27

4.centrocultural.sp.gov.br/site/wp-content/uploads/2017/08/CCSP... · musicista de formação, uma promessa do piano que perdera a confiança nas próprias ... Bandeira, A. F. Schmidt,

Embed Size (px)

Citation preview

5

4.

18.22.

24.28.

46.

8.oS DoIS ANDRADES antOniO candidO

A AmIzADE Voltou cadãO VOlpatO

ADEuS, AmIGo carta de MáriO a tarsila

o moDERNISmo DANçou depOiMentO de Marília de andrade

CuRADoRIAS

AGENDA

lINhA Do tEmpo

Prefeitura de São Paulo João DóriaSecretaria de Cultura André Sturm

Centro Cultural São Paulo | Direção Geral Cadão Volpato Supervisão de Acervo Eduardo Navarro Niero Filho e equipe Supervisão de Ação Cultural Adriane Bertini e equipe Supervisão de Bibliotecas Juliana Lazarim e equipe Supervisão de Informação Juliene Codognotto e equipe Supervisão de Produção Luciana Mantovani e equipe Coordenação Administrativa Everton Alves de Souza e equipe Coordenação de Projetos Kelly Santiago e Walter Tadeu Hardt de Siqueira

Semana MáriOswald – 100 anos de uma amizade

Programação | Coordenação Cadão Volpato Ação Educativa Adriane Bertini Artes Visuais Maria Adelaide Pontes e Cláudia Afonso (arquiteta de exposições) Cinema Célio Franceschet Dança Andrea Thomioka Literatura Deise Getúlia de Melo Música Alexandre Matias Teatro Adulto Kil Abreu Teatro Infantojuvenil Lizette Negreiros

Comunicação | Coordenação Juliene Codognotto Projeto gráfico Yeda Gonçalves e Yzadora Takano Catálogo | Edição Ronaldo Bressane Revisão Paulo Vinício de Brito Edição de imagens Sosso Parma Ilustração da capa Rodrigo Taguchi

76

A AmizAde voltou

O Centro Cultural São Paulo resolveu se debruçar sobre uma das mais célebres histórias de amizade da literatura

brasileira. A história dos dois Andrades (que não eram irmãos), Mário e Oswald. É também um conto de ruptura, talvez a mais barulhenta de todas. Mário (1893-1945) e Oswald (1890-1954) se conheceram em 1917, há exatos cem anos. A admiração inicial foi mútua, talvez porque fossem diferentes em tudo, muitas vezes opostos, e por isso se completavam. Ambos formaram o motor inaugural da famosa Semana de Arte Moderna, que sacudiu a então provinciana São Paulo em fevereiro de 1922. O acontecimento em si não foi exatamente um terremoto, mas a cidade e, por consequência, o País ainda eram tão acanhados em relação às metrópoles do mundo que qualquer sacudidela um pouco mais forte balançaria a ordem das coisas. No centro de tudo, estavam esses dois amigos de personalidades opostas.

De um lado, um Mário quase institucional, musicista de formação, uma promessa do piano que perdera a confiança nas próprias habilidades depois da morte de um irmão, em consequência dos ferimentos sofridos numa provavelmente selvagem partida de futebol. Um homem de enormes conhecimentos, poeta relutante no começo, romancista de talento e modernista de primeira hora, ainda que tivesse um caráter mais reservado. Do outro, um Oswald mais afeito às vanguardas internacionais, com um senso de humor próximo dos dadaístas, um espírito viajante e uma curiosidade sem fim. Mário, alto e calvo, óculos redondos, nascido na classe média. Oswald, mais atarracado e gorducho, olhos azuis com grande poder de fogo, família de posses, dona de quase todo o bairro Cerqueira César, em São Paulo, herança que, aliás, ele tratou de queimar ao longo dos anos. Em tudo diferentes, eles eram complementares.

cadão Volpato

Fotografia do Grupo da Semana de 22Da esquerda para a direita e de cima para baixo: de pé: o jornalista italiano Francesco pettinati, um anônimo, René thiollier, manuel Bandeira, A. F. Schmidt, paulo prado, Graça Aranha, manoel Vilaboim, Goffredo da Silva telles, Couto de Barros, mário de Andrade, Cândido motta Filho; sentados: Rubens Borba de moraes, luís Aranha, tácito de Almeida, oswald de Andrade. Álbum de fotos de tarsila do Amaral - Coleção thais Amaral perroy/ São paulo

os gêmeos opostos e complementares que moldaram a cultura destes cem anos

98

Do Cadillac ao ataque

É possível dizer que as diatribes de Oswald impulsionaram o diabo que dormia dentro de Mário: e assim nasceu a Semana de Arte Moderna, bem como dois dos caminhos mais imprescindíveis da cultura brasileira. Porque era do Brasil que esse movimento falava por trás de todo o barulho. Era um país que existia timidamente nos livros. Ou melhor, que existia à francesa, só para citar a grande influência dos literatos daquele tempo, um tempo de gestos beletristas, de parnasianismos desproporcionais e poesia fora do compasso. Mário e Oswald, com seus poemas, trouxeram o mundo para São Paulo, acertaram o relógio da modernidade e, mal ou bem, divertiram-se a valer. Um dos retratos da época, feito por Anita Malfatti, mostra um Oswald dormindo no tapete, enquanto Mário, de costas, está tocando piano. Tudo no ambiente é puro deleite, ócio, alegria, sono e despreocupação.

Essa convivência harmoniosa no núcleo duro dos modernistas, que pode ser restrito a Mário, Oswald, Menotti del Picchia, Anita Malfatti e Tarsila do Amaral, durou até 1929. Até então, Mário se referia, nas cartas (e como ele escrevia cartas!), ao casal Tarsiwald. Oswald e Tarsila formaram um casal modelo de artistas e boêmios cheios de dinheiro. Oswald era dono de um lendário Cadillac verde em que levava todo mundo de cima a baixo, curtindo a vida adoidado. Mário era um carona frequente. Isso até 1929, quando Oswald, que perdia o amigo, mas não perdia a piada, gracejou com Mário de forma tão virulenta que os dois nunca mais se falaram. A piada teria a ver com a sexualidade de Mário – assunto tão tabu que até hoje temos dificuldade de comentá-lo. Naquele tempo, ser homossexual era carga pesada, poderia acabar com uma vida, destruir uma carreira. Em casos extremos, como na Inglaterra de Oscar Wilde, terminava na cadeia. No caso de Mário, funcionário público respeitado, a piada de Oswald ameaçava comprometer seu futuro (e Mário seria, de fato, um trabalhador da Cultura de alto nível).

A amizade se desfez de forma categórica. Vale a pena ler o notável relato de Antonio Candido, contido neste catálogo, a respeito das tentativas histriônicas de reaproximação de Oswald, e também das reações discretas de Mário, que, no final das contas, respeitava o amigo. Os dois, no entanto, nunca refizeram aquela amizade fulgurante dos anos 1920. Candido descreve a forma dolorosa como Oswald recebeu a notícia da morte do amigo. Mário morreu num domingo à noite e foi enterrado na tarde do dia seguinte. Oswald soube da morte apenas na terça-feira. Mas nunca se esqueceu, nos anos seguintes, de falar bem do amigo.

Nossa ideia com a Semana MáriOswald: 100 anos de uma amizade é falar de tudo isso, da amizade e da ruptura, mas também dos caminhos espantosos abertos por esses artistas tão diferentes. Aliás, seriam tão diferentes assim? Quanto há de Oswald em Macunaíma, o grande romance de Mário? Quanto haveria de Mário em tudo que Oswald escreveu? Ele, o piadista imortal que procurou a seriedade intelectual da filosofia e o respeito acadêmico no fim da vida.

E vamos falar de tudo isso no espaço mais democrático da cidade. Aqui se reaproximam os pensamentos dos dois Andrades. Aqui também eles se distanciam, cada um seguindo o seu próprio caminho de influências. De Macunaíma a Rei da Vela, do pensamento sobre a cultura brasileira e das cartas fenomenais de Mário à Antropofagia proposta por Oswald e desaguada no Tropicalismo: temos de tudo um pouco. E partimos daquilo que temos em nosso incrível acervo de arte. Da máscara mortuária de Mário ao incrível retrato que Flávio de Carvalho fez do autor. Dos desenhos originais de Tarsila do Amaral para o Pau Brasil, o livro de poesia que Oswald publicou nos anos 1920 e que reaparece nas Poesias Completas que a Companhia das Letras acaba de relançar, trazendo de volta o escritor injustiçado como piadista. Tudo isso está de volta neste evento que mobiliza todo o CCSP. De José Miguel Wisnik a Tom Zé, passando por Ronaldo Fraga, Marília de Andrade, autores influenciados, filmes e peças, os dois grandes Andrades estão de novo no centro nervoso da cultura de São Paulo.

