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45º Encontro Anual da Anpocs; GT15 - Ensino de Ciências Sociais. Professores de Sociologia da rede pública de educação de Belo Horizonte e região metropolitana (MG, Brasil) sob análise Charles Luiz da Silva Graduado em Sociologia pela UFMG, Mestrando em Educação pela UFOP, professor da rede pública de educação - [email protected] Nayara de Amorim Salgado Doutoranda em Sociologia pela UFMG, professora da rede pública de educação [email protected] Resumo A partir de questionários aplicados com professores da disciplina de Sociologia da rede pública de educação de Belo Horizonte e região Metropolitana (Minas Gerais, Brasil) esse artigo faz uma análise sobre os principais desafios do seu ensino no ensino médio. Foram identificadas problemáticas relacionadas à formação e de outro lado, a estrutura da disciplina propriamente dita no cotidiano escolar. No primeiro ponto, são apontadas questões sobre os cursos de licenciatura, as dificuldades de vínculo e distanciamento entre a sociologia na universidade e na escola. De outro lado tem-se notas sobre o pouco tempo de aula, a necessidade de tornar o campo de conhecimento mais didático e consequentemente mais atrativo aos alunos do ensino médio, a legitimação do campo e das práticas de ensino por se tratar de uma disciplina que teve a sua obrigatoriedade imposta ao ensino médio depois de longos períodos de intermitência somente no ano de 2008, além da dificuldade de se lidar com o conteúdo dada a amplitude de temas que podem ser abordados dentro das ciências sociais. Trata-se de uma pesquisa exploratória sobre a realidade escolar do ensino de Sociologia na atualidade. Palavras chave: Educação, Ensino de sociologia, professores, ensino médio, licenciatura

45º Encontro Anual da Anpocs; GT15 - Ensino de Ciências

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Page 1: 45º Encontro Anual da Anpocs; GT15 - Ensino de Ciências

45º Encontro Anual da Anpocs;

GT15 - Ensino de Ciências Sociais.

Professores de Sociologia da rede pública de educação de Belo Horizonte e região

metropolitana (MG, Brasil) sob análise

Charles Luiz da Silva

Graduado em Sociologia pela UFMG, Mestrando em Educação pela UFOP, professor

da rede pública de educação - [email protected]

Nayara de Amorim Salgado

Doutoranda em Sociologia pela UFMG, professora da rede pública de educação

[email protected]

Resumo

A partir de questionários aplicados com professores da disciplina de Sociologia da rede

pública de educação de Belo Horizonte e região Metropolitana (Minas Gerais, Brasil) esse

artigo faz uma análise sobre os principais desafios do seu ensino no ensino médio. Foram

identificadas problemáticas relacionadas à formação e de outro lado, a estrutura da disciplina

propriamente dita no cotidiano escolar. No primeiro ponto, são apontadas questões sobre os

cursos de licenciatura, as dificuldades de vínculo e distanciamento entre a sociologia na

universidade e na escola. De outro lado tem-se notas sobre o pouco tempo de aula, a

necessidade de tornar o campo de conhecimento mais didático e consequentemente mais

atrativo aos alunos do ensino médio, a legitimação do campo e das práticas de ensino por se

tratar de uma disciplina que teve a sua obrigatoriedade imposta ao ensino médio depois de

longos períodos de intermitência somente no ano de 2008, além da dificuldade de se lidar com

o conteúdo dada a amplitude de temas que podem ser abordados dentro das ciências sociais.

Trata-se de uma pesquisa exploratória sobre a realidade escolar do ensino de Sociologia na

atualidade.

Palavras chave:

Educação, Ensino de sociologia, professores, ensino médio, licenciatura

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1. Notas sobre a história das Ciências Sociais no Brasil

Pensando a sociologia como uma disciplina que faz parte da grade curricular do ensino

médio da rede pública de educação brasileira é necessário retomar o seu histórico e trajetória,

que aconteceu de forma muito interrompida, sendo contestada em diversos momentos,

democráticos ou não. A sociologia aparece no Brasil como disciplina antes mesmo de um curso

acadêmico, quando Rui Barbosa e os seus “Pareceres” de 1882-83 passaram a definir o início

da sua na educação brasileira, de forma que seu conteúdo era voltado aos cursos de direito na

época, substituindo as disciplinas de “Direito Natural” pela “Sociologia”, contudo, apesar de

sua não aprovação esse foi dos primeiros delineamentos do que seria o ensino de sociologia em

solo tupiniquim (Moraes, 2011).

A obrigatoriedade do seu ensino, enquanto componente curricular, deu-se apenas em

1925, com a Reforma Rocha Vaz (Decreto n. 16782-A, de 13/01/1925), que instituiu a

obrigatoriedade da sociologia nos anos finais para cursos preparatórios, embora o seu alcance

fosse limitado pela legislação da época, dada a autonomia dos estados em cumprir leis federais.

Outro marco importante é a reforma Francisco Campos (Decreto n.19890 de 14 abril de 1931)

de 1931 que cria o Ministério da Educação e Saúde Pública e mantém a disciplina como

obrigatória e a partir do Estatuto da Universidade Brasileira (Decreto n. 19.851 de 11/04/1931)

que dá as bases para a criação das universidades públicas no país, no ano de 1934 a

Universidade de São Paulo (USP) criou o seu primeiro curso de Ciências Sociais, contrastando

com a Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo (ELSP) que havia lançado o seu curso

no ano anterior, sendo que, enquanto a primeira era um curso de caráter extremamente

acadêmico, o segundo primava por formação para absorção do mercado em quadros da

administração pública e privada (Moraes, 2011).

Em 1942, por meio da Reforma Capanema, a Sociologia deixou de ser obrigatória. Por

meio da Lei e Diretrizes de Base da Educação (LDB), Nº 4.024, de 1961, retornou como

obrigatória no ensino secundário e, em 1971, por meio da LDB, nº 5.692, passou a ser optativa.

No ano de 1982, a Lei de nº 7.044, reabriu espaços para as disciplinas de Ciências Humanas,

sem, contudo, tornar a Sociologia obrigatória. A partir daquele momento deu-se início a

movimentos em vários estados da federação em favor do retorno da Sociologia no Ensino

Médio (BODART; CIGALES, 2015).

