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UNIVERSIDADE DO PORTO FACULDADE DE MEDICINA
ALCOOLISMO PATERNO E COMPORTAMENTO/
RENDIMENTO ESCOLAR DOS FILHOS -
CONTRIBUIO PARA O SEU ESTUDO
J/??za &au/a f/ezetm J??/ifeJ
2003
UNIVERSIDADE DO PORTO FACULDADE DE MEDICINA
ALCOOLISMO PATERNO E COMPORTAMENTO/ RENDIMENTO ESCOLAR DOS FILHOS - CONTRIBUIO PARA O SEU ESTUDO
Dissertao de Mestrado em Psiquiatria e Sade Mental
Apresentada Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
Sob a orientao do Professor Doutor Antnio Pacheco Palha
Esta dissertao foi realizada com o apoio do
Centro de Cincia e Tecnologia da Madeira
Ana Paula Teixeira Alves 2003
ndice
NDICE INTRODUO 1
PARTE 1-ENQUADRAMENTO TERICO 4
1. ALCOOLISMO 5
LI. DEFINIO DE ALCOOLISMO S
1.2. PERSPECTIVA HISTRICA 14
1.3. MODELOS DE COMPREENSO DO ALCOOLISMO 17
1.4. ALCOOLISMO E COMORBILIDADE 25
1.5. PERSONALIDADE ALCOLICA 26
1.6. ALCOOLISMO E HEREDITARIEDADE 27
1.7. ESTUDOS COM FILHOS DE ALCOLICOS. 28
2. FAMLIA 34
2.1. DEFINIO DE FAMLIA 34
2.2. FUNES DA FAMLIA 38
2.3. TIPOLOGIAS FAMILIARES 40
2.4. MODELO CIRCUMPLEXO 43
2.5. FAMLIAS ALCOLICAS 46
3. RENDIMENTO ESCOLAR 53
4. COMPORTAMENTO NA SALA DE AULA 56
PARTE II - INVESTIGAO EMPRICA 58
1. DELIMITAO DO PROBLEMA 59
2. MATERIAL E MTODOS. 61
3. APRESENTAO DOS RESULTADOS 69
4. DISCUSSO DOS RESULTADOS 98
SUMARIO E CONCLUSO. 103
BIBLIOGRAFIA m
ANEXOS U7
ndice
NDICE DOS QUADROS
Quadro 1.
Quadro 2.
Quadro 3.
Quadro 4.
Quadro 5.
Quadro 6.
Quadro 7.
Quadro 8.
Quadro 9.
Quadro 10.
Quadro 11.
Quadro 12.
Quadro 13.
Relao entre o valor de Conners e o nmero de reprovaes 74
Relao entre o Conners e as classes das M.P.R. 74
Teste estatstico dos valores de Conners segundo o sexo. 76
Teste estatstico dos valores de conners_2 segundo o sexo. 76
Distribuio dos bebedores (classes) segundo os valores do Graff ar.. 84
Distribuio dos bebedores (classes) segundo on." de reprovaes.... 85
Teste estatstico do Conners segundo o consumo dos pais 88
Teste estatstico de Conners segundo o sexo 89
Comparao estatstica entre os dois grupos. 91
Teste de efeitos 93
Anlise de varincia multivariada. 93
Varincia explicada pelas componentes. 94
Teste de esfericidade e adequao da amostra 95
ii
ndice
NDICE DAS TABELAS
Tabela 1. Distribuio da amostra segundo a escola 69
Tabela 2. Distribuio da amostra segundo a idade 70
Tabela 3. Distribuio da amostra segundo as M.P.R. 70
Tabela 4. Distribuio da amostra segundo on." de reprovaes 71
Tabela 5. Estatstica da Escala de Conners 71
Tabela 6. Relao entre o valor de Conners e as escolas 75
Tabela 7. Distribuio da amostra segundo o nmero de irmos 76
Tabela 8. Distribuio da amostra segundo o grupo ocupacional da me 77
Tabela 9. Distribuio da amostra segundo o grupo ocupacional do pai 77
Tabela 10. Distribuio da amostra segundo os anos de casamento 78
Tabela 11. Distribuio da mostra segundo a classe scio-econmica 79
Tabela 12. Estatsticas da coeso percebida e idealizada do casal 81
Tabela 13. Estatsticas da adaptabilidade percebida e idealizada do casal 81
Tabela 14. Distribuio da amostra segundo o MAST do pai. 82
Tabela 15. Distribuio da amostra, por categorias, segundo o MAST do pai 83
Tabela 16. Comparao estatstica entre os dois grupos. 88
Tabela 17. Matriz dos pesos factoriais depois da rotao 95
Tabela 18. Valores prprios da anlise de correspondncia tendo em conta o
Conners 9$ Tabela 19. Medidas de discriminao 96
Tabela 20. Valores prprios da anlise de correspondncia tendo em conta on." de
reprovaes 97 Tabela 21. Medidas de discriminao 97
iii
ndice
NDICE DOS GRFICOS
Grfico 1. Distribuio dos valores de Connerspor escolas 72
Grfico 2. Distribuio dos valores de Conners segundo as MPR 73
Grfico 3. Distribuio dos pais segundo as habilitaes 78
Grfico 4. Distribuio da amostra segundo a escala Graff ar 80
Grfico 5. Distribuio da amostra segundo o modelo circumplexo. 80
Grfico 6. Correlao entre a adaptabilidade e a coeso percebidas do casal 81
Grfico 7. Distribuio dos valores das MPR segundo o consumo dos pais 86
Grfico 8. Distribuio do n. de reprovaes segundo as MPR e o consumo dos
pais 86
Grfico 9. Distribuio dos valores de Conners segundo o consumo dos pais 88
Grfico 10. Distribuio de Conners segundo o SADQ dos pais e o sexo das
crianas 90 Grfico 11. Distribuio dos bebedores (classes) segundo o modelo circumplexo. 90
Grfico 12. Distribuio dos bebedores (em classes) segundo a distribuio da
coeso familiar. 92 Grfico 13. Distribuio dos bebedores (em classes) segundo a distribuio da
adaptabilidade familiar 92 Grfico 14. Representao grfica das componentes. 94
Grfico 15. Representao grfica das quantificaes tendo em conta o Conners 96
Grfico 16. Representao grfica das quantificaes tendo em conta o n." de
reprovaes 97
iv
Introduo
INTRODUO
A alimentao humana inclui as bebidas alcolicas desde tempos remotos, com a
utilizao de lquidos fermentados na Pr-Histria. O consumo excessivo de lcool um
fenmeno universal em expanso, apesar das vrias medidas tomadas que visam o seu
controlo. Portugal , em todo o mundo, um dos pases mais afectados por problemas ligados
ao lcool. Incorporado na Europa, tem o primeiro lugar em morte por cirrose heptica e
o segundo consumidor per capita. Segundo as estatsticas dos Centros Regionais de
Alcoologia, o lcool em Portugal, afecta directamente um milho de pessoas e,
indirectamente, mais de dois milhes, sendo que, 60% dos portugueses so
consumidores, dos quais 30% j esto em nvel igual ou superior a bebedor excessivo.
A economia da RAM (Regio Autnoma da Madeira) tem estado muito ligada
produo de acar e de bebidas alcolicas desde a sua descoberta, sendo o alcoolismo
na RAM um problema de sade pblica.
Na medida em que implica graves consequncias para o equilbrio bio-psico-
social dos indivduos, o alcoolismo constitui-se como um comportamento aditivo cujas
dimenses perturbadoras surgem frequentemente na prtica clnica em sade mental,
assumindo notveis propores epidemiolgicas que levam a classific-lo em Portugal,
como noutros pases, como um verdadeiro "flagelo social" (Kaplan e col., 1994).
So mltiplas as definies de tipos de alcoolismo e de problemas ligados ao
lcool, o que gera uma certa dificuldade em defini-lo de forma simples e prtica. As
causas do alcoolismo so multideterminadas e os alcolicos e as suas famlias formam
uma populao heterognea.
Uma famlia uma unidade de trabalho conjunto, em que as maiores tarefas so
providenciar apoio vital e socializao dos seus membros. Numa famlia cada um dos
seus membros influncia e influenciado pelos outros. Nas ltimas dcadas tem sido
dada muita relevncia s relaes familiares e importncia que assumem na educao
e desenvolvimento da criana (Power e Parke, 1986; Marinha, 1989; Portugal, 1990).
As relaes pais - filhos durante a infncia e a adolescncia so imprescindveis
ao desenvolvimento psicolgico normal dos filhos. Estas relaes, influenciam o auto-
conceito e afectam o comportamento, o desempenho e o ajustamento do indivduo.
1
Introduo
O alcoolismo uma doena que afecta, no s o prprio indivduo, mas tambm,
aqueles com quem vive e a sociedade no seu todo. A famlia a primeira vtima,
sofrendo as consequncias directas na dinmica relacional, tornando-se o lar
simultaneamente patolgico e patognico, sobretudo, para os filhos. Frequentemente,
filhos de pais alcolicos apresentam atrasos no desenvolvimento fsico e intelectual,
dificuldades de aprendizagem, insucesso escolar, perturbaes comportamentais e por
consequncia, rejeio dos pares (Mendona, 1975, 1984).
Nas famlias alcolicas, verificam-se algumas alteraes em relao autoridade
paternal, ao poder de deciso, vida afectiva, aos limites e s funes dos papis na
famlia. Os filhos de pais alcolicos so vtimas do comportamento e atitudes dos pais,
podendo desenvolver perturbaes do comportamento, que geralmente antecedem o
alcoolismo, a toxicodependncia e o comportamento anti-social. Um factor constante
nos estados de embriaguez a sua imprevisibilidade para a famlia nos primeiros anos.
Os membros familiares trocam cdigos no verbais entre eles, em transaces bilaterais,
que pem em causa o poder disciplinador da figura paterna, e por conseguinte, a
dependncia em relao a ele.
Est provado que os pais influenciam os filhos, pela forma como se comportam
perante eles e pela forma como interage o casal (Labey e Benjamin, 1985). A criana
partilha grande parte da sua vida entre a casa e a escola. Apesar do reduzido nmero de
estudos, Forehand (1986), sugere que "a interaco pais-filhos em casa pode influenciar
o comportamento da criana noutros stios, nomeadamente na escola". Nos EUA,
estima-se que cerca de 6,6 milhes de crianas com menos de 18 anos tm um pai
alcolico (Russel et ai., 1985) e que um em cada oito americanos filho de pai
alcolico. Filhos de pais alcolicos podem apresentar dificuldades de aprendizagem,
dificuldades na linguagem e problemas emocionais. Na reviso da literatura, desde os
anos 90, podem-se encontrar referncias sobre crianas filhas de pais alcolicos, como
em Galanter (1991), Sher (1991) e Windle e Searles (1990). Famlias afectadas pelo
alcoolismo parental sofrem maior stress marital, com instabilidade econmica e
disfuno (West e Prinz, 1987). As crianas sofrem de falta de consistncia nos
cuidados de sade e na estabilidade ambiental (O'Connor et ai, 1993; Sher, 1991),
muitas so fsica e emocionalmente negligenciadas, podendo estar expostas a elevados
nveis de violncia e abuso familiar (Kumpfer et Bays, 1995).
