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Número 01 Agosto / Dezembro 1993 - ISSN 2179-5215 1 BREVE HISTÓTICO SOBRE O GOLPE CIVIL-MILITAR DE 1964 Juscelino Polonial 1 A Revolução de 30 1 possibilitou quatro transformações socioeconômicas e políticas na estrutura da sociedade brasileira, que contribuíram para o êxito do golpe civil-militar de 1964: o forte incremento industrial; o Estado de Compromisso; As Forças Armadas aparecerem como uma instituição autônoma do Conjunto da sociedade brasileira; e o populismo 2 . São fatores que aparecem interligados e inseparáveis no período de 1930 a 1964, período este marca também uma fase transitória de um país agrário, para um país industrial, embora a situação de dependência econômica permaneça. Apesar do governo Vargas não representar a burguesia industrial tão somente, como afirma Jacob Gorender, visto que a sua política visava beneficia mais os cafeicultores do que os industriais 3 , a verdade é que depois da Revolução de 30, a indústria brasileira teve um grande desenvolvimento. Veremos nas páginas seguintes que foram circunstâncias exôgenas que determinaram essa industrialização com o objetivo de ocupar um vazio no setor, devido a crise mundial do Capitalismo 4 . A burguesia industrial, filha desse processo, na medida que tem o seu poder econômico fortalecido, passa a influenciar direta ou indiretamente nas decisões do Governo Central. Acontece que outra fração da burguesia, a comercial, que fora hegemônica antes da Revolução de 30, apesar de perder o controle direto do aparelho governamental, também o influencia. É bom que se diga que essas facções da burguesia tem orientações político-econômicas divergentes, entrando, não raras vezes, em conflito, principalmente quanto ao direcionamento da economia 5 . Há que se considerar ainda a classe trabalhadora emergente e participativa, que passa a reivindicar melhores condições de trabalho e de vida, buscando influenciar a política governamental. Como nenhum desses estratos sociais tem força suficiente para determinar a política governamental, instala-se o Estado de Compromisso, que é a tentativa de se conciliar estes diversos interesses em conflito, tanto latente, quanto explícito. É bem verdade que, embora a burguesia se encontrasse teoricamente dividida, visando cada um atender os seus interesses, quando esta se sentia ameaçada pelos populares organizados, unia-se contra estes. Assim foi no Golpe de 1954 e o Golpe de 1964, entre outros caracterizando a disposição da burguesia brasileira de violar a Constituição. De fato, a História desta é uma história de golpes, operacionalizados pelas Forças Armadas. O envolvimento da burguesia nos golpes de Estado é analisado por René Armand Dreifuss no livro “1964: A conquista do Estado”. Neste, o autor destaca a participação de empresários na “Revolução de 30”, e diz que “ uma grande parte desses empresário, seus filhos e outros parentes estariam na liderança do Golpe de 19646 .

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Breve histórico do golpe de 1964

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Número 01 – Agosto / Dezembro – 1993 - ISSN 2179-5215

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BREVE HISTÓTICO SOBRE O GOLPE CIVIL-MILITAR DE 1964

Juscelino Polonial1

A Revolução de 301 possibilitou quatro transformações socioeconômicas e políticas na estrutura

da sociedade brasileira, que contribuíram para o êxito do golpe civil-militar de 1964: o forte incremento

industrial; o Estado de Compromisso; As Forças Armadas aparecerem como uma instituição autônoma

do Conjunto da sociedade brasileira; e o populismo2.

São fatores que aparecem interligados e inseparáveis no período de 1930 a 1964, período este

marca também uma fase transitória de um país agrário, para um país industrial, embora a situação de

dependência econômica permaneça.

Apesar do governo Vargas não representar a burguesia industrial tão somente, como afirma

Jacob Gorender, visto que a sua política visava beneficia mais os cafeicultores do que os industriais3, a

verdade é que depois da Revolução de 30, a indústria brasileira teve um grande desenvolvimento.

Veremos nas páginas seguintes que foram circunstâncias exôgenas que determinaram essa

industrialização com o objetivo de ocupar um vazio no setor, devido a crise mundial do Capitalismo4.

