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4º Congresso Português de Argamassas e ETICS
Caracterização de argamassas de assentamento de revestimentos
azulejares históricos do século XIX do Brasil e de Portugal
Pammila Japiassú¹, Helena Carasek¹, Oswaldo Cascudo¹, Ana Luísa Velosa², Mirian
Cruxên Barros de Oliveira³, Fabiano Ferreira Chotoli³ e Valdecir Angelo Quarcioni³
1 Universidade Federal de Goiás, Brasil, [email protected],
[email protected], [email protected]; 2 Universidade de Aveiro, Portugal,
[email protected]; 3 Instituto de Pesquisas Tecnológicas - IPT, Brasil, [email protected],
[email protected], [email protected]
Resumo: Cidades brasileiras e potuguesas possuem um rico acervo azulejar presente tanto
no interior como no exterior de suas edificações históricas. A caracterização dos materiais
constituintes deste revestimento é essencial para a elaboração de medidas adequadas à
manutenção e reabilitação desse patrimônio. Nesta pesquisa, foram caracterizadas
amostras de argamassas de assentamento de azulejos do Brasil e de Portugal do final do
século XIX e início do século XX. Sobre essas amostras, foram realizados estudos como
análise química, mineralógica, petrográfica e termogravimétrica, pelos quais foi possível
observar características semelhantes e distintas entre as argamassas históricas.
Palavras–chave: argamassa de assentamento, cal, azulejo, reabilitação.
1. INTRODUÇÃO
A utilização da cerâmica vitrificada teve seu início no antigo Egito, se espalhou
posteriormente para a Mesopotâmia e Oriente Próximo e, só depois da expansão islâmica,
foi introduzida na Europa [1]. Em Portugal, o uso de azulejos se iniciou no século XV e,
desde então, o gosto pela azulejaria foi se consolidando ao longo dos séculos seguintes.
Utilizado inicialmente nos interiores das edificações, os azulejos passaram a revestir
também as fachadas das construções durante o século XIX. O uso de azulejos em fachada
se destaca por ser um forte componente do patrimônio edificado português, que é notório
pela sua vasta quantidade de edificações, cujos exteriores são revestidos por azulejos [2].
No Brasil, o gosto pela azulejaria teve início no período em que esteve sob a dominação
portuguesa. Essa influência é ainda encontrada em residências e instituições públicas e
religiosas construídas nessa ocasião, principalmente nos estados da Bahia, Pernambuco,
Rio de Janeiro, Maranhão, Pará e pontualmente em outros estados, onde são encontrados
os exemplares mais antigos [3]. Em razão de sua beleza, proporcionada pela variedade de
tamanho, cor e decoração, e de suas propriedades técnicas, tais como a impermeabilidade
e refração de raios solares, paulatinamente os azulejos foram saindo do interior para
ocupar também as fachadas [4].
A arte expressa nos azulejos históricos representa os paradigmas estéticos das memoráveis
composições florais e geométricas, que dão características peculiares à arquitetura e aos
centros urbanos desses dois países. Devido à importância desse patrimônio artístico e
cultural, é necessário estabelecer medidas destinadas à sua preservação e conservação.
Com tal propósito, é essencial o conhecimento das características físicas, químicas e
mecânicas do material tanto para a avaliação do estado de conservação como para a
proposição de soluções compatíveis com o material histórico [5].
2. OBJETIVO
Na presente pesquisa, buscou-se caracterizar as argamassas de assentamento de azulejos
brasileiros e portugueses, do final do século XIX e início do século XX. As informações
levantadas podem servir de referência para o desenvolvimento de soluções preventivas e
de reabilitação desse importante revestimento histórico.
3. METODOLOGIA
Foram estudadas amostras de argamassas de assentamento de azulejos do final do século
XIX e início do século XX. Essas amostras foram extraídas de três edificações
portuguesas da cidade de Ovar, denominadas “PT-A”, “PT-B” e “PT-C”, e de uma
edificação brasileira da cidade do Rio de Janeiro, denominada “BR”. As amostras de
argamassas analisadas de Portugal foram coletadas da fachada, já as do Brasil foram
retiradas do interior da edificação.
