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Pensando Direito
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SRIE PENSANDO O DIREITON 38/2011 verso publicao
O Desenho de Sistemas de Resoluo Alternativa de Disputas para Conflitos de Interesse Pblico
Convocao n. 001/2010
Escola de Direito de So Paulo da Fundao Getulio VargasDIREITO GV
Coordenao
Daniela Monteiro GabbayLuciana Gross Cunha
Equipe
Adolfo Braga NetoCarlos Alberto de Salles
Eduardo Span Junqueira de PaivaMarco Antnio Garcia Lopes Lorencini
Natlia LangeneggerNathalia Mazzonetto
Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministrio da Justia (SAL)Esplanada dos Ministrios, Bloco T, Edifcio Sede 4 andar, sala 434
CEP: 70064-900 Braslia DFwww.mj.gov.br/sal
e-mail:[email protected]
Secretaria
de Assuntos Legislativos
Ministrio
da Justia
CARTA DE APRESENTAO INSTITUCIONAL
Quatro anos aps o lanamento do projeto Pensando o Direito, a Secretaria de Assuntos
Legislativos do Ministrio da Justia (SAL/MJ) traz a pblico oito novas pesquisas para que toda a
sociedade conhea mais sobre aspectos diretamente ligados s leis e normas vigentes no Brasil.
Esta publicao consolida os resultados das pesquisas realizadas pelas instituies selecionadas
na Convocao 001/2010 do Projeto Pensando o Direito
A cada lanamento de novas pesquisas, a SAL renova sua aposta no sucesso do projeto
Pensando o Direito, lanado em 2007 com o objetivo de qualificar e democratizar o processo de
elaborao legislativa. Com essa iniciativa, a SAL inovou sua poltica legislativa ao abrir espaos
para a sociedade participar do processo de discusso e aprimoramento do ordenamento normativo
do pas. Isso tem sido feito pelo fortalecimento do dilogo, principalmente, com a academia
jurdica, a partir da formao de grupos multidisciplinares que desenvolvem pesquisas de escopo
emprico, como estas aqui apresentadas.
A incluso do conhecimento jurdico de ponta na agenda legislativa tem estimulado
tanto a academia a produzir e conhecer mais sobre o processo legislativo, quanto qualificado
o trabalho da SAL e de seus parceiros. Essa forma de conduzir o debate sobre as leis contribui
para o fortalecimento de uma poltica legislativa democrtica e permite levantar argumentos
mais fundamentados e convincentes para apresent-los ao Congresso Nacional, ao governo e
opinio pblica.
O Pensado o Direito consolidou, desse modo, um novo modelo de participao social para
a Administrao Pblica. Por essa razo, em abril de 2011, o projeto foi premiado pela 15 edio
do Concurso de Inovao da Escola Nacional de Administrao Publica (ENAP).
No contexto da democratizao do processo de elaborao legislativa, os resultados das
pesquisas do Pensando o Direito fazem parte de uma srie de publicaes. A srie, que leva o
mesmo nome do projeto, lanada ao final das pesquisas como compromisso de transparncia e
de disseminao das informaes produzidas.
O presente caderno faz parte do conjunto de publicaes em verses resumidas que
renem os volumes 32 a 40 da Srie Pensando o Direito. A verso integral de cada uma das 40
pesquisas j realizadas at o momento pode ser acessada no sitio eletrnico da Secretaria de
Assuntos Legislativos do Ministrio da Justia, em www.mj.gov.br/sal.
Braslia, novembro de 2011.
Marivaldo de Castro Pereira
Secretario de Assuntos Legislativos do Ministrio da Justia
APRESENTAO DA PESQUISA
com muita satisfao que apresentamos o relatrio final da pesquisa sobre O
Desenho de Sistemas de Resoluo Alternativa de Disputas para Conflitos de Interesse
Pblico, realizada na DIREITO GV por equipe de pesquisadores e consultores que se
dedicou com afinco ao tema: Adolfo Braga, Carlos Alberto de Salles, Eduardo Junqueira
Span de Paiva, Marco Antonio Garcia Lopes Lorencini, Nathalia Langenegger e Natalia
Mazzonetto, sob a coordenao de Daniela Monteiro Gabbay e Luciana Gross Cunha.
O objetivo da pesquisa foi mapear e analisar casos brasileiros que envolvam
direitos coletivos e conflitos de interesse pblico e que possam servir de mote para se
pensar um desenho extrajudicial de soluo de conflitos feito sob medida.
Quando a Administrao est presente, contudo, as caractersticas do desenho,
o papel dos atores envolvidos, o nvel de institucionalizao, os desafios e dificuldades
para a sua resoluo extrajudicial assumem contornos prprios, diferentes de quando o
desenho de sistemas envolve apenas atores privados. Tais dificuldades no so barreiras
instransponveis, e a pesquisa buscou analisar as possibilidades e potencialidades de um
desenho extrajudicial de soluo de conflitos envolvendo a Administrao Pblica por
meio do estudo emprico de casos e das percepes dos diferentes atores entrevistados.
A anlise dos casos se baseou em cinco eixos centrais: i. O conflito e partes
interessadas/envolvidas; ii. As formas e alternativas de soluo de disputas adotadas; iii.
A possibilidade de soluo extrajudicial dos conflitos e criao de um sistema de soluo
de disputas; iv. Quem implementaria e quem fiscalizaria este sistema; e v. Quem arcaria
com os custos.
Com base no estudo de casos concretos, a pesquisa buscou analisar estas
questes, alm de identificar e sugerir campos frteis para se pensar o desenho de
sistemas de resoluo alternativa de disputas para conflitos de interesse pblico.
Por fim, foram apresentadas algumas proposies, de carter geral e especfico,
para que o desenho de sistemas de resoluo alternativa de disputas seja considerado uma
opo vivel e real para conflitos de interesse pblico. Estas proposies trazem tambm
novas hipteses e perguntas sobre o tema da pesquisa, incidindo principalmente sobre
os incentivos necessrios para que a Administrao considere o desenho extrajudicial de
soluo de conflitos como uma alternativa.
Agradecemos Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministrio da Justia (SAL-
MJ) pela oportunidade de realizarmos esta pesquisa e esperamos que ela contribua ao
debate acadmico e legislativo sobre o tema.
So Paulo, 05 de outubro de 2011.
Daniela Monteiro Gabbay e Luciana Gross Cunha
Coordenadoras da Pesquisa
7
Fundao Getulio Vargas
Escola de Direito de So Paulo
DIREITO GV
SRIE PENSANDO O DIREITO
O DESENHO DE SISTEMAS DE RESOLUO ALTERNATIVA DE DISPUTAS PARA
CONFLITOS DE INTERESSE PBLICO
Relatrio de Pesquisa apresentado ao Ministrio da Justia/ PNUD, no projeto
Pensando o Direito, Referncia PRODOC BRA 07/004
S O PAULO
DEZEMBRO DE 2010
9SUMRIO
APRESENTAO: CONTEXTUALIZAO DO TEMA E RELEVNCIA DA PESQUISA....13
1. PERCURSO DA PESQUISA....17
2. DESCRIO DOS CASOS....21
2.1. CASO DOS AUTISTAS....21
2.2. VTIMAS DO CHOQUE DE TRENS DA CPTM....31
2.3. CASO DE LOTEAMENTO IRREGULAR....35
3. ANLISE DOS CASOS....41
3.1. CASO DOS AUTISTAS....41
A) Replicabilidade do caso....41
B) Poder Judicirio como ponto de partida?....41
C) Critrios objetivos e isonomia de tratamento (alguma padronizao)?....44
D) Quem paga a conta?....45
E) Quem fiscaliza?....45
F) Forma de soluo de conflitos (desenho provisrio ou permanente? Vantagens ou desvantagens?....46G) Dilogo interinstitucional....48
H) Barreiras da Administrao Pblica?....50
I) Comportamentos oportunistas? Vulnerabilidades?....51
3.2. VTIMAS DE CHOQUE DE TRENS DA CPTM....52
A) Replicabilidade Do Caso....52
B) Poder Judicirio Como Ponto De Partida?....52
11
Esta pesquisa reflete as opinies de seus autores e no a do Ministrio da Justia
10
5.3. A FIGURA DO DESIGNER, DO OBSERVADOR E DO SPECIAL MASTER....85
5.4. CRIAO DE FUNDOS....88
6. REFERNCIAS....91
C) Critrios Objetivos E Isonomia De Tratamento (Alguma Padronizao)?....52
D) Quem Paga A Conta?....53
E) Quem Fiscaliza?....54
F) Forma De Soluo De Conflitos (Desenho Provisrio Ou Permanente? Vantagens Ou Desvantagens? Incentivos Ou Desincentivos?)....54
G) Dilogo Interinstitucional....55
H) Barreiras Da Administrao Pblica?....56
I) Comportamentos Oportunistas? Vulnerabilidades?....58
3.3. LOTEAMENTO IRREGULAR....58
A) Replicabilidade Do Caso...59
B) Poder Judicirio Como Ponto De Partida?....59
C) Critrios Objetivos E Isonomia De Tratamento (Alguma Padronizao)?....60
D) Quem Paga A Conta?....62
E) Quem Fiscaliza?....64
F) Forma De Soluo De Conflitos (Desenho Provisrio Ou Permanente? Vantagens Ou Desvantagens? Incentivos Ou Desincentivos?)....64
G) Dilogo Interinstitucional....69
H) Barreiras Da Administrao Pblica?....70
I) Comportamentos Oportunistas? Vulnerabilidades?....70
4. CONCLUSES E PROPOSIES....74
5. PROPOSIES NORMATIVAS....80
5.1.1. REGRAS CLARAS PARA AUTORIZAR OS ENTES PBLICOS A CELEBRAR ACORDOS E TRANSACIONAR....80
5.1.2. A CONTRIBUIO DO PROJETO DE LEI 5139/2009....81
5.2. CRIAO DE CMARAS E FOROS DE SOLUO DE CONTROVRSIAS ENVOLVENDO A ADMINISTRAO ....84
12 13
Esta pesquisa reflete as opinies de seus autores e no a do Ministrio da Justia Esta pesquisa reflete as opinies de seus autores e no a do Ministrio da Justia
APRESENTAO: CONTEXTUALIZAO DO TEMA E RELEVNCIA DA PESQUISA
O objetivo desta pesquisa foi mapear e analisar casos brasileiros que envolvam
direitos individuais homogneos, difusos e coletivos e que possam servir de mote para se
pensar o desenho de sistemas de resoluo alternativa de disputas (Dispute System Design
- DSD) para conflitos de interesse pblico.
Para fins da pesquisa, consideramos como conflitos de interesse pblico aqueles
que envolvam a Administrao Pblica como parte (elemento subjetivo), que tenham por
objeto um interesse pblico, social ou coletivo (elemento objetivo), e que, quando levados
ao Judicirio, visem obter tutela jurisdicional coletiva (direitos e interesses difusos,
coletivos e individuais homogneos)1.