Page 3: 45º Encontro Anual da Anpocs; GT15 - Ensino de Ciências

Esse movimento da década de 1980, movido especialmente por sindicatos de

sociólogos do estado de São Paulo impulsiona uma onda de propagação da disciplina em

análise no restante do país. Nos anos 1990 foi grande a luta pela legitimação da sociologia,

sendo que nesse período começaram a ser apresentados os primeiros projetos de lei sobre a

instituição da disciplina de sociologia do ensino médio, primeiramente com a Lei de Diretrizes

Básicas (LDB) de 1988 de relatoria do deputado federal Jorge Hage que acaba não aprovada e

posteriormente, com sua substituição pela Lei de Diretrizes Básicas da Educação Nacional

(LDBEN) 9394/1996 do senador Darcy Ribeiro. Contudo, o texto da LDBEN 9394/96 deixa

margem à ambiguidade quando lança mão no seu artigo 36, parágrafo 1º, inciso 3 que trata

sobre a necessidades dos estudantes de terem “domínio de conhecimentos de Filosofia e

Sociologia necessários ao exercício da cidadania”, (MORAES, 2011, p. 369) culminando numa

possível interpretação de obrigatoriedade dos saberes da disciplina, mas sem a instituição da

obrigatoriedade da disciplina ao mesmo tempo. Com isso, já em 1997 o deputado federal Padre

Roque Zimmerman lança mão do Projeto de Lei (PL) 3178/97 que tinha como caráter principal

a alteração da LDBEN 9394/96, explicitando o caráter de obrigatoriedade da Sociologia e

também da Filosofia como disciplinas dentro da grade da educação básica, especificando sobre

a necessidades dos conhecimentos e do seu ensino ser ministrado por profissionais formados

nos dois campos respectivamente, dado a insuficiência de formação de outras áreas para dar

conta das temáticas de tais disciplinas (BODART; CIGALES, 2015).

Esse projeto de legitimação da Sociologia e da Filosofia como disciplina obrigatória no

Ensino Médio foi aprovado pela câmara dos deputados e pelo senado em 2001, e menos de um

mês depois, curiosamente, o sociólogo e presidente da república à época Fernando Henrique

Cardoso, vetou integralmente o projeto com a justificativa de que essa medida incidiria ônus

ao Estado e à União, pela contratação de novos profissionais e concursos públicos para tal, bem

como o número insuficiente de profissionais habilitados no país à época para exercer a função

e suprir as demandas em todo território nacional de maneira imediata. Aliado a esse argumento

no ano de 1998 surgia os indícios da nova Diretriz Curricular do Ensino Médio (DCNEM) que

se pretendia dar um caráter mais interdisciplinar ao Ensino Médio nacional, com isso foram

firmados os pareceres do Conselho Nacional de Educação (CNE) 15/98 e Resolução CNE/CEB

03/98 que determinam que os conteúdos de Filosofia e Sociologia poderiam ser diluídos dentro

de outras disciplinas, o que reforçou no contraponto a luta pela aprovação do projeto de lei para

a obrigatoriedade do ensino de ambas disciplinas.

Page 4: 45º Encontro Anual da Anpocs; GT15 - Ensino de Ciências

Vale ressaltar também que os movimentos internos dentro dos grandes espaços de

discussão das Ciências Sociais como o Congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS)

impulsionaram as discussões sobre a legitimidade do ensino de sociologia no Ensino Médio,

especialmente no início dos anos 2000. Com essa exposição da temática, o debate seguiu e

quando surge no ano de 2004 a ideia de elaboração de novas Orientações Curriculares para o

Ensino Médio (OCEM), foi firmado o Parecer CEN/CEB 38/06 que estabelece a

obrigatoriedade da Sociologia e Filosofia em todas escolas públicas e privadas do país

(MORAES, 2011).

Nesse embate político, o Conselho Estadual de Educação de São Paulo (CEE/SP)

questiona a autoridade da CEN em legislar e lançou a Indicação 62/2006 que derrubou a

vigência do Parecer do CNE, excluindo novamente a obrigatoriedade da Sociologia e Filosofia

como disciplinas do Ensino Médio em solo paulista, ação essa que é reproduzida em solo

nacional. Com isso o debate se volta novamente para o Congresso Nacional, onde dois anos

depois, o Congresso finalmente aprova a PL 1641/03 que é sancionada pelo presidente em

exercício José de Alencar como Lei 11684/2008 que altera a LDB e institui de maneira

obrigatória a Sociologia e Filosofia nas três séries do Ensino Médio.

Essa intermitência da disciplina de sociologia tem gerado problemáticas e desafios no

âmbito da educação básica. Moraes (2011) coloca que:

“de maneira histórica entendemos que a exclusão da Sociologia

do currículo prende-se menos a preconceitos ideológicos e mais à

indefinição do papel dessa disciplina no contexto de uma formação que

se definia mais orgânica, resultado do estabelecimento de uma

burocracia mais técnica e mais exigente ou convicta em relação à

concepção de educação”. (MORAES, 2011, p.365)

Nesse pouco tempo da presença da Sociologia nos currículos de ensino médio, vê-se

ainda ataques visando sua retirada, assim como a Filosofia, com argumentos que se apoiam em

discursos tecnicistas e sobre a maior necessidade de investimentos em outras áreas, seja por

maior retorno ou puro pragmatismo, que dizem não haver nas ciências humanas.

Dessa forma, estudos como esse que exploram a função e a real vigência da Sociologia

na escola, se tornam de grande importância ao servir como base para ações de políticas públicas

de educação. Além do que, nesse contexto de legitimação da disciplina no Ensino Médio, esse

estudo se justifica, pois, levanta dados primários com profissionais em atividade no campo da

educação pública, o que adquire importância como estratégia de planejamento e avaliação, de

Page 5: 45º Encontro Anual da Anpocs; GT15 - Ensino de Ciências

forma a construir uma educação de melhor qualidade e em consonância com as necessidades

da vida moderna, pois no processo educacional, o professor e sua percepção de educação são

fatores primordiais.

