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45º Encontro Anual da Anpocs;
GT15 - Ensino de Ciências Sociais.
Professores de Sociologia da rede pública de educação de Belo Horizonte e região
metropolitana (MG, Brasil) sob análise
Charles Luiz da Silva
Graduado em Sociologia pela UFMG, Mestrando em Educação pela UFOP, professor
da rede pública de educação - [email protected]
Nayara de Amorim Salgado
Doutoranda em Sociologia pela UFMG, professora da rede pública de educação
Resumo
A partir de questionários aplicados com professores da disciplina de Sociologia da rede
pública de educação de Belo Horizonte e região Metropolitana (Minas Gerais, Brasil) esse
artigo faz uma análise sobre os principais desafios do seu ensino no ensino médio. Foram
identificadas problemáticas relacionadas à formação e de outro lado, a estrutura da disciplina
propriamente dita no cotidiano escolar. No primeiro ponto, são apontadas questões sobre os
cursos de licenciatura, as dificuldades de vínculo e distanciamento entre a sociologia na
universidade e na escola. De outro lado tem-se notas sobre o pouco tempo de aula, a
necessidade de tornar o campo de conhecimento mais didático e consequentemente mais
atrativo aos alunos do ensino médio, a legitimação do campo e das práticas de ensino por se
tratar de uma disciplina que teve a sua obrigatoriedade imposta ao ensino médio depois de
longos períodos de intermitência somente no ano de 2008, além da dificuldade de se lidar com
o conteúdo dada a amplitude de temas que podem ser abordados dentro das ciências sociais.
Trata-se de uma pesquisa exploratória sobre a realidade escolar do ensino de Sociologia na
atualidade.
Palavras chave:
Educação, Ensino de sociologia, professores, ensino médio, licenciatura
1. Notas sobre a história das Ciências Sociais no Brasil
Pensando a sociologia como uma disciplina que faz parte da grade curricular do ensino
médio da rede pública de educação brasileira é necessário retomar o seu histórico e trajetória,
que aconteceu de forma muito interrompida, sendo contestada em diversos momentos,
democráticos ou não. A sociologia aparece no Brasil como disciplina antes mesmo de um curso
acadêmico, quando Rui Barbosa e os seus “Pareceres” de 1882-83 passaram a definir o início
da sua na educação brasileira, de forma que seu conteúdo era voltado aos cursos de direito na
época, substituindo as disciplinas de “Direito Natural” pela “Sociologia”, contudo, apesar de
sua não aprovação esse foi dos primeiros delineamentos do que seria o ensino de sociologia em
solo tupiniquim (Moraes, 2011).
A obrigatoriedade do seu ensino, enquanto componente curricular, deu-se apenas em
1925, com a Reforma Rocha Vaz (Decreto n. 16782-A, de 13/01/1925), que instituiu a
obrigatoriedade da sociologia nos anos finais para cursos preparatórios, embora o seu alcance
fosse limitado pela legislação da época, dada a autonomia dos estados em cumprir leis federais.
Outro marco importante é a reforma Francisco Campos (Decreto n.19890 de 14 abril de 1931)
de 1931 que cria o Ministério da Educação e Saúde Pública e mantém a disciplina como
obrigatória e a partir do Estatuto da Universidade Brasileira (Decreto n. 19.851 de 11/04/1931)
que dá as bases para a criação das universidades públicas no país, no ano de 1934 a
Universidade de São Paulo (USP) criou o seu primeiro curso de Ciências Sociais, contrastando
com a Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo (ELSP) que havia lançado o seu curso
no ano anterior, sendo que, enquanto a primeira era um curso de caráter extremamente
acadêmico, o segundo primava por formação para absorção do mercado em quadros da
administração pública e privada (Moraes, 2011).
Em 1942, por meio da Reforma Capanema, a Sociologia deixou de ser obrigatória. Por
meio da Lei e Diretrizes de Base da Educação (LDB), Nº 4.024, de 1961, retornou como
obrigatória no ensino secundário e, em 1971, por meio da LDB, nº 5.692, passou a ser optativa.
No ano de 1982, a Lei de nº 7.044, reabriu espaços para as disciplinas de Ciências Humanas,
sem, contudo, tornar a Sociologia obrigatória. A partir daquele momento deu-se início a
movimentos em vários estados da federação em favor do retorno da Sociologia no Ensino
Médio (BODART; CIGALES, 2015).