Cem anos depois, a amizade que uniu MáriOswald está de volta.

Cartaz do filme Macunaíma, 1969direção: Joaquim pedro de Andrade

J SCuottoMáscara mortuária de Mário de Andrade, 1945gesso17 x 2,3 x 27,4 cmColeção de Arte da Cidade/ CCSp

Escultura que integra a exposição márioswald

1. 2. 3.

3.

2.

1.

“Nossa ideia com a Semana MáriOswald: 100 anos de uma amizade é falar de tudo isso, da amizade e da ruptura, mas também dos caminhos espantosos abertos por esses artistas tão diferentes”

tARSIlA Do AmARAlPinheiros, 1925nanquim sobre papel17,9 x 25,5 cm Coleção de Arte da Cidade/ CCSp

Ilustração de tarsila do Amaral para o livro pau Brasil, de oswald de Andrade. o desenho original integra a exposição márioswald

Cadão Volpato é diretor do CCSP

1110

1890

1928

1917

1935

1893

1929

1922

1945

1909

1933

1925

1954

Nasce oswald de Andrade, em São paulo, no dia 11

de janeiro

Nasce mário de Andrade, em São

paulo, no dia 9 de outubro

oswald inicia sua vida no jornalismo no Diário

popular. Em 1912 viaja à Europa, onde conhece a

jovem dançarina Carmen lydia (helena Carmen

hosbale), que oswald batiza como landa Kosbach, no

Duomo de milão, e que mais tarde seria professora de

dança de sua filha

encontromário e oswald se conhecem e participam do primeiro grupo modernista com Guilherme

de Almeida, Ribeiro Couto e Di Cavalcanti

pianista prodígio, mário forma-se no Conservatório Dramático

e musical de Sp. Começa a escrever crítica de arte e publica

o primeiro livro de poesia, há uma gota de sangue em cada

poema. Em 1921 é aclamado por oswald de Andrade no polêmico artigo “o meu poeta futurista”.

oswald defende a pintora Anita malfatti das críticas violentas de

monteiro lobato

Modernismo: mário e oswald participam da Semana de Arte

moderna no teatro municipal de São paulo. Integram o grupo dos cinco com oswald, Anita malfatti,

tarsila do Amaral e menotti del picchia. É editada a Revista Klaxon, que circulou entre maio

de 1922 e janeiro de 1923

oswald lança memórias Sentimentais de João

miramar e publica em paris o livro de poemas pau

Brasil. oficializa o noivado com tarsila do Amaral, com

quem se casa em 1926, em cerimônia oficiada pelo

presidente Washington luís. Desencadeia os movimentos

pau-Brasil (1925) e Antropofagia (1928)

mário de Andrade publica macunaíma,

considerado por oswald uma obra-prima

rupturA mário rompe

definitivamente a amizade com oswald.

oswald também separa-se de tarsila do Amaral e briga com o poeta e mecenas paulo prado

oswald publica Serafim ponte Grande.

mário escreve a manuel Bandeira que odiava

oswald tão “friamente”, tão “organizadamente”, que não lhe ofereceria

“um pau à mão, pra que ele se salvasse de

afogar”

morre mário de Andrade, em São paulo, no dia 25 de fevereiro. É enterrado no Cemitério da Consolação

(rua 17, terreno 1)

mário funda o Departamento municipal de Cultural de

São paulo, hoje Secretaria municipal de Cultura de São paulo; em 1942, ao lado de

outros intelectuais – entre eles oswald – , funda a Associação Brasileira de Escritores, que luta pela redemocratização

do país

morre oswald de Andrade, em São paulo, no dia 22 de outubro. Seu corpo

está a poucas quadras do corpo do amigo, no mesmo Cemitério da Consolação

(rua 17, terreno 17)linha dO teMpO

1312

a MeditaçãO sObre O tietê Mário de Andrade

Água do meu tietê, Onde me queres levar?- Rio que entras pela terra

E que me afastas do mar...É noite. E tudo é noite. Debaixo do arco admirável

Da Ponte das Bandeiras o riomurmura num banzeiro de água pesada e oliosa.

É noite e tudo é noite. uma ronda de sombras,Soturnas sombras, enchem de noite de tão vasta

O peito do rio, que é como si a noite fosse água,Água noturna, noite líquida, afogando de apreensõesAs altas torres do meu coração exausto. De repente

O ólio das águas recolhe em cheio luzes trêmulas,É um susto. E num momento o rio

Esplende em luzes inumeráveis, lares, palácios e ruas,Ruas, ruas, por onde os dinossauros caxingam

Agora, arranha-céus valentes donde saltamos bichos blau e os punidores gatos verdes,

Em cânticos, em prazeres, em trabalhos e fábricas,luzes e glória. É a cidade... É a emaranhada forma

humana corrupta da vida que muge e se aplaude.

E se aclama e se falsifica e se esconde. E deslumbra.Mas é um momento só. Logo o rio escurece de novo,

Está negro. As águas oliosas e pesadas se aplacamNum gemido. Flor. tristeza que timbra um caminho de morte.

É noite. E tudo é noite. E o meu coração devastadoÉ um rumor de germes insalubres pela noite insone e humana.

Meu rio, meu Tietê, onde me levas?Sarcástico rio que contradizes o curso das águas

E te afastas do mar e te adentras na terra dos homens,onde me queres levar?...

por que me proíbes assim praias e mar, por que

Me impedes a fama das tempestades do AtlânticoE os lindos versos que falam em partir e nunca mais voltar?

Rio que fazes terra, húmus da terra, bicho da terra,

Me induzindo com a tua insistência turrona paulista

para as tempestades humanas da vida, rio, meu rio!...

VáriOs Oswald de Andrade

relicáriO

No baile da CorteFoi o conde d'eu quem dissepra Dona BenvindaQue farinha de Suruípinga de paratiFumo de Baependi

É comê bebê pitá e caí

3 de MaiOAprendi com meu filho de dez anos

Que a poesia é a descobertadas coisas que eu nunca vi

ditiraMbOmeu amor me ensinou a ser simplesComo um largo de igrejaonde não há nem um sino

nem um lápisNem uma sensualidade

escapuláriO

No Pão de AçúcarDe Cada Diadai-nos SenhorA poesia

de cada dia

aMOr

Humor

1514

obras que integram a mostra

Revista Klaxon, nº 1Capa e páginas internas do primeiro número da revista

modernista, que integra a exposição márioswald. A

revista circulou entre maio de 1922 e janeiro de 1923

Revista de Antropofagia, 1928 - 1929Reedição da revista literária publicada em São pauloCapa e páginas internas da Revista de Antropofagia, incluindo publicação do manifesto Antropófago. materiais integram a exposição márioswald

eXpOsiçãO MáriOsWald

1716

BENEDIto JuNQuEIRA (JB) DuARtE Mário de Andrade, 1935/36Dph/SmC

BRuNo GIoRGIMário de Andrade, 1945 gesso39 x 23,5 x 31 cm

SEm AutoRIAFoto da chegada da equipe no caminhão, 1938Equipe da expedição: luiz Saia, martin Braunwieser, Benedito pacheco e Antônio ladeiraAcervo histórico da Discoteca oneyda Alvarenga (missão de pesquisas Folclóricas)

luIz SAIAApreensão de objetos religiosos em delegacia de Pernambuco, 1938Acervo histórico da Discoteca oneyda Alvarenga (missão de pesquisas Folclóricas)

1918

tARSIlA Do AmARAlOswald de Andrade, 1923

grafite sobre papel15 X 9,9 cm

tARSIlA Do AmARAlPão de açúcar, 1925

nanquim sobre papel15,5 x 22,6 cm

Coleção de Arte da Cidade/ CCSpIlustração para o livro pau Brasil,

de oswald de Andrade.