Para a caracterização dessas amostras, foram realizadas análises químicas, difração de
raios X (DRX), bem como análise petrográfica e termogravimétrica, todas elas visando à
reconstituição de traço das argamassas. Além disso, foram determinados a absorção de
água ao longo do tempo e o coeficiente de capilaridade.
A análise qualitativa por DRX foi realizada tanto no Laboratório de Difração de Raios-X
do Laboratório de Mecânica das Rochas da Divisão de Geotecnia de Furnas Centrais
Elétricas como no Laboratório de Materiais de Construção Civil do Instituto de Pesquisas
Tecnológicas. No laboratório de Furnas, as amostras de argamassa foram submetidas à
moagem prévia em moinho orbital até a sua total moagem (100% passante na peneira
325 mesh – 0,043 mm). Concluída essa etapa, parte do material foi analisada por difração
de Raios X, pelo Método do Pó Não-Orientado (Análise Integral). Após essa análise,
foram realizadas outras análises por difração de Raios X referentes à fração argila, com o
material ao natural, glicolado e calcinado. Para a análise de DRX, foi utilizado um
difratômetro marca Siemens, modelo D5000. As interpretações foram realizadas em
computador acoplado ao difratômetro, utilizando-se o Software EVA, versão 2009, com
banco de dados de 2009 do International Centre for Diffraction Data (ICDD). No
laboratório do IPT, inicialmente, a amostra foi desagregada por meio de moagem branda
com pistilo de borracha e separada por peneiramento em peneira de 100 mesh –
granulometria de 0,15 mm, para liberar o agregado da pasta (fração de interesse para
caracterização qualitativa). A seguir, o material passante foi moído manualmente até
passar totalmente em peneira 325 mesh – granulometria de 0,043 mm. Concluída essa
etapa, parte do material foi analisado no Difratômetro de Raios-X, pelo Método do Pó
Não-Orientado. A identificação dos compostos foi realizada com o auxílio computacional
através de software da Panalytical High Score Plus (versão 3.0) e com base nos dados das
fichas de padrões difratométricos fornecidas pelo ICCD, com atualização até 2003.
Utilizou-se a base de dados de minerais e cimentos.
A análise termogravimétrica foi realizada no IPT seguindo as diretrizes gerais da
ASTM E 794 [6]. Para tanto, utilizou-se o equipamento TA Instruments SDT 2960,
empregando-se cadinho de alumina (volume de 110 μL) sem tampa, com fluxo de gás de
60 mL/min de argônio e taxa de aquecimento de 10ºC/min até 1000ºC. O ensaio foi
realizado no material passante na peneira 200 mesh – granulometria de 0,075mm – após
fracionamento e separação majoritária da fração agregado.
Para a realização da análise petrográfica, foi utilizado como referência o Procedimento
Interno do IPT, CT-OBRAS-LMCC-P-PE-001, com base nas diretrizes gerais da norma
ASTM C 856/04 [7] e de Oliveira et al. [8]. Essa análise foi executada com o auxílio de
microscópio estereoscópico, marca Wild-Leitz, e de um fotomicroscópio modelo Ortholux
II POL-BK, marca Leitz. As análises froram ilustradas com fotomicrografias.
A análise química das argamassas históricas foi executada a partir das diretrizes gerais de
Quarcioni [9] e NBR-NM 20 [10]. Os dados obtidos nas diversas determinações foram
referenciais para o cálculo da reconstituição de traço das argamassas, associando-se às
informações complementares fornecidas pelas demais técnicas analíticas empregadas.
Para a determinação da absorção de água e coeficiente de capilaridade, foi utilizada como
referência a NBR 15.259 [11], sendo realizadas análises apenas para as amostras “PT-A”
e BR. As amostras, previamente secas, foram mantidas no recipiente com uma lâmina de
água destilada constante de 5 mm de altura, conforme apresentado na Figura 1 (a). As
medições da massa de absorção de água por capilaridade foram realizadas ao completar 1,
2, 3, 4, 5, 10, 30 e 90 minutos, o que excede o número de determinações previsto na
norma, apenas aos 10 e 90 minutos, dado o caráter prospectivo do estudo. Devido à forma
irregular das amostras, foi estabelecido procedimento específico para a obtenção da área
de superfície de contato com a lâmina d’água, referido a seguir. Primeiramente, foi
marcado com caneta o perímetro da região correspondente à altura de 5 mm da lâmina de
água. Em sequência, fez-se o registro fotográfico desse perímetro juntamente com o
auxílio de uma régua. A imagem foi inserida no aplicativo AutoCAD, colocada na escala
e, após o contorno da linha do perímetro, foi obtido o valor aproximado da área, como
indicado na Figura 1 (b).