Dentro dessa perspectiva, existem trs diferentes perfis de conflitos: i. entre
atores privados; ii. entre atores pblicos (Administrao); iii. entre atores pblicos
(Administrao) e atores privados. O objeto da pesquisa compreende os conflitos que
envolvem a Administrao e atores privados.
H uma srie de questes que podem advir desta relao, no campo da
responsabilidade do Estado, de contratos pblicos, da prestao de servios, dentre
outros. Os casos escolhidos na pesquisa refletem em alguma medida esta diversidade.
1 Sobre as crises da noo de interesse pblico e o direito administrativo, vide AZEVEDO MARQUES, Floriano. Regulao estatal e interesses
pblicos. So Paulo: Malheiros, 2002, pp.144-170. No adotamos na pesquisa uma separao rgida entre o pblico e o privado, estando
de acordo com Mauro Cappelletti, que considera que a summa diviso pblico-privado aparece irreparavelmente superada diante da
realidade social de nossa poca, que infinitamente mais complexa, mais articulada, e mais sofisticada do que aquela simplista dicotomia
tradicional. Assim, nossa poca traz preponderantemente ao palco novos interesses difusos, novos direitos e deveres que, sem serem
pblicos no senso tradicional da palavra, so, no entanto, coletivos: pertencem, ao mesmo tempo, a todos e a ningum. Cf. CAPPELLETTI,
Mauro. Formaes Sociais e Interesses coletivos diante da justia Civil, Revista de Processo, So Paulo, n. 05, jan./mar. 1977, p. 135.
15
Esta pesquisa reflete as opinies de seus autores e no a do Ministrio da Justia
O desenho de sistemas de soluo de disputas pode ser feito sob medida para
diferentes contextos e envolver diferentes atores e tipos de conflitos. Notou-se, contudo,
que quando a Administrao est presente, normalmente na posio de demandada
(devedora ou prestadora de servios), as caractersticas do desenho, o papel dos atores
envolvidos, o nvel de institucionalizao, os desafios e dificuldades para sua resoluo
extrajudicial assumem contornos prprios, diferentes de quando o desenho de sistemas
envolve empresas privadas.
A responsabilidade objetiva do Estado, as restries autocomposio e os
limites negociao pela Administrao, o pagamento de dvidas atravs de precatrios,
as restries oramentrias, a responsabilidade do gestor pblico (sob o efeito das leis
de responsabilidade fiscal e de improbidade administrativa), a indisponibilidade do bem
pblico, a inafastabilidade da jurisdio, e a posio restritiva do Tribunal de Contas quanto
aos meios alternativos de soluo de conflitos2 foram alguns fatores apresentados pelos
entrevistados nesta pesquisa como dificuldades e desincentivos resoluo extrajudicial
de conflitos de interesse pblico.
Essas dificuldades, por outro lado, no foram consideradas como barreiras
instransponveis3, e o objetivo da pesquisa foi refletir acerca das possibilidades e
potencialidades de haver um desenho extrajudicial de soluo de conflitos envolvendo a
Administrao Pblica por meio de um diagnstico da situao atual, com base no estudo
de casos e nas percepes dos atores entrevistados.
2 Sobre essa posio restritiva do Tribunal de Contas, no admitindo que seja realizada resoluo extrajudicial na falta de autorizao
legislativa, vide a posio do Tribunal de Contas do Estado de So Paulo (TCE/SP), que limitativa a esse respeito, mesmo em relao s
Parcerias Pblico-Privadas. Posiciona-se o TCE/SP: enquanto a declinao do juzo estatal possa ser prtica comum em ajustes privados,
a possibilidade de escolha do juzo arbitral para contratos pblicos tem outros contornos, eis que a Administrao deve agir com supremacia
e indisponibilidade do interesse pblico. Nessa qualidade, os bens e interesses pblicos no esto prontos disposio do prprio rgo
administrativo que os representa, ou entregues livre vontade do administrador. Tribunal de Contas do Estado de So Paulo. Contratos
de Parcerias Pblico-Privadas: Guia Bsico 2005. Disponvel em http://www.tce.sp.gov.br/arquivos/manuais-basicos/guia-basico-2005-
PPP.pdf. Acesso em 30.06.2010 .Vide tambm SALLES, Carlos Alberto de. A arbitragem na soluo de controvrsias contratuais da Administrao
Pblica. Tese entregue Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo como requisito para obteno do ttulo de Livre-Docente junto
ao Departamento de Direito Processual, So Paulo, 2010, (cap. 2, Parte IV).
3 E nem impediram que algumas experincias fossem vivenciadas no desenho de sistemas de resoluo alternativa de disputas (DSD),
como foi o caso das indenizaes coletivas negociadas pela Defensoria Pblica no acidente do metr em So Paulo, em 2007. Mais detalhes
em http://www.premioinnovare.com.br/praticas/indenizacoes-extrajudiciais-relacionadas-ao-acidente-do-metro-em-sao-paulo-2546/.
Importante destacar que foi um incentivo para a adoo deste mtodo resoluo de conflito extrajudicial o precedente da Cmara de
Indenizao para a Reparao das Vtimas do acidente areo da TAM. Conforme entrevista realizada com integrante da Defensoria Pblica,
foi um pedido do governador a instalao de procedimento tendo como parmetro aquele adotado nos casos de acidentes areos.
Nesse contexto, experincias bem sucedidas em DSD tm um papel muito
importante para a transposio dessas barreiras, revelando, alm do como fazer, os
possveis resultados que podem ser alcanados. Foi o caso das recentes experincias
envolvendo a criao de cmaras indenizatrias em acidentes areos: a Cmara de
Indenizao Voo 3054, criada em decorrncia do acidente areo com o Voo Tam 30544; e o
Programa de Indenizao 447, originado com o acidente do Voo Air France.
Ambos so importantes precedentes, fruto de iniciativa do Ministrio da Justia
que, juntamente com as companhias areas, suas seguradoras, rgos integrantes
do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e do Sistema de Justia5 e os prprios
familiares das vtimas, construram um sistema com o intuito de fixar e pagar indenizaes
coletivas, atravs de um modo eficiente e menos custoso (o que inclui tambm os custos
de transao), alm da reduo dos desgastes emocionais e psicolgicos das partes e do
seu maior controle e satisfao sobre o processo e o resultado6.
Houve tambm a criao da Cmara de Conciliao e Arbitragem da Administrao
Federal (CCAF), pelo Ato Regimental n 5, de 27.09.2007; e, no mbito do Ministrio
Pblico do Estado de So Paulo, tem-se estudado a criao de uma Cmara de Mediao
para Interesses Difusos, Coletivos e Individuais Homogneos.
Em termos legislativos, importante destacar a proposta de criao de um
programa extrajudicial de preveno e reparao de danos para interesses ou direitos
difusos, coletivos e individuais homogneos, no Projeto de Lei de Ao Civil Pblica (PL
5139/2009), que analisado na parte propositiva deste relatrio.
Nesse cenrio de incentivos ao desenho extrajudicial de soluo de conflitos, que
tem sido bastante estudado e aplicado fora do Brasil7, o objetivo da pesquisa foi mapear,
4 Para um relato mais aprofundado da experincia, vide FALECK, Diego. Introduo ao Design de Sistemas de Disputas: Cmara de
Indenizao 3054. Revista Brasileira de Arbitragem. Ano V, n. 23, jun-ago-set 2009, Porto Alegre: Sntese; Curitiba: CBAr, pp. 7-32.
5 Ministrio Pblico do Estado de So Paulo, Defensoria Pblica do Estado de So Paulo, Fundao Procon/SP e o Departamento de
Proteo ao Consumidor da Secretaria de Direito Econmico, rgo vinculado ao Ministrio da Justia.
6 Os sistemas foram construdos sobre os pilares da confiana e compreenderam fatores como transparncia, isonomia, apoio em critrios
objetivos, eficincia e participao governamental; por outro, a lei e decises do STJ foram usadas como parmetros para que as partes
pudessem negociar montantes dignos de indenizao que correspondessem peculiaridade de cada caso.
7 Nos EUA, h inmeras e diversificadas experincias que envolvem o desenho de sistemas de resoluo alternativa de disputas para
contextos variados. No mbito de empresas, vide relato sobre o caso da Toyota em CARVER, Todd B. VONDRA, Albert A., Alternative
16 17
Esta pesquisa reflete as opinies de seus autores e no a do Ministrio da Justia Esta pesquisa reflete as opinies de seus autores e no a do Ministrio da Justia
a partir de estudo emprico, casos e conflitos de interesse pblico, identificar os atores
envolvidos, as vantagens e desvantagens de se implementar o DSD, os problemas e as
ineficincias do sistema adotado, e, a partir deste diagnstico, sugerir campos frteis para
se pensar no desenho de sistemas de resoluo alternativa de disputas para conflitos de
interesse pblico.
A vantagem econmica alcanada com o DSD, se comparada com a via judicial,
o clculo a partir da relao custo vs. benefcio, a exposio financeira das partes, os
custos de imagem para o indenizador, o dispndio de tempo e custos com o processo,
advogados, rbitros, percias e recursos, so argumentos importantes para convencer
determinado ator a adotar ou aderir a um programa relacionado a DSD. Porm, esses
argumentos parecem ter maior apelo e convencer mais as empresas privadas do que o
Poder Pblico.
A tomada de deciso em diferentes esferas leva em conta critrios e incentivos
diferenciados, agregando-se no contexto dos conflitos de interesse pblico o custo
poltico e social das decises, a imagem poltica e visibilidade do conflito, muitas vezes
maximizadas pela atuao da mdia.
Quais so os incentivos Administrao para adotar desenho de resoluo
extrajudicial e alternativa de disputas (DSD)? Quais so as barreiras? Quem teria
legitimidade para ser o designer em conflitos de interesse pblico? Quem arca com os
custos? Qual o papel que deve assumir o Judicirio? E os demais atores envolvidos?
Qual o nvel de institucionalizao que pode ter o desenho? O desenho deve ser sempre
feito caso a caso (one size does not fit all) ou h um mnimo de padro a ser seguido? So
algumas das perguntas que surgiram no decorrer da pesquisa.
Ao longo da pesquisa, notamos que alguns atores institucionais esto presentes de
forma mais recorrente, tais como o Ministrio Pblico, o Judicirio, a Defensoria Pblica,
a Administrao, assim como algumas associaes, na qualidade de representantes da
Dispute Resolution: why it doesn`t work and why it does, in Harvard Business Review, may-june 1994; e sobre o programa de mediao
implementado no U.S. Postal Service: REDRESS - Resolve Employment Disputes Reach Equitable Solutions Swiftly, vide BUSH, Robert Baruch,
FOLGER, Joseph. The promise of mediation: the transformative approach to conflict, San Francisco: Jossey Bass, 2005, pp. 26-31/107 e www.
businessofgovernment.org/pdfs/Bingham_Report.pdf. Sobre Cmaras Indenizatrias envolvendo acidentes, destacam-se o Fundo de
Compensao criado para indenizar os familiares e beneficirios das vtimas do ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 nas torres
gmeas em Nova Iorque, o caso British Petroleum (Gulf Coast Claims Facility) e o caso Orange (Agent Orange Settlement).
sociedade civil. Percebe-se que as formas de resoluo de conflitos vigentes no Brasil
possuem grande conexo com o Sistema de Justia. Tanto o Judicirio quanto o Ministrio
Pblico foram atores institucionais bastante citados nas entrevistas, o que tambm se
observou em relao Defensoria Pblica. Mas h outros partcipes e atores, pblicos e
privados, que sero considerados nos casos analisados, conforme se ver nos captulos
2 e 3 deste relatrio.
