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4 Design como Experiência Um dos objetivos do design voltado para inovações sociais é sugerir vocações solidárias. Aceitar partilhar soluções em um determinado território, incentivando ações de interesse coletivo, requer priorizar experiências em vez de compras materiais, o assunto central deste capítulo. Compras materiais envolvem recursos com a principal intenção de adquirir bens. Experiências incluem a "aquisição" de eventos, pelo quais é possível vivenciá-las. Teoricamente, as comparações de pessoas que buscam posses materiais com aquelas que procuram por experiências de vida mantêm constante o fato de que as pessoas em questão estão comprando algo, o que inclui avaliações comparativas em busca da felicidade pelas compras. As decisões de compras materiais são mais difíceis de serem tomadas do que optar entre experiências, porque tendem a incentivar a utilização de uma estratégia de maximização, que está associada com resultados psicológicos negativos, enquanto as experiências valorizam a abordagem da satisfação. Em geral, as pessoas comparam mais informações e características (como preço, material, design etc.) entre bens do que entre experiências, na hora de fazer suas escolhas. Estudos confirmam também que experiências anteriores não são reduzidas quando novas experiências posteriores são vivenciadas, em contraposição à compra, quando bens materiais de maior valor diminuem a importância de outros bens (Carter e Gilovich, 2010). Uma experiência satisfatória, em contrapartida, muitas vezes fica ainda mais positiva ao longo do tempo, embelezada pela memória. Ao avaliar uma experiência, tanto abstratamente quanto concretamente, e julgá-la em muitas dimensões diferentes, pode ser mais fácil encontrar aspectos positivos nesta avaliação. Existem benefícios tangíveis para compras de experiências, tanto a curto ou a longo prazo, o que as tornam menos frívolas. Fortes conexões sociais, tais como aquelas fornecidas por parceiros românticos, família e organizações de interesse coletivo, são ingredientes essenciais de experiências que trazem bem-

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4 Design como Experiência

Um dos objetivos do design voltado para inovações sociais é sugerir

vocações solidárias. Aceitar partilhar soluções em um determinado território,

incentivando ações de interesse coletivo, requer priorizar experiências em vez de

compras materiais, o assunto central deste capítulo.

Compras materiais envolvem recursos com a principal intenção de adquirir

bens. Experiências incluem a "aquisição" de eventos, pelo quais é possível

vivenciá-las. Teoricamente, as comparações de pessoas que buscam posses

materiais com aquelas que procuram por experiências de vida mantêm constante o

fato de que as pessoas em questão estão comprando algo, o que inclui avaliações

comparativas em busca da felicidade pelas compras.

As decisões de compras materiais são mais difíceis de serem tomadas do

que optar entre experiências, porque tendem a incentivar a utilização de uma

estratégia de maximização, que está associada com resultados psicológicos

negativos, enquanto as experiências valorizam a abordagem da satisfação. Em

geral, as pessoas comparam mais informações e características (como preço,

material, design etc.) entre bens do que entre experiências, na hora de fazer suas

escolhas. Estudos confirmam também que experiências anteriores não são

reduzidas quando novas experiências posteriores são vivenciadas, em

contraposição à compra, quando bens materiais de maior valor diminuem a

importância de outros bens (Carter e Gilovich, 2010).

Uma experiência satisfatória, em contrapartida, muitas vezes fica ainda

mais positiva ao longo do tempo, embelezada pela memória. Ao avaliar uma

experiência, tanto abstratamente quanto concretamente, e julgá-la em muitas

dimensões diferentes, pode ser mais fácil encontrar aspectos positivos nesta

avaliação. Existem benefícios tangíveis para compras de experiências, tanto a

curto ou a longo prazo, o que as tornam menos frívolas. Fortes conexões sociais,

tais como aquelas fornecidas por parceiros românticos, família e organizações de

interesse coletivo, são ingredientes essenciais de experiências que trazem bem-

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estar psicológico (Carter e Gilovich, 2010). Este capítulo aborda o conceito de

experiência, design de experiência e propõe ainda uma visão centrada na interação

para soluções de inovação social, como forma de potencializar as transformações

dos contextos socioculturais onde elas estão implantadas.

4.1. Experiência ou experiência do usuário

Embora a transformação para uma sociedade pós-materialista de experiência

tenha sido reconhecida pelas empresas, conforme indicado por diversos autores,

como em “Economia de Experiência” (Pine e Gilmore, 1999), há ainda avanços a

serem feitos neste sentido. Experiência ou experiência do usuário não é sobre

tecnologia, desenho industrial ou interfaces. É sobre a criação de uma experiência

significativa por meio de um dispositivo (Hassenzahl, 2011).

Mas o que é uma experiência? Psicologicamente, uma experiência emerge

da integração de percepção, ação, motivação e cognição em um todo inseparável e

significativo. A íntima relação entre esses conceitos únicos é um modelo de

emoções, que salienta a importância dos processos cognitivos, tais como auto-

observação, atribuição e categorização. Uma experiência é uma história, a emergir

no diálogo de uma pessoa com ela mesma ou com seu mundo, numa ação

subjetiva, holística, situada e dinâmica.

Experiência do usuário é apenas uma subcategoria de experiência, com foco

em um determinado mediador, ou seja, uma solução interativa. Trata-se de um

projeto para deliberadamente criar e moldar experiências (Hassenzahl, 2011).