2
Introduo
Parece-nos pois, pertinente avaliar a influncia do alcoolismo paterno no
rendimento escolar e no comportamento na sala de aula dos filhos de alcolicos.
Numa primeira parte, iremos definir as variveis do estudo: alcoolismo, famlia,
rendimento escolar e comportamento na sala de aula. Na abordagem do alcoolismo,
sero focados os aspectos de diagnstico e ser feita uma breve perspectiva histrica do
conceito. Sero tambm abordados alguns modelos de avaliao, assim como, alguns
aspectos relacionados com a comorbilidade e com a personalidade do alcolico e no
final sero revistos alguns estudos realizados com filhos de alcolicos. Depois sero
referidas definies de famlia, as suas funes, algumas das tipologias existentes, de
forma a enquadrarmos o modelo circumplexo e descrevermos ainda, caractersticas das
famlias alcolicas. Finalmente, sero descritas as possveis variveis que afectam o
rendimento escolar e o comportamento na sala de aula.
Na segunda parte, proceder-se- ao estudo emprico (comparativo/explicativo), no
incio com a definio dos objectivos e a metodologia utilizada. De seguida, ser
realizada a descrio da amostra, a apresentao dos resultados e por fim, a sua
discusso.
3
Enquadramento Terico
PARTE I
ENQUADRAMENTO TERICO
4
Definio de alcoolismo
1. ALCOOLISMO 1.1. DEFINIO DE ALCOOLISMO
Portugal ocupa um importante lugar na produo, comercializao e consumo de
bebidas alcolicas, em especial o vinho, sendo um pas com elevados consumos de
lcool per capita e consequentemente com uma grande proporo de problemas ligados
ao lcool. Na nossa sociedade, o consumo de lcool considerado normal em diversas
circunstncias como refeies, convvio social e celebraes. As bebidas, os padres, as
situaes e consumos diferem entre naes e regies, relacionados com os usos e
costumes dos diversos grupos populacionais.
A Madeira tem um consumo de lcool que poder ser enquadrado no consumo que
se verifica no Norte de Portugal, dadas as suas caractersticas de regio produtora de
vinhos. O alcoolismo e os problemas ligados ao lcool so um fenmeno praticamente
universal, constituindo um dos mais importantes problemas mdicos de sade e de
Sade Pblica na maioria dos Pases do Mundo Ocidental.
Os hbitos alcolicos so, desde tenra idade, incutidos na populao por razes de
natureza cultural e scio-econmica. Alm de atingir o prprio indivduo, o lcool tem
tambm repercusses a nvel social, desde os acidentes de viao, de trabalho,
criminalidade, perturbaes familiares, efeitos nas crianas e no seu rendimento escolar,
entre outros.
Definir o alcoolismo no fcil. Ao longo dos tempos so vrias as definies
propostas para o termo, todas elas sujeitas a crticas. No h consenso na definio
porque o termo alcoolismo, abrange um conjunto de atitudes perante o lcool e de
comportamentos diversos e heterogneos. Na literatura, podemos distinguir dois
grandes grupos de definies: por um lado, as que de uma maneira ou de outra,
traduzem a perda de controlo do indivduo perante a bebida e por outro lado, as que se
baseiam nas alteraes psquicas, fsicas e sociais provocadas pelo consumo regular ou
irregular de lcool.
A classificao do alcoolismo pela comunidade cientfica tem assumido diferentes
modalidades. Desde o sculo XVIII que as teorias psicolgicas tm sugerido que o facto
de beber de maneira excessiva pode ser consequncia de um hbito patolgico e no
"uma doena da vontade". Uma pessoa adicta , por definio, aquela que tem
5
Definio de alcoolismo
dificuldade em parar definitivamente o uso de uma substncia (Beck, Wrigth, Newman,
Liese, 1993), devido existncia de alguns factores de manuteno como as crenas
disfuncionais associadas ao lcool.
O termo alcoolismo foi introduzido em 1849, pelo sueco Magnus Huss, que o
definia como sendo "o conjunto de manifestaes patolgicas do sistema nervoso, nas
suas esferas psquica, sensitiva e motora, observado nos sujeitos que consumiram
bebidas alcolicas de forma contnua e excessiva e durante um longo perodo".
Posteriormente, vrias definies foram surgindo para uma melhor compreenso
do alcoolismo: Kraeplin, em 1883, definiu o alcoolismo como "uma alterao do carcter
com deteriorao generalizada, at no sentido moral, pelo encorajamento
aos estimulantes da aco".
Simonin, em 1945, utiliza uma definio quantitativa: "Alcolico aquele
que absorve em cada dia uma quantidade de lcool superior que pode
oxidar".
Em 1951, com Fouquet, surge uma definio comportamental: "Alcolico
o indivduo que perdeu de facto a capacidade de se abster do lcool".
A Organizao Mundial de Sade adoptava, em 1951, a frmula seguinte:
"Os alcolicos so bebedores excessivos cuja dependncia do lcool tal
que apresentam quer uma perturbao mental identificvel, quer
perturbaes que afectam a sua sade fsica, as suas relaes com os outros
e o seu comportamento social, econmico e laboral".
Keller e Efron, em 1955, referem que: "Alcoolismo uma doena crnica,
psquica, somtica ou psicossomtica, que se manifesta por uma alterao
do comportamento e caracteriza-se pela absoro repetida de bebidas
alcolicas em quantidade que excede o uso habitual alimentar ou esto em
desacordo com os costumes sociais da comunidade, interferindo com a
sade do bebedor e o seu bom funcionamento social e econmico".
Em 1959, McCord afirma que: "So considerados alcolicos os bebedores
que atraram sobre eles a ateno das autoridades: trata-se de indivduos
que foram detidos duas ou mais vezes por embriaguez na via pblica, ou
que foram enviados para um hospital psiquitrico por causa do alcoolismo
ou que tenham solicitado um tratamento junto dos Alcolicos Annimos,
consultas de sade mental ou associaes de luta contra o alcoolismo".
6
Definio de alcoolismo
Segundo Jellinek (1960), o alcoolismo era principalmente constitudo por
manifestaes psicolgicas e biolgicas que conduziam a uma perda de
controlo. Definiu o alcoolismo em vrios tipos: alfa, beta, delta, gama e
psilon. A definio de Jellinek privilegiava a noo de repercusso
negativa pessoal e social: " alcolico todo o indivduo cujo consumo de
bebidas alcolicas possa prejudicar o prprio, a sociedade ou ambos".
Para Keller & McCornick (1968) o "Alcoolismo uma doena crnica e
habitualmente progressiva ou sintoma de uma perturbao psicolgica ou
fsica subjacente que caracteriza a dependncia perante o lcool - o qual
consumido como forma de escapar ao sofrimento mental ou fsico na busca
do prazer da embriaguez do indivduo - e um consumo regular de bebidas
alcolicas suficientemente importante para produzir uma incapacidade no
plano fsico, mental, social ou econmico".
Em 1974, Davies define alcoolismo como "a ingesto intermitente ou
permanente de lcool conduzindo dependncia ou produzindo efeitos
nefastos". Alonso Fernandez (1981) divide os bebedores em bebedor enfermo
psquico, bebedor alcoolizado, bebedor alcomano, bebedor excessivo
regular e bebedor episdico, segundo a quantidade e frequncia dos
consumos.
Em 1982, a OMS num documento de trabalho para as "Discusses tcnicas
sobre o alcoolismo", que teve lugar na 35a Assembleia Mundial de Sade,
refere que: "Problemas ligados ao lcool ou simplesmente problemas de
lcool uma expresso imprecisa cada vez mais usada nestes ltimos anos
para designar as consequncias nocivas do consumo de lcool. Estas
consequncias atingem no s o bebedor mas tambm a famlia e a
colectividade em geral. As perturbaes causadas podem ser fsicas,
mentais ou sociais e resultarem de episdios agudos de um consumo
excessivo ou de um consumo prolongado" (Citado por Mercs de Mello e
col., 1988, pg. 12). A OMS define o alcoolismo como "a totalidade dos
problemas motivados pelo lcool, no indivduo e estendendo-se em vrios
planos, causando perturbaes orgnicas e psquicas, perturbaes da vida
familiar, profissional e social com suas repercusses econmicas, legais e
morais".
7
Definio de alcoolismo
Tambm Cloninger (1987) prope a diviso do alcoolismo em dois tipos
(tipo I e tipo II), mas no existem mtodos fidedignos para a sua
identificao. H ento uma heterogeneidade clnica e gentica entre os
alcolicos.
Nos novos sistemas psiquitricos de classificao (DSM- IV e CID -10)
feita a distino entre a dependncia de lcool e abuso de lcool (no
dependncia). A DSM - IV (APA, 1994, pp. 175 - 272) dedica um
captulo s Perturbaes pela Utilizao de Substncias, conceito que
integra para alm do uso de lcool e drogas tradicionais, medicamentos,
produtos txicos e outros. Estas substncias esto distribudas em onze
classes distintas e agrupadas segundo critrios de acordo com as
semelhanas das suas caractersticas e o lcool encontra-se na categoria
dos sedativos, ansiolticos e hipnticos. O diagnstico da DSM - IV diz
respeito aos sintomas e efeitos de inadaptao comportamental associados
utilizao mais ou menos regular de substncias que afectam o sistema
nervoso central.
Dentro das perturbaes relacionadas com o consumo de substncias, a DSM - IV
faz a distino entre:
- Perturbaes pela utilizao de substncias - referindo-se aos
efeitos inadequados de comportamentos associados utilizao
mais ou menos regular da substncia e,
- Perturbaes induzidas por substncias - dizendo respeito aos
efeitos agudos ou crnicos destas substncias no sistema nervoso
central.
Para que o consumo seja considerado patolgico tem que ter efeitos de
disfuncionalidade comportamental, normalmente considerados indesejveis por todas as
culturas.
1. Perturbaes pelo uso de lcool
a) Dependncia de lcool (303.90)
A dependncia definida por um conjunto de sintomas cognitivo-
comportamentais e fisiolgicos indicadores de que o indivduo tem um dfice no
controlo da utilizao da substncia, continuando o consumo apesar das consequncias
8
Definio de alcoolismo
adversas. A dependncia fsica do lcool toma-se evidente pela presena de tolerncia
ou sintomas de abstinncia, manifestando-se estes, por norma, 12 horas aps a reduo
da ingesto nos indivduos com hbitos de consumo excessivo e prolongado.