A burguesia industrial, filha desse processo, na medida que tem o seu poder econômico

fortalecido, passa a influenciar direta ou indiretamente nas decisões do Governo Central. Acontece que

outra fração da burguesia, a comercial, que fora hegemônica antes da Revolução de 30, apesar de perder

o controle direto do aparelho governamental, também o influencia. É bom que se diga que essas facções

da burguesia tem orientações político-econômicas divergentes, entrando, não raras vezes, em conflito,

principalmente quanto ao direcionamento da economia5.

Há que se considerar ainda a classe trabalhadora emergente e participativa, que passa a

reivindicar melhores condições de trabalho e de vida, buscando influenciar a política governamental.

Como nenhum desses estratos sociais tem força suficiente para determinar a política

governamental, instala-se o Estado de Compromisso, que é a tentativa de se conciliar estes diversos

interesses em conflito, tanto latente, quanto explícito.

É bem verdade que, embora a burguesia se encontrasse teoricamente dividida, visando cada um

atender os seus interesses, quando esta se sentia ameaçada pelos populares organizados, unia-se contra

estes. Assim foi no Golpe de 1954 e o Golpe de 1964, entre outros caracterizando a disposição da

burguesia brasileira de violar a Constituição. De fato, a História desta é uma história de golpes,

operacionalizados pelas Forças Armadas.

O envolvimento da burguesia nos golpes de Estado é analisado por René Armand Dreifuss no

livro “1964: A conquista do Estado”. Neste, o autor destaca a participação de empresários na

“Revolução de 30”, e diz que “ uma grande parte desses empresário, seus filhos e outros parentes

estariam na liderança do Golpe de 1964”6.

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Essa mesma burguesia estaria envolvida no processo de industrialização do Brasil após 1930.

Dois fatores exógenos básicos e interligados impulsionaram essa industrialização: A crise mundial do

capitalismo e as duas guerras mundiais. Essa industrialização é definida pelos economistas de

“Industrialização por Substituição de Importações”7.

Isto aconteceu porque num primeiro momento, impossibilitando de importar produtos

industrializados pelos fatores acima citados, o Brasil teve que produzir seus próprios produtos para

atender suas necessidades internas. Num segundo momento, depois de 1945, “porque o critério básico

para produzir localmente determinado bem era examinar a pauta de importações”8.

Há ainda que se considerar que houve um aumento significativo do mercado interno devido,

principalmente, à abolição da escravidão e à imigração de trabalhadores europeus para o Brasil, isto no

final do século passado9.

Essa industrialização rompe com a Divisão Internacional do Trabalho, já que antes desse

processo estava definido que aos países periféricos como o Brasil, caberia exportar produtos do setor

primário e importar industrializados. O Brasil nesse momento, passa a produzir e numa fase superior, até

exportar produtos industrializados.

Com o fim da segunda guerra mundial, o comércio internacional que fora estancado, volta a se

dinamizar. Essa nova fase do capitalismo corresponde a uma internacionalização da economia mundial,

com predominância total dos países do primeiro mundo. De fato, “as empresas multinacionais

transformaram-se em fenômeno econômico e político fundamenta do nosso tempo apenas a partir dos

anos cinquenta”10

.

A partir de então a interferência dos países centrais na vida política e econômica dos países

periféricos vai se intensificando, até tornar-se a força hegemônica. As grandes indústrias transnacionais

passam a ser, então, as “formas de organizar a produção a nível internacional”11

.

Com efeito, a hegemonia do imperialismo norte-americano no Brasil tem suas raízes no período

entre as duas guerras mundiais e no decorrer delas. Nesse processo, os Estados Unidos sentindo a

presença alemã no Brasil, e temendo uma possível aliança de Vargas com o Eixo, instala em 1940 o

Birô, criação do governo Roosevelt e chefiado por Nelson Rockefeller, que tinha como objetivo

“coordenar os esforços dos Estados Unidos no plano das relações econômicas e culturais com a América

Latina”11

. Essa instituição foi responsável pela infiltração na sociedade brasileira do modo de vida da

sociedade americana embora não tivéssemos o poder aquisitivo necessário para tanto13

.

Com efeito direto desses acordos, o governo de Getúlio Vargas decide apoiar os aliados, ao

mesmo tempo em que consegue Know-how norte-americano para a construção da siderúrgica de Volta

Redonda, básica para a industrialização brasileira.