A pesquisa no realizou o desenho de um novo sistema, mas sim investigou por
que as partes preferem ou no o sistema e formas de soluo de conflitos vigentes,
quais so os seus problemas e ineficincias, quais seriam os benefcios, dificuldades
e possibilidades de um novo desenho, os principais desafios e os atores envolvidos, a
fim de averiguar se os conflitos de interesse pblico podem ser tidos como possveis
campos para a aplicao de Dispute System Design (DSD), e quais seriam os principais
argumentos favorveis ou contrrios a isso.
Este relatrio est organizado em 5 captulos. O primeiro deles trata dos objetivos,
etapas e metodologia da pesquisa, com o detalhamento do estudo de casos. O captulo 2
faz uma breve descrio dos casos escolhidos, que so analisados no captulo seguinte,
a partir de diferentes variveis. O captulo 4 contm a parte propositiva da pesquisa; e o
captulo 5, as referncias.
I. PERCURSO DA PESQUISA
Na 1 etapa, o levantamento de casos foi feito com base em pesquisa
jurisprudencial no TJSP8 e em pesquisa junto a banco de dados e informaes de entes
governamentais e no governamentais9. Muito embora se tenha dividido os casos em
judicializados e no judicializados, isso foi feito apenas para fins de sistematizao e
8 A pesquisa jurisprudencial foi realizada em julho de 2010, sem recorte temporal, e consistiu no emprego das seguintes combinaes de
palavras-chave no campo de pesquisa jurisprudencial do TJSP, separada e conjuntamente: sentena genrica, individuais homogneos,
ao coletiva, liquidao, execuo, consumidor, meio ambiente, ambiental.
9 Como o Instituto Acende Brasil, Secretaria da Habitao do Governo do Estado de So Paulo - CDHU, Instituto Plis, Instituto Brasileiro
de Defesa do Consumidor IDEC, dentre outros
18 19
Esta pesquisa reflete as opinies de seus autores e no a do Ministrio da Justia Esta pesquisa reflete as opinies de seus autores e no a do Ministrio da Justia
diferenciao da fonte de busca dos casos e informaes.
Ainda durante a 1 etapa da pesquisa, foi apresentada uma moldura analtica
para o exame dos casos, que deu origem ao questionrio de entrevistas e aos 5 eixos em
relao aos quais os casos objeto do estudo emprico foram analisados e organizados.
Na 2 etapa, teve incio o estudo de casos, que se baseou em entrevistas presenciais
de diferentes atores envolvidos nos trs casos selecionados. Estas entrevistas buscaram
colher dados e informaes a partir das experincias de cada entrevistado, considerando
a sua posio institucional (de onde falam), muito embora tenha sido resguardado o
sigilo quanto aos seus nomes. Esta 2 etapa foi composta de entrevistas, da anlise in loco
dos casos e das pesquisas realizadas pela equipe sobre cada um dos casos.
A 3 etapa da pesquisa, por fim, foi destinada parte analtica dos casos, a partir dos
dados das entrevistas, alm do estudo comparativo do caso British Petroleum10. Nesta fase foi
tambm debatida a parte propositiva voltada implementao de sistemas de resoluo
alternativa de disputas de conflitos de interesse pblico, com a realizao, ao final, de
workshop que contou com a participao de diferentes especialistas e convidados11.
Todos os treze casos mapeados na 1 etapa da pesquisa envolvem interesses e
direitos individuais homogneos, coletivos ou difusos e apresentam multiplicidade de
partes. Para a escolha de trs deles, objeto da pesquisa de campo, foram utilizados os
seguintes critrios: i. dificuldade de liquidao de danos e obrigaes; ii. acesso a dados/
informaes e a pessoas envolvidas no caso para serem entrevistadas; iii. diferentes temas
e tipos de danos - ligados a acidentes, danos ambientais, urbanos, na rea de sade,
responsabilidade objetiva, questes indenizatrias, tutelas especficas de obrigao de
fazer e no fazer; iv. diferentes atores envolvidos; v. (in)disponibilidade de interesses e
direitos; vi. diferentes nveis de institucionalizao, recorrncia do dano e potencial de ser
reproduzido em outros contextos (replicabilidade).
10 Entramos em contato com o advogado norte-americano Kenneth Feinberg, que atuou como special master e designer em diferentes casos,
como (i) no Fundo de Compensao s vtimas do acidente de 11 de setembro de 2001, em que realizou um trabalho pro-bono de 33 meses;
(ii) na mediao do conflito entre veteranos da Guerra do Vietnam e produtores do herbicida Agente Laranja, que aps 8 anos no Judicirio
resolveu-se em acordo; e no caso British Petroleum (Gulf Coast Claims Facility), relatado nesta pesquisa.
11 O workshop para debate dos resultados desta pesquisa ocorreu na Direito GV, em So Paulo, no dia 10.12.2010, com a participao
de representantes do Ministrio da Justia (SAL Secretaria de Assuntos Legislativos, SDE Secretaria de Direito Econmico e SRJ
Secretaria de Reforma do Judicirio), e de especialistas de diferentes reas do direito e rgos da Administrao.
Com base nestes critrios, foram escolhidos os seguintes casos: 1. Choque de
trens da CTPM12 - caso envolvendo acidente, danos psicolgicos e vtimas fatais, questo
indenizatria e obrigaes da fazer e no fazer, em demandas coletivas e individuais,
com a participao de diferentes atores, privados e pblicos; 2. Caso dos autistas13 -
caso envolvendo obrigao de fazer e no fazer, assistncia continuada aos autistas (caso
permanente), interferncia do Judicirio em poltica pblica, dilogo interinstitucional
entre Executivo e Judicirio sobre gesto e implementao de poltica pblica; 3. Caso
de loteamento irregular14 caso que tem por base o cenrio de So Luiz de Paraitinga,
com foco no loteamento irregular, nas enchentes, no direito de moradia e na questo
indenizatria, com a constituio de fundos por doaes e outras verbas.
So trs demandas coletivas que chegaram ao Judicirio e que poderiam ser
replicadas em outros cenrios fticos, com diferentes pedidos de tutela indenizatria
e especfica (obrigao de fazer e no fazer). Elas encontram-se em fases distintas,
conforme se ver na descrio dos casos a seguir: a ao civil pblica proposta no caso
de So Luiz do Paraitinga a mais recente, ajuizada pela Defensoria Pblica do Estado de
So Paulo em agosto de 2010, sem apreciao de seu pedido definitivamente. No caso dos
autistas, por outro lado, j houve sentena, que julgou procedente a ao, para condenar
a Fazenda Pblica do Estado de So Paulo, em 28.12.2001, tendo transitado em julgado.
A ao civil pblica no Caso CPTM, ajuizada em 06.08.2000, teve o pedido de antecipao
de tutela indeferido pelo juzo de primeira instncia, deciso que foi confirmada pelo
Tribunal, e encontra-se atualmente em fase de produo de provas15.
As entrevistas dos atores envolvidos em cada caso tiveram as respostas e os
dados organizados nos 5 eixos centrais anteriormente citados (com base na moldura
analtica elaborada coding frame e no roteiro de entrevista):
i. O conflito e partes interessadas/ envolvidas;
12 Ao civil pblica proposta por Associao em defesa das vtimas e familiares, Processo n 583.53.2000.020559-5, que tramita na 34.
Vara Cvel do Frum Central Civel Joo Mendes Jnior.
13 Ao civil pblica proposta pelo Ministrio Pblico, Processo n 053.00.027139-2, que tramitou perante a 6 Vara Cvel da Fazenda
Pblica de So Paulo.
14 Em ao civil pblica proposta pela Defensoria Pblica, Processo n 0000546-21.2010.8.26.0579, em trmite perante a Comarca de So
Luiz do Paraitinga SP
15 Muitas indenizaes foram negociadas em demandas individuais ajuizadas pelos familiares das vitimas.
20 21
Esta pesquisa reflete as opinies de seus autores e no a do Ministrio da Justia Esta pesquisa reflete as opinies de seus autores e no a do Ministrio da Justia
ii. As formas e alternativas de soluo de disputas adotadas;
iii. A possibilidade de soluo extrajudicial dos conflitos e criao de um sistema
de soluo de disputas;
iv. Quem implementaria e quem fiscalizaria este sistema?
v. Quem arcaria com os custos?
Ao todo foram realizadas 19 entrevistas, considerando a diversidade de percepes
dos entrevistados e a sua posio institucional (de onde falam), alm de anlise dos
dados e materiais referentes a cada caso e visita So Luiz do Paraitinga. As vozes dos
entrevistados compem este relatrio, mas se resguardou a identidade dos mesmos,
com referncia apenas sua posio.
No Caso de Loteamento Irregular, entrevistamos membros e representantes do
CERESTA, UNESP, Poder Executivo local (Prefeitura), Associao Civil AMI Paraitinga,
Secretaria de Turismo de So Luiz do Paraitinga, Judicirio, Ministrio Pblico, Governo
do Estado (CDHU) e Defensoria Pblica do Estado de So Paulo.
No caso dos autistas, foram entrevistados os atores que estiveram diretamente
envolvidos no deslinde do caso, como representantes do Ministrio Pblico, do Poder
Judicirio, da Defensoria Pblica, da Secretaria da Sade e da sociedade civil (familiares
de autistas).
No caso do choque de trens da CPTM, entrevistamos integrantes do Departamento
Jurdico da CPTM e advogados de vitimas que estavam no acidente.
O estudo de casos apresentado a seguir atravs de dois momentos: i. descritivo,
no captulo 2; ii. analtico, no captulo 3.
A parte analtica feita com base na anlise das seguintes questes: A) Replicabilidade
do caso; B) Poder Judicirio como ponto de partida?; C) Critrios objetivos e isonomia de
tratamento das partes (alguma padronizao)?; D) Quem paga a conta?; E) Quem fiscaliza?
F) Forma de soluo de conflitos (desenho provisrio ou permanente? Vantagens ou
desvantagens? Incentivos ou desincentivos?); G) Dilogo interinstitucional; H) Barreiras
da Administrao Pblica?; I) Comportamentos oportunistas16? Vulnerabilidades?