O dispositivo interativo não é tanto um objeto tangível, mas uma história

transportada ou contada por meio de uma solução de design – um conto ou uma

narrativa psicossocial. Hassenzahl (2011) cita a Buddha Machine como um

excelente exemplo de um dispositivo pós-materialista, uma pequena caixa de

plástico que toca música para meditação, composta por Christiaan Virant e Zhang

Jian. Desde 2005, quando foi lançada com sete opções de cor e nove faixas

musicais gravadas, a Buddha Machine tem sido usada para performances por

vários artistas. A Buddha Machine 2.0 chegou ao mercado em 2008, com nove

faixas adicionais e pitch, que permite controlar a velocidade de uma música ao ser

executada. Já a versão 3.0 foi lançada em 2010, com áudio de alta qualidade e

quatro longos loops de composições clássicas chinesas (figura 16).

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Figura 16 – Buddha Machine, exemplo de dispositivo interativo (Buddha Machine, 2012).

Para Hassenzahl (2011), é possível distinguir três níveis diferentes ao se

projetar uma experiência, por meio da interação com um dispositivo: “por quê?”,

“como?” e “o quê?”. “O quê?” aborda as coisas que as pessoas podem fazer

utilizando uma solução interativa, por exemplo, realizar uma chamada de telefone,

comprar um livro ou ouvir uma música. “Como?”, por sua vez, é relativo ao agir

por meio de um dispositivo nos níveis operacional, sensorial e motor: pressionar

botões, virar maçanetas, acionar menus de navegação, ou tocar em telas. O

“como?” está relacionado à solução real a ser desenvolvida, e também ao seu

contexto de uso.

O “como?” é o terreno típico do designer de interação, fazer uma

funcionalidade acessível, de forma esteticamente agradável. Por exemplo: “o

quê?” é fazer uma chamada de telefone. Isso requer uma ação para selecionar um

número de contato, assim como iniciar e terminar uma chamada. O “como? é de

que maneira essa ação pode ser realizada – um telefone móvel é especificado por

um designer de interação.

Mas essa explicação ignora a motivação real das pessoas para usar um

telefone celular. Para um casal apaixonado e distante, um SMS é uma mensagem

de amor, uma forma de aproximação. Esse é o porquê do uso do produto.

Chamadas telefônicas não são apenas – tecnologicamente falando – chamadas

telefônicas. Na realidade, eles são o início glorioso ou triste fim de um

relacionamento próximo, um beijo de boa noite, um ato de apoio, uma maneira de

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passar o tempo ou um pedido de pizza. O telefone é apenas um instrumento, mas

não reflete necessariamente os desejos subjacentes, as emoções e as práticas

associadas. O design de experiência permite explorar o que é significativo,

envolvente, valioso e esteticamente agradável nas experiências. Portanto, é

fundamental pensar em experiências de comunicação, em vez de dispositivos

móveis, e assim abrir um espaço enorme para novos projetos de design.

O design de experiência é indicado para esses casos. O projeto começa a ser

desenvolvido a partir do “por quê?”, buscando esclarecer as necessidades e as

emoções envolvidas em uma atividade, o seu significado e a sua experiência. Só

então, ele determina a funcionalidade que é capaz de fornecer a experiência (“o

quê?”) e uma forma adequada de colocar a funcionalidade de ação (“como?”). O

design de experiência reúne “o que?”, o “por quê” e o “como?”, somando

necessidades e emoções, e definindo o tom do produto. Isso permite criar soluções

que são sensíveis às particularidades da experiência humana, e capazes de contar

histórias agradáveis, por meio de seu uso (figura 17).

Figura 17 – Três níveis que devem ser considerados

ao se projetar experiências (Hassenzahl, 2011).

De acordo com Eric L. Reis (2011), naturalmente, todas as interações estão

abertas à interpretação. Lembre-se de que uma percepção é sempre verdadeira na

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mente do observador. Se você acorda deprimido, há pouco para lhe dizer, para

tentar convencê-lo. No entanto, é por isso que frequentemente designers se

dedicam às melhores práticas – a maioria das pessoas reage favoravelmente. Por

essas razões, o autor define o ato de projetar como uma experiência de usuário,

que representa a ação consciente de:

• Coordenar as interações que são controláveis (por exemplo, a escolha de

ingredientes alimentares, o treinamento de garçons e o projeto de botões

de programação).

• Reconhecer as interações que estão além do nosso controle (assentos

desconfortáveis em teatro de 100 anos, falta de produtos frescos no

inverno, mudança das condições climáticas).

• Reduzir as interações negativas, fornecendo soluções, como abrigos

emergenciais em eventos ao ar livre, para caso de chuva, não posicionar

mesas de um restaurante em local próximo à cozinha etc.), ou seja,

considerar o contexto como um todo.

4.2. A experiência na interação

O que é exclusivo no projeto de investigação relativo à experiência é que ele

enfoca as interações entre pessoas e soluções de design, e a experiência resultante

dessa interação. Isso inclui todos os aspectos ao se experimentar uma solução de

design, aqueles de caráter sensual, cognitivo, emocional ou estético. A experiência

de compreensão é complexa. Projetar a experiência de usuário para sistemas

interativos é ainda mais complexo. Há diferentes abordagens para o termo

“experiência”. Algumas dessas abordagens utilizam a perspectiva do usuário,

outros tentam compreender a experiência no que se refere à solução de design, e

um terceiro grupo procura compreender a experiência do usuário por meio da

interação entre usuário e projeto de design (Forlizzi e Battarbee, 2004).