DECIo pIGNAtARIOswald psicografado por Signatari

Desenho da Revista Código, n. 6, 1981

Arquivo Digital Décio pignatari - Arquivo multimeios/ CCSp

SEm AutoRIAOswald de Andrade, 1954Arquivo Digital Décio pignatari - Arquivo multimeios/CCSp

2120

oS doiS AndrAdeS

Um fato comentado naquele tempo era a briga entre Mário e Oswald de Andrade, ocorrida, se não me enga-

no, por volta de 1929, depois de escaramuças anteriores. Nunca mais fizeram as pazes, embora tivessem antes sido o maior amigo

um do outro, desde o momento em que Oswald descobriu literariamen-te Mário (que conhecia desde 1917) e viu nele a realização do que aspirava em matéria de reforma, como deixou patente no famoso artigo O meu poeta futurista (1921). Por que mo-

tivo brigaram, nunca perguntei nem eles me disseram. Sei que houve uma ruptura maior, ficando de um lado Mário, Paulo Prado, Antônio de Alcântara Machado; de outro, Oswald, Raul Bopp.

Sendo desprovido de rancor e esquecendo facilmente as birras, é natural que Oswald tivesse vontade de se reconciliar com o antigo amigo, o que esboçou mais de uma vez por intermédio de terceiros. A esse propósito vale mencionar uma cena rara, única, de que tenho notícia: o encontro dos dois, que presenciei, creio que pela altura de 1943.

Tratava-se de organizar em São Paulo a ABDE (Associação Brasileira de Escritores), cujo núcleo central já estava funcionando no Rio e que representou a arregimentação de intelectuais para o combate ao Estado Novo, culminando no I Congresso Brasileiro de Escritores, realizado em São Paulo no mês de janeiro de 1945, e primeira manifestação pública naquele sentido.

Havia uma pequena reunião no escritório do Plínio Mello, na Rua João Bricola, que depois se tornou por muitos anos a sede da seção paulistana. Dos presentes, lembro-me de Mário de Andrade, Sérgio Milliet, Mário Neme, Abguar Bastos; mas havia alguns outros. De repente entrou Oswald, todo de branco, e, ao ver quem estava ali, deu um vago bom-dia geral, enquanto Mário ficava impassível.

Começou então a informar sobre as suas gestões no Rio, de onde acabava de chegar trazendo mensagens e novidades. Todos lá estavam entusiasmados. Octávio Tarquínio era o presidente. Urgia nos organizarmos em São Paulo, em cuja seção toda a gente achava que o presidente deveria ser o Mário, “opinião com que estou inteiramente de acordo”, ajuntou. A troca de ideias se generalizou e dali a pouco Mário tomou a palavra, falando também em geral e para todos, finalizando mais ou menos assim:

“Quanto à ideia apresentada aqui que eu devo ser o presidente, quero dizer que não concordo e não aceito”. Oswald, tornando a falar, intercalou uma resposta no mesmo tom, insistindo no caso. E por aí foram mais um pouco, nessa conversa indireta, como se o outro não estivesse presente, quando a certa altura Oswald soltou uma daquelas suas extraordinárias piadas e nós nos pusemos a rir. Mário tentou manter seriedade e ficar de fora; retesou o corpo, tremeu a boca, não aguentou e desandou também num riso amarrado, mas sacudido e intenso. Oswald, que ao fazer a piada olhara para ele como quem observa o efeito de um golpe calculado, manifestou o maior prazer, rindo com extraordinária jovialidade. E encontrando Paulo Emilio mais tarde, disse-lhe que as coisas estavam melhorando...

A convivência dos dois foi íntima no decênio de 1920; não espanta que tivessem ideias comuns, pensando as mesmas coisas ao mesmo tempo, como se pode ler nas cartas de Mário a Manuel Bandeira. Mas, além das afinidades notórias e das coincidências, é provável que a influência inicial de Oswald (mais ousado, mais viajado, mais aberto) haja sido decisiva para levar Mário, tímido e provinciano, ao mergulho no Modernismo. E Oswald tinha razão quando via uma manifestação (antecipada) da Antropofagia em Macunaíma, que admirava fervorosamente e que salva, como o Cura aos Amadises, na queima geral do prefácio de Serafim Ponte Grande.

Chatoboys (1944) Fotografia de alguns dos integrantes da revista Clima, na praça da República. o grupo era chamado por oswald de Andrade de Chatoboys. Antonio Candido ao centro, rodeado por (da esq. para a dir.) Décio de Almeida prado, paulo Emílio Salles Gomes, Gustavo Nonnenberg, lourival Gomes machado e José portinari

Afinal, o que atava e desatava mário e oswald?

Antonio Candido

Macunaíma (1928) e Serafim Ponte Grande (1933)

Capas de duas das obras mais importantes de mário e oswald

e do modernismo brasileiro

2322

Muitos pensam que Mário recolheu no seu herói alguma coisa do pitoresco e da irreverência de Oswald, sendo certo que pelo menos um traço pode ser documentado, com apoio num caso que Mário contou a Sérgio Buarque de Hollanda, de quem o ouvi mais ou menos da seguinte forma:

Nos anos de 1920, Oswald encontrou Villa-Lobos na Europa e ficou surpreso com a deficiência da sua cultura, que o levava a confundir Julens Romains com Romain Rolland e coisas assim. De volta, falou disto no salão de dona Olívia Guedes Penteado, dizendo que o grande compositor nos comprometia lá fora. E entrando pela exageração que o tomava quando estava em veia polêmica, terminou afirmando que ele nem música sabia e era um ignorantão instintivo. Como alegassem que não tinha autoridade para dizer isto, retrucou mais ou menos: “Não sou eu quem diz. O Mário, que entende, falou que o Villa não sabe harmonia nem contraponto.” As pessoas estranharam, lembrando que Mário dissera sempre o contrário. Oswald então foi mais longe e explicou: “Isto é porque não tem intimidade com vocês. A mim ele diz a verdade”.

Diante disso a discussão morreu; mas um dos presentes não se conformou e telefonou a Mário, censurando a sua dubiedade: como é que pensava uma coisa e dizia outra? Ele protestou, o interlocutor deu os pormenores, ele ficou danado. Saiu então à busca de Oswald e, encontrando-o, por coincidência, na Rua Quinze, chamou-o às falas. Mas o amigo o desarmou, retrucando simplesmente, com a limpidez risonha de seu olhar azul: “Eu menti!”

Agora, a transposição. Como todos lembram, Macunaíma se gaba de ter caçado dois veados na Feira do Arouche, mas os irmãos chegam e desmentem, informando que tinham sido dois ratos. Os ouvintes caçoam dele, a dona da pensão o censura, tomando satisfações pela invencionice, e ele desarma toda gente, dizendo com a maior candura: “Eu menti!”

Contava-se que Oswald fazia sobre o antigo amigo piadas terríveis e divertidas, que corriam mundo. Mas eu só ouvi falar dele no plano intelectual, com discrição e naturalidade, talvez porque o tempo da viru- lência tivesse passado quando estreitamos redações.Lamento não ter anotado as coisas que me disse, pois esqueci a maior parte e a memória vai deformando o resto.

Do seu lado, Mário nunca falava de Oswald e dizia não ter lido nada do que este escrevera depois da briga. Certa vez alguém lhe perguntou por que motivo fizera as pazes com determinado escritor e não as fazia com ele. Resposta: “É que fulano eu não respeito, e Oswald eu respeito. Quando eu estava preparando o artigo sobre a expectativa de Mário de Marco zero, disse a Mário que A estrela de absinto era muito ruim. “Eu acho muito bom”, respondeu, com um riso sem graça. Em 1945 ambos participaram do Congresso de Escritores. Mário, assíduo e calado; Oswald, intervindo mais. Numa das sessões entrou com uma pilha de volumes de Chão, que acabava de sair, e foi distribuindo a vários congressistas.