II. DESCRIO DOS CASOS
II.1. CASO DOS AUTISTAS
Impulsionado pela denncia oferecida por um pai de autista, o Ministrio Pblico
do Estado de So Paulo instaurou inqurito civil para verificar se o Estado de So Paulo
disponibilizava tratamento e educao especficos s necessidades de pessoas com
autismo17. Tendo verificado que o Estado somente disponibilizava tratamento psiquitrico
no especializado no cuidado de autistas, o Ministrio Pblico tentou firmar acordo com
a Administrao Pblica Paulista.
Conforme relatado por membro do Ministrio Pblico, no houve interesse
do Estado de So Paulo em incluir o tratamento especializado de autistas na lista do
Sistema nico de Sade SUS e disponibilizar entidades especializadas no tratamento e
educao de autistas.
Em nome dos outros autistas, ele que trouxe primeiro a denncia pro MP, dizendo que
o Estado ou o SUS no ofereciam tratamento especializado. Na verdade, eles tratavam os
autistas com tratamento psiquitrico, mas no especializado em autista. A nosso colega
16 Por oportunismo entendemos nesta pesquisa os casos que no se enquadram no escopo do desenho de soluo de conflitos
(considerados nas Cmaras de Indenizao da TAM e da Air France como falsos positivos) e que, sem observarem as regras do jogo,
buscam obter vantagens. Em um desenho extrajudicial de soluo de conflitos, importante que estas regras estejam claras, com a
descrio dos critrios e casos de elegibilidade, evitando desvios e oportunismos
17 Conforme relata este pai de autista e tambm advogado que levou inicialmente a questo ao Ministrio Pblico: o tratamento do autista
tem algumas correntes, mas todas elas caminham no mesmo sentido. O autista precisa de um atendimento especializado no porque ele seja diferente,
ele especializado porque assim como voc trata de um cncer, por exemplo, com determinados remdios com determinadas aes, o autismo tambm
assim. Ele precisa de determinadas aes de acompanhamento, voc tem que ter um monitor ou dois monitores que acompanhem o autista diariamente
porque o monitor quem faz a convivncia com o autista, ento ele fechado ele no se comunica; muito difcil voc achar um autista que fale, ele
fica fechado no mundo dele. Ento h necessidade de voc fazer esse vnculo pra voc aos poucos ir trazendo ele pro nosso mundo e voc consegue..
(Advogado e pai de autista)
22 23
Esta pesquisa reflete as opinies de seus autores e no a do Ministrio da Justia Esta pesquisa reflete as opinies de seus autores e no a do Ministrio da Justia
do MP instaurou inqurito civil e confirmou essa informao de que realmente o SUS no
disponibilizava nada especfico para autismo. Tentou acordo no inqurito civil e o Estado
no se interessou. (Promotor)
Este cenrio motivou o Ministrio Pblico Paulista a ajuizar Ao Civil Pblica18,
com pedido de antecipao de tutela contra a Fazenda Pblica do Estado de So Paulo,
objetivando a condenao da r ao pagamento do valor integral necessrio ao tratamento,
assistncia e educao de autistas em entidades de tratamento especializadas.
A ao ajuizada pelo Ministrio Pblico Paulista foi julgada procedente em
primeira instncia para condenar a Fazenda, enquanto no dispuser de unidades prprias
especializadas no tratamento de autistas, a arcar com o valor integral do tratamento,
assistncia e educao de autistas em entidade privada de tratamento especializada,
bem como providenciar, no prazo de trinta dias da comprovao da situao de autista,
instituio adequada para o tratamento do autista requerente19.
Abaixo est transcrito trecho da sentena:
JULGO PROCEDENTE a ao civil pblica movida pelo Ministrio
Pblico do Estado de So Paulo contra a Fazenda Pblica do Estado de So
Paulo, com fundamento no artigo 269, inciso I, do cdigo de Processo Civil,
para CONDEN-LA, at que, se o quiser, providencie unidades especializadas
prprias e gratuitas, nunca as existentes para o tratamento de doentes
mentais comuns, para o tratamento de sade, educacional e assistencial
aos autistas, em regime integral ou parcial especializado para todos os
residentes no Estado de So Paulo, a: I - Arcar com as custas integrais do
tratamento (internao especializada ou em regime integral ou no), da
assistncia, da educao e da sade especficos, ou seja, custear tratamento
especializado em entidade adequada no estatal para o cuidado e assistncia
aos autistas residentes no Estado de So Paulo; II Por requerimento dos
18 Processo n 053.00.027139-2, que tramitou perante a 6 Vara Cvel da Fazenda Pblica de So Paulo.
19 Sentena proferida em 28 de dezembro de 2001.
representantes legais ou responsveis, acompanhado de atestado mdico que
comprove a situao de autista, endereado ao Exmo. Secretrio de Estado da
Sade e protocolado na sede da Secretaria de Estado da Sade ou encaminhado
por carta com aviso de recebimento, ter o Estado o prazo de trinta (30)
dias, a partir da data do protocolo ou do recebimento da arta registrada,
conforme o caso, para providenciar, s suas expensas, instituio adequada
para o tratamento do autista requerente; III A instituio indicada ao autista
solicitante pelo Estado dever ser a mais prxima possvel de sua residncia e
de seus familiares, sendo que, porm, no corpo do requerimento poder constar
a instituio de preferncia dos responsveis ou representantes dos autistas,
cabendo ao Estado fundamentar inviabilidade da indicao, se for o caso, e
eleger outra entidade adequada; IV - O regime de tratamento e ateno em
perodo integral ou parcial, sempre especializado, dever ser especificado
por prescrio mdica no prprio atestado mdico antes mencionado,
devendo o Estado providenciar entidade com tais caractersticas; V - Aps o
Estado providenciar a indicao da instituio dever notificar o responsvel
pelo autista, fornecendo os dados necessrios para o incio do tratamento.
(grifo nosso).
A Fazenda Pblica do Estado de So Paulo interps recurso de Apelao contra
referida deciso, qual foi negado provimento pela Terceira Cmara de Direito Pblico do
Tribunal de Justia de So Paulo.
Ocorrido o trnsito em julgado da sentena, iniciou-se a fase de habilitao e
execuo individuais ou coletivas fundadas em ttulo executivo judicial. No havendo
instituies pblicas especializadas no tratamento deste grupo de deficientes fsicos,
as habilitaes ou execues individuais requeriam a insero e custeio do autista em
instituio particular20.
20 Promotor de Justia do Ministrio Pblico do Estado de So Paulo relata as dificuldades iniciais enfrentadas pelo Poder Executivo,
decorrentes da especificidade do teor da sentena, e que estimularam os representantes de autistas a promoverem habilitaes na ao
civil pblica: A sentena delimita no s que o Estado tem que pagar ou conveniar com alguma entidade, mas que o tratamento deve ser adequado
e prximo da casa do menino. Assim, se a instituio indicada for boa, mas distar quarenta e cinco quilmetros da casa do autista, ela inadequada.
24 25
Esta pesquisa reflete as opinies de seus autores e no a do Ministrio da Justia Esta pesquisa reflete as opinies de seus autores e no a do Ministrio da Justia
Paralelamente s habilitaes e execues judiciais, em 2002 a Secretaria da
Sade editou portaria, que determinou a incluso de procedimentos mdicos voltados ao
tratamento de autistas no Sistema de Informaes Ambulatoriais do Sistema nico de
Sade SIA-SUS.
As Secretarias da Sade e Educao passaram ento a receber e solucionar os
reclames de responsveis por autistas sem a necessidade de interveno judicial21. Com
a comprovao da condio de autista perante a Secretaria da Sade, o indivduo passou
a ser encaminhado pela Administrao Pblica Paulista a instituies mdicas e/ou
educacionais especializadas no tratamento de pessoas com autismo, conforme explica o
representante da Secretaria da Educao do Estado de So Paulo:
Basta o requerimento administrativo e a prova que a me a responsvel, os documentos
da criana, documento de endereo e laudo mdico que d conta que ele seja autista. Isso
j est minuciado na ao civil pblica: s a me se deslocar at a Secretaria da Sade,
que faz a verificao da validade desse atestado mdico. Verificada a veracidade de tudo
aquilo que foi veiculado, eles montam o processo e encaminham pra ns, daqui da chefia
de gabinete vai pra um departamento que chama CAPE Centro de Apoio Pedaggico
Especializado. No CAPE eles viabilizam de acordo com o estudo da regio geogrfica que
a pessoa reside e eles disponibilizam o atendimento, sempre atentos ao prazo de 30 dias
a contar do dia do protocolo. (Assessor da Secretaria da Educao do Estado de
So Paulo)
A ausncia de instituies pblicas capazes de prestar atendimento adequado
s necessidades especficas dos autistas forou as Secretarias da Sade e Educao a
encaminhar os autistas a instituies particulares de tratamento especializado22.
(Promotor)
21 Conforme relatado pelos representantes do Ministrio Pblico do Estado de So Paulo: Inclusive o Estado tem resolvido administrativamente.
O indivduo diz que o meu filho precisa de um medicamento X e precisa de fraldas X, Y ou Z. O Estado encaminha, manda pra casa da pessoa por
motoboy. O motoboy vai e entrega mensalmente o medicamento tal, tal e tal. Isso tudo est sendo feito administrativamente. Ento j est havendo uma
acomodao nesse sentido e a gente est sentindo at nas execues nas habilitaes. (Promotor
22 Nas palavras do representante da Secretaria da Educao do Estado de So Paulo: Como tudo muito novo, o Estado no se arregimentou
no sentido de vamos disponibilizar por nossos prprios meios o atendimento. Ento a gente se vale de quem faz quem faz: A rede conveniada ou
credenciada. Quem conveniada? AMA, Pestalozzi, AACD e APAE. Quem credenciada? So algumas escolas particulares que apresentaram valores
Os altos valores cobrados pelas instituies particulares23 de ensino e educao,
somados crescente demanda por esta prestao divulgao do contedo da sentena
entre os responsveis por autistas24, passaram a interferir na gesto oramentria das
Secretarias. Conforme relatado por Assessor da Secretaria da Educao, o deslocamento
de verbas para atender somente s necessidades de autistas importa em menor
investimento em outras necessidades da sociedade civil25.
Buscando otimizar os gastos despendidos exclusivamente no tratamento
de autistas, as Secretarias da Educao e Sade editaram resolues26, as quais
determinavam a celebrao de convnios, em regime de cooperao, entre elas e
Instituies Particulares, sem fins lucrativos, que comprovadamente ofeream atendimento a
educandos portadores de necessidades especiais, verificada a impossibilidade de atendimento dessa
clientela em escolas da rede estadual de ensino27.
Pelos convnios, o Estado destinaria instituio de tratamento mdico e
educacional, que preenchesse determinados requisitos, verba mensal calculada conforme
a quantidade de autistas por ela atendidos. Atualmente, a Secretaria da Sade destina R$
610 (seiscentos e dez) reais/ms por autista internado e a Secretaria da Educao destina
R$ 1.000 (um mil) reais/ms por autista estudante28.