Critrios de diagnstico de dependncia do lcool (integrada na categoria de
Dependncia de Substncias - APA, 1994, pp. 181)
A - Um padro inadequado do uso de uma substncia, com a presena de
problemas clnicos significativos, apresentando trs ou mais das seguintes
caractersticas, ocorrendo pelo menos durante 12 meses:
1 - Tolerncia, caracterizada por:
a) Necessidade de quantidade cada vez maior da substncia para obter os
mesmos efeitos.
b) Diminuio significativa dos efeitos obtidos, com o uso continuado da
mesma quantidade de substncia.
2 - Sintomas de abstinncia, manifestando-se por:
a) Sintomas de abstinncia caractersticos (critrios A e B dos critrios de
sintomas de abstinncia de cada droga especfica).
b) Utilizao frequente da substncia para evitar os sintomas de abstinncia.
3 - A substncia frequentemente ingerida em quantidades crescentes ou durante
um perodo de tempo maior do que o indivduo tencionava.
4 - Desejo persistente ou tentativas persistentes, sem xito, de parar ou controlar a
utilizao da substncia.
5 - Ocupao de muito tempo em actividades necessrias para obter a substncia
(por exemplo: deslocar-se a grandes distncias), ao consumo ou recuperao dos
seus efeitos.
6 - Afastamento ou reduo de importantes actividades sociais, profissionais ou
recreativas, devido ao uso da substncia.
7 - Utilizao continuada da substncia apesar de saber que o seu uso causa ou
exacerba problemas recorrentes sociais, psicolgicos ou fsicos (ex.: continua a
beber sabendo que a ingesto de lcool provoca o seu agravamento, etc.).
B - A dependncia pode ainda especificar-se:
1 - Com a dependncia fisiolgica: evidncia de tolerncia ou sintomas de
abstinncia (quando presente o item 1 ou 2).
9
Definio de alcoolismo
2 - Sem dependncia fisiolgica: no evidncia de tolerncia ou sintomas de
abstinncia (ausncia do item 1 quer do 2).
b) Abuso de lcool (305.00)
Relativamente ao abuso do consumo de lcool, a caracterstica essencial o
padro inadaptativo do seu uso, manifestado por consequncias que a sua utilizao
promove. Os critrios de diagnstico de abuso no incluem a tolerncia, os sintomas de
abstinncia ou um padro compulsivo de utilizao. Este diagnstico comum em
indivduos que iniciaram o consumo recentemente mas que, mais tarde, com frequncia
se tornam dependentes.
Critrios de diagnstico de abuso do lcool (Integrado na categoria de
Dependncia de substncias - AP A, 1994, pp. 182-183)
A - Caracteriza-se por um padro inadequado do uso de substncias pondo em
risco a sade do indivduo e indicado por uma ou mais das seguintes caractersticas:
1 - Utilizao continuada de uma substncia, da qual resulta a diminuio do
cumprimento de obrigaes ao nvel do emprego, escola ou casa (absentismo no
emprego, expulso da escola, negligncia na educao dos filhos ou tarefas domsticas,
etc.). 2 - Recorrente uso da substncia em situaes fisicamente perigosas (ex.:
conduzir ou trabalhar com mquinas ou em situaes de risco, sob intoxicao).
3 - Ocorrncia repetida de problemas legais (priso por distrbios de conduta
resultantes do uso da substncia).
4 - Utilizao continuada da substncia, apesar dos constantes e recorrentes
problemas sociais ou interpessoais causados ou exacerbados pelos efeitos da substncia
(discusses em famlia, agresses fsicas...).
B - Ausncia de critrio de incluso na dependncia de substncia para a classe de
substncia em causa.
2. Perturbaes induzidas pelo uso de lcool
a) Intoxicao alcolica (303.00)
Caracterizada, em geral, por perturbao da percepo, ateno, pensamento,
avaliao, comportamento psicomotor e comportamento interpessoal. O quadro clnico
10
Definio de alcoolismo
varia em funo do indivduo, dose ingerida, tolerncia substncia, intervalo de tempo
entre intoxicaes, expectativas pessoais, contexto da ingesto, etc.
Critrios de diagnstico de intoxicao alcolica (APA, 1994, p. 197)
A - Ingesto recente de lcool.
B - Manifestaes clnicas de comportamento disfuncional e modificaes
psicolgicas (ex.: agressividade, labilidade de humor, diminuio das capacidades
cognitivas, disfuncionalidade social ou profissional) que surgem durante ou pouco
tempo aps a ingesto de lcool.
C - Um (ou mais) dos seguintes sinais desenvolvidos durante ou pouco tempo
aps a ingesto de lcool:
1 - Linguagem insultuosa.
2 - Incoordenao.
3 - Andar vacilante.
4-Nistagmo.
5 - Diminuio da ateno e da memria.
6 - Estupor ou coma.
D - O quadro clnico no corresponde a nenhuma perturbao de etiologia mdica
geral ou qualquer outra perturbao mental.
b) Sndroma de Abstinncia alcolica (291.8)
Os sintomas surgem aps a diminuio ou interrupo do consumo excessivo
prolongado ou seja, quando comea a surgir uma diminuio da concentrao habitual
de lcool na corrente sangunea (num intervalo de 4 a 12 horas) e aliviam aps a
ingesto de lcool ou um depressor do SNC. Os sintomas agravam-se no segundo dia de
abstinncia e normalmente melhoram a partir do quarto e quinto dia. Ao perodo agudo
segue-se geralmente uma fase com sintomas de ansiedade, insnia e disfuno
autonmica que persiste por alguns meses.
Critrios de diagnstico de sndroma de abstinncia alcolica
(APA, 1994, pp. 198-1999)
A - Interrupo (ou reduo) do uso excessivo e prolongado de lcool.
B - Dois (ou mais) dos sintomas que se seguem, e que surgem aps vrias horas
ou dias da interrupo (ou reduo) do consumo referido no critrio A:
11
Definio de alcoolismo
1 - Hiperactividade autonmica (ex.: suores e taquicardia superior a 100).
2 - Aumento de tremor das mos.
3 - Insnia.
4 - Nuseas ou vmitos.
5 - Alucinaes e iluses transitrias visuais, auditivas ou tcteis.
6 - Agitao psicomotora.
7 - Ansiedade.
8 - Convulses.
C - Os sintomas do critrio B so causa de problemas clnicos e/ou agravamento
da situao social, profissional ou outras reas de funcionamento.
D - Os sintomas no so devidos a etiologia mdica geral ou outra desordem
mental.
Especfico se:
Com distrbio perceptual.
Outras perturbaes induzidas pelo lcool:
Delirium por intoxicao
Delirium de abstinncia
Demncia persistente
Perturbaes amnsicas persistentes
Perturbaes psicticas
Perturbaes do humor
Perturbaes ansiosas
Disfunes sexuais
Perturbaes do sono
Diagnstico diferencial
No diagnstico diferencial das perturbaes relacionadas com o consumo de
lcool deve ter-se em ateno os seguintes aspectos:
O consumo no patolgico de que exemplo o consumo social de lcool.
Intoxicao alcolica - um ou mais episdios de intoxicao isolados no
so suficientes para diagnosticar perturbaes relacionadas com o consumo
de lcool.
12
Definio de alcoolismo
Diferenciar intoxicao e abstinncia das perturbaes delas derivadas,
como o delirium por intoxicao ou perturbaes psicticas iniciadas no
perodo de abstinncia. Ter em considerao que muitos dos sintomas de perturbaes mentais
primrias se exacerbam com o consumo de lcool (ex.: perturbaes do
humor, ansiedade, psicticas, etc.).
Ter ainda em considerao a distino deste diagnstico das perturbaes
mentais devidas a condies mdicas (ex.: neurolgicas, metablicas, etc.).
Diferenciar intoxicao pelo lcool de intoxicaes por outras substncias
(ex.: sedativos, hipnticos,, ansiolticos, etc.).
c) Outras perturbaes no especficas relacionadas com o lcool
(291.9)
Categoria de outras perturbaes devidas ao consumo de lcool e que no so
possveis de incluir em nenhuma das referidas anteriormente.
de salientar que o abuso e a dependncia do lcool se associam com frequncia
ao abuso e dependncia de outras substncias, sendo este muitas vezes utilizado para
aliviar os sintomas de abstinncia daquelas ou mesmo como substituto na sua ausncia.
Outro dos aspectos a salientar que as perturbaes relacionadas com o consumo de
lcool aumentam de forma significativa o risco de acidentes, violncia e suicdio.
13
Perspectiva histrica
1.2. PERSPECTIVA HISTRICA Portugal tem uma herana cultural relacionada com o lcool, que vai desde rituais
religiosos e sagrados, at festivais onde a presena do lcool mesmo histrica. A
histria do consumo de lcool, desde sempre acompanhou a histria do homem, dado
que as bebidas alcolicas so conhecidas h milhares de anos e existem indcios da sua
utilizao na Pr-Histria.
O lcool ter sido descoberto, por mero acaso, pelo Homem do Paleoltico, que
bebeu o sumo do fruto ou do mel que guardava em recipientes de argila e que entretanto
fermentou, sob a influncia de leveduras existentes no ar. Nesta altura, os efeitos do
lcool tinham um carcter divino e sagrado.
Ao longo da histria, o lcool esteve ligado a celebraes festivas e a ocasies
especiais, criando com o homem uma forte relao, evidente nos vrios ditados
populares: "O vinho e o medo descobrem o segredo"; "Dar de beber dor"; "Quem tem
bom vinho tem bom amigo"; "Onde o vinho falta no h lugar para o amor"; "A
penicilina cura os homens, mas o vinho que os torna felizes".
Atravs de referncias histricas verifica-se que no terceiro milnio a.C, a
civilizao Sumria fabricava cerveja, enquanto que no Egipto e na Mesopotnia, a
cerveja era considerada a bebida nacional. Nas civilizaes Maia, Azteca e Inca, o
consumo de lcool tinha um carcter mgico e sobrenatural, sendo utilizado para fins
medicinais.
Na histria das bebidas alcolicas, o vinho tem um papel primordial, sendo muito
utilizado pelas civilizaes greco-romanas. nos Imprios Grego e Romano que surge
um Deus do vinho - Dioniso e Baco, respectivamente. A prpria religio judaico-crist
utiliza o vinho nas suas celebraes, contribuindo para a difuso do seu uso.
No sculo XIII, surgem as bebidas destiladas, com um maior teor alcolico e
efeitos mais acentuados, tais como o aguardente, o whisky e o rum, entre outras.
