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ISSN 1677-0668 ARTIGOS ANO IX Nº 37 janeiro/março de 2009 Revista de Conjuntura Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal No enfrentamento da crise, será preciso a “mão visível do Estado”? O discurso keynesiano ganha força diante da crise econômica mundial. E a idéia da eficiência do mercado na alocação dos recursos econômicos, está sendo questionada. Charles Mueller foi o primeiro professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB) a receber o título de professor emérito. É o primeiro, também, a participar da nova série de entrevistas. A gestão do pré-sal e a ameaça da doença holandesa no Brasil Eduardo Toledo Neto Países emergentes: definições, papéis e impactos na atual ordem global José Nelson Bessa Maia Estrutura e dinâmica do mercado de trabalho do Distrito Federal Marcelo Lopes de Souza Rosane de Almeida Maia Tiago Oliveira Nash desfavorável ao administrador público: o jogo do Convite José Henrique Fernandes Borges A reação da economia brasileira aos impactos da crise financeira internacional José Luiz Pagnussat PROFESSORES EMéRITOS DE BRASíLIA

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O discurso keynesiano ganha força diante da crise econômica mundial. E a idéia da eficiência do mercado na alocação dos recursos econômicos, está sendo questionada. Nash desfavorável ao administrador público: o jogo do Convite A reação da economia brasileira aos impactos da crise financeira internacional A gestão do pré-sal e a ameaça da doença holandesa no Brasil Marcelo Lopes de Souza Rosane de Almeida Maia Tiago Oliveira Eduardo Toledo Neto ISSN 1677-0668 ANO IX •

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Revista deConjunturaPublicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal

No enfrentamento da crise, será preciso a

“mão visível do Estado”?

O discurso keynesiano ganha força diante da crise econômica mundial. E a idéia da eficiência do mercado na

alocação dos recursos econômicos, está sendo questionada.

Charles Mueller foi o primeiro professor do Departamento de

Economia da Universidade de Brasília (UnB) a receber o título de professor

emérito. É o primeiro, também, a participar da nova série de entrevistas.

A gestão do pré-sal e a ameaça da doença

holandesa no BrasilEduardo Toledo Neto

Países emergentes: definições, papéis e impactos

na atual ordem global José Nelson Bessa Maia

Estrutura e dinâmica do mercado de trabalho do

Distrito FederalMarcelo Lopes de Souza

Rosane de Almeida MaiaTiago Oliveira

Nash desfavorável ao administrador público:

o jogo do Convite José Henrique Fernandes Borges

A reação da economia brasileira aos impactos da

crise financeira internacional José Luiz Pagnussat

ProFEssorEs Eméritos DE

BrAsíliA

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Em 2010, Brasília completará 50 anos. Para homenagear a capital federal no seu cinqüentenário o CORECON/DF lançou três projetos:

• O banco de artigos, monografias e teses sobre a economia do DF;• O fórum “Brasília 50 anos”; e• A coletânea “Brasília 50 anos”, a ser publicada em abril de 2010.

Para a coletânea de artigos sobre a economia do DF, o CORECON/DF selecionará trabalhos que abordem temas como: história econômica do DF; estrutura econômica; indústria e agricultura; constituição e desenvolvimento dos segmentos do setor serviços (públicos e privados); infraestrutura econômica; Brasília como pólo de desenvolvimento regional; expansão do entorno e das áreas de influência do DF; dificuldades e potencialidades da economia do DF; problemas e soluções para o transporte; ordenamento territorial; entre outros temas relacionados à economia do DF.

Os trabalhos poderão ser enviados até o dia 30 de novembro de 2009 para o e-mail: [email protected]

Todos os trabalhos recebidos estarão disponíveis na página do CORECON/DF, no “banco de artigos sobre a economia do DF”.

Os melhores trabalhos serão publicados na coletânea “Brasília 50 anos”. A seleção dos trabalhos será realizada por comissões temáticas formada por professores, considerando a qualidade técnica do trabalho e a adequação e contribuição para a temática abordada.

Brasília50anos

Conselho Regional de Economia da 11ª Região-DFSCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202CEP 70300-907 - Brasília -DF Tels: (61) 3225-9242 / 3223-14293964-8366 / 3964-8368Fax: (61) 3964-8364E-mail: [email protected]: www.corecondf.org.br

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A assinatura da Revista de Conjuntura pode ser efetuada contactando o Corecon/DF. O valor da assinatura é de

R$ 80,00 anual, o que equivale a quatro edições da revista.

7 A gestão do pré-sal e a ameaça da

doença holandesa no Brasil

Eduardo Toledo Neto

14 Países emergentes: definições,

papéis e impactos na atual ordem global

José Nelson Bessa Maia

34Estrutura e dinâmica do mercado

de trabalho do Distrito Federal

Marcelo Lopes de SouzaRosane de Almeida Maia

Tiago Oliveira

43Nash desfavorável ao

administrador público: o jogo do Convite

José Henrique Fernandes Borges

46A reação da economia brasileira

aos impactos da crise financeira internacional

José Luiz Pagnussat

ArtigoS

2 editorial3 entrevista

Professores Eméritos de Brasília Charles Curt Mueller

30 capaNo enfrentamento da crise, será

preciso a “mão visível do Estado”?

ÍndicePublicação do Conselho Regional de

Economia do Distrito Federal

ANO IX • Nº 37 • janeiro/março de 2009

ConjunturaRevista de

Nesta edição

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Editor responsávelJosé Luiz Pagnussat

Conselho editorialHumberto Vendelino RichterJosé Fernando Cosentino TavaresJosé Roberto Novaes de AlmeidaJúlio Flávio Gameiro MiragayaMário Sérgio Fernandez SallorenzoMaurício Barata de Paula Pinto

Jornalista responsávelDaniela Lima (Reg. DRT/DF: 4926)

RedaçãoDaniela Lima

RevisãoMarluce Moreira Salgado

Editoração eletrônicawww.arsventura.com.br

Tiragem: 4.000Periodicidade: trimestral

As matérias assinadas por colaboradores não refletem, necessariamente, a posição da entidade. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte.

CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DA 11ª REGIÃO - DF

PresidenteJosé Luiz Pagnussat

Vice-presidenteJusçanio Umbelino de Souza

Conselheiros efetivosMário Sérgio Fernandez SallorenzoRoberto Bocaccio PiscitelliMax Leno de AlmeidaMônica Beraldo Fabrício da SilvaMaurício Barata de Paula PintoHomero Gustavo Reginaldo LimaJosé Luiz PagnussatJusçanio Umbelino de SouzaHumberto Vendelino Richter

Conselheiros suplentesPaulo Luiz Figueiredo de OliveiraMiguel RendyAndre NunesGuilherme Costa DelgadoNewton Ferreira da Silva MarquesVictor José HohlÉrton Birk TeixeiraDiones Alves CerqueiraRonalde Silva Lins

Conselheiro Federal pelo DFJúlio Miragaya

Gerente ExecutivoIsmar Marques Teixeira

Equipe do CoreconAngeilton Francisco Lima Faleiro Iraci da Costa Lopes Jamildo Cezário Gomes Maria Aparecida Carneiro Michele Cantuária Soares

EstagiárioTyago Belarmino de Lira (ensino médio)

End.: SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202CEP 70300-907 – Brasília/DFTel: (61) 3225-9242 / 3223-14293964-8366 / 3964-8368Fax: (61) 3964-8364E-mail: [email protected]: www.corecondf.org.brHorário de funcionamento:das 8h às 18h (sem intervalo)

As mudanças na política macroeconômica brasileira, para enfrentamento

da crise, estão na direção correta. O que se espera dos gestores da política

econômica, diante de um processo recessivo, é a redução dos juros, o afrou-

xamento da política monetária, a ampliação do crédito e do gasto público e a

redução das metas de superávit fiscal, além de outros incentivos e apoio aos

setores em dificuldades. O problema é a timidez e a defasagem na resposta da

política monetária e da redução dos juros.

A manutenção dos juros em patamares elevados é inconsistente com a

realidade atual da economia brasileira e é um freio forte para a retomada do

crescimento econômico. O Banco Central está perdendo uma oportunidade

ímpar de mudar o patamar da taxa básica de juros para níveis civilizados, sem

os riscos de pressão de demanda e de preços.

O fato é que o conservadorismo na gestão da política monetária e de ju-

ros entra em contradição com as políticas de promoção ao desenvolvimento,

anulando-as e prolongando a crise. A redução forte das taxas de juros é um

pré-requisito para essa estratégia desenvolvimentista.

Nos últimos anos, a política de juros altos foi eficiente no combate à infla-

ção, mas impediu um crescimento mais robusto da economia brasileira, ape-

sar do esforço de redução da taxa básica de juros, implementada de forma

gradativa e sem impactos altistas nos preços. Não eram recomendáveis movi-

mentos fortes nas taxas de juros, pois os riscos de retomada do processo infla-

cionário eram elevados. No contexto de crise, entretanto, em que a demanda

agregada está deprimida, os riscos maiores são de deflação e não de inflação.

Não há o dilema entre políticas de crescimento ou de estabilização. Só há uma

prioridade: sair da estagnação e propiciar as condições para a retomada do

crescimento.

Neste contesto, a retomada do desenvolvimento requer forte intervenção

do Estado no sentido de criar demanda efetiva, propiciando um espaço largo

para o afrouxamento da política monetária e a redução dos juros, como vem

ocorrendo em todos os países do mundo.

Do lado fiscal, a política econômica recomendada deve incluir a ampliação

do gasto corrente no curto prazo para sair da estagnação, e nos investimen-

tos no médio prazo, para dar sustentabilidade à retomada do crescimento

econômico. As políticas macroeconômicas ativas de inspiração keynesiana, a

indução ao investimento produtivo e mecanismos de financiamento do inves-

timento são o único caminho para o desenvolvimento.

O Brasil tem todas as condições de retomada do ciclo de crescimento ini-

ciado em 2004, que vinha propiciando um crescimento anual da renda per-

capita em torno de 3,5% ao ano, após 22 anos de estagnação (1981-2003).

O êxito na retomada docrescimento econômico e no enfrentamento da

crise depende da eficiência dapolítica macroeconômica. Não haverá desenvol-

vimento sem a ação ágil e forte do Estado,com medidas de política econômica

na direção e intensidade adequadas aos desdobramentos da crise e com o

firme propósito depromover o crescimento da economia.

EditorialEditorialPublicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal

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Em um momento de incertezas e apreensão, um olhar para o futuro

PROFESSORES EMéRITOS DE BRASíLIA

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Primeiro professor do Departamento de Economia

da Universidade de Brasília (UnB) a receber o título de

professor emérito da Universidade. Charles Mueller,

economista e professor da UnB há mais de 30 anos, é

o primeiro economista a participar da série de entre-

vistas intitulada “Professores Eméritos de Brasília” da

Revista de Conjuntura do Conselho Regional de Econo-

mia do Distrito Federal (Corecon-DF).

O Professor Charles Curt Mueller graduou-se em

Economia pela Faculdade de Economia e Administra-

ção da Universidade de São Paulo (1959), tem mestrado

em Economia – Vanderbilt University (1971) e doutora-

do (Ph.D) em Economia – Vanderbilt University (1974).

Obteve dois pós-doutorados: pela University of Man-

chester (1981) e pela University of Illinois (1993). Foi

Professor Titular com dedicação exclusiva da Universi-

dade de Brasília (aposentado por idade em novembro

de 2004). Atualmente é Pesquisador Associado Sênior

do Departamento de Economia da UnB. Em 2007 foi

agraciado pelo Conselho Universitário da Universidade

de Brasília com o título de Professor Emérito. Foi pro-

fessor da Universidade Federal do Paraná, UFPR (1961-

1971) e da UnB a partir de 1972.

Charles Curt Mueller

Com experiência na área de economia, ênfase em

Economia do Meio ambiente e economia agrícola,

atuando principalmente nos seguintes temas: fron-

teira agrícola e meio ambiente, análise econômica,

economia e política agrícolas, e economia brasileira.

Seus principais projetos de pesquisa são: “Impactos

da expansão agropecuária sobre o bioma do Cerrado”

(2007 – 2010); “A Fronteira Agrícola, Produção Agrope-

cuária e Meio-Ambiente” (1999 – 2002); e a “Elabora-

ção de um Manual de Economia do Meio Ambiente

(1999 – 2007).

Possui extensa produção acadêmica: 31 artigos pu-

blicados em revistas acadêmicas nacionais e internacio-

nais, capítulos em 16 livros e três livros completos: “Os

Economistas e as Relações entre o Sistema Econômico

e o Meio Ambiente”; “Uma Avaliação da Sustentabili-

dade da Agricultura dos Cerrados” (2 Volumes); e “Das

Oligarquias Agrárias ao Predomínio Urbano-Industrial:

Um Estudo do Processo de Formação de Políticas Agrí-

colas no Brasil”, além da orientação de inúmeras mono-

grafias, dissertações e teses. Algumas premiadas.

Foi presidente da Fundação Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística, IBGE (1988 – 1990).

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aos enormes déficits e à dívida dos Estados Unidos, fi-

nanciados pelo resto do mundo. No âmbito de nosso

país, uma lista de problemas preocupantes certamen-

te incluiria: como reverter o atual pendor ao consumo,

especialmente do setor público, fazendo com que este

possa voltar a gerar poupança e investimento expres-

sivos? Relacionado a isto, como assegurar que nossos

filhos e netos tenham acesso a um sistema previden-

ciário minimamente sustentável? Além da crescente

violência e corrupção.

Conjuntura – Como enfrentar decisivamente pro-

blemas que nos vêm afligindo, como o das disparida-

des distributivas com seus impactos sobre a pobreza?

Charles Mueller – Sabemos que, para isto, é neces-

sária a adoção de políticas eficazes para reduzir o que

Amayrta Sen denominou de privação de potencial. É

fundamental, nesse sentido, que melhoremos substan-

cialmente o nosso sistema educacional, no seu nível de

base. Sabemos que nossa educação superior evoluiu

apreciavelmente, mas a mudança qualitativa na educa-

ção fundamental para a redução da privação de poten-

cial está longe de se materializar.

Conjuntura – Qual a sua avaliação em relação à

evolução das ciências econômicas?

Charles Mueller – Sinto alguma inquietação em

relação à evolução das ciências econômicas. O que

me causa certo desconforto é a tendência que per-

meia o corpo central da análise econômica de convi-

ver com o que Joan Robinson denominou “hábitos

displicentes de pensamento”. Para essa famosa eco-

nomista inglesa a modelagem econômica vem exi-

gindo drásticas – e muitas vezes fortemente distorci-

vas – simplificações da realidade. O problema é que

essas simplificações acabam sendo incorporadas ao

pensamento econômico e transmitidas de geração

em geração quase como verdades reveladas. Com

isto, deixa-se de examinar com mais cuidado aspectos

essenciais da realidade subjacente às simplificações.

Joan Robinson preocupava-se com as distorções sim-

plificadoras da teoria da produção, do capital e da dis-

tribuição funcional da renda. Minhas inquietações são,

entretanto, com as verdades reveladas sobre as inter-

relações do sistema econômico com o meio ambiente.

Conjuntura – A conjuntura atual é de crise, não

somente econômica, mas ambiental, climática, so-

cial. Olhando para o futuro, quais são as suas grandes

preocupações?

Charles Mueller – Quando olhamos para o futuro,

não dá para evitar certa apreensão. Afinal, enfrentamos

tempos preocupantes, tanto em termos internacionais

como nacionais. Listo, sem a preocupação de ordenar

e comentar, alguns exemplos, a maioria auto-evidente,

de acontecimentos – recentes e não tão recentes – que

ameaçam o futuro, certamente não meu, mas de meus

filhos e netos.

No âmbito internacional me vem à mente: o Impas-

se em se chegar a uma solução sustentável no longo

prazo do problema do aquecimento global. Temos aqui

o risco da ocorrência de – tomando emprestado meta-

foricamente um conceito da biologia – uma catástrofe

evolucionária; os intrincados confrontos internacionais,

que não se restringem agora apenas a nações organi-

zadas, como nos conflitos do passado; as crescentes

incertezas que acompanham a euforia da expansão

recente. Sabemos que esta se deve, em boa medida,

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A análise econômica hoje é extremamente sofisticada,

mas desse ponto de vista a considero um maravilho-

so santo com pés de barro. Acontece que a base con-

ceitual da modelagem atual foi construída quando

a escala – o tamanho – da economia mundial era re-

duzida e era legítimo ignorar os impactos do sistema

econômico sobre o meio ambiente – o sistema maior

que contém sociedade humana, e que, mais do que

nunca nos dias de hoje, vem limitando a sua expansão.

Com efeito, essa escala já atingiu nível considerável,

pondo em questão a abordagem convencional. Toda-

via, o mainstream da análise econômica continua tra-

tando a economia humana como um sistema isolado

– um sistema autocontido – e vem relegando análises

das relações entre a economia e seu meio externo a

uma mera área de especialização cujos trabalhos pou-

co repercutem no âmago do mainstream. A essência

de sua estrutura conceitual é a mesma de quando a

economia global era pequena em relação à capacidade

de suporte do meio ambiente. E continuamos a passar

essa estrutura conceitual aos nossos alunos, perpetu-

ando “hábitos displicentes de pensamento”.

Conjuntura – Estamos atravessando um momento

de incertezas e apreensão, mas poderia avaliar o quan-

to já evoluímos?

Charles Mueller – Sim, estamos enfrentando al-

guns problemas e incertezas. Mas posso, na perspectiva

de mais de sete décadas, esboçar um testemunho so-

bre o quanto já evoluímos. Lembro, para começar, que

no período da Guerra Fria a humanidade enfrentou

momentos críticos; e que, pelo menos em duas ocasi-

ões o mundo esteve à beira de uma catástrofe evolu-

cionária. Essa situação acabou sendo contornada, mas

isso não significa que os atuais problemas globais virão

automaticamente a ser solucionados em nosso favor.

E quero, em uma nota mais positiva, recordar as mu-

danças por que passamos em nosso país. Lembro que,

quando iniciei minha vida escolar na década de 40, o

Brasil era um país tipicamente subdesenvolvido, de bai-

xa renda. Mais de ¾ de nossa população era rural, tínha-

mos uma enorme mortalidade infantil, nossa esperan-

ça de vida era inferior aos 50 anos e mais da metade de

nossa população adulta era composta de analfabetos,

que não tinham nem o direito de votar.

Lembro que no início de minha escolarização do

Grupo Escolar 19 de Dezembro, em Curitiba, muitas ve-

zes escondia meus sapatos no jardim perto do portão

de saída de minha casa para ir descalço à aula. Não por

traquinagem, mas porque era comum alguns dos meus

colegas mais pobres irem às aulas descalços. Lembro,

também, da convivência com colegas que, tendo sido

acometidos de paralisia infantil, usavam os suportes de

metal que os permitiam caminhar. (Quero fazer um pa-

rêntese aqui: felizmente, a despeito do ambiente pobre,

recebi ali um ensino de boa qualidade).

Conjuntura – Com relação ao ensino de economia,

houve evolução?

Charles Mueller – Sim, acredito no enorme pro-

gresso do ensino e na pesquisa de economia no Brasil.

Quando decidi fazer o curso de Ciências Econômicas,

Quando iniciei minha vida escolar na década de 40, o Brasil era um país tipicamente subdesenvolvido, de baixa renda. Mais de ¾ de nossa população era rural,

tínhamos uma enorme mortalidade infantil, nossa esperança de vida era inferior aos 50 anos e mais da

metade de nossa população adulta era composta de analfabetos, que não tinham nem o direito de votar.

Charles Curt Mueller

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constatando que um dos melhores cursos nesse campo

era o oferecido pela Universidade de São Paulo (USP),

meu pai insistiu para que eu tentasse o ingresso lá, o

que fiz com sucesso. Mas, a despeito de sua reputação

à época, mesmo na USP o ensino de economia era mui-

to – mas muito mesmo – inferior ao dos nossos dias.

A maioria dos professores não tinha pós-graduação e

quase não havia livros-texto em português. Fazia-se o

melhor possível nas circunstâncias difíceis de então.

Também foi enorme a evolução da pós-graduação em

economia no Brasil desde 1968, quando fui admitido na

Universidade de Vanderbilt e onde obtive meus graus

de Mestre e de Doutor. No final da década de 1960

existiam no Brasil apenas embriões de pós- graduação,

como os cursos de especialização da Fundação Getú-

lio Vargas e da FEA-USP. As universidades, no exterior,

rejeitavam liminarmente pedidos de admissão de

candidatos brasileiros. Mas isso estava começando a

mudar, graças ao esforço de alguns professores aqui

e nos Estados Unidos. Mas não é isso que quero res-

saltar aqui, e sim, nesse contexto, o enorme progresso

no ensino e na pesquisa de economia no Brasil. Se no

começo dos anos 70 havia uma situação de quase ex-

clusão dos egressos das escolas brasileiras em relação

às boas universidades no exterior, hoje formados em

nossas boas universidades conseguem ser admitidos

em quase toda a parte.

É importante ressaltar que as mudanças positivas

no ensino de economia ocorreram no âmbito de con-

siderável evolução da economia e da sociedade bra-

sileiras ao longo das últimas seis décadas. Reconheço

que nem todas as mudanças foram para melhor, mas,

em linhas gerais, o progresso foi significativo. Como

disse no início da entrevista, no final da década de

1940 o Brasil era um país atrasado, rural e com muitos

pobres. Hoje apresenta uma economia industrializa-

da bastante diversificada, um agronegócio moderno

e produtivo, e um nível de renda per capita significan-

temente mais alto; na verdade, no início do atual milê-

nio, mais de 64% dos países do mundo tinham renda

per capita inferior à brasileira.

Muito foi feito, mas como já ressaltei, ainda restam

muitos problemas, sendo um dos mais graves – e de

difícil solução – o da redução da pobreza. Causa espé-

cie o fato de que hoje nossa pobreza não decorre de

insuficiência de renda e sim de uma das piores dis-

tribuições de renda do mundo, que não vem sendo

mitigada de forma mais expressiva.

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janeiro / março / 2009

ArtigoA preocupação dos governos, empresas, acadêmi-

cos, e demais atores atuantes no mercado brasileiro

sobre a possível ocorrência da doença holandesa sur-

giu em decorrência do aumento das exportações de

commodities agrícolas; da possibilidade de exportação

de biocombustíveis, em especial, do etanol; e das desco-

bertas de petróleo na camada do pré-sal brasileiro. Essa

preocupação é resultado do potencial crescimento do

Brasil no grupo dos maiores exportadores mundiais de

petróleo, e advém em razão da conseqüente valoriza-

ção do real e de seus efeitos na indústria brasileira por

meio da perda de competitividade no mercado externo.

Por outro lado, existem opiniões contrárias à ameaça da

doença holandesa, alegando que o País não padece do

mal da desindustrialização.

Inicialmente, pode-se dizer que a percepção semi-

nal desse fenômeno tenha se dado na Holanda, cuja

economia foi marcada pelas descobertas de reserva-

tórios de gás natural, em campos offshore, durante o

início dos anos 60, não implicando aumento da pro-

dutividade pelo ingresso da renda do gás. O influxo

dessas rendas apreciou a taxa de troca do câmbio e

preço dos produtos domésticos, derrubando a pro-

dução e aumentando o desemprego a ponto de atin-

gir 5,5% em meados da década de 70, nos setores de

produtos comercializáveis (Mahmudlov, 2002:p.5). Ou

seja, a queda da indústria holandesa como resultado

da rápida expansão do gás foi denominada como “Do-

ença Holandesa” (Coronil, 1997:p.7).

De forma análoga, a teoria da doença holandesa

prevê que a desindustrialização sempre aconteça em

um país que tem recursos, dos quais derivam as rendas

ricardianas e não toma as medidas necessárias para

neutralização da doença. Assim, apesar de o fenômeno

afetar a economia brasileira, sendo menos intenso ou

menos grave do que os observados em países cuja pro-

dução é especializada em uma ou poucas commodities

que geram expressivas rendas ricardianas, suas conse-

qüências em termos de lenta desindustrialização são

preocupantes (Bresser-Pereira e Marconi, 2008).

E apesar da “bênção” de descobertas de recursos

petrolíferos, o desenvolvimento de países ricos em

exploração de recursos naturais tem, historicamente,

apresentado péssimo desempenho, se comparado aos

países não ricos em recursos naturais, em termos de de-

sempenho do Produto Interno Bruto e indicadores so-

ciais. No entanto, tradicionalmente, argumentam-se que

os recursos, a menos que adotem políticas e medidas

apropriadas, podem ser um custo e não uma bênção

para o País (Mahmudlov, 2002:p.5). Ou seja, o natural

custo do recurso pode ser compreendido pela relação

negativa entre a abundância do recurso e a manuten-

ção de elevado crescimento.