Segundo informaes prestadas pelo representante da Secretaria da Educao
do Estado de So Paulo, o valor pago s instituies que celebraram convnio com as
dentro da realidade praticada pelo mercado. (Assessor da Secretaria da Educao do Estado de So Paulo)
23 Informao obtida a partir de entrevista realizada com o representante da Secretaria da Educao do Estado de So Paulo: Essa ao
gerou algo muito benfico, mas ela trouxe algo muito perigoso. Hoje est bem mais tranqilo, mas no incio quando saiu o fundamento foi um problema
s, oramentos de sete mil reais, seis mil e duzentos, seis mil e oitocentos que queriam pagar cuidador dentro de casa, que queriam que pagassem as
fraldas, que queriam que pagasse a natao, o deslocamento, a perua escolar e talvez existia uma privatizao de atendimento de autistas e no isso,
esse no ...
24 Nas palavras do representante da Secretaria da Educao do Estado de So Paulo: O que existiu foi uma veiculao muito profunda dessa
matria pelo representante do Ministrio Pblico. Alm disso, pela especificidade de ter um filho autista, os pais se comunicam. Isso uma reao em
cadeia. (Assessor da Secretaria da Educao do Estado de So Paulo)
25 Na fala do representante da Secretaria da Educao do Estado de So Paulo, a educao de uma criana autista custa doze vezes o valor
da educao de uma criana normal.
26 Nesse sentido, vide resoluo n 79/2007, de 21 de novembro de 2007
27 Disponveis em: http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/notas/79_07.HTM?Time=8/18/2010%208:33:47%20PM, acesso em
24.11.2010.
28 Nas palavras do representante da Secretaria da Educao do Estado de So Paulo: Hoje pela via judiciria so 580 atendidos, uma
expectativa de gasto de 5 ou 7 milhes de reais s com essas crianas, cada uma o valor mximo pago de at mil reais. (Assessor da Secretaria da
Educao do Estado de So Paulo)
26 27
Esta pesquisa reflete as opinies de seus autores e no a do Ministrio da Justia Esta pesquisa reflete as opinies de seus autores e no a do Ministrio da Justia
Secretarias da Sade e da Educao foi calculado considerando a mdia dos valores
cobrados no mercado pelas instituies especializadas no tratamento de autistas.
Alm da celebrao de convnios, a Secretaria da Educao passou a equipar
escolas pblicas com professores capacitados, material especializado e grade curricular
especfica para alunos portadores de deficincias fsicas, dentre elas o autismo. De acordo
com informaes prestadas pelo representante da Secretaria da Educao, a cada 2 kms
(dois quilmetros) deve haver uma dessas escolas pblicas capacitadas29.
Vale mencionar que as iniciativas empreendidas pelas Secretarias da Sade e
da Educao relacionadas aos autistas no representaram significativas alteraes em
seus procedimentos internos. As novas atribuies referentes aos autistas apenas foram
includas entre os demais procedimentos das respectivas Secretarias.
Ocorre que, devido complexidade e individualidade de cada caso30, bem como
ao constante surgimento de situaes inusitadas relacionadas ao atendimento mdico
e educacional de autistas, nem sempre simples a realizao de acordos entre o
responsvel pelo autista e a Administrao Pblica. Nesses casos, h, em regra,
interveno do Ministrio Pblico e da Defensoria Pblica.
Os representantes de ambas as instituies informaram que buscam aproximar
o responsvel pelo autista Administrao Pblica (Secretarias da Sade e Educao) e,
somente quando invivel a conversa, ajuzam aes, habilitaes, execues individuais
e/ou execues coletivas.
Deste modo, a despeito das medidas e solues extrajudiciais empreendidas
pelas Secretarias da Sade e Educao, pelo Ministrio Pblico e pela Defensoria
29 Nas palavras do representante da Secretaria da Educao do Estado de So Paulo: quando leve (o grau de autismo) e tem uma escola
pblica prxima da residncia da pessoa cuja distncia no seja superior a dois quilmetros, e de acordo com a aceitao da famlia, ns fazemos o
encaminhamento dessa criana para uma escola pblica que tenha uma sala que chama sala de recursos. Ou seja, a criana tem atendimento de manh
e, dependendo do horrio, volta de novo. No perodo vespertino ele tem um atendimento na manh, e no contra turno ele faz essa sala de recurso que
uma sala que tem toda a parafernlia que possa viabilizar um atendimento de acordo com as necessidades daquela criana, o autista leve. (Assessor da
Secretaria da Educao do Estado de So Paulo)
30 Relata o representante da Secretaria da Educao do Estado de So Paulo que h diferentes tratamentos para os diferentes graus de
autismo: So dois modelos distintos de atendimento: o pedaggico especializado e o clnico. O atendimento pedaggico especializado para pessoas
com grau de autismo moderado ou leve. Para as crianas cujo autismo importe de comportamento violento, agressivo, o tratamento clnico e quem
viabiliza so as duas Secretarias conjuntamente. (Assessor da Secretaria da Educao do Estado de So Paulo)
Pblica, grande nmero de habilitaes e execues individuais31 continuaram a ser
ajuizadas. Tamanha foi a quantidade de incidentes propostos junto ao civil pblica que
o magistrado julgou necessrio extinguir todas as habilitaes e execues, conforme
revela a transcrio a seguir:
Portanto, sob pena de ofensa dignidade da Justia e de litigncia de m f,
depois de oito anos do ajuizamento da ao civil pblica, chegado o momento
de resolver, definitivamente, a questo do tratamento dos autistas. (...) So
inmeros os comparecimentos pessoais de parentes dos autistas no cartrio
judicial, muitos deles pessoas sem recursos vindas de diversas regies
do Estado, os quais solicitam o empenho pessoal do magistrado para que
recebam os seus valores ou que haja a internao em clnica privada. A partir
de hoje, isso vai mudar (os interessados e os advogados devem, diretamente,
procurar o Secretrio de Estado da Sade ou o Ministrio Pblico). (...) Assim,
para todos os autistas residentes no Estado de So Paulo, nos termos da
sentena confirmada pela superior instncia, como a executada Fazenda
Estadual deve manter registro de quem procurou o servio especializado,
determino que o Estado de So Paulo, por intermdio da Secretaria de Estado
da Sade, diretamente, receba os requerimentos dos representantes legais ou
responsveis dos autistas, instrudo com o atestado mdico que comprove a
situao clnica do paciente, a ser protocolado na Sede da Secretaria da Sade
(endereo: Av. Doutor Enas de Carvalho Aguiar, n 188, CEP n 05403-000, So
Paulo, Capital) ou no gabinete do Secretrio Estadual de Sade, Dr. Luiz Roberto
Barradas Barata (tel 3066- 8656/gabinete e 3085-4315/fax), e providencie, s
suas expensas, em 30 dias, instituio adequada para o tratamento do autista,
(...) Finalmente, recebido o tratamento de sade, educacional e assistencial
aos autistas, pertinentes condenao judicial, na hiptese de algum
responsvel do autista discordar da forma do tratamento ou da indicao da
clnica especializada pela Secretaria do Estado e da Sade, dever procurar o
31 O andamento processual da Ao Civil Pblica disponibilizado na internet informa que ela contm 60 incidentes processuais. Os
entrevistados, por sua vez, afirmam que foram ajuizadas centenas de demandas judiciais embasadas na sentena proferida em referida
ao. Nas palavras do representante da Secretaria da Educao do Estado de So Paulo: Hoje pela via judiciria so 580 atendidos (Assessor
da Secretaria da Educao do Estado de So Paulo)
28 29
Esta pesquisa reflete as opinies de seus autores e no a do Ministrio da Justia Esta pesquisa reflete as opinies de seus autores e no a do Ministrio da Justia
Ministrio Pblico (Rua Riachuelo, 115, 3 andar, sala 335, So Paulo, Capital,
tel. 3119-9090/gabinete do GAESP ou 3119-9355/fax da Secretaria.), para que
o prprio promova a execuo complementar do julgado, de uma nica s vez,
com relao a todos os descontentes. (...) A partir de agora, por isonomia aos
demais autistas ainda no atendidos, todas as habilitaes em curso sero
extintas (carncia superveniente da ao, nos termos do artigo 462 do Cdigo
de Processo Civil), no sero processadas novas habilitaes (os interessados
devero, diretamente, diligenciar perante a Secretaria de Estado da Sade)
e o julgador somente intervir para fins de execuo da multa diria (no
necessria a presena fsica do interessado no cartrio judicial).
Esta deciso foi cassada pelo Tribunal de Justia de So Paulo32_33. Embora
extremada e contrria ao princpio da inafastabilidade da jurisdio, a deciso trouxe
baila importantes aspectos relacionados dificuldade de se judicializar determinados
conflitos, quais sejam:
a) necessidade de tratamento isonmico a todos os autistas:
E, mesmo a Lei n 7.347/85, a qual disciplina a ao civil pblica, prev a
possibilidade de habilitao dos interessados, nota-se que apenas um nmero
reduzido de autistas (levando-se em conta a populao em todo Estado de
So Paulo) est sendo beneficiado porque somente aqueles que contratam
advogados particulares esto recebendo assistncia estatal mediante ordem
deste juzo. preciso que a sentena seja cumprida, em todos seus termos,
porque o procedimento seguido pela executada (ntido carter protelatrio) e
a postura adotada pelo Ministrio Pblico, autor da ao (limita-se a lanar
cotas nos autos das habilitaes e no toma nenhuma providncia para que
32 Tribunal de Justia do Estado de So Paulo. Agravo de Instrumento n 767.934-5/4-00, julgado em 09/07/2008. Des. Relator: Laerte
Sampaio
33 O membro do Ministrio Pblico do Estado de So Paulo relata este acontecimento: A ele avocou todos os processos e encerrou. Mas no
foi a que o problema surgiu: o problema surgiu quando nessa deciso ele determinou a todos os juzes do Estado, a todos os promotores do Estado e
encaminhou para o Procurador Geral, para o Presidente do Tribunal de Justia, para a Procuradoria de Justia qual o procedimento que tinha que ser feito.