(a)
(b)
Figura 1 – (a) Amostras de argamassa durante a execução do ensaio de absorção de água
por capilaridade e (b) Ilustração da área calculada da superfície de contato com a lâmina
de água.
4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DE RESULTADOS
A partir da análise petrográfica, foi possível identificar características da pasta, dos
agregados e dos vazios das argamassas históricas, apresentadas na Tabela 1. Esses
aspectos também podem ser observados nas micrografias reunidas na Figura 2.
Tabela 1 – Características da pasta, do agregado e dos vazios das argamassas históricas.
PASTA PT- A PT- B PT- C BR
Pasta/argamassa 20% a 25% 20% 15% 20% a 25%
Coloração Castanho Cinza Cinza Cinza
Carbonatação Intensa e
pervasiva¹
Intensa e
pervasiva¹
Intensa e
pervasiva¹
Moderada e
pervasiva¹
Grãos de silicato
ou silico-
aluminato de
cálcio hidratado
Concentrados
em uma
determinada
região da
argamassa
---
Concentrados
em uma
determinada
região da
argamassa
Provável
presença
Restos de rocha
carbonática mal
calcinada
Raros Sim Raros ---
Presença de
portlandita Rara
Raras plaquetas
submilimétricas
dispersas
Rara
Provável
presença em
raras
plaquetas
dispersas
AGREGADO² PT- A PT- B PT- C BR
Agregado/
argamassa 65% a 70% 60% a 65% 70% a 75% 70% a75%
Granulometria 0,03 mm a
2,5 mm
0,2 mm a
5,5 mm
0,2 mm a
2,0 mm
0,2 mm a
5,6 mm
Granulometria
predominante
0,9 mm a
1,2 mm
0,8 mm a
1,2 mm
0,4 mm a
0,6 mm
0,6 mm a
0,9 mm
Tipos de grãos Arredondado a
subarredondado
Subanguloso a
arredondado
Subanguloso a
subarredondado
Anguloso a
subanguloso
Esfericidade
dos grãos Moderada a alta
Baixa a
moderada Moderada a alta
Moderada a
baixa
Composição
granulomé-
trica (%)
Quartzo mono e
policristalino –
85%
Quartzo mono e
policristalino –
90%
Quartzo mono e
policristalino –
85%
Quartzo
mono-
cristalino –
80% a 85%
Fragmento de
solo ou
cerâmico –10%
--- Fragmentos de
solo – 10%
Rocha
granítica +
feldspato –
10%
AGREGADO² PT- A PT- B PT- C BR
Composição
granulomé-
trica (%)
Outros: mica,
feldspato,
fragmento de
rocha (siltito) –
5%
Outros: mica,
feldspato, torrão
de argila,
estaurolita –
10%
Outros:
feldspato
estaurolita,
fragmentos de
rocha,
turmalina,
muscovita -
<5%
Fragmento
de solo –
5%, mica
(biotita +
muscovita)
-<5%,
outros
(zircão)
VAZIOS PT-A PT-B PT-C BR
Vazios/
argamassa 10% 15% a 20% 10% a 15% 5%
Bolhas de ar
aprisionado
0,2 mm a
1,0 mm de
diâmetro –
comuns
Vazios
irregulares e/ou
coalescência de
bolhas de ar
aprisionado –
0,4 mm a
2,5 mm de
tamanho
Possíveis
bolhas de ar
aprisionado de
0,2 mm a
0,5 mm de
diâmetro –
raras
0,2 mm a
0,5 mm de
diâmetro –
raras
Vazios
alongados
0,7 mm a
1,2 mm de
comprimento
– comuns
3,5 mm de
comprimento –
comuns
5 mm de
comprimento
– comuns
---
Vazios de
interface pasta-
agregado
--- ---
<0,01 mm de
espessura –
raros
<0,1 mm de
espessura –
comuns
Microfissuras na
pasta
0,1 mm a
0,3 mm de
espessura –
raros
<0,01 mm de
espessura –
comuns
<0,1 mm de
espessura –
comuns
<0,2 mm de
espessura –
comuns
Microporosidade
na pasta ---
<0,01 mm –
comuns
<0,01 mm –
comuns ---
Grãos arrancados
Possíveis
grãos
arrancados de
0,5 mm a
1,0 mm –
raros
---
1,2 mm a
1,6 mm –
comuns
---
Notas: ¹ Pervasiva: que se espalha ou tende a propagar-se por toda parte; ² Nas argamassas “PT-A”
e “PT-B”, ainda foi identificada a presença de sílica amorfa e, na argamassa “BR”, foram
identificados muitos grãos do agregado com borda de reação (material argiloso + hidróxidos de
ferro).