A sessão de encerramento, onde foi divulgado o nosso manifesto pedindo a volta das liberdades, teve lugar no Theatro Municipal, que estava atulhado. Oswald fez um discurso fogoso, lançando por conta própria, para grande contrariedade tanto dos liberais quanto dos esquerdistas, o nome do brigadeiro Eduardo Gomes, que por algum tempo deu a impressão de ser o candidato de quase todas as oposições, da direita à esquerda. Mas no momento ainda não era pra falar nele e muitos se irritaram com a gafe. O público, todavia, reagiu entusiasmado e assim Oswald desencadeou a grande ovação da tarde. Desencadeou também um pequeno tumulto ao meter o pau na alta sociedade paulistana, glosando um cronista social. René Thiollier, que ele havia convidado e pouco antes eu vira cordialmente junto dele, no saguão, levantou-se indignado e protestou, defen-dendo a sua classe e o seu meio com muita hombridade. Mas teve de sair debaixo de uma furiosa vaia. Nós berrando como possessos. Oswald canalizou bem a bagunça e focalizou a sátira no escritor indignado, verdadeiro exemplo caído do céu para a sua diatribe.

Eu, que aplaudira com entusiasmo e aceitara toda a sua linha, fiquei desapontado quando, na saída, ouvi falar em “provocação” e soube que Monteiro Lobato se havia

retirado durante o discurso. E mais ainda quando, em companhia de Paulo Emilio, no saguão, recebi de Mário de Andrade, irritadíssimo, um contravapor em regra. Ele achava que Oswald não tinha o direito de bancar o censor da sociedade, como se fosse um varão de Plutarco. E foi, creio eu, a única vez que o vi expandir-se sobre o antigo companheiro.

Isso aconteceu em fins de janeiro. Dali a um mês Mário morreu, domingo à noite, sendo enterrado segunda-feira à tarde. Oswald, que estava numa estação de águas com sua mulher Maria Antonieta de Alkmin, lia os jornais terça-feira no salão do hotel quando ela o viu, de repente, atirar-se sobre o sofá em frente com um grito surdo, amarfanhando o jornal no peito e chorando convulsivamente. Era a notícia da morte de Mário; e foi ela quem me contou o fato, mais de uma vez, diante de Oswald. Chegando a São Paulo, este deu logo depois uma entrevista homenageando a pessoa e a obra do morto. Mais tarde, quando se inaugurou no jardim da Biblioteca Municipal o busto esculpido por Bruno Giorgi, ele apareceu e assistiu a tudo, indo depois abraçar o irmão de Mário, Carlos de Moraes Andrade.

No fim da vida, em 1954, mandou me chamar num domingo à tarde na casa da Rua Caravelas, a última que habitou, que precisava muito falar comigo. Encontrei-o tomando sol na entrada de automóvel, com a boina que não tirava. Disse que desejava manifestar o seu juízo definitivo sobre Mário, e com efeito falou bastante de sua obra (não de sua pessoa). Do que lembro com segurança: que a considerava a realização do que sonhara para o Modernismo; que achava Macunaíma uma obra-prima; que se ele fora o preparador e o batalhador, sem Mário não teria havido Modernismo. E de tudo se desprendia uma espécie de consciência serena de ter influenciado o companheiro.

Trecho extraído do artigo “Digressão sentimental sobre Oswald de Andrade”, em Vários Escritos (Ouro sobre Azul, 2011, 5a edição corrigida pelo autor)

Cena do filme Macunaíma, 1969Imagem de divulgação do filme macunaíma, dirigido por Joaquim pedro de Andrade.Na imagem: Grande otelo

2524

AdeuS, me conhecem espero que bem – que as acusações, insultos, caçoadas feitos a mim não podem me interessar. Já os sofri todos mais vezes e sempre passando bem. E nem uma existência como a que eu levo pode se libertar deles. Desque resolvi publicar Pauliceia, de que um só poema exposto provocara o maior enxurro de estupidez e presumidos insultos de que se enaltece a história literária brasileira, desde então me revesti dessa contemplatividade cínica que nos permite, sem inquietar a sinceridade com que caminhamos pra realização de nós mesmos, passarmos incólumes no meio de certos heróis. Não me atingem e, de resto, não os leio.

Mas não posso ignorar que tudo foi feito na assistência dum amigo meu. Isso é que me quebra cruelmente, Tarsila, e apesar de meu orgulho enorme, não tenho força no momento que me evite de confessar que ando arrasado de experiência.

Eu sei que fomos todos vítimas dum ventarrão que passou. Passou. Porém a árvore caiu no chão e no lugar duma árvore grande, outra árvore tamanha não nasce mais. É impossível.

Eu peço a vocês licença pra cumprimentá-los quando nos encontrarmos. Assim como desta carta e do que a motiva ninguém saberá por mim, tenho certeza que corações nobres como os de vocês hão-de sentir esse pudor de não dar azo a que os outros façam de nós e dum passado tão lindo nosso o assunto deles.

Peço mais que me recomende respeitosamente aos de sua família e enumero uma carícia toda especial a Dulce que no meu mundo faz parte do Sol.

E paro porque afinal tudo isso é muito triste e pouco digno dos seus olhos e coração que só podem merecer felicidade.

Respeitosamente,Mário de Andrade.

São Paulo, 4 de julho de 1929

Tarsila,

Espero que esta carta seja lida confidencialmente apenas por você e Oswaldo pois que só a você é dirigida. Acabo de receber por Anita o convite que você me faz e que, feito com o desprendimento e o coração tão maravilhoso de você, inda mais me entristece. Mas eu não posso aceitar. Por isso mesmo que a elevação da amizade sempre existida entre você, Oswaldo, Dulce e eu foi das mais nobres e tenho a certeza que das mais limpas, tudo ficou embaçado pra nunca mais. É coisa que não se endireita, desgraçadamente pra mim.

Mas devo confessar a você que sob o ponto-de-vista de amizade, único que pode me interessar como indivíduo, nada, absolutamente nada se acabou em mim. Se deu apenas uma como que transposição de planos, e aqueles que faziam parte de minha objetividade cotidiana, continuaram amigos nessa espécie de ambiente de anjo em que o espírito da gente descansa mais, povoado de retratos bons. E então eu, que não fui feito pra esquecer, não será possível jamais que eu me esqueça nem de ninguém nem de nada. Nenhum sentimento desagradável permanece em mim e se acaso quem quer que seja de sua família, eu garanto que mente. Pedi aos meus companheiros de vida e até a amigos que nem Couto de barros, que não me falassem em certos assuntos.

Apenas, Tarsila: esses assuntos existem. E como os podemos esquecer, vocês e eu, que todos conservamos nosso passado comum? E quanto a mim, Tarsila, esses assuntos, criados por quem quer que seja (essas pessoas não me interessam), como será possível imaginar que não me tenham ferido crudelissimamente? Asseguro a vocês – tenho todo o meu passado como prova e vocês

AmigoFoi enviesadamente, por meio de carta a tarsila, que mário rompeu com oswald

Extraído de Correspondência Mário de Andrade & Tarsila do Amaral vol. 2 (org. Aracy Amaral, 1999, IEB/Edusp)

2726

Juliene Codognotto

o moderniSmo dAnçouFilha de oswald explica ligação umbilical com a dança

C oreógrafa, bailarina, pesquisadora, fun-dadora do curso de dança da Unicamp, filha de Oswald de Andrade. Marília são

muitas. Seu depoimento exclusivo ao CCSP traz as vozes das muitas Marílias. É um ponto de vista íntimo da relação entre Oswald e Mário e também da relação entre a arte e a cultura que fazemos hoje e as sementes plantadas por esses “moleques malucos” na São Paulo provinciana de 1922. A seguir, alguns excertos do curta-documentário lançado na Semana MáriOswald: 100 anos de uma amizade.

“Oswald morreu quando eu tinha nove anos – mas foram nove anos intensos. Ele foi muito ligado a mim. Era um pai que existia para mim 24 horas! Ele me cuidava e me levou para minha primeira aula de balé, quando eu tinha quatro anos. Achava que eu tinha um especial talento para a dança e que eu ia dançar como Isadora [Duncan]. Imagine! Muitos anos depois soube que Landa Kosbach, musa de vários escritos de Oswald, uma das grandes paixões de meu pai na juventude, era, na verdade, a minha primeira professora de dança, Carmen Brandão.”