Nesse sentido, um boom do petróleo direcionaria

para um redução em manufaturamento, e a real apre-

ciação do câmbio é o mecanismo que faz esse trabalho

(Corden, 1982; Corden e Neary, 1984). Isto é a Doença

Holandesa(Hausmann e Rigobon, 2003:p.4-5). Sendo as-

sim, o aumento das receitas baseadas em recursos, tal

como o petróleo, cria uma grande capacidade para im-

portar produtos comercializáveis, mas tipicamente pro-

vocam uma grande demanda por todas as mercadorias,

A gestão do pré-sal e a ameaça da doença holandesa no Brasil

Eduardo Toledo Neto

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inclusive produtos não - comercializáveis, que não po-

deriam ser importados, mas deveriam ser produzidos

localmente. O manufaturamento pode ser compreen-

dido quando a economia move recursos de setores de

produtos/recursos comercializáveis para expansão da

produção de recursos não - comercializáveis, tais como

construção e serviços.

Segundo Hausmann e Rigobon (2003), esta lógica,

por ela mesma, não implica alguma ineficiência ou perda

de bem-estar. Isso somente estabelece que o boom nas

receitas dos recursos seria associado com a redução em

atividades manufatureiras, mas não em todo crescimen-

to. De modo que, não se pode explicar o porquê que um

país cresceria mais lento, somente porque tem petróleo.

Os modelos da Doença Holandesa são aplicados so-

bre vários aspectos macroeconômicos para um proble-

ma específico, mas sua característica principal é a ênfase

na renda e produção real nos diferentes setores(Corden,

1985:p.183). Em suma, o baixo desempenho econômico

de países ricos em recursos pode ser chamado de Doen-

ça Holandesa(Corden, Wiljnbergen, 1984).

Vale ressaltar a análise da doença holandesa realiza-

da por Pang, Budina e Wijnbergen(2007) sob a ótica da

teoria macroeconômica e das teorias dos recursos natu-

rais, por meio das políticas fiscais adotadas na Nigéria, na

qual foi analisado se o boom do petróleo sofreu melho-

ras ou fim da estagnação nos demais setores não ligados

ao petróleo na Nigéria. Como resultado da pesquisa,

houve indicações que a extrema volatilidade dos gastos

é preferível aos efeitos da Doença Holandesa; as políticas

fiscais falharam em atenuar a alta volatilidade da renda

do petróleo; e, pelo contrário, os gastos do governo fo-

ram mais voláteis que a renda do petróleo.

Além disso, a pesquisa encontrou evidências que

a volatilidade dos gastos foi elevada pelo aumento de

endividamento, e a evidência de “voracity effects” incre-

mentaram a volatilidade dos gastos, principalmente em

1984. Voracity effects refere-se a uma incapacidade insti-

tucional para harmonizar a competição entre grupos de

interesse pela renda dos recursos em um país, provavel-

mente nos bons anos, procurando capturar os ganhos

do esforço de seu lobby.

A experiência nigeriana revelou que os ganhos do

petróleo tornaram-se fator dominante da economia na

década de 1970, conforme pode ser visto pelos gráficos

a seguir, implicando quadruplicar o Produto Interno Bru-

to – PIB – no período de 1971 a 2005, e resultando em

uma geração de renda do petróleo na ordem de 390 bi-

lhões de dólares, equivalentes a 90% das exportações e

80% do total das receitas governamentais (Pang, Budina

e Wijnbergen, 2007:p.3).

Por outro lado os gastos públicos federais e estaduais

aumentaram seis vezes, resultando no financiamento do

gasto público pela receita do petróleo, favorecido pelo

Gráfico 1 – Nigéria: dependência do petróleo

Fonte: Pang, Budinae Wijnbergen, 2007:p.4

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aumento dos preços na década de 1970. Entretanto, não

houve alcance de melhor nível no desempenho educa-

cional, na qualidade da infraestrutura, no combate ao

desperdício e na corrupção.

A pobre governança e as instituições fracas contri-

buíram, fundamentalmente, para a dívida pública nige-

riana, sendo que a maioria dos projetos foi financiada

por empréstimos públicos, e sem atingir patamar de

retorno necessário para reembolso do governo; sendo

que, na década de 1980, a dívida externa aumentou

160%, enquanto as reservas internacionais quase se

exauriram (Pang, Budina e Wijnbergen, 2007:p.4-5).

A política fiscal foi o principal fator da expansão da

dívida durante os anos de 1981 a 1983, resultando em

uma elevada depreciação da taxa de câmbio em 1986.

Ou seja, o governo nigeriano precisou adotar medidas

drásticas de corte de gastos públicos, incluindo como

prioridade o programa de investimento, redução do

emprego no serviço público, redução dos subsídios e

aumento do custo de recuperação nas paraestatais.

Além disso, adotou um preço de referência de petró-

leo, de esfera fiscal, tornando-se um importante passo

na implementação da agenda de reforma fiscal, possi-

bilitando ao desenho fiscal uma noção de longo prazo

do preço do petróleo ligados ao gasto governamental.

Com isso, no período de 2000 a 2005, o PIB real, não

envolvendo petróleo, cresceu, em média, 5,9% ao ano,

que juntos com a significativa produção de petróleo

resultou na duplicação do PIB per capita, quadrupli-

cou as reservas internacionais, e reduziu 86% do seu

endividamento com o Clube de Paris (Pang, Budina e

Wijnbergen,2007:p.6-8).

É interessante destacar que, além do baixo cresci-

mento da economia que naturalmente aparece em vir-

tude da concentração de gastos da riqueza do petróleo

em setores de produtos não - comercializáveis, ou seja,

não produtores de commodities, a volatilidade dos pre-

ços das commodities e das rendas de recursos naturais

podem se traduzir em instabilidade macroeconômica

e uma alta volatilidade da taxa de câmbio real. Para

tanto, a volatilidade pode ser vista como um imposto

sobre o investimento, sendo que o investimento requer

decisões irreversíveis, ou seja, capital programado não

pode ser movido para outros setores. A alta volatilida-

de dos preços desencoraja investimento para setores

específicos(Pang, Budina e Wijnbergen, 2007:p.23).

Duas principais lições foram tiradas sobre a pesqui-

sa realizada na Nigéria, primeiramente, o planejamento

de longo prazo de comprometimento de gastos, baixo

suficiente para encontrar com uma muito menor ren-

da de petróleo, projetados na base recente dos preços

desenvolvidos para assegurar sustentabilidade e evitar

um outro aumento da dívida, induzindo a uma década

de miséria; a segunda lição consiste no gerenciamento

da taxa de câmbio, sendo que uma taxa de câmbio real

deve apreciar quando os preços do petróleo aumentam,

Gráfico 2 – Nigéria: curva de dependência da receita x petróleo

Fonte: Pang, Budinae Wijnbergen, 2007:p.4

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a

e o não - acomodamento por meio de uma flexível taxa

de câmbio nominal implica inevitável alta da inflação

doméstica(Pang, Budina e Wijnbergen, 2007:p.23-24).

Conforme Bresser-Pereira e Marconi (2008), a aná-

lise do comportamento recente do comércio exterior

brasileiro mostrou que o aumento dos preços das com-

modities exportadas e a eliminação dos mecanismos de

neutralização agravam a Doença Holandesa. A desin-

dustrialização se manifesta no aumento da participação

das commodities no valor adicionado total e na redução

da participação do valor adicionado do setor de manu-

faturados no valor adicionado da produção de bens co-

mercializáveis (Bresser-Pereira e Marconi, 2008).

Alguns sintomas da Doença Holandesa que a eco-

nomia brasileira vem sofrendo são os seguintes(Bresser-

Pereira e Marconi, 2008):

• redução da taxa de câmbio, em função do aumento

das exportações, sendo mais intenso para commodities

que os manufaturados no período entre 2002 e 2007;

• evolução positiva da balança comercial das com-

modities após 1992, enquanto os manufaturados sofre-

ram retração;

• evolução das commodities na balança comercial

é desassociada da taxa de câmbio, evidenciando que

outros fatores influem no comportamento das vendas

e compras externas destes produtos, enquanto a evo-

lução da balança comercial dos manufaturados é forte-

mente vinculada à da taxa de câmbio;

• os preços e “quantum” das exportações de commo-

dities cresceram mais que os dos manufaturados;

• aumento da participação das commodities no valor

adicionado total; e

• queda na participação dos não-comercializáveis na

renda nacional, e diminuição da participação dos ma-

nufaturados comercializáveis no valor agregado total

de bens comercializáveis.

Hausmann e Rigobon(2003) ressaltam que a relação

negativa entre a exploração do recurso natural e o cres-

cimento econômico do país, o denominado curso na-

tural do recurso, no longo prazo, pode afetar os países

exportadores, os quais se tornariam mais pobres quan-

do o petróleo é explorado excessivamente, e tornariam-

se mais ricos quando o petróleo é explorado de modo

sustentável.

Por outro lado, o incremento das exportações de

manufaturados contribui para o desenvolvimento do

país de duas formas: a) pelo lado da demanda, estimu-

lando a produção deste setor, o qual exerce um grande

impacto positivo e encadeador sobre a produtividade

e a renda per capita de toda a economia; e b) pelo lado

da oferta, gerando externalidades que podem ser apro-

veitadas por toda a indústria, na medida em que a con-

corrência externa induz a aprimoramentos no processo

produtivo que são incorporados pelos demais setores

da economia (Bresser-Pereira e Marconi, 2008).

De modo contrário, Nakahodo e Jank (2006) co-

loca a Doença Holandesa como uma falácia no Brasil,

apoiando-se, primeiramente, nos seguintes aspectos: a)

as commodities e produtos manufaturados cresceram

bastante, mas reconhecendo o maior nível das commo-

dities, 8,5%, e 5,6% dos manufaturados; b) a parcela do

valor das commodities no total da pauta brasileira cres-

ceu pouco na última década, variando de 30% a 40% da

pauta; c) atribui novo índice para os preços de commo-

dities primárias, diminuindo o peso do setor energéti-

co, por meio de peso relativo da cesta de exportações,

de modo a não atribuir existência de uma alta históri-

ca e duradoura de preços nas commodities exportadas

pelo Brasil; d) o aumento das quantidades exportadas

tem enorme impacto no crescimento do valor das

‘‘

‘‘

A desindustrialização se manifesta no aumento da

participação das commodities no valor adicionado total e na redução da participação

do valor adicionado do setor de manufaturados no valor adicionado da produção de

bens comercializáveis (Bresser-Pereira e Marconi, 2008).

10

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janeiro / março / 2009

exportações de commodities; e e) contesta-se o proces-

so de desindustrialização em virtude dos superávits da

balança comercial nos produtos não - comercializados,

recuperação do emprego industrial e posição contrária

à produção de commodities não ser considerada ativi-

dade industrial.

A ocorrência efetiva da Doença Holandesa também

pode ser considerada como uma conseqüência da má

gestão da renda do petróleo. Dessa maneira, os fundos

do petróleo podem assumir papel fundamental na pre-

venção do desequilíbrio entre o desenvolvimento eco-

nômico e o crescimento da renda do petróleo em um

país; atuando como um mecanismo de estabilização

dos gastos no propósito de aumentar o bem-estar da

população e diminuir o nível de desemprego.

A principal meta da criação de fundos é manter a

receita dos recursos naturais separada de outras recei-

tas do Estado, no intuito de neutralizar os efeitos das

vultosas entradas de receita na taxa de câmbio, expor-

tações, setores manufaturados da economia, e/ou para

assegurar a equidade intergeracional. Nesse sentido, a

República do Azerbaijão e a República do Cazaquistão

estabeleceram fundos de petróleo para evitar o poten-

cial perigo da Doença Holandesa, cabendo destacar al-

gumas recomendações sugeridas aos formuladores de

políticas desses países que podem contribuir na refle-

xão do caso brasileiro, em relação à criação de fundos

(Mahmudlov, 2002:p.58-62):

• os governos não devem ignorar a arrecadação dos

demais tributos, em virtude da elevada volatilidade dos

preços externos, de modo que a renda do petróleo de-

veria ser considerada como um instrumento catalizador,

temporário, de ajuda na estruturação necessária para o

equilíbrio e crescimento sustentável;

• diversificação da economia, e em particular ao

Setor Petróleo, agregando produção de derivados não

produzidos anteriormente, ou em escala não suficiente;

• implementação de políticas públicas de encoraja-

mento a maior poupança doméstica e não dolarização;

• aceleração da abertura comercial, visando aju-

dar nos futuros overshootings da taxa de câmbio real,

sendo que, do contrário, a perda da competitividade é

inevitável;

• aceleração da privatização, ou seja, se o desenvol-

vimento de setores não ligados ao petróleo é desejável,

pode ajudar a trazer setores ineficientes para os padrões

internacionais, permitindo a competição com compa-

nhias estrangeiras;

• redução da corrupção a partir do estabelecimento

de procedimentos internos e institucionais de combate

à corrupção, e empoderamento das instituições anti-

corrupção, a fim de que possam processar as entidades

oficiais que violem as normas anticorrupção;

• fortalecimento do judiciário, bem como da transpa-

rência e responsabilização na tomada de decisão pública.

Ademais, cabe registrar a preocupação da estatal

brasileira Petróleo Brasileiro S/A – Petrobras, por meio

de seu Presidente em exposição sobre o planejamento

estratégico da Petrobras e seu Plano de Negócios para

o período 2009-2013, no Congresso Nacional, em março

de 2009, quando ressaltou que o novo marco regulató-

rio para o Pré-Sal deve contemplar um cenário com ris-

co exploratório minimizado, perigo da doença holande-

sa, e aumento de participação no PIB a mais dos atuais

10% (Petrobras, 2009).

‘‘

‘‘

A República do Azerbaijão e a República do Cazaquistão

estabeleceram fundos de petróleo para evitar o

potencial perigo da Doença Holandesa, cabendo destacar

algumas recomendações sugeridas aos formuladores

de políticas desses países que podem contribuir na reflexão

do caso brasileiro, em relação à criação de fundos (Mahmudlov, 2002:p.58-62)

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a

A Petrobras apresentou sua política de conteúdo na-

cional baseada na perspectiva empresarial de sustenta-

bilidade, calcada na diversificação, desenvolvimento e

custos, fortalecendo o mercado interno pelo aumento

da capacidade instalada e adesão de novos fornecedo-

res; ou seja, a geração emprego e renda para fortaleci-

mento da economia brasileira. E, ainda, informou na po-

lítica de conteúdo nacional destinada a evitar a doença

holandesa na economia brasileira que estuda alternati-

vas, em conjunto com as instituições ministeriais do go-

verno federal, para prevenir e tomar decisões públicas

ante a ameaça da Doença Holandesa (Petrobras, 2009).

Nesse sentido, a análise da possibilidade de ameaça

da Doença Holandesa no Brasil deve ser considerada so-

bre os variados momentos e períodos relativos ao nível

de atividade econômica, nacional e internacional, con-

textualizando os momentos de elevado crescimento,

assim como os choques ocorridos por crises financeiras,

a exemplo da crise financeira atual, e os possíveis e alea-

tórios ruídos econômicos futuros, de modo a indicar os

aspectos facilitadores ou limitantes para ocorrência do

fenômeno no País.

Vale ressaltar que o atual momento de crise financei-

ra traz algumas lições que podem contribuir na análise

da possibilidade de ameaça da Doença Holandesa. As-

sim, a mais importante lição de 2008 foi observar quão

é frágil a confiança, pois apesar das medidas tomadas

pelos governos, os bancos ainda estão relutantes em

emprestar dinheiro, cujos milhões ou bilhões foram pro-

vidos pelo próprio governo. Outra lição é que o mundo

está interconectado, e dada a natureza global da crise,

a coordenação e responsabilidade das políticas são

exercidas em nível global, ou seja, a atualização da go-

vernança financeira internacional é necessária e pode

ocorrer por meio de uma nova arquitetura financeira

(Bustillo red l. 2009).

A crise financeira atual contribui para o entendimento

da ocorrência e limitações do fenômeno, demonstrando

o necessário desenvolvimento de um arranjo institucio-

nal compromissado com uma coordenação e responsa-

bilização por tomada de decisões políticas de impactos

globais. É resoluto no País que não há suficiente capaci-

dade institucional para harmonizar a competição pela

renda do petróleo, devido à carência de marco regula-

tório que proporcione um melhor patamar da qualidade

da regulação, visando alcançar os resultados efetivos das

políticas direcionadas a evitar a Doença Holandesa.

As significativas preocupações emergiram nos úl-

timos anos, tendo em vista a elevada apreciação do

Real, inicialmente, em virtude do aumento das expor-

tações de commodities agrícolas; e a posteriori, com

as exportações de biocombustíveis e descobertas de

elevadas reservas de petróleo no pré-sal. No campo

das commodities, vale ressaltar que a sua valorização

decorre do aumento de preços, que passaram a maior

parte do ano de 2008 apresentando forte correlação

Desindustrialização

Dependência da exportações de

commodities

Exportações de Commodities

Entrada de Investimentos

Apreciação daMoeda

Aumento dasImportações

Queda dasImportações

Ações preventivas do Estado

Ações de Fiscalização Financeira no Petróleo,

Fazenda e Comércio Exterior

12

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janeiro / março / 2009

com os preços do petróleo e demais metais. No entan-

to, há temor de novo descasamento entre os preços

praticados no mercado e custos de produção, aliado à

redução na oferta de crédito.

Há indícios de que os efeitos cumulativos dos se-

tores agrícolas e petrolíferos possam gerar volume de

receita suficiente para que ocorra uma significativa re-

dução na taxa de câmbio, e consequentes distorções

de preços domésticos; implicando alcance de taxas de

crescimento bastante superiores aos produtos manufa-

turados; modificações consequentes no preço relativo

dos produtos na pauta de exportação; todavia, apesar

de o aumento das quantidades exportadas afetarem

o crescimento do valor das exportações de commodi-

ties, o impacto não será reduzido, mas de forma contrá-

ria, pode ser compensado pelos efeitos das crescentes

exportações do setor petrolífero. Cabe destacar que a

evolução das commodities é desassociada do câmbio, e

a evolução dos manufaturados é vinculada ao câmbio.

Logo, as principais preocupações de ameaça da Do-

ença Holandesa encontram concretude quando atri-

buem elevado risco à apreciação do Real, promovida

por esses setores e seus potenciais efeitos na indústria

brasileira por meio da queda de produtividade e per-

da de competitividade no mercado externo. Com isso, a

questão principal não está na ameaça, pois a mesma é

real, mas sim no “quantum” de Doença Holandesa pode

ser verificado e a que velocidade de contágio se mani-

festará de forma mais abrupta ou permanecerá em pata-

mares administráveis, conforme os efeitos cumulativos

intersetoriais e condições de crescimento vertiginoso

das exportações brasileiras. Pode-se reconhecer pela

experiência nigeriana, que é preferível a volatilidade da

taxa de câmbio à ocorrência da Doença Holandesa, e

que uma taxa de câmbio real deve ser reduzida quando

os preços do petróleo aumentam, e se a acomodação

não for sob regime cambial flexível, implica inevitável

alta da inflação doméstica.

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Eduardo Toledo NetoEconomista pela Universidade de Brasília – UnB; Especialista em

Regulação do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (desde 2005); Analista Ambiental (2004) e integrante da Carreira Finanças e Controle (1998 a 2004); também Diretor de Estudos e Pesquisa do Sindicato Na-

cional dos Servidores das Agências Reguladoras – SINAGÊNCIAS

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a

Introdução

Desde o fim da Guerra Fria, no início dos anos 90

do século 20, uma série de transformações vêm ocor-

rendo no cenário mundial, alterando de forma rápida

a configuração de poder econômico e político entre os

estados-nações, com repercussões que se propagam

nos mais diversos âmbitos, do comércio à segurança,

dos direitos humanos ao meio ambiente, das finanças

ao regionalismo, acelerando movimentos de natureza

transnacional, inserindo novos atores não-estatais e su-

bestatais, gerando distintas configurações de poder e

impondo novos desafios à governança global.

Nesse contexto de mudanças, torna-se obsoleta

a noção de uma linha divisória entre os países ricos e

desenvolvidos do Norte e os países pobres e em desen-

volvimento do Sul, que foi por muito tempo um concei-

to central entre cientistas sociais, analistas econômicos

e formuladores de políticas. Essa linha divisória perdeu

o sentido em meio ao dinâmico processo de globali-

zação em curso que resultou em níveis inéditos de

crescimento econômico e interdependência entre as

nações, cujas disparidades levaram a um mundo muito

mais complexo e diferenciado.1

No campo das Relações Internacionais, a intensi-

dade das mudanças atuais e a sua ocorrência recente

ainda não permitiram aos scholars de formação posi-

tivista ou racionalista apresentar explicações teóricas

abalizadas e convincentes sobre as diversas dimensões

e nuances dos fenômenos em análise. Somente escolas

de pensamento situadas fora dos paradigmas raciona-

listas (neorealista e neoliberal), a exemplo do reflexi-

vismo ou construtivismo social ao estilo de Alexander

Wendt e outros, conseguem captar e explicar a reali-

dade multifacetada atual e oferecer esquemas analíti-

cos suficientemente abrangentes do sistema mundial

contemporâneo. A propósito, Nicholas kiersey empre-

ende talvez um dos primeiros esforços para explicar a

nova configuração de forças no mundo pós-moderno

da globalização e dos países emergentes utilizando es-

quemas não-racionalistas.

Definindo “império” como uma nova forma de

Países emergentes: definições, papéis e impactos na atual ordem global

José Nelson Bessa Maia

Artigo

1 Segundo Jagdish Bhagwati, a globalização constitui a integração das economias nacionais na economia internacional por meio do comércio, do investimento direto externo (de empresas multinacionais), dos fluxos de capitais, do movimento de pessoas (migrações) e fluxos de tecnolo-gia. Para maior detalhe, ver BHAGWATI, J. In Defense of Globalization. Oxford: Oxford University Press, 2003, p. 3. No entanto, para Gilberto Sarfati, a globalização seria um processo mais amplo do que a mera integração econômica no qual caem barreiras tradicionais entre estados, fruto do avanço tecnológico, que possibilita intensa troca de mercadorias, informações e pessoas pelo mundo. Esse fenômeno é observado virtualmente em todos os aspectos das relações humanas, incluindo não somente a economia, como também a cultura, meio ambiente, educação, imprensa etc. Ver, a propósito, SARFATI, Gilberto. Teorias das Relações Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 318.

14

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15

janeiro / março / 2009

soberania mundial que surgiu junto com o mercado

global e circuitos mundiais de produção, kiersey explo-

ra como essa definição pode servir para refinar concei-

tos-chave e categorias da teoria das Relações Interna-

cionais como soberania, segurança e economia política.

Através da reinterpretação dessas categorias funda-

mentais, ele mostra como teorias baseadas em elemen-

tos constitutivos (como no construtivismo) são capazes

de reconhecer que existe, de fato, muita coisa aconte-

cendo nas relações contemporâneas de poder global,

além do mero declínio do império norte-americano.

Conforme kiersey afirma2

following the Reflectivist argument, I argue that it is a

mistake to limit the analytic scope of unilateralism to the

egoistic agency of any one state or class. Instead, it may

be more precise to situate American unilateralism in the

context of an emerging regime or formation of shared un-

derstandings which is more global in scope.

Considerando, pois, o peso crescente de um grupo

de estados-nações emergentes no cenário internacio-

nal, nos últimos 20 anos, assim como a literatura aca-

dêmica ainda relativamente escassa sobre a matéria,

torna-se relevante empreender um exercício de refle-

xão sobre os países emergentes, buscando contribuir,

de alguma forma, para a melhor compreensão da te-

mática no Brasil e identificar possíveis áreas para even-

tual esforço de pesquisa e desenvolvimento de novos

métodos e abordagens de análise, de modo a poder

subsidiar os responsáveis pela formulação da política

externa do País.

Portanto, o objetivo do presente artigo é discorrer

sobre a participação dos chamados países emergentes

na agenda global contemporânea, buscando salientar

de forma crítica os elementos mais importantes re-

lacionados à posição dos países emergentes na atual

economia política internacional. Para tal, o plano de

estudo do ensaio fará primeiramente um apanhado da

esparsa literatura teórica e midiática sobre o conceito e

definição de países emergentes.

Em seguida, tentar-se-á delinear o papel que tais

países passaram a exercitar no cenário mundial em

função de seu crescente poder econômico e protago-

nismo político e diplomático nos fóruns internacionais

e, por fim, identificar se os impactos decorrentes da en-

trada em cena desse grupo de países emergentes têm

tido repercussões estabilizadoras ou perturbadoras so-

bre a conformação da complexa ordem internacional

em construção desde o fim da Guerra Fria.

O que são países emergentes?

Na literatura midiática de relações internacionais,

os países emergentes em geral referem-se a países

não-desenvolvidos que estão passando por rápidas

mudanças estruturais (industrialização e melhoria

no bem-estar) e institucionais e, portanto, em fase de

transição para a condição de nações desenvolvidas

ou avançadas. Os exemplos de mercados emergentes

incluem os grandes países continentais (Brasil, Rússia,

‘‘

‘‘

Considerando o peso crescente de um grupo de

estados-nações emergentes no cenário internacional, nos últimos 20 anos, assim como a literatura acadêmica ainda relativamente escassa sobre a matéria, torna-se relevante

um exercício de reflexão sobre os países emergentes,

buscando contribuir para a melhor compreensão da

temática no Brasil.

2 kIERSEy, Nicholas. “The ‘Debate About Empire’ and International Relations Theory: Beyond the Narratives of Sovereign and Imperial Power in Theorizing Modern World Politics”, artigo apresentado no Encontro Anual da International Studies Association, San Diego, California, USA, 22 Mar. 2006. Disponível em: http://www.allacademic.com/meta/p_mla_apa_research_citation/0/9/8/9/5/p98956_index.html, acesso em 10 nov. 2008.