Ou seja, ele achou-se acima do bem e do mal e a o acrdo foi assim. Jamais vi coisa igual na minha vida (Promotor)
o comando da sentena seja, efetivamente, respeitado) em nada contribuem
para garantir assistncia, educao e sade especficos dos autistas.
b) falta de estrutura institucional de um nico cartrio judicial para processar
dezenas ou centenas de habilitaes e execues vinculadas a uma nica sentena
genrica34:
Diante do nmero diminuto de escreventes na 6 Ofcio da Fazenda Pblica
da Capital (em torno de quatorze) e da notcia de que o Tribunal de Justia
pretende a relotao de 450 escreventes de primeira instncia para ocupar o
cargo de 2 escrevente nos gabinetes dos ilustres desembargadores, no h
pessoal para atender os parentes dos autistas que procuram o cartrio judicial
esperanosos de receber o auxlio objeto da condenao judicial.
c) falta de formao tcnica de um juiz para analisar e resolver problemas
relacionados rea mdica ou finanas pblicas:
No cabe ao julgador, nos termos da sentena proferida, como vem
sendo feito (atualmente), verificar a situao pessoal de cada autista e,
particularmente, determinar o abrigo em uma determinada instituio; verificar
se o atestado mdico comprova ou no a condio de autista; mandar a executada
providenciar o recolhimento do valor da mensalidade da instituio privada de
educao; expedir guia de levantamento; suspender a internao; promover
a remoo do autista para outra entidade especializada ou outras coisas do
gnero. Conforme o dispositivo da sentena, acima destacada, o Secretrio
de Estado da Sade que, a requerimento dos responsveis do autista, mediante
atestado mdico comprobatrio, deve verificar, individualmente, a instituio
indicada ao paciente mais prximo possvel de seus familiares, facultando-se
34 O membro do Ministrio Pblico do Estado de So Paulo entrevistado tambm concorda que, da forma como so organizados os
cartrios atualmente, uma ao dessa natureza pode inviabilizar o trabalho de um cartrio: Quebra! Duas aes dessas numa Vara... quebra! O
Estado tem que pensar nisso e deve se aparelhar pra tanto. (Promotor)
30 31
Esta pesquisa reflete as opinies de seus autores e no a do Ministrio da Justia Esta pesquisa reflete as opinies de seus autores e no a do Ministrio da Justia
a indicao de outra entidade adequada, se houver fundamentao vlida para
isso. No h, no dispositivo da sentena, previso para que o juiz da execuo
substitua atividade cabente, exclusivamente, ao Secretrio de Sade do Estado
de So Paulo (o julgador no mdico para identificar um quadro de autismo,
no sabe escolher a instituio mais adequada para cada caso especfico e no
possui conhecimento tcnico para analisar a prescrio mdica para saber
qual o regime de tratamento cabvel a uma situao especfica).
Esta deciso instaurou verdadeiro tumulto processual tendo, inclusive, sido
oferecida exceo de suspeio contra o magistrado por falta de sensibilidade causa
autista. Apesar de julgada improcedente a exceo, o juiz foi afastado da causa.
Conforme relatado por membros do Ministrio Pblico, outra peculiaridade
do caso foi constatada no primeiro pedido de execuo, que foi instrumentalizado na
via coletiva. Objetivou-se, por meio de uma mesma execuo, a insero de diversos
autistas em instituies especializadas de tratamento mdico e educacional. Ocorre que
o quadro clnico dos autistas bastante variado, sendo o tratamento varivel conforme as
caractersticas de cada paciente35. Assim, a tentativa de liquidar objetos distintos em um
mesmo incidente processual tambm contribuiu para tumulto no processo36.
Esta dificuldade, entretanto, foi rapidamente solucionada pela dissoluo da
execuo coletiva em execues individuais. Importante ressaltar que nem sempre a
execuo coletiva relacionada ao civil pblica dos autistas invivel, como no exemplo
de questionamento sobre a qualidade dos servios prestados por instituio conveniada37.
Atualmente a ao continua em curso. Novas habilitaes e execues (individuais
35 Nas palavras dos representantes do Ministrio Pblico do Estado de So Paulo: Acho que tinham trinta e dois autistas numa mesma
habilitao ou execuo. Foi assim que descobri que cada caso era um caso. No se pode pedir um mesmo tratamento para autistas com 18 anos, outro
com 4, outro com 3, outro com 7. No dava pra pedirmos numa nica execuo o tratamento para cada um deles. Num determinado momento do processo
o juiz falou que seria necessrio individualizar. Ento ns comeamos a ajuizar aes individuais. (Promotor)
36 exemplo de fator que contribuiu para o tumulto na execuo coletiva a constante juntada de peties de inmeros interessados (partes
e instituies de tratamento especializado).
37 O membro da Defensoria Pblica do Estado de So Paulo entrevistado informou que possivelmente ajuze execuo coletiva.
ou coletivas) so ajuizadas quando no possvel a soluo pacfica do conflito entre o
responsvel pelo autista e a Administrao Pblica.
II.2. VTIMAS DO ChOQUE DE TRENS DA CPTM
H 10 anos, em 28 de julho de 2000, dois trens da Companhia Paulista de Trens
Metropolitanos se chocaram, deixando 104 pessoas feridas e 9 mortas. Conforme relatado
pelos advogados das vtimas38 e na mdia, uma falha na rede de energia eltrica da linha
frrea reduziu a capacidade de imobilizao de um trem que estava parado em trecho de
declive entre as estaes Jaragu e Perus, que passou a se movimentar at se chocar
com outro trem que se encontrava parado na estao Perus.
A Companhia adotou iniciativas com o objetivo de identificar as vtimas imediatas
do acidente e seus familiares (pessoas que estavam presentes na estao no momento do
acidente e foram efetivamente feridas) para lhes prover assistncia mdica, restituio de
gastos funerrios e indenizao. As medidas consistiram tanto na abertura de escritrio
e fornecimento de nmero telefnico 0800 especialmente para cadastramento e
acompanhamento das vtimas do acidente, como no pagamento de indenizaes em
dinheiro ou cestas bsicas39.
Segundo informaes prestadas pelos advogados da Companhia Paulista de Trens
Metropolitanos entrevistados, houve somente 4 casos de negociao de indenizao. O
valor pago nas indenizaes variou entre R$ 15.654,67 e 18.700,0040. Devido s dificuldades
de contatar as vtimas que realizaram negociaes e ao sigilo de informaes sobre as
vtimas garantido pela CPTM, o grupo de pesquisa no conseguiu obter detalhes sobre o
38 Informao retirada de despacho proferido em 30/11/2001, nos autos ao civil pblica, n 583.53.2000.020559-5, em curso perante a
34 Vara Cvel do Frum Central da Comarca da Capital de So Paulo.
39 Corrobora com o afirmado o advogado da CPTM: O acidente de Perus que foi um acidente que teve uma repercusso grande na mdia pelo
nmero de vtimas que foram envolvidas, sejam as vtimas fatais ou as vtimas de dano de leso corporal. A CPTM poca fez uma proposta s vtimas pra
poder evitar o litgio judicial, tal qual como ocorreu agora no metr tambm com a questo da linha 4 l do buraco que teve o acidente. Tambm foram
chamados os parentes das vtimas e foram propostos algum acordo, o objetivo, o padro, o mesmo valor e tal. Quem aceitou essa proposta no precisou
levar para o Judicirio e j teve ali a sua indenizao recebida (Advogado CPTM
40 Dados obtidos a partir de petio juntada pela CPTM em ao civil pblica, processo n 583.53.2000.020559-5.
32 33
Esta pesquisa reflete as opinies de seus autores e no a do Ministrio da Justia Esta pesquisa reflete as opinies de seus autores e no a do Ministrio da Justia
ambiente e tempo das negociaes.
A despeito das iniciativas mencionadas acima, foi instituda a Associao de
Defesa das Vtimas do Choque de Trens da CPTM ADV, que houve por bem ajuizar ao
civil pblica com pedido de antecipao de tutela, cujo objetivo foi obter a condenao
genrica da CPTM consistente na fixao de sua responsabilidade pela totalidade dos
danos materiais e morais causados pelo acidente e realizao das seguintes obrigaes
especficas relacionadas prestao de servios da companhia: a) a no colocao em
funcionamento de composies que no possuam calos de segurana e b) o treinamento
dos seus funcionrios para situaes de emergncia, c) construo de muros nas
plataformas, e d) a reduo da velocidade dos trens.
Ajuizada em 06 de agosto de 2000, a ao teve o pedido de antecipao de tutela
indeferido pelo juzo de primeira instncia41, conforme se verifica pelo trecho da deciso
transcrito abaixo:
Existe inequvoca verossimilhana em torno da pretenso voltada
responsabilizao genrica da r, na forma do art. 97 do CDC, pelos danos
experimentados pelas vtimas do trgico acidente da Estao Perus, ou
por seus sucessores. O saneador, nesse ponto no questionado, proclama
tal aparente responsabilidade, que independe de culpa, com base no art.
14 do CDC e, mesmo, no art. 17 do Decreto 2.681/12 (v. fl. 818, item 13.2).
Contudo, valendo-me do raciocnio exposto no mesmo tpico do saneador, no
enxergo, em absoluto, o chamado perigo da demora. Efetivamente, ao invs
de antecipao de tutela, o que no deixa de representar medida anormal,
por inverter a ordem natural do processo, parece-me muito mais adequado,
consoante tambm assinalado no mesmo item 13.2 de fl. 818, que os prprios
interessados cuidem de ajuizar as respectivas aes individuais.
Contra referida deciso foi interposto Agravo de Instrumento, cujo provimento foi
negado pela Dcima Segunda Cmara do Primeiro Tribunal de Alada Civil do Estado de
41 Despacho proferido em 19/02/2003
So Paulo42. Abaixo transcrito trecho do acrdo:
Posto que a responsabilidade objetiva do transportador, cuja culpa
presumida, permita admitir a verossimilhana do pedido, ausente est, nas
circunstncias descritas pelo magistrado, o requisito do perigo de dano
grave e de difcil reparao, eis que em caso de procedncia a condenao
ser genrica, nos termos do artigo 95 da Lei n. 8.078/90, no podendo
prescindir de liquidao especfica dos danos causados ao consumidor, que
ter de provar-lhes a existncia, amplitude e nexo causal, antes de passar a
execuo, provisria at o trnsito em julgado de sentena genrica, a qual
haver de ser necessariamente liquidada por artigos (...). Diante disso e da
situao de verdadeiro caos que se instalaria no processo, caso as liquidaes
de interesse de cada uma das vtimas nele houvesse de se fazer, a rigor nem
haveria utilidade prtica na antecipao, se, com muito maior agilidade e
economia, os interessados podero propor aes reparatrias individuais, com
especificao e demonstrao dos eventuais danos sofridos, pleiteando, ali, a
antecipao dos efeitos da tutela condenatria, se for o caso.
Passados 10 anos do ajuizamento da demanda coletiva, ainda no houve juzo
definitivo de mrito, encontrando-se a ao em fase de produo de provas.
Na viso dos advogados entrevistados da Companhia Paulista de Trens
Metropolitanos, a criao da associao e o ajuizamento da demanda coletiva foram
resultados de atitude oportunista de um advogado, que vislumbrou no acidente uma
chance de obter vantagens polticas e financeiras atravs da captao de clientes e da
visibilidade obtida com o acidente.
J o advogado de uma das vtimas do acidente, que ingressou com demanda
individual, informou no possuir conhecimento sobre a existncia da Associao de Defesa
das Vtimas do Choque de Trens da CPTM ADV ou do ajuizamento de ao coletiva.
Isso porque outra via utilizada para solucionar o conflito foi o ajuizamento de
42 Tribunal de Justia do Estado de So Paulo. Agravo de instrumento n 1.177.921-6, julgado em 26 de julho de 2003. Des. Relator:
Matheus Fontes.