Podemos argumentar que uma visão centrada em interação é a mais valiosa

para a compreensão de como um usuário experimenta uma solução de design.

Modelos e abordagens teóricas foram desenvolvidos para ajudar a entender a

experiência, que incluem contribuições das áreas do design, de negócios, filosofia,

antropologia, ciência cognitiva, ciências sociais e outras disciplinas. Essas

abordagens examinam a experiência sob várias perspectivas. Podemos agrupá-las

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em três tipos: centradas na solução de design, no usuário e na interação. A visão

centrada em interação é a mais valiosa para a compreensão de como um usuário

experimenta um projeto de design.

Modelos centrados na solução de design descrevem os tipos de experiências

e questões que devem ser considerados na concepção e na avaliação de um

artefato, serviço, ambiente ou sistema. Esses modelos geralmente assumem a

forma de listas de tópicos ou critérios, para serem utilizados numa verificação

durante a criação.

Modelos centrados no usuário ajudam designers e desenvolvedores a

entender as pessoas que usarão seus produtos. Eles integram uma série de

abordagens disciplinares, para oferecer maneiras de compreender as ações das

pessoas e aspectos da experiência que elas vão achar relevantes ao interagir com

um produto ou serviço.

Modelos centrados na interação exploram o papel de soluções de design no

encontro entre projeto e usuário. Pesquisadores e profissionais de várias

disciplinas têm desenvolvido estudos sobre como as pessoas se envolvem com

produtos e o mundo. A experiência pode ser discutida a partir de uma perspectiva

do design, em quatro frentes: composicional, sensorial, emocional e espaço-

temporal. Já Victor Margolin, historiador do design, afirma que há quatro

dimensões que explicam como as pessoas interagem com um dispositivo: de

maneira operacional, inventiva, estética e social (Forlizzi e Battarbee, 2004).

Do ponto de vista do design, a emoção molda o encontro entre pessoas,

produtos e serviços no mundo. A emoção afeta como planejamos interagir com

eles, como nós realmente interagimos e as percepções e os resultados que cercam

essas interações. A emoção serve como um recurso para a compreensão e a

comunicação sobre o que nós experimentamos.

O psicólogo J.J. Gibson desenvolveu essas ideias em relação ao conceito de

“affordances”, ou a qualidade de um objeto ou de um ambiente para que um

indivíduo realize uma ação. Alguns autores têm associado o conceito de

“affordances” à usabilidade de uma solução, mas esse termo também pode ser

visto como a forma com que as pessoas lidam com a cognição e a ação no mundo,

com o objetivo de conseguir fazer sentido (Gibson, 1977).

A emoção nos faz avaliar nossos resultados e nossas experiências na

interação com soluções de design. Se o resultado for satisfatório, resulta numa

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sensação de realização, e o esforço é reduzido ou um novo objetivo é criado.

Claramente, contextos sociais desempenham um papel importante em como

podemos sentir, expressar e modificar nossas emoções, bem como o seu

significado resultante. Experiências emocionais são alteradas, muitas vezes

rapidamente, na presença de outras pessoas, atividades, artefatos e ambientes.

Emoções moldam as experiências que podem ser adequadas, ou que valem a

pena, para serem compartilhadas com os outros. Podemos controlar quais

emoções nós escolhemos para mostrar e comunicar, e de que forma retratar

eventos e experiências como mais positivos ou apenas mais intensos do que na

realidade eram. Experiências e emoções não são acontecimentos singulares que se

desenrolam sem uma relação com outras experiências e emoções.

Para resolver isso, em termos de concepção, a escalabilidade da experiência

é a quantidade infinita de pequenas interações usuário-solução e as respostas

emocionais (relativas a contextos, pessoas, metas e ações num determinado

momento), que se acumulam para gerar experiências cada vez maiores ao longo

do tempo. É importante considerar a escalabilidade de uma experiência ao se

utilizar um framework. A escalabilidade da experiência ajuda a detalhar interações

de produto, até histórias e significados que as pessoas usam para articular suas

experiências (Forlizzi e Battarbee, 2004).

Em sistemas interativos, o desafio é compreender a influência que pequenas

experiências e respostas emocionais têm sobre outras pessoas, bem como a visão

de conjunto. Cada interação de solução de design em uma experiência pode ser

caracterizada por uma determinada resposta emocional fugaz, que pode unir-se em

uma expressão emocional específica ou humor e, finalmente, é armazenada na

memória como um aspecto específico de uma experiência.

Essas alterações são melhor compreendidas com investigações baseadas no

tempo, em um contexto de uso real ou realista. O mapeamento de pequenas

experiências dentro de outras maiores pode ser realizado posteriormente por

designers e investigadores, ou ser o foco de uma atividade com participantes, a

fim de compreender as relações entre grandes e pequenas experiências.

Designers podem oferecer uma perspectiva única sobre que tipos de

experiências e interações usuário-solução um sistema precisa oferecer, e como

elas podem mudar ao longo do tempo. Para fazer isso, designers, juntamente com

outros pesquisadores, necessitam ter uma profunda compreensão do público para

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os quais estão projetando, além de buscar inspiração e aplicar informações e

conhecimentos sobre os aspectos de como as pessoas usam e conferem

significados aos produtos.