No decorrer do sculo XIX, com o desenvolvimento industrial surgem novos
hbitos e locais de consumo, com ritos prprios e hbitos diferentes consoante os locais
de consumo. Mudam-se tambm os motivos para o consumo. Em meados deste sculo,
surge a conscincia dos graves problemas e consequncias do consumo excessivo de
lcool. Em 1849, Magnus Huss, mdico suo, utiliza pela primeira vez o termo
alcoolismo e considera-o como uma doena crnica pertencente ao campo da Medicina.
14
Perspectiva histrica
Com a sua obra, "Alcoholismus Chronicus" (Magnus Huss), d-se incio a uma nova
vaga de estudos no sentido de compreender melhor este fenmeno.
Desde a descoberta da ilha, em 1419, que a economia da Regio Autnoma da
Madeira (RAM) est ligada produo de acar e de bebidas alcolicas. Segundo o
historiador Alberto Vieira: "A Madeira foi desde o incio da ocupao europeia um
espao de produo de vinho capaz de suprir as suas necessidades e de exportar um
elevado excedente, primeiro para a Europa e depois para o novo mundo. Todavia, neste
primeiro momento e nos sculos seguintes, no temos notcias sobre o consumo
exagerado de lcool". Tendo em conta que o vinho da ilha, at princpios do sculo XIX
era exportado, no restava para o Madeirense o suficiente para manter o consumo em
excesso. Assim, segundo o historiador, at ao sculo XIX, o alcoolismo era muito
escasso na regio, ao contrrio do que se pensaria, a julgar pela produo de vinho que
se inicia logo no sculo XV.
S no sculo XIX, h uma alterao do vinho da Madeira e dos hbitos de
consumo dos Madeirenses, devido a diminuio da exportao e a crises vincolas
provocadas por doenas que atacaram a vinha. Assim, como grande quantidade de vinho
no saa da regio, era consumido pelos habitantes da mesma, estando mais acessvel
aos madeirenses. tambm nesta data que surge o vinho americano, de m qualidade
para a exportao mas facilmente escoado na regio. Nos finais sculo XIX surgem os
primeiros indcios do elevado grau de alcoolismo existente na ilha. tambm neste
sculo, introduzida a cerveja e o seu consumo pelos ingleses, com implementao de
fbricas de cerveja na ilha.
Nos princpios do sculo XX surge o consumo excessivo de aguardente, a
introduo da cidra e os estrangeiros vo tambm introduzir o whisky, gin, vodka e
outras bebidas.
Alberto Vieira reala que a moderao do consumo de lcool na Madeira, foi
quase sempre ditada pela disponibilidade do mesmo e pela capacidade financeira dos
bebedores. Actualmente, um grande e vasto nmero de bebidas alcolicas encontra-se
disponvel para qualquer um, mesmo os mais pobres e os mais jovens.
O concelho do Funchal tem uma rea de 77,1 Km2 e est dividido em 10
freguesias como se observa no mapa:
15
Perspectiva histrica
ILHA DA MADEIRA CONCELHO DO FUNCHAL
Segundo os resultados preliminares dos censos 2001, o Concelho do Funchal tem
uma populao de 102521 habitantes residentes, sendo 54656 do sexo feminino e 47865
do sexo masculino.
O consumo de bebidas alcolicas est profundamente enraizado nas tradies
culturais da Madeira, mas so escassos os estudos sobre o consumo de lcool na regio.
Saturnino Silva (1995), verificou que em 1992, o consumo de lcool puro por ano e per
capita era de 10,16 litros. Segundo o referido estudo, o consumo de vinho na regio
oscilava entre os 39,3 e os 50 litros por ano e per capita, enquanto a cerveja atingia um
consumo de 59,7 litros por ano e per capita e o whisky, champanhe e conhaques os 4,6
litros por ano e per capita.
Num estudo de 2000, sobre o diagnstico da situao alimentar e nutricional da
RAM, verificou-se que o vinho era a bebida alcolica que registava maior frequncia de
consumo, seguido da cerveja e das bebidas espirituosas. As quantidades ingeridas foram
minimizadas nas respostas, devido conotao negativa que esse consumo acarreta,
embora se tenha verificado que o consumo era maior nos homens e menor nos
habitantes do concelho do Funchal (RAM, 2000).
Actualmente, em Portugal, os problemas ligados ao lcool, so considerados um
problema de Sade Pblica. O consumo de lcool , em Portugal, um fenmeno
sociocultural generalizado e precocemente determinado. Segundo estatsticas dos
Centros Regionais de Alcoologia, em Portugal o lcool afecta directamente um milho
de pessoas e, indirectamente, mais de dois milhes. Os problemas relacionados com o
lcool representam um dos problemas mais graves da sade pblica regional e nacional.
16
Modelos de compreenso do alcoolismo
1.3. MODELOS DE COMPREENSO DO ALCOOLISMO O alcoolismo um comportamento patolgico de origem multifactorial e nenhuma
hiptese de origem biolgica ou psicolgica isoladamente conseguem explic-lo.
Ao longo dos tempo surgiram diferentes modelos de abordagem ao alcoolismo,
baseados em diferentes orientaes tericas e/ou em momentos histricos. Desde
formulaes psicodinmicas de teor psicanaltico (S. Freud, K. Abraham, E. Glover, S.
Rado, R. Knight, O. Fenichel, K. Menninger), passando pelas abordagens
bioneurofisiolgicas (genticas, marcadores biolgicos), bem como pelos modelos
integrveis nas teorias interaccionistas (Jessor et Jessor, 1975) at teoria da
aprendizagem social (Bandura, 1977; Abramset Niaura, 1987; Mariait et Gordon, 1980),
para alm das abordagens sociolgicas, foram vrias as tentativas de explicao da
etiologia, desenvolvimento e tratamento do problema do alcoolismo.
Surgem assim vrios tipos de abordagens/modelos:
A) Modelo moral O modelo moral deriva dos conceitos da moral crist e atribui ao indivduo toda a
responsabilidade, pela sua falta de carcter e de fora, pelo aparecimento do alcoolismo.
Tal como refere Marlatt, "o adicto era ento visto como algum a quem faltava a
fibra moral para resistir tentao" (Marlatt, 1985, p.6). Como consequncia desta
viso o alcolico era considerado como uma pessoa com falta de carcter moral, fraco e
incapaz de resistir. Acentua a culpa e vergonha do indivduo, responsabilizando-o pelo
desenvolvimento do seu problema. Nesta perspectiva, s a pessoa se poderia ajudar a si
prpria, estando tudo dependente da sua fora de vontade.
B) Modelo espiritual O modelo espiritual tambm centra no indivduo toda a responsabilidade pelo
desenvolvimento do alcoolismo, mas vincula a falta de poder do indivduo, no controlo
do consumo de lcool ("vtima do lcool").
C) Modelo mdico O modelo mdico/doena postula o alcoolismo como uma doena progressiva, de
bases biofisiolgicas e genticas que impossibilitam qualquer controlo voluntrio face
bebida. O indivduo, perante este modelo, "perde o controlo" sobre o seu
comportamento, como activao de mecanismos fisiolgicos aditivos (como a
17
Modelos de compreenso do alcoolismo
tolerncia, a dependncia e a privao) que se traduzem num desejo intenso de beber
continuado (Jellinek, 1960). Em 1956, a Associao Mdica Americana declarou oficialmente o alcoolismo
como uma doena. Este modelo enfatiza a importncia dos factores biolgicos da
adico, focando os efeitos bioqumicos do lcool e os seus efeitos farmacolgicos.
Nesta abordagem, o indivduo adicto considerado um "doente", no tendo qualquer
responsabilidade no incio, desenvolvimento e tratamento do problema. O alcolico
passa a ser visto como portador de uma doena orgnica, como qualquer outra.
assumido que "o processo de doena estava latente mesmo antes do alcolico ter
tomado a primeira bebida (devido predisposio gentica) e permanece activo (ainda
que temporariamente "em remisso"), mesmo que o alcolico recuperado no beba,
durante anos" (Marlatt, 1985, p.7). A nica forma de tratamento, neste modelo, a
absteno total e absoluta.
D) Modelo de aprendizagem scio-cognitiva
Bandura, em 1969, afirma que "os alcolicos so pessoas que adquiriram, atravs
de reforo diferencial e de modelamento, experincias de consumo de lcool como
resposta a uma estimulao aversiva". Assim, Bandura sugere que as normas culturais e
a sua maior ou menor permissividade no consumo de lcool, a famlia, os amigos e os
padres de bebida socialmente aceites e ligados a situaes especficas, influenciam o
consumo de lcool em excesso.
Estas teorias focam a ateno em quatro aspectos principais do comportamento
alcolico: frequncia e durao do consumo; quantidade de lcool ingerido;
acontecimentos que ocorrem antes e depois do consumo; e a natureza e severidade dos
problemas associados com uso excessivo de lcool.
A abordagem do alcoolismo no mbito da teoria da aprendizagem social (Bandura,
1969), rejeita o carcter inexorvel da progresso do consumo e refuta a prepotncia do
papel atribudo a factores intrapessoais (como os traos da personalidade e os
mecanismos fisiolgicos) no desenvolvimento do alcoolismo.
E) Modelo motivacional
Para Cox e Klinger, em 1988, uma pessoa decide, consciente ou
inconscientemente, consumir ou no lcool, se espera ou no consequncias positivas
desse consumo.
18
Modelos de compreenso do alcoolismo
Este modelo reconhece diferentes estilos de bebida, que colocam os bebedores
num contnuo que vai do no adicto ao adicto. Pressupe que a deciso de beber uma
combinao de processos emocionais e racionais, que feita tambm com base na
mudana afectiva esperada como consequncia do beber e que, regra geral, as
consequncias imediatas assumem um papel preponderante na deciso.
A tomada de deciso e os factores nela envolvidos nem sempre so conscientes,
contudo, as decises so voluntrias, da os indivduos poderem ter controlo sobre elas.
F) Modelo biopsicossocial
O modelo bio-psico-social, encara o alcoolismo como um fenmeno determinado
por mltiplos factores: de ordem biolgica, farmacolgica, psicolgica, situacional,
interpessoal e social. Segundo este modelo, o indivduo no considerado como
responsvel pelo incio e desenvolvimento do problema mas tem capacidade de
controlar o consumo e responsvel pelo processo de mudana.
O alcoolismo visto como um produto interactivo de uma aprendizagem em
situaes que envolvem factores fisiolgicos tal como estes so interpretados e
rotulados pelo indivduo. Os componentes fisiolgicos e cognitivos so assim aspectos
indissociveis da experincia total do processo de alcoolismo.
G) Abordagens cognitivo - comportamentais
As abordagens comportamentais e cognitivas consideram o alcoolismo como um
fenmeno multideterminado pela interaco entre factores biolgicos, sociais, de
aprendizagem (condicionamento clssico, operante e aprendizagem observacional) e
processos cognitivos, bem como pela forma como os sujeitos interpretam, codificam e
representam a experincia.