Esse processo de “americanização” do Brasil teve grande impulso no Governo de Eurico Gaspar

Dutra, quando este abriu decisivamente os portos brasileiros aos produtos e à ideologia dos Estados

Unidos.

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O contexto ideológico a que nos referimos ganha corpo com o fim da segunda guerra. Nesse

período, o Eixo, agora derrotado, não representa perigo à expansão do imperialismo norte-americano.

Agora o principal “inimigo” é a União Soviética, único país em condições de concorrer com os Estados

Unidos na busca do controle político mundial.

A guerra ideológica travada contra o nazi-fascismo volta-se contra o comunismo. Este passa a

ser a grande ameaça à liberdade mundial, ao mesmo tempo em que os Estados Unidos passam a

representar o grande defensor dessa liberdade contra o perigo do comunismo representado pela União

Soviética. Nesta nova ordem internacional o posicionamento de um país de um lado ou de outro é

fundamental. A tentativa da neutralidade pode representar o fim de um Governo, como foi o caso

específico do governo de João Goulart.

O Governo Dutra assimilou essa nova ordem internacional e passou a operacionalizar as suas

ações governamentais sob orientação da política dos Estados Unidos. Todo movimento reivindicatório

da classe trabalhadora era definido como subversivo, de orientação comunista. O Brasil rompe relações

diplomáticas com a União Soviética em 1948. Um ano antes, o Partido Comunista fora colocado na

ilegalidade, e todos os seus militantes passaram a sofrer perseguições. Era o governo Dutra que “se

definou pela defesa da civilização ocidental”14

.

É ainda no Governo de Eurico Gaspar Dutra que a Escola Superior de Guerra (ESG) é fundada,

1949. Tendo como modelo o Colégio Nacional de Guerra dos Estados Unidos, a ESG foi a responsável

pela institucionalização da ideologia de Segurança Nacional contra o perigo comunista 15

.

Com toda essa situação criada, estava disseminado na sociedade brasileira o anticomunismo, ao

mesmo tempo a supremacia dos Estados Unidos era evidente. Este representava um país democrático,

defensor das liberdades, e superior às outras nações em todos os aspectos da vida econômica, política e

cultural.

Nesse contexto a industrialização tardia do Brasil se desenvolverá na dependência do capital

norte-americano. Primeiro, o Estado como o grande responsável por essa industrialização, desviando

renda do café para o setor da indústria. Segundo, por se tratar de uma industrialização tardia e

dependente, o Estado torna-se altamente dependente do capital internacional. De fato, esse capitalismo

tardio e dependente “viria a ser tanto transnacional quando oligopolista e subordinado aos centros de

expansão capitalista”16

. Ao capital nacional caberia associar-se ao capital transnacional ou deixar de

existir.

Acontece, porém, que alguns países periféricos como o Brasil, que passaram por um processo

considerável de industrialização, não podiam simplesmente voltar ao estágio anterior de mero

exportador de produtos primários. A industrialização, apesar de todas as deficiências e da dependência,

era uma realidade. O imperialismo precisava de novas orientações para continuar dominando os países

periféricos, aproveitando a matéria-prima abundante e a mão-de-obra barata. Essa nova realidade gerará

inúmeras crises econômicas e políticas no período da redemocratização do Brasil (1945-1964), que

culminarão no Golpe de 1964.

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A partir da década de 50, quando o domínio do imperialismo norte-americano é mais evidente, é

que os “interesses multinacionais na economia brasileira tornou-se um fator político central”17

. O

segundo governo de Getúlio Vargas (janeiro de 1951 a 24 de agosto de 1954), ilustra bem essa

afirmação de René A. Dreifuss. Considerando o pai do populismo, Vargas sofreria os efeitos da sua

própria criação. Voltado ao poder pelo voto popular, Vargas suicida-se em 24 de agosto de 1954

pressionado que estava pelo capital internacional e associado, que buscavam seus interesses. A política

varguista buscava beneficiar os interesses nacionais e os setores populares, organizando-os sob seu

controle. Essa orientação política de Vargas foi decisiva no desfecho dos fatos que culminaram com o

seu suicídio.