A visão do designer deve ser uma das várias perspectivas dentro de uma

equipe multidisciplinar, ela também tem sido descrita como empatia do design,

uma variedade de perspectivas holísticas para resolver um problema de um

projeto, e uma das várias perspectivas para um designer ser um "bricoleur".

As equipes de projeto multidisciplinar procuram entender e gerar tipos de

interações e experiências que novos projetos e sistemas podem oferecer. Uma vez

gerado um conjunto de experiências e interações usuário-produto, pesquisas

podem ser conduzidas para entender melhor pessoas, contextos e atividades, para

fornecer soluções para um problema de design.

Considerando os aspectos mais fluentes da experiência, é importante

capturar grande parte das interações do usuário em um contexto, sem interrompê-

las. Para a experiência cognitiva e expressiva, é importante não só capturar as

interações no contexto onde elas se desdobram, mas também a articulação da

experiência após a sua realização.

Equipes de design procuram antecipar as interações e as respectivas

experiências, para oferecer um projeto de design. Quais são as questões atuais no

contexto onde a solução de design será inserida? Como um novo projeto pode

melhorar a experiência do usuário atual? Ele será facilmente aprendido e

utilizado? Respostas a essas perguntas encontram-se na tomada de uma

perspectiva objetiva da experiência e da interação do usuário.

Equipes de projeto devem também acompanhar como se desenrola uma

experiência, e como ela está articulada. Que histórias de projetos são mencionadas

como memoráveis ou importantes? Que incidentes críticos vêm à luz? Qual a

linguagem que é usada para discutir as alterações em usuários e contextos de uso?

Que respostas emocionais acompanham essas mudanças? Respostas a essas

perguntas podem ser encontradas, a partir de uma perspectiva subjetiva à

experiência e à interação do usuário. Os conceitos nesse âmbito oferecem

maneiras de buscar significado na interação das pessoas com soluções de design,

estejam elas sozinhas ou na companhia de outras.

Para compreender a concepção da coexperiência, equipes devem considerar

todas as condições possíveis de colaboração ao redor, por meio de soluções de

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compartilhamento. Como os usuários colaboram fisicamente e virtualmente para

criar experiências e emoções compartilhadas? Quais são os possíveis resultados da

experiência na solução colaborativa? Respostas para essas perguntas são obtidas a

partir de uma visão subjetiva e objetiva para interação e experiências

colaborativas.

Forlizzi e Battarbee (2004) concluem sua pesquisa afirmando que uma

solução colaborativa influencia as experiências individuais, e oferecem também

uma compreensão das coexperiências, facilitando a interpretação do significado

de uma interação social. Esse processo precisa ser visual, enfático e

emocionalmente conduzido, para ser bem-sucedido.

Sistemas têm sido estudados no campo da interação homem-computador

desde o início dos anos 1980. A interatividade de artefatos é seu comportamento

experimentado por um usuário humano. Ou para ser mais preciso, é o potencial de

tais experiências. Sua interatividade é uma propriedade de um projeto, juntamente

com outras propriedades, como sua aparência visual (Svanaes, 2011).

Para Svanaes (2011), alguns autores da lógica formal e das ciências naturais

ajudam a compreender melhor o que é a interação, como ela é experimentada, e o

significado da interação do usuário.

Um computador pode ser visto como uma ferramenta para usuários, mas

uma máquina é transparente no uso, e a interação é, até certo ponto, invisível para

nós. Heidegger descreveria o interruptor de luz como uma ferramenta para

controlar a luz. Como parte da nossa vida cotidiana, somente quando o switch

para de funcionar, ou quando escolhemos conscientemente refletir sobre ele, que

ele emerge como um objeto.

Diria também que, para ser capaz de entender como uma interação é

significativa para um usuário específico, teríamos de entender o mundo daquele

usuário, ou seja, a história cultural e pessoal que serve como um quadro de

referência, e o contexto para cada experiência dessa pessoa.

Quando percebemos os objetos com os olhos, não é um processo passivo de

recepção de estímulos, mas um movimento ativo em busca de padrões familiares.

Esse ponto de vista está em total oposição à visão da área da interação humano-

computador, que considera a percepção como dados sendo recebidos

passivamente pelo cérebro. Para Merleau-Ponty (1962), não há nenhuma

percepção sem ação: percepção requer ação.

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Duas pessoas percebem a mesma pintura de maneira diferente. Merleau-

Ponty usa o campo fenomenal do termo para denotar o fundo pessoal de

experiências, formação e hábitos que moldam a maneira em que nós percebemos o

mundo:

• Percepção requer ação.

• Percepção é uma habilidade adquirida.

O mundo dos objetos é de maneira semelhante estendida para incluir

também o computador. Veja o uso do mouse para mover o cursor, não é

necessária uma representação mental de sua posição e seu significado. O ato de

clicar no botão faz parte do processo perceptivo de explorar suas possibilidades.

A experiência do usuário de um artefato é a soma de sua aparência visual, e

de seu comportamento interativo. O comportamento só pode ser vivido por meio

da interação, e requer um usuário ativo. Esses tipos de explorações da mídia

interativa podem ser estendidos em diferentes direções. Com possibilidades de

animação, som, algoritmos e comunicação por meio da Internet, é possível obter

uma suficiente complexidade para justificar uma nova profissão: o designer de

interação.

