantia de condições mínimas de vida, a fim

de que essa vida possa ser vivida de forma plena.

Por todo o exposto no decorrer do presente trabalho, percebe-se que o princípio

da dignidade da pessoa humana é um metaprincípio, um valor que serve como vetor,

como parâmetro a ser seguido por todos os preceitos, constitucionais e

infraconstitucionais. Assim, a dignidade da pessoa humana limita todas as normas, já

205

que nenhuma delas pode ser contrária à dignidade, já que esta é um valor que dá

sustentáculo à própria República Federativa do Brasil, bem como ao Estado

Democrático de Direito. Dessa forma, com maior razão, o princípio da dignidade da

pessoa humana é limitador da Ordem Econômica, já que impede que a economia e, o

próprio mercado, funcionem, quando (de forma direta ou indireta) violem esse

princípio. Desse modo, é correto afirmar que a Constituição Federal abriga a Ordem

Econômica, desde que esta não afronte a dignidade da pessoa humana, pois se o fizer a

prevalência será sempre da última, por ser um princípio que norteia todo o sistema

jurídico brasileiro.

Como se denota de todo o assentado, o princípio da dignidade da pessoa humana

é um metaprincípio, a regular todo o ordenamento constitucional, sendo, portanto, todas

as normas ali disciplinadas, bem como, todas as normas infraconstitucinais devem ter

como vetor, o princípio da dignidade da pessoa humana.

Desse modo, o princípio da dignidade da pessoa humana está a funcionar como

limitador da Ordem Econômica, posto que como bem dispõe o Art. 170, esta é livre,

desde que resguarde os preceitos encontrados no referido dispositivo, dentre os quais se

destaca o princípio da dignidade da pessoa humana que, se for cumprido, por si só,

consegue alcançar a efetividade dos demais.

A dignidade da pessoa humana é um valor essencial, eleito pela Constituição

Federal de 1988, informando toda a ordem jurídica, servindo de critério e parâmetro,

que deve orientar não só a interpretação, como todo o sistema constitucional, para que

se mantenha a unidade de todo o sistema. É um valor supremo, concebido como

referência constitucional, que unifica todos os direitos fundamentais, decorrendo desse

fato, a finalidade da Ordem Econômica de assegurar a todos uma existência digna.

Dessa forma, a dignidade da pessoa humana passa a ser simultaneamente o

limite e obrigação dos Estados. Sendo que, como limite à dignidade é algo que pertence

a cada um e que não pode ser transferido. E como obrigação traz-se a idéia exatamente

de que ao Estado somente é permitido ir até onde não se desrespeite a dignidade da

pessoa humana. Em face disso, o Estado se obriga a direcionar as suas ações, seja para

206

preservar a dignidade da pessoa humana, seja para criar meios que possibilitem o

exercício da mesma.

207

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