Esse movimento da década de 1980, movido especialmente por sindicatos de
sociólogos do estado de São Paulo impulsiona uma onda de propagação da disciplina em
análise no restante do país. Nos anos 1990 foi grande a luta pela legitimação da sociologia,
sendo que nesse período começaram a ser apresentados os primeiros projetos de lei sobre a
instituição da disciplina de sociologia do ensino médio, primeiramente com a Lei de Diretrizes
Básicas (LDB) de 1988 de relatoria do deputado federal Jorge Hage que acaba não aprovada e
posteriormente, com sua substituição pela Lei de Diretrizes Básicas da Educação Nacional
(LDBEN) 9394/1996 do senador Darcy Ribeiro. Contudo, o texto da LDBEN 9394/96 deixa
margem à ambiguidade quando lança mão no seu artigo 36, parágrafo 1º, inciso 3 que trata
sobre a necessidades dos estudantes de terem “domínio de conhecimentos de Filosofia e
Sociologia necessários ao exercício da cidadania”, (MORAES, 2011, p. 369) culminando numa
possível interpretação de obrigatoriedade dos saberes da disciplina, mas sem a instituição da
obrigatoriedade da disciplina ao mesmo tempo. Com isso, já em 1997 o deputado federal Padre
Roque Zimmerman lança mão do Projeto de Lei (PL) 3178/97 que tinha como caráter principal
a alteração da LDBEN 9394/96, explicitando o caráter de obrigatoriedade da Sociologia e
também da Filosofia como disciplinas dentro da grade da educação básica, especificando sobre
a necessidades dos conhecimentos e do seu ensino ser ministrado por profissionais formados
nos dois campos respectivamente, dado a insuficiência de formação de outras áreas para dar
conta das temáticas de tais disciplinas (BODART; CIGALES, 2015).
Esse projeto de legitimação da Sociologia e da Filosofia como disciplina obrigatória no
Ensino Médio foi aprovado pela câmara dos deputados e pelo senado em 2001, e menos de um
mês depois, curiosamente, o sociólogo e presidente da república à época Fernando Henrique
Cardoso, vetou integralmente o projeto com a justificativa de que essa medida incidiria ônus
ao Estado e à União, pela contratação de novos profissionais e concursos públicos para tal, bem
como o número insuficiente de profissionais habilitados no país à época para exercer a função
e suprir as demandas em todo território nacional de maneira imediata. Aliado a esse argumento
no ano de 1998 surgia os indícios da nova Diretriz Curricular do Ensino Médio (DCNEM) que
se pretendia dar um caráter mais interdisciplinar ao Ensino Médio nacional, com isso foram
firmados os pareceres do Conselho Nacional de Educação (CNE) 15/98 e Resolução CNE/CEB
03/98 que determinam que os conteúdos de Filosofia e Sociologia poderiam ser diluídos dentro
de outras disciplinas, o que reforçou no contraponto a luta pela aprovação do projeto de lei para
a obrigatoriedade do ensino de ambas disciplinas.
Vale ressaltar também que os movimentos internos dentro dos grandes espaços de
discussão das Ciências Sociais como o Congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS)
impulsionaram as discussões sobre a legitimidade do ensino de sociologia no Ensino Médio,
especialmente no início dos anos 2000. Com essa exposição da temática, o debate seguiu e
quando surge no ano de 2004 a ideia de elaboração de novas Orientações Curriculares para o
Ensino Médio (OCEM), foi firmado o Parecer CEN/CEB 38/06 que estabelece a
obrigatoriedade da Sociologia e Filosofia em todas escolas públicas e privadas do país
(MORAES, 2011).
Nesse embate político, o Conselho Estadual de Educação de São Paulo (CEE/SP)
questiona a autoridade da CEN em legislar e lançou a Indicação 62/2006 que derrubou a
vigência do Parecer do CNE, excluindo novamente a obrigatoriedade da Sociologia e Filosofia
como disciplinas do Ensino Médio em solo paulista, ação essa que é reproduzida em solo
nacional. Com isso o debate se volta novamente para o Congresso Nacional, onde dois anos
depois, o Congresso finalmente aprova a PL 1641/03 que é sancionada pelo presidente em
exercício José de Alencar como Lei 11684/2008 que altera a LDB e institui de maneira
obrigatória a Sociologia e Filosofia nas três séries do Ensino Médio.