Ao projetar para interação, o designer deve considerar o corpo. Isso requer

um enfoque sobre a sensação corporal da utilização do produto. Ao assumir a

responsabilidade a respeito da sensação da experiência do usuário total, é

importante que a parte sensorial de produtos e serviços seja projetada de modo

que torne a experiência do usuário boa. O campo perceptual é pessoal. Diferentes

usuários podem expressar um comportamento interativo surpreendentemente de

maneiras diferentes, não é só porque eles interpretam e experimentam suas

interações de maneira diferente, mas também porque diferem em suas maneiras de

interagir.

Idealmente, são realizados ensaios, com tarefas reais, e em contextos reais.

Se isso não for possível, é preciso estar ciente da diferença entre o uso real e sua

configuração de teste, de possíveis alterações na experiência do usuário. Enquanto

aulas de desenho são excelentes para projetar a aparência, designers de interação

também devem considerar aulas de dança, drama ou arte marcial para desenvolver

sua sensibilidade para atividades interativas. Acertar ao projetar para movimentos

não é necessariamente suficiente para fazer produtos interativos bem-sucedidos.

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Segundo Donald Norman (2011), no design de interação todos os sentidos

estão envolvidos, não apenas o sentido visual. Hoje a interação é rica e vibrante.

Algumas dessas iniciativas podem ser conferidas em projetos voltados para a

interação com o público.

O artista canadense David Rokeby, em seu texto “Transforming Mirrors”,

por exemplo, encara a interface de um dispositivo de tecnologia como um

espelho, que reflete o ambiente ao seu redor: "To the degree that the technology

transforms our image in the act of reflection, it provides us with a sense of the

relation between this self and the experienced world" (Rokeby, 1996).

Para o pesquisador André Lemos, a cibercultura, baseada nas tecnologias de

princípio digital-interativo, proporciona um “revival” das interações sociais

tribais. Segundo o autor, o que mais importa, nos últimos tempos, é a interação

social por meio das novas tecnologias, que se transformaram num verdadeiro

instrumento de convívio. No meio das tecnologias digitais e do ciberespaço,

somos anjos da interatividade, imersos num temps d´illumination (Lemos, 1997).

O artigo de André Lemos foi escrito há mais de 10 anos, mas o sucesso das

redes sociais parece comprovar o pensamento do autor. A socialização via Web é,

de fato, uma realidade. As redes sociais refletem signos e valores de grupos

sociais, onde as pessoas se aproximam por afinidade de bagagem cultural, por

interesse em temas em comum, ao redor de comunidades virtuais, por atitudes

similares diante de determinados assuntos. Enfim, Google +, Facebook, Twitter

ou Orkut são plataformas sociais que reúnem pessoas reais, do mundo concreto.

O restaurante Dans Le Noir?, em Paris, citado pela professora Rejane Spitz,

em sua disciplina sobre Interatividade, na Pós-Graduação em Design da PUC-Rio

(2010), transforma um jantar, em um local inteiramente no escuro, numa

experiência extremamente enriquecedora. Audição, tato, olfato e paladar tornam-

se nossos sentidos máximos, em que a interatividade é plena, apesar de suprimida

a visão.

Segundo Löbach (2001), a função estética das soluções de design é um

aspecto psicológico da percepção sensorial durante o seu uso. O que significa que

é fundamental criar soluções que atendam às condições perceptivas e

multissensoriais do usuário, que atinjam todos os sentidos do homem. No

momento da compra, a decisão por um produto ou serviço acontece muitas vezes

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baseada em seu aspecto estético, pois o seu aspecto prático normalmente não

difere muito dos concorrentes.

Löbach ainda afirma que a estética é percebida pelo usuário em sua

totalidade, não nos detalhes. A estética está na forma, na aparência e provoca os

sentimentos de aceitação ou rejeição por parte do usuário.

Outra função, segundo Löbach, seria a simbólica, quando a espiritualidade

do homem é estimulada pela percepção dessa solução, ao estabelecer ligações

com suas experiências e sensações anteriores. O autor afirma que “a função

simbólica dos produtos é determinada por todos os aspectos espirituais, psíquicos

e sociais do uso”. A função simbólica deriva de aspectos estéticos (como cor,

forma, superfície) e permite ao homem se integrar a experiências do passado,

associando ideias. A identificação com o projeto por parte do usuário acontece de

maneira semelhante à experimentada via função estética, que é dependente da

função simbólica (e vice-versa).

Outro exemplo de projeto voltado para a interação com o público é o

Bystander, um ambiente multiusuário, imersivo, interativo, destinado à exibição

pública em museu ou galeria de arte, desenvolvido dentro de uma área chamada

design situations (figura 18). O Bystander foi concebido para investigar como

métodos, ferramentas e técnicas, desenvolvidos para apoiar abordagens

participativas dentro de ambientes tradicionais de design de computação, podem

ser concebidos de maneira relevante em relação à interação e à experiência do

usuário.

Precisamos entender o que é que nós realmente estamos projetando, quando

desenhamos os potenciais para a interação entre pessoas e tecnologias. Como

designers, é preciso saber projetar a "compreensão ou construção da situação". Ao

se criar a situação de uma determinada tecnologia interativa, projetamos os

recursos para os usuários agirem nessa situação, incluindo seus pontos de acesso

(Robertson e Loke, 2007).

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Figura 18 – Bystander exibindo imagens e

textos para o público (Robertson e Loke, 2007).