H) Perspectiva sistmica
Numa perspectiva sistmica o sintoma alcoolismo teria um triplo significado no
funcionamento familiar: ele seria um ressurgimento de um alcoolismo presente nos pais
e/ou avs (hiptese transgeracional); por outro lado, ele teria uma funo actual para
manter a coeso familiar; ou ainda o papel de mascarar um outro sintoma.
A famlia do alcolico perde o seu equilbrio entre a tendncia homeosttica e a
transformao. A homeostasia perdida, no sentido em que a unidade familiar est em
19
Modelos de compreenso do alcoolismo
conflito e quantas vezes beira da ruptura, recuperando-a custa da adico do lcool e
no por via de um espao comunicacional que permita a renegociao dos conflitos.
Estes modelos pretendem fornecer uma melhor compreenso do problema do
alcoolismo, mas os comportamentos alcolicos constituem um grupo heterogneo cujo
nico trao comum incontestvel um consumo abusivo de lcool nocivo para a sade
fsica, mental e para a integrao social do indivduo.
Numa tentativa de compreender melhor o problema de alcoolismo, foram
propostas algumas tipologias com o objectivo de se tentar definir subgrupos mais
homogneos de bebedores:
a) Tipologia de Jellinek (1960) Jellinek (1960) definiu vrios tipos de alcoolismo, consoante a capacidade de
controlo dos sujeitos, dando-lhes as primeiras letras do alfabeto grego:
Tipologia de Jellinek (1960)
Tipos de alcoolismo Descrio do comportamento alcolico
Alpha
Bebedor "indisciplinado", na medida em
que no cumpre as regras socialmente
aceites do beber, tais como lugar, tempo e
ocasio. Representa a dependncia
psicolgica dos efeitos do lcool.
Beta
Bebedor excessivo, sem dependncia fsica
e/ou psicolgica, mas com problemas
ligados ao lcool.
Gamma
Perda de controlo, embora possa passar por
perodos de abstinncia e aumento da
tolerncia.
Delta Incapacidade de se abster, mesmo por
curtos perodos.
psilon Alcoolismo crnico.
20
Modelos de compreenso do alcoolismo
b) Tipologia mulltiaxial de Alonso Fernandez
Alonso Fernandez divide os alcolicos em quatro grupos, atravs de uma tipologia
multiaxial: Tipologia multiaxial de Alonso Fernandez
Bebedor excessivo regular
Surge devido ao ambiente sociocultural em
que o indivduo se insere. 0 indivduo
bebe de forma regular e ordenada, havendo
uma dependncia contnua.
Bebedor alcoolomalo
Tem a sua etiologia na personalidade do
indivduo, que consome de forma regular,
como forma de evaso, com muitas
embriagueses. uma forma de alcoolismo
recorrente e agudo.
Bebedor enfermo psquico Consumo como forma de reduzir os
sintomas psicopatolgicos da dependncia.
Bebedor alcoolizado
H uma degradao da personalidade, com
uma dependncia fsica e psquica
constante.
c) Classificao de Cloninger
Cloninger (1988) definiu o alcoolismo em dois tipos, com diferentes tipos de
hereditariedade, relacionados com o sexo, idade de incio, padres alcolicos e traos de
personalidade caractersticos.
A classificao de Cloninger (Tipos I e II), parte de dados da epidemiologia
gentica relativos ao comportamento face ao lcool dos pais dos sujeitos alcolicos. Os
seus pressupostos tericos so essencialmente de ordem biolgico - comportamental e
postulam a existncia de trs dimenses da personalidade (procura de novidade,
evitamento do perigo e dependncia da recompensa), cujas respectivas variaes num
indivduo determinariam a sua forma clnica de alcoolismo (Cloninger e col., 1988).
21
Modelos de compreenso do alcoolismo
Classificao de Cloninger
Tipo I Tipo II
Alcoolismo do meio (forma mais
frequente)
Forma exclusivamente (ou quase)
masculina. Menor influncia do meio
Frequncia equivalente em ambos os sexos Personalidade marcada pela impulsividade
Incio aps os 20 anos Incio precoce (antes dos 20 anos)
Progresso lenta Progresso rpida para a dependncia.
Alteraes do comportamento durante as
fases de alcoolizao
Factores de risco ligados ao meio e
gentica
Factores de risco sobretudo genticos
(alcoolismo paterno frequente)
O tipo I (alcoolismo "do meio") caracteriza-se por um incio depois dos vinte anos
e uma evoluo lenta. Os factores de risco, alm de ligados gentica, implicam,
tambm, perturbaes do meio na infncia (carncias afectivas, separao precoce,
desorganizao familiar). A personalidade de base seria marcada pela "fraqueza do eu",
por um baixo nvel de procura da novidade e por um nvel elevado de evitamento do
perigo e da dependncia da recompensa .
O tipo II (ou "exclusivamente masculino") caracteriza-se por um incio precoce,
antes dos 20 anos, e pela evoluo at dependncia. Estaria associada a
comportamentos antisociais e toxicomania. Os factores de risco so de ordem gentica
(dependncia alcolica no pai) e neuropsicolgica (sndrome de biperactividade e
perturbao de dfice de ateno na infncia).
d) Classificao de Babor.
A tipologia proposta por Babor (1992) assenta na anlise factorial de 17
caractersticas dos pacientes alcolicos, compreendendo nomeadamente: o risco pr-
mrbido e a vulnerabilidade; a gravidade da dependncia e dos problemas ligados ao
lcool; a psicopatologia associada. Classifica assim o alcoolismo em A e B. O
alcoolismo de tipo B tem um prognstico mais severo do que o do tipo A, visto ter um
incio precoce, a dependncia ser mais grave e estar mais associada a outras patologias
e/ou consumo de outras drogas.
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Modelos de compreenso do alcoolismo
Classificao de Babor dos comportamentos alcolicos
Tipo A TipoB
Incio tardio (depois dos 20 anos) Incio precoce
Evoluo lenta Maior frequncia do alcoolismo familiar
Menor frequncia de psicopatologia
associada
Dependncia mais grave
Melhor prognstico Maior frequncia das toxicomanias
associadas
Menor frequncia das complicaes Maior comorbilidade psicopatolgica
Menor frequncia dos factores de risco na
infncia
Mais factores de risco na infncia
(comportamentos agressivos e
impulsividade)
e) Classificao integrada Ads e Lejoyeux (1997) propuseram uma classificao integrando as principais
tipologias. Permite a distino de dois tipos clnicos de alcoolismo:
Classificao integrada de Ads e Lejoyeux
Alcoolismo Primrio Alcoolismo Secundrio
70% das formas de alcoolismo 30% das formas de alcoolismo
Predominncia masculina Predominncia masculina menos marcada
Incio precoce (antes dos 20 anos) Incio mais tardio (aps os 20 anos)
Alteraes do comportamento e procura de
sensaes fortes
Automedicao pelo lcool de uma
perturbao ansiosa, depressiva ou
esquizofrnica
Personalidade marcada pela impulsividade Perturbaes da personalidade (sociopatia
ou outra)
Evoluo rpida para a dependncia Evoluo mais lenta para a dependncia e
para as complicaes fsicas
Factores de risco biolgicos e genticos Factores biolgicos e genticos menos
marcados
Dependncia alcolica instantnea ou aps
um perodo de abuso de lcool
Modos de consumo de lcool variveis:
consumo permanente ou intermitente,
abuso ou dependncia alcolica
23
Modelos de compreenso do alcoolismo
O alcoolismo primrio (cerca de 70% das formas de alcoolismo) corresponde, na
maioria dos casos, ao tipo II de Cloninger. Representa um comportamento alcolico de
incio precoce, com forte carga gentica, e biolgica. Os principais factores
psicopatolgicos que favorecem o aparecimento da dependncia alcolica, so a
impulsividade, as alteraes do comportamento e a procura de "sensaes fortes". As
perturbaes psiquitricas apresentadas pelos pacientes (depresso, ansiedade, psicose,
comportamentos agressivos) so aqui secundrias alcoolizao e esto relacionadas
com os efeitos farmacolgicos do lcool.
O alcoolismo secundrio (cerca de 30% das formas) um comportamento muito
diferente, talvez geneticamente influenciado nalguns casos, mas representa na maior
parte das vezes um comportamento de automedicao pelo lcool, causado pela
ansiedade, as fobias, a depresso, a esquizofrenia, a sociopatia e as perturbaes graves
da personalidade. O seu incio mais tardio e a evoluo mais lenta.
No nosso estudo iremos considerar o alcoolismo segundo a avaliao do MAST
(Michigan Alcoholism Screening Test), sem ter em conta o tipo de bebedor e a
quantidade ingerida.
24
Alcoolismo e comorbilidade
1.4. ALCOOLISMO E COMORBILIDADE A grande acessibilidade do lcool e a sua procura para alvio de todos os mal-
-estares, so por vezes os motivos que levam a complicaes de uma patologia
subjacente. Para Mercs e Mello (1981) na populao tratada no Centro Regional de
Alcoologia de Coimbra, s 10 a 15% dos indivduos se tornam alcolicos por razes de
ordem psicolgica e a grande maioria so fruto da sociedade em que esto inseridos.
A maioria das pessoas com um distrbio relacionado com o lcool tem pelo menos
uma doena psiquitrica associada, sendo mais evidente essa associao com a
dependncia alcolica do que com o abuso de lcool. Esta co-ocorrncia mais
frequente entre as mulheres do que entre os homens, sendo os distrbios afectivos e
ansiosos as patologias mais associadas.
Num estudo de Robin e col., em 1984, 47% dos diagnosticados como dependentes
de lcool tinham outra perturbao mental, sendo os distrbios mais frequentes a
perturbao anti-social da personalidade, outras dependncias, depresso major,
esquizofrenia, perturbao da ansiedade, de somatizao e mania. Verificaram tambm
que as mulheres alcolicas tm maior probabilidade de ter uma perturbao psiquitrica
adicional do que os homens.
No nosso estudo, a comorbilidade e o consumo de outras substncias no foram
tidas em conta, o que ser uma limitao na anlise dos dados.
25
Personalidade alcolica
1.5. PERSONALIDADE ALCOLICA Muitos estudos tm sido feitos para avaliar a personalidade do alcolico. At ao
momento no se conseguiu determinar um perfil caracterstico do alcolico. Uma
reviso da literatura sobre uma eventual personalidade alcolica, sugere o aparecimento
de uma constelao de traos caractersticos como a dependncia, a negao, a
depresso, a sociabilidade superficial, a instabilidade emocional, a dvida, a baixa
tolerncia frustrao, a impulsividade e a auto-desvalorizao, mas no uma
personalidade devidamente individualizada. A questo sobre se ser o abuso de lcool a
levar a estes traos de personalidade ou, se sero eles que conduzem ao consumo
excessivo mantm-se inconclusiva.