Na verdade, o posicionamento de Vargas é apresentado por Armando Boito Jr. Em três

diferentes enfoques: O primeiro é que Vargas seria um “instrumento serviu dos imperialistas norte-

americanos”; O segundo é que “o governo de Vargas possuiria um caráter anti-imperialista”;

Contestando, reafirmando e reavaliando essas duas posições, o autor elabora a terceira, que coloca

Vargas numa posição intermediária, procurando “pressionar o imperialismo e negociar com ele. Seria

um Governo que poderíamos denominar nacional-reformista”18

. Embora a política econômica de Vargas

beneficiasse a indústria nacional, o caráter de Estado de compromisso que predominou nesse período,

caracterizando na Burocracia de Estado, deslocava a burguesia do poder. Descontente, esta associa-se ao

capital transnacional, coopta as Forças Armadas e concretiza o Golpe de 1954. Essa unidade de diversos

setores da sociedade brasileira ao capital estrangeiro para depor Getúlio Vargas “expressa, de uma

maneira indireta, a unidade da burguesia contra as classes populares”19

, que se organiza e se fortalece no

período de redemocratização do país.

Com o suicídio de Vargas o golpe é paralisado. O clima era desfavorável. Porém o espírito

golpista da burguesia brasileira voltaria a se manifestar na tentativa de impedir a posse do novo

presidente eleito pelo voto popular e pelas forças partidárias que apoiavam Getúlio Vargas, o PSD e o

PTB. A tentativa fracassa, já que o presidente eleito recebeu apoio do Exército, através do General

Henrique Teixeira Lott.

No governo de Juscelino Kubitschek houve uma abertura da nossa economia ao capital

internacional como nunca se vira antes. Esse fator, inclusive, foi fundamental para que o presidente

pudesse concluir o seu governo. Acontece que esse modelo econômico implantado pelo governo J.K.,

tendo por base os “cinquenta anos em cinco”, esgotou-se rapidamente, provocando na economia

brasileira uma profunda crise que terminou por influir decisivamente no golpe de 196420

. O final do

governo de Juscelino Kubitschek representa também o fim do modelo de industrialização substitutiva de

importações. Surge um novo modelo, o de subdesenvolvimento industrializado, caracterizado como um

modelo do “tipo de desenvolvimento contraditório, desequilibrado, excludente, mas dinâmico, que

caracteriza uma série de países subdesenvolvidos que se industrializam, alcançando um grau

intermediário de desenvolvimento econômico cultural, mas se conservam subdesenvolvidos”21

.

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Nesse período de economia brasileira, o capital internacional, que crescera consideravelmente na

década de 50, torna-se hegemônico a partir da década de 60, representando todas as contradições desse

processo que iniciou, como vimos, com a Revolução de 30, e que apresenta várias matizes: As forças

Armadas como instituição autônoma da sociedade brasileira, o populismo, o Estado de Compromisso, a

industrialização brasileira, a redemocratização após 1945, a organização dos setores populares, também

com consequência imediata à redemocratização e a penetração e hegemonia do capital e da cultura

norte-americana na vida nacional.

Todos esses fatores interligados gerarão uma profunda crise institucional no país. Essa crise que

desemboca na década de 60 afetará profundamente o governo de Jânio Quadros que, não suportando as

pressões, arquiteta um Golpe de Estado e em menos de sete meses renuncia ao cargo de Presidente da

República22

.

Com a renúncia de Jânio Quadros, o seu sucessor direto era o trabalhista João Goulart. Dado

suas ligações com os setores populares e sindicais, e de ser herdeiro político direto do “getulismo”,

houve grande resistência à sua posse. O ano de 1961 foi crítico, onde a democracia brasileira quase

sucumbiu. O capital transnacional e o seu associado no Brasil tentaram a todo custo impedir a posse do

novo presidente. Como não havia naquele momento as condições propícias para um Golpe de Estado as

forças golpistas recuaram e passaram a minar o novo Governo com uma forte campanha ideológica

através dos meios de comunicação. Assim, de 1961 até 1964, foram criadas as condições necessárias

para um desfecho do golpe civil-militar de 1964 que depôs o presidente João Goulart23

.