Mas a experiência não é um conceito restrito a ambientes de tecnologia. O

desenvolvimento de soluções de design para serviços também inclui o uso de

ferramentas, de acordo com as etapas de exploração, criação,

desenvolvimento/reflexão e implementação (figura 19).

Etapa 1 – Exploração

Customer Journey Map

Personas

Etapa 2 – Criação

Cenários

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Storyboard

Etapa 3 – Desenvolvimento/Reflexão

Prototipagem da experiência

Cocriação

Etapa 4 – Implementação

Storytelling

Blueprint

Figura 19 – Ferramentas utilizadas no design para serviços

(Stickdorn e Schneider, 2011).

Neste trabalho, duas ferramentas de desenvolvimento do design para

serviços, focadas na interação com o usuário, serão destacadas: a prototipagem da

experiência e o blueprint.

Outras ferramentas do design para serviços podem ser conferidas ainda no

site do Service Design Tools: http://www.servicedesigntools.org/ (Service Design

Tools, 2012).

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4.3.A prototipagem da experiência

Protótipos são representações de um projeto de design feitos antes da

fabricação dos artefatos. São relevantes tanto para fornecer informações para o

processo de criação, quanto para decisões de design. Variam de esboços a

diferentes tipos de modelos em vários níveis — “se parece com”, “se comporta

como” e “funciona como” — e são projetados para explorar e comunicar

proposições sobre o design e seu contexto (Buchenau e Suri, 2000).

Para projetar uma experiência, é preciso possuir a percepção de várias

qualidades sensoriais de um desenho ou modelo, interpretados por meio dos filtros

relacionados a fatores contextuais. Por exemplo, o que é a experiência de descer

uma montanha com um snowboard? Depende de diferentes fatores como:

qualidades de peso e material da prancha e das botas, condições de neve, clima,

terreno, temperatura do ar e seu nível de habilidade para o esporte, atual estado de

espírito, humor e de sua companhia.

A experiência de soluções de design, mesmo que simples, não existe no

vazio, mas, sim em relação dinâmica com outras pessoas, lugares e objetos. Além

disso, a qualidade das experiências das pessoas mudam ao longo do tempo, e são

influenciadas pelas variações desses vários fatores contextuais.

Buchenau e Suri (2000) identificam três tipos diferentes de atividades

dentro do processo de concepção e desenvolvimento, onde é valiosa a experiência

de prototipagem:

• Compreensão de experiências do usuário e do contexto.

• Exploração e avaliação de ideias de design.

• Comunicação de ideias para uma plateia.

A prototipagem da experiência é aplicada para demonstrar o contexto,

identificar problemas e oportunidades de design. Uma maneira de explorar isso é

por meio de uma experiência direta — o objetivo de prototipagem é alcançar uma

simulação de alta fidelidade de uma experiência existente, que não pode ser

experimentada diretamente, porque é insegura, indisponível, custa caro etc.

As perguntas a serem feitas nesse estágio são: que fatores contextuais,

físicos, temporais, sensoriais e cognitivos devemos considerar para dar início à

criação? O que é a essência da experiência do usuário? Quais são os fatores

essenciais para preservar o design? Alguns projetos desenvolvidos pela equipe de

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Buchenau e Suri, no estúdio IDEO, em São Francisco, são um bom exemplo

disso, como a seguir.

Produzir um protótipo é uma maneira informativa para designers

explorarem quais seriam as experiências para uma determinada pessoa, num

contexto específico, por meio da improvisação dramática. Neste exemplo, há uma

investigação sobre as necessidades de passageiros para um novo serviço de

transporte ferroviário, com um grupo de designers que utilizou técnicas de

atuação, bodystorming e improvisação para obter insights mais profundos.

Um ator profissional, familiarizado com técnicas de improvisação, atuou

como moderador-supervisor. Ele forneceu instruções como: “comprar um bilhete

de regresso para você e uma criança”, enquanto outro designer desempenhou o

papel de uma máquina de venda de bilhetes. Outras instruções envolviam

diferentes condições: “agora faça isso com luvas”, “é escuro e venta”, “a máquina

aceita apenas moedas, não notas” e “a bilheteira automática é muito útil e

amigável”.

Pausas para discussão de cada cena permitiram o aprendizado, que pode ser

capturado imediatamente após o improviso. Essas quebras são um momento de

reflexão do grupo, e gerações de ideias que estimulam quem realmente participa

ou testemunha a cena. As quebras fornecem uma oportunidade de apreciar as

questões envolvidas pela geração da ideia inicial. No bodystorming — debate que

ocorre durante, ou entre cenas, em resposta a problemas que são descobertos —

muitas ideias são verbalmente expressas, outras são demonstradas fisicamente, e

vêm espontaneamente por meio da interação entre elementos do projeto proposto,

ou stand-ins rapidamente improvisados.

Neste exemplo, a improvisação da interação com a máquina de bilhetes

sugere um apoio para uma bolsa ou uma bagagem, ou uma mudança radical de

aparência, indicando que ela está fora de serviço. A natureza física dinâmica do

evento estimula uma resposta adequada no local.

Em uma segunda peça de investigação para o mesmo projeto, a equipe de

design participou de uma viagem, com o intuito de facilitar a exploração de

situações incomuns, a fim de perceber outras experiências dos passageiros e, com

isso, acharam útil desenvolver e atribuir tarefas específicas a cada um deles. Eles

forneceram outros cartões para ler, como por exemplo: “finja que você não fala

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inglês”, “estou com fome, encontre algo para comer” e “seja simpático e converse

com o pessoal de bordo”.