“Como meu pai foi jornalista do Jornal do Comércio, recebia os artistas franceses, europeus em geral, entrevistava, acompa-nhava, fazia o tour pela cidade em um Cadillac verde conversível. Esse Cadillac verde andou muito por São Paulo com a Isadora Duncan. O Mário até cita o carro, o Cadillac, num poema. E foi assim que a Isadora convidou Oswald para ir ao quarto dela no hotel... Porque a Isadora gostava muito de moços bonitos e ricos. E meu

pai era bonito, rico e culto. Perfeito para uma semana em São Paulo! Muitos anos depois, conheci Isadora com um convite para escrever um livro sobre ela. Mas o meu trabalho com Isadora é como dançarina: dancei as danças de Isadora, procurei captar o que tinha dentro dela como bailarina e como artista para tentar transmitir ao público o que seria a ideia de dança de Isadora Duncan. Chegaram até a me chamar de ‘Isadora do Xingu’, quando dançamos para os índios no Xingu.”

“Eles eram personalidades completa-mente opostas. O Oswald era de uma extroversão incontida! Ele transbordava! O Mário era muito mais tímido, quieto, intro-vertido. A relação deles foi tão intensa, de amor, admiração e desencontros que, quando houve a ruptura, em 1929, todo mundo esperava – é surpreendente que não tivesse acontecido antes. A ruptura se deu por meio de uma carta do Mário a Tarsila, linda: meu pai estava com Tarsila em Paris e Mário escreve dizendo que ‘não teria volta’. Realmente, meu pai tentou inúmeras vezes se reconciliar com o Mário, que nunca aceitou. Em 1945, quando o Mário faleceu, a mamãe estava grávida e eles estavam voltando de trem de Araxá. E a mamãe disse que o Oswald leu no jornal que o Mário tinha morrido e chorou convulsivamente, durante muito tempo, a morte do Mário. Ficou num luto muito grande, desesperado por não ter conseguido refazer essa amizade.”

Juliene Codognotto é supervisora de Informação do CCSP

Marília de Andrade, 2017Foto: Chicão SantosFilha de oswald de Andrade e personalidade da dança brasileira em depoimento para o curta-documentário que integra a Semana márioswald

2928

GAROA dO Meu SãO PAulO Mário de Andrade

garoa do meu São paulo,-timbre triste de martírios-

Um negro vem vindo, é branco!Só bem perto fica negro,

Passa e torna a ficar branco.

Meu São Paulo da garoa,-londres das neblinas finas-

Um pobre vem vindo, é rico!

Só bem perto fica pobre,Passa e torna a ficar rico.

garoa do meu São paulo,-Costureira de malditos-

Vem um rico, vem um branco,São sempre brancos e ricos...

garoa, sai dos meus olhos.

balada dO esplanada Oswald de Andrade

Ontem à noiteeu procurei

Ver se aprendiaComo é que se fazia

uma baladaAntes de ir

Pro meu hotel.É que este

CoraçãoJá se cansou

De viver sóE quer então

morar contigo

no esplanada.

Eu qu'riaPoderencher

Este papelDe versos lindos

É tão distintoSer menestrel

No futuroAs gerações

Que passariamdiriam

É o hotel

Do menestrelpra m'inspirarAbro a janela

Como um jornalvou fazerA baladaDo EsplanadaE ficar sendoo menestrel

De meu hotel

mas não há poesia

Num hotelmesmo sendo'Splanadaou Grand-hotel

Há poesiana dorNa florNo beija-flor

no elevador

3130

curadOrias

Artes Visuais

obrA e deSdobrA

Maria Adelaide Pontes Durante a Semana MáriOswald: 100 anos de uma amizade pode-se per-ceber como o CCSP descende em

linha direta do modernismo. Com sua criação, em 1982, o CCSP tornou-se um dos principais lugares de guarda da memória cultural da cidade de São Paulo ao passar a responder por importantes acervos, como o da Discoteca Pública Municipal, hoje Discoteca Oneyda Alvarenga, nascida justamente no paradigmático Departamento de Cultura Municipal, instituído em 1935 e dirigido por Mário de Andrade – que idealizou e organizou a Missão de Pesquisas Folclóricas, em 1938, com o objetivo de colher e registrar as manifestações artísticas populares no Norte e no Nordeste do País.

O conjunto exibido na Semana MáriOswald pertence ainda à Coleção de Arte da Cidade e ao Arquivo Multimeios/IDART. O acervo da Coleção de Arte da Cidade tem origem na Seção de Arte idealizada por Sérgio Milliet e Maria Eugenia Franco, que, em 1945, inauguraram oficialmente a Seção de Arte d a Biblioteca Municipal, primei-ra coleção pública de arte moderna brasileira. Ou seja, o primeiro museu de arte moderna do País. Vem daí a série de desenhos que Tarsila do Amaral fez para o livro Pau Brasil de Oswald de Andrade. Segundo Paulo Prado, “A poesia ‘pau-brasil’ é o ovo de Colombo – esse ovo, como dizia um inventor meu amigo, em que ninguém acreditava, acabou enriquecendo o genovês”.

Já o acervo do Arquivo Multimeios/IDART, idealizado por Maria Eugênia Franco e Décio Pignatari, criado em 1975 com objetivo de documentar as manifestações artísticas de

São Paulo, reúne os registros dos espetá-culos O rei da vela, dirigido por José Celso Martinez, em 1967, o Macunaíma adaptado para o teatro por Antunes Filho, em 1978, e os bastidores da produção do filme O homem do pau-brasil, de Joaquim Pedro de Andrade, realizado em 1980.

A exposição emite os sinais de assimetria entre ambos. Contraposta à central importân-cia de Mário de Andrade na cultura brasileira, observa-se o reconhecimento tardio de Oswald de Andrade – recuperado somente nos anos 1950 pelos concretistas do grupo Noigandres (Décio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos) como importante referência literária e, mais tarde, nos anos 1960, com a revisão crítica de sua obra, que ecoa sobre o Tropicalismo de Tom Zé, Caetano Veloso e Os Mutantes. Assim, o resgate da evocação de Oswald de Andrade por Décio Pignatari em Oswald psicografado por Signatari é o indício da luz que os poetas concretos lançaram sobre Oswald – até então esquecido quase por decreto.

Dividida em dois segmentos – obra e des-dobra em arranjo simultâneo – e, significa-tivamente, na Sala Tarsila do Amaral (que seguiu ligada a Mário e Oswald, mesmo após a ruptura entre ambos), a exposição apresenta fragmentariamente os ícones modernistas. São obras, documentos e objetos a compor o legado da dupla que riscou no chão de São Paulo o novo mapa cultural do Brasil.

Maria Adelaide Pontes é curadora de artes visuais do CCSP

tARSIlA Do AmARAllocomotiva, 1925

nanquim sobre papel13 x 15,5 cm

Coleção de Arte da Cidade/ CCSp

*obra que integra a exposição márioswald

3332

Cinema

cinemA AntropóFAgo

Célio Franceschet

os filmes que os modernistas viram e os filmes influenciados por eles

O Cinema Novo representou um dos momentos mais relevantes da história do cinema brasileiro. O jovem grupo

liderado pelo baiano Glauber Rocha quis fazer cinema comprometido com a condição de subdesenvolvimento do País, colocando o povo marginalizado e oprimido como sujeito dos filmes, por meio de uma estética influenciada por movimentos como o neo-realismo italiano e a nouvelle vague francesa. Assim, a adaptação livre de Macunaíma, realizada por Joaquim Pedro de Andrade, foi o grande sucesso que o Cinema Novo esperava: a realização de uma aspiração dos realizadores cinema-novistas de que uma estética de ruptura que dialogasse com o povo. O cinema do CCSP exibe o filme em 35mm, seguido de debate com o professor Carlos Augusto Calil. Para contextualizar o impacto do filme é sempre bom citar a clássica resposta de Joaquim Pedro à pergunta “Por que você faz cinema?”:

“Para chatear os imbecis/ Para não ser aplaudido depois de sequências dó de peito/ para viver à beira do abismo/ para correr o risco de ser desmascarado pelo grande público/ para que conhecidos e desconhecidos se deliciem/ para que os justos e os bons ganhem dinheiro, sobretudo eu mesmo/ porque de outro jeito a vida não vale a pena/ para ver e mostrar o nunca visto, o bem, o mau, o feio e o bonito/ porque vi Simão do Deserto/ para insultar os arrogantes e poderosos quando ficam como cachorros dentro d'água no escuro do cinema/ para ser lesado em meus direitos autorais”.