As forças da reação, impossibilitadas, naquele momento de impedir a posse de João Goulart,

trataram de mutilar os seus poderes como Presidente da República. Pressionando o Congresso Nacional,

viabilizaram um “Golpe Branco”, instalando o Parlamentarismo como forma de Governo. Sobre essa

crise política e as consequências dela, Moniz Bandeira comenta:

“João Goulart recebeu do Congresso um poder mutilado, enfraquecido, enfraquecido, quando a

situação do Brasil mais exigia um Governo forte, centralizado, para efetuar as mudanças que o

desenvolvimento do capitalismo reclamava...” Nem Goulart, nem o Conselho de Ministros, aprovados

pelo Congresso, tiveram forças, assim, para enfrentar a situação, que a espiral inflacionária

deteriorava24

.

A economia estava estagnada, a inflamação crescia rapidamente, os conflitos sociais se

avolumavam. A luta entre as classes sociais conhecia seus contornos mais críticos e inéditos.

Nesse contexto o governo de João Goulart era pressionado de todos os lados. A tensão aumenta

após o plebiscito de 1963 que devolve todos os poderes de chefe de governo ao presidente. Assim

tínhamos a sociedade dividida em dois grandes blocos. De um lado os setores populares e sindicais

organizados reivindicando melhores condições de trabalho e de vida. Essas forças exigiam do Governo a

execução das reformas de base. Do outro lado o capital internacional e seu associado no Brasil que

desenvolviam uma guerra psicológica junto à população, acusando o governo de estar caminhando o

país na direção do comunismo25

.

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A organização dos golpistas “corporificadas numa intelligentsia empresarial”, era representada

pelos seguintes setores do bloco multinacional e associado:

a) “diretores de corporações multinacionais e diretores e proprietários de interesses associados,

muitos deles com qualificação profissional’;

b) “administradores de empresas privadas, técnicos e executivos estatais que faziam parte da

tecnoburocracia”;

c) “Oficinas Militares”26

.

Tendo essa “intelligentsia empresarial” preparando as condições para o golpe, todas as entidades

ligadas a esse grupo como a FIESP, CIESP, ESG, American Chambers of Commerce, passam a

oferecer apoio logístico para a implementação do golpe. Foi com esse espírito que “duzentas e noventa e

sete corporações americanas deram apoio financeiro ao IPES” 27

, que era o maior complexo de

divulgação das forças golpistas, que recebiam ajuda, ainda, da CIA e de empresários de todos os outros

estados brasileiros28

.

A propaganda ideológica operacionalizada pelo complexo IPES/IBAD após 1961, colocava à sua

disposição mais de 100 estações de rádio em todo país, mais de 280.000 livros e 36.000 boletins foram

impressos no período, todos com um conteúdo anti-comunista e de oposição a João Goulart. A

associação do Presidente com o comunismo era uma constante. Até filmes e cartuns eram usados nessa

guerra ideológica. Tudo era permitido como dizia Glycon de Paiva, um dos líderes do IPES, desde que

se impedisse o avanço do comunismo no Brasil. Vejamos o que ele recomenda aos seus subordinados:

“...a criação de um caos econômico e político, o fomento à insatisfação e profundo temor ao comunismo

por patrões e empregados, o bloqueio de foças de esquerda no Congresso, a organização de

demonstração de massa e comício e até mesmo atos de terrorismo, se necessário”29

.

Pelo que se pode concluir desse trecho, a desorganização do país, o caos, tudo interessava antes

às forças golpistas do que à classe trabalhadora, como sempre se divulgou. Só no caos se justificaria um

golpe nas instituições e o desrespeito à constituição.

Mas enquanto o capital internacional e associado trabalhava no sentido de desestabilizar o

governo de João Goulart, as forças progressistas buscavam e respaldar o Presidente na execução das

reformas de base. Isso só contribuía para um aumento da tensão política entre golpistas e legalistas.

Os grupos legalistas estavam divididos em dois blocos. No campo as ligas camponesas e os

sindicatos rurais organizaram os trabalhos ligados à terra na luta pela reforma agrária. Na cidade CGT, a

UNE, a FMP e no Congresso a FPM, todos buscavam organizar os setores progressistas para uma luta

em conjunto com o objetivo de alcançar as transformações da sociedade brasileira contidas nas reformas

de base.

Por tudo isso, o governo de João Goulart se debilitava ainda mais. Impossibilitando de atender as

reivindicações dos diversos setores da sociedade em conflito, o governo se isolava, tornando-se mais

fraco diante do golpe, o que acabou por se concretizar em 1964.