2. Metodologia e análise dos dados da pesquisa

Propõe-se aqui uma pesquisa exploratória utilizando a metodologia qualitativa para

realização desse estudo. O método qualitativo “é adequado aos estudos da história, das

representações e crenças, das relações, das percepções e opiniões, ou seja, dos produtos das

interpretações que os humanos fazem durante suas vidas, da forma como constroem seus

artefatos materiais e a si mesmos, sentem e pensam” (MINAYO, 2008, p.57).

O ponto de partida foi uma revisão bibliográfica e documental para delimitar e

contextualizar a problemática proposta e para dar seguimento ao estudo. Para a obtenção dos

dados empíricos, foram utilizados questionários, que combinam perguntas abertas e fechadas.

Finalmente, a análise de conteúdo foi utilizada como técnica de tratamento de dados coletados,

que visou à interpretação de material de caráter qualitativo, assegurando uma descrição

objetiva, sistemática e com a riqueza manifesta no momento da coleta dos mesmos

(Goldemberg, 2003).

Assim, esse estudo exploratório, que aconteceu durante o ano de 2019, foram

respondidos 50 questionários virtuais via Google Forms e o critério utilizado para responder

ao questionário seria que a pessoa lecionasse sociologia. Dos 50 questionários, 27 foram

selecionados para análise, aqueles em que o/a respondente era profissional das ciências sociais

em exercício na rede estadual de educação de Belo Horizonte e ou região metropolitana (MG,

Brasil). Buscou-se explorar a percepção dos professores sobre sua formação, sua prática

didática e os desafios do campo da sociologia no Ensino Médio.

Sobre o perfil dos entrevistados, foram 15 homens e 12 mulheres, com idades variadas,

entre 23 a 57 anos, sendo dez respondentes na faixa entre 27 e 29 anos. Sobre a localização

das escolas em que trabalham, 12 afirmaram trabalhar na capital Belo Horizonte e os outros

em sua região metropolitana, como Betim, Contagem, Lagoa Santa, Juatuba, Ribeirão das

Neves e Santa Luzia, de forma que alguns trabalham em duas cidades no mesmo período.

Notável é a grande formação dos respondentes, pois dez respondentes apresentaram

pós-graduação (mestrado e doutorado, finalizados ou em curso) em áreas correlatas às ciências

Page 6: 45º Encontro Anual da Anpocs; GT15 - Ensino de Ciências

sociais e educação. Os outros apresentaram em sua maioria formação com habilitação em

licenciatura, poucos somente com o título de bacharel. Foi observada também a tendência da

volta para a universidade para obtenção de novo título para o nível de licenciado pós formação

no bacharelado, visando a entrada na área de trabalho da educação como principal opção de

inserção no mercado de trabalho.

Sobre o número de aulas semanais, os entrevistados apresentaram variação, bem

característico da área na rede pública de educação, tendo entre 5 e 28 aulas, cinco dos

entrevistados com um cargo completo, ou seja, 16 aulas semanais e a parte com mais de um

cargo completo por semana, o que é possível pelo acúmulo de cargos, sendo possível lecionar

em até duas escolas da rede estadual.

Ao serem indagados sobre como surgiu o interesse pela formação em licenciatura,

apenas sete afirmaram que desejavam ser professores de ensino médio, quatro optaram pelo

curso como forma de melhorar sua inserção no mercado de trabalho, outros quatro disseram

que receberam impulso dentro da universidade para essa carreira, ainda quatro disseram que a

opção foi por puro automatismo e outros três entrevistados afirmaram que não queriam seguir

carreira na educação. Dez entrevistados que optaram primeiramente pela formação como

bacharel, optaram posteriormente pela licenciatura visando a busca por trabalho.

Ao serem pedidos para analisar o curso de licenciatura que fizeram, através de notas

de 0 a 10, onde a maior nota quer dizer melhor avaliação, sete entrevistados atribuíram notas

até 5 pontos e dezesseis deram notas acima de 6 para seus cursos, demonstrando uma boa

avaliação dos cursos assim como boa base para o trabalho diário nas escolas, principalmente

da Universidade Federal de Minas Gerais e Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais,

onde a maioria estudou. A maioria avaliou que o curso de licenciatura de maneira geral serviu

de base para seu trabalho na escola conforme percebemos no gráfico abaixo:

Page 7: 45º Encontro Anual da Anpocs; GT15 - Ensino de Ciências

Temas específicos como a questão étnico racial, de gênero, temas de inclusão e formas

de didática e ensino, apareceram como necessidades surgidas no ambiente escolar e que pouco

foram abarcadas nos cursos de formação, fazendo com que os professores buscassem base em

outros espaços, leituras e vivências para complementar suas aulas. Percebe-se que “prevalece

um padrão de formação de professores com foco na área disciplinar específica e que reserva

um espaço apenas residual para a formação pedagógica” (MEUCCI, 2014, pág.96). Essa

citação vai ao encontro direto com a resposta de uma das professoras entrevistadas:

“O curso é muito completo e aprofundado no aspecto teórico, com relação às teorias sociológicas não tenho do que me queixar,

percebo que tenho muito domínio dos conteúdos. A grande questão é

que o curso não nos prepara em nada para a docência no sentido prático.

Lecionar sociologia no ensino médio nos exige muito mais do que

domínio teórico, exige lidar com diversas legislações, saber planejar o

tempo, as atividades avaliativas, lidar com a comunidade escolar...

sinceramente, não acho que o curso nos prepara para a vida

profissional.” (Entrevistada 151)

Podemos ver nesse trecho de resposta uma lacuna com relação à diversas

especificidades, especialmente caras ao fazer docente, que o licenciado em Ciências Sociais

passa, vale frisar um ponto aqui que é a generalidade dessa condição nas licenciaturas do país

como aponta a autora Bernardete Gatti quando situa que “[...] os cursos estão incorporando

mais questões em um conjunto de disciplinas que acentuam abordagens mais genéricas ou

descritivas das questões educativas, com poucas referências às práticas possíveis e suas

1 Todos os nomes de profissionais que responderam aos questionários foram suprimidos para preservar as

respectivas identidades.