34 35
Esta pesquisa reflete as opinies de seus autores e no a do Ministrio da Justia Esta pesquisa reflete as opinies de seus autores e no a do Ministrio da Justia
demandas individuais. Conforme informaes obtidas por petio juntada pela Companhia
Paulista de Trens Metropolitanos aos autos da ao civil pblica43, foram ajuizadas 53
(cinqenta e trs) aes indenizatrias individuais perante os fruns da Lapa, de Franco
da Rocha e Joo Mendes (Frum Central da Capital de So Paulo).
Dentre as 53 (cinqenta e trs) aes individuais, 1 (uma) foi julgada extinta sem
exame de mrito, 11(onze) foram julgadas improcedentes, 18 (dezoito) foram julgadas
procedente em parte, 8 (oito) foram julgadas procedentes, 4 (quatro) ainda se encontram
em fase instrutria, 6 (seis) tiveram acordo homologado judicialmente, 1 (uma) tramitou
em segredo de justia e 4 (quatro) no foram localizadas.
Salvo um processo que foi julgado improcedente no ano de 2002, todos os demais
processos obtiveram sentena somente entre os anos de 2005 e 2010. Tendo os processos
sido ajuizados entre 2001 e 2002, a mdia de julgamento foi entre 3 (trs) e 9 (nove) anos.
Somente foi possvel encontrar o valor de indenizao arbitrado em 7 (sete) das
aes individuais. O menor valor arbitrado foi de R$ 3.988,24 (trs mil novecentos e oitenta
e oito reais e vinte e quatro centavos) e o maior valor arbitrado foi de R$ 148.846,50 (cento
e quarenta e oito mil reais oitocentos e quarenta e seis reais e cinqenta centavos). As
demais indenizaes foram de 4.000,00 (quatro mil reais), R$ 10.000,00 (dez mil reais),
R$ 21.148,84 (vinte e um mil cento e quarenta e oito reais e oitenta e quatro centavos), R$
30.000,00 (trinta mil reais) e R$ 53.968,29 (cinqenta e trs mil novecentos e sessenta e
oito reais e vinte e nove centavos).
Considerando os sete processos em que foi possvel identificar o valor arbitrado
a ttulo de indenizao, o nico processo contra o qual foi interposto recurso aquele
em que o valor da indenizao foi de R$ 148.846,50 (cento e quarenta e oito mil reais
oitocentos e quarenta e seis reais e cinqenta centavos). Atualmente, o processo est
pendente de julgamento de recurso especial pelo Superior Tribunal de Justia.
Bem assim, no foi possvel identificar os critrios considerados pelo Poder
43 Em entrevista, os representantes jurdicos da Companhia de Trens optaram por manter o sigilo de informaes sobre as demandas
individuais. Alm disso, a busca processual disponibilizada pelo stio eletrnico do Tribunal de Justia do Estado de So Paulo no apresenta
dados suficientes que indiquem serem as demandas ajuizadas contra a CPTM decorrentes do acidente ora em anlise.
Judicirio quando da fixao dos valores indenizatrios.
Devido ao decurso de 10 anos de ocorrido o acidente, e crendo que a maioria dos
indivduos interessados em obter indenizao j se apresentaram extrajudicialmente ou
judicialmente, os representantes da Companhia de Trens acreditam que o conflito est
sendo solucionado pelas vias da negociao e principalmente das demandas individuais,
tendo a demanda coletiva perdido o objeto.
II.3. CASO DE LOTEAMENTO IRREgULAR
O conflito verificado em So Luiz do Paraitinga, em termos amplos, tem por
objeto questes relativas moradia e ao loteamento irregular de reas ambientalmente
protegidas (urbanas e rurais) ou de risco44.
Este conflito antecedeu ao desastre ocorrido em 2009 com a enchente do Rio
Paraitinga45. Muitos dos problemas de loteamento irregular, que ganharam maior
visibilidade pelo desastre, j existiam anteriormente como consequncia da ausncia
de planejamento urbano e da devida fiscalizao por parte da administrao pblica,
conforme se apurou nas entrevistas realizadas e em visita ao municpio46.
44 A Lei n 6.766/99 dispe sobre o parcelamento do solo urbano. Conforme o seu artigo 37, vedado vender ou prometer vender parcela de
loteamento ou desmembramento no registrado. Uma vez notificado a respeito da irregularidade do loteamento, o loteador dever providenciar
a sua regularizao, sob pena de, em no o fazendo, autorizar a Prefeitura a faz-lo, s expensas daquele, para evitar leso aos seus
padres de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos adquirentes de lotes (art. 40). A despeito das penalidades e consequncias
civis e administrativas decorrentes do desenvolvimento e manuteno de loteamento irregular, o fato tambm constitui crime contra a
Administrao Pblica (art. 50).
45 Na virada do ano de 2009 para 2010 a cidade de So Luiz do Paraitinga foi praticamente destruda em razo do transbordamento do Rio
Paraitinga. Um dos motivos para o desastre foi a mudana do regime de chuvas, que acabou por deixar a terra da regio saturada, muito
encharcada, no permitindo mais a absoro pelo solo das guas das chuvas. Conforme informaes do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (INPE), em dezembro de 2009, o ndice de precipitao de chuvas na regio foi de 605 (seiscentos e cinco) milmetros, quando o
normal para o ms varia entre 150 (cento e cinqenta) e 200 (duzentos) milmetros. So Luiz do Paraitinga uma cidade histrica de mais
de 10.417 (dez mil, quatrocentos e dezessete) habitantes, localizada no Estado de So Paulo, prxima ao municpio de Parati (RJ) e de Cunha
(SP), a aproximadamente a 241 km (duzentos e quarenta e um quilmetros) do municpio de So Paulo.
46 A corroborar essa afirmao, as palavras do Defensor Pblico entrevistado: (...) na verdade eu j tinha um contato prvio de outras aes
civis ambientais com movimentos populares ligados aos pequenos agricultores em So Luiz do Paraitinga. Ns j havamos implementado com certo
xito aes questionando os impactos scio-ambientais derivados da expanso descontrolada do monocultivo no municpio. No mesmo sentido, as
consideraes do representante da Secretaria de Turismo de So Luiz do Paraitinga a respeito da preexistncia do problema da ocupao
irregular do municpio: O problema antigo, n? Ento, ns estamos no meio de uma serra, vales e serras, uma cidade construda na beira do rio,
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Esta pesquisa reflete as opinies de seus autores e no a do Ministrio da Justia Esta pesquisa reflete as opinies de seus autores e no a do Ministrio da Justia
Como destacou um dos entrevistados, ao se referir ao episdio das enchentes
ocorridas em So Luiz do Paraitinga na passagem de 2009 para 2010:
Foi a gota d gua. E, alm disso, eu provei, a gente prova e ns vamos provar na
ao civil que toda aquela ocupao de reas de risco, classificadas como topo de morro
de comunidades pobres no Alto do Cruzeiro, que independem dessa tragdia, toda
poca de chuva forte havia interdio de casas por rachaduras, escorregamento de solo
e movimentao de solo e tudo o mais foi no s insuflada, fomentada por aes do
municpio como patrocinadas por ex-candidatos a prefeitos que bancaram usucapies
gratuitas para aquela populao regularizar o solo ali. Por incrvel que possa parecer a total
irresponsabilidade.
(...) Como eu falei para voc, a tragdia vinha dando sinais de que um dia ia acontecer,
todo ano (...) Essas ausncias de polticas habitacionais e ambientais consistentes fizeram
com que a tragdia atingisse a dimenso que atingiu (Defensor Pblico).
Conforme os relatos de moradores e autoridades da cidade, muitos so os ncleos
urbanos constitudos de maneira irregular, em reas de risco ou sem infraestrutura
adequada, no apresentando, ainda, as caractersticas exigidas pela Lei federal n
6.766/99 (Lei do Uso do Solo Urbano). Prova disso so os bairros de So Benedito, o Alto
do Cruzeiro, a Vrzea dos Passarinhos e o bairro das Casas Populares, situado prximo
ao cemitrio da cidade47.
Particular ateno merece o bairro de Santa Terezinha, resultado do loteamento
de um terreno particular. Nesse caso, a rea foi partilhada e os lotes vendidos, sem,
contudo, que os proprietrios da rea construssem a infraestrutura bsica necessria,
de modo a viabilizar a prestao dos servios pblicos, em contrariedade ao disposto na
Lei do Uso do Solo Urbano.
que hoje estaria de forma irregular pela atual Lei Ambiental, e depois ela se expandiu para os morros. E devido aos poucos cuidados, ambientais e mtodo
de construo tambm que fizeram de qualquer jeito, construes populares e essas construes vieram quase a cair com essas chuvas a (...) Antes das
enchentes j tinha esse problema de ocupao irregular. Ainda, as palavras da assessoria jurdica da prefeitura de So Luiz do Paraitinga: (...) a
cidade inteira, ela foi construda numa rea de preservao (...). A gente tinha episdios de enchentes que as casas, as pessoas estavam at acostumadas,
que a gua entrava e tudo, mas nunca na proporo que aconteceu. (...) o dficit habitacional j era imenso no municpio e agora se agravou, ento a
gente priorizou essas pessoas que perderam as suas casas e esto em rea de risco, ento vo ser imediatamente removidas, ento elas tiveram prioridade
na escolha das casas.
47 Nesse sentido, vide: , acesso em 12.10.2010.
Este foi o nico caso que se teve notcia de que resultou na propositura de Ao
Civil Pblica por parte do Ministrio Pblico48, objetivando o cumprimento de obrigao
de fazer, consistente na construo de obras de infraestrutura e saneamento bsico49.
Nesta ao foi celebrado Termo de Ajustamento de Conduta, que, descumprido, ensejou
a propositura de execuo por parte do Parquet. A demanda continua em curso.
Vale destacar que at 2009 a cidade de So Luiz do Paraitinga no dispunha de um
Plano Diretor que ordenasse e regulasse a ocupao urbana na localidade, no obstante,
ao que foi informado, j houvesse empenho por parte das autoridades pblicas nesse
sentido, juntamente com equipe da UNESP50. O Plano Diretor teve longa tramitao na
Cmara, sendo que sua aprovao veio a culminar com o desastre verificado na regio no
fim do ano de 2009 e incio de 201051.
Esse episdio de destruio da cidade pelas chuvas e enchente do rio somente
veio a agravar, assim, a questo da moradia na regio, que alm de j ser irregular,
resultou na urgente necessidade de remoo da populao que ocupava zonas de risco,
e a sua realocao.