Os agregados das amostras analisadas são predominantemente quartzosos. Não foi
observado agregado carbonático em nenhuma das amostras estudadas. Em todas as
amostras ocorrem fragmentos de solo ou cerâmicos. O agregado utilizado nas argamassas
“PT-B” e “BR”, provavelmente, provém de saibro ou de solo, pois os grãos apresentam
grande variação granulométrica, baixo a moderado arredondamento e esfericidade, bem
como presença de torrões de argila e/ou de fragmentos constituídos por grãos de quartzo
com matriz argilosa. Em todas as amostras analisadas, o agregado apresenta
características que denotam pequeno transporte, sugerindo a utilização do próprio material
disponível no entorno da obra.
As argamassas procedentes de Portugal apresentam pasta intensamente carbonatada e
presença de restos de rocha carbonática mal calcinada. Diferentemente dessas, a
argamassa “BR” apresenta pasta moderadamente carbonatada e não foram observados
restos de rocha carbonática mal calcinada. A presença de silicato de cálcio hidratado nas
amostras “PT-A”, “PT-C” e “BR” pode ser explicada pela utilização de fragmentos
cerâmicos utilizados com cal aérea [12].
As argamassas "PT- B" e "PT-C" exibem pasta com elevada porosidade, além de
abundantes microfissuras, vazios irregulares e alongados. A argamassa "PT-A" apresenta
porosidade elevada, fornecida principalmente por bolhas de ar aprisionado e vazios
alongados. A argamassa “BR” é a que apresenta menor porosidade entre todas as amostras
estudadas.
(a)
(b)
(c)
(d)
Figura 2 – (a) Argamassa “PT-A” – microfissura na pasta e vazios (azul), além de
presença de fragmentos de solo ou cerâmicos (castanho escuro) com bordas de reação; (b)
Argamassa “PT-B”– microfissura na pasta e vazio alongado (azul); (c) Argamassa “PT-C”
– contato com a cerâmica (esquerda e parte superior da foto); e (d) Argamassa “BR” –
grãos do agregado predominantemente angulosos e presença de fragmento de solo ou
cerâmico (castanho escuro) com intensa borda de reação.
PT-A PT-B
PT-C BR
As curvas de TG e DTG obtidas pela análise termogravimétrica estão apresentadas nas
Figuras 3 e 4, respectivamente. Os valores de perda de massa correspondentes a
determinadas faixas de temperatura obtidos durante essa análise estão reunidos na
Tabela 2. A partir do comportamento das amostras de argamassa durante o processo de
decomposição térmica, foi possível associá-lo a determinados eventos térmicos que estão
apresentados na Tabela 3 e indicados com números na Figura 4.
Figura 3 – Curvas termogravimétricas (TG).
Figura 4 – Curvas termogravimétricas diferenciais (DTG).
Tabela 2 – Perdas de massas envolvidas no processo de decomposição térmica.
Argamassas Temperatura / Perdas de massa (%) CaCO3
(%) 23°C-200°C 200°C-350°C 350°C-550°C 550°C-1000°C
PT-A 12.150 3.562 7.007 9.444 21.65
PT-B 6.428 2.727 4.315 15.95 36.27
PT-C 4.126 2.958 2.507 14.62 33.25
BR 4.759 1.535 4.158 10.05 22.86
4
3 2
1
PT-A (fração fina <100#) PT-B (fração fina <100#)
PT-C (fração fina <100#)
BR (fração fina <100#)
PT-A (fração fina <100#)
PT-B (fração fina <100#) PT-C (fração fina <100#)
BR (fração fina <100#)
Tabela 3 – Fenômenos envolvidos nos eventos térmicos, respectivas temperaturas das
curvas TG/DTG – atmosfera de argônio.