Esse exercício preenche a lacuna entre experiências reais e o protótipo. Em

um cenário real, com pessoas reais, mas de comportamentos, sentimentos

desempenho e atuação diversos, os designers encontram uma configuração real

que lhes permite observar o desempenho do projeto como um todo.

Fornece ainda uma lente adicional útil para observar e viver experiências

dos passageiros no contexto de suas próprias viagens. No entanto, a ideia-chave

em ambos os experimentos, com as simulações descritas nos dois primeiros

exemplos, é fazer com que os designers observem suas próprias descobertas, em

um nível de significância pessoal que torne fácil entendê-las, tanto do ponto de

vista da equipe de designers, quanto dos usuários. A vivacidade dessa experiência

cria uma realidade subjetiva, com memórias que influenciam e orientam escolhas

e decisões, em todas as fases do processo de concepção e do desenvolvimento dos

projetos.

Os mesmos conceitos se aplicam em explorar ideias em uma escala

completamente diferente, como criar uma experiência de usuário definida em um

ambiente público. Esse exemplo envolve a exploração de ideias para o layout do

interior e de componentes de um avião. A equipe de design realiza uma variedade

de explorações bodystorming dentro de um local de grande escala, simulando o

interior da aeronave.

Usando móveis, como cadeiras, prontamente disponíveis no estúdio, a

equipe simulou diversas situações sociais e atividades, como sentar e ler, dormir e

conversar com um companheiro de viagem, receber e comer refeições, para

avaliar o conforto ergonômico e psicológico em arranjos diferentes.

Parte do processo de exploração do projeto consiste também em verificar as

ideias com usuários potenciais. Por exemplo, no projeto Maypole, a meta era criar

um protótipo de um comunicador de imagens para crianças. Esses testes também

envolvem condições que não são típicas da situação de utilização final, por

exemplo, elas frequentemente incluem estranhos (como observadores, quando

algumas funções precisam ser simuladas para cada pessoa). Isso torna possível

responder perguntas como: o que os usuários sentem quando usam o sistema que

está sendo criado? Ele mudará a forma como as pessoas se comportam ou pensam

em uma atividade? É adequado para elas, em seu próprio contexto?

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O protótipo realiza uma verdadeira experiência para os usuários —

proporcionando um acontecimento realmente relevante — que exige um grau de

resolução e funcionalidade condizente com o contexto cotidiano, e plenamente

integrado à vida das pessoas. Para o projeto Maypole, a Nokia construiu sets de

trabalho com comunicadores de imagem, que a equipe de design foi capaz de

distribuir para as crianças, que poderiam levá-los embora, e brincar com eles por

dias, sem supervisão (figura 20).

Para esses protótipos, as crianças precisavam carregar uma mochila, com

um transceptor e uma bateria, mas a experiência de ser capaz de tirar fotos, enviá-

las e recebê-las entre amigos provou ser tão atraente, que os usuários quase

esqueceram que carregar uma mochila era uma tarefa inconveniente.

Figura 20 – Maypole, comunicadores de imagens para crianças (Buchenau e Suri, 2000).

Como um observador das avaliações das experiências dos usuários, sabe-se

muito rapidamente se a experiência projetada é boa. E quando isso acontece, os

envolvidos se entregam às atividades propostas, e não atentam para as limitações

do protótipo.

4.4. Blueprint: a experiência em pontos de contato

A experiência em design para serviços convida também designers a dar

nova forma a comportamentos – de pessoas, sistemas e organizações. Sua prática

exige um elevado nível de “pensamento de sistema”: capacidade de considerar um

problema como um todo, em vez de reduzi-lo, compreender relações, bem como

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componentes, e sintetizar conjuntos complexos de informações e restrições (Burns

et al., 2006).

O foco em interações, no design para serviços, tem sido considerá-las dentro

e entre organizações, trabalhando em sistemas e redes, enquanto designers

abordam cada vez mais questões da mudança organizacional e comportamental

(Sangiorgi, 2009) (figura 21). Nesta evolução, o design para serviços ganhou

maior credibilidade, refletindo as qualidades emergentes e interdisciplinares da

disciplina (Meroni e Sangiorgi, 2011).

Figura 21– A evolução do design para serviços no século 21 (Sangiorgi, 2009).

Novas ideias são muitas vezes geradas por meio da interação com os

usuários (inovação direcionada para o usuário), e por meio da aplicação de

conhecimentos tácitos e de treinamento (figura 22). Além disso, a inovação tem

sido utilizada para enfrentar os desafios da nossa sociedade, e como um

catalisador da mudança social e econômica (Comissão Europeia, 2009).

Figura 22– A relação entre “interação e design de experiência” (“como?”) e “design para

sustentabilidade e sistema produto-serviço” (“o quê?”) (Sangiorgi, 2009).

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A condição central para práticas transformadoras é a compreensão dos

cidadãos como "agentes", e seu papel ativo na criação de bem-estar. A proposta é

um modelo participativo, em que muitos dos usuários de um serviço tornam-se

seus criadores e produtores, trabalhando em parceria.