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a

Índia e China), vários outros do Sudeste asiático, Euro-

pa Oriental, e em partes da áfrica e da América Latina.

Na verdade, países emergentes são um termo cunha-

do, em 1981, pelo economista Antoine Van Agtmael,

então na Corporação Financeira Internacional (IFC)/

Banco Mundial, para denominar países com economias

de mercado que mantinham crescimento econômico

sustentado, com reformas estruturais e institucionais,

o que lhes possibilitaria chegar ao status de nações

desenvolvidas.3

Enfatizando a natureza fluida da categoria “emer-

gentes”, o cientista político Ian Bremmer define um

mercado emergente como “um país onde a política

importa pelo menos tanto quanto a economia para os

mercados.”4 Dada essa fluidez conceitual, a área acadê-

mica que mais vem se dedicando a pesquisar os países

emergentes é a de administração de empresas, com

ênfase em estudos de caso sobre empresas de países

menos desenvolvidos que se internacionalizaram. Nis-

so se destacam os scholars Ck Prahalad, George Haley,

Hernando de Soto, Usha Haley, e alguns professores da

Harvard Business School e da Yale School of Manage-

ment.5 Enquanto isso, o campo das Relações Interna-

cionais ainda pouco tem a oferecer em nível teórico ou

empírico sobre os países emergentes.

Nos últimos anos, surgiram novos termos e critérios

para descrever os maiores países em desenvolvimento,

como as siglas BRIC e BRIMC que se referem a países

como Brasil, Rússia, Índia, México e China. Estes países

não compartilham nenhuma agenda comum, mas al-

guns especialistas acreditam que eles estão desempe-

nhando um papel crescente e promissor na economia

e na política em nível mundial. Dada essa importância,

um grande número de projetos de pesquisas sobre os

emergentes está em andamento em diversas universi-

dades e escolas de administração nos EUA e na Europa

com vistas a melhor compreender os vários aspectos

envolvidos no avanço dos países emergentes.6

É difícil definir uma lista exata dos países emergen-

tes devido à heterogeneidade dos países que estão

‘‘

‘‘

Nos últimos anos, surgiram novos termos e critérios para descrever os maiores países em desenvolvimento, como

as siglas BRIC e BRIMC que se referem a países como Brasil, Rússia, Índia, México e China.

Estes países não compartilham nenhuma agenda comum,

mas alguns especialistas acreditam que eles estão

desempenhando um papel crescente e promissor na

economia e na política em nível mundial.

3 Segundo o sítio web www.ifc.org, acesso em: 24 set. 2008), da International Finance Corporation (IFC) do Banco Mundial, Antoine Van Agtmael, fundador da Emerging Markets Management, empresa de investimento sediada nos EUA, foi de fato o pai do termo “mercados emergentes”, cunhado quando ele trabalhava na IFC. Ele hoje qualifica países como o Brasil, Rússia, Índia e China (BRICs), além de México e Chile, como as economias emergentes mais importantes no cenário mundial.

4 Bremmer é presidente do Eurasia Group, uma consultoria de risco político global e autor do bestseller “The J Curve: A New Way to Understand Why Nations Rise and Fall, Simon & Schuster, 2006, aclamado o livro do ano pela revista The Economist. Disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/Ian_Bremmer, acesso em: 09 nov. 2008.

5 Ver, a propósito, o sítio web da NationMaster, uma empresa especializada em dados comparativos entre países. Disponível em: http://www.nationmaster.com/encyclopedia/Emerging-markets, acesso em: 08 nov. 2008.

6 A sigla BRIC foi criada, em 2001, pelo economista Jim O´Neill, no relatório “Building Better Global Economic Brics” do Banco Goldman Sachs, para designar os quatro países: Brasil, Rússia, Índia e China, os quais, conforme projeções demográficas e modelos de acumulação de capital e cresci-mento de produtividade, poderiam em conjunto se tornar a maior força na economia mundial no ano 2050.

16

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janeiro / março / 2009

registrando boa performance econômica. Os melhores

guias tendem a ser fontes de informação midiática como

as listagens da Revista The Economist, do Jornal Financial

Times e indicadores de mercado como o Morgan Stanley

Capital International (MSCI). Essas fontes são bem con-

sistentes, mas cabe advertir para algumas fragilidades:

i) a inércia histórica – países que são mantidos como

emergentes mesmo depois de terem passado dessa

fase, como Coréia do Sul, Formosa (Taiwan) e Israel; e ii)

a simplificação inerente à elaboração de indicadores, o

que leva a desconsiderar países pequenos ou com baixa

liquidez de mercado em face de seus vizinhos maiores, e

iii) as limitações da análise geopolítica e de política inter-

na em virtude da ênfase excessiva em critérios economi-

cistas de aferição de variáveis de mercado.

Uma das listas de países emergentes mais utilizada

pelos investidores e analistas internacionais é o índi-

ce do Morgan Stanley (MSCI) que incluía na condição

como emergentes, na sua posição de junho/2006, os se-

guintes 28 países, distribuídos pelas seguintes regiões

geopolíticas: i) América Latina (Argentina, Brasil, Chile,

Colômbia, México e Peru); ii) Europa Oriental (Hungria,

Polônia, República Checa e Rússia); iii) ásia e Pacífico

(China, Coréia do Sul, Filipinas, Índia, Indonésia, Irã, Ma-

lásia, Paquistão, Tailândia, Taiwan e Vietnã); iv) Oriente

Médio e Magrebe (Egito, Israel, Jordânia, Marrocos,

Tunísia e Turquia), e áfrica Subsaariana (áfrica do Sul).7

Para os propósitos deste ensaio, consideraremos

a definição de países emergentes do Morgan Stanley

Capital International (MSCI), por ser abrangente e re-

fletir bem o peso geoeconômico crescente dos países

assinalados. Desse grupo de 28 países emergentes, 10

deles (mais a Arábia Saudita) compõem o chamado

Grupo dos 20 (G-20), um fórum de cooperação e de

consulta sobre assuntos relacionados ao sistema finan-

ceiro internacional, que abrange os principais países do

mundo no campo da economia, desenvolvidos e emer-

gentes. O G-20, criado em 1999, compreende países

que tomados em conjunto representam 90% do Pro-

duto Nacional Bruto mundial, 80% do comércio mun-

dial (incluindo o comércio intra-União Européia) e dois

terços da população terrestre.8

Conforme pode ser visto no Quadro 1, os 28 paí-

ses da amostra colhida pelo índice do Banco Morgan

Stanley se estendem por 38% do território do Planeta,

abrigam 63% da sua população e geram quase 30% da

renda mundial. Como reflexo de seu dinamismo recen-

te, esses países em conjunto respondem por mais de

30% das exportações e por mais da metade do estoque

total de reservas internacionais, assumindo, portanto,

a primazia como fonte provedora de capitais líquidos

para o resto do mundo, inclusive os países avançados.

7 Disponível em : http://www.investopedia.com/articles/03/073003.asp, acesso em 09 nov. 2008.

8 Os membros do G-20 são os ministros das finanças e governadores dos bancos centrais de 19 países: Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, França, Alemanha, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Rússia, Arábia Saudita, áfrica do Sul, Coréia do Sul, Turquia, Reino Unido e os Estados Unidos da América. A União Européia é também um membro, representado pela presidência rotativa do Conselho e do Banco Central Europeu.

Quadro 1 – Amostra de Países Emergentes Selecionados(*): peso geoeconômico no Mundo em 2007

Indicadores (I) (II) (I)/(II) %

Território (a) 56.729,60 148.939,06 38,08

População (b) 4.075.492 6.464.750 63,04

Produto Interno Bruto (c) 13.699,05 48.461,90 28,27

Reservas Internacionais (d) 3.531,19 6.495,13 54,37

Exportações (e) 4.239,30 13.950,00 30,38

Fontes: ONU; OMC; FMI e OCDE. Elaboração: o autor(a) Superfície em 1.000 km2

(b) População em 1.000 habitantes (2005)(c) PIB em US$ bilhões correntes e a preços de mercado (2007)(d) Reservas no conceito liquidez internacional em US$ bilhões de 31/12/2007(e) Exportações FOB em US$ bilhões (2007)(*) 28 países emergentes incluídos no índice Morgan Stanley Capital International (MSCI).

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a

No que se refere ao índice do Jornal Financial Ti-

mes (FTSE Global Equity), o mesmo classifica países em

quatro categorias conforme a tipologia dos mercados

de bolsa de valores: i) países desenvolvidos; ii) países

emergentes avançados; iii) países emergentes secun-

dários, e iv) países semiemergentes. Na sua classificação

de setembro de 2008, o FTSE considerava como países

emergentes avançados: áfrica do Sul, Brasil, Hungria,

México, Polônia e Taiwan; e como países emergentes

secundários: Argentina, Chile, China, Colômbia, Egito,

Filipinas, Índia, Indonésia, Malásia, Marrocos, Paquistão,

Peru, República Checa, Rússia, Tailândia e Turquia, totali-

zando as duas categorias 22 países emergentes.9

Em que pese a ampla aceitação dos indicadores de

mercado para países emergentes, alguns autores formu-

laram conceitos alternativos, mais qualitativos, sobre o

que seriam os países emergentes. Parag khanna (2008),

por exemplo, considera países emergentes aqueles situa-

dos no “palco central onde o curso futuro da ordem glo-

bal está sendo determinado”, aos quais denomina países

do “segundo mundo”.10 Em outras palavras, para o autor,

esses seriam os países capazes de fazer pender a balança

de poder do século 21 entre os três supostos pólos impe-

riais da ordem global multipolar em construção, ou seja,

os Estados Unidos, a União Européia e a China.

Para khanna, os países do “segundo mundo” seriam

os pontos de inflexão de um mundo multipolar, tendo

suas ações o poder de vir a alterar o equilíbrio de poder

global. Para o autor, o primeiro mundo não seria maior

do que os 30 membros da OCDE (à exceção da Turquia

e do México). O terceiro mundo incluiria pelo menos

os 48 países de menor desenvolvimento (o chamado

quarto mundo) segundo o Banco Mundial, mas chega-

ria a englobar cerca de 100 países ao todo. O “segundo

mundo”, ou países emergentes, seriam países ao mes-

mo tempo com características de primeiro e terceiro

mundo, com um percentual da sociedade vivendo um

estilo de vida moderno – globalmente conectados e

com empregos de altos salários – coexistindo com uma

estreita classe média e uma grande massa de pobres.

Como o primeiro mundo, esses países do “segundo

mundo” teriam economias em crescimento, com forte

potencial de atração de investimentos e importância

geoestratégica, mas tal como o terceiro mundo compor-

tariam dualismo interno com instituições ainda frágeis,

mercados informais e populações vivendo em condições

precárias, elevada concentração pessoal e espacial da

renda em torno de certas áreas urbanas metropolitanas

(em geral em torno das capitais). Para khanna, os países

do segundo mundo, com rendas per capita anuais entre

US$ 3000 a US$ 6000, seriam como “navios navegando

em mares turbulentos da modernidade, com indicadores

‘‘‘‘

O terceiro mundo incluiria pelo menos os 48 países de

menor desenvolvimento, segundo o Banco Mundial, mas chegaria a englobar

cerca de 100 países ao todo. O “segundo mundo”, ou

países emergentes, seriam países ao mesmo tempo

com características de primeiro e terceiro mundo,

com um percentual da sociedade vivendo um estilo

de vida moderno.

9 Disponível em: http://www.ftse.com/Indices/FTSE_Emerging_Markets/index.jsp, acesso em 09 nov. 2008.

10 kHANNA, Parag. The Second World: Empires and Influence in the New Global Order. New york: Ramdom House, 2008. p. x. Prefácio.

18

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11 Para khanna, os países emergentes do “segundo mundo” seriam pelo menos 24: i) América Latina: Argentina, Brasil, Colômbia, Chile, México e Venezuela; Europa Oriental (Azerbaijão, Rússia, Sérvia e Ucrânia, e); Oriente Médio e Magrebe (Egito, Israel, Líbia, Jordânia, Irã, Iraque, Síria e Pa-quistão); ásia (Casaquistão, China, Indonésia, Malásia, Tailândia e Vietnã).

12 Gerald McDermott é professor da Wharton School of Business da Universidade de Pensilvânia, EUA. Disponível em: (http://wharton.universia.net/index.cfm?fa=viewArticle&id=1487&language=portuguese&specialId=, acesso em: 08/11/2008).

13 Ver, a propósito, JOHNSON, Simon. Straight Talk: Emerging Markets Emerge. Finance & Development, Washington, IMF, v. 45, n. 3, p. 54-55, Sept. 2008.

políticos, econômicos e sociais frequentemente se mo-

vendo em direções diferentes ao mesmo tempo”.11

Para Gerald McDermott, da Wharton University, a

definição de “países emergentes” seria imprecisa, po-

rém a intenção por trás dela continua a mesma. “As

pessoas começaram a empregá-la de forma mais sol-

ta, e como a definição passou a se referir a um número

cada vez maior de países, ela perdeu um pouco do seu

significado original”, diz ele.

Assim, se expressa McDermott.12

Acho que o termo continua a exprimir uma realida-

de que não nos permite nos referir ao mundo desen-

volvido, de um lado, e ao mundo em desenvolvimento

de outro. Temos em mente países que são muito pro-

missores e que apresentam grande potencial. Eles es-

tão crescendo, mas ainda não chegaram lá.

Na verdade, para o autor, o elemento mais impor-

tante da definição de economia emergente, além do

forte crescimento econômico, seria a força de suas ins-

tituições econômicas e políticas, como o estado de di-

reito, a existência de controles regulatórios e o respeito

ao cumprimento dos contratos celebrados.

Para Simon Johnson, do FMI, há 20 anos, os “mercados

emergentes” eram simplesmente um grupo de países que

começavam a atrair o interesse de investidores em todo

o mundo. Eles eram percebidos como tendo boas pers-

pectivas de crescimento, embora fossem um tanto peri-

féricos para o funcionamento da economia global. Há dez

anos, muitos destes mercados emergentes enfrentaram

grandes crises. Eles tinham claramente se tornado sufi-

cientemente grandes para contagiar o mundo financeiro

durante as crises asiática, russa e brasileira de 1997-1999.

O rótulo “mercados emergentes” passou então a ser si-

nônimo de instabilidade ou pelo menos de volatilida-

de. Hoje em dia, porém, segundo Johnson, os mercados

emergentes, ou seja, os países de renda média, surgiram

no cenário internacional como um importante fator co-

determinante ou estabilizador da prosperidade global.13

De fato, ao longo de 2003-2008, ainda segundo John-

son, tais países teriam sido responsáveis por um quarto a

50% do crescimento global (dependendo de como sua

renda é medida). Eles também teriam sido bastante resis-

tentes à recente crise financeira nos EUA, que se arrasta

desde setembro de 2007, de modo que, através de vín-

culos comerciais e financeiros crescentes, os países emer-

gentes teriam contribuído para manter as economias

avançadas em crescimento. Agora diante da crise recessi-

va nas economias desenvolvidas, a forma como os países

de mercados emergentes manejem as pressões inflacio-

nárias e de desaceleração econômica poderá trazer reper-

cussões ao crescimento e à inflação no resto do mundo.

Qual é o papel dos países emergentes?

O mundo de hoje é radicalmente diferente do que

era há pelo menos três décadas, quando metade dele

‘‘

‘‘

O elemento mais importante da definição de economia emergente,

além do forte crescimento econômico, seria a força de

suas instituições econômicas e políticas, como o estado de direito, a existência de controles regulatórios e o respeito ao cumprimento dos contratos celebrados.

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a

era dividido em duas grandes regiões com distintos ní-

veis de riqueza e prosperidade. Nesses dois campos tão

distintos, as nações desenvolvidas (membros da OCDE),

compreendendo principalmente os EUA, Comunidade

Européia e Japão respondiam por 75% do PIB mundial,

em 1975, mas apenas por 22% da sua população, cer-

ca de 720 milhões de pessoas. O restante do mundo,

com 2,6 bilhões de habitantes, fazia parte das nações

em desenvolvimento, gerando apenas 25% da rique-

za mundial. Em 2005, essa participação dos países da

OCDE caiu para 55%.14

Além da crescente influência dos países emergen-

tes sobre o comércio e as finanças internacionais, a as-

censão desse grupo de países também se reflete cada

vez mais na esfera dos organismos e regimes interna-

cionais, uma vez que não existe mais nenhuma questão

relevante na agenda de discussões no G-7, na Organiza-

ção Mundial do Comércio (OMC) ou nas Nações Unidas

(ONU), que possa ser resolvida sem que se considere

a adesão dos países em desenvolvimento emergentes,

seja no campo do meio ambiente e mudanças climáti-

cas, doenças epidêmicas, terrorismo e lavagem de di-

nheiro, energia, conflitos regionais e desenvolvimento

econômico e social.

Segundo salienta o ex-presidente do Banco Mun-

dial, James Wolfensohn, as economias emergentes –

que ele denomina de “globalizadoras” – representam

um grupo de 27 países de renda média (incluindo Chi-

na e Índia), com taxas de crescimento do PIB per capita

acima de 3,5% ao ano e uma população total de 3,2 bi-

lhões, ou cerca de 50% da população mundial. Esses pa-

íses experimentaram níveis de crescimento econômico

sustentado sem precedentes, que poderiam capacitá-

los a complementar ou mesmo substituir ou os países

avançados como forças motrizes da economia mundial.

Os países “globalizadores” seriam, pois, um grupo vasto

e difuso de países – em tamanho, geografia, cultura e

política – que teriam aprendido a se integrar de forma

crescente na economia global, e também a influenciá-

la, para catalisar o seu próprio desenvolvimento.15

Para Wolfensohn, as potências tradicionais preci-

sam acomodar a ascensão das economias globalizado-

ras – em particular, China e Índia – reformando a ordem

internacional vigente. Os países avançados continua-

riam sendo protagonistas globais, mas à medida que

aumenta o poder econômico dos países globalizado-

res, estes demandariam um papel de maior destaque

nos assuntos internacionais. A maioria dos países avan-

çados, atordoados pelo inusitado, parece estar despre-

parada para essa mudança, mas essas demandas preci-

sarão ser acomodadas.

Ademais, apesar de os países globalizadores terem

resgatado centenas de milhões de pessoas da pobreza

e de terem reduzido a desigualdade em nível global, isso

não resultou em um mundo mais igual, pois economias

‘‘

‘‘

Segundo o ex-presidente do Banco Mundial, James

Wolfensohn, as economias emergentes – que ele

denomina de “globalizadoras” – representam um grupo de

27 países de renda média (incluindo China e Índia), com taxas de crescimento do PIB per capita acima de 3,5% ao ano e uma população total de 3,2 bilhões, ou cerca de

50% da população mundial.

14 “New OECD for New Global Challenges”, speech by Angel Gurría, OECD Secretary-General, at the Storting (Norwegian parliament), disponível em: (source: http://www.oecd.org/document/3/0,3343,en_2649_34487_40235523_1_1_1_1,00.html Oslo, 6 March 2008), acesso em 15 11 2008.

15 WOLFENSOHN, James. Farewell to Development’s Old Divides, 29/11/2007, disponível em: http://www.project-syndicate.org/commentary/wol-fensohn4, acesso em 08 nov.2008.

20

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em evidência, como China e Índia, estariam experimen-

tando na atualidade aumento no nível de iniquidade so-

cial interna. Seja a região costeira em relação ao interior,

ou a rural em face da urbana, esses dois países precisam

equacionar as crescentes disparidades de renda e bem-

estar entre suas regiões, pois o alto e crescente nível de

desigualdade poderá ameaçar a sua própria capacidade

de continuar crescendo no ritmo atual e eventualmente

vir a gerar instabilidades sociais e geopolíticas.

Wolfensohn ainda chama atenção para que os ele-

mentos tradicionais de transmissão do desenvolvimen-

to, como comércio, financiamento, investimento, ajuda

externa e migração precisam ser intensificados de for-

ma abrangente e coerente, a fim de poder se criar um

mundo mais justo e reformular as instituições globais.

Isso poderá melhorar a capacidade da humanidade em

abordar com eficácia os grandes desafios de governança

global e de aprimorar as perspectivas para a construção

de um mundo mais justo e sustentável. Caso contrário, o

mundo poderá estar dando adeus às antigas linhas divi-

sórias do desenvolvimento, mas apenas para substituí-

las por outras ainda mais danosas e excludentes.16

Quais os impactos dos países emergentes na or-

dem internacional atual?

A ascensão dos países emergentes no cenário mun-

dial, nas últimas duas décadas, ocorre em paralelo ao

processo de globalização que ampliou e aprofundou

as interconexões entre os países e povos por meio das

mais variadas formas de intercâmbio. Nesse aspecto, a

globalização alterou as bases da geopolítica tradicional,

criando oportunidades para diversos países crescerem

e se modernizarem rapidamente, tornando-os suficien-

temente prósperos e competitivos para se converte-

rem em nações do primeiro mundo. Outros países, pelo

efeito demonstração ou por indução externa, também

trilharam esse caminho, gerando um crescendo de eco-

nomias de mercado emergentes capazes de alterar a

balança do poder econômico e aspirantes a modificar a

seu favor o jogo do poder mundial.

A propósito da relação dinâmica entre geopolítica e

globalização, Para khanna assinala (p. xxi)

Today only one force has emerged that could grind

the cyclical wheels of global conflict to a halt. Like geopo-

litics, globalization has become the world system itself. No

one power controls it; it can only be stopped if everything

stops. Yet geopolitics and globalization are considered

diametrically opposed concepts and modes of power”.

“(…) Globalization is now part of every society’s strategy

for survival and progress”.

Essa “silenciosa” ascensão dos países emergentes

traz consigo inevitável inquietação naqueles países

avançados ou potências que, desde o final da 2ª Guerra

Mundial, têm liderado a ordem internacional. Por isso,

questões ligadas à governança global têm se tornado

tão relevantes na agenda de debates dos principais fó-

runs internacionais. A própria Organização das Nações

‘‘

‘‘A ascensão dos países

emergentes no cenário mundial, nas últimas duas

décadas, ocorre em paralelo ao processo de globalização que ampliou e aprofundou as interconexões entre os países e povos por meio

das mais variadas formas de intercâmbio. Neste caso, a

globalização alterou as bases da geopolítica tradicional,

criando oportunidades para diversos países crescerem e se modernizarem rapidamente.

16 Disponível em WOLFESOHN, James. O Fim da Linha que Divide Norte e Sul. Valor Econômico, São Paulo, 29 nov. 2007. Opinião, p. A 12

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Unidas (ONU) já reconhece as mudanças em curso na

correlação de poder econômico e político mundial.

Em recente artigo, o Secretário-Geral da ONU, Ban

ki-Moon afirmou:17

In truth, today, we also face a crisis of a different sort

-- the challenge of global leadership. New centers of po-

wer and leadership are emerging -- in Asia, Latin America

and across the newly developed world. In this new world,

the challenges are increasingly those of collaboration, not

confrontation. Nations can no longer protect their inte-

rests, or advance the well-being of their people, without

the partnership of the rest.

Um conceituado teórico e arguto observador das

transformações em curso nas relações internacionais,

no então pós-Guerra Fria, com uma visão favorável à

globalização, James Rosenau, já admitia em 1996 que

havia uma bifurcação do sistema internacional, visto

que o estatocentrismo das grandes potências tinha

de conviver com um mundo multicêntrico no qual os

Estados nacionais não seriam mais capazes de exercer

plenamente sua soberania em assuntos variados como

a regulamentação dos mercados de capitais e a preser-

vação do meio ambiente.18

Nesse sentido, a construção de consensos para as-

segurar uma eventual governança multicêntrica global

com eficácia em meio à mudança em curso na ordem

internacional, decorrente de uma crescente multipola-

rização do sistema imposta pela incorporação de paí-

ses emergentes no jogo do poder, exigirá pelo menos

dois elementos. Primeiro, a compreensão das novas

limitações de poder dos países avançados e um genu-

íno esforço de renúncia de privilégios por parte deles

nas negociações para incorporar os principais países

emergentes nas estruturas decisórias das instituições

e regimes internacionais. Segundo, um resultado de

soma positiva no balanço dos efeitos estabilizadores

e perturbadores da entrada dos países emergentes no

jogo de poder global. Para elucidar esse ponto, faremos

em seguida uma reflexão sobre o alcance e intensida-

de desse impacto líquido dos emergentes no sistema

internacional.19

Efeitos estabilizadores

Conforme assinala o economista-chefe da Orga-

nização para Cooperação e Desenvolvimento Econô-

mico (OCDE), Javier Santiso, estaria acontecendo uma

mudança fundamental: um reequilíbrio de grandes

proporções na riqueza das nações, onde supostamente

uma periferia se descola de um centro. O problema é

exatamente que o centro estaria exercendo cada vez

menos o papel de centro e a periferia cada vez menos

‘‘‘‘

A construção de consensos para assegurar uma eventual

governança multicêntrica global com eficácia em

meio à mudança em curso na ordem internacional,

decorrente de uma crescente multipolarização do sistema

imposta pela incorporação de países emergentes no jogo

do poder, exigirá pelo menos dois elementos.