Page 8: 45º Encontro Anual da Anpocs; GT15 - Ensino de Ciências

lógicas” (Gatti, 2010, p. 1370). Percebe-se que mesmo com a especificação na LDB/1996 e

com a promulgação em 2002 das diretrizes curriculares nacionais para a formação de

professores o espaço para formação pedagógica segue sendo defasado e as grades curriculares

das licenciaturas não contam com uma articulação entre formação específica com seus

conteúdos da área disciplinar e os conteúdos para docência em uma formação pedagógica

(GATTI, 2010).

A partir do momento que é identificada essa lacuna na formação se torna necessária

supri-la de alguma maneira, a noção de aprendizagem situada de Jean Lave (2015) nos ajuda a

compreender essa maneira de complementação à formação aqui. As análises sobre o processo

de aprendizagem escolar, e como no caso desse artigo, especificamente a aprendizagem de

professores, requer uma visão multifacetada de como o conhecimento e a aprendizagem são

parte da prática social. Nesse sentido, outro apontamento gerado pela pesquisa tem relação com

o que Lave (2015) chama de “aprendizagem situada”, que são aprendizagens do cotidiano,

importantes para a formação dos professores, mas que não passam pela universidade e pelos

currículos da licenciatura em Ciências Sociais mas que necessitam fazer parte da análise para

a compreensão teórica da atuação e aprendizado desses professores.

Nesse entendimento, a obtenção de conhecimentos está organizada socialmente e então

a teoria da aprendizagem situada oferece um referencial analítico que enfoca o estudo da prática

cotidiana, pois de acordo com Lave (2015) podemos entender a aprendizagem situada como

algo contínuo de nossa participação no mundo, já que a aprendizagem é um aspecto integral e

inseparável da prática social. Ou seja, nesse sentido, de acordo com Jean Lave é:

“[...] a questão de ‘como a aprendizagem’ acontece não é sobre o que

acontece em um único contexto educacional – uma loja de alfaiates, uma

escola, uma sala de aula -, mas sobre como o aprender na prática seja

constituído por participantes em movimento através e lidando com, e por

entre os contextos dos quais para influenciar, cindir, e conectar, ou ao

contrário para moldar, na sua vida cotidiana.” (LAVE, 2015, p. 6).

A perspectiva que a aprendizagem situada gera, se contrapõe à tradição funcionalista

que inclui a separação da cognição do mundo social e se baseia também na ideia de que o

conhecimento consiste em unidades coerentes e isoladas cujas fronteiras e estrutura interna

existem independentes do indivíduo (LAVE, 2015). Nesse sentido, todo o conhecimento que o

professor adquire fora da universidade serve também como base para a elaboração e execução

de suas aulas, sendo que esse conhecimento de fora da universidade, muitas vezes leva ao

preenchimento das lacunas que os currículos têm.

Page 9: 45º Encontro Anual da Anpocs; GT15 - Ensino de Ciências

Assim, a aprendizagem situada aliada à perspectiva reflexiva e crítica da formação

inicial do professor de sociologia possibilitam uma compreensão mais ampla do processo de

aprender a ensinar. De acordo com Almeida (2014) as formas e os processos institucionais da

formação do professor estabelecem como a profissão responde aos processos básicos de

aprender a ensinar, e a formação de professores precisam integrar as realidades culturais do

ensino e da aprendizagem e precisam ser melhor explorados.

As referências que compõe a formação de professores mostram-se muitas vezes,

divididas em um dualismo epistemológico, distintos e muitas vezes opostos, que é a realidade

da universidade, seus conhecimentos intelectuais, teóricos e de outro lado, a vivência, cultura

e ‘comunidades de práticas’ (LAVE, 2015) próprias do indivíduo. Esse dualismo

epistemológico que compõe a formação de professores, produz uma educação que ignora

algumas das riquezas do saber informal, que é obtido fora da universidade, substituindo-os ou

ignorando-os muitas vezes, por soluções vinculadas às tradições universitárias, quando, na

verdade, esses campos epistemológicos para a prática escolar, funcionam em

complementaridade.

Com isso, um ponto presente nas falas dos entrevistados é a necessidade de adaptar,

produzir e sistematizar seu material didático, sendo que a sua sistematização por parte de quem

está sendo ensinado é tão importante quanto o conteúdo, já que se tem um conteúdo complexo,

erudito e denso que precisa ser de alguma forma traduzido para forma didática, o que se pode

compreender como uma tradução para uma linguagem sociológica (SOUZA, 2016). Nesse

sentido, sete dos entrevistados falaram sobre a falta de material didático para suas aulas, sendo

que um grande apontamento da pesquisa é sobre a necessidade que se coloca como um grande

desafio da docência da sociologia do ensino básico que é deixar o conteúdo elaborado,

requintado e denso da Sociologia de uma forma mais simples para o trabalho no nível médio,

o que um entrevistado rotula como “trabalho de tradução” de conteúdo. De acordo com o relato

de entrevistados:

“[...] Mas as que eu diria que fazem mais falta são: os clássicos,

sociologia urbana, identidade e sociabilidade, temas ligados à sociologia

rural, a escola como espaço de reprodução de desigualdades - Bourdieu,

Evolucionismo social, política brasileira. Estudei todos esses temas no

bacharelado, mas faltou em minha formação um preparo para levar esses

e outros temas à sala de aula para adolescentes. É muito diferente ver um

tema na faculdade e ensiná-lo no ensino médio. Eu tive que aprender a

fazer essa transposição à medida que adquiria experiência, errando e

acertando, sem orientação de um professor”. (Entrevistado 13).

Page 10: 45º Encontro Anual da Anpocs; GT15 - Ensino de Ciências

O que vemos em mais duas falas também:

“Os clássicos. E abordagens sobre temas contemporâneos de modo

dinâmico sem ser simplista voltados para alunos/as de ensino médio.”

(Entrevistada 12)

“A Sociologia, de modo geral, não elabora a transição entre sua forma

acadêmica e sua forma pensada na linguagem de ensino médio. Portanto,

todas as temáticas”. (Entrevistado 24)

A maioria dos professores pesquisados afirmam utilizar recursos tecnológicos

audiovisuais para auxílio didático em suas aulas. Oito afirmaram utilizar principalmente de

aulas expositivas e outros seis admitiram dificuldades quanto à introdução de técnicas

didáticas. Ainda, doze dos entrevistados utilizam regularmente o livro didático em suas aulas.