Essa intermitência da disciplina de sociologia tem gerado problemáticas e desafios no
âmbito da educação básica. Moraes (2011) coloca que:
“de maneira histórica entendemos que a exclusão da Sociologia
do currículo prende-se menos a preconceitos ideológicos e mais à
indefinição do papel dessa disciplina no contexto de uma formação que
se definia mais orgânica, resultado do estabelecimento de uma
burocracia mais técnica e mais exigente ou convicta em relação à
concepção de educação”. (MORAES, 2011, p.365)
Nesse pouco tempo da presença da Sociologia nos currículos de ensino médio, vê-se
ainda ataques visando sua retirada, assim como a Filosofia, com argumentos que se apoiam em
discursos tecnicistas e sobre a maior necessidade de investimentos em outras áreas, seja por
maior retorno ou puro pragmatismo, que dizem não haver nas ciências humanas.
Dessa forma, estudos como esse que exploram a função e a real vigência da Sociologia
na escola, se tornam de grande importância ao servir como base para ações de políticas públicas
de educação. Além do que, nesse contexto de legitimação da disciplina no Ensino Médio, esse
estudo se justifica, pois, levanta dados primários com profissionais em atividade no campo da
educação pública, o que adquire importância como estratégia de planejamento e avaliação, de
forma a construir uma educação de melhor qualidade e em consonância com as necessidades
da vida moderna, pois no processo educacional, o professor e sua percepção de educação são
fatores primordiais.
2. Metodologia e análise dos dados da pesquisa
Propõe-se aqui uma pesquisa exploratória utilizando a metodologia qualitativa para
realização desse estudo. O método qualitativo “é adequado aos estudos da história, das
representações e crenças, das relações, das percepções e opiniões, ou seja, dos produtos das
interpretações que os humanos fazem durante suas vidas, da forma como constroem seus
artefatos materiais e a si mesmos, sentem e pensam” (MINAYO, 2008, p.57).
O ponto de partida foi uma revisão bibliográfica e documental para delimitar e
contextualizar a problemática proposta e para dar seguimento ao estudo. Para a obtenção dos
dados empíricos, foram utilizados questionários, que combinam perguntas abertas e fechadas.
Finalmente, a análise de conteúdo foi utilizada como técnica de tratamento de dados coletados,
que visou à interpretação de material de caráter qualitativo, assegurando uma descrição
objetiva, sistemática e com a riqueza manifesta no momento da coleta dos mesmos
(Goldemberg, 2003).
Assim, esse estudo exploratório, que aconteceu durante o ano de 2019, foram
respondidos 50 questionários virtuais via Google Forms e o critério utilizado para responder
ao questionário seria que a pessoa lecionasse sociologia. Dos 50 questionários, 27 foram
selecionados para análise, aqueles em que o/a respondente era profissional das ciências sociais
em exercício na rede estadual de educação de Belo Horizonte e ou região metropolitana (MG,
Brasil). Buscou-se explorar a percepção dos professores sobre sua formação, sua prática
didática e os desafios do campo da sociologia no Ensino Médio.
Sobre o perfil dos entrevistados, foram 15 homens e 12 mulheres, com idades variadas,
entre 23 a 57 anos, sendo dez respondentes na faixa entre 27 e 29 anos. Sobre a localização
das escolas em que trabalham, 12 afirmaram trabalhar na capital Belo Horizonte e os outros
em sua região metropolitana, como Betim, Contagem, Lagoa Santa, Juatuba, Ribeirão das
Neves e Santa Luzia, de forma que alguns trabalham em duas cidades no mesmo período.
Notável é a grande formação dos respondentes, pois dez respondentes apresentaram
pós-graduação (mestrado e doutorado, finalizados ou em curso) em áreas correlatas às ciências
sociais e educação. Os outros apresentaram em sua maioria formação com habilitação em
licenciatura, poucos somente com o título de bacharel. Foi observada também a tendência da
volta para a universidade para obtenção de novo título para o nível de licenciado pós formação
no bacharelado, visando a entrada na área de trabalho da educação como principal opção de
inserção no mercado de trabalho.