17 kI-MOO, Ban. The State of the World. Disponível em: http://www.todayszaman.com/tz-web/detaylar.do?load=detay&link=153982, acesso em 08 nov. 2008.

18 ROSENAU, J. The Dynamics of Globalization: toward an operational formulation. Security Dialogue, v. 27, n. 3, p. 247-262, Sept. 1996.

19 A Comissão sobre Governança Global da ONU definiu essa governança multicêntrica global como a totalidade das maneiras pelas quais os indivíduos e as instituições públicas e privadas administram seus problemas comuns, num “amplo, dinâmico e complexo processo interativo de tomada de decisão que está constantemente evoluindo e se ajustando a novas circunstâncias”. Disponível em: http://www.ieei.pt/files/Back-ground_Paper_II_IEEI_Brazil.pdf, acesso em: 11 nov. 2008.

22

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o papel de periferia. A propósito, ele cita que os países

membros da OCDE, que três décadas atrás concentra-

vam 75% do PIB mundial, hoje respondem por menos

de 55%. O mercado acionário dos EUA representa 35%

(e vem caindo) da capitalização do mercado mundial,

ante 50%, há apenas 10 anos.

Ainda segundo Santiso, em 2007, a participação do

investimento externo direto (IED) procedente dos paí-

ses da OCDE diminuiu, de praticamente 100% em 1970,

para 85%. Para o autor, classificações como OCDE/pa-

íses emergentes passaram a refletir mais a inércia his-

tórica do que as novas realidades econômicas: México,

Coréia do Sul ou Turquia, três mercados emergentes

importantes, já são membros da OCDE, enquanto ou-

tros, como Brasil, Chile ou Rússia, ainda estão fora da

organização internacional.20

Como mais uma prova dessa crescente prosperida-

de nos países emergentes, novas fontes de acumulação

de riqueza mundial, os chamados fundos de riqueza

soberana-FRS (sovereign wealth funds), formados pelos

países superavitários encontram-se todos fora do Gru-

po dos Sete países mais ricos (o G-7).21 Em função dessa

reviravolta nos fluxos econômicos internacionais, a vi-

são tradicional da economia mundial entre países do

Norte e do Sul está tendo de se ajustar à realidade, uma

vez que o capital também está agora fluindo dos países

emergentes para os países avançados.

Em outro artigo, Javier Santiso, reforça que o surto

de IED também estaria se deslocando cada vez mais dos

países avançados rumo aos países emergentes. Confor-

me ele cita, recente pesquisa da consultoria AT kearney,

publicada no início de 2008, mostrou que 15 dos 25

destinos mais atrativos para os IEDs futuros estariam

nos países emergentes. China, Índia, Emirados árabes

Unidos (EAU), Vietnã, Brasil e México seriam os países

alvo do maior interesse para os investidores.22 Seu oti-

mismo é tamanho que ele afirma que o capitalismo

internacional presencia um giro de grande magnitude,

com os EUA em crise, se enfraquecendo como primeira

potência econômica, e arrastando consigo parte dos

países da (OCDE). Paralelamente, os países emergentes,

encabeçados pela China, despontam com vigor. Para

ele, sem dúvida, o século 21 será o dos emergentes.23

Outro analista otimista com a expansão da partici-

pação dos países emergentes na economia mundial é

‘‘

‘‘

Segundo Santiso, em 2007, a participação do investimento externo

direto (IED) procedente dos países da OCDE

diminuiu, de praticamente 100% em 1970, para 85%. Para o autor, classificações

como OCDE/países emergentes passaram a refletir mais a inércia

histórica do que as novas realidades econômicas.

20 SANTISO, Xavier. Reequilibrando a Riqueza das Nações. Valor Econômico, São Paulo, 29-31 ago. 2008. Opinião, p. A 12.

21 Fundos de riqueza soberana (FRS) são fundos de investimento estatais compostos por ativos financeiros, como ações, títulos, imóveis, metais preciosos ou outros instrumentos financeiros. Os FRS são normalmente criados quando os governos têm excedentes orçamentários e com pou-ca ou nenhuma dívida externa. Não é viável nem desejável realizar esse excesso de liquidez pela monetização ou gastos em consumo imediato. Os ativos dos FRS chegaram a US $ 3,3 trilhões no final de 2007, a maior parte desse crescimento resultante de aumento em reservas cambiais oficiais em alguns países asiáticos e do incremento de receitas provenientes de exportação de petróleo. Os maiores FRS são de Abu Dhabi, No-ruega, Cingapura, kuwait, China e Rússia.

22 SANTISO, Xavier. Contos Chineses. Valor Econômico, São Paulo, 8 jul. 2008. Opinião, p. A12.

23 SANTISO, Xavier. O Reequilíbrio do Mundo. Valor Econômico, São Paulo, 30 set. 2008. Opinião, p. A12.

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a

karl P. Sauvant, ex-diretor na Conferência das Nações

Unidas para Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) e

agora pesquisador da Universidade de Columbia, que

afirmou que o mercado mundial para IED estaria em

polvorosa com a chegada de novos participantes pro-

venientes de países emergentes, tendo à frente nomes

de grandes empresas como Vale do Rio Doce (Brasil),

Tata (Índia) e Lenovo (China), com os países avançados

se convertendo em anfitriões para subsidiárias dessas

multinacionais em ascensão e reagindo com apreen-

são a esse fenômeno.24

O professor Sauvant menciona que, em 2007, em-

presas de mercados emergentes investiram aproxima-

damente US$ 210 bilhões no exterior – praticamente

cinco vezes o total mundial de 25 anos atrás. Com isso,

essas empresas se tornaram protagonistas importantes

no mercado mundial, seja por meio de investimentos

para aumento da capacidade instalada ou através de

fusões e aquisições internacionais (F&A). Além disso, se

no passado elas investiam principalmente em outros

mercados emergentes, hoje voltam os seus olhares

cada vez mais na direção de empresas e mercados de

países desenvolvidos.

A propósito, Sauvant (Nota de rodapé 24) adiciona

que

Os governos de países anfitriões, e especialmente dos

países desenvolvidos, precisam aceitar o fato de as empre-

sas de países emergentes terem saído da sombra dos seus

concorrentes ao Norte e que se tornaram participantes

importantes no mercado mundial de IED. Erguer barreiras

protecionistas contra elas, seja sob o lema da “segurança

nacional”, “governança corporativa” ou coisa que o valha,

não é a resposta – isso só poderá provocar uma reação

adversa nos mercados emergentes contra o IED vindo

do exterior. As empresas dos mercados emergentes vie-

ram para ficar. É melhor que nos acostumemos aos “no-

vos garotos no pedaço”. Eles são apenas uma expressão

do processo de desenvolvimento pelo qual os mercados

emergentes estão sendo integrados à economia mundial

– para benefício de todos.

Complementando na mesma linha, Javier Santiso

(nota de rodapé 23) afirma que

o reequilíbrio que vivemos culminará mais cedo ou

mais tarde na derrocada dos EUA como primeira potên-

cia mundial. O Goldman Sachs prognostica que assim

será em 2025. Nas estimativas realizadas pelo Centro de

Desenvolvimento da OCDE, a data é ainda mais próxima:

2015. Em outras palavras, amanhã. Não importa quando

exatamente será a capotagem, o certo é que caberá a

nossa geração vivenciá-la. Este reequilíbrio do mundo é

maciço e generalizado: empresarial, comercial, financeiro

e geoeconômico”. (...) “Como todos os reequilíbrios, o que

estamos vivendo trará consigo períodos de tensão. O epi-

centro do mundo está se deslocando ao Oriente. Isso não

significa que as potências da OCDE desvanecem-se, mas,

antes disso, que o reequilíbrio se dá por meio da emergên-

cia de um mundo economicamente muito mais multipo-

lar. A grande notícia – ainda por celebrar – está aqui: pela

primeira vez na história econômica recente, os ganhado-

res da globalização deixaram de estar concentrados nos

países da OCDE.

‘‘

‘‘

Sauvant adiciona que os governos de países

anfitriões, e especialmente dos países desenvolvidos,

precisam aceitar o fato de as empresas de países emergentes terem saído

da sombra dos seus concorrentes ao Norte e que

se tornaram participantes importantes no mercado

mundial de IED.

24 SAUVANT, karl. Os Novos Garotos no Pedaço. Valor Econômico, São Paulo, 6 dez. 2007. Opinião, p. A12.

24

Page 27: 37-revista

25

janeiro / março / 2009

Efeitos perturbadores

Em termos prospectivos, há pelo menos quatro

principais efeitos perturbadores do crescimento dos

mercados emergentes para a economia política inter-

nacional (EPI), dois de âmbito interno e dois de âmbito

externo: i) dos riscos internos, dois são críticos: 1) o au-

mento da desigualdade de renda, e 2) o aumento da

degradação ambiental. Dos riscos externos, cabe des-

tacar os seguintes: 1) o impacto dos padrões de con-

sumo de uma crescente classe média emergente sobre

os preços das matérias-primas (commodities); e 2) uma

onda protecionista devido à percepção negativa nas

nações ricas contra a ascensão dos países emergen-

tes, ameaçando a ordem econômica liberal no plano

internacional.

1) Risco interno – aumento na desigualdade de

renda

Com relação ao aumento na desigualdade de renda,

caso as tendências atuais à concentração se reforcem

no futuro, países emergentes como a China e a Índia

poderão sofrer risco de grave perturbação da ordem

interna e instabilidade política. Conforme Wolfensohn,

a relação entre os níveis de renda per capita nos esta-

dos e/ou províncias mais ricos e os mais pobres na Chi-

na e na Índia são de 13,6 para 1 e 4,4 para 1, respectiva-

mente, em comparação com os EUA, onde a relação é

de 2,1 para 1. Na Índia, a desigualdade de renda estaria

aumentando: os estados que mais crescem são justa-

mente os estados mais ricos. Na China, a desigualdade

também tem continuado a aumentar, sendo maior do

que na Índia. A relação no país entre a renda per capita

urbana e rural é de quatro vezes.25

2) Risco interno – aumento da degradação

ambiental

Pressões ambientais podem sustar o crescimento

e ampliar as disparidades existentes. De acordo com

um estudo do Banco Mundial de 2001, das 20 cidades

mais poluídas do mundo, 14 delas estavam na China. A

poluição e o uso excessivo da água estão entre as prin-

cipais preocupações ambientais: Nos últimos 20 anos,

o rio Amarelo – um dos maiores da China – ficou dez

vezes mais seco, ao passo que o rio Ganges na Índia é

hoje um dos mais poluídos do planeta, segundo o Pro-

grama Ambiental das Nações Unidas.26

A degradação ambiental já está aumentando o des-

contentamento da população: Em 2005, cerca de 60 mil

pessoas foram até a cidade de Huaxi (província chine-

sa de Zhejiang) para protestar contra os altos níveis de

poluição provocados por 13 fábricas químicas que con-

taminaram a água e o solo na região. Em 2007, milhares

de habitantes da província de Sichuan tomaram às ruas

para protestar contra a contaminação da água potável

‘‘‘‘

A degradação ambiental já está aumentando o descontentamento da

população: Em 2005, cerca de 60 mil pessoas foram

até a cidade de Huaxi (província chinesa de

Zhejiang) para protestar contra os altos níveis de

poluição provocados por 13 fábricas químicas que contaminaram a água e o

solo na região.

25 WOLFESOHN, James. “A Global Century: Future Prospects for the World Economy”. keynote Speech- Conference at the Goethe House of Finance, Frankfurt, May 30, 2008, disponível em: http://www.houseoffinance.eu/downloads/SpeechFrankfurt.pdf, acesso em 15 nov. 2008).

26 WORLD BANk. Urban Air Quality Management: Coordinating Transport, Environment, and Energy Policies in Developing Countries. Masami kojima & Magda Lovei, Sept. 2001.

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a

e de irrigação causada por uma cervejaria. Os custos

econômicos seriam enormes: o custo total da poluição

do ar e da água na China foi estimado em 2,7 % do PIB

em 2003, mas o Banco Mundial acredita que esses cus-

tos poderiam ser significativamente maiores. A China já

seria responsável hoje pelo maior volume de emissão

de CO2 no mundo.

1) Risco externo – impacto dos padrões de con-

sumo de uma crescente classe média emergente

Quanto aos riscos externos causados pela ascensão

dos países emergentes, o forte crescimento na China e

na Índia, principalmente, ajuda a impulsionar bastante

a demanda interna nesses países. Isso tem um efeito

econômico global positivo à medida que contribui

para sustentar a demanda mundial em contextos de

crise internacional como se observa no momento (no-

vembro/2008). No entanto, uma crescente classe média

nesses dois países conduzirá igualmente a crescentes

pressões sobre a oferta e preços das principais commo-

dities, como alimentos e energia.

Conforme expresso em recente artigo na revista

Foreign Policy, Moisés Naím afirma que a classe média

nos países emergentes seria o segmento da população

do mundo com crescimento mais rápido. O artigo es-

tima que, em 2020, a participação da classe média no

mundo vai crescer e chegar a absorver mais de 52%

da população total, acima dos 30% agora. Nos países

em desenvolvimento, a classe média quase duplicará

em virtude dos níveis mais elevados de crescimento

econômico sustentado estarem levando milhões de

pessoas para bem acima da linha de pobreza. Segundo

estimativas do Brookings Institution (citado pela Foreign

Policy), enquanto a população do planeta aumentará

em cerca de 1 bilhão de pessoas nos próximos 12 anos,

a classe média crescerá em 1,8 bilhão de pessoas, dos

quais 600 milhões serão na China. Em, 2025, a China

terá a maior classe média do mundo, enquanto a classe

média indiana será 10 vezes maior do que é hoje.27

Enquanto, sem dúvida, a expansão das fileiras da

classe média é uma boa notícia, cabe salientar que a

humanidade terá de se adaptar a pressões sem prece-

dentes. A ascensão de uma nova classe média global já

começa a ter repercussões em vários países. Os preços

dos alimentos, por exemplo, são crescentes não porque

haja menos produção (em 2007, a safra mundial foi

recorde), mas porque alguns grãos estão agora sendo

desviados para produzir biocombustível e porque mui-

to mais pessoas estão se dando ao luxo de comer mais

e melhor. O consumo per capita de carne na China, por

exemplo, mais do que duplicou desde meados da dé-

cada de 1980.

Conforme afirma recente relatório do Banco

Mundial

In recent decades, China has achieved rapid economic

growth, industrialization, and urbanization. Annual incre-

ases in GDP of 8 to 9 percent have lifted some 400 million

people out of dire poverty. Between 1979 and 2005, China

moved up from a rank of 108th to 72nd on the World Deve-

lopment Index. With further economic growth, most of the

‘‘

‘‘

O artigo estima que, em 2020, a participação da classe média no mundo vai crescer

e chegar a absorver mais de 52% da população total, acima dos 30% agora. Nos

países em desenvolvimento, a classe média quase duplicará

em virtude dos níveis mais elevados de crescimento econômico sustentado

estarem levando milhões de pessoas para bem acima da

linha de pobreza.

27 Ver, a propósito, NAÍM, Moisés. “Can the world afford a middle class?” Foreign Policy, Mar./Apr. 2008.

26

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27

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remaining 200 million people living below one dollar per

day may soon escape from poverty.28

Diante dos aumentos de preços dos alimentos im-

pulsionados pela demanda da classe média emergente

global, vêm ocorrendo em vários países movimentos

de protestos contra o desabastecimento, comprome-

tendo a paz pública e levando a instabilidade política.

Considerando o atual crescimento da classe média chi-

nesa e indiana, o seu potencial de perturbar o funcio-

namento global dos mercados é enorme. Ademais, o

impacto do crescimento rápido da classe média emer-

gente também afetará o preço de outros bens, como

roupas, calçados, eletrodomésticos, brinquedos, remé-

dios, automóveis e residências. A China e a Índia, com

quase 40% da população do mundo – a maior parte

ainda muito pobre – já consomem juntas mais da me-

tade da oferta mundial de carvão, minério de ferro e

aço. Graças à sua crescente prosperidade e de outros

emergentes, a demanda por tais insumos e produtos

está aumentando como nunca.

Vale destacar ainda que, mesmo que os países em

desenvolvimento tenham um estilo de vida de classe

média ainda mais simples do que sua congênere nos

países avançados, o consumo nesses países é mais

intensivo em energia. Em 2006, por exemplo, o incre-

mento do consumo de eletricidade chinês foi igual ao

total do consumo francês. Isso sem falar que centenas

de milhões de pessoas na Índia e na China ainda care-

cem de acesso à energia domiciliar. A tendência, por-

tanto, é esse consumo crescer muito rapidamente nos

próximos anos. Essa tendência já ocorreu no consumo

de petróleo, cuja cotação antes da atual crise financeira

internacional chegou a bater o patamar recorde de US$

150 por barril, não por causa da restrição de oferta, mas

devido ao crescimento sem precedentes do consumo

nos países emergentes. A China por si só representou

um terço do crescimento do consumo mundial de pe-

tróleo nos últimos anos.

Em suma, pode-se concluir que, caso o estilo de vida

da nova classe média nos países emergentes não se

ajuste aos limites dos recursos naturais e do meio am-

biente e se os produtores agrícolas não encontrarem

outras formas de aumentar significativamente a pro-

dutividade no campo, a ascensão econômica dos paí-

ses emergentes poderá acabar atingindo os limites do

crescimento na Terra e perturbar a própria sobrevivên-

cia dos ecossistemas.

2) Risco externo – onda protecionista nos países

avançados contra as exportações de manufatura-

dos dos países emergentes

Com a crescente prosperidade econômica na Chi-

na, na Índia e noutros países emergentes, um crescente

número de trabalhadores nos países desenvolvidos –

em especial aqueles com empregos de baixa qualifi-

cação, mas também muitos daqueles empregados em

atividade de alta tecnologia, como em programação de

computadores – percebem que concorrentes estran-

geiros estão tomando seus empregos ou ostentando

vantagens indevidas sobre eles. Recentes sondagens

‘‘

‘‘

Mesmo que os países em desenvolvimento tenham um estilo de vida de classe média ainda mais simples

do que sua congênere nos países avançados, o

consumo nesses países é mais intensivo em energia.

Em 2006, por exemplo, o incremento do consumo de eletricidade chinês foi igual

ao total do consumo francês.

28 WORLD BANk. Cost of Pollution in China: economic estimates of physical damages. Executive Summary, FEB. 2007, p. xi.

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de opinião pública confirmam um aumento no senti-

mento protecionista no mundo desenvolvido. Confor-

me o sítio web World Public Opinion relata: “...em abril

de 2008, maiorias na maior parte dos países avançados

continuam a apoiar o sistema de livre comércio, mas,

nos últimos dois anos, houve uma diminuição no apoio

em 10 dos 18 países regularmente pesquisados.” 29

Segundo a mesma fonte, nos países do G-7, cerca de

57% dos entrevistados afirmavam que a globalização

estava avançando muito depressa. Relacionada com

este aspecto, havia uma inquietação ainda mais forte

de que os benefícios e os custos da expansão econô-

mica dos últimos anos não teriam sido compartilhados

de forma justa entre os países. Em 2006, a mesma son-

dagem revelara que só menos de um terço dos norte-

americanos e europeus consideravam que a globaliza-

ção era favorável aos seus respectivos países.

Essa reação popular contra a globalização decorre

em parte dos crescentes déficits comerciais bilaterais

dos EUA e da União Européia (EU), vistos erroneamen-

te como um sinal de perda de empregos para aquele

país. Com efeito, o déficit bilateral da China com os

EUA foi de US$ 256,2 bilhões em 2007, ao passo que

o déficit da União Européia com o país asiático foi de € 159,2 bilhões no mesmo ano. Tais níveis crescentes

de déficit dos dois maiores blocos comerciais do mun-

do com a China ganham com freqüência a mídia com

declarações do comissário de comércio europeu ou do

representante de comércio dos EUA (USTR) contra a so-

brevalorização da moeda chinesa e restrições ao inves-

timento ocidental na China. Dados os déficits comer-

ciais crescentes e a opinião pública negativa na Europa

e nos EUA sobre a globalização, aumentam os riscos de

retaliações protecionistas contra a China, já existindo

evidências de medidas concretas contra a crescente

influência da China e da Índia no comércio externo da

União Européia e dos EUA e o seu impacto sobre a eco-

nomia global.30

Em flagrante contraste com os seus homólogos

norte-americanos e europeus, cerca de metade dos en-

trevistados na região da ásia e Pacífico considera favo-

rávelmente a globalização, de acordo com a sondagem

Gallup Internacional, com 52% dizendo que ela é boa

para seus países. Dentre os 13 países pesquisados, os que

responderam de forma mais positiva foram Taiwan (78%)

e Vietnã (75%). Taiwan, juntamente com a Coréia do Sul,

Cingapura e Hong kong, foram os chamados “tigres asiá-

ticos”, cujas economias arrancaram nos anos 60 com base

nas exportações. Além dos países mencionados acima, o

Gallup Internacional pesquisou na China, Índia, Indoné-

sia, Japão, Malásia, Paquistão, Filipinas e Tailândia.31

‘‘

‘‘

A reação popular contra a globalização decorre em

parte dos crescentes déficits comerciais bilaterais dos EUA

e da União Européia, vistos erroneamente como um sinal de perda de empregos para

aquele país. O déficit bilateral da China com os EUA foi de US$ 256,2 bilhões em 2007,

ao passo que o déficit da União Européia com o país

asiático foi de € 159,2 bilhões no mesmo ano.

29 “Erosion of Support for Free Market System: Global Poll” disponível em: http://www.worldpublicopinion.org/pipa/pdf/apr08/Free_Markets_April08_pr.pdf, acesso em 15 nov. 2008.

30 Dados dos saldos comerciais dos EUA e União Européia com a China obtidos de órgãos oficiais do Governo norte-americano (U.S. Census Bureau) e da Comissão Européia na Internet.

31 Africans and Asians Tend to View Globalization Favorably; Europeans and Americans are More Skeptical (November 7, 2006), disponível em: http://www.worldpublicopinion.org/pipa/articles/btglobalizationtradera/273.php?nid=&id=&pnt=273&lb=btgl, acesso em 15 nov. 2008.

28

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29

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A conclusão das sondagens de opinião internacio-

nais apontam para uma percepção de que as pessoas

nos países emergentes da ásia estão se aproveitando

dos benefícios da economia global, ao passo que os

trabalhadores norte-americanos e europeus têm cada

vez mais desconfiança sobre a globalização e o livre

comércio. Essa tendência é preocupante, pois, mesmo

que seja apenas uma percepção de perda, as repercus-

sões políticas da insatisfação popular nas democracias

liberais (sistema político que prevalece na maioria das

nações mais avançadas) pode resultar em reação pro-

tecionistas que ameaçam a estabilidade do sistema

econômico internacional aberto ao comércio. Caso

essa tendência venha a ocorrer, poderá comprometer

a continuidade do crescimento nos países emergentes,

os quais, apesar do aumento possível na sua demanda

interna, ainda continuarão, por muito tempo, depen-

dentes da demanda dos países avançados para garan-

tir seus níveis de prosperidade.

Conclusões

Nos séculos anteriores, o curso da história mundial

foi determinado em grande parte pelo que acontecia

em apenas algumas regiões, particularmente na Euro-

pa e na América do Norte (ou seja, o chamado «Ociden-

te»). Os demais continentes eram meros figurantes, so-

frendo influência dos centros do poder ocidental. Mas

hoje a luta pelo progresso e prosperidade, bem como

as questões da guerra e da paz, estão sendo cada vez

mais influenciadas por eventos que ocorrem em diver-

sos lugares e em maior grau do que no passado. A pre-

sente Era está sendo construída sobre uma economia e

uma sociedade verdadeiramente globais, alimentadas

pelo acelerado ritmo dos transportes, telecomunica-

ções e tecnologias da informação. A humanidade não

é mais dividida simplesmente em ricos ou pobres do

“Norte–Sul” ou do “Oriente–Ocidente”.

Os Estados Unidos e a Europa e demais nações in-

dustrializadas terão de chegar a um acordo sobre como

passar o centro de gravidade da economia mundial

para um mundo policêntrico. As implicações disso são

duplas. Por um lado, o Ocidente tem de perceber que,

para avançar a sua agenda de bens públicos globais,

particularmente em termos de combater as mudanças

climáticas, a pobreza, as doenças, o crime e o terroris-

mo e defender os direitos humanos, terá de envolver os

países emergentes como parceiros iguais. No entanto,

ao fazê-lo, deve proporcionar a esses países uma voz

nas instituições mundiais que seja proporcional ao seu

peso econômico relativo. O Ocidente deve estar prepa-

rado para quando esse momento chegar.

Os países emergentes, por outro lado, precisarão

agir de forma responsável no sistema internacional e,

para assumir responsabilidades de partes interessadas

no sistema de estados-nações e blocos, terão de renun-

ciar a medidas oportunistas que permitem ganhos de

curto prazo em troca de perspectivas de ganhos glo-

bais no longo prazo. Se esse dilema for resolvido com

sucesso, o mundo poderá caminhar para um século de

paz, estabilidade e prosperidade, onde todas as regiões

e países tenham possibilidades de êxito, sem que ne-

nhum fique alijado dos frutos do desenvolvimento.