O Teatro Oficina talvez tenha sido o maior equivalente do Cinema Novo na vontade e na dificuldade de construir um diálogo com

o povo. A Semana MáriOswald: 100 anos de uma amizade propõe uma aproximação entre cinema e teatro na sala Spcine Lima Barreto, onde será exibida, pela primeira vez em 16mm, o filme O Rei da vela (peça escrita por Oswald trinta anos antes), de José Celso Martinez Corrêa. Misto da peça encenada pelo Oficina nos anos 1960 com cenas filmadas nos anos 1980, a versão integral tem quatro horas de duração.

O cinema foi forte influência sobre o Mo-dernismo. Na revista Klaxon – Mensário de Arte Moderna, em que os artistas da Semana de Arte Moderna de 1922 escreviam sobre diversas linguagens, cabia a Mário de Andrade o papel de crítico de cinema. A programação mostra filmes que Mário apontou como obras essenciais: O Garoto, de Charles Chaplin, e O Homem Mosca, de Harold Lloyd. Precursor da crítica de cinema no País e grande apreciador do cinema mudo, Mário, tal como Chaplin, não acreditava no som sincronizado como parte de uma obra cinematográfica.

A mostra também contempla show da Frame Circus, banda que usa sintetizadores, drum machine, sampler e bases sequenciadas para recriar trilhas de filmes clássicos – aqui, teremos os filmes que Mário de Andrade criticou na Klaxon. Nascido como exercício de composição e criação, quando Paulo Beto musicou clássicos, o projeto Frame Circus se completou com a entrada de Tatá Aeroplano (Cérebro Eletrônico, Jumbo Elektro) e Maurício Fleury, em 2006.

Célio Franceschet é curador de cinema do CCSP

Cartaz do filme O homem do Pau

Brasil, 1982direção: Joaquim

pedro de Andrade

*obra que integra a exposição márioswald

3534

Dança

1922 É FilHo dA (mu)dAnçA

Andréa Thomioka

houve dança no modernismo em 1922 e há modernismo na dança hoje

Assim como o conceito da Semana MáriOswald: 100 anos de uma ami-zade, a programação de dança para

este evento tem seu foco nas relações humanas. Buscamos em três atividades abordar de diferentes maneiras o que hoje percebemos de influências, legado e pensamentos expandidos, concludentes de Mário de Andrade e Oswald de Andrade.

Poucos se lembram, mas, sim, tivemos a francesa Yvonne Daumerie representando a dança naquela quarta-feira, 15 de fevereiro de 1922, em meio ao terremoto da Semana da Arte Moderna. E tivemos Isadora Duncan por aqui durante esse tempo, em contato pessoal com Mário e Oswald. Entretanto, na dança brasileira o Modernismo só se efetivou mais de duas décadas depois, com o surgimento das primeiras companhias nacionais de dança moderna. Dos anos 1920 aos anos 1950, e de lá até 2017, o que podemos perceber na dança? Que temos de modernista no nosso contemporâneo? Hoje nossa dança é mais Mário ou mais Oswald?

A professora Cássia Navas, uma das mais importantes pesquisadoras de dança do País, foi convidada para contextualizar essa trajetó-ria e apontar seus tantos questionamentos e reflexões, na mesa Repercussões Expandidas, ao lado de outros convidados, no dia 28 de abril, às 19h30, no Espaço Mário Chamie –

Praça das Bibliotecas. E Marília de Andrade – ou melhor, Antonieta Marília de Oswald de Andrade – gentilmente aceitou nosso convite para uma conversa memorável. Marília é única filha mulher de Oswald. Foi introduzida na dança ainda criança, pelas mãos de seu pai. E se Isadora Duncan – mãe da dança moderna mundial – teve sua história cruzada com a de Oswald de Andrade, Marília tem parte de sua vida em devoção a ela. Influência ou acaso? Você poderá acompanhar esse relato e muito mais no curta-documentário resultado desse encontro, retratando suas várias faces – filha, bailarina, personalidade da dança –, a ser exibido em 29 de abril no Espaço Missão.

Na ocasião tem lugar também o resultado cênico do estudo coreográfico de pesquisa prática-teórica desenvolvido pelos alunos do curso de dança da Universidade Anhembi-Morumbi sob orientação da professora Valéria Cano Bravi. Nathalia Catharina assina a dra-maturgia do trabalho, idealizado e concebido especialmente para o evento, numa parceria entre a Universidade Anhembi-Morumbi e o Centro Cultural São Paulo, com o intuito de valorizar a produção – desde a fase de formação – de trabalhos cênicos atuais, a partir de propostas temáticas definidas e que alimentam o acervo da dança.

Andréa Thomioka é curadora de dança do CCSP

Marília de Andradepersonalidade da dança

brasileira e filha de oswald de Andrade.

Foto: Jornal da unicamp

3736

Infantojuvenil

modernidAde AumentAdA

lizette de Negreiros

multimídia para uma dupla de múltiplos talentos

Como contextualizar as interseções entre as obras de Mário e Oswald de maneira abrangente, sem perder o

sabor crítico e a ambiguidade de cada um, somando ao caráter histórico a visão políti-ca da época? Optamos por um experimento especializado e inovador, para abranger dois eixos: o mundo antigo e o moderno, a ficção e a realidade. Daí partiu o convite à artista visual e multimídia Cássia Aranha para que criasse uma obra de arte exclusiva exterio-rizando os universos subjetivos e ficcionais de Mário e Oswald – porém, acolhendo-os, não como divindades, mas sim como persona- lidades do momento presente. Então surgiu a instalação de arte multimídia Antropofagia, que consagra o experimento, a espacialidade e a inovação.

A instalação integra literatura, artes visu-ais, arte móvel, leituras dramáticas e perfor-mances, utilizando a tecnologia de realidade aumentada. Por meio de exposição de fotos, projeções videográficas, objetos e interferên-cias sonoras inspiradas em Mário e Oswald, o público vivencia uma experiência poética sobrepondo realidades virtual e presencial, conectando diferentes instantes temporais. Além da instalação, durante três dias há ainda a atuação performática e presencial de uma atriz que realiza uma leitura dramática a partir de uma colagem textual de fragmentos de textos dos autores, criando um diálogo ficcional com outra atriz em gravação inspirada em Mário e Oswald. Elas são as Mariwalda – assim mesmo, no singular. Após a performance, o público é convidado a vivenciar também uma experiência poética, adicionando camadas do ambiente físico (material) a camadas do universo virtual (áudio, vídeo, fotos). Esta

“mixagem” é possível ao se verem fotos e objetos usando-se, a partir de celular ou tablete, um aplicativo gratuito de realidade aumentada chamado Aurasma. A realidade aumentada possibilita a imersão do público na instalação, possibilitando ver, conhecer, sentir, observar e viajar no universo onírico dos dois autores por meio de vários objetos e imagens que estarão suspensos no teto do Espaço Expositivo Flávio de Carvalho. Ficção ou realidade? Não importa. Aproveitemos o faz de conta virtual para nos tornarmos par-ticipantes dessa Antropofagia.

Mário de Andrade foi o padrinho escolhido por um novíssimo grupo de teatro. Jovens sonhadores, de sangue pulsante, com ideais à flor da pele, buscaram na obra de Mário a matéria-prima para falar de sua raça, de seus ancestrais, valores e mitos, de sua dança, de sua necessidade de conhecer sabedorias antigas. Todo o arsenal histórico e cultural de Mário norteou o caminho de jovens ar-tistas afrodescendentes que foram fundo nos experimentos, nas histórias ancestrais, na musicalidade, nos ritmos, na dança, nas crenças, nos mitos, nos símbolos e também no lema de Macunaíma: “Não vim no mundo para ser pedra”. Formado, o clã tomou de “uma partitura de poesia” de Mário o nome do grupo: Clã do Jabuti. O espetáculo Eleguá, menino e malandro coroou a busca. Este é o primeiro trabalho dos muitos que virão. Salve Eleguá! Salve Mário!

Lizette Toledo de Negreiros é coordenadora do teatro infantojuvenil do CCSP

AntropofagiaFomontagem a partir de

imagens captadas de São paulo: Cássia Aranha

Fotografia: Anderson Brostt

3938

deise Getúlia de Melo

Debates, mesas, conferências: com a palavra, os divisores de águas

Literatura

mÁrio e oSwAld. oSwAld e mÁrio.