Alonso Fernandez (1977), num trabalho com MacCord e MacCord, conclui que os
alcolicos tm uma elevada necessidade de dependncia mas, simultaneamente,
rejeitam o contacto humano e tm dificuldade em se inserir em grupos organizados,
apresentando uma conduta aparentemente autnoma. Para Alonso Fernandez (1990), a
gnese do alcoolismo a personalidade. Considera que os alcolicos tm caractersticas
comuns como a vivncia da solido e a falta de esperana no futuro, contudo, considera
que errado falar de uma personalidade pr-alcolica (apenas existem crianas
vulnerveis). Vrios estudos longitudinais tm sido realizados com o intuito de identificar
caractersticas da personalidade que diferenciam os alcolicos dos no alcolicos, e
identificaram-se factores como a baixa tolerncia tenso, impulsividade,
hiperactividade, depresso e baixa auto-estima. Os resultados mais consistentes so os
que correlacionam o alcoolismo com comportamentos anti-sociais.
O uso e abuso de lcool pois um fenmeno complexo, causado pela interaco
de diversos factores como a predisposio, a disponibilidade, a publicidade, a presso
social, diferentes estados psicolgicos, a modelagem, os efeitos do lcool e as
expectativas sobre os seus efeitos.
26
Alcoolismo e hereditariedade
1.6. ALCOOLISMO E HEREDITARIEDADE Vrias investigaes tm sido realizadas com animais e humanos, utilizando
diversas metodologias de investigao, no sentido de procurar uma eventual
hereditariedade do alcoolismo.
Schuchit e col. (1985), referem a existncia de mecanismos de transmisso
gentica envolvidos nos comportamentos de consumo dos animais.
Vrias investigaes tm sido realizadas no sentido de identificar marcadores
biolgicos que dem evidncia da hereditariedade do alcoolismo, como o estudo de
alguns enzimas nas plaquetas sanguneas e as variaes no metabolismo do etanol, entre
outros. Dfices de ordem neuropsicolgica e cognitiva expressos em erros categoriais e
baixo Q.I. tm sido apontados como caractersticos dos filhos de alcolicos (Alterman e
col, 1985; Gabrielli e Mednik, 1983). Mas estes resultados no se revelaram
concludentes, visto que, factores como a idade e os hbitos alcolicos dos sujeitos, no
foram devidamente controlados (Searles, 1988). Hesselbrock e col. (1985), tomaram em
conta estes factores e as diferenas de ordem neurocognitiva no se revelaram
significativas. Tm tambm sido referidas diferenas nos EEG (electroencefalogramas) dos
filhos pr-adolescentes de alcolicos, a nvel da onda P300 (Begleiter e col., 1984).
A nvel dos marcadores psicolgicos, os resultados tm encontrado poucas
diferenas entre os filhos de alcolicos e os grupos de controlo, na pesquisa de
indicadores de personalidade pr-sintomtica referente ao abuso de lcool.
Segundo alguns estudos (Cotton, 1979; Schuckit, 1986), os filhos de alcolicos
tero um risco trs a quatro vezes acrescido de virem a desenvolver problemas de
alcoolismo. Os filhos de alcolicos, especialmente os rapazes, so mais susceptveis de
se tornarem alcolicos ou dependentes de outras drogas do que os filhos de no
alcolicos (Cloninger, 1987, citado por Stondemire, Alan, 1998).
27
Estudos com filhos de alcolicos
1.7. ESTUDOS COM FILHOS DE ALCOLICOS A famlia a primeira vtima do consumo excessivo de lcool, sofrendo as
consequncias directas na dinmica relacional, tornando-se o lar simultaneamente
patolgico e patognico, sobretudo para os filhos, desde as dificuldades e carncias
materiais, at s perturbaes relacionais e desagregao familiar, passando por maus
tratos fsicos e ausncia de afecto, entre outros. Nos membros de uma famlia, os filhos
dos alcolicos so aqueles em que so observadas perturbaes mais ntidas. Com
efeito, as crianas apresentam frequentemente problemas psquicos e somticos, mais ou
menos directamente induzidos pela dependncia de um dos pais ou de ambos.
As crianas filhas de pais alcolicos so afectadas de diferentes formas:
Um dos pais est cada vez menos disponvel, como guia, como fonte de
amor, encorajamento, companheirismo e algum em quem confiar.
Se os pais tiverem um mau relacionamento entre si, as crianas sentem as
suas lealdades divididas. As crianas aprendem com os exemplos e correm o risco de desenvolver
um problema semelhante mais tarde.
Uma das crianas poder ficar com responsabilidades acrescidas em casos
de alcoolismo mais grave, quando no h cooperao de um dos membros
do casal.
Antes do nascimento a criana pode ser afectada devido ao uso do lcool pela
me. A placenta permevel ao lcool, podendo ter uma aco txica sobre o feto.
Estudos em animais e em humanos estabeleceram que a exposio pr-natal ao lcool
pode afectar negativamente muitos aspectos do desenvolvimento cerebral do feto.
O sndrome fetal alcolico (termo desenvolvido em 1973 por Jones e Smith)
descreve os filhos de mes consumidoras de lcool em excesso durante a gravidez. O
lcool um importante agente teratognico, responsvel por atrasos intelectuais e
alteraes comportamentais das crianas.
O risco de uma me alcolica ter um filho com mal formaes da ordem dos 30
a 50%. O filho de me alcolica associa: atraso de crescimento intra-uterino e ps-natal,
hiperactividade, dfices de ateno/concentrao, dismorfia craniofacial e sndrome
polimalformativo, o Q.I. baixo nas forma graves e borderline nas formas mais leves.
Vrias hipteses tm sido colocadas, desde factores genticos, particularidades
fisiolgicas herdadas e limitaes cognitivas derivadas do sndrome fetal alcolico
28
Estudos com filhos de alcolicos
(Sher, 1991) at postulaes que focam os afectos negativos derivados dos elevados
nveis de "stress" vivenciados por essas crianas/adolescentes que facilitariam o
consumo futuro numa tentativa de lidar com estados ansiosos frequentes (Wills, 1986;
Rosa e col., 1988; Leveson, Oyama e Meek, 1987). Da que no nosso estudo tenham
sido excludos os filhos de mes alcolicas, de forma a podermos averiguar a influncia
do alcoolismo paterno. O alcoolismo parental perturba fortemente a qualidade do meio na infncia e das
suas relaes afectivas com os pais, situao esta agravada ainda mais, pela frequncia
das separaes precoces ou da violncia, mais grave entre os seus membros. Verifica-se,
pois, ocorrerem com mais frequncia nos filhos de alcolicos atrasos do crescimento ou
psicomotores, dificuldades escolares, alteraes da personalidade e imaturidade
afectiva. O clima familiar caracteriza-se pela insegurana, por vezes pela violncia,
resultando com frequncia a inverso de papis parentais (desvalorizao da imagem
paterna ou desautorizao da me). Para alm disso, estas crianas de alto risco esto
mais expostas aos maus tratos e ao incesto. As perturbaes psiquitricas mais
frequentes nos filhos de alcolicos so os desequilbrios da personalidade e sintomas
neurticos de toda a ordem (ansiedade, fobias e perturbaes psicossexuais).
Crianas de famlias alcolicas podem estar expostas a elevados nveis de
violncia e abuso familiar (Kumpferet Bays, 1995) e parecem sofrer de nveis mais
elevados de injrias e hospitalizaes (Children of Alcoholics Foundation, 1990; Bijur
et al., 1992). As crianas filhas de alcolicos vivem com instabilidade afectiva e em
condies marcadamente aversivas. Uma investigao de Tarter e col. (1984) concluiu
que estas crianas se encontram em risco seis vezes maior de sofrerem maus tratos
fsicos e com probabilidade sete vezes superior de ocorrncia de episdios de perca de
conscincia devido a traumatismo craniano, comparativamente aos filhos de no
alcolicos. Manuela Mendona (1978), num estudo sobre os filhos de alcolicos, chega
concluso de que a dinmica familiar na famlia do alcolico encontra-se alterada na
maioria dos casos, verificando-se uma taxa mais elevada de dificuldades de
aprendizagem, uma elevada percentagem de imaturaes neuromotoras, nveis
intelectuais inferiores idade e alguns atrasos no desenvolvimento, nos filhos de
alcolicos. No grupo dos filhos de alcolicos, o dito estudo, refere que o nmero de
repeties o dobro quando comparados com os filhos de no alcolicos.
29
Estudos com filhos de alcolicos
Os filhos de alcolicos apresentam um estado geral de sade mais deficitrio,
maior frequncia de sintomas comportamentais reactivos e perturbaes acentuadas da
afectividade. Conclui que "o alcoolismo paterno factor importante de perturbao do
desenvolvimento infantil, bastando para tal as circunstncias ambientais que determina
no seu lar" (Mendona, 1978). Resume vrios aspectos do lar do homem alcolico,
segundo diferentes pontos de vista: Biolgico: carncias nutritivas, vitamnicas e aco txica do lcool
consumido pela criana.
Psicolgico: patologia intrafamiliar.
Social: despromoo da famlia, diminuio do nvel de expectativas do
professor em relao aos filhos do alcolico, transmisso cultural de
hbitos de alcoolizao.
Assim, conclui que as dificuldades de aprendizagem, as dificuldades intelectuais e
instrumentais no diferem significativamente do grupo de controlo. Mas, revelam
elevada percentagem de sndromes de perturbao afectiva (como ansiedade e
depresso). Ento, "o alcoolismo paterno susceptvel de impedir o normal
desenvolvimento mental infantil devido a factores puramente ambientais, que perturbam
a criana a nvel biolgico, psicolgico e social (Mendona, 1978).
O ambiente do doente alcolico perturbador para o equilbrio mental da criana
podendo reflectir-se na diminuio da motivao para o trabalho escolar. Manuela
Mendona (1975, 1978), refere como factores de m adaptao escolaridade destas
crianas, a falta de disponibilidade afectiva para esforo intelectual, o aumento da
ansiedade quando afastadas da me e a despromoo social devido ao alcoolismo dos
pais. Assim, nos estudos atrs citados, encontrou que 85% dos casais tinham relaes
conflituosas; o pai tinha uma atitude de abandono/ambivalncia; a me assumia uma
atitude de superproteo com uma ansiedade acentuada e com o acumular de papis
maternal e paternal. A nvel da literatura, o nvel cognitivo dos filhos de pais alcolicos,
caracterizado por Tarter et ai. (1990) como confuso e conflituoso, reflectindo todas as
dificuldades de pesquisa nesta rea. Testes neuropsicolgicos mostram dificuldades na
memria espacial e de integrao e na memria verbal, reduo da flexibilidade da
resoluo de problemas e ateno pobre. Os professores descrevem estas crianas como
menos cooperativas, mais impulsivas e com gramtica pobre, com dificuldades na
reteno da informao e compreenso. Impulsividade, hiperactividade,
30
Estudos com filhos de alcolicos
hipersensibilidade a estmulos, dificuldades de ateno/concentrao, pobre
performance nos testes de habilidade lingustica, pobre autocontrole, dificuldades na
regulao do comportamento social e modulao emocional pobre so tambm
verificadas (Phil et ai, 1990).