Todavia, para que isso seja atingido existem pelo

menos três principais desafios a enfrentar: i) necessi-

dade de garantir um acordo mundial sobre mudanças

climáticas, a fim de evitar o risco de sobrevivência da

humanidade no futuro; ii) necessidade de um novo

acordo sobre as regras do jogo no comércio e nas finan-

ças, de modo a manter um sistema econômico multila-

teral aberto e eficiente, o que exigirá mais transparên-

cia e regulamentação; e iii) necessidade de assegurar

um reequilíbrio pacífico do poder econômico no nível

global, com a redistribuição do poder político pela re-

composição das representações nos principais organis-

mos internacionais como o Conselho de Segurança das

Nações Unidas (ONU), o G-7, o FMI, o Banco Mundial e

outras organizações. Torna-se indispensável, portanto,

uma reforma profunda nas instituições internacionais

para que possam refletir mais fielmente a nova confi-

guração de poder de países avançados e emergentes

no seio do sistema internacional.

José Nelson Bessa Maia

Economista filiado ao Corecon/DF, ex-secretário especial para assuntos internacionais do governo do estado do Ceará

(1995-2006), mestre em Economia pela Universidade de Brasília (UnB) e doutorando em Relações Internacionais no

Instituto de Relações Internacionais da (IREL/UnB).

Page 32: 37-revista

No enfrentamento da crise, será preciso a “mão visível do Estado”?

Um breve histórico

No momento em que a economia mundial sofria

o impacto da Grande Depressão de 1929, que se es-

tendeu pela década de 30, o economista britânico

John Maynard keynes formulava a sua Teoria Geral do

Emprego, do Juro e da Moeda, com idéias que con-

testavam o pensamento liberal, até então dominante,

defensor de um modelo de sociedade baseada em

mercados auto-regulados. Surgiam, então, as propostas

da revolução keynesiana. Tais propostas pregavam a in-

tervenção do Estado na vida econômica, com políticas

macroeconômicas ativas, que propunham solucionar

o problema do desemprego pela intervenção estatal,

desencorajando o entesouramento em proveito das

despesas produtivas, por meio da redução das taxas de

juros e do incremento dos investimentos públicos. São

de inspiração keynesiana o projeto da criação de um

Estado de Bem-Estar Social, o uso dos instrumentos de

planejamento econômico e o uso de políticas de pro-

moção do desenvolvimento.

Após 1945, a teoria keynesiana converteu-se em or-

todoxia, tanto para os economistas quanto para a maio-

ria dos políticos. A revolução keynesiana propiciou um

longo período de grande prosperidade mundial – “os

anos dourados”.

Com a crise do keynesianismo, a partir de meados

da década de 1970, a hegemonia do pensamento key-

nesiano perde força e ressurge o (neo)liberalismo. O

movimento neoliberal impõe aos países em desenvol-

vimento, a partir do “consenso de Washington” no final

dos anos 80, uma política de abertura da economia e

redução do Estado, com privatizações e transferências

crescentes para o setor privado, a responsabilidade

por Daniela Lima

O discurso keynesiano ganha força diante da crise econômica mundial, e as expectativas dos liberais foram colocadas à prova. Segundo especialistas, os mercados não são eficientes e auto-reguladores, e acreditam ser impres-cindível a participação do Estado para o bom funcionamento do mercado.

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Page 33: 37-revista

No enfrentamento da crise, será preciso a “mão visível do Estado”?

pela oferta de serviços sociais. Os neoliberais acredita-

vam que, com a abertura da economia e a redução da

intervenção do Estado, o mercado garantiria a retoma-

da do desenvolvimento econômico. O fracasso do ne-

oliberalismo e a crise econômica atual alteram o pên-

dulo da controvérsia, no campo da política econômica,

entre keynesianos e liberais. A questão que se coloca é:

estamos presenciando a vitória teórica do keynesianis-

mo e o abandono da ideologia liberal?

O keynesianismo e a crise financeira atual

A crise econômica fortaleceu o discurso keynesiano

e as expectativas dos liberais foram colocadas à prova.

A idéia de que o mercado seria uma força auto-regu-

ladora e que, em função da concorrência, os recursos

econômicos seriam alocados da melhor maneira pos-

sível, está sendo combatida diante da crise financeira

mundial. Para Fernando Ferrari Filho, presidente da

Associação keynesiana Brasileira e professor da Uni-

versidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), os

mercados não são eficientes e auto-reguladores. E para

ele é pouco provável que os liberais, teóricos e práticos,

revejam suas posições. “Eles continuarão insistindo na

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a

idéia de que a atual crise ocorreu por causa da Fannie

Mae e Freddie Mac ou porque houve um processo de

moral hazard, assim como outras crises que estejam

para ocorrer, em um futuro, estarão associadas a argu-

mentos ad hocs, ex-posts etc”. E que, de acordo com o

economista, para que a “mão invisível” do mercado seja

operacionalizada, é imprescindível a “mão visível” do

Estado. Luiz Fernando de Paula, vice-presidente da As-

sociação keynesiana Brasileira e coordenador da pós-

graduação em Economia da Universidade do Estado

do Rio de Janeiro (UERJ), acredita que hoje existe um

consenso de que a onda liberal acabou (pelo menos

no ciclo atual), e que há necessidade de novas regras,

regulamentações etc. “A própria política fiscal anticícli-

ca, antes demonizada, está hoje no centro da política

econômica. O grande desafio da economia será, a meu

juízo, quando sairmos da crise. Aí nos perguntaremos:

qual a política econômica mais apropriada para a pros-

peridade? O retorno ao Consenso de Washington? São

questões que deverão ser encaradas seriamente”, afir-

ma o economista.

Mas o economista e professor da Universidade de

Brasília (UnB), José Luis da Costa Oreiro, acredita que o

maniqueísmo liberal, inaugurado por F. Hayek na sua

obra “O Caminho da Servidão”, deseja construir um

mundo bipolar, no qual se defrontam duas forças pu-

ras e antagônicas, o liberalismo e o socialismo. “Dessa

forma, o capitalismo seria sinônimo de liberalismo. Essa

ilação é totalmente falsa, e apenas demonstra o total

desconhecimento que os liberais têm da história, da

sociologia e da filosofia política. Existem vários mode-

los de capitalismo, tal como nos lembrou recentemen-

te Alan Greenspan na sua autobiografia. A crise atual é,

sem dúvida nenhuma, a do modelo neoliberal e finan-

cista de capitalismo, baseado na desregulação financei-

ra, na destruição do Welfare State, na concentração de

renda e na falta de preocupação com o meio ambiente”,

afirma Oreiro.

Atualmente, pode-se afirmar que esta crise é de

um regime de acumulação financeirizado, no qual

as relações financeiras globais na economia foram se

tornando o motor do capitalismo. Sendo assim, o pro-

fessor da UERJ explica que, como o centro da crise é a

globalização financeira, sem dúvida um elemento vital

que estimulou a especulação foi a desregulamentação

financeira, tanto nos mercados domésticos quanto

nos mercados globais (entre países). Para o presiden-

te da Associação keynesiana, trata-se de uma crise no

Pode-se afirmar que esta crise é de um

regime de acumulação financeirizado, no qual as relações financeiras globais na economia foram se tornando o

motor do capitalismo.

32

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janeiro / março / 2009

O mais célebre economista da primeira me-

tade do século 20, pioneiro da macroecono-

mia. Seus estudos sobre o emprego e o ciclo

econômico deitaram por terra os conceitos da

ortodoxia marginalista, e as políticas por ele su-

geridas conduziram a um novo relacionamento,

de intervenção, entre o Estado e o conjunto de

atividades econômicas de um país. As obras de

John Maynard Keynes (1883-1946) mostram

que suas preocupações estavam sempre ligadas

a questões práticas, a políticas de conjuntura. Ele

não parecia interessado em reconstruir a teoria

econômica a partir da análise do valor, mas em

verificar por que motivo as teses marginalistas,

nas quais fora educado, conduziam a políticas

econômicas inconsistentes. A sua principal obra

A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, pu-

blicado em 1936, abalou as inovações clássicas

do liberalismo econômico, mostrando a inexis-

tência do princípio do equilíbrio automático na

economia capitalista. O impacto político do livro

foi grande, mas retardado: apenas no pós-guerra

a receita keynesiana foi apreendida e cuidadosa-

mente aplicada pelos países capitalistas. O pleno

emprego tornou-se um objetivo explícito, e os

instrumentos de política econômica do Estado

foram postos em ação. Em 1944, keynes repre-

sentou a Inglaterra na Conferência Monetária de

Bretton Woods, que criou o Fundo Monetário In-

ternacional (FMI). Na ocasião, propôs o abando-

no do padrão-ouro e a estabilização internacio-

nal da moeda, mas o apego dos Estados Unidos

a este sistema monetário tornou impraticável a

aplicação das medidas por ele preconizadas.

Quem foi Keynes?

sistema capitalista de cunho liberal. “Em termos gerais,

partindo-se do pressuposto de que nos anos 1980, nos

países desenvolvidos, e anos 1990, nos países emer-

gentes, o sistema capitalista experimentou transfor-

mações radicais de cunho essencialmente liberal, tais

como reformas patrimoniais, previdenciária e trabalhis-

ta, liberalizações comercial e financeira, desregulações

dos mercados, livre mobilidade de capitais etc, não há

como dissociá-los. Especificamente, a crise está relacio-

nada à ausência de marcos regulatórios no sistema fi-

nanceiro, que resultou em excessos de alavancagem do

referido sistema, dinamizado globalmente pelo desen-

volvimento dos contratos de derivativos e securitiza-

ção de crédito”, afirma.

“Somos todos Keynesianos”

Parafraseando Friedman, Luiz de Paula afirma não

ter a prepotência de dizer: “olha, nós avisamos que a

crise iria ocorrer. Mas acho que o discurso keynesiano

ganha força em função de sua ênfase teórica de que a

economia de mercado é inerentemente instável e que

são as forças monetárias e financeiras que determinam

o ritmo da economia”.

keynes e Minsky colocavam que a economia capi-

talista não era permanentemente instável e sujeita a

crises freqüentes devido à existência de convenções,

instituições, regulamentações, políticas etc. Ferrari Filho

também está certo de que a crise passa por keynes e

Minsky. “Indo ao encontro de uma das idéias de key-

nes em sua Teoria Geral, a desregulação dos mercados

financeiros, a partir dos anos 1990, criou as condições

para a operacionalização de um “cassino financeiro glo-

bal. Em relação a Minsky, tanto práticas de alavancagem

arriscada de indivíduos, firmas e bancos quanto a de-

terioração das margens de segurança dos contratos

dinamizaram a fragilização financeira do sistema. Ade-

mais, as políticas fiscal e monetária contracíclicas im-

plementadas pelas principais autoridades econômicas

mundiais e a proposição do G-20 de reestruturação do

sistema monetário internacional deixam claro que, na

prática, keynes foi resgatado. Eu diria que atualmen-

te todos são keynesianos: uns por convicção e outros,

infelizmente, por oportunismo”, conclui.

Fonte: Dicionario de Economia do século XXI, de Paulo Sandroni

Page 36: 37-revista

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Artigo

Introdução

O mercado de trabalho do Distrito Federal possui

características que o dota de uma estrutura e uma di-

nâmica ímpar em relação aos demais espaços metro-

politanos brasileiros. A centralidade do setor público

na economia e no mercado de trabalho local, a elevada

participação do trabalho por conta própria e a acentua-

da desigualdade de rendimentos são alguns dos traços

marcantes dignos de nota.

Identificar o comportamento do mercado de traba-

lho do Distrito Federal ao longo dos anos 1990 e da pre-

sente década, ressaltando as novas tendências da evolu-

ção recente e seus impactos sobre a estrutura trabalhista

local, constitui o principal objetivo do presente artigo.

Para tanto, dividiu-se o texto em mais duas partes, exce-

tuando essa breve introdução. Na primeira parte, analisa-

se a evolução do mercado de trabalho do DF, com des-

taque para a dinâmica ocupacional e setorial, trajetória

dos rendimentos e do desemprego. Por fim, a título de

conclusão, apresenta-se uma sugestão de agenda que

poderá nortear a elaboração de novas pesquisas.

O mercado de trabalho do DF nas décadas de

1990 e 2000

As análises do mercado de trabalho do Distrito

Federal não podem relegar a um plano secundário o

fato de a estrutura produtiva local ter se desenvolvido

de forma bastante concentrada ao longo do tempo.

Como reflexo, configurou-se um mercado de trabalho

extremamente dependente das atividades econômicas

ligadas à administração pública, aos serviços e ao co-

mércio, além da relação muito incipiente com o setor

industrial1.

Isso de um lado. De outro, é recomendável ter sempre

em mente as mudanças macroeconômicas do período

recente. É bom lembrar que os anos 1990 interrompe-

ram a trajetória alicerçada em altas taxas de crescimen-

to econômico e na forte regulação estatal da economia

(no contexto do regime autoritário). No limiar da déca-

da passada, portanto, em face do esgotamento de tal

modelo, precipitado pela crise da dívida dos anos 1980,

adotou-se, de forma acrítica e subordinada, o arcabouço

liberalizante reinante nos mercados internacionais na

Estrutura e Dinâmica do Mercado de Trabalho do

Distrito FederalMarcelo Lopes de SouzaRosane de Almeida Maia

Tiago Oliveira

1 De acordo com o IBGE, em 2006, o segmento da administração, saúde e educação pública respondia por 54,84% do PIB do Distrito Federal. Em contraposição, naquele ano, a indústria de transformação era responsável por somente 1,71% do PIB local.

34

Page 37: 37-revista

35

janeiro / março / 2009

expectativa de recuperar o dinamismo perdido.

Em verdade, as mudanças levadas a cabo ao longo

da década passada ficaram bastante aquém dos obje-

tivos declarados. A montagem de uma arquitetura eco-

nômico-financeira com vista ao combate inflacionário

e à reorientação no modelo de desenvolvimento, cen-

trado em elevadas taxas de juros, desregulamentação

dos mercados, privatizações e câmbio sobrevalorizado,

sancionou um regime de baixo crescimento econômi-

co e altas taxas de desemprego que aprofundaram o

quadro brasileiro de desigualdades sociais alarmantes.

Com a desvalorização cambial em 1999, uma guina-

da na gestão macroeconômica foi implementada, sob

os auspícios do Fundo Monetário Internacional – FMI,

sem, contudo, abrir mão de aprofundar o processo de

inserção neoliberal do país à ordem global vigente. No

plano interno, além da mudança do regime cambial,

uma política fiscal mais dura, assentada na geração de

superávits primários, associada a um programa de me-

tas inflacionárias, inaugurou outra fase para a análise

do desempenho da economia brasileira.

Entretanto, a retomada de um ciclo de crescimen-

to só se fez sentir a partir de 2004. A partir desse ano

foi possível observar a recuperação mais consistente

da atividade econômica, especialmente do mercado

de trabalho, impulsionada pelo cenário externo extre-

mamente favorável e, paralelamente, pela adoção de

algumas medidas importantes, como a diminuição das

taxas de juros, a ampliação do crédito, a institucionali-

zação de uma política nacional de valorização do salá-

rio mínimo e a massificação dos programas de transfe-

rência de renda. O crescimento mais acelerado do PIB e

da massa salarial, a redução das taxas de desemprego

acompanhada de um processo de formalização das re-

lações trabalhistas e uma melhor distribuição da renda

do trabalho revelam uma combinação mais propícia ao

desenvolvimento com inclusão social.

No Distrito Federal, o mercado de trabalho acompa-

nhou, em maior ou menor medida, a depender do as-

pecto analisado, as mudanças recentes do mercado de

trabalho e da economia brasileira. Entre 1992 e 1999, de

cada 100 pessoas que ingressaram na PEA, aproxima-

damente 45 o fizeram na condição de desempregado.

Com isso, a taxa de desemprego aumentou de 15,4%

em 1992 para 22,1% sete anos mais tarde, ao passo

que a participação dos ocupados na PEA declinou 6,7

pontos percentuais nesse mesmo intervalo de tempo

(Tabela 1).

Analisando o comportamento da ocupação, obser-

va-se que, de cada 100 postos de trabalho gerados no

Distrito Federal entre 1992 e 1999, aproximadamente

71 eram assalariados, o que não foi suficiente para sus-

tentar a participação deste contingente do mercado de

trabalho na PEA. Interessante notar ainda que o ritmo

de crescimento do trabalho por conta própria (1,8%), in-

ferior ao aumento da PEA (3,8%) e da ocupação (2,6%),

implicou a redução da participação relativa desta forma

de inserção produtiva, tanto na PEA quanto no universo

‘‘

‘‘

A partir de 2004 foi possível observar a recuperação

mais consistente da atividade econômica,

especialmente do mercado de trabalho, impulsionada

pelo cenário externo extremamente favorável

e, paralelamente, pela adoção de algumas

medidas importantes, como a diminuição das taxas

de juros, a ampliação do crédito, a institucionalização

de uma política nacional de valorização do salário mínimo e a massificação

dos programas de transferência de renda.

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Rev

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a

dos trabalhadores ocupados (Tabela 1). Este movimen-

to pode ser visto como uma peculiaridade do mercado

de trabalho local, uma vez que foi justamente o traba-

lho por conta própria, aliado ao trabalho doméstico e ao

emprego sem carteira assinada, que ajudaram a evitar

que o desemprego alcançasse proporções ainda mais

alarmantes no Brasil dos anos 19902.

Dentre os assalariados, constata-se que, no Distrito

Federal, entre 1992 e 1999, o setor privado registrou um

ritmo de crescimento da ocupação mais acelerado do

que o setor público: 4,1% contra 1,3%, respectivamente.

Ainda assim o peso do emprego público na PEA do Dis-

trito Federal era de 22,6% em 1999, um percentual que

pode ser considerado elevado quando comparado às

demais regiões metropolitanas brasileiras pesquisadas

pela PED3. Atendo-se ao setor privado, observa-se que

o crescimento do emprego sem registro em carteira

foi superior ao do emprego com registro (4,7% e 3,9%,

respectivamente). Não obstante, no intervalo de tem-

po analisado, de cada 100 empregos criados no setor

privado, em média, 75 possuíam registro em carteira,

ao passo que 25 trabalhavam à margem da legislação

trabalhista vigente no País (Tabela 1).

Já no período entre 1999 e 2008, em oposição ao

período anterior, o mercado de trabalho do Distrito Fe-

deral apresentou sinais de recuperação sob vários as-

pectos, acompanhando as mudanças vividas pela eco-

nomia brasileira. Em primeiro lugar, cabe destacar que

de cada 100 pessoas que ingressaram no mercado de

trabalho no período em tela, 97 conseguiram alguma

ocupação e somente 3 ficaram desempregadas. Assim

sendo, o nível de ocupação e a taxa de desemprego, em

2008, atingiram, respectivamente, 83,4% e 16,6%. Vale

lembrar que, em 1999, o nível de ocupação era de qua-

se 78% e a taxa de desemprego situava-se ao redor de

22% (Tabela 2).

Tabela 1Distrito Federal: Evolução da população economicamente ativa, da condição de ocupação e do desemprego entre 1992 e 1999.

Itens 1992 1999Variação absoluta

anual Variação relativa

anual

PEA733.181 (100%)

952.644(100%)

31.352 3,8%

PEA ocupada 84,6% 77,9% 17.388 2,6%

Conta própria 11,9% 10,4% 1.626 1,8%

Domésticos 10,0% 9,0% 1.853 2,4%

Outras posições 6,9% 6,5% 1.600 2,9%

AssalariadoSetor PrivadoCom registroSem registroSetor público

55,8%28,9%22,7%6,2%

26,8%

52,0%29,4%22,8%6,6%

22,6%

12.3139.7357.2722.4632.662

2,8%4,1%3,9%4,7%1,3%

Desempregado 15,4% 22,1% 13.964 9,3%

Fonte: PED-DF – convênios Setrab-GDF, Seade-SP e Dieese.

Obs: Quaisquer pequenas diferenças nos dados apresentados devem-se a arredondamentos.

2 BALTAR, P. Estrutura econômica e emprego urbano na década de 1990. In: PRONI, M. W.; HENRIQUE, W. (Org.). Traba-lho, mercado e sociedade: o Brasil nos anos 90. São Paulo: Editora Unesp; Campinas: Instituto de Economia da Unicamp, 2003.

3 De acordo com a PED, em 1999, o peso do emprego público, comparativamente à PEA, nas regiões metropolitana, era de 10,4% em Belo Hori-zonte; 9,7% em Porto Alegre; 10,5% em Recife; 11,1% em Salvador e 6,9% em São Paulo.

36

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37

janeiro / março / 2009

Em termos qualitativos, o mercado de trabalho local

apresentou sinais contraditórios entre 1999 e 2008. Se, de

um lado, o emprego assalariado cresceu de forma mais

acelerada do que o verificado no período precedente

(4,9% contra 2,8%, respectivamente), com destaque para

os contratos de trabalho com registro em carteira (7,3%);

por outro lado, o assalariamento sem o amparo da lei

continuou crescendo em ritmo elevado (5,3%), além do

trabalho por conta própria ter experimentado uma ex-

pansão ainda mais rápida (6,5%) (Tabela 2).

Nesse período, o crescimento do emprego público

foi um pouco superior ao registrado entre 1992 e 1999,

sendo o setor privado, de longe, o principal responsável

pela geração de postos de trabalho assalariados no Dis-

trito Federal entre 1999 e 2008 (Tabela 2).

A menor dependência do mercado de trabalho do

Distrito Federal em relação ao setor público pode ser

atestada ainda pela análise das informações apresen-

tadas nas Tabelas 3 e 4. Nelas, vê-se que apesar de o se-

tor público ostentar nos dois períodos analisados uma

taxa de crescimento da ocupação positiva, esta vem

ocorrendo de forma relativamente estável e sempre

abaixo do ritmo de crescimento da PEA ocupada. Entre

1992 e 1999, a administração pública no Distrito Fede-

ral reduziu a sua participação na ocupação de 20,2%

para 19,5%. No período subseqüente, a queda foi ain-

da mais expressiva, alcançando em 2008 o patamar de

16,1%. Não obstante, a administração pública, ao lado

do comércio, é o segundo maior empregador do Distri-

to Federal, atrás somente do setor de serviços e bem à

frente da indústria e da construção civil.

Como é sabido, o cenário econômico dos anos 1990

foi bastante desfavorável para a produção e o emprego,

uma vez que dois dos principais preços da economia –

a taxa de juros e de câmbio – prejudicaram a expansão

do crédito (e, conseqüentemente, dos investimentos) e

das exportações, e, portanto, o crescimento econômi-

co. Nesse contexto, é natural que a indústria, a constru-

ção civil e o comércio tenham registrado uma retração

relativa no número de postos de trabalho na década

passada. A construção civil, em particular, contabilizou

uma redução em termos absolutos no contingente de

trabalhadores ligados ao setor (Tabela 3). A desvalori-

zação cambial e a trajetória descendente das taxas de

juros básica da economia (Selic) iniciada em meados

de 2003 deram novos estímulos a estes setores que,

Tabela 2Distrito Federal: Evolução da população economicamente ativa, da condição de ocupação e do desemprego entre 1999 e 2000.

Itens 1999 2008Variação absoluta

anualVariação relativa

anual

PEA952.644 (100%)

1.341.078(100%)

43.159 3,9%

PEA ocupada 77,9% 83,4% 41.862 4,7%

Conta própria 10,4% 13,0% 8.427 6,5%

Domésticos 9,0% 7,6% 1.714 1,8%

Outras posições 6,5% 6,1% 2.199 3,1%

AssalariadoSetor PrivadoCom registroSem registroSetor público

52,0%29,4%22,8%6,6%

22,6%

56,8%38,1%30,6%7,5%

18,7%

29.52325.58921.4334.1563.928

4,9%6,9%7,3%5,3%1,7%

Desempregado 22,1% 16,6% 1.297 0,6%

Fonte: PED-DF – convênios Setrab-GDF, Seade-SP e Dieese.

Obs: Quaisquer pequenas diferenças nos dados apresentados devem-se a arredondamentos.

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a

acompanhado do crescimento da massa salarial, pu-

deram voltar a ampliar a oferta de postos de trabalho

(Tabela 4).

Com relação ao setor de serviços, percebe-se que

sua importância como o principal setor da atividade

econômica em termos de absorção de mão-de-obra

consolidou-se ao longo dos anos 1990 e dos 2000. So-

mente na presente década, de cada 100 ocupações ge-

radas, cerca de 60 foram neste setor.

Assim sendo, percebe-se que o mercado de trabalho

do Distrito Federal ainda encontra-se muito dependen-

te do setor de serviços, da administração pública e do

Tabela 4Distrito Federal: Evolução da ocupação segundo setor de atividade entre 1999 e 2008.

Itens 1999 2008Variação absoluta

anualVariação relativa

anual

PEA ocupada742.239(100%)

1.118.998(100%)

41.862 4,7%

Indústria 3,9% 4,1% 1.900 5,2%

Construção civil 4,1% 4,5% 2.278 5,9%

Comércio 14,5% 16,0% 7.984 5,8%

Serviços 57,2% 58,0% 25.004 4,8%

Administração Pública 19,5% 16,1% 4.000 2,5%

Outros setores 0,9% 1,1% 682 7,8%

Fonte: PED-DF – convênios Setrab-GDF, Seade-SP e Dieese.