Percebe-se a busca por metodologias alternativas de trabalho que são realizadas na prática

escolar, a partir de tentativa e erro, mas que tem também como barreira a falta de recursos,

conforme alguns relatos, a começar pela utilização do recurso da oralidade, em rodas de

conversas temáticas:

“Lousa, livro e, principalmente, muita conversa. Minhas aulas são

conversas sobre os conteúdos, buscando sempre os relacionar com as

experiências cotidianas dos e das alunas.” (Entrevistada 15)

“Apesar dos recursos serem escassos (internet, projetor, carteira,

cadeira, ventilador, janela...), tento utilizar rodas de conversa, da

biblioteca para potencializar as aulas expositivas.” (Entrevistada 23)

Outros relatos trazem a questão da utilização de recursos audiovisuais e oficinas de

maneira a complementar as aulas expositivas:

“Gosto muito de trabalhar com audiovisual. Porém tenho

dificuldade devido a estrutura física da escola.” Entrevistada 2

“Acredito que sim. Utilizo uma metodologia muito eficiente dentro da

sociologia: Oficinas Pedagógicas.” Entrevistado 22

Por fim, há um relato mais completo com relação à utilização de múltiplos recursos

complementares às aulas:

“Não uso muitos recursos didáticos, mas já melhorou muito em relação

ao início da carreira. Como recurso didático uso: aula invertida, estímulo

a participação dos alunos a todo momento, filmes, documentários, uso

da Internet em sala de aula como ferramenta de pesquisa, rodas de

conversa, seminários, apresentação de trabalhos em grupo,

exemplificação dos temas a partir da realidade dos alunos, excursões,

passeios, aulas ao ar livre.” Entrevistada 13

A BNCC e o livro didático servem como guias estruturais, como aponta Meucci (2014),

é uma maneira de padronizar o currículo e primar por autores cânones e saberes já sacralizados

dentro da sociologia para a composição das aulas. Já as formas de lecionar são construídas e

Page 11: 45º Encontro Anual da Anpocs; GT15 - Ensino de Ciências

aprimoradas a partir de troca com pares, vivências, pesquisas em geral, contato com a

universidade e condições da escola, além das especificidades de cada turma.

Um dos grandes desafios apontados pela maioria dos entrevistados se relaciona com o

tempo e número de aulas. São avaliados negativamente pois já que cada turma possui apenas

uma aula por semana, os professores são levados a assumirem muitas turmas para obterem o

cargo completo, e por conseguinte, também avaliam negativamente o número de turmas em

que trabalham, pois tem grande trabalho burocrático com os registros diários em geral e a

dificuldade de formar laços com os alunos, o que afeta o ensino. De maneira geral vemos uma

avaliação negativa do tempo das aulas, mais de 74% dos docentes que responderam ao

questionário classifica o tempo de aula como “Muito Ruim” ou “Ruim” como se apresenta no

gráfico a seguir:

De acordo com um entrevistado:

“A questão do tempo de aula leva a dois debates – a dificuldade para

consolidar a disciplina junto aos estudantes e no Estado (rede estadual

de ensino), tem uma aula semanal, leva a pegar muitas aulas para ter

melhor salários, e cresce o tempo gasto com burocracias, tipo os diários.”

(Entrevistado 10)

Outra consequência dessa carga horário semanal reduzida é a dificuldade de se firmar

junto aos estudantes, estabelecer conexões significativas e duradouras para possibilitar o

desenvolvimento do trabalho de maneira mais próxima, com relação à essa esfera vemos os

seguintes depoimentos muito enfáticos nesse sentido de colocarem essa dimensão do tempo

reduzido como dos principais desafios da disciplina de Sociologia no Ensino Médio em Minas

Gerais:

Page 12: 45º Encontro Anual da Anpocs; GT15 - Ensino de Ciências

“Ter uma aula de 50 minutos por turma, a ausência de equipamentos e

ferramentas, tais como: (xerox, Datashow, sala de informática,

excursões), indisciplina e salas lotadas.” Entrevistado 10

“Muitos! Vou me ater a um deles, que tenho visto como o maior: o tempo

reduzidíssimo que temos em sala de aula. Conseguir lidar com o tempo

que temos é, para mim, o maior desafio e o maior inimigo. Além de

impossibilitar um bom trabalho faz com que sejamos obrigados/as a

assumir muitas turmas, o que nos sobrecarrega demasiado.” Entrevistada

15

“O pouco tempo para alcançar o máximo de conteúdos e práticas

importantes que colaboram no processo de ensino aprendizagem.”

Entrevistada 9

“Primeiramente, os desafios no Estado de Minas Gerais são referentes

ao número de aulas por semana para a disciplina de Sociologia o que não

permite um aprofundamento na relação com os(as) alunos(as) e também

enraizamento do conteúdo de uma aula para a outra. É necessário

retomar constantemente assuntos que os(as) alunos(as) não

aprofundaram entre uma aula semanal e outra.” Entrevistada 25

Além da dificuldade com relação ao estabelecimento de uma conexão com os

estudantes explicitado nos depoimentos acima outra questão acarretada com esse número

reduzidos de aulas é a necessidade de busca por cargos extensos, o que gera uma precarização

do trabalho docente pelo em busca de melhores salários pelo número elevado de turmas, o

depoimento abaixo ilustra bem isso:

“O número limitado de aulas, que dificulta a conexão com os

estudantes, já que é necessário procurar por muitas aulas para

completarmos a carga horária e possuirmos um melhor salário.”

Entrevistado 11

Questões estruturais de condições da estrutura da educação do país assim como a

incerteza da permanência da disciplina de Sociologia no ensino médio são desafios que parte

dos professores colocam como importantes que afetam o ensino de sociologia, assim como

questões específicas de infraestrutura da escola.

Sobre a forma como lidam com a questão da bagunça e da indisciplina em suas aulas,

dezesseis dos professores pesquisados optam pelo diálogo e aproximação do aluno para

conscientização sobre postura e necessidade de mudança de atitude, e de outro lado, outros

onze optam por medidas de repressão institucional como retirada de pontos, ocorrências

administrativas ou suspensões. Consentem sobre o tempo perdido com falta de ambiente de

ensino e como isso afeta o ensino de sociologia, sacrificando o pouco de tempo de aula que se

tem.