Tarter e col.(1988), constataram que os filhos de alcolicos mostravam maior
ataxia, piores resultados nos testes de medida visual e ateno, habilidade de
planeamento e controlo de impulso, assim como mostravam atrasos na habilidade verbal
e abstraco, mesmo com um Q.I normal (Tarter e col, 1990).
Nos filhos de pais alcolicos, o rendimento escolar normalmente inferior ao
grupo onde esto inseridos. A instabilidade emocional que vivem na famlia
transportada para o exterior atravs da disperso da ateno, da agressividade e da
hostilidade. So descritas como crianas anti-sociais e na adolescncia o
comportamento anti-social tende a agravar-se, podendo surgir o incio do consumo de
lcool ou outras drogas e/ou problemas de ordem legal (delinquncia).
Mas num estudo de Tarter et ai. (1993) chegou-se concluso de que os filhos dos
alcolicos no eram diferentes dos filhos dos no alcolicos, no que respeita aos testes
de aprendizagem e de memria. Temperamento e perturbaes da personalidade, por
exemplo, podem interferir na aprendizagem escolar. Os filhos de pais alcolicos
apresentam maior impulsividade, hiperactividade, assim como uma variedade de
sintomas afectivos quando comparados com filhos de pais no alcolicos, que
interferem na aprendizagem.
Schaeffer e col., 1988, concluem que os filhos de alcolicos apresentam maiores
alteraes em testes de habilidade, de abstraco, mais sintomas de dificuldades
comportamentais na infncia, mais sintomas depressivos, contudo as diferenas no so
estatisticamente significativas.
Diferenas significativas tm sido encontradas no temperamento de descendentes
de alcolicos, apresentando estes, nveis mais elevados de actividade, impulsividade,
busca de sensaes, sociabilidade, hiperactividade, comportamentos antisociais,
rebeldia, agressividade e maior resistncia ao efeitos do lcool, quando comparados
com descendentes de no alcolicos (Saunders e Schuckit, 1981; Tarter, 1988; Sher,
Walitzer, Wood e Brent, 1991; Ohannessian e Hesselbrock, 1994). Outros estudos tm
mostrado que os filhos de alcolicos revelam nveis de auto-estima mais baixos e nveis
de ansiedade, stress e depresso mais altos do que os descendentes de no alcolicos
(Reardon e Markwell, 1989). Para alm disso, evidenciam, com maior frequncia,
31
Estudos com filhos de alcolicos
dificuldades em se adaptarem s leis e s normas da escola e da comunidade (Tarter,
1988). Mas, noutros estudos realizados em populaes escolares mais adiantadas, no se
notaram diferenas significativas sobre a personalidade ou o desempenho dos filhos dos
alcolicos com relao aos seus companheiros nascidos em famlias sem histria de
alcoolismo. Existem vrios estudos que demonstram a relao entre problemas de lcool no
adulto e perturbaes de exteriorizao nas crianas: dfice de hiperactividade,
comportamento desviante/oposicional e distrbio de conduta. Estas crianas tm um
risco acrescido de vir a ter problemas relacionados com o lcool.
Chassin e col. (1988), encontraram que a histria familiar de abuso de lcool est
associada com mais altos nveis em quantidade e frequncia de consumo de lcool, mais
consequncias negativas relacionadas com o lcool e pobre rendimento escolar.
Apesar de alguns estudos no terem encontrado relao significativa (Johnson,
Leonard e Jacob, 1989; Pandina e Johnson, 1989), a maioria das investigaes
concluem que os filhos de alcolicos esto em risco acrescido de uso imoderado de
lcool na adolescncia e de desenvolverem quadros de alcoolismo quando adultos (Sher
e col., 1991; West e Prinz, 1987; Merikangas e col., 1985; Chassin, Rogosch e Barrera,
1991; Chassin e col, 1993).
A criana aps o nascimento necessita de contacto fsico e quando isso lhe
impedido, tende a comportar-se de forma a obter ateno dos outros. Mais tarde tem
fortes probabilidades de apresentar comportamento irrequieto e anti-social. Tambm se
os pais apresentarem padres de comportamento inadequados ou ausentes h uma
dificuldade na identificao de papis por parte dos filhos. Uma criana com um pai
alcolico como modelo de referncia, ao fazer a identificao de papis, provvel que
venha a adoptar um comportamento semelhante.
Comportamento disruptivo foi a perturbao psiquitrica mais comummente
verificada em crianas filhas de pais com abusos de substncias, assim como, depresso
e perturbaes ansiosas. Reich et ai. (1993) encontraram uma relao muito forte entre
alcoolismo parental e distrbio de conduta nas crianas. Num estudo de Rolf Loeber e
col. (1995), chegaram concluso de que o abuso de substncias por parte dos pais, o
baixo nvel scio-econmico e o comportamento oposicional so factores chave na
progresso do distrbio de conduta nos rapazes. Steinhausen e col. (1984) verificaram
que o comportamento disruptivo estava associado ao alcoolismo paterno, enquanto as
32
Estudos com filhos de alcolicos
perturbaes interiorizadas estariam associadas ao alcoolismo materno (citado por
Clark, Ducan et ai, 1997).
A capacidade de manter e desenvolver as relaes interpessoais incrementada
pela famlia, tal como a aprendizagem para ultrapassar as situaes conflituosas.
Quando o sistema familiar est perturbado, os elementos mais afectados so os mais
jovens que ainda no foram capazes de adoptar mecanismos de superao da disfuno.
Este ambiente favorvel ao aparecimento ou reforo de outros factores que dificultam
o desenvolvimento da criana.
Num estudo de Moss, Howard et col. (1997), no foram encontradas diferenas
entre os filhos dos consumidores de substncias e os filhos do grupo de controlo, cuja
exposio ocorreu antes dos 6 anos da criana. Assim, concluram que quando o abuso
de substncias ocorre aps o sexto aniversrio das crianas, aumentam as perturbaes
interiorizadas (depresso) e os problemas de comportamentos exteriorizados
(perturbaes de conduta, hiperactividade).
H uma forte associao, embora no directa, entre alcoolismo paterno e
perturbaes de conduta, especialmente nos rapazes, provavelmente devido aos
problemas conjugais e ao ambiente patolgico causado pelo alcolico. Alguns estudos
tambm relacionam com a hiperactividade mas os resultados so contraditrios. Muitos
estudos relacionam o alcoolismo parental com distrbios emocionais como a ansiedade
e a depresso, assim como problemas no comportamento alimentar e problemas no sono.
Num estudo, Gabei e Stewart (1993) mostraram que o abuso de outras substncias,
que no o lcool, so mais importantes na predio de comportamentos agressivos e
anti-sociais, embora tambm nos filhos de pais alcolicos esteja relacionado com
comportamentos agressivos, destrutivos e/ou com comportamento disruptivo. Essas
diferenas so tambm significativas, quando os consumos por parte do pai, do que
quando os consumos so por parte da me.
Crianas filhas de alcolicos tm Q.I. mais baixo, pobre habilidade verbal,
abstraco e pensamento conceptual. Estes podero contribuir para o insucesso escolar,
diminuio da auto-estima e problemas de comportamento e de adaptao.
O estigma social "ser filho de alcolico" gera um conjunto de expectativas
negativas da parte da sociedade, dos professores e das prprias crianas que se iro
reflectir na sua motivao para a escola e consequente insucesso escolar.
33
Definio de famlia
2. FAMLIA 2.1. DEFINIO DE FAMLIA
no contexto familiar que o indivduo se desenvolve, onde deve ser valorizado o
aspecto relacional, de forma a permitir que os filhos sejam capazes de se adaptar a
papis que lhe so exigidos, na sociedade.
A famlia desempenha um papel significativo na socializao da criana. A
medida que os indivduos se desenvolvem, a sua percepo do eu e dos outros e as
relaes interpessoais vo-se tornando cada vez mais diferenciadas e complexas.
importante que a famlia funcione como um sistema flexvel para que a resposta
s necessidades individuais dos membros da famlia seja eficaz e para que todos possam
desenvolver um nvel ptimo. Na famlia, as mensagens devem ser congruentes, cada
elemento deve preservar a sua individualidade mas, simultaneamente, reconhecer que o
outro tambm uma pessoa com necessidades de confiana, segurana e afecto. A
comunicao deve ser estimulada de forma a permitir um desenvolvimento dos
membros da famlia para resolver os conflitos e no como um obstculo ao crescimento.
A famlia, ao longo da histria, sempre foi vista como uma instituio com limites
viveis e regida por normas e valores. O conceito mais frequente o "grupo de
indivduos unidos por uma relao de casamento, pela filiao ou ainda por pessoas
aparentadas que vivem sob o mesmo tecto".
A definio de famlia mais aceite a de um sistema sociocultural aberto, ou seja,
que mantm trocas com o exterior, num equilbrio dinmico entre a sua tendncia
homeosttica (coeso familiar) e a sua tendncia para a mudana (individualizao dos
seus membros). Selvini conceptualiza a famlia como um grupo natural, com histria,
que se forma mediante uma srie de ensaios e inter-relaes e retroalimentao
correctivas, experimentando sobre o que , e o que no permitido na relao, at se
converter numa unidade sistmica original que se sustenta por meio de regras que lhe
so peculiares. J Daniel Sampaio e Jos Gameiro, designam famlia como um conjunto
de elementos emocionalmente ligados, no apenas por traos biolgicos, mas incluem
outros elementos significativos no contexto relacional do indivduo ou indivduos.
A famlia uma instituio social onde se insere o quadro do desenvolvimento do
homem. Para Durkheim (1975), a famlia um elemento activo da produo da moral,
mas tambm um elemento condicionado pela organizao social.
34
Definio de famlia
A famlia no algo esttico, mas uma instituio em mudana, reflexo dos
diferentes estdios de evoluo social. A evoluo da famlia acompanha a par e passo o
desenvolvimento social. Na sociedade ocidental, o grupo familiar est submetido
influncia de um grande nmero de factores scio-econmicos que modificam
progressivamente os comportamentos e as relaes com os membros. Marido e mulher
trabalham fora de casa, muitas vezes com horrios incompatveis; est tambm em
perigo a sua funo reprodutora, a funo afectiva, de formao e socializao dos seus
descendentes. As relaes familiares so tambm afectadas por uma urbanizao
demasiado rpida e pelo clima de insegurana que se vive na nossa sociedade.