Obs: Quaisquer pequenas diferenças nos dados apresentados devem-se a arredondamentos.

Tabela 3Distrito Federal: Evolução da ocupação segundo setor de atividade entre 1992 e 1999.

Itens 1992 1999Variação absoluta

anual Variação relativa

anual

PEA ocupada620.524(100%)

742.239(100%)

17.388 2,6%

Indústria 4,3% 3,9% 392 1,4%

Construção civil 11,9% 10,4% 1.626 1,8%

Comércio 15,0% 14,5% 2.067 2,1%

Serviços 53,7% 57,2% 13.032 3,5%

Administração Pública 20,2% 19,5% 2.776 2,1%

Outros setores 1,4% 0,9% -291 -3,9%

Fonte: PED-DF – convênios Setrab-GDF, Seade-SP e Dieese.

Obs: Quaisquer pequenas diferenças nos dados apresentados devem-se a arredondamentos.

38

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janeiro / março / 2009

Tabela 5Distrito Federal: Evolução da ocupação segundo setor de atividade de serviços entre 1992 e 1999.

Itens 1992 1999Variação absoluta

anual Variação relativa

anual

Ocupados nos serviços333.058(100%)

424.279(100%)

13.032 3,5%

Oficina 3,6% 3,2% 242 1,9%

Reparação 10,6% 7,8% -329 -1,0%

Transportes 6,8% 5,8% 273 1,2%

Especializado 5,2% 7,1% 1.790 8,0%

Creditício 6,1% 4,7% -67 -0,3%

Alimentação 7,9% 8,5% 1.400 4,6%

Educação 12,2% 12,9% 1.989 4,3%

Saúde 7,8% 8,5% 1.450 4,8%

Auxiliares 2,8% 3,3% 701 6,3%

Serviços Domésticos 22,0% 20,3% 1.850 2,4%

Serviços Pessoais 2,6% 3,5% 866 7,9%

Serviços Comunitários 2,9% 4,2% 1.157 9,2%

Outros Serviços* 9,5% 10,3% 1.713 4,7%

Fonte: PED-DF – convênios Setrab-GDF, Seade-SP e DieeseE.

Obs: Quaisquer pequenas diferenças nos dados apresentados devem-se a arredondamentos.

* Serviços de comunicação; diversões, radiodifusão e teledifusão; comércio e adm. de valores imobiliário e de imóveis;

serviços de utilidade pública; e outros serviços.

comércio, enquanto que a construção civil e a indústria

de transformação possuem uma importância secundá-

ria. O fato é que as mudanças em curso desde a década

passada pouco contribuíram para alterar esse quadro.

Da análise do comportamento dos serviços, cons-

tata-se que, entre 1992 e 1999, o crescimento do setor

foi sustentado, principalmente, pelos serviços comuni-

tários (9,2%), especializados (8,0%) e pessoais (7,9%),

muito embora os serviços domésticos ainda tenham

permanecido como principal empregador do setor: 2

em cada 10 ocupados nos serviços exerciam, em 1999,

atividades domésticas (Tabela 5).

Por outro lado, no período em tela, tanto o segmen-

to de reparação (-329, por ano) quanto o ramo credití-

cio (-67, por ano), assinalaram uma supressão, em ter-

mos absolutos, de postos de trabalho (Tabela 5).

Entre 1999 e 2008, por sua vez, o setor de serviços

cresceu de forma ainda mais expressiva: 4,8% contra

3,5% do período anterior. Tal crescimento alicerçou-

se, fundamentalmente, na excelente performance dos

serviços auxiliares (17,8%), nos serviços pessoais (9,4%)

e, em menor medida, no ramo alimentício (5,6%) e no

agregado outros serviços (5,5%). Juntos, estes setores

responderam por 52 de cada 100 postos de trabalho

criados nos serviços. Na outra ponta, apresentaram

crescimentos bem mais modestos os serviços domésti-

cos (1,8%), reparação (2,7%) e transportes (2,7%).

Os salários no mercado de trabalho do Distrito

Federal acompanharam a tendência nacional. Primei-

ramente, percebe-se que a estabilização dos preços a

partir de meados de 1994 trouxe consigo benefícios

salariais não desprezíveis para o conjunto dos traba-

lhadores. Entre 1992 e 1995, por exemplo, os ocupa-

dos contabilizaram uma expansão dos rendimentos

de aproximadamente 7,4% acima da inflação, saindo

de R$ 1.699 para R$ 1.824. Nesse mesmo intervalo de

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a

tempo, o principal destaque foi a ampliação do poder

de compra dos trabalhadores autônomos, com um ga-

nho real de quase 25,0% (Tabela 7).

Entretanto, a evolução real dos rendimentos na se-

gunda metade da década passada apresentou resulta-

dos diametralmente opostos ao verificado entre 1992

e 1995. A manutenção das taxas de juros entre as maio-

res do mundo combinada com uma sobrevalorização

da moeda nacional, entre outros fatores, minaram a

capacidade de investimento privado fazendo com que

as taxas de desemprego explodissem. No setor público

o enorme esforço fiscal com vista à rolagem da dívida

pública, alimentado pelas exorbitantes taxas de juros,

também deixou pouca margem de manobra para a

ampliação dos investimentos públicos.

Além disso, a ausência de uma política de elevação

dos salários de base da economia dificultou sobrema-

neira o processo de expansão dos salários na econo-

mia brasileira e acentuou ainda mais a concentração

de renda. Na defensiva, o movimento sindical viu seu

poder de barganha reduzido significativamente.

Ao final da década passada, o resultado, portanto,

não poderia ter sido outro: em termos reais, os rendi-

mentos dos ocupados registraram um recuo superior

a 5,0%, atingindo, em 2000, o patamar de R$ 1.729. No

mesmo sentido, os assalariados contabilizaram um de-

créscimo dos rendimentos em quase 10%, refletindo

a queda verificada tanto no setor privado quanto no

setor público. No entanto, os trabalhadores autônomos

foram os mais prejudicados, assinalando, no ano 2000,

um rendimento médio real quase 20,0% inferior ao vi-

gente em 1995 (Tabela 7).

A Tabela 7 mostra ainda que a tendência baixista

dos salários no Distrito Federal aprofundou-se entre

2000 e 2003. A partir daí, no rastro de um crescimento

econômico mais robusto, como já foi mencionado an-

teriormente, os salários voltam a contabilizar taxas de

crescimento superior à inflação. Entre 2003 e 2008, o

Tabela 6Distrito Federal: Evolução da ocupação segundo setor de atividade de serviços entre 1999 e 2008.

Itens 1999 2008Variação absoluta

anual Variação relativa

anual

Ocupados nos serviços424.279(100%)

649.314(100%)

25.004 4,8%

Oficina 3,2% 3,2% 796 4,8%

Reparação 7,8% 6,5% 1.009 2,7%

Transportes 5,8% 4,8% 722 2,7%

Especializado 7,1% 6,9% 1.685 4,7%

Creditício 4,7% 4,7% 1.190 4,9%

Alimentação 8,5% 9,1% 2.539 5,6%

Educação 12,9% 11,5% 2.224 3,5%

Saúde 8,5% 8,5% 2.106 4,8%

Auxiliares 3,3% 9,5% 5.312 17,8%

Serviços Domésticos 20,3% 15,6% 1.714 1,8%

Serviços Pessoais 3,5% 5,1% 2.019 9,4%

Serviços Comunitários 4,2% 3,6% 662 3,3%

Outros Serviços* 10,3% 10,9% 3.026 5,5%

Fonte: PED-DF – convênios Setrab-GDF, Seade-SP e Dieese.

Obs: Quaisquer pequenas diferenças nos dados apresentados devem-se a arredondamentos.

* Serviços de comunicação; diversões, radiodifusão e teledifusão; comércio e adm. de valores imobiliário e de imóveis;

serviços de utilidade pública; e outros serviços.

40

Page 43: 37-revista

41

janeiro / março / 2009

Tabela 7

Distrito Federal: Rendimento* médio real por posição na ocupação nos períodos selecionados entre 1992 e 2008

R$

Posição na ocupaçãoAno

1992 1995 2000 2003 2008

Ocupados 1.699 1.824 1.729 1.485 1.729

Assalariados 1.997 2.116 1.908 1.675 1.988

Setor Privado 1.095 1.128 1.069 924 1.005

Setor Público 2.962 3.214 3.039 2.893 4.150

Autônomos 980 1.222 983 796 880

* Em reais. Valores atualizados até novembro de 2008.

rendimento médio real dos ocupados aumenta apro-

ximadamente 16,4% e dos assalariados, 18,7%. Nesse

último caso, o crescimento mais expressivo ficou por

conta do rendimento dos trabalhadores do setor públi-

co (43,4%), uma vez que o rendimento no setor privado

apresentou uma elevação bem mais modesta (8,8%).

Os autônomos, por seu turno, registraram em 2008 um

rendimento médio em termos reais 10,6% superior ao

verificado em 2003 (Tabela 7).

Interessante notar, entretanto, que a recuperação

recente dos salários no mercado de trabalho do Distri-

to Federal não foi o suficiente para retornar ao patamar

salarial vigente em 1995, exceto no caso dos trabalha-

dores do setor público. A título ilustrativo, cabe citar

que o rendimento médio real dos ocupados em 2008

representava cerca de 95,0% daquele verificado em

1995 (Tabela 7).

À Guisa de Conclusão: uma Proposta de Agenda

Futura de Pesquisas

O mercado de trabalho no Distrito Federal se dis-

tingue das demais Regiões Metropolitanas brasileiras

pesquisadas pela Pesquisa de Emprego e Desemprego

– PED devido a sua estrutura ocupacional, que apre-

senta especificidades dignas de notas, dentre elas: uma

participação significativa da administração pública na

ocupação total, uma expressiva concentração de renda

entre setores de atividade e regiões administrativas e

uma dinâmica ocupacional determinada pelo setor de

serviços, imprimindo características típicas das chama-

das economias “terciarizadas”.

Nesse sentido, cumpre investigar com mais profun-

didade, nas pesquisas a serem realizadas nos próximos

anos, os seguintes aspectos do mercado de trabalho

local:

MULHERES – Desde 1992, quando se iniciou a PED

no Distrito Federal, o mercado de trabalho passou por

grandes transformações decorrentes, principalmente,

da forte presença das mulheres, cuja taxa de partici-

pação cresceu a um ritmo muito superior ao verifica-

do para os homens. A maior participação das mulheres

no mercado de trabalho pode estar associada a vários

fatores, dentre eles à queda do rendimento familiar

e ao próprio perfil do mercado de trabalho do DF, no

qual se constata a reduzida participação da indústria

4 MARQUES, L. A.; IBARRA, A. O mercado de trabalho no DF entre 1992 e 2004. Revista de Conjuntura, Corecon DF, ano 6, n. 21, p. 11-16, jan./mar. 2005.

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ntur

a

de transformação, além da maior escolaridade da mão-

de-obra feminina em relação à de outras metrópoles

brasileiras4. Entender os fatores que influenciam esse

comportamento e as implicações sobre a demanda por

serviços públicos parece ser de extrema importância

para os formuladores de políticas locais.

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – Entre 1992 e 2004 o

forte ajuste sobre o setor público provocou uma sen-

sível redução da participação da administração pública

na ocupação total. Já nos anos seguintes houve um in-

cremento do emprego, insuficiente, entretanto, para re-

cuperar sua posição anterior na estrutura ocupacional.

Contudo, o rendimento real da administração pública

cresceu a taxas superiores às da iniciativa privada impli-

cando um fortalecimento da massa salarial responsável

por grande parte da dinamização recente da economia

do Distrito Federal. Portanto, mediante estudos compa-

rativos com estruturas ocupacionais distintas, há que

se buscar entender melhor os impactos decorrentes

das medidas de política econômica associadas à con-

juntura econômica, notadamente as políticas de crédi-

to (especialmente o consignado), fiscais e monetárias,

considerando-se as características do emprego e da

negociação coletiva na administração pública.

TRABALHADORES POR CONTA PRÓPRIA – O com-

portamento do nível de emprego dos trabalhadores

por conta própria parece ser pró-cíclico no contexto do

mercado de trabalho distrital. Isso significa dizer que,

no período de desaceleração econômica da década

de 1990, a evolução dessas ocupações foi tímida e não

chegou a compensar a decaída do emprego formal,

implicando maior desemprego para os trabalhadores

brasilienses. Em sentido contrário, a partir da recupera-

ção observada dos anos 2000, o ritmo de crescimento

do emprego dos autônomos passa também a acelerar,

o que pode estar associado ao incremento da terceiri-

zação e à maior necessidade de contratação dos servi-

ços de trabalhadores por conta própria pelas empresas.

Esse fato, que parece paradoxal com as análises reali-

zadas para as demais regiões metropolitanas do País,

é de crucial interesse para o aprofundamento do en-

tendimento acerca das características e da dinâmica do

mercado de trabalho local.

DESIGUALDADE DE RENDIMENTOS – As principais

informações estatísticas sobre mercado de trabalho

mostram que o Distrito Federal ostenta a pior distribui-

ção de renda do País. Como se produziram e se repro-

duzem essas desigualdades ao longo do tempo consti-

tui um importante tema para estudos futuros.

OUTROS TEMAS – desemprego juvenil, questão ra-

cial e discriminação no mercado de trabalho, informa-

lidade e precariedade (emprego em setores de baixa

produtividade, reconhecida instabilidade laboral, bai-

xas remunerações e falta de acesso à seguridade so-

cial). Segundo as estatísticas conhecidas, nas regiões

metropolitanas, pelo menos 40% dos ocupados traba-

lham por conta própria, no serviço doméstico ou em

micro e pequenas empresas de baixa produtividade e

renda – problemas estruturais do País que exigem um

aprofundamento analítico que leve em conta a compo-

sição específica e as potencialidades dos mercados de

trabalhos locais para a sua superação.

Tiago OliveiraGraduado em Economia pela Universidade Federal da Bahia

– UFBA e possui mestrado em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Atualmente, é

analista da Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED do Distrito Federal.

Marcelo Lopes de SouzaGraduado em Economia pela Universidade

Federal de Uberlândia – UFU e possui mestrado em Economia pela mesma instituição. Atualmente, é técnico do

Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos – Dieese do Distrito Federal.

Rosane de Almeida MaiaGraduada em Economia pela Universidade de Brasília – UnB,

possui mestrado em Economia pela Universidade de São Paulo – USP e doutorado em Economia Social e do Trabalho pela Univer-

sidade Estadual de Campinas – Unicamp. Atualmente, é assessora da direção técnica do Departamento Intersindical de Estatística de

Estudos Sócio-Econômicos – Dieese.

42

Page 45: 37-revista

43

janeiro / março / 2009

Introdução

Este artigo utiliza o instrumental da Teoria dos Jo-

gos para analisar um cenário em que empresas tomam

decisões de preço de venda em uma licitação na mo-

dalidade Convite. Por outro ângulo, será examinado um

jogo licitatório, no qual o administrador público irá ad-

quirir um bem.

A decisão de um jogador é função da expectativa

de reação dos seus oponentes. O ambiente institucio-

nal é conformado pelas regras que emanam da Lei nº

8.666/93.

Essencialmente, um licitante pensa na provável ati-

tude dos outros licitantes. Antes de uma empresa fixar

seu preço para oferecê-lo ao administrador, o fator cru-

cial é a compreensão do ponto de vista do adversário

– de que modo ele irá agir. A dedução do que ele fará é

que define sua estratégia de preço. Note: os agentes só

dispõem de uma jogada.

Pretende-se demonstrar que o Convite é uma mo-

dalidade licitatória que tende a ser desvantajosa ao ad-

ministrador público.

Comentários iniciais

A Lei nº 8.666/93 estabelece que o Convite será reali-

zado entre interessados do ramo de que trata o objeto da

licitação escolhidos e convidados em número mínimo de

três pela Administração (parágrafo 3º do artigo 22).

O administrador público define quem será convida-

do, dentre os possíveis interessados, cadastrados ou não.

Para tanto, providencia a divulgação por meio de afixa-

ção de cópia do Convite em quadro de avisos do órgão

ou entidade, localizado em lugar de ampla divulgação.

É possível a participação de interessados que não

tenham sido formalmente convidados, mas que sejam

do ramo do objeto licitado, desde que cadastrados no

órgão ou entidade licitadora ou no Sistema de Cadas-

tramento Unificado de Fornecedores – Sicaf. Esses inte-

ressados devem solicitar o convite com antecedência

de até 24 horas da apresentação das propostas. Para

que a contratação seja possível, são necessárias pelo

menos três propostas válidas, isto é, que atendam a to-

das as exigências do ato convocatório.

Assim, quando for decidir a própria estratégia, ne-

nhum jogador saberá exatamente o que outro jogador

fará, embora a racionalidade esteja presente em qual-

quer decisão. Há apenas uma jogada para cada agente.

Isto é, não há repetição de lances.

Análise

Neste jogo de duopólio, uma empresa raciocina

como líder, e se comporta de forma dominante. As

Nash desfavorável ao administrador público:

o jogo do ConviteJosé Henrique Fernandes Borges

Artigo

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a

demais reconhecem tacitamente essa liderança, e for-

mam um bloco seguidor.

Estratégia A do líder. Decisão agressiva. Ele paga

mais do que o orçamento do administrador, supondo

que os demais licitantes adotarão uma estratégia mo-

deradamente agressiva. Deseja vencer. Sabe que os

demais concorrentes o vêem como líder. Elabora uma

estratégia Maximin: oferece um preço supostamente

mais atrativo que as seguidoras, porém na perspectiva

de que as propostas irão gravitar em torno do valor do

orçamento.

Estratégia A dos demais licitantes. Movimento mo-

deradamente agressivo. Estão dispostos a pagar um

pouco mais do que o orçamento apresentado pela

Administração, supondo que o líder adotará uma es-

tratégia agressiva. Desejam vencer, mas supõem que

têm pouca chance. Reconhecem a supremacia do líder.

Também reconhecem que o orçamento pressiona as

propostas para cima, mas para valores próximos do or-

çado. Prevalece a estratégia Maxmin, pois na presunção

de uma reação conservadora do líder, minimizariam

uma perda representada pela diferença do preço ofe-

recido por eles e o orçado pelo administrador.

O líder compreende que os oponentes o reconhe-

cem como tal e então a adoção de uma estratégia con-

servadora será suficiente: ele minimiza o desembolso

que terá. Os concorrentes imaginam algo similar, só

que do ponto de vista de seguidores: eles adotam a

estratégia conservadora para minimizar o pagamento

na expectativa de que podem ganhar se o líder hesitar.

Obtém-se um equilíbrio Maxmim em (C,c). Tal resultado

é um equilíbrio de Nash estável porque nenhum agen-

te pode melhorar ao se deslocar para outras posições, o

que caracteriza um ótimo de Pareto.

Para a Administração, o melhor desfecho seria (A,

a), que significa um equilíbrio de Nash instável porque

não se configura em ótimo de Pareto. Nesse contexto,

paradoxalmente para o Serviço Público, a situação dos

jogadores pode melhorar ao se deslocar para as estra-

tégias (C,c). Observe que essas são Pareto eficientes no

contexto do jogo. E são um equilíbrio de Nash. Logo,

aspectos normativos inerentes ao Convite geram mo-

vimentos estratégicos que resultam em um equilíbrio

estável desvantajoso para o administrador público.

Algebricamente:

A = PL – Ω

a = pd – Ω

C = P’L – Ω

c = p’d – Ω

Legenda:

PL: preço agressivo oferecido pelo líder.

Matriz de estratégias

Demais licitantes (Estratégias)

Licitante líder

(Estratégias)

Agressiva (a) Conservadora (c)

Agressiva (A) (A. a) (A, c)

Conservadora (C) (C, a) (C, c)

44

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45

janeiro / março / 2009

pd: preço levemente agressivo dos demais licitantes,

calcado na expectativa de o líder adotar estratégia

agressiva;

P’L: preço moderadamente conservador adotado

pelo líder, na hipótese de as demais empresas ado-

tarem estratégia levemente agressiva;

p’d: preço conservador adotado pelas demais em-

presas, supondo que a líder implementará estraté-

gia moderadamente conservadora;

Ω: valor do orçamento estipulado pelo administra-

dor público para adquirir determinado bem;

Por álgebra linear, elimina-se Ω que ocorre em todas

as expressões. E, de acordo com o comportamento

estratégico definido, tem-se:

PL > P’

L > p

d > p’

d . Além disso, o preço moderada-

mente conservador apresentado pelo líder (P’L)

tende para um valor próximo do orçamento do

administrador (Ω), contudo, superior ao preço con-

servador fixado pelos demais licitantes. Assim, ob-

tém-se o ponto (P’L, p’

d), gerado pelos movimentos

conservadores e que produzem um equilíbrio de

Nash estável em estratégias Maximin.

Conclusão

Desse modo, o jogo do Convite conduz a um par de

estratégias ótimas para as empresas licitantes: a opção

moderadamente conservadora do líder é estável, dada

a escolha dos demais licitantes. Estes, por sua vez, deci-

dem pelo conservadorismo, na pressuposição do mo-

vimento estratégico do líder. Nenhum agente possui

estímulo para se deslocar desse ponto, no qual se maxi-

mizam as menores perdas (Maxmin). Como os jogado-

res não podem melhorar em situação diferente, tem-se

um equilíbrio de Nash com ótimo de Pareto. É um des-

fecho que tende para o valor do orçamento apresenta-

do pela Administração, pois não há incentivos para se

oferecer preços muito acima do orçado.

Portanto, o resultado é desfavorável ao administra-

dor público. Tal desvantagem se torna mais adversa ao

se levar em conta que o Legislador, ao conceber a Lei nº

8.666/93, pretendeu aumentar a competição para que

a Administração obtivesse propostas financeiras mais

vantajosas.

José Henrique Fernandes BorgesEconomista, especialista em administração

financeira e analista de finanças e controle da Controladoria-Geral da União - CGU.

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a

Segundo o Ipea (2009), “entre 1970 e 2007 foram

contabilizadas 124 crises bancárias sistêmicas, 208 cri-

ses cambiais e 63 episódios de não-pagamento de dívi-

da soberana. Esses indicadores representam três crises

bancárias, cinco crises cambiais e quase dois eventos

de não - pagamento de dívida soberana por ano”.

A atual crise financeira internacional, entretanto,

assumiu dimensões que pode levar a uma grande de-

pressão, caso os governos não adotem medidas fortes

de intervenção na economia. Não há mais controvérsia

sobre os riscos e a intensidade da crise. Poucos analis-

tas a qualificam como mais uma crise passageira, que

deixará poucas cicatrizes. A grande maioria avalia que a

crise poderá assumir dimensões comparáveis às da de-

pressão de 1929 – que levou à falência 9 mil bancos e

85 mil empresas; reduziu 85% o valor das ações (1929-

1932); queda salarial de 60%; e desemprego de 13 mi-

lhões, somente nos EUA. A fome aliada ao desemprego,

mais o abandono social, marcaram os EUA da primeira

metade dos anos 1930 (PRADO, 2009).

A recuperação da economia americana ocorre

com o New Deal – política intervencionista colocada

em prática pelo presidente Roosevelt em1933, influen-

ciada pelas idéias do economista inglês John Maynard

keynes. Consistiu num programa de reformas econô-

micas que incluía frentes de trabalho, controle de cré-

dito, financiamento das exportações, fixação do salário

mínimo, limite à jornada de trabalho e ampliação da

previdência social etc. A obras públicas tornaram prio-

ridade e espalharam-se pelo país: construíram-se 2 mil

500 hospitais, 6 mil escolas e 13 mil centros de lazer,

além de hidrelétricas, rodovias etc. Em 1937, os EUA já

haviam reduzido desemprego à metade e com aumen-

to de 70% na renda. O resultado político foi a sua reelei-

ção e de seu sucessor, garantindo 20 anos de governos

democratas.

Os cenários mais pessimistas para a crise atual,

entretanto, não têm indicadores consistentes, nem é

possível avaliar a evolução da crise com algum grau de

probabilidade forte.

No caso brasileiro, a avaliação da crise evoluiu de

um otimismo exagerado, de que a economia não seria

atingida pela crise, ao “pânico” do final de 2008 e iní-

cio de 2009, após o tombo de novembro e dezembro.

A questão é que não há clareza, ainda, de qual o im-

pacto e como será a evolução da reação da economia

brasileira. O “efeito China” pode levar à compensação

das perdas em outros mercados e a um rápido reergui-

mento da economia, além da força do mercado interno,

ampliado pela estratégia de desenvolvimento baseada

no “modelo de consumo de massa” e operado pelas po-

líticas sociais e de transferência de renda.

