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4º Congresso Português de Argamassas e ETICS Caracterização de argamassas de assentamento de revestimentos azulejares históricos do século XIX do Brasil e de Portugal Pammila Japiassú¹, Helena Carasek¹, Oswaldo Cascudo¹, Ana Luísa Velosa², Mirian Cruxên Barros de Oliveira³, Fabiano Ferreira Chotoli³ e Valdecir Angelo Quarcioni³ 1 Universidade Federal de Goiás, Brasil, [email protected], [email protected], [email protected]; 2 Universidade de Aveiro, Portugal, [email protected]; 3 Instituto de Pesquisas Tecnológicas - IPT, Brasil, [email protected], [email protected], [email protected] Resumo: Cidades brasileiras e potuguesas possuem um rico acervo azulejar presente tanto no interior como no exterior de suas edificações históricas. A caracterização dos materiais constituintes deste revestimento é essencial para a elaboração de medidas adequadas à manutenção e reabilitação desse patrimônio. Nesta pesquisa, foram caracterizadas amostras de argamassas de assentamento de azulejos do Brasil e de Portugal do final do século XIX e início do século XX. Sobre essas amostras, foram realizados estudos como análise química, mineralógica, petrográfica e termogravimétrica, pelos quais foi possível observar características semelhantes e distintas entre as argamassas históricas. Palavraschave: argamassa de assentamento, cal, azulejo, reabilitação. 1. INTRODUÇÃO A utilização da cerâmica vitrificada teve seu início no antigo Egito, se espalhou posteriormente para a Mesopotâmia e Oriente Próximo e, só depois da expansão islâmica, foi introduzida na Europa [1]. Em Portugal, o uso de azulejos se iniciou no século XV e, desde então, o gosto pela azulejaria foi se consolidando ao longo dos séculos seguintes. Utilizado inicialmente nos interiores das edificações, os azulejos passaram a revestir também as fachadas das construções durante o século XIX. O uso de azulejos em fachada se destaca por ser um forte componente do patrimônio edificado português, que é notório pela sua vasta quantidade de edificações, cujos exteriores são revestidos por azulejos [2]. No Brasil, o gosto pela azulejaria teve início no período em que esteve sob a dominação portuguesa. Essa influência é ainda encontrada em residências e instituições públicas e religiosas construídas nessa ocasião, principalmente nos estados da Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro, Maranhão, Pará e pontualmente em outros estados, onde são encontrados os exemplares mais antigos [3]. Em razão de sua beleza, proporcionada pela variedade de tamanho, cor e decoração, e de suas propriedades técnicas, tais como a impermeabilidade e refração de raios solares, paulatinamente os azulejos foram saindo do interior para ocupar também as fachadas [4]. A arte expressa nos azulejos históricos representa os paradigmas estéticos das memoráveis composições florais e geométricas, que dão características peculiares à arquitetura e aos centros urbanos desses dois países. Devido à importância desse patrimônio artístico e cultural, é necessário estabelecer medidas destinadas à sua preservação e conservação.

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4º Congresso Português de Argamassas e ETICS

Caracterização de argamassas de assentamento de revestimentos

azulejares históricos do século XIX do Brasil e de Portugal

Pammila Japiassú¹, Helena Carasek¹, Oswaldo Cascudo¹, Ana Luísa Velosa², Mirian

Cruxên Barros de Oliveira³, Fabiano Ferreira Chotoli³ e Valdecir Angelo Quarcioni³

1 Universidade Federal de Goiás, Brasil, [email protected],

[email protected], [email protected]; 2 Universidade de Aveiro, Portugal,

[email protected]; 3 Instituto de Pesquisas Tecnológicas - IPT, Brasil, [email protected],

[email protected], [email protected]

Resumo: Cidades brasileiras e potuguesas possuem um rico acervo azulejar presente tanto

no interior como no exterior de suas edificações históricas. A caracterização dos materiais

constituintes deste revestimento é essencial para a elaboração de medidas adequadas à

manutenção e reabilitação desse patrimônio. Nesta pesquisa, foram caracterizadas

amostras de argamassas de assentamento de azulejos do Brasil e de Portugal do final do

século XIX e início do século XX. Sobre essas amostras, foram realizados estudos como

análise química, mineralógica, petrográfica e termogravimétrica, pelos quais foi possível

observar características semelhantes e distintas entre as argamassas históricas.