Sobre o número de aulas semanais, os entrevistados apresentaram variação, bem
característico da área na rede pública de educação, tendo entre 5 e 28 aulas, cinco dos
entrevistados com um cargo completo, ou seja, 16 aulas semanais e a parte com mais de um
cargo completo por semana, o que é possível pelo acúmulo de cargos, sendo possível lecionar
em até duas escolas da rede estadual.
Ao serem indagados sobre como surgiu o interesse pela formação em licenciatura,
apenas sete afirmaram que desejavam ser professores de ensino médio, quatro optaram pelo
curso como forma de melhorar sua inserção no mercado de trabalho, outros quatro disseram
que receberam impulso dentro da universidade para essa carreira, ainda quatro disseram que a
opção foi por puro automatismo e outros três entrevistados afirmaram que não queriam seguir
carreira na educação. Dez entrevistados que optaram primeiramente pela formação como
bacharel, optaram posteriormente pela licenciatura visando a busca por trabalho.
Ao serem pedidos para analisar o curso de licenciatura que fizeram, através de notas
de 0 a 10, onde a maior nota quer dizer melhor avaliação, sete entrevistados atribuíram notas
até 5 pontos e dezesseis deram notas acima de 6 para seus cursos, demonstrando uma boa
avaliação dos cursos assim como boa base para o trabalho diário nas escolas, principalmente
da Universidade Federal de Minas Gerais e Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais,
onde a maioria estudou. A maioria avaliou que o curso de licenciatura de maneira geral serviu
de base para seu trabalho na escola conforme percebemos no gráfico abaixo:
Temas específicos como a questão étnico racial, de gênero, temas de inclusão e formas
de didática e ensino, apareceram como necessidades surgidas no ambiente escolar e que pouco
foram abarcadas nos cursos de formação, fazendo com que os professores buscassem base em
outros espaços, leituras e vivências para complementar suas aulas. Percebe-se que “prevalece
um padrão de formação de professores com foco na área disciplinar específica e que reserva
um espaço apenas residual para a formação pedagógica” (MEUCCI, 2014, pág.96). Essa
citação vai ao encontro direto com a resposta de uma das professoras entrevistadas:
“O curso é muito completo e aprofundado no aspecto teórico, com relação às teorias sociológicas não tenho do que me queixar,
percebo que tenho muito domínio dos conteúdos. A grande questão é
que o curso não nos prepara em nada para a docência no sentido prático.
Lecionar sociologia no ensino médio nos exige muito mais do que
domínio teórico, exige lidar com diversas legislações, saber planejar o
tempo, as atividades avaliativas, lidar com a comunidade escolar...
sinceramente, não acho que o curso nos prepara para a vida
profissional.” (Entrevistada 151)
Podemos ver nesse trecho de resposta uma lacuna com relação à diversas
especificidades, especialmente caras ao fazer docente, que o licenciado em Ciências Sociais
passa, vale frisar um ponto aqui que é a generalidade dessa condição nas licenciaturas do país
como aponta a autora Bernardete Gatti quando situa que “[...] os cursos estão incorporando
mais questões em um conjunto de disciplinas que acentuam abordagens mais genéricas ou
descritivas das questões educativas, com poucas referências às práticas possíveis e suas
1 Todos os nomes de profissionais que responderam aos questionários foram suprimidos para preservar as
respectivas identidades.
lógicas” (Gatti, 2010, p. 1370). Percebe-se que mesmo com a especificação na LDB/1996 e
com a promulgação em 2002 das diretrizes curriculares nacionais para a formação de
professores o espaço para formação pedagógica segue sendo defasado e as grades curriculares
das licenciaturas não contam com uma articulação entre formação específica com seus
conteúdos da área disciplinar e os conteúdos para docência em uma formação pedagógica
(GATTI, 2010).
A partir do momento que é identificada essa lacuna na formação se torna necessária
supri-la de alguma maneira, a noção de aprendizagem situada de Jean Lave (2015) nos ajuda a
compreender essa maneira de complementação à formação aqui. As análises sobre o processo
de aprendizagem escolar, e como no caso desse artigo, especificamente a aprendizagem de
professores, requer uma visão multifacetada de como o conhecimento e a aprendizagem são
parte da prática social. Nesse sentido, outro apontamento gerado pela pesquisa tem relação com
o que Lave (2015) chama de “aprendizagem situada”, que são aprendizagens do cotidiano,
importantes para a formação dos professores, mas que não passam pela universidade e pelos
currículos da licenciatura em Ciências Sociais mas que necessitam fazer parte da análise para
a compreensão teórica da atuação e aprendizado desses professores.