Eventos térmicos e parâmetros correlatos
Número Eventos térmicos preponderantes Faixa de temperatura (°C)
1 Desidratação da gipsita 0-170
2 Desidratação da gibbsita 150-390
3 Desidroxilação da caulinita 430-550
4 Decomposição de carbonato de cálcio (CaCO3) 680-1000
As curvas termogravimétricas obtidas são típicas de argamassas carbonatadas de cal
hidratada calcíticas com acentuada perda de massa entre 550°C e 1000°C, atribuída à
descarbonatação do carbonato de cálcio [12]. Entre 23°C e 200°C, verifica-se a
desadsorção de água, essencialmente de metalossilicatos, enquanto que, entre 200°C e
550°C, ocorre a desidroxilação de diferentes tipos de minerais, em particular
aluminossilicatos. No caso da argamassa “PT-A”, foi identificado um pico na faixa de 0ºC
a 170ºC, indicador de presença da gipsita. A presença de gibbsita detectada nas amostras
"PT-C" e na "BR" aponta no sentido de fragmento de solo, uma vez que a gibbsita se
decompõe a aproximadamente 340ºC [13], temperatura esta insuficiente para formar uma
massa cerâmica. Esses fragmentos de solo também foram identificados na análise
petrográfica.
Os compostos mineralógicos das argamassas identificados por DRX estão dispostos na
Tabela 4, de acordo com sua predominância nos espécimes caracterizados. Já os
resultados obtidos na análise química acham-se apresentados na Tabela 5, enquanto os
resultados finais da reconstituição de traço estão reunidos na Tabela 6.
Tabela 4 – Resultado da análise por difração de raios X das argamassas históricas.
Identificação mineralógica PT-A PT-B PT-C BR
Quartzo p p p p
Calcita s s s s
Caulinita --- t t s
Muscovita --- --- --- s
Mica (moscovita) t t t t
Lawsonita t t t t
Montmorilonita t t t t
Vaterita t t t ---
Portlandita (hidróxido de cálcio) --- t t t
Feldspatos (microclínio) t t --- ---
Gipsita t --- --- ---
Magnesita t --- --- t
Franzinita t --- --- ---
Feldspatos (albita) t --- --- t
Gibbsita (hidróxido de alumínio) --- --- t t
Lazurita --- --- t ---
Legenda: Principal (p) Subordinado (s) Traço (t) ---Sem presença
Tabela 5 – Resultados de análise química das argamassas.
Determinações
Resultados, em %
PT-A PT-B PT-C BR
BO BNV BO BNV BO BNV BO BNV
Umidade 2,44 - 1,17 - 0,77 - 1,17 -
Perda ao fogo 14,0 - 16,6 - 10,9 - 13,3 -
Resíduo insolúvel 58,7 70,2 59,6 72,5 71,6 81,1 68,6 80,2
Anidrido silícico (SiO2) 3,17 3,79 3,47 4,22 2,56 2,90 2,20 2,57
Óxidos de ferro e alumínio (R2O3) 3,34 4,00 3,40 4,13 3,47 3,93 2,53 2,96
Óxido de cálcio (CaO) 13,8 16,5 15,5 18,9 9,98 11,3 11,0 12,9
Óxido de magnésio (MgO) 0,32 0,38 0,44 0,54 0,29 0,33 0,25 0,29
Anidrido sulfúrico (SO3) 2,51 3,00 0,11 0,13 0,08 0,09 0,14 0,16
Anidrido carbônico (CO2) 9,49 - 12,0 - 7,35 - 7,92 -
Legenda: BO – Base Original. BNV – Base Não Volátil.
Tabela 6 – Resultados de reconstituição do traço das argamassas.