Palavras–chave: argamassa de assentamento, cal, azulejo, reabilitação.

1. INTRODUÇÃO

A utilização da cerâmica vitrificada teve seu início no antigo Egito, se espalhou

posteriormente para a Mesopotâmia e Oriente Próximo e, só depois da expansão islâmica,

foi introduzida na Europa [1]. Em Portugal, o uso de azulejos se iniciou no século XV e,

desde então, o gosto pela azulejaria foi se consolidando ao longo dos séculos seguintes.

Utilizado inicialmente nos interiores das edificações, os azulejos passaram a revestir

também as fachadas das construções durante o século XIX. O uso de azulejos em fachada

se destaca por ser um forte componente do patrimônio edificado português, que é notório

pela sua vasta quantidade de edificações, cujos exteriores são revestidos por azulejos [2].

No Brasil, o gosto pela azulejaria teve início no período em que esteve sob a dominação

portuguesa. Essa influência é ainda encontrada em residências e instituições públicas e

religiosas construídas nessa ocasião, principalmente nos estados da Bahia, Pernambuco,

Rio de Janeiro, Maranhão, Pará e pontualmente em outros estados, onde são encontrados

os exemplares mais antigos [3]. Em razão de sua beleza, proporcionada pela variedade de

tamanho, cor e decoração, e de suas propriedades técnicas, tais como a impermeabilidade

e refração de raios solares, paulatinamente os azulejos foram saindo do interior para

ocupar também as fachadas [4].

A arte expressa nos azulejos históricos representa os paradigmas estéticos das memoráveis

composições florais e geométricas, que dão características peculiares à arquitetura e aos

centros urbanos desses dois países. Devido à importância desse patrimônio artístico e

cultural, é necessário estabelecer medidas destinadas à sua preservação e conservação.

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Com tal propósito, é essencial o conhecimento das características físicas, químicas e

mecânicas do material tanto para a avaliação do estado de conservação como para a

proposição de soluções compatíveis com o material histórico [5].

2. OBJETIVO

Na presente pesquisa, buscou-se caracterizar as argamassas de assentamento de azulejos

brasileiros e portugueses, do final do século XIX e início do século XX. As informações

levantadas podem servir de referência para o desenvolvimento de soluções preventivas e

de reabilitação desse importante revestimento histórico.

3. METODOLOGIA

Foram estudadas amostras de argamassas de assentamento de azulejos do final do século

XIX e início do século XX. Essas amostras foram extraídas de três edificações

portuguesas da cidade de Ovar, denominadas “PT-A”, “PT-B” e “PT-C”, e de uma

edificação brasileira da cidade do Rio de Janeiro, denominada “BR”. As amostras de

argamassas analisadas de Portugal foram coletadas da fachada, já as do Brasil foram

retiradas do interior da edificação.

Para a caracterização dessas amostras, foram realizadas análises químicas, difração de

raios X (DRX), bem como análise petrográfica e termogravimétrica, todas elas visando à

reconstituição de traço das argamassas. Além disso, foram determinados a absorção de

água ao longo do tempo e o coeficiente de capilaridade.

A análise qualitativa por DRX foi realizada tanto no Laboratório de Difração de Raios-X

do Laboratório de Mecânica das Rochas da Divisão de Geotecnia de Furnas Centrais

Elétricas como no Laboratório de Materiais de Construção Civil do Instituto de Pesquisas