Outro modelo dentro da área participativa é o design de serviços baseado

em qualidades relacionais. Neste caso, os serviços são desenvolvidos a partir de

relações interpessoais, e envolvem princípios como intimidade e confiança.

“Relação” é a palavra-chave, ela indica que as pessoas têm que ser percebidas

mais como “presença”, e menos como papéis que desempenham no sistema do

serviço. A hospedagem de estudantes, em casas de moradores de terceira idade,

pode ser um exemplo prático do desenvolvimento desse tipo de serviço (Cipolla,

2009).

O conceito de criação de plataformas também é parte da linguagem de

transformação do design para serviços. Quando os participantes do projeto

tornam-se cocriadores, não há entidades fixas e sequências de ações, permitindo

maior flexibilidade e adaptação. Plataformas compostas por ferramentas

delineiam as condições de determinadas práticas e de comportamentos, que

emergem (Sangiorgi, 2011).

Os customer journey maps são utilizados, por exemplo, como ferramenta

para descrever os pontos de contato com os usuários para determinados eventos,

como os Jogos Olímpicos de Londres (figura 23). A trajetória do serviço permite

visualizar o que se chama de “experiência do usuário”, e o passo a passo entre as

diferentes etapas.

Figure 23 – Customer journey map para os Jogos Olímpicos de Londres

(Customer Champions, 2012).

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Já o blueprint é uma representação gráfica com maior detalhamento, que

descreve o fluxo de serviço de acordo com cinco áreas principais:

1) Ações do cliente.

2) Pontos de contato no palco (ações de clientes e funcionários).

3) Pontos de contato nos bastidores (ações de funcionários).

4) Processos de suporte.

5) Evidências físicas.

No esquema gráfico do blueprint (figura 24), há ainda quatro linhas de

divisão de tarefas:

1) Linha de interação: separa a interação do cliente e do fornecedor.

2) Linha de visibilidade: mostra o que os clientes veem.

3) Linha de interação interna: separa os recursos que serão visíveis e os

de bastidores.

4) Área de processamento: reúne as atividades de planejamento,

gerenciamento, controle e apoio de atividades.

Figura 24 – Blueprint para clínica médica (Fließ e Kleinaltenkamp, 2004).

Assim como nos customer journey maps, no blueprint é possível projetar

“momentos da verdade”, por meio de representações dos pontos de contato,

permitindo a investigação da experiência do usuário. Decisões sobre a tradicional

divisão entre operações visíveis e de bastidores podem ser examinadas à luz da

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experiência do cliente (Wild, 2009).

Porém, Pelle Ehn, refletindo sobre a evolução das práticas de design

participativo, sugere que ao invés do foco estar posicionado nos usuários durante

o processo de projeto de design, ele deve ser reposicionado para cada momento de

uso, como uma situação potencial de projeto. Então há design durante o projeto,

“em tempo de projeto”, mas também existe design em uso, “em tempo de uso”

(Ehn, 2008).

Jensen e Morelli (2011) sugerem ainda que há uma lacuna na análise que

explora sistemas de serviços, que o autor chama de “Pontos de Contato Críticos”

(PCCs). Ele ilustra a utilidade da noção de PCCs no campo do design para

serviços, e nos espaços de trânsito da rede contemporânea da cidade.

Os PCCs são locais da diferença, de fricção física e interação, e podem

oferecer um “excedente de significado”. Para compreender esses pontos críticos é

preciso ver a vida cotidiana como uma atividade culturalmente importante. Os

PCCs são um potencial para a criação de mais experiências, interações e serviços

para os usuários. Ao se considerar uma estação de metrô como uma rede de PCCs,

produzindo e reproduzindo a vida cotidiana urbana, é possível avaliar valores que

podem ser atribuídos a projetos de design.

A inserção dos PCCs é relevante em relação ao seu contexto geográfico,

porque serviços geralmente envolvem a participação direta dos usuários e,

portanto, a ativação do conhecimento codificado ou tácito, incorporado ao

contexto local (relações sociais, habilidades e experiências).

Assim como no urbanismo, o design para serviços também pode utilizar a

análise dos PCCs, a partir de três dimensões principais:

1. Envolvimento do usuário (passivo ou ativo, assistido ou independente).

2. Transmissão de conhecimento (vertical ou horizontal, codificada ou tácita).

3. Distribuição do sistema de serviço (centralizado ou distribuído, local ou

global).

A aplicação do contexto em relação a essas dimensões exige o uso de

ferramentas tais como:

1. Customer journey map (o detalhamento da experiência do usuário, ao entrar

em contato com o serviço).

2. Mapeamento de atores (definição de atores e seu papel no serviço).

3. Plataformas de serviço (estabelecimento de uma unidade modular, e das

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funções e habilidades de um serviço).

4. Cenários (definição das diferenças formas de uso de um serviço, e das

diversas respostas que um sistema pode fornecer aos diferentes casos de

uso).

Essas ferramentas fornecem diversas descrições dos PCCs, e enfatizam

diferentes "pontos de vista". A natureza desses pontos, gerada por essa

abordagem, é imaterial, e bastante incorporada ao contexto sociocultural local.

Considerando os pontos de contato, esta tese procura também ressaltar a interação

entre usuários e soluções de design, e explorar com maior profundidade potenciais

experiências em projetos de inovação social, inicialmente utilizando uma

metodologia para investigar essas interações em projetos já existentes, com o

objetivo de propor recomendações para soluções futuras.

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