A concepo de famlia como um sistema social envolve assim, uma
interdependncia de papeis e funes entre todos os membros da famlia em diferentes
reas (afectiva, social, etc.) e cujas interaces podem ocorrer de forma mais directa ou
indirecta. A organizao familiar ocidental tem caractersticas predominantemente
patriarcais. A famlia descrita, numa viso sistmica, como um conjunto de indivduos
em interaco, em que o comportamento de cada um dos membros afecta o
comportamento da famlia no seu conjunto. A teoria familiar sistmica, extrada da
teoria geral dos sistemas (Ludwig Bertalanffy, 1986) est baseada em princpios que
regem os sistemas e define a famlia como um sistema aberto, composto por elementos
em constante interaco. Sendo um sistema aberto, recebe influncias do exterior e os
elementos interagem reciprocamente. Neste sentido, um ambiente familiar instvel
resultante do alcoolismo paterno, interfere no comportamento dos restantes membros.
Em termos gerais, a abordagem sistmica aplicada famlia, acenta nos seguintes
aspectos: - A famlia mais do que a soma dos seus subsistemas (pai e/ou me e/ou
criana). - Apresenta fronteiras semi-permeveis, bem como determinadas regras.
- Uma modificao num subsistema afecta todo o sistema familiar.
O feed-back e a comunicao so importantes para o funcionamento da famlia,
que tambm apresenta causalidade circular e uma tendncia, em termos gerais, para o
equilbrio familiar. A famlia apresenta objectivos e est inserida noutros sistemas
(cidade, comunidade, etc.). Numa famlia, cada um dos elementos influencia e
influenciado pelos outros e as relaes pais-filhos durante a infncia e adolescncia
afiguram-se imprescindveis ao desenvolvimento psicolgico normal dos filhos.
35
Definio de famlia
Andolfi (1979), considera a famlia como um sistema de interaco que supera e
articula dentro dela os vrios componentes individuais. Gameiro (1992) descreve a
famlia como "uma rede complexa de relaes e emoes na qual se passam
sentimentos e comportamentos que no so possveis de ser pensados com os
instrumentos criados para o estudo dos indivduos isolados" (Gameiro, 1992, pg.187).
A famlia vista como um sistema social aberto e auto-organizado. Cada famlia
um todo (mais do que a soma dos elementos que a constituem), mas tambm parte de
outros sistemas mais vastos em que se integra (sociedade). Dentro da famlia, por outro
lado, existem subsistemas, formando assim uma hierarquia sistmica que v a famlia
como um sistema entre sistemas, que coloca nfase nas relaes estabelecidas quer com
o meio, quer com o indivduo.
Estas relaes so geridas pela comunicao que constitui e caracteriza a
interaco familiar, com a construo de normas e regras prprias de cada grupo
familiar. Podemos assim diferenciar vrios subsistemas familiares:
- Individual - Indivduo membro da famlia
- Parental - com funes executivas, tem a seu cargo a proteco e educao das
geraes mais novas, normalmente constitudo pelos pais.
- Conjugal - (marido e mulher) importante no processo de identificao das
geraes mais novas. - Fraternal - conjunto dos irmos.
A famlia um sistema com fronteiras ou limites que permite a sua diferenciao
face aos contextos que o envolvem e nos quais os membros participam. Estes limites
podem ser mais ou menos abertos conforme a organizao da famlia. Cada membro
ocupa diferentes papis com novos estatutos, funes e tipos de interaco, consoante o
subsistema em que se insere.
A forma como estes subsistemas se organizam, constitui a estrutura familiar. Cada
famlia possui uma organizao, um dinamismo prprio que lhe confere individualidade
e autonomia. E capaz de modificar espontaneamente a sua estrutura quando condies
internas e/ou externas mudam. Assim, uma famlia evolui, transforma-se, os membros
que a constituem alteram-se, mas ela no deixa de ser "aquela" famlia.
A famlia entendida na sua complexidade como "Um conjunto de indivduos que
desenvolvem entre si, de forma sistemtica e organizada, interaces particulares que
lhe conferem individualidade grupai e autonomia" (Relvas, 1997). "A famlia um
36
Definio de famlia
grupo natural com uma histria que se vai construindo progressivamente (Relvas, Ana
Paula, 2000). Cada famlia nuclear, percorre um ciclo vital, marcado por etapas
desenvolvimentais caracterizadas pela prossecuo de objectivos especficos que
concorrem, em ltima anlise, para a obteno do seu objectivo ltimo: a sobrevivncia
do sistema familiar e o cumprimento das suas funes globais" (Relvas, 2000, pg. 25).
Pela necessidade de limitarmos o nosso estudo, vamos considerar famlia o
agregado formado pelo casal e pelos filhos, socialmente reconhecidos, a viver na mesma
casa.
37
Funes da famlia
2.2. FUNES DA FAMLIA a famlia que influncia as primeiras aprendizagens e comportamentos da
criana, embora mais tarde, ela aprenda tambm com os seus pares e outros agentes de socializao.
Uma famlia uma unidade de trabalho conjunto, com tarefas de socializao e de
apoio vital aos seus membros. Assim, a famlia tem duas funes essenciais:
Ia Permitir o crescimento e individualizao dos seus membros, com criao de
um sentimento de pertena. 2a Facilitar a integrao dos seus elementos no contexto sociocultural que os
acolhe. Outras funes da famlia referidas so: - Resposta s necessidades bsicas (pelo menos) de vida dos seus elementos.
- Reproduo e continuao da espcie.
- Criao e socializao dos filhos.
- Espao para a expresso legtima da sexualidade do casal.
- Possibilidade de amparo e apoio mtuos dos seus elementos.
A famlia, um sistema de relaes organizado em funo de determinados
objectivos comuns que no podero ser atingidos pelos seus membros separadamente.
Est inserida numa comunidade e numa cultura onde se exercem influncias recprocas.
Como um sistema aberto, est sujeita adaptao dos seus membros, o que implica uma
transformao e remodelao contnua sem, no entanto, perder a sua identidade.
As mudanas de valores sociais, familiares e das prticas educativas, assim como
da estrutura familiar, verificadas nos ltimos anos, implicam, por parte da famlia, uma
capacidade de adaptao e reorganizao que permitam o desenvolvimento dos seus
membros. A criana socializa-se em primeiro lugar na famlia. no sucesso das primeiras
relaes com a me que a criana capaz de estabelecer relaes satisfatrias com os
outros que a rodeiam (socializao passa tambm para a escola, onde as crianas passam
grande parte do dia). As crianas tm necessidade de um sentimento de pertena
importante para o seu desenvolvimento psicossocial equilibrado. As crianas necessitam
de afecto, quando crescem importante a socializao e desenvolvimento de uma
personalidade flexvel que permita adaptar-se aos acontecimentos de vida. Na vida
38
Funes da famlia
adulta necessria autonomia. Isto tudo possvel num grupo familiar relativamente
estvel.
Famlia "saudvel" algo difcil de definir. Talvez a coisa mais importante a ter
em mente seja se a famlia responde s necessidades materiais, emocionais e espirituais
dos seus membros.
O conceito de "funcionamento familiar ideal" tem interesse. Diz respeito no
apenas ausncia de problemas, mas tambm, a saber se as necessidades do casal e dos
filhos esto a ser satisfeitas quanto possvel. Uma famlia deveria preencher as
necessidades emocionais e psicolgicas de todos os seus elementos bem como, preparar
os filhos para uma existncia autnoma no vasto mundo para onde, em devido tempo, os lanar.
O papel da famlia importante no desenvolvimento humano, as pessoas trazem
para a vida adulta um esquema scio-afectivo que ir influenciar na vida adulta todas as
relaes de subordinao, de complementaridade ou de reciprocidade. na base da
relao com os pais e entre eles que se elabora o esquema fundamental do casal, da
famlia, da criao dos filhos...
39
Tipologias familiares
2.3. TIPOLOGIAS FAMILIARES Para explicar o funcionamento e desenvolvimento da famlia, existem vrias
teorias:
- A Teoria Psicodinmica (Bowen) explica o funcionamento da famlia em
funo do desenvolvimento psicolgico dos membros da famlia - o self
individual fortemente influenciado pela qualidade de dependncia emocional
e das relaes familiares.
- Na Teoria Desenvolvimentista o funcionamento da famlia avaliado atravs
da sua passagem pelos diferentes estdios de desenvolvimento, e o
desenvolvimento saudvel da famlia governado pelo sucesso com que a
famlia passa de estdio em estdio.
- A Teoria Sistmica, extrada da Teoria Geral dos Sistemas (Von Bertalanffy,
1986), define a famlia como um sistema social aberto composto por
elementos em constante interaco. aberto porque estabelece trocas com o
exterior e com o meio que a rodeia, levando de volta para o sistema algumas
caractersticas do exterior. A famlia formada por diversos subsistemas:
Subsistema conjugal (marido e mulher) - o espao privado de
suporte afectivo e emocional do casal.
Subsistema parental (pais e filhos) - cuja principal funo facilitar o
adequado desenrolar do processo evolutivo e promover a sua
educao e socializao. necessria uma grande flexibilidade e uma
constante evoluo e adaptao s diferentes fases do
desenvolvimento infantil.
Subsistema frateria (conjunto de irmos) - primeiro grupo onde a
criana aprende a funcionar interpares, onde aprende a negociar,
crescer, competir e fazer aliados, etc.
Nas tipologias familiares, Salvador Minuchin, coloca as famlias num
continuum em cujos plos opostos disfuncionais se encontram as famlias
emaranhadas e desmembradas. Nas famlias emaranhadas, as fronteiras entre
geraes e indivduos so difusas, mal definidas, enquanto a fronteira com o
exterior rgida, havendo um mito de unidade que tolera poucas diferenas na
individualizao; so sistemas relativamente fechados e isolados em relao ao
meio. As famlias desmembradas tendem a ser excessivamente abertas, os papis
40
Tipologias familiares
parentais so instveis, apesar de uma aparente rigidez. A entrada das crianas na
vida social precoce e conflituosa sem estarem dotados de modelos de adaptao
bem definidos.
- Stein glass (1977) desenvolveu um modelo de funcionamento familiar que
representa relaes de co-dependncia. Numa perspectiva sistmica, este
modelo pressupe que os membros da famlia interagem uns com os outros,
interaces essas regidas por leis de equilbrio comparveis s da Fsica.
Devido aos tipos de relaes que instaura, o consumo de lcool est na origem
de comunicaes negativas entre os membros da famlia (Jacob, 1981). De
acordo com este modelo sistmico, as relaes entre o lcool e famlia no se
resumem aos efeitos negativos da dependncia exercidos sobre o equilbrio
familiar. O lcool reduz tambm transitoriamente as tenses familiares e,
paradoxalmente, aumenta a curto, e s vezes mesmo a longo prazo, a
estabilidade familiar.
- The McMaster Model of