Tecnológicas. No laboratório de Furnas, as amostras de argamassa foram submetidas à

moagem prévia em moinho orbital até a sua total moagem (100% passante na peneira

325 mesh – 0,043 mm). Concluída essa etapa, parte do material foi analisada por difração

de Raios X, pelo Método do Pó Não-Orientado (Análise Integral). Após essa análise,

foram realizadas outras análises por difração de Raios X referentes à fração argila, com o

material ao natural, glicolado e calcinado. Para a análise de DRX, foi utilizado um

difratômetro marca Siemens, modelo D5000. As interpretações foram realizadas em

computador acoplado ao difratômetro, utilizando-se o Software EVA, versão 2009, com

banco de dados de 2009 do International Centre for Diffraction Data (ICDD). No

laboratório do IPT, inicialmente, a amostra foi desagregada por meio de moagem branda

com pistilo de borracha e separada por peneiramento em peneira de 100 mesh –

granulometria de 0,15 mm, para liberar o agregado da pasta (fração de interesse para

caracterização qualitativa). A seguir, o material passante foi moído manualmente até

passar totalmente em peneira 325 mesh – granulometria de 0,043 mm. Concluída essa

etapa, parte do material foi analisado no Difratômetro de Raios-X, pelo Método do Pó

Não-Orientado. A identificação dos compostos foi realizada com o auxílio computacional

através de software da Panalytical High Score Plus (versão 3.0) e com base nos dados das

fichas de padrões difratométricos fornecidas pelo ICCD, com atualização até 2003.

Utilizou-se a base de dados de minerais e cimentos.

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A análise termogravimétrica foi realizada no IPT seguindo as diretrizes gerais da

ASTM E 794 [6]. Para tanto, utilizou-se o equipamento TA Instruments SDT 2960,

empregando-se cadinho de alumina (volume de 110 μL) sem tampa, com fluxo de gás de

60 mL/min de argônio e taxa de aquecimento de 10ºC/min até 1000ºC. O ensaio foi

realizado no material passante na peneira 200 mesh – granulometria de 0,075mm – após

fracionamento e separação majoritária da fração agregado.

Para a realização da análise petrográfica, foi utilizado como referência o Procedimento

Interno do IPT, CT-OBRAS-LMCC-P-PE-001, com base nas diretrizes gerais da norma

ASTM C 856/04 [7] e de Oliveira et al. [8]. Essa análise foi executada com o auxílio de

microscópio estereoscópico, marca Wild-Leitz, e de um fotomicroscópio modelo Ortholux

II POL-BK, marca Leitz. As análises froram ilustradas com fotomicrografias.

A análise química das argamassas históricas foi executada a partir das diretrizes gerais de

Quarcioni [9] e NBR-NM 20 [10]. Os dados obtidos nas diversas determinações foram

referenciais para o cálculo da reconstituição de traço das argamassas, associando-se às

informações complementares fornecidas pelas demais técnicas analíticas empregadas.

Para a determinação da absorção de água e coeficiente de capilaridade, foi utilizada como

referência a NBR 15.259 [11], sendo realizadas análises apenas para as amostras “PT-A”

e BR. As amostras, previamente secas, foram mantidas no recipiente com uma lâmina de

água destilada constante de 5 mm de altura, conforme apresentado na Figura 1 (a). As

medições da massa de absorção de água por capilaridade foram realizadas ao completar 1,

2, 3, 4, 5, 10, 30 e 90 minutos, o que excede o número de determinações previsto na

norma, apenas aos 10 e 90 minutos, dado o caráter prospectivo do estudo. Devido à forma

irregular das amostras, foi estabelecido procedimento específico para a obtenção da área

de superfície de contato com a lâmina d’água, referido a seguir. Primeiramente, foi

marcado com caneta o perímetro da região correspondente à altura de 5 mm da lâmina de

água. Em sequência, fez-se o registro fotográfico desse perímetro juntamente com o

auxílio de uma régua. A imagem foi inserida no aplicativo AutoCAD, colocada na escala

e, após o contorno da linha do perímetro, foi obtido o valor aproximado da área, como

indicado na Figura 1 (b).

(a)

(b)

Figura 1 – (a) Amostras de argamassa durante a execução do ensaio de absorção de água

por capilaridade e (b) Ilustração da área calculada da superfície de contato com a lâmina

de água.

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4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DE RESULTADOS

A partir da análise petrográfica, foi possível identificar características da pasta, dos

agregados e dos vazios das argamassas históricas, apresentadas na Tabela 1. Esses

aspectos também podem ser observados nas micrografias reunidas na Figura 2.

Tabela 1 – Características da pasta, do agregado e dos vazios das argamassas históricas.