A reconstruo de So Luiz do Paraitinga, aps o desastre j relatado, contou com
a participao de diferentes atores. Houve a criao e revitalizao de diversos conselhos,
48 Loteamento Santa Terezinha. Processo no. 579.03.000.681-7 (Autos Principais) e no. 579.03.000.350-8-1 (Embargos)_TJSP_Comarca
de So Luiz do Paraitinga. De se destacar, contudo, que h notcia de outras aes judiciais envolvendo a questo de ocupao/explorao
irregular do uso do solo, em detrimento da preservao ambiental. A esse respeito, confiram-se as seguintes aes civis pblicas em
trmite perante a Comarca de So Luiz do Paraitinga SP ns 0000784-74.2009.8.26.0579 e 0001195-88.2007.8.26.0579. De acordo com a
assessoria jurdica da prefeitura: (...) j tinham vrios inquritos. A gente tinha, no incio do ano, decretado congelamento de algumas reas de alguns
loteamentos clandestinos. A gente j tinha tomado essa iniciativa e agora por risco de vida mesmo as pessoas tm que ser removidas imediatamente.
49 No foi possvel aferir, no caso, se houve pedido indenizatrio, j que o processo encontra-se apenas parcialmente digitalizado.
50 A primeira atuao da UNESP em So Luiz do Paraitinga aconteceu em 2005, com o Programa Sistema de Governana Municipal,
promovido com apoio da Fundao para o Desenvolvimento da Unesp (Fundunesp) e governo estadual. O programa, voltado para cidades de
baixo IDH (ndice de Desenvolvimento Humano), auxilia a administrao com um conjunto de softwares que organizam um banco de dados
nico, com informaes de reas como Educao e Sade disponveis para os cidados. (Informaes obtidas em , acesso em 12.10.10).
51 Esse plano, aprovado em 15 de dezembro de 2009 e sancionado em meio crise das enchentes, permitiu que diferentes rgos
de governo estaduais e federais tomassem atitudes imediatas para enfrentamento emergencial dos problemas, segundo informaes
disponveis em , acesso em 12.10.10. Um exemplo foi a construo de casas populares pela
CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), em razo da aprovao das chamadas Zonas Especiais de Interesse Social,
previstas no plano.
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Esta pesquisa reflete as opinies de seus autores e no a do Ministrio da Justia Esta pesquisa reflete as opinies de seus autores e no a do Ministrio da Justia
formados por representantes de instituies da sociedade civil e rgos pblicos.
Dentre as partes envolvidas/interessadas, destacam-se: a) a populao
diretamente atingida; b) os proprietrios e responsveis pela construo do loteamento
irregular; c) a prefeitura da Municipalidade; d) os membros do Ministrio Pblico atuantes
em So Luiz do Paraitinga; e) a Magistrada da Comarca local; f) associaes civis (dentre
elas, destaca-se a AMI Paraitinga); g) os professores da UNESP, responsveis pela
conduo do projeto do Plano Diretor; h) o governo do Estado, por meio da CDHU; i)
Defesa Civil (Coronel Aquita); j) CERESTA (Centro de Reconstruo Sustentvel de So
Luiz do Paraitinga)52.
No caso do loteamento os atores diretamente envolvidos so os adquirentes dos
lotes desses parcelamentos irregulares ou clandestinos; o proprietrio ou loteador que,
no mais das vezes, desaparece ou queda-se inerte quanto regularizao do loteamento;
e o Poder Pblico (no caso, o Municpio ou o Distrito Federal), que normalmente
demandado em juzo para a regularizao do empreendimento ilcito ou para fins de
ressarcimento.
Conforme pesquisa jurisprudencial realizada, geralmente a questo do
loteamento irregular levada apreciao do Judicirio pelo Ministrio Pblico53_54. o
que se verifica, inclusive, no caso do loteamento Santa Terezinha, situado em So Luiz do
Paraitinga, antes referido.
No que diz respeito s formas de soluo adotadas visando regularizao
52 O CERESTA nasceu para ser um centro integrado de trabalho, a juntar rgos pblicos e demais instituies envolvidas na reconstruo
da cidade e na aplicao do Plano Diretor do municpio. Segundo informaes obtidas no Jornal da reconstruo, Ano I, n 1, So Luiz do
Paraitinga, 1 quinzena, maro de 2010, estaro no local destinado instalao do centro, a Universidade de So Paulo (USP), a Universidade
Estadual de So Paulo (UNESP) e a Universidade de Taubat (Unitau), alm de: o Conselho da Defesa do Patrimnio Histrico, Arqueolgico,
Artstico e Turstico (Condephaat); o Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (Iphan); a Companhia de Desenvolvimento
Habitacional Urbano do Estado de So Paulo (CDHU); a Defesa Civil; e o programa de incluso digital Acessa So Paulo e a Assessoria de
Planejamento da Prefeitura.
53 A respeito da atuao do Ministrio Pblico em conflitos fundirios, vide consideraes crticas constantes do Relatrio Final de
Pesquisa Conflitos Coletivos sobre a Posse e a Propriedade Urbana e Rural (Srie Pensando o Direito - volume 7, pp. 78-79, da Secretaria de
Assuntos Legislativos do Ministrio da Justia (SAL), disponvel em , acesso em 18.11.2010).
54 Confira a este respeito dois acrdos proferidos pelo Tribunal de Justia de So Paulo, um deles envolvendo situao ocorrida na
Comarca de So Luiz do Paraitinga: TJSP, Apelao Cvel n 209.366.4-8-00, 9 Cmara de Direito Privado, Rel. Des. Srgio Gomes, j.
28.03.2006 e Apelao Cvel n 990.09.366578-6, 3 Cmara de Direito Privado, Rel. Des. Doneg Morandini, j. 28.09.2010.
do loteamento irregular, importante distinguir dois momentos: um anterior e outro
posterior ocorrncia das enchentes e transbordamento do Rio Paraitinga.
Antes, verificou-se a propositura de ao civil pblica por parte do Ministrio
Pblico em alguns casos, como o do loteamento irregular de Santa Terezinha. Neste
processo, houve a celebrao de Termo de Ajustamento de Conduta que foi descumprido,
ensejando execuo judicial, a qual ainda se encontra pendente.
H notcias, tambm, de instaurao de procedimentos investigativos, como
Inquritos Civis, por parte do Ministrio Pblico local, para apurar supostas situaes de
irregularidade55.
Depois das enchentes, manteve-se a instaurao de procedimentos investigativos
por parte do Parquet. Diante da necessidade emergencial de remover moradores de reas
de risco e da exigidade de terrenos disponveis para a construo de casas populares
por parte do Governo do Estado (CDHU), foram tambm realizadas desapropriaes e,
nos casos em que houve resistncia por parte dos proprietrios, houve o ajuizamento de
aes expropriatrias56.
Nessa etapa, dos relatos colhidos pode-se constatar que o Ministrio Pblico
desempenhou importante papel de interlocuo e de canal de comunicao, sendo a
instituio eleita pela comunidade local como legtima intermediadora entre Poder
Pblico e a populao57.
Nos casos levados ao Judicirio, diante da necessidade de uma soluo rpida
e eficaz a fim de viabilizar a desapropriao dos terrenos e a construo de conjunto
habitacional para a realocao das pessoas que tiveram suas casas destrudas ou
55 Segundo relato do membro do Ministrio Pblico local, o rgo est bem sobrecarregado desde a poca da enchente, tm sido
realizados atendimentos ao pblico de segunda-feira a sexta-feira, sendo que foram instaurados mais de 70 (setenta) inquritos civis e a
maioria relativa aos problemas da enchente.
56 Processos nos. 579.10.000.077-4 e 579.10.000.078-2 _TJSP_Comarca de So Luiz do Paraitinga.
57 Vale destacar as consideraes apresentadas por integrante da associao civil local AMI PARAITINGA no sentido de que, no dia da
enchente, o cargo do Ministrio Pblico local estava vago. Quem estava respondendo era o Dr. Antonio Carlos Osrio, que promotor e luizense, mas
atua em Taubat. Quando a gua estava subindo muito, o pessoal do rafting procurou por ele e ele, muito antes da Defesa Civil chegar, j foi atuando no
salvamento das pessoas com auxlio do pessoal do rafting. importante mencionar que ele mesmo idealizou a criao da AMI, pois conta com
uma experincia de atuao em misso no Timor Leste. Idealizou a AMI para conseguir material de construo e ajudar muita gente a
reconstruir suas casas. Mobilizou-se para conseguir doaes, pois a atuao isolada do Poder Pblico seria insuficiente.
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Esta pesquisa reflete as opinies de seus autores e no a do Ministrio da Justia Esta pesquisa reflete as opinies de seus autores e no a do Ministrio da Justia
encontravam-se em reas de risco, a Magistrada props a realizao de audincia
preliminar, to logo as aes foram distribudas, convocando todas as partes envolvidas e
incentivando a composio dos interesses, assumindo postura conciliatria.
Paralelamente s iniciativas acima, houve aps as enchentes a criao do CERESTA,
a que j se fez referncia, para unificar todos os organismos atuantes na reconstruo e
ordenao sustentvel da cidade. Entretanto, ainda no se tem notcia da criao de um
canal unificado de ouvidoria ou comunicao para a escuta mais prxima da populao58.
Segundo os relatos, a populao no recorre a este centro com frequncia, sendo que, no
caso em que ali chega, deve dirigir-se ao rgo do qual necessita informao.
No houve ainda nenhuma tentativa ou projeto para utilizao de mecanismos
extrajudiciais para a soluo de conflitos, muito embora esta demanda tenha aparecido
nas entrevistas.
Dos relatos obtidos, conforme j se ressaltou, observa-se que a populao sempre
recorreu ao Ministrio Pblico, a fim de legitimar toda e qualquer situao envolvendo a
desocupao das reas e realocao. Salienta-se que quando da ocorrncia do desastre
natural, verificou-se verdadeira situao de caos na localidade. A populao desamparada
no atendia a qualquer comando, sendo que imediatamente foi determinado o envio da
Defesa Civil de So Paulo para a cidade, tendo atuado na conteno da calamidade um
dos profissionais que atuaram por ocasio do acidente do avio da TAM. De acordo com o
relato de representante do Judicirio, colhido em entrevista realizada em 28.09.2010, uma
das vozes mais ativas na ordenao de tal situao de pnico inicial foi a do Coronel Aquita.
58 H que se destacar, contudo, que, conforme se apurou, foram realizadas algumas audincias pblicas, em 09.04.2010, 12.04.2010 e
01.10.2010, na Praa da Matriz de So Luiz do Paraitinga com o intuito de permitir a participao da populao nos processos decisrios
relacionados reconstruo da cidade e de conferir transparncia gesto do centro. Este, nesse primeiro momento, apresentou-se como
o principal canal de comunicao entre populao, Poder Pblico e demais instituies comprometidas com a reestruturao do municpio.
De acordo com as informaes colhidas em entrevista realizada com o representante da Defensoria Pblico do Estado, as audincias
pblicas foram conduzidas levando em conta os parmetros bsicos fixados na resoluo n 25 do Ministrio das Cidades, disponvel em:
http://www.cidades.gov.br/secretarias-nacionais/programas-urbanos/legislacao/regularizacao-fundiaria/legislacao-federal/resolucoes-
do-conselho-nacional-das-cidades/ResolucaoN25De18DeMarcoDe2005.pdf, acesso em 28.11.2010.
III. ANLISE DOS CASOS
III.1. CASO DOS AUTISTAS