Sobre como percebem a diferença entre os cientistas sociais como pesquisadores

acadêmicos e cientistas sociais como professores do ensino médio, os pesquisados afirmaram

Page 13: 45º Encontro Anual da Anpocs; GT15 - Ensino de Ciências

sobre o desdém e a desvalorização da profissão de professor da educação básica e também que

o professor se torna pesquisador da escola. Alguns afirmaram sobre serem objetivos e

universos de trabalho diferentes, que gera a diferença de prestígio e de estímulo à pesquisa. Foi

apontada também a necessidade de diálogo entre escola e universidade, pois são trabalhos

complementares. Um entrevistado aponta a diferença de prestígio das duas profissões, o que

serve como impulso para desvalorização da carreira da licenciatura na educação básica,

segundo ele “Ainda falta legitimidade e reconhecimento da profissão. Mas eu vejo isso em

muitas disciplinas, o professor da educação básica no geral (sobretudo pública estadual) não

goza nem de perto do mesmo prestígio que o pesquisador professor das universidades”

(Entrevistada 7).

Quando perguntados sobre militância, a maioria se considerou militante ou defensor de

causas como o feminismo e das questões de gênero, questão racial, ambiental ou direitos

humanos. Segundo eles, essas questões aparecem nas aulas como temáticas e debates, sendo

parte do debate democrático e de forma construtiva para suas aulas. Três entrevistados falaram

sobre a dificuldade de se posicionar politicamente dentro de sala de aula, relegando esses

assuntos para fora das aulas. Segundo um entrevistado “a vantagem de se trabalhar temas

específicos tem se tornado um risco no atual cenário político e educacional, é um desafio hoje

para a Sociologia o cuidado que o professor deve ter ao falar sobre determinados temas sem

ser acusado ou vigiado” (Entrevistado 11).

Os respondentes avaliaram positivamente sua relação com professores de outras áreas

na escola, assim como sua relação com a diretoria e outros membros da comunidade escolar.

O que corrobora para superar dificuldades no ambiente escolar, como a questão do tempo

apontada acima.

O cenário de instabilidade da disciplina de Sociologia no currículo do ensino médio

aparece como um dos problemas que afetam a prática docente, conforme já situamos no início

do artigo abordando a questão do histórico da disciplina no ensino médio e sua intermitência.

De acordo com entrevistados quando perguntados dos principais desafios da disciplina de

Sociologia, as respostas apontam para:

“A manutenção do seu lugar na escola como uma disciplina, uma vez

que com a reforma do ensino médio e a BNCC a presença dessa

disciplina ainda é incerta…” (Entrevistada 3).

Page 14: 45º Encontro Anual da Anpocs; GT15 - Ensino de Ciências

“Por fim, uma espécie de instabilidade da disciplina no currículo: uma

disciplina relativamente recente nas grades curriculares e sempre

ameaçada de ser retirada.” (Entrevistado 11).

“No momento, manter a sociologia como uma disciplina no Ensino

Médio.” (Entrevistado 24).

“Desafio de ordem legal: a discussão sobre obrigatoriedade do ensino de

Sociologia, que ressoa no reconhecimento do profissional.”

(Entrevistado 24).

Contudo, foi consenso entre os entrevistados a grande importância da Sociologia no

Ensino Médio, de acordo com alguns depoimentos dos entrevistados essas são as principais

atribuições positivas da disciplina:

“A sociologia tem muito pra contribuir com organização da escola, no

sentido de repensar as próprias relações estabelecidas dentro dela. E com

as vidas dos alunos por ser um espaço de questionamento e reflexão

sobre a realidade deles.” (Entrevistada 5).

“As aulas de sociologia são momentos maravilhosos de reflexão sobre

temas importantes. Além disso, muitas vezes é por meio da sociologia

que os alunos do ensino médio desenvolvem mais intensamente a

capacidade de argumentação, diálogo, escuta, respeito à opinião do

outro.” (Entrevistada 13).

“A sociologia tem como característica de propiciar reflexões críticas

sobre a realidade que os estudantes vivenciam, principalmente com o

mercado de trabalho que eles estão sendo inseridos.” (Entrevistado 6).

“A Sociologia é importante enquanto disciplina que proporciona uma

lógica de investigação aos alunos(as), tornando-os(as) grandes argumentadores sobre sua realidade. A Sociologia também possibilita

um diálogo entre disciplinas como Português, Matemática, História,

Geografia e Filosofia promovendo uma curiosidade quanto a relação que

estas disciplinas podem ter com os aspectos da vida cotidiana de cada

um dos alunos(as), além disso a prática investigativa que a sociologia

desperta em cada um dos estudantes possibilita a eles(as) a construção

de uma escrita mais atenta e argumentativa, objetiva e questionadora.”

(Entrevistada 25).

No contexto do ensino de Sociologia, a teoria e a realidade empírica devem ser

articulados, sendo que tanto se pode partir da teoria para se chegar à realidade, ao menos em

termos de abstração, mas também se pode partir da realidade em direção às formulações

teóricas. É nesta articulação, entre a realidade e a teoria, que reside a necessidade de se realizar

um salto epistemológico, no sentido de tornar as categorias sociológicas palatáveis ao Ensino

Médio. Sendo que o processo teórico não vale por si mesmo se não possuir um potencial

heurístico explicativo sobre a realidade social, a teoria precisa dizer algo sobre a realidade do

aluno. Ao lidar diretamente com uma realidade que constitui e ao mesmo tempo é constituída

pelo sujeito, deve-se problematizar a construção do objeto sociológico como algo dado,

destacando o seu caráter também político e ideológico, não sendo uma simples descrição

refinada da realidade. Estes elementos imbricam-se com a contextualização da situação

Page 15: 45º Encontro Anual da Anpocs; GT15 - Ensino de Ciências

didática, ou seja, em que contexto o ato educacional ocorre, e a forma como este deve perpassar

a teoria, bem como ser perpassado pela mesma, sendo ao mesmo tempo explicado e explicativo.

A práxis educacional, em especial no contexto da Sociologia, não deve ser apartada do âmbito

teórico, bem como não deve distanciar do universo da experiência (OLIVEIRA, 2011).