PASTA PT- A PT- B PT- C BR

Pasta/argamassa 20% a 25% 20% 15% 20% a 25%

Coloração Castanho Cinza Cinza Cinza

Carbonatação Intensa e

pervasiva¹

Intensa e

pervasiva¹

Intensa e

pervasiva¹

Moderada e

pervasiva¹

Grãos de silicato

ou silico-

aluminato de

cálcio hidratado

Concentrados

em uma

determinada

região da

argamassa

---

Concentrados

em uma

determinada

região da

argamassa

Provável

presença

Restos de rocha

carbonática mal

calcinada

Raros Sim Raros ---

Presença de

portlandita Rara

Raras plaquetas

submilimétricas

dispersas

Rara

Provável

presença em

raras

plaquetas

dispersas

AGREGADO² PT- A PT- B PT- C BR

Agregado/

argamassa 65% a 70% 60% a 65% 70% a 75% 70% a75%

Granulometria 0,03 mm a

2,5 mm

0,2 mm a

5,5 mm

0,2 mm a

2,0 mm

0,2 mm a

5,6 mm

Granulometria

predominante

0,9 mm a

1,2 mm

0,8 mm a

1,2 mm

0,4 mm a

0,6 mm

0,6 mm a

0,9 mm

Tipos de grãos Arredondado a

subarredondado

Subanguloso a

arredondado

Subanguloso a

subarredondado

Anguloso a

subanguloso

Esfericidade

dos grãos Moderada a alta

Baixa a

moderada Moderada a alta

Moderada a

baixa

Composição

granulomé-

trica (%)

Quartzo mono e

policristalino –

85%

Quartzo mono e

policristalino –

90%

Quartzo mono e

policristalino –

85%

Quartzo

mono-

cristalino –

80% a 85%

Fragmento de

solo ou

cerâmico –10%

--- Fragmentos de

solo – 10%

Rocha

granítica +

feldspato –

10%

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AGREGADO² PT- A PT- B PT- C BR

Composição

granulomé-

trica (%)

Outros: mica,

feldspato,

fragmento de

rocha (siltito) –

5%

Outros: mica,

feldspato, torrão

de argila,

estaurolita –

10%

Outros:

feldspato

estaurolita,

fragmentos de

rocha,

turmalina,

muscovita -

<5%

Fragmento

de solo –

5%, mica

(biotita +

muscovita)

-<5%,

outros

(zircão)

VAZIOS PT-A PT-B PT-C BR

Vazios/

argamassa 10% 15% a 20% 10% a 15% 5%

Bolhas de ar

aprisionado

0,2 mm a

1,0 mm de

diâmetro –

comuns

Vazios

irregulares e/ou

coalescência de

bolhas de ar

aprisionado –

0,4 mm a

2,5 mm de

tamanho

Possíveis

bolhas de ar

aprisionado de

0,2 mm a

0,5 mm de

diâmetro –

raras

0,2 mm a

0,5 mm de

diâmetro –

raras

Vazios

alongados

0,7 mm a

1,2 mm de

comprimento

– comuns

3,5 mm de

comprimento –

comuns

5 mm de

comprimento

– comuns

---

Vazios de

interface pasta-

agregado

--- ---

<0,01 mm de

espessura –

raros

<0,1 mm de

espessura –

comuns

Microfissuras na

pasta

0,1 mm a

0,3 mm de

espessura –

raros

<0,01 mm de

espessura –

comuns

<0,1 mm de

espessura –

comuns

<0,2 mm de

espessura –

comuns

Microporosidade

na pasta ---

<0,01 mm –

comuns

<0,01 mm –

comuns ---

Grãos arrancados

Possíveis

grãos

arrancados de

0,5 mm a

1,0 mm –

raros

---

1,2 mm a

1,6 mm –

comuns

---

Notas: ¹ Pervasiva: que se espalha ou tende a propagar-se por toda parte; ² Nas argamassas “PT-A”

e “PT-B”, ainda foi identificada a presença de sílica amorfa e, na argamassa “BR”, foram

identificados muitos grãos do agregado com borda de reação (material argiloso + hidróxidos de

ferro).