AndrAde A brincadeira do título se presta a dizer duas coisas: que eu não me arriscaria a dizer quem vem antes e quem vem

depois em termos de grandeza, e que o sobrenome Andrade (tão caro à literatura brasileira!) marca uma “igualdade” entre esses dois homens – ao mesmo tempo que não dilui as diferenças pontuais e marcantes que existiram entre eles.

Pensar Mário e Oswald transcende o campo literário, à medida que se consti- tuíram em duas das mais relevantes figuras da intelectualidade e da cultura brasileira. Sobretudo pela capacidade de materializar a vanguarda que traziam dentro de si em um movimento singular como a Semana de Arte Moderna (1922), cujas idealização e realização têm nessas duas figuras seus principais expoentes.

No campo literário, demarcam a divisão de águas entre a literatura que se fez desde o colonialismo no Brasil até a Semana de 22. A partir desse advento, classificam-se Mário e Oswald (juntamente com outros escritores), como os representantes da Primeira Geração Modernista, sendo Pauliceia Desvairada e seu “Prefácio Interessantíssimo”, de Mário de Andrade, como o marco zero desse movimento.

Cabe ainda assinalar o papel precursor que ambos tiveram na difusão da psicanálise de Freud – ciência jovem e ainda polêmica à época –, para além do âmbito da saúde: ambos guardaram, por assim dizer, a porta de entrada pela qual a psicanálise começou no Brasil.

Na Semana MáriOswald: 100 anos de uma amizade, a Curadoria de Literatura e Bibliotecas organizou três mesas de debates, todas elas compostas de estudiosos, especia- listas, leitores e amantes. Enfim, pessoas que vivenciaram de alguma forma a imprescindível arte produzida por esses escritores e que com- partilharão com nosso público os sentimentos resultantes dessa vivência.

A primeira mesa conta com Luiz Ruffato e Cristovão Tezza, escritores contemporâneos que poderão falar acerca das influências de Mário e Oswald em suas trajetórias literárias, bem como na literatura contemporânea de modo geral.

Na segunda mesa contamos com repre- sentantes do universo acadêmico: Gênese Andrade e Eduardo Jardim trazem à luz seus estudos acerca da vida e obra desses escri-tores, a amizade profícua e a ruidosa ruptura entre ambos. As duas primeiras mesas têm a medição de uma grande especialista de poesia brasileira, a professora Iumna Maria Simon.

A terceira e última mesa terá caráter híbrido, tal qual a natureza da programação idealizada para esta Semana. Reúne Cássia Navas (dança), Cacá Carvalho (teatro) e Carmen Lucia Valladares (psicanálise), esta como mediadora. Os convidados falam da importância de Mário e Oswald para as respectivas linguagens a partir de reflexões histórica e pessoal.

Com essa proposta pretendemos contri-buir com o projeto de aproximar o público da riqueza cultural representada pela vida e pela obra desses dois grandes ícones brasileiros.

Deise Getúlia é curadora de literatura e bibliotecas

Pauliceia desvairadaCapa do livro de

mário de Andrade

4140

Alexandre Matias

Do modernismo à tropicália sem escalas

Música

conFerênciAS Sobre umA

AmizAde Gênios de personalidades complemen-tares, não é exagero dizer que Mário e Oswald de Andrade inventaram e

anteviram a cultura brasileira do século cujo nascimento assistiram. Uma cultura urbana, cosmopolita, brincalhona e musical, que enxergava futuro ímpar e de destaque para um país rural, de dimensões continentais, recém-saído de uma colonização europeia. Se politicamente ainda engatinhamos, cultural-mente somos filhos desse encontro.

Durante a Semana MáriOswald: 100 anos de uma amizade, realizada na última semana de abril, a Sala Adoniran Barbosa recebe conferências de grandes nomes da cultura brasileira, herdeiros diretos e indiretos dessa amizade, que aprofundam a relação de seu trabalho com a influência que receberam de dois dos maiores ícones do modernismo brasileiro.

José Miguel Wisnik, Iara Rennó, Elo da Corrente, Ronaldo Fraga e Tom Zé tratam de diferentes aspectos da vida e da obra de Mário e Oswald de Andrade e os colocam em contraponto às próprias produções. Em vez de shows, as apresentações realizadas durante o evento seguem o formato de conferência, em que artistas estabelecidos em diferentes áreas da cultura brasileira expõem sua relação com os dois homenageados.

O músico, cantor, compositor, professor e ensaísta Wisnik abre a Semana MáriOswald falando sobre a relação entre os dois autores

tanto suas proximidades quanto suas diver-gências. A conferência de abertura acontece na terça-feira e chama-se Mário e Oswald: amor e inimizade. No dia seguinte, o estilista Ronaldo Fraga fala de seu grande mentor Mário de Andrade e de como o modernismo foi crucial na formação de sua carreira. Na quinta-feira é a vez de Iara Rennó mostrar e conversar sobre sua Macunaópera tupi, um disco composto em cima do clássico livro de Mário de Andrade, Macunaíma. A apresentação mistura músicas do disco com interpretações da autora sobre sua obra e a obra original. No sábado o grupo de rap Elo da Corrente viaja pelas Missões, do mesmo autor, mostrando as canções que compuseram sobre os registros feitos por Mário no início do século passado. Como a conferência de Iara, os integrantes do grupo também falam sobre o processo de composição e de pesquisa para a realização de seu trabalho, feito em 2009, em parceria com o Centro Cultural São Paulo. A semana de conferências na Adoniran Barbosa encerra-se com a presença do cantor e compositor Tom Zé, que fala sobre a importância do Modernismo para a Tropicália, fazendo também uma co-nexão com a cultura brasileira atual. A base da conferência do genial baiano é seu disco Tropicália lixo lógico, de 2012.

Todas as atrações da Sala Adoniran Barbosa durante a Semana MáriOswald: 100 anos de uma amizade são gratuitas.

Alexandre Matias é curador de música do CCSPMário de Andrade ao piano

4342

Teatro

AS AmizAdeS FundAnteS

Kil Abreu

Repercussões expandidas: a dramaturgia criada no diálogo entre os modernistas

Mário de Andrade e Oswald de Andrade foram artistas e pensadores funda-mentais ao teatro brasileiro. Foram

até mais modernos que, digamos, os modernos “oficiais”, como Nelson Rodrigues. Algumas obras, como O Rei da vela (1933, Oswald) e Café (1942, Mário), só subiram à cena déca-das depois de criadas. Projetadas em chave experimental, eram avançadas demais para o seu tempo: ambas inspiradas na crise de 1929, retratavam o desespero e as reconfigurações sociais que ali começariam. Café é um quase romance que vira uma quase ópera popular, baseada fundamentalmente na ideia de um musical em que o coro (o povo) tem mais importância que os solistas. O Rei da vela é crítica e autocrítica de Oswald à aristocracia rural decadente e à burguesia ascendente, a partir do próprio lugar burguês de classe; e tendo como ponto de chegada o futuro de um Brasil incerto, que ali se desenhava e continua, hoje, tentando se contornar. Um país ao qual as várias gerações “continuam levando suas velas”, como disse Zé Celso Martinez Corrêa em 1967, quando a peça é finalmente montada.

Foi essa inspiração em obras fundantes – e fora da ordem – nosso norte nas ações tea-trais desta Semana MáriOswald: 100 anos de uma amizade. Dois grandes atores, Pascoal da Conceição e José Rubens Chachá, revivem na intervenção Esbarro (criada especialmente para o CCSP) o encontro, a amizade e a ruptura da dupla. Por meio dessa trajetória, esboçam o retrato de um país que tentava se inventar. Em Manuela, a atriz Vera Lamy e o músico e compositor Lincoln Antônio recontam histórias e vivências de Mário de Andrade, tendo como

pano de fundo a própria cultura brasileira, a partir de um ponto de vista narrativo inusual: o da máquina de escrever do autor (chamada por ele de Manuela, em homenagem a Manuel Bandeira). Por fim, o ator Carlos Augusto Carvalho (Cacá Carvalho) faz um depoimen-to, no encontro Repercussões Expandidas. Sempre bom lembrar que Cacá interpretou Macunaíma na histórica montagem estreada em 1977, e dirigida por Antunes Filho. Um espetáculo que demarca, segundo o crítico Sábato Magaldi, a passagem do teatro mo-derno à cena contemporânea.