Argamassas Parâmetros calculados Cal hidratada¹ Agregado silicoso
PT-A Constituintes (%) 36,4 63,6
Traço, em massa 1 1,8
PT-B Constituintes (%) 33,8 66,2
Traço, em massa 1,0 2,0
PT-C Constituintes (%) 23,8 76,2
Traço, em massa 1 3,2
BR Constituintes (%) 24,9 76,2
Traço, em massa 1 3,2
¹Constituinte expresso como cal hidratada de natureza calcítica mesmo sendo possível ter sido
empregada cal virgem, porém as análises laboratoriais efetuadas não permitem a identificação.
Pela análise química, foi possível determinar que as argamassas são constituídas por cal
aérea cálcica, com adição de "material argiloso" e agregado silicoso, sendo que, no caso
da argamassa “PT-A”, ainda foi identificado o gesso de construção. Acredita-se, no
entanto, que esse material, que também foi identificado na análise termogravimétrica e de
DRX, não tenha sido utilizado na produção dessa argamassa, já que, no período histórico
estudado, ele não era utilizado para tal fim. É provavél que a gipsita identificada por meio
dessas análises seja proveniente da poluição atmosférica ou de intervenções posteriores.
No caso específico da argamassa “PT-A”, é plausível ampliar a amostragem para se
averiguar a extensão da presença desse constituinte.
A adição de "material argiloso" (solo e/ou material cerâmico) confere hidraulicidade às
argamassas e implica que o valor de resíduo insolúvel incorpora a fração insolúvel desse
material e a fração solubilizada incorpora a fração solúvel, o que foi diagnosticado pelos
significativos teores de SiO2 e R2O3 solubilizados pelo ataque ácido na análise química.
Em função da dificuldade de determinar a quantidade de "material argiloso" presente nas
argamassas, assumiu-se, no cálculo do traço, que esse material adicionado compõe,
preponderantemente, o agregado.
A dificuldade de se determinar a origem da hidraulicidade da argamassa deve-se ao fato
de que os constituintes mineralógicos iniciais das argamassas já estão em grande parte
reagidos, sendo difícil reconhecê-los durante a análise; além disso, os produtos da reação
da hidratação de cal-pozolana ou dos materiais cimentícios são muito semelhantes [14].
Cabe ressaltar que é possível que os teores calculados de cal hidratada estejam
superestimados, uma vez que nas análises petrográfica, de DRX e termogravimétrica, foi
constatada a presença de argilominerais e de solo que podem ter sofrido reação pozolânica
com a cal.
Descartou-se a possibilidade de uso de cal hidráulica tanto no Brasil quanto em Portugal
porque não se verificaram evidências históricas para o uso de tal material entre o final do
século XIX e início do século XX, sendo coerente a assertiva de uso de cal aérea e adição
"material argiloso" na produção das argamasas estudadas.
As relações aglomerante/agregado encontradas oscilaram entre 1 : 1,8 e 1 : 3,2, em massa.
Na Tabela 7 e na Figura 5, pode ser observado o comportamento de amostras de
argamassa “PT-A” e de “BR” quanto à absorção de água por capilaridade.
Tabela 7 – Resultados de absorção de água por capilaridade das argamassas “PT-A” e
“BR”.
Tempo (minutos) 0 1 2 3 4 5 10 30 90
Absorção
(g/cm²)
PT-A 0,00 0,21 0,32 0,40 0,48 0,54 0,68 0,98 1,52
BR 0,00 0,58 0,83 0,95 1,08 1,17 1,47 2,17 3,30
Figura 5 – Absorção por capilaridade das argamassas “BR” e “PT-A”.
Observou-se que as argamassas possuem absorção de água intensa nos primeiros minutos.
Notou-se que a amostra brasileira absorve um volume maior de água do que a amostra
portuguesa. A absorção mais intensa de água da argamassa brasileira pode ser explicada
pelo seu traço, uma vez que ela possui menos aglomerante do que a argamassa portuguesa
“PT-A”.
O coeficiente de capilaridade das amostras do Brasil foi de 17,6 g/dm2.min½ e o de
Portugal foi de 4,1 g/dm2.min½. Convertendo esses valores com o emprego da EN 1015-
18 [15], eles correspondem respectivamente a 22,4 kg/m².h½ e 10,3 kg/m².h½.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
De um modo geral, as argamassas de assentamento analisadas são constituídas
basicamente por cal e material pozolânico, agregado sílicoso e fração de argilominerais.