Os agregados das amostras analisadas são predominantemente quartzosos. Não foi

observado agregado carbonático em nenhuma das amostras estudadas. Em todas as

amostras ocorrem fragmentos de solo ou cerâmicos. O agregado utilizado nas argamassas

“PT-B” e “BR”, provavelmente, provém de saibro ou de solo, pois os grãos apresentam

grande variação granulométrica, baixo a moderado arredondamento e esfericidade, bem

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como presença de torrões de argila e/ou de fragmentos constituídos por grãos de quartzo

com matriz argilosa. Em todas as amostras analisadas, o agregado apresenta

características que denotam pequeno transporte, sugerindo a utilização do próprio material

disponível no entorno da obra.

As argamassas procedentes de Portugal apresentam pasta intensamente carbonatada e

presença de restos de rocha carbonática mal calcinada. Diferentemente dessas, a

argamassa “BR” apresenta pasta moderadamente carbonatada e não foram observados

restos de rocha carbonática mal calcinada. A presença de silicato de cálcio hidratado nas

amostras “PT-A”, “PT-C” e “BR” pode ser explicada pela utilização de fragmentos

cerâmicos utilizados com cal aérea [12].

As argamassas "PT- B" e "PT-C" exibem pasta com elevada porosidade, além de

abundantes microfissuras, vazios irregulares e alongados. A argamassa "PT-A" apresenta

porosidade elevada, fornecida principalmente por bolhas de ar aprisionado e vazios

alongados. A argamassa “BR” é a que apresenta menor porosidade entre todas as amostras

estudadas.

(a)

(b)

(c)

(d)

Figura 2 – (a) Argamassa “PT-A” – microfissura na pasta e vazios (azul), além de

presença de fragmentos de solo ou cerâmicos (castanho escuro) com bordas de reação; (b)

Argamassa “PT-B”– microfissura na pasta e vazio alongado (azul); (c) Argamassa “PT-C”

– contato com a cerâmica (esquerda e parte superior da foto); e (d) Argamassa “BR” –

grãos do agregado predominantemente angulosos e presença de fragmento de solo ou

cerâmico (castanho escuro) com intensa borda de reação.

PT-A PT-B

PT-C BR

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As curvas de TG e DTG obtidas pela análise termogravimétrica estão apresentadas nas

Figuras 3 e 4, respectivamente. Os valores de perda de massa correspondentes a

determinadas faixas de temperatura obtidos durante essa análise estão reunidos na

Tabela 2. A partir do comportamento das amostras de argamassa durante o processo de

decomposição térmica, foi possível associá-lo a determinados eventos térmicos que estão

apresentados na Tabela 3 e indicados com números na Figura 4.

Figura 3 – Curvas termogravimétricas (TG).

Figura 4 – Curvas termogravimétricas diferenciais (DTG).

Tabela 2 – Perdas de massas envolvidas no processo de decomposição térmica.

Argamassas Temperatura / Perdas de massa (%) CaCO3

(%) 23°C-200°C 200°C-350°C 350°C-550°C 550°C-1000°C

PT-A 12.150 3.562 7.007 9.444 21.65

PT-B 6.428 2.727 4.315 15.95 36.27

PT-C 4.126 2.958 2.507 14.62 33.25

BR 4.759 1.535 4.158 10.05 22.86

4

3 2

1

PT-A (fração fina <100#) PT-B (fração fina <100#)

PT-C (fração fina <100#)

BR (fração fina <100#)

PT-A (fração fina <100#)

PT-B (fração fina <100#) PT-C (fração fina <100#)

BR (fração fina <100#)

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Tabela 3 – Fenômenos envolvidos nos eventos térmicos, respectivas temperaturas das

curvas TG/DTG – atmosfera de argônio.