Os avanços culturais, das técnicas, das ciências e das tecnologias vêm introduzindo

novos requerimentos de educação básica, tornando-a cada vez mais densa de conteúdos

culturais, tecnológicos e científicos, o que vai de encontro a proposta das ciências sociais. Cabe

à educação básica promover o ensino-aprendizagem dos conteúdos, métodos e relações

necessários à compreensão, à pesquisa e à aplicação críticas e criativas das bases científicas

dos processos e procedimentos técnicos, contextualizando-os e significando-os à luz das

necessidades humanas e sociais. A especificidade da sociologia, consiste também em ser um

dos elementos fundamentais à formação integral e à educação ao longo da vida do indivíduo

necessário à sua inserção crítica e criativa no contexto da atualidade, além de necessária ao

desenvolvimento da capacidade dos indivíduos de responder à mudança tecnológica contínua.

A educação tem também se tornado uma condição individual e social para o desfrute do

conforto e do bem-estar possibilitados pelas conquistas decorrentes do desenvolvimento

científico.

2.1 Sobre a importância da linguagem sociológica

A questão da linguagem sociológica aparece como análise importante nesse estudo,

pois de acordo com a pesquisa realizada, já que os professores de sociologia cotidianamente

realizam a adaptação de seus materiais visando uma forma mais didática da linguagem

sociológica. Assim, a linguagem é primordial para a construção do conhecimento escolar em

Sociologia e é uma das particularidades que a Sociologia apresenta enquanto disciplina da

educação básica. Na parte dos professores, interfere na forma como se elaboram os planos de

aula, as atividades, as explicações e traduções dos conceitos elaborados para um formato mais

didático e para os estudantes, trata-se de um processo de familiarização e assimilação.

A consciência dessa dimensão linguística do ensino e de como ela influencia nas

escolhas dos professores, torna os profissionais mais preparados para ensinar e para fazer um

uso da linguagem condizente e coerente com os objetivos do ensino de Sociologia na educação

básica e que também seja acessível para a diversidade da escola. No campo de estudos sobre o

ensino da disciplina e nas orientações curriculares, a proposta é de que o ensino de Sociologia

Page 16: 45º Encontro Anual da Anpocs; GT15 - Ensino de Ciências

seja uma socialização dos recursos que as Ciências Sociais dispõem para compreensão da

realidade, que são conceitos, teorias e métodos que, ao serem apropriados, proporcionam aos

alunos, autonomia para seu uso e não apenas uma mera reprodução, na reelaboração das suas

interpretações da vida social.

Nesse sentido, o desenvolvimento de um olhar sociológico ou de um pensamento

sociológico, objetivo da Sociologia no ensino básico, perpassa inevitavelmente a questão da

linguagem utilizada para o ensino. Assim, a linguagem sociológica, pode ser entendida como

um problema sociológico em si mesmo, ou seja, uma questão para análise social. A linguagem

sociológica utilizada na sala de aula é baseada em um aprendizado que depende de práticas

linguísticas que permitem essa organização da experiência, algumas delas próprias do

conhecimento científico, outras específicas das Ciências Sociais, e também da habilidade

individual do professor, além de sua ênfase cultural.

A caracterização de uma linguagem sociológica perpassa os conceitos e categorias

próprias desse campo científico, mesmo que muitos desses termos e expressões sejam

compartilhados com a linguagem comum, contudo seu uso dentro da Sociologia, tem sentidos

específicos, podem variar em diferentes tradições teóricas, e como instrumentos teóricos

desenvolvidos para compor um sistema explicativo, estão sempre em relação com outros

conceitos e noções. Nesse sentido, de acordo com Souza (2016) para além dos conceitos, a

linguagem sociológica pode ser entendida como uma forma particular de discurso, cuja unidade

se deve ao sistema de regras segundo as quais o conhecimento sociológico é produzido e este,

não se refere a métodos e técnicas de pesquisa, mas mais propriamente a um modus operandi

das Ciências Sociais. Ainda, de acordo com a autora, quando nos referimos à linguagem

sociológica estamos, portanto, considerando tanto seus conceitos, categorias e teorias, que

compõem esquemas explicativos da vida social, como também um tipo de discurso ou forma

particular de uso da linguagem, que organiza com esses conceitos uma leitura do real própria

das Ciências Sociais.

Nessa perspectiva, é necessário que o professor ao explicar conceitos, relações de

sentido entre as palavras, sendo que a apropriação dos conceitos é um processo, que pode

começar no ensino de categorias, mas não se encerra nele. Para Souza (2016), a apropriação da

linguagem sociológica, ou seja, passar de um estado de não ter essa linguagem, ao estado de

“ter a linguagem” implica na possibilidade de fazer uso dela, para além daqueles contextos em

que nos foi inicialmente apresentada. O desenvolvimento da linguagem sociológica envolve o

Page 17: 45º Encontro Anual da Anpocs; GT15 - Ensino de Ciências

exercício, o treino para que os professores ensinem da melhor forma os conhecimentos de

Sociologia assim como, para que o professor possa orientar e mediar o processo de

familiarização dos alunos com os usos da linguagem próprios das Ciências Sociais.

Para Souza (2016), o domínio dessas formas de linguagem não pode ser

compreendido como um pré-requisito para a apropriação dos conhecimentos sociológicos.

Muito pelo contrário, esse domínio é o que devemos promover através do ensino. O contato

com os textos e teorias sociológicas não garante que se aprenderá a pensar

sociologicamente. Com eles se apresentam modelos, se mostra uma forma de operar com

a linguagem, mas a construção do olhar sociológico envolve interações complexas entre saber

que e saber como.