Foram identificados ainda traços de rochas carbonáticas, de portlandita e de silicatos ou
aluminatos de cálcio hidratados em algumas amostras. As relações aglomerante/agregado
encontradas variaram de 1 : 1,8 e 1 : 3,2, em massa. Observou-se que as argamassas
portuguesas possuem uma porcentagem de vazios superior, bem como agregados mais
arredondados e pasta mais intensamente carbontada do que a argamassa brasileira.
A caracterização de argamassas históricas é complexa e envolve uma série de análises,
tais como petrográfica, de DRX, química e termogravimétrica, cujos resultados devem ser
interpretados em conjunto. Somente assim, é possível reconstituir o traço e as
características dos constituintes utilizados na produção dessas argamassas com maior
precisão. Ao corresponderem à realidade de uma gama considerável de edificações
históricas trabalhadas em azulejos, os dados apresentados nesta pesquisa podem servir de
parâmetros para o desenvolvimento de soluções em conservação e restauração desse
importante patrimônio.
6. REFERÊNCIAS
[1] Letizia, A. M.; Ruffinelli, L. Azulejos: historical-technical notes and conservation
problems. In: International Seminar “Conservation of glazed ceramic tiles”, 2009, Lisbon.
Anais... Lisbon: National Laboratory for Civil Engineering, 2009.
[2] Velosa, A. L.; Veiga, M. R.; Coroado, J.; Ferreira, I. M. Characterization of glazed
ceramic tiles and mortars from façades of the city of Ovar for Conservation purposes. In:
International Seminar “Conservation of glazed ceramic tiles”, 2009, Lisbon.
Anais... Lisbon: National Laboratory for Civil Engineering, 2009.
[3] Barata, M. Azulejos no Brasil: séculos XVII, XVIII e XIX. 1955. Tese (Concurso de
professor catedrático de História da Arte) - Escola Nacional de Belas Artes, Universidade
do Brasil, Rio de Janeiro, 1955.
[4] Alcântara, D. M. S. Azulejos portugueses em São Luís do Maranhão. 1974. Tese
(Concurso para Docente Livre da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ) -
Departamento História e Teoria Arquitetura no Brasil, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 1974.
[5] Magalhães, A; Veiga, R. Physical and mechanical characterisation of historic
mortars: application to the evaluation of the state of conservation. Journal: Materiales de
Construccion, v. 59, n. 295, p. 61-77, 2009.
[6] ASTM: American Society for Testing and Materials. E794. Standard Test Method for
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[7] ASTM: American Society for Testing and Materials. C 856/04. Standard Practice for
Petrographic Examination of Hardened Concrete. Philadelphy, 1995.
[8] Oliveira, M. C. B.; Nascimento, C. B.; Cincotto, M. A. Microestrutura de
argamassas endurecidas: uma contribuição da petrografia. Montevidéo, Congresso
Iberoamericano de Patologia das Construções. Anais. p.227-234, 1999.
[9] Quarcioni, V. A. Reconstituição de traço de argamassas: atualização do Método IPT.
Dissertação de Mestrado da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. São Paulo,
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[10] ABNT: Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR-NM 20: Cimento Portland e
suas matérias primas - Análise química - Determinação de dióxido de carbono por
gasometria. Rio de Janeiro, 2009.
[11] ABNT: Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 15.259: Argamassa para
assentamento e revestimento de paredes e tetos - Determinação da absorção de água por
capilaridade e do coeficiente de capilaridade. Rio de Janeiro, 2005.
[12] Guimarães, J. E. P. A cal – Fundamentos e Aplicações na Engenharia Civil. São
Paulo, Pini, 1997. 285p.
[13] Smykatz-Kloss, W. Differential Thermal Analysis – application and results in
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[14] Palomo, A.; Blanco-Varela, M. T.; Martinez-Ramirez, S.; Puertas, F.; Fortes, C.
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Proceedings of the 6th International Masonry Conference, 2002, London, UK, p.37-58.
[15] EN 1015-18. Methods of test for mortar for masonry – Part 18: Determination of
water absorption coefficient due to capillary action of hardened rendering mortar, 2002.
7. AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), pelo apoio ao
projeto PTDC/ECM 101000/2008; ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e à
FURNAS Centrais Elétrica, pelo apoio nas análises laboratorias; bem como ao Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo apoio financeiro a esta
pesquisa.