Eventos térmicos e parâmetros correlatos

Número Eventos térmicos preponderantes Faixa de temperatura (°C)

1 Desidratação da gipsita 0-170

2 Desidratação da gibbsita 150-390

3 Desidroxilação da caulinita 430-550

4 Decomposição de carbonato de cálcio (CaCO3) 680-1000

As curvas termogravimétricas obtidas são típicas de argamassas carbonatadas de cal

hidratada calcíticas com acentuada perda de massa entre 550°C e 1000°C, atribuída à

descarbonatação do carbonato de cálcio [12]. Entre 23°C e 200°C, verifica-se a

desadsorção de água, essencialmente de metalossilicatos, enquanto que, entre 200°C e

550°C, ocorre a desidroxilação de diferentes tipos de minerais, em particular

aluminossilicatos. No caso da argamassa “PT-A”, foi identificado um pico na faixa de 0ºC

a 170ºC, indicador de presença da gipsita. A presença de gibbsita detectada nas amostras

"PT-C" e na "BR" aponta no sentido de fragmento de solo, uma vez que a gibbsita se

decompõe a aproximadamente 340ºC [13], temperatura esta insuficiente para formar uma

massa cerâmica. Esses fragmentos de solo também foram identificados na análise

petrográfica.

Os compostos mineralógicos das argamassas identificados por DRX estão dispostos na

Tabela 4, de acordo com sua predominância nos espécimes caracterizados. Já os

resultados obtidos na análise química acham-se apresentados na Tabela 5, enquanto os

resultados finais da reconstituição de traço estão reunidos na Tabela 6.

Tabela 4 – Resultado da análise por difração de raios X das argamassas históricas.

Identificação mineralógica PT-A PT-B PT-C BR

Quartzo p p p p

Calcita s s s s

Caulinita --- t t s

Muscovita --- --- --- s

Mica (moscovita) t t t t

Lawsonita t t t t

Montmorilonita t t t t

Vaterita t t t ---

Portlandita (hidróxido de cálcio) --- t t t

Feldspatos (microclínio) t t --- ---

Gipsita t --- --- ---

Magnesita t --- --- t

Franzinita t --- --- ---

Feldspatos (albita) t --- --- t

Gibbsita (hidróxido de alumínio) --- --- t t

Lazurita --- --- t ---

Legenda: Principal (p) Subordinado (s) Traço (t) ---Sem presença

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Tabela 5 – Resultados de análise química das argamassas.

Determinações

Resultados, em %

PT-A PT-B PT-C BR

BO BNV BO BNV BO BNV BO BNV

Umidade 2,44 - 1,17 - 0,77 - 1,17 -

Perda ao fogo 14,0 - 16,6 - 10,9 - 13,3 -

Resíduo insolúvel 58,7 70,2 59,6 72,5 71,6 81,1 68,6 80,2

Anidrido silícico (SiO2) 3,17 3,79 3,47 4,22 2,56 2,90 2,20 2,57

Óxidos de ferro e alumínio (R2O3) 3,34 4,00 3,40 4,13 3,47 3,93 2,53 2,96

Óxido de cálcio (CaO) 13,8 16,5 15,5 18,9 9,98 11,3 11,0 12,9

Óxido de magnésio (MgO) 0,32 0,38 0,44 0,54 0,29 0,33 0,25 0,29

Anidrido sulfúrico (SO3) 2,51 3,00 0,11 0,13 0,08 0,09 0,14 0,16

Anidrido carbônico (CO2) 9,49 - 12,0 - 7,35 - 7,92 -

Legenda: BO – Base Original. BNV – Base Não Volátil.

Tabela 6 – Resultados de reconstituição do traço das argamassas.

Argamassas Parâmetros calculados Cal hidratada¹ Agregado silicoso

PT-A Constituintes (%) 36,4 63,6

Traço, em massa 1 1,8

PT-B Constituintes (%) 33,8 66,2

Traço, em massa 1,0 2,0

PT-C Constituintes (%) 23,8 76,2

Traço, em massa 1 3,2

BR Constituintes (%) 24,9 76,2

Traço, em massa 1 3,2

¹Constituinte expresso como cal hidratada de natureza calcítica mesmo sendo possível ter sido

empregada cal virgem, porém as análises laboratoriais efetuadas não permitem a identificação.

Pela análise química, foi possível determinar que as argamassas são constituídas por cal

aérea cálcica, com adição de "material argiloso" e agregado silicoso, sendo que, no caso

da argamassa “PT-A”, ainda foi identificado o gesso de construção. Acredita-se, no

entanto, que esse material, que também foi identificado na análise termogravimétrica e de

DRX, não tenha sido utilizado na produção dessa argamassa, já que, no período histórico

estudado, ele não era utilizado para tal fim. É provavél que a gipsita identificada por meio

dessas análises seja proveniente da poluição atmosférica ou de intervenções posteriores.