Bernstein (1998) também chama a atenção para o que o autor traz enquanto noções de

classificação e de enquadramento que podemos aplicar aqui à esse conhecimento sociológico,

pois segundo esse autor, a classificação seria a relação existente entre categorias, discursos,

práticas ou instâncias e a fronteira estabelecida entre o que é passível de lecionar ou não. Se a

classificação é forte, significa que existe uma separação nítida entre as categorias causando

pouca vazão do que pode ser lecionado, caso contrário da Sociologia enquanto disciplina, pois

como trata-se de uma disciplina que passou por diversos tensionamentos dentro da educação

básica, vemos uma dificuldade de estabelecimento, e com isso uma noção de classificação

fraca, o que traz uma abertura de fronteiras para o que é passível de ser lecionado. O

enquadramento regula as relações dentro do contexto do que é lecionado e o legitima, sempre

examinando a maneira de controle dessa relação pedagógica, os critérios adotados para ensinar,

o ritmo e a previsão de aprendizagem. Sendo assim, a classificação então, se refere ao que é

ensinado dentro da disciplina de Sociologia, o enquadramento se refere ao como é ensinado,

ou seja, à forma como os significados são unidos e traduzidos como uma mensagem, em um

texto legítimo para a comunicação pedagógica.

Sobre os projetos curriculares, observa-se que são permanentemente questionados a

responder desafios científicos cada vez mais dinâmicos e de legítimas inserções sociais. Os

currículos, além das dimensões formais de ordenamento de áreas específicas de saberes e das

questões pedagógicas próprias derivadas de sua implementação, possuem dimensões políticas

mais amplas e complexas. Nesse sentido, as atividades envolvidas na construção do

conhecimento sociológico precisam ser experimentadas, tensionadas e exercitadas. Jogar os

jogos que compõe a Sociologia, conhecer e vivenciar o repertório das práticas que

Page 18: 45º Encontro Anual da Anpocs; GT15 - Ensino de Ciências

viabilizam esse conhecimento é condição para apropriar-se dele. Muitos fatores influenciam

as escolhas docentes, como os tempos e ritmos da organização escolar, a pressão das

avaliações externas, a estrutura e o espaço em que se dão as atividades, as avaliações

internas e a dinâmica em torno de uma construção de currículo que vá ao encontro com os

anseios da comunidade escolar.

Aqui destacamos como se dá essa produção de um currículo em uma perspectiva de

movimentos de memória e esquecimento (NOGUEIRA, 2020), onde a escola elege quais

conteúdos são passíveis de serem transmitidos e quais conteúdos são esquecidos nesse

processo, e disso o conhecimento e a linguagem sociológica não saem ilesos. Serão os

professores de sociologia em seu trabalho cotidiano, mediado por hierarquias de prioridades

educativas diferenciadas que farão as suas escolhas do que lecionar.

A disciplina de Sociologia é um campo ainda em construção e tensionamento, como

vimos no início do artigo, assim para que seus conhecimentos sejam passíveis de serem

lecionados percorre-se toda uma dinâmica de classificação e enquadramento de seus saberes

para que configurem um dispositivo pedagógico (BERNSTEIN; 1996, 1998) que transforme o

conhecimento, no nosso caso falamos especificamente do conhecimento sociológico, em uma

construção teórica capaz de fornecer uma gramática de transformação do conhecimento no

ambiente escolar, ou seja, uma linguagem sociológica. O currículo da Sociologia pode ser

entendido como um campo de embates, e Nogueira (2020) atribui o sentido de cultura

dominante aos saberes eruditos, populares, de massa, do senso comum ou da ciência, o que

dota o sentido de dominação para a autora é a classe que a legitima.

3. Considerações

Os resultados iniciais dessa pesquisa evidenciam a importância da disciplina da

Sociologia e apontam problemáticas importantes na sua aplicação em sala de aula na escola de

ensino básico. Nesse sentido a pesquisa com 27 professores de Sociologia do ensino médio da

cidade de Belo Horizonte e região metropolitana, que apresentaram elevado nível de formação,

contando, em sua maioria, com pós graduação e equivalentes e a licenciatura apareceu como

principal forma de entrada no mercado de trabalho da área. O tempo e número das aulas foi

colocado como um dos principais empecilhos ao ensino de Sociologia no Ensino Médio, assim

como a inconsistência da permanência da disciplina de sociologia no currículo e a indisciplina

dos alunos que impossibilita o ambiente didático na escola.

Page 19: 45º Encontro Anual da Anpocs; GT15 - Ensino de Ciências

Os professores entrevistados avaliaram positivamente seus cursos de licenciatura de

forma geral, mas informaram que a prática docente gerou a necessidade do estudo de várias

temáticas que não foram aprofundadas em seus cursos de graduação, levando os próprios a

elaborarem seus materiais didáticos, por muitas vezes e isso ocorre devido ao processo de

consolidação da Sociologia dentro da educação básica que enfrentou grandes dificuldades,

existentes até a atualidade e que tem como consequência uma noção de classificação fraca

(BERNSTEIN, 1998), com relação a conteúdos e currículos. Nesse sentido, um dos principais

apontamentos encontrados se liga à questão da importância da linguagem sociológica

(SOUZA, 2016) que deve ser pensada como um problema sociológico, de forma que foi

observada uma grande dificuldade com as formas didáticas para o ensino de sociologia.

Assim, a sociologia pode muito contribuir para a construção das interações entre

ciência, educação e sociedade. O conhecimento proveniente dessa área possibilita a

identificação de aspectos da ciência, como sua estrutura epistemológica, dinâmica interna e

externa, papel social, assim como interações entre ciência e sociedade, nos seus aspectos

políticos, econômicos, mercadológicos, ideológicos e de representação científica no imaginário

social (AMORIM, 2014).

Por meio da Sociologia, obtemos um conhecimento científico sobre a realidade social.

Assim, esses atributos intrínsecos a Sociologia que remetem ao seu aspecto reflexivo, são de

grande relevância para a formação humana e social dos estudantes. Visando o contexto

sociopolítico brasileiro atual em que mudanças na legislação aconteceram de forma pouco

democrática causando prejuízo para o ensino da disciplina, torna-se de grande importância o

debate sobre a as contribuições insubstituíveis dessa ciência. O ensino e a pesquisa de

Sociologia podem contribuir para uma apreensão crítica da vida social da atualidade e para o

desvendamento de singularidades e contradições que marcam um mundo cindido por uma

precarização social sem precedentes da educação. Buscamos assim, uma contribuição para a

consolidação da disciplina escolar, além do fomento de discussões e demais pesquisas sobre

conteúdos escolares, práticas pedagógicas em Sociologia, assim como reflexões sobre

formação de professores.

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