Sem se pautar só pela efeméride, nos-sa programação quis sugerir pontes entre o lastro histórico, a contribuição da dupla de artistas à arte brasileira e as maneiras como seu legado nos ilumina até hoje. Mário e Oswald perceberam e sinalizaram, a seu tempo, cada qual a seu modo, que um país se cria não só nas formas esperadas e nas estruturas modelares vindas de fora. E sim, sobretudo, na assimilação – nada respeitosa e bastante iconoclasta – desses elementos às formas próprias da sociabilidade e das criações culturais do Brasil. Em certa medida, são estas as formas das amizades produtivas e fundantes: a empatia entre homens e mu-lheres e seu diálogo com a cultura do País. Isto vale tanto para o começo do século 20 quanto para o início do século 21, em novos gestos da imaginação estética e da imagina-ção política que pautaram aqueles grandes artistas. Imaginação que esta semana vamos rea(s)cender.

Kil Abreu é curador de teatro do CCSP

FREDI KlEEmANNO Rei da Vela, 1967

21x30cmImagem que integra o ensaio

fotográfico da peça de oswald de Andrade

direção: José Celso martinez Corrêa - teatro oficina

Arquivo multimeios/CCSp

4544

luíS SAIARoda com as

crianças, 1938 Nimia Santos, Ediva

Simões, marli Barros, lucilia Vieira, Anete

Nobrega, maria José Da Nobrega, marlice Jansen, Enei Santos,

maria das Dores Barros, Aurora Santos

e maria lindalva

Ação Cultural

miSSão de peSquiSAS pelo ccSp

Adriane Bertini

Caça aos tesouros do acervo

Além de ser um espaço aberto a todos, com uma programação que contempla todo tipo de público, o Centro Cultural

São Paulo guarda importantes acervos da cidade, como a Coleção de Arte da Cidade, a Discoteca Oneyda Alvarenga, o Arquivo Multimeios e a Missão de Pesquisas Folclóricas.

Para a Semana MáriOswald: 100 anos de uma amizade, a Supervisão de Ação Cultural propôs uma verdadeira caça ao tesouro. A ideia foi extroverter materiais muitos especiais desses acervos, oferecendo ao público infan-tojuvenil uma visita mediada para apresentar, de forma divertida, lúdica e repleta de novos conhecimentos, o que foi a lendária Missão de Pesquisas Folclóricas.

Com ênfase na atuação de Mário de Andrade à frente do Departamento de Cultura da Cidade de São Paulo entre 1935 e 1938, a Missão, idealizada e realizada pelo escritor, registrou as manifestações culturais e folclóri-cas no Norte e no Nordeste do Brasil por meio de fotografias, gravações de áudio e vídeo, coletas de objetos e cadernetas, disponibili-zando o processo de coleta e documentação da expedição. Mário não estava sozinho. Os pesquisadores que desenharam e descreveram a diversidade cultural norte-nordestina foram pessoas como Luís Saia (chefe da Missão),

Martin Braunwieser (maestro), Benedicto Pacheco (técnico de som) e Antônio Ladeira (assistente técnico de gravação).

A visita Missão de Pesquisas pelo CCSP pretende reproduzir essa trajetória a partir de rodas de escuta, atividade musical, apre-sentação de imagens antigas que fazem par-te do acervo, além de histórias e conversas. Após esse primeiro momento, com suas cad-ernetas em mãos, como a equipe da Missão, e inspiradas nas histórias sobre os saberes e a identidade do povo brasileiro e delas mes- mas, trocadas no bate-papo inicial, as crianças seguem por um percurso espontâneo obser-vando e fazendo registros do espaço, coletan-do manifestações sonoras, diálogos, danças e personagens.

A ideia é que as crianças saiam em sua própria missão de pesquisa pelo CCSP, além de despertar seus olhares de “pesquisadores”, curiosos sobre as manifestações culturais do passado do País, e como essa riqueza cultural faz parte de seus percursos cotidianos. A visita mediada Missão de Pesquisas pelo CCSP faz parte do projeto CCSP + Escolas; está aberta a turmas formadas por público espontâneo, bem como por turmas escolares.

Adriane Bertini é supervisora de ação cultural do CCSP

4746

Capa e páginas internas do livro escrito por oswald de Andrade e ilustrado por tarsila do Amaral, que fazem parte da exposição marioswald

PAu BRASIl (1925)

4948 AgendA

dia 25/4

terça 18h Mário Cinéfilo: Esposas ingênuas

Sala Lima Barreto

19h MáriOswald abertura Sala Tarsila do Amaral

20h Mário Cinéfilo: Frame Circus e os filmes de Mário de Andrade Sala Lima Barreto

20h Conferência de abertura: Mário e Oswald - amor e inimizade, com José Miguel Wisnik

Sala Adoniran Barbosa

dia 26/4

Quarta

10h às 20h MáriOswald Sala Tarsila do Amaral

14h30 Missão de Pesquisas no CCSP (visita com agendamento: [email protected])

18h Mário Cinéfilo: O homem mosca Sala Lima Barreto

19h Esbarro - O encontro de Oswald e Mário de AndradeEspaço Mário Chamie (Praça das Bibliotecas)

19h30 Mesa Legado Espaço Mário Chamie (Praça das Bibliotecas)

20h Mário Cinéfilo: O homem do pau-brasilSala Lima Barreto

20h ManuelaSala Jardel Filho

21h Conferência: Ronaldo Fraga (estilista) fala sobre Mário de Andrade, seu mentor intelectualSala Adoniran Barbosa

dia 27/4

Quinta

10h às 20h MáriOswald Sala Tarsila do Amaral

15h Mário Cinéfilo: O garotoSala Lima Barreto

17h Mário Cinéfilo: Macunaíma Sala Lima Barreto

19h Mário Cinéfilo: Esposas ingênuasSala Lima Barreto

19h Esbarro - O encontro de Oswald e Mário de AndradeEspaço Mário Chamie (Praça das Bibliotecas)

19h30 Mesa Amizade e Ruptura Espaço Mário Chamie (Praça das Bibliotecas)

21h Show: Iara Rennó disseca sua versão de Macunaíma Sala Adoniran Barbosa

dia 28/4

seXta

10h às 20h MáriOswald Sala Tarsila do Amaral

10h às 20h Antropofagia Piso Flávio de Carvalho

16h Mário Cinéfilo: O garotoSala Lima Barreto

18h Mário Cinéfilo: O homem do pau-brasilSala Lima Barreto

19h30 Mesa Repercussões ExpandidasEspaço Mário Chamie (Praça das Bibliotecas)

20h Mário Cinéfilo: Lírio partidoSala Lima Barreto

dia 29/4

sábadO

10h às 20h MáriOswald Sala Tarsila do Amaral

10h às 20h AntropofagiaPiso Flávio de Carvalho

14h Crenças, mitos, símbolos e... Mário!Sala Jardel Filho

14h30 Agrupamento TeatralSala de Leitura Infantojuvenil

15h Mário Cinéfilo: Macunaíma - Após a exibição do filme haverá aula-palestra com Carlos Augusto CalilSala Lima Barreto

19h Mário Cinéfilo: O homem moscaSala Lima Barreto

19h Show: Elo da Corrente embarca na viagem das MissõesSala Adoniran Barbosa

21h Curta-documentário Marília de Andrade e Resultado cênico do Estudo coreográfico de pesquisa prática-teórica (Curso de Dança da Universidade Anhembi Morumbi)Espaço Missão

dia 30/4

dOMINGO

10h às 20h MáriOswaldSala Tarsila do Amaral

10h às 20h AntropofagiaPiso Flávio de Carvalho

14h30 Agrupamento TeatralSala de Leitura Infantojuvenil

15h Giro pela dança - com: São Paulo Companhia de DançaÁreas de Convivência

15h30 Mário Cinéfilo: O Rei da velaSala Lima Barreto

18h Conferência: Tom Zé traça a conexão entre o modernismo, a tropicália e hojeSala Adoniran Barbosa

20h30 Mário Cinéfilo: Frame Circus e os filmes de Mário de AndradeSala Lima Barreto

5150

52