No caso específico da argamassa “PT-A”, é plausível ampliar a amostragem para se

averiguar a extensão da presença desse constituinte.

A adição de "material argiloso" (solo e/ou material cerâmico) confere hidraulicidade às

argamassas e implica que o valor de resíduo insolúvel incorpora a fração insolúvel desse

material e a fração solubilizada incorpora a fração solúvel, o que foi diagnosticado pelos

significativos teores de SiO2 e R2O3 solubilizados pelo ataque ácido na análise química.

Em função da dificuldade de determinar a quantidade de "material argiloso" presente nas

argamassas, assumiu-se, no cálculo do traço, que esse material adicionado compõe,

preponderantemente, o agregado.

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A dificuldade de se determinar a origem da hidraulicidade da argamassa deve-se ao fato

de que os constituintes mineralógicos iniciais das argamassas já estão em grande parte

reagidos, sendo difícil reconhecê-los durante a análise; além disso, os produtos da reação

da hidratação de cal-pozolana ou dos materiais cimentícios são muito semelhantes [14].

Cabe ressaltar que é possível que os teores calculados de cal hidratada estejam

superestimados, uma vez que nas análises petrográfica, de DRX e termogravimétrica, foi

constatada a presença de argilominerais e de solo que podem ter sofrido reação pozolânica

com a cal.

Descartou-se a possibilidade de uso de cal hidráulica tanto no Brasil quanto em Portugal

porque não se verificaram evidências históricas para o uso de tal material entre o final do

século XIX e início do século XX, sendo coerente a assertiva de uso de cal aérea e adição

"material argiloso" na produção das argamasas estudadas.

As relações aglomerante/agregado encontradas oscilaram entre 1 : 1,8 e 1 : 3,2, em massa.

Na Tabela 7 e na Figura 5, pode ser observado o comportamento de amostras de

argamassa “PT-A” e de “BR” quanto à absorção de água por capilaridade.

Tabela 7 – Resultados de absorção de água por capilaridade das argamassas “PT-A” e

“BR”.

Tempo (minutos) 0 1 2 3 4 5 10 30 90

Absorção

(g/cm²)

PT-A 0,00 0,21 0,32 0,40 0,48 0,54 0,68 0,98 1,52

BR 0,00 0,58 0,83 0,95 1,08 1,17 1,47 2,17 3,30

Figura 5 – Absorção por capilaridade das argamassas “BR” e “PT-A”.

Page 11: 4º Congresso Português de Argamassas e ETICS ... 53_2012.… · difratômetro marca Siemens, modelo D5000. As interpretações foram realizadas em computador acoplado ao difratômetro,

Observou-se que as argamassas possuem absorção de água intensa nos primeiros minutos.

Notou-se que a amostra brasileira absorve um volume maior de água do que a amostra

portuguesa. A absorção mais intensa de água da argamassa brasileira pode ser explicada

pelo seu traço, uma vez que ela possui menos aglomerante do que a argamassa portuguesa

“PT-A”.

O coeficiente de capilaridade das amostras do Brasil foi de 17,6 g/dm2.min½ e o de

Portugal foi de 4,1 g/dm2.min½. Convertendo esses valores com o emprego da EN 1015-

18 [15], eles correspondem respectivamente a 22,4 kg/m².h½ e 10,3 kg/m².h½.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

De um modo geral, as argamassas de assentamento analisadas são constituídas

basicamente por cal e material pozolânico, agregado sílicoso e fração de argilominerais.

Foram identificados ainda traços de rochas carbonáticas, de portlandita e de silicatos ou

aluminatos de cálcio hidratados em algumas amostras. As relações aglomerante/agregado

encontradas variaram de 1 : 1,8 e 1 : 3,2, em massa. Observou-se que as argamassas

portuguesas possuem uma porcentagem de vazios superior, bem como agregados mais

arredondados e pasta mais intensamente carbontada do que a argamassa brasileira.