Este artigo analisa o processo de contaminação da

economia brasileira pela crise financeira internacional

A reação da Economia Brasileira aos impactos da crise

financeira internacionalJosé Luiz Pagnussat

Artigo

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Page 49: 37-revista

47

janeiro / março / 2009

e a reação da economia neste início de ano. Inicialmen-

te o artigo apresenta a evolução da crise financeira in-

ternacional e da percepção da dimensão e desdobra-

mentos da crise, subestimada, num primeiro momento,

por todos os governos e instituições. As sucessivas

reavaliações, com previsões cada vez mais pessimis-

tas, resultaram em intervenção crescente do Estado

com bilionários pacotes de ajuda financeira aos seto-

res em dificuldades. Aparentemente a reunião do G20,

em Londres, foi o marco de reversão desse pessimismo

crescente. A segunda parte procura analisar o compor-

tamento da economia brasileira neste início de ano e

os indícios de retomada do crescimento econômico e

sua consistência, considerando os dados de produção

da indústria e da agricultura.

Evolução da crise

Para efeito didático podemos identificar três está-

gios da crise: o do estouro da bolha imobiliária; a crise

dos bancos; e o contágio do lado real da economia.

O primeiro estágio da crise financeira internacional

ocorre nos EUA, em 2007, com a derrocada do mercado

de hipotecas subprime e a elevação da inadimplência

nos empréstimos imobiliários. Com a inadimplência, as

garantias e seguros envolvidos com as hipotecas passa-

ram a ser exercidos e o contágio da crise se dissemina.

Os sinais de desequilíbrio vinham se intensificando

com a elevação dos juros americanos, que era de 1% a.a

em janeiro de 2004, quando passa a subir; alcança 2,25%,

em janeiro de 2005; e atinge o pico de 5,25%, no período

de junho de 2006 a agosto de 2007, quando inverte a

tendência de alta. Era evidente a incapacidade de paga-

mento de parcela dos mutuários, que não possuíam ren-

da compatível com as prestações das hipotecas.

O risco de crise sistêmica já era uma idéia que ga-

nhava força, desde o início de 2007, com as notícias de

que as perdas seriam elevadas no mercado de subpri-

me e que poderiam comprometer a saúde financeira

de grandes bancos e fundos de investimentos, além de

companhias de valores mobiliários e seguradoras.

O marco desse primeiro estágio da crise ocorre

quando, a partir de setembro de 2007, o FED (Federal

Reserve) passa a reduzir os juros, mas não consegue

impedir o estouro da bolha imobiliária. As sucessivas

reduções nos juros americanos fazem cair de 5,25% em

setembro de 2007, para 1% em outubro de 2008 e 0% a

0,25% em dezembro.

A globalização financeira faz a crise se espalhar, em

2008. A potencialização da crise decorre das operações

de securitização dos créditos. Com a securitização, os

créditos em carteira são convertidos em títulos nego-

ciáveis no mercado, revendidos para investidores de

todo o mundo. Os papéis lastreados em hipotecas se

1 O G20 – grupo que reúne representantes de países ricos e dos principais emergentes. Inclui os países do G8 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, Canadá, Itália e Rússia), a União Européia e mais 11 nações emergentes (Brasil, Argentina, México, China, Índia, Austrália, Indonésia, Arábia Saudita, áfrica do Sul, Coréia do Sul e Turquia). Na reunião de Londres, a Espanha participou como convidada.

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Os sinais de desequilíbrio vinham se intensificando com a elevação dos juros americanos, que era de

1% a.a em janeiro de 2004, quando passa a subir; alcança

2,25%, em janeiro de 2005; e atinge o pico de 5,25%, no período de junho de 2006 a agosto de 2007, quando

inverte a tendência de alta. Era evidente a incapacidade

de pagamento de parcela dos mutuários, que não possuíam

renda compatível com as prestações das hipotecas.

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espalharam pelas carteiras de vários fundos e bancos

de todos os continentes. Mas não se conheciam os nú-

meros nem os possíveis prejuízos.

A confirmação das perdas sofridas por bancos

envolvidos com as hipotecas subprime traz grande

desconfiança nos mercados financeiros, provocando

uma crise de liquidez que se espalha e atinge todas as

economias.

O segundo estágio da crise financeira internacional

foi o da insolvência de grandes bancos. A crise se agra-

va quando as instituições chave da ciranda financeira

contabilizam grandes prejuízos e não conseguem se

equilibrar, necessitando da intervenção do governo

para não quebrar. O sistema bancário do mundo desen-

volvido quebrou. Entretanto, bancos grandes não po-

dem ir à falência, pois desencadeiam um efeito dominó,

tornando muito grande o risco de crise sistêmica. Esta

é a lição não apreendida pelo governo conservador de

George W. Bush.

Ocorre a falência em cadeia de grandes bancos de

investimento, de companhias de financiamento imobi-

liário, de grandes seguradoras, etc., ampliando-se a cri-

se de confiança que faz contrair o crédito e produz um

forte aperto de liquidez.

O valor de mercado dos grandes bancos dos pa-

íses ricos desaba a menos de 20%, entre janeiro de

2007 e março de 2008. Dez grandes bancos americanos

e europeus têm uma redução no valor de mercado de

mais de um trilhão de dólares.

Todos os 5 maiores bancos de investimento ame-

ricanos foram arrasados pela crise. O Bear Stearn foi

comprado, ainda no primeiro semestre de 2008, pelo J.

P. Morgan, graças a um aporte de recursos do governo

americano de US$ 25 bilhões. O Merrill Lynch foi vendi-

do ao Bank of America. O Goldman Sachs e o Morgan

Stanley optaram por uma maior regulação e transfor-

maram-se em bancos de varejo.

Com a falência do Lehman Brothers a crise se inten-

sifica a partir de setembro de 2008. A decisão do go-

verno americano de não intervir e deixar quebrar um

grande banco provoca um verdadeiro estouro da bolha

financeira. O banco estava inundado com papéis imo-

biliários e excessivamente alavancado (cerca de 30 ve-

zes), vai a falência em 14 de setembro, sendo que na se-

mana anterior havia perdido cerca de 75% de seu valor.

O vacilo alerta as autoridades econômicas mun-

diais, em particular dos EUA, sobre a gravidade da crise.

Os governos dos países desenvolvidos passam a atu-

ar ativamente com medidas fortes, que incluem mega

pacotes de socorro às instituições financeiras, redução

drástica dos juros e ampliação do crédito, para evitar

que a crise financeira se aprofunde resultando em uma

grande e prolongada depressão, com efeitos desastro-

sos para a economia e o conjunto da sociedade.

No dia seguinte à falência do Lehman Brothers,

ocorre o salvamento da seguradora AIG (American In-

ternational Group), nos EUA, e sucessivos pacotes bilio-

nários (US$ 700 bilhões de imediato) para dar solvência

aos bancos. O FED se transforma em banco de socorro

para os bancos comerciais e de investimento. Seguem-

se a redução coordenada de juros pelos bancos cen-

trais e diversas intervenções de governos europeus

para socorro dos seus bancos. Há uma implosão do Tra-

tado de Maastricht, marco significativo no processo de

‘‘

‘‘

Com a falência do Lehman Brothers a crise se intensifica

a partir de setembro de 2008. A decisão do governo americano de não intervir e deixar quebrar um grande

banco provoca um verdadeiro estouro da bolha financeira. O banco estava inundado com papéis imobiliários e

excessivamente alavancado (cerca de 30 vezes), vai a

falência em 14 de setembro, sendo que na semana anterior

havia perdido cerca de 75% de seu valor.

48

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janeiro / março / 2009

unificação européia, que fixa o teto da dívida pública

em 60% do PIB. Os governos abandonam os princípios

de “responsabilidade fiscal” e os parâmetros da política

monetária. A prioridade é a sobrevivência do sistema

financeiro e a reversão do processo recessivo que se

encaminhava para uma grande depressão econômica.

O terceiro estágio é o impacto da crise no lado real

da economia. A crise alcança o lado real da economia

de forma definitiva quando a redução das taxas de ju-

ros nos EUA e Europa já não funcionam mais e as eco-

nomias ampliam a recessão.

Para o Ipea (2009) os efeitos se tornaram mais con-

tundentes e recessivos, a partir do final de 2008, e “o

ano de 2009 começa com a previsão de decréscimo do

comércio mundial, o primeiro desde 1982 e possivel-

mente o mais profundo desde a Grande Depressão”.

A escassez de crédito e a drástica redução da de-

manda de bens duráveis, como automóveis e eletroe-

letrônicos, fez com que setores produtivos importantes

entrassem em processo de insolvência, demandando

a intervenção dos governos para não quebrar. O caso

mais marcante é o da indústria automobilística ame-

ricana, que mesmo com o apoio do governo não há

como reverter o desequilíbrio de algumas montadoras.

O plano de resgate das montadoras (GM e Chrysler)

aprovado em dezembro teve que ser ampliado levan-

do a intervenção do Estado na GM.

Os pacotes de ajuda, que inicialmente se destina-

vam a compra de créditos podres das instituições fi-

nanceiras em dificuldades, passam a prestar socorro ao

setor produtivo e a focalizar melhor as pessoas, os pe-

quenos empreendimentos e a garantia dos empregos.

Evolução do pessimismo

A avaliação inicial da dimensão e desdobramentos

da crise foi subestimada por todos os governos e ins-

tituições. Esse otimismo evolui para o “pânico”, dada a

Tabela 1: Crescimento real do PIB mundial e evolução das projeções para 2009 (em %)

Países e regiões% de Crescimento do PIB

Projeção de nov/08

Projeção de jan/09

Projeção de abr/09

2007 2008 2009 2009 2009

PIB Mundial 5,2 3,2 2,2 0,5 -1,3

Países desenvolvidos 2,7 0,9 -0,3 -2,0 -3,8

Estados Unidos 2,0 1,1 -0,7 -1,6 -2,8

Zona do Euro 2,7 0,9 -0,5 -2,0 -4,2

Alemanha 2,5 1,3 -0,8 -2,5 -5,6

França 2,1 0,7 -0,5 -1,9 -3.0

Itália 1,5 -0,2 -0,6 -2,1 -4,4

Espanha 3,7 1,2 -0,7 -1,7 -3,0

Japão 2,4 -0,3 -0,2 -2,6 -6,2

Reino Unido 3,0 0,7 -1,3 -2,8 -4,1

Canadá 2,7 0,5 0,3 -1,2 -2.5

Países em desenvolvimento 8,3 6,1 5,1 3,3 1,6

América Latina 5,7 51 2,5 1,1 -1,5

Brasil 5,7 5,8 3,0 1,8 -1,3

México 3,3 1,3 0,9 -0,3 -3,7

ásia 10,6 7,7 7,1 5,5 4,8

China 13,0 9,0 8,5 6,7 6.5

Índia 9,3 7,3 6,3 5,1 4,5

Europa Central e Oriental 5,4 2,9 2,5 -0,4 -3,7

Rússia 8,1 6,2 3,5 -0,7 -6,0

áfrica 6,2 5,2 4,7 3,4 2,0

Fonte: FMI, World Economic Outlook – nov/2008, jan/2009 e abr/2009

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a

ineficiência das ações de política econômica e a propa-

gação da crise, com o rápido contágio sobre as princi-

pais praças financeiras do mundo e os crescentes im-

pactos sobre o sistema produtivo.

Os dados da Tabela 1 ilustram essa mudança radi-

cal de humor dos agentes econômicos internacionais.

Os dados mostram a evolução das projeções de cresci-

mento econômico divulgados pelo FMI (Fundo Mone-

tário Internacional). A avaliação do Fundo, em novem-

bro de 2008, era de que a economia mundial iria crescer

2,2% em 2009, em janeiro essa avaliação caiu para 0,5%,

e em abril -1,3%.

A evolução das projeções mostra a incerteza dos

governos e instituições sobre os desdobramentos da

crise. Em abril, na verdade já havia uma reversão do

pessimismo, não captado pelo FMI em razão da defa-

sagem entre o levantamento dos dados e a análise dos

seus técnicos. O dado de abril, do Fundo, reflete o hu-

mor internacional de quase dois meses antes.

O marco para a reversão do pessimismo foi a reu-

nião do G20 em Londres, em março, que se consoli-

da como o principal fórum político, onde as decisões

econômicas mundiais são tomadas. O G8 perdeu, cla-

ramente, a sua importância, com o início da mudança

do eixo geopolítico em favor dos BRICs (Brasil, Rússia,

China e Índia).

A configuração resultante da reunião foi, além da

consolidação do fórum político para as grandes decisões

mundiais, mas que não tem estrutura para a implemen-

tação das ações, o fortalecimento do FMI e Banco Mun-

dial. O Fundo e o Banco têm estruturas institucionais

fortes, com quadros técnicos qualificados, e capacidade

de implementação ou supervisão das ações. A amplia-

ção dos recursos do Fundo e a (re)definição do seu papel

para o enfrentamento da crise têm grande repercussão

entre os agentes econômicos no mundo todo.

Outro marco da reunião foi a unidade de intenções

e a disposição para o enfrentamento da crise, com des-

taque para a participação ativa da China e da Rússia.

Esta, em função do seu poder na ONU. A boa estréia do

presidente Barak Obama dos EUA, sua atuação ativa e a

liderança assumida são fatores que ajudam a explicar o

otimismo pós-reunião.

Entre as medidas anunciadas, se destacam: o refor-

ço das instituições financeiras – com a ampliação do

crédito, dos recursos do FMI e para apoiar o DES (Di-

reito Especial de Saques); o reforço da supervisão e

regulamentação financeira – com o estabelecimento

de um novo órgão, o FSB (Conselho de Estabilidade Fi-

nanceira), para supervisão das instituições financeiras

e agências de classificação de riscos; o esforço fiscal

para restaurar o crescimento e o mercado de trabalho

– a intenção é criar ou manter milhões de empregos e

elevar a produção mundial em 4%, com a mobilização

de cerca de US$ 5 trilhões, até o fim de 2010; e a resis-

tência ao protecionismo e promoção do comércio e do

investimento internacionais – o grupo assumiu a clara

intenção de “policiar” a ampliação do protecionismo e

concluir a Rodada Doha.

Merece destaque, ainda, entre outras medidas pro-

postas, o fim dos paraísos fiscais. Os paraísos fiscais são

o “câncer” da ciranda financeira internacional. A lava-

gem de dinheiro do crime organizado, da corrupção e

a evasão fiscal e de divisas sofrerão um forte impacto

‘‘

‘‘

A evolução das projeções mostra a incerteza dos

governos e instituições sobre os desdobramentos da crise. Em abril, na verdade já havia

uma reversão do pessimismo, não captado pelo FMI em

razão da defasagem entre o levantamento dos dados e a análise dos seus técnicos. O dado de abril, do Fundo,

reflete o humor internacional de quase dois meses antes.

50

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51

janeiro / março / 2009

se a medida for efetivada. A divulgação da listra negra

elaborada pela OCDE (Organização para a Cooperação

e o Desenvolvimento Econômico), que indica os países

apontados como não - cooperativos na troca de infor-

mações fiscais, e a pressão internacional podem grada-

tivamente tornar mais transparente a movimentação

financeira internacional. A verdade é que os ricos não

pagam imposto em lugar nenhum do mundo e a cor-

rupção é a norma na maioria dos países. Reverter esse

quadro é um passo importante para o avanço da eco-

nomia mundial.

A contaminação da economia brasileira pela crise

A contaminação da economia brasileira pela crise

financeira internacional ocorreu de forma mais inten-

sa em razão da redução da oferta de crédito, principal-

mente, no final de 2008, resultando em problemas de

capital de giro em setores intensivos em crédito como

a agricultura, exportações, mercado interbancário,

construção civil, bens de consumo duráveis, bens de

capital e infra-estrutura.

O segundo impacto foi a redução da demanda in-

ternacional pelos produtos brasileiros, em especial, os

do setor mineral e bens duráveis, e a queda generaliza-

da nos preços das commodities, dada a retração da eco-

nomia mundial. Contribuiu, ainda, para o agravamento

da crise na economia brasileira, a mudança de expec-

tativas com a ampliação do pessimismo dos agentes

econômicos, o aumento do grau de incerteza e de risco

nos diversos setores produtivos. A crise se intensifica

com o estouro das “bolhas brasileiras”: a bolha no mer-

cado acionário, dada a excessiva valorização das ações

na Bovespa, e a bolha no mercado de derivativos. Esta

bolha determinou perdas significativas para as empre-

sas que estavam apostando na desvalorização do dólar

em favor da moeda nacional.

A bolha de derivativos resultou da tendência, que

prevalecia até antes da crise, de desvalorização do dólar.

Isto fez com que as empresas exportadoras apostassem

no dólar futuro a favor da moeda doméstica, promoven-

do vendas antecipadas dos contratos de câmbio.

Segundo Paulani (2009), a prolongada desvaloriza-

ção cambial, apesar do esforço do Banco Central com

intervenções no mercado presente e futuro do dólar,

garantiu ganhos significativos nesses contratos de de-

rivativos, incentivando essas empresas a fazer dessas

apostas um negócio em si mesmo, de modo a compen-

sar o que perdiam com a apreciação do câmbio, via ga-

nho com derivativos. O advento da crise inverte o jogo

e provoca grandes perdas para essas empresas, com

a rápida e acentuada desvalorização cambial. O Real

perdeu um terço do seu valor, revertendo a excessiva

e prolongada valorização. O movimento no câmbio foi

rápido e se estabilizou com o dólar valendo 50% a mais

do que antes da crise. Entretanto, o retorno dos inves-

tidores estrangeiros deverá pressionar novamente a

valorização do real diante do dólar.

O impacto da crise no mercado de ativos financeiros

foi, também, muito forte. O índice Bovespa caiu mais de

50%, provocando grandes perdas para os investidores.

A escassez de crédito e a saída de capitais, para cobrir

prejuízos dos investidores, ajudam a explicar as perdas.

‘‘

‘‘

A contaminação da economia brasileira pela

crise financeira internacional ocorreu de forma mais

intensa em razão da redução da oferta de crédito,

principalmente, no final de 2008, resultando em

problemas de capital de giro em setores intensivos em

crédito como a agricultura, exportações, mercado

interbancário, construção civil, bens de consumo

duráveis, bens de capital e infraestrutura.

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a

No Brasil, entretanto, não houve perda de confian-

ça no sistema financeiro, como ocorreu nas economias

avançadas. O sistema financeiro brasileiro, em especial

o público, vem se mantendo ileso ante os grandes pre-

juízos apresentados pelos principais bancos do mundo.

Para Paulani (2009), o impacto da crise financeira

no “lado real” da economia brasileira ocorre pela retra-

ção da demanda agregada (C+I+G+X). Primeiro, pela

redução do consumo das famílias (C), dada a redução

do crédito e da liquidez dos consumidores. A crise de

liquidez foi muito acentuada, apesar do esforço do go-

verno com a injeção de capital em instituições financei-

ras e a ampliação das linhas de financiamento públicas.

O crédito vinha sendo a mola propulsora do consumo,

com a crise, as linhas de financiamento ao consumidor

ficaram restritas e com juros muito elevados. Por outro

lado, a piora das expectativas tende a reduzir os investi-

mentos e o emprego, reduzindo ainda mais a renda dis-

ponível para o consumo. A conseqüência é a redução

da demanda, em especial dos bens duráveis.

Segundo, pela redução dos Investimentos (I), que

resulta da mudança de expectativas dos empresários

e da redução da oferta de crédito interno. Parte do cré-

dito tinha como fonte o sistema financeiro internacio-

nal, que tem perdas elevadas com a crise e sofre forte

retração de liquidez, além da queda de confiança e o

aumento do risco. Esses fatores em conjunto fazem de-

saparecer o crédito externo. A escassez de crédito ele-

va o seu preço. Com os juros maiores e as expectativas

deprimidas em relação ao futuro, os investimentos se

retraem substancialmente.

Terceiro, a redução da demanda internacional pe-

los nossos produtos. As exportações brasileiras caem

substancialmente com a crise. O primeiro impacto foi

derivado da escassez de crédito, que fez desaparecer

o crédito às exportações, nos meses que se seguiram

ao estouro da bolha, provocando um severo declínio

do comércio, com redução tanto no volume exporta-

do como nas importações. Parte desse declínio inicial é

devido às dificuldades de operação, que se normalizam

com a volta do crédito.

O que fez cair, de forma consiste, as quantidades

demandadas das exportações brasileiras foi o desa-

quecimento da economia mundial, em particular dos

principais parceiros – no caso os EUA, a UE e Merco-

sul, além do parceiro emergente: a China, que num

primeiro momento reduz a importação de matérias

- primas. Por outro lado, a crise fez cair, também, de

forma geral os preços dos produtos no mercado inter-

nacional, pelo acirramento da concorrência e a dimi-

nuição da demanda interna de cada país, em especial

o preço das commodities, que representam parcela

importante das exportações brasileiras. O resultado

foi uma queda acentuada nas exportações, amplian-

do a pressão sobre a balança comercial e o déficit em

transações correntes, que já vinha apresentando ten-

dência de queda acentuada nos últimos anos, com a

valorização cambial de até então.

Em síntese, a crise provocou uma retração da De-

manda Agregada, com a redução do Consumo (C), dos

Investimentos (I) e das Exportações (X), resultando

‘‘

‘‘

As exportações brasileiras caem substancialmente com a crise. O primeiro

impacto foi derivado da escassez de crédito, que

fez desaparecer o crédito às exportações, nos meses

que se seguiram ao estouro da bolha, provocando um

severo declínio do comércio, com redução tanto no

volume exportado como nas importações. Parte desse

declínio inicial é devido às dificuldades de operação, que se normalizam com a

volta do crédito.

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53

janeiro / março / 2009

Gráfico 1: Produção Física Industrial – variação % mensal

Fonte: IBGE – Pesquisa Industrial Mensal

em desaceleração do crescimento do produto e do

emprego.

Retomada do crescimento econômico

A crise freou o ciclo de crescimento econômico bra-

sileiro que se instalou desde 2004. As medidas adota-

das pelo governo brasileiro surtiram efeitos positivos,

estimulando os setores em dificuldade e contornando

a escassez pontual de crédito. Ajudaram a contrabalan-

çar o contexto desfavorável, evitando o pior.

A economia brasileira já mostra sinais consistentes

de reação, nestes quatro primeiros meses do ano, após

a grande queda do último trimestre de 2008, em espe-

cial em novembro e dezembro. Os dados divulgados

para o primeiro trimestre e alguns indicadores do mês

de abril mostram que a economia retoma a trajetória

do crescimento na maioria dos setores.

Os indícios são de que a crise econômica no Brasil

pode ser um verdadeiro “fogo de palha”, considerando

a resistência inicial da economia à crise financeira in-

ternacional, que só atinge efetivamente o Brasil na fase

aguda da escassez de crédito, e a rapidez na retomada

do crescimento econômico.

Os fundamentos econômicos não se alteraram com

a crise: as reservas internacionais se mantêm elevadas,

acima de 200 bilhões de dólares; o país continua rece-

bendo grande volume de investimento direto; o comér-

cio é superavitário, agora com o câmbio mais próximo

do equilíbrio; as contas do governo estão equilibradas,

apesar do esforço fiscal para apoiar setores com difi-

culdades, e a dívida pública mantém a trajetória decli-

nante, com custos financeiros menores, dada a redução

dos juros; a inflação é declinante e os juros poderão ser

reduzidos ainda mais; e a percepção internacional é de

que o país é um “porto seguro” para os investidores.

Entretanto, não é possível prever os próximos des-

dobramentos da crise internacional e os seus reflexos

sobre a economia brasileira. O importante é que o Bra-

sil ainda tem bons fundamentos econômicos e poderá

adotar fortes políticas anticíclicas.

A Indústria se recupera lentamente

Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística) a produção industrial brasileira em março

cresceu 0,7%, o terceiro mês com alta consecutiva, após

o grande tombo em novembro e dezembro de 2008,

conforme se observa no Gráfico 1. Em relação a março

de 2008, houve recuo (-10,0%) e, para o dado trimes-

tral, o recuo foi ainda maior (-14,7%) comparando-se o

primeiro trimestre de 2009 com igual período do ano

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a

anterior. A perda acumulada nos dois últimos trimes-

tres (-16,7%) é a mais elevada desde o segundo trimes-

tre de 1990 (-19,8%).

No mês de março, 11 das 27 atividades industriais

pesquisadas pelo IBGE tiveram alta (série ajustada), li-

deradas, mais uma vez, pelo setor de veículos automo-

tores (7,0%), que acumula crescimento de 56,5% em

relação a dezembro de 2008. Entretanto, em abril, mes-

mo com a prorrogação da redução do IPI, as vendas de

automóveis tiveram um recuo de 10,3% e a produção

caiu 15,8%, segundo dados da Anfavea (Associação Na-

cional dos Fabricantes de Veículos Automotores). As ex-

portações de veículos tiveram uma retração de 50,3%,

nos quatro primeiros meses de 2009, perante igual in-

tervalo do ano passado.

Vale destacar, também, o crescimento da indústria

farmacêutica (9,0%); outros produtos químicos (3,5%);

equipamentos de instrumentação médico-hospitalar e

óticos (20,8%); e indústrias extrativas (2,4%).

Por outro lado, as principais pressões negativas vie-

ram de outros equipamentos de transporte (-15,2%);

máquinas, aparelhos e materiais elétricos (-15,3%); má-

quinas e equipamentos (-3,3%); e material eletrônico e

equipamentos de comunicações (-5,5%). No corte por

categorias de uso, os bens de consumo ostentaram as

taxas mais elevadas: consumo durável (1,7%) e consu-

mo semi e não - duráveis (0,7%). O setor de bens in-

termediários (0,3%) manteve-se em patamar próximo

ao do mês anterior, enquanto a produção de bens de

capital (- 6,3%) foi a única que registrou queda nessa

comparação pelo segundo mês consecutivo, acumu-

lando perda de 13,0% nesse período.