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O comício de 13 de março, no Rio de Janeiro, denominado “o comício das reformas”30

,

organizado pela CGT e pela assessoria sindical de Goulart, manifestações dos legalistas, e a “Marcha da

família de Deus e pela liberdade”, organizava pelas forças golpistas, deixavam bem claro a divisão da

sociedade brasileira frente à profunda crise conjuntural do país. Os golpistas, melhores organizados,

tomam o poder em abril de 1964 o presidente João Goulart. Os militares são colocados na parte

executiva do processo, enquanto o capital internacional e associado passam a controlar o governo para

atender as suas reivindicações.

____________________________________________________________

*Texto de aula proferido na FFBS, curso de Ciências Sociais, Disciplina de História Econômica, em

1989, primeiro semestre a pedido da professora titular, Maria do Carmo Lacerda.

JUSCELINO POLONIAL mestrando em história pela UFG, Professor da FFBS.

NOTAS_____________________________________________________

1. O termo “Revolução de 30” é contestado por alguns atores. Florestan Fernandes em “O que é

Revolução” e Jacob Gorender em “A Burguesia Brasileira”, que viram no movimento um golpe

de Estado, já que não aconteceram mudanças estruturais na sociedade brasileira.

2. Boris Fausto. A Revolução de 30. Pág. 112 e seguintes.

3. Jacob Gorender. Op. Cit. Pág. 63

4. Celso Furtado. Estado e empresas transnacionais na industrialização periférica. In Revista de

Economia Política. P.41. nº 41.

5. Caio Prado Júnior não concorda com esse conflito entre a burguesia. Para ele são todos homens

de negócio. Para maior esclarecimento consultar capítulo II do livro “A Revolução Brasileira”.

6. René Armand Dreifuss. 1964: A Conquista do Estado. Pág. 39.

7. Paul Singer. Aprender Economia. Pág. 108 e seguinte; Luiz Bresser Pereira. Economia Brasileira

– Uma introdução Crítica. Cap. VI.

8. Luiz Bresser Pereira. Op. Cit. Pág. 43.

9. No capítulo 26, “A crise de um sistema”, do livro “História Econômica do Brasil”, de Caio

Prado Jr., há uma análise mais detalhada desse processo.

10. Luiz Bresser Pereira. Op. Cit. Pág. 47.

11. Idem. Ibidem. Pág. 49.

12. Gerson Moura. Tio Sam Chega ao Brasil – A penetração cultural americana. Pág. 20.

13. Sobre o processo de infiltração da cultura dos Estados Unidos no Brasil, consultar o livro de

Gerson Moura.

14. Gerson Moura. Op. Cit. Pág. 75.

15. Sobre a doutrina de Segurança Nacional consultar o livro “Segurança Nacional”, de Roberto R.

Martins.

16. René A. Dreifuss. Op. Cit. Pág. 49.

17. René A. Dreifuss. Op. Cit. Pág. 65.

18. Sobre a análise do posicionamento de Vargas ver a página 9 até a 20 do livro de Armando Boito

JR. “O Golpe de 1954: a burguesia contra o populismo”.

19. Armando Boito Jr. Op. Cit. Pág. 36.

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20. Sobre o governo de J.K. consultar o livro “O Governo de Juscelino Kubitscheck”, de Ricardo

Maranhão.

21. Luiz Bresser Pereira. Op. Cit. Pág. 36.

22. Consultar o livro “O Governo de Jânio Quadros” de Maria Vitória Benevides, que faz uma

análise mais detalhada do período.

23. René A. Dreifuss no livro 1964: A conquista do Estado faz uma análise mais detalhada desse

processo.

24. Moniz Bandeira. O Governo João Goulart – A luta de Classes no Brasil – 1961 – 1964. Pág.

43/44.

25. René A. Dreifuss. Op. Cit. Cap. VI, VII e VIII.

26. René A. Dreifuss. Op. Cit. Pág. 71.

27. Idem. Ibidem, pág. 206.

28. Sobre a atuação dos empresários no golpe consulte os apêndices A, B, C, D, E, F, G, H, I. da

página 497 e seguintes do livro 1964: A Conquista do Estado. De René A. Dreifuss.

29. René A. Dreifuss. Op. Cit. Pág. 230.

30. Caio N. de Toledo. O Governo de Goulart e o Golpe de 1964. Pág. 95.

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