A caracterização de argamassas históricas é complexa e envolve uma série de análises,

tais como petrográfica, de DRX, química e termogravimétrica, cujos resultados devem ser

interpretados em conjunto. Somente assim, é possível reconstituir o traço e as

características dos constituintes utilizados na produção dessas argamassas com maior

precisão. Ao corresponderem à realidade de uma gama considerável de edificações

históricas trabalhadas em azulejos, os dados apresentados nesta pesquisa podem servir de

parâmetros para o desenvolvimento de soluções em conservação e restauração desse

importante patrimônio.

6. REFERÊNCIAS

[1] Letizia, A. M.; Ruffinelli, L. Azulejos: historical-technical notes and conservation

problems. In: International Seminar “Conservation of glazed ceramic tiles”, 2009, Lisbon.

Anais... Lisbon: National Laboratory for Civil Engineering, 2009.

[2] Velosa, A. L.; Veiga, M. R.; Coroado, J.; Ferreira, I. M. Characterization of glazed

ceramic tiles and mortars from façades of the city of Ovar for Conservation purposes. In:

International Seminar “Conservation of glazed ceramic tiles”, 2009, Lisbon.

Anais... Lisbon: National Laboratory for Civil Engineering, 2009.

[3] Barata, M. Azulejos no Brasil: séculos XVII, XVIII e XIX. 1955. Tese (Concurso de

professor catedrático de História da Arte) - Escola Nacional de Belas Artes, Universidade

do Brasil, Rio de Janeiro, 1955.

[4] Alcântara, D. M. S. Azulejos portugueses em São Luís do Maranhão. 1974. Tese

(Concurso para Docente Livre da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ) -

Departamento História e Teoria Arquitetura no Brasil, Universidade Federal do Rio de

Janeiro, Rio de Janeiro, 1974.

[5] Magalhães, A; Veiga, R. Physical and mechanical characterisation of historic

mortars: application to the evaluation of the state of conservation. Journal: Materiales de

Construccion, v. 59, n. 295, p. 61-77, 2009.

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[6] ASTM: American Society for Testing and Materials. E794. Standard Test Method for

Melting and Crystallization Temperatures by Thermal Analysis. Philadelphy, 2001.

[7] ASTM: American Society for Testing and Materials. C 856/04. Standard Practice for

Petrographic Examination of Hardened Concrete. Philadelphy, 1995.

[8] Oliveira, M. C. B.; Nascimento, C. B.; Cincotto, M. A. Microestrutura de

argamassas endurecidas: uma contribuição da petrografia. Montevidéo, Congresso

Iberoamericano de Patologia das Construções. Anais. p.227-234, 1999.

[9] Quarcioni, V. A. Reconstituição de traço de argamassas: atualização do Método IPT.

Dissertação de Mestrado da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. São Paulo,

1998, 188 p.

[10] ABNT: Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR-NM 20: Cimento Portland e

suas matérias primas - Análise química - Determinação de dióxido de carbono por

gasometria. Rio de Janeiro, 2009.

[11] ABNT: Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 15.259: Argamassa para

assentamento e revestimento de paredes e tetos - Determinação da absorção de água por

capilaridade e do coeficiente de capilaridade. Rio de Janeiro, 2005.

[12] Guimarães, J. E. P. A cal – Fundamentos e Aplicações na Engenharia Civil. São

Paulo, Pini, 1997. 285p.

[13] Smykatz-Kloss, W. Differential Thermal Analysis – application and results in

mineralogy. Berlin, Spriger-Verlag, 1974. 185p.

[14] Palomo, A.; Blanco-Varela, M. T.; Martinez-Ramirez, S.; Puertas, F.; Fortes, C.

Historic Mortars: Characterization and Durability. New Tendencies for Research,

Proceedings of the 6th International Masonry Conference, 2002, London, UK, p.37-58.

[15] EN 1015-18. Methods of test for mortar for masonry – Part 18: Determination of

water absorption coefficient due to capillary action of hardened rendering mortar, 2002.

7. AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), pelo apoio ao

projeto PTDC/ECM 101000/2008; ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e à

FURNAS Centrais Elétrica, pelo apoio nas análises laboratorias; bem como ao Conselho

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo apoio financeiro a esta

pesquisa.