Os dados da pesquisa da CNI (Confederação Na-

cional da Indústria) mostram, também, sinais de recu-

peração da atividade industrial, no primeiro trimestre

do ano. O faturamento real da indústria de transfor-

mação cresceu 18,7% em março em relação a feve-

reiro. O crescimento foi observado em todos os 19

setores pesquisados e ocorre pelo segundo mês con-

secutivo. Outro sinal positivo captado pela pesquisa

da CNI foi o crescimento, pela primeira vez em cinco

meses, da Utilização da Capacidade Instalada (UCI). Ela

passou de 78,2% em fevereiro para 78,7% em março.

O índice dessazonalizado mostra que 15 dos 19 seto-

res pesquisados tiveram aumento da UCI em março

ante fevereiro. No entanto, todos os indicadores ain-

da apresentam queda na comparação entre o primei-

ro trimestre de 2009 com o último trimestre do ano

passado.

A Agricultura tem a segunda maior safra de

grãos da história

A produção agrícola também recuou com a crise. A

safra de verão está em plena colheita e apresenta re-

dução de 6,8% na produção de grãos. Mesmo com a

queda na produção, a safra de grãos 2008/2009 deve

ser a 2ª maior da história.

O plantio da safra de verão, no final de 2008, ocor-

reu em pleno estouro da bolha financeira, no auge da

escassez de crédito, com os preços dos produtos des-

pencando, com custos elevados e com um cenário de

incerteza, com alto grau de pessimismo, sobre o merca-

do dos produtos no período da colheita.

‘‘

‘‘

Os dados da pesquisa da CNI mostram, também,

sinais de recuperação da atividade industrial, no

primeiro trimestre do ano. O faturamento real da indústria

de transformação cresceu 18,7% em março em relação

a fevereiro. O crescimento foi observado em todos os 19 setores pesquisados e ocorre pelo segundo mês consecutivo. Outro sinal

positivo captado pela pesquisa foi o crescimento da Utilização

da Capacidade Instalada.

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janeiro / março / 2009

No final do ano (período de plantio da safra), os pre-

ços de alguns produtos estavam nos seus piores níveis

da história. Após terem atingido picos estratosféricos

no meio do ano de 2008, que levou alguns analistas

apressados – autoridades governamentais, dirigentes

de instituições multilaterais, como FAO (Organização

das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação) e

ONU (Organização das Nações Unidas) – a projetarem

preços elevados para os alimentos por muitos anos.

Os custos de produção não haviam recuado, ainda.

O preço dos fertilizantes, que representa mais de 50%

do custo de produção da maioria dos Grãos, estava

mais de 100% acima dos preços do início da década. Os

principais grãos tiveram uma piora na relação de troca

entre produto e fertilizantes entre 60% e 200%, com-

parando-se a dados de 2002 e de novembro de 2008.

Pelos dados observam-se que, no caso de milho e trigo,

os agricultores necessitam 3 vezes mais produto para

comprar o mesmo fertilizante; soja (2,5 vezes mais pro-

duto); algodão (2,4 vezes mais produto); feijão (2 vezes

mais); e arroz irrigado (1,6 vezes mais). A conseqüência

é a redução no uso de insumos modernos, em especial,

fertilizantes. Segundo dados da Conab, houve redução

de 8,86% na entrega de fertilizantes em 2008, em rela-

ção ao ano anterior.

A escassez de crédito, nas suas diversas formas, im-

pedia a compra de insumos para o plantio da safra de

parcela dos agricultores menos capitalizados. A amplia-

ção do crédito pelo governo foi tempestiva e impediu

que o pior ocorresse.

Considerando tais dificuldades, enfrentadas pelos

agricultores na época de plantio (outubro/novembro),

os números divulgados para a safra 2008/2009 são posi-

tivos. A queda na produção é pequena e tem como base

de comparação a superssafra ocorrida em 2008, quando

a agropecuária foi a atividade que mais cresceu (5,8%) e

a produção de grãos foi de 146,0 milhões de toneladas,

com crescimento de quase 10% em relação a 2007.

A área a ser colhida, segundo o IBGE, será de 47,3 mi-

lhões de hectares permanecendo praticamente inalte-

rada em relação à área colhida do ano passado. As três

principais culturas (grãos), soja, milho e arroz, que res-

pondem por 81,5% da área plantada apresentam, em

relação ao ano anterior, uma variação de +1,7%,-3,6%

e +2,6%, respectivamente. No que se refere à produção

destes três produtos, apenas o arroz registra variação

positiva de 6,2%. Já para a soja e o milho a previsão é

de retração da produção em 3,9% e 13,2%, respectiva-

mente. Estes dados mostram o impacto da redução do

uso de fertilizantes na produtividade. A soja tem redu-

ção da produção mesmo com aumento da área planta-

da e o milho tem queda mais acentuada na produção.

A redução da área de milho, da primeira safra, decorre

tanto da escassez do crédito na época do plantio, que

prejudicou mais essa cultura, cujo plantio ocorre um

pouco antes da soja, como também dos preços relati-

vamente piores; e dos problemas climáticos no oeste

da Região Sul e no Mato Grosso do Sul. Esses fatores

ajudam a explicar tanto a redução da área (segunda sa-

fra) como da produção.

A Tabela 2 mostra o comportamento da produção,

da área e da produtividade das principais culturas agrí-

colas brasileiras.

Pelos dados da Tabela 2 observa-se que a produção

de 11 dos 25 produtos investigados pelo IBGE deve

crescer em relação a 2008. Os 11 produtos que apre-

sentam variação positiva na estimativa de produção

‘‘

‘‘

O preço dos fertilizantes, que representa mais de

50% do custo de produção da maioria dos Grãos, estava mais de 100%

acima dos preços do início da década. Os principais grãos tiveram uma piora na relação de troca entre

produto e fertilizantes entre 60% e 200%, comprando-

se dados de 2002 e de novembro de 2008.

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em relação ao ano anterior são os seguintes: amen-

doim em casca 2ª safra (16,8%), arroz em casca (6,2%),

aveia em grão (1,0%), cacau em amêndoa (1,4%), cana-

de-açúcar (3,5%), cebola (6,5%), cevada em grão (7,7%),

feijão em grão 1ª safra (17,4%), feijão em grão 2ª safra

(7,4%), laranja (1,1%) e mandioca (3,9%). Enquanto 14

produtos apresentam variação negativa, entre eles

estão: o algodão herbáceo em caroço (-19,6%), amen-

doim em casca 1ª safra (-7,2%), batata-inglesa 1ª safra

(-5,4%), batata-inglesa 2ª safra (-9,8%), batata-inglesa

3ª safra (-1,7%), café em grão (-13,6%), feijão em grão

3ª safra (-6,9%), mamona em baga (-23,0%), milho em

grão 1ª safra (-14,3%), milho em grão 2ª safra (-10,6%),

soja em grão (-3,9%), sorgo em grão (-12,4%), trigo em

grão (-3,0%) e triticale em grão (-3,3%).

Os alimentos básicos dos brasileiros – o feijão e o

arroz – tiveram aumento significativo na produção, em

especial, o feijão (10,4), com destaque para a primeira

safra (já colhida), que fez desabar os preços do feijão ao

consumidor, depois de um ano de preços altos.

Entre as principais culturas, o algodão herbáceo

(em caroço) é o que tem a maior retração (-19,6%),

refletindo a baixa rentabilidade da cultura neste ano,

dados os custos elevados e os baixos preços. Na ver-

dade, a cultura de algodão neste ano é altamente de-

ficitária. Os agricultores que permaneceram na ativi-

dade terão prejuízo.

A expansão da produção de cana foi um pouco

menor do que em anos anteriores (3,7% na área e

3,5% na produção). A queda no crescimento da pro-

dução, entretanto, não deverá comprometer o abaste-

cimento de álcool, nem a produção de açúcar. A cana

é a terceira cultura em área cultivada, 8,4 milhões de

hectares, o que corresponde a menos de 1% da área

do território nacional.

A safra de café, que começou a ser colhida em

abril, está estimada em 2,4 milhões de toneladas, um

decréscimo de 13,6%. A área total ocupada com a cul-

tura é de 2,4 milhões de ha e a área a ser colhida é de

2,15 milhões de ha.

O IBGE apresenta uma previsão de produção de tri-

go excessivamente otimista. É uma cultura de inverno

cujo plantio está sendo planejado agora em condições

econômicas desfavoráveis: preços muito baixos e cus-

tos de produção excessivamente elevados. Em 2008 a

produção de trigo cresceu muito em função dos eleva-

dos preços na época de plantio e dos estímulos do go-

verno, que enfrentava dificuldades de abastecimento.

Entretanto, no período da colheita da safra passada, as

condições de mercado se inverteram e os agricultores

não tinham mercado para o seu produto, que é de pior

qualidade em relação ao trigo importado da Argentina

e Uruguai. Os moinhos preferiam o trigo importado. Ou

seja, dificilmente os agricultores vão repetir a produção

de 2008. É provável que haja grande redução na produ-

ção de trigo neste ano.

Em síntese, a agricultura não terá o mesmo de-

sempenho de 2008, mas também não compromete-

rá o crescimento da economia, pois o abastecimento

está adequado e as exportações e a geração de divi-

sas deverão se manter elevadas, especialmente com

os bons preços da soja no mercado internacional. Os

baixos preços do milho, por outro lado, favorecem a

‘‘

‘‘

A expansão da produção de cana foi um pouco

menor do que em anos anteriores (3,7% na área e 3,5% na produção). A

queda no crescimento da produção, entretanto, não

deverá comprometer o abastecimento de álcool,

nem a produção de açúcar. A cana é a terceira cultura em área cultivada, 8,4 milhões de hectares,

o que corresponde a menos de 1% da área do

território nacional.

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janeiro / março / 2009

Tabela 2: Produção Agrícola Brasileira - confronto das safras de 2008 e 2009 - Abril de 2009

Produtos Agrícolas

Área (mil ha) Produção ( t ) Rendimento (kg/ha)

Safra 2008 Safra 2009Var. %

Safra 2008 Safra 2009Var. %

Safra/08 Safra/09Var. %

Algodão herbáceo (em caroço) 1.057.032 867.542 -17,9 3.971.090 3.190.805 -19,6 3 757 3 678 -2,1

Amendoim (casca) - Total 113.085 110.526 -2,3 296.600 284.831 -4 2 623 2 577 -1,8

Amendoim (casca) 1ª safra 88.801 84.103 -5,3 256.879 238.425 -7,2 2 893 2 835 -2

Amendoim (casca) 2ª safra 24.284 26.423 8,8 39.721 46.406 16,8 1 636 1 756 7,3

Arroz (em casca) 2.861.564 2.935.930 2,6 12.100.138 12.853.377 6,2 4 229 4 378 3,5

Aveia (em grão) 111.208 108.585 -2,4 232.175 234.508 1 2 088 2 160 3,4

Centeio (em grão) 4.748 4.673 -1.6 6.085 6.833 12,3 1.282 1.462 14

Cevada (em grão) 79.270 86.635 9,3 236.911 255.222 7,7 2 989 2 946 -1,4

Feijão (em grão) - Total 3.780.775 4.111.202 8,7 3.460.867 3.821.157 10,4 915 929 1,5

Feijão (em grão) 1ª safra 2.073.757 2.428.174 17,1 1.641.764 1.927.114 17,4 792 794 0,3

Feijão (em grão) 2ª safra 1.517.460 1.499.093 -1,2 1.400.390 1.504.098 7,4 923 1 003 8,7

Feijão (em grão) 3ª safra 189.558 183.935 -3 418.713 389.945 -6,9 2 209 2 120 -4

Girassol (em grão) 108.973 67.151 -38.4 145.659 97.116 -33,3 1.337 1.446 8,2

Mamona 156.412 152.196 -2,7 120.499 92.825 -23 770 610 -20,8

Milho (em grão) - Total 14.445.264 13.924.419 -3,6 59.017.716 51.255.040 -13,2 4 086 3 681 -9,9

Milho (em grão) 1ª safra 9.446.327 9.178.968 -2,8 39.968.151 34.233.903 -14,3 4 231 3 730 -11,8

Milho (em grão) 2ª safra 4.998.937 4.745.451 -5,1 19.049.565 17.021.137 -10,6 3 811 3 587 -5,9

Soja (em grão) 21.271.762 21.643.726 1,7 59.916.830 57.591.757 -3,9 2 817 2 661 -5,5

Sorgo (em grão) 811.662 753.739 -7,1 1.965.865 1.722.826 -12,4 2 422 2 286 -5,6

Trigo (em grão) 2.373.572 2.433.829 2,5 5.886.009 5.711.313 -3 2 480 2 347 -5,4

Triticale (em grão) 75.640 72.048 -4,7 184.602 178.546 -3,3 2 441 2 476 1,5

Total Grãos 47.250.967 47.272.201 0,0 145.991.765 136.050.328 -6,8 • • •OUTROS PRODUTOS

Batata-inglesa - Total 144.829 139.091 -4 3.676.046 3.446.874 -6,2 25 382 24 781 -2,4

Batata-inglesa 1ª safra 69.626 66.607 -4,3 1.613.364 1.525.694 -5,4 23 172 22 906 -1,1

Batata-inglesa 2ª safra 48.910 46.418 -5,1 1.313.275 1.184.731 -9,8 26 851 25 523 -4,9

Batata-inglesa 3ª safra 26.293 26.066 -0,9 749.407 736.449 -1,7 28 502 28 253 -0,9

Cacau (em amêndoa) 655.585 667.788 1,9 208.386 211.225 1,4 318 316 -0,6

Café (beneficiado) 2.216.014 2.153.811 -2,8 2.790.858 2.411.981 -13,6 1 259 1 120 -11

Cana-de-açúcar 8.141.135 8.443.314 3,7 648.921.300 671.370.496 3,5 79 709 79 515 -0,2

Cebola 63.639 65.185 2,4 1.299.815 1.384.849 6,5 20 425 21 245 4

Laranja 832.913 824.924 -1 18.389.751 18.595.650 1,1 22 079 22 542 2,1

Mandioca 1.839.281 1.888.412 2,7 25.877.918 26.881.222 3,9 14 070 14 235 1,2

Fonte: IBGE – Levantamento Sistemático da Produção de Abril de 2009.

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produção de frangos, porcos, leite etc, tornando esses

produtos mais competitivos.

Os indicadores macroeconômicos

Os fundamentos macroeconômicos brasileiros es-

tão bons, apesar da crise. A inflação retorna gradativa-

mente ao centro da meta, criando as condições para a

redução da taxa Selic em níveis mais civilizados. O Brasil

poderá sair da crise com um novo patamar de taxa de

juros, mais próximo das demais economias mundiais. A

política de juros vem sendo praticada, nos últimos anos,

com eficiência no combate à inflação, mas em níveis ex-

cessivamente elevados, tornando o custo da dívida pú-

blica um fardo para o orçamento público. A crise é uma

oportunidade para resolvermos esse problema estru-

tural da economia brasileira, que coloca historicamente

o Brasil como líder mundial de juros altos.

A redução dos juros possibilitará uma flexibilização

dos superávits primários, sem perda de sustentabilida-

de e credibilidade do país. O que permitirá a ampliação

dos investimentos públicos, fundamental para a estra-

tégia de crescimento sustentado da economia.

A crise propiciou, ainda, o ajuste da taxa de câmbio

para próximo do equilíbrio, sem pressão inflacionária.

A desvalorização cambial, em mais de 25%, ajuda a re-

verter a tendência de ampliação no desequilíbrio, no

balanço de pagamento em transações corrente. Esta

era uma medida demandada por todos os setores da

economia antes da crise.

Os dados mostram o impacto da crise financeira

internacional no comércio exterior brasileiro. Tanto

exportações como importações tiveram redução acen-

tuada no final de 2008, mas apresentam um início de

recuperação no primeiro quadrimestre deste ano. As

exportações cresceram mais que as importações sinali-

zando uma ampliação do superávit comercial.

As reservas internacionais do País se estabilizaram

acima de 200 bilhões de dólares, revelando a credibi-

lidade do Brasil em relação a crises anteriores, quando

as reservas se esvaiam rapidamente ao primeiro sinal

de crise. A saída de capitais foi relativamente pequena,

justificada mais por razões de necessidade de liquidez

de investidores do que de decisão de investimento. Na

verdade, a crise revelou que o Brasil é uma boa alter-

nativa para os investidores internacionais. Os dados de

entrada de capitais, tanto de investimento direto como

em bolsa, são a confirmação dessa nova visão interna-

cional sobre a economia brasileira.

As perdas da bolsa de valores, no segundo semestre

de 2008, foram muito fortes, mas a recuperação apre-

senta uma tendência consistente neste primeiro qua-

drimestre do ano. O Índice Bovespa já recuperou parte

significativa das perdas de 2008.

As contas públicas estão sendo mantidas em equi-

líbrio, com superávit primário menor, mas com custos

financeiros, também, menores. A dívida pública apre-

senta tendência de queda consistente, elevando a cre-

dibilidade no País.

A política fiscal, num contexto de crise econômi-

ca com recessão, deve ser inversa à dos períodos de

prosperidade, ou seja, o Estado deve ampliar os seus

gastos e reduzir a arrecadação de forma a estimular a

‘‘

‘‘

As reservas internacionais do País se estabilizaram

acima de 200 bilhões de dólares, revelando a

credibilidade do Brasil em relação a crises anteriores,

quando as reservas se esvaiam rapidamente ao

primeiro sinal de crise. A saída de capitais foi

relativamente pequena, justificada mais por razões de necessidade de liquidez de investidores do que de decisão de investimento.

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janeiro / março / 2009

demanda e a produção. Na crise, os gastos de custeio

podem ser mais eficientes que os de investimento, pois

se transformam rapidamente em demanda e, portanto,

atuam diretamente na reversão da crise. Esse é o caso,

por exemplo, dos programas que fortalecem a renda

das famílias, como o salário mínimo e o “Bolsa Família”.

O gargalo foi a queda acentuada da arrecadação.

O impacto da crise na arrecadação foi uma queda

de 6,02% das Receitas Administradas pela RFB (Receita

Federal do Brasil) na comparação jan./mar. 2009 em re-

lação a 2008. Os tributos com maiores quedas foram o

IPI (-28,05%); IRPF (-25,78%); Cofins/PIS/Pasep (-15,42%);

IRPJ (-13,09%); além da CPMF (-93,73%), que foi extinta.

No primeiro trimestre de 2009, os fatos geradores

da arrecadação que ajudam a explicar essa queda fo-

ram: a redução na lucratividade (85 maiores empresas

com ações em bolsa) de -50%; redução na produção

industrial (PIM/IBGE) -17,2%; valor em dólar das impor-

tações (-23,91%); vendas de veículos (-13,42%); além

das desonerações e compensações. A massa salarial,

entretanto, seguiu caminho inverso, cresceu 17,58%, na

comparação com o primeiro trimestre de 2008.

Os maiores decréscimos por setor foram: combus-

tíveis (-38,13%); fabricação de veículos automotores

(-42,41%); entidades financeiras (-11,11%); extração

de minerais metálicos (-49,97%); atividades auxiliares

do setor financeiro (-22,29%); metalurgia (-17,91%);

fabricantes de equipamentos de informática e eletrô-

nicos (-19,07%); fabricantes de produtos alimentícios

(-16,50); e fabricação de produtos químicos (-9,49%).

Por outro lado, as despesas do Tesouro Nacional,

no primeiro trimestre, cresceram 12,9%, com destaque

para as despesas de custeio e capital (27,2%), enquanto

os investimentos caíram significativamente (-30,5%) e

houve redução nas transferências a estados e municí-

pios (-6,0%).

As dificuldades, no lado fiscal, levaram o governo

a aplicar um forte contingenciamento e implementar

medidas no sentido de viabilizar os investimentos, em

especial, com a Petrobras.

Na verdade, o impacto forte da crise na arrecadação

já era esperado, considerando que os bens supérfluos,

cuja demanda é adiada pelos consumidores aos pri-

meiros sinais de crise, são as principais fontes de arreca-

dação de impostos. Estes produtos são também os que

reagem de forma forte na retomada do crescimento,

que já está ocorrendo.

Em síntese, os indicadores macroeconômicos mos-

tram fortes sinais de que a economia brasileira está rea-

gindo de forma consistente aos impactos da crise. O ce-

nário é de tendência de normalização da economia no

segundo semestre de 2009, com possibilidade de cresci-

mento positivo do PIB no ano, o que coloca o Brasil em

situação privilegiada diante das dificuldades da maioria

dos demais países, em especial as economias desenvol-

vidas que terão queda acentuada no produto em 2009.

Considerações finais

Na avaliação do Ipea (2009), mesmo com a crise

mundial, a economia brasileira deve crescer neste ano

‘‘

‘‘

Os maiores decréscimos por setor foram: combustíveis (-38,13%); fabricação de

veículos automotores (-42,41%); entidades

financeiras (-11,11%); extração de minerais metálicos

(-49,97%); atividades auxiliares do setor financeiro (-22,29%);

metalurgia (-17,91%); fabricantes de equipamentos de informática e eletrônicos

(-19,07%); fabricantes de produtos alimentícios (-16,50);

e fabricação de produtos químicos (-9,49%).

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importantes na economia brasileira, com fortes impac-

tos em diversos setores produtivos, mas que podem ser

transformados em oportunidades para o crescimento.

Referências Bibliográficas

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CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. Indicado-

res Industriais. CNI: Brasília, Ano 20, Número 3, março de

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abr. 2009.

______. Pesquisa Industrial Mensal – Produção Física.

Rio de Janeiro, abr. 2009.

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April 2009 (e nov./2008, jan./2009).

IPEA. A crise internacional e possíveis repercussões: pri-

meiras análises. Informes da Presidência, Brasília, n. 16,

jan. 2009.

PAULANI, Leda Maria. Aulas de Economia Brasileira no

Curso de Formação de Analista de Planejamento e Or-

çamento. Brasília: ENAP, 2009.

PRADO, Luiz Carlos T. Delorme. Aulas de Economia In-

ternacional no Curso de Formação de Analista de Pla-

nejamento e Orçamento. Brasília: ENAP, 2009.

José Luiz Pagnussat

Presidente do CORECON/DF e ex-presidente do Conselho Federal de Economia (1996) e da Associação Nacional dos Cursos de Graduação de Economia (1999-2001). Foi professor da Univer-sidade Católica de Brasília de 1985 a 2004 e é professor da Escola

Nacional de Administração Pública – ENAP, desde 1988.

entre 1,5% e 2,5%. Os indícios analisados apontam para

essa direção, apesar do pessimismo de alguns agentes

econômicos, como o FMI, que prevê queda de 2% para

o PIB brasileiro, e da pesquisa Focus do Banco Central

que tráz a visão das instituições do mercado financeiro,

também, com elevado grau de pessimismo, apontan-

do para a queda da produção nacional. É verdade que

a pesquisa Focus teve uma reversão do pessimismo a

partir do final de abril.

Colabora, para esse pessimismo, o tempo necessário

para que o Brasil recupere as elevadas perdas do último

trimestre de 2008. Mesmo que a economia, nos próxi-

mos meses, mantenha o atual ritmo de crescimento in-

dustrial, não fechará o ano com crescimento do PIB. É

necessária uma reativação mais rápida da economia, o

que poderá efetivamente ocorrer com a normalização

das diversas atividades, inclusive de exportação.

O setor exportador já está se reativando de forma

acelerada, em especial com o crescimento das exporta-

ções para a China, que rapidamente se torna o principal

parceiro comercial do Brasil. Mas o que favorece a re-

cuperação do setor externo brasileiro é a diversificação

da pauta de exportação e dos destinos. Entre 2003 e

2008, o Brasil diversificou os destinos das exportações,

com aumento das exportações para todos os continen-

tes, e aumento da participação da Aladi (119%), áfrica

(31%), ásia (19%) e Oriente Médio (6%), enquanto se

reduzia a dependência com o mercado americano. A

participação dos EUA teve queda de 40% e da União

Européia, 9%. Essas regiões, ainda, são as maiores par-

ceiras comerciais, receptoras das nossas exportações,

mas outras parceiras se tornaram importantes.

O cenário é positivo para a economia brasileira. Mas

é necessário restabelecer a confiança e mudar os pa-

râmetros macroeconômicos, pois o enfrentamento da

crise exige: mais gasto e menos superávit fiscal, mais

estímulos creditícios e menos juros, mais intervenção

do Estado e menos liberdade para o mercado; enfim,

mudanças na política macroeconômica, em especial a

de juros do Banco Central e uma política que discipline

a entrada de capitais especulativos.

A economia brasileira tem as condições econômicas

favoráveis para adotar medidas anticíclicas que permi-

tam a aceleração do crescimento econômico e a gera-

ção de emprego. A crise produziu efeitos de contágio

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Conselho Regional de Economia da 11ª Região-DFSCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202

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O Corecon/DF defende os interesses da categoria e trabalha pela valorização dos economistas.

Mas, para que esta luta seja bem-sucedida, é importante a participação de todos. Visite o seu Conselho. Critique. Dê sugestões.

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