Nesse entendimento, a obtenção de conhecimentos está organizada socialmente e então
a teoria da aprendizagem situada oferece um referencial analítico que enfoca o estudo da prática
cotidiana, pois de acordo com Lave (2015) podemos entender a aprendizagem situada como
algo contínuo de nossa participação no mundo, já que a aprendizagem é um aspecto integral e
inseparável da prática social. Ou seja, nesse sentido, de acordo com Jean Lave é:
“[...] a questão de ‘como a aprendizagem’ acontece não é sobre o que
acontece em um único contexto educacional – uma loja de alfaiates, uma
escola, uma sala de aula -, mas sobre como o aprender na prática seja
constituído por participantes em movimento através e lidando com, e por
entre os contextos dos quais para influenciar, cindir, e conectar, ou ao
contrário para moldar, na sua vida cotidiana.” (LAVE, 2015, p. 6).
A perspectiva que a aprendizagem situada gera, se contrapõe à tradição funcionalista
que inclui a separação da cognição do mundo social e se baseia também na ideia de que o
conhecimento consiste em unidades coerentes e isoladas cujas fronteiras e estrutura interna
existem independentes do indivíduo (LAVE, 2015). Nesse sentido, todo o conhecimento que o
professor adquire fora da universidade serve também como base para a elaboração e execução
de suas aulas, sendo que esse conhecimento de fora da universidade, muitas vezes leva ao
preenchimento das lacunas que os currículos têm.
Assim, a aprendizagem situada aliada à perspectiva reflexiva e crítica da formação
inicial do professor de sociologia possibilitam uma compreensão mais ampla do processo de
aprender a ensinar. De acordo com Almeida (2014) as formas e os processos institucionais da
formação do professor estabelecem como a profissão responde aos processos básicos de
aprender a ensinar, e a formação de professores precisam integrar as realidades culturais do
ensino e da aprendizagem e precisam ser melhor explorados.
As referências que compõe a formação de professores mostram-se muitas vezes,
divididas em um dualismo epistemológico, distintos e muitas vezes opostos, que é a realidade
da universidade, seus conhecimentos intelectuais, teóricos e de outro lado, a vivência, cultura
e ‘comunidades de práticas’ (LAVE, 2015) próprias do indivíduo. Esse dualismo
epistemológico que compõe a formação de professores, produz uma educação que ignora
algumas das riquezas do saber informal, que é obtido fora da universidade, substituindo-os ou
ignorando-os muitas vezes, por soluções vinculadas às tradições universitárias, quando, na
verdade, esses campos epistemológicos para a prática escolar, funcionam em
complementaridade.
Com isso, um ponto presente nas falas dos entrevistados é a necessidade de adaptar,
produzir e sistematizar seu material didático, sendo que a sua sistematização por parte de quem
está sendo ensinado é tão importante quanto o conteúdo, já que se tem um conteúdo complexo,
erudito e denso que precisa ser de alguma forma traduzido para forma didática, o que se pode
compreender como uma tradução para uma linguagem sociológica (SOUZA, 2016). Nesse
sentido, sete dos entrevistados falaram sobre a falta de material didático para suas aulas, sendo
que um grande apontamento da pesquisa é sobre a necessidade que se coloca como um grande
desafio da docência da sociologia do ensino básico que é deixar o conteúdo elaborado,
requintado e denso da Sociologia de uma forma mais simples para o trabalho no nível médio,
o que um entrevistado rotula como “trabalho de tradução” de conteúdo. De acordo com o relato
de entrevistados:
“[...] Mas as que eu diria que fazem mais falta são: os clássicos,
sociologia urbana, identidade e sociabilidade, temas ligados à sociologia
rural, a escola como espaço de reprodução de desigualdades - Bourdieu,
Evolucionismo social, política brasileira. Estudei todos esses temas no
bacharelado, mas faltou em minha formação um preparo para levar esses
e outros temas à sala de aula para adolescentes. É muito diferente ver um
tema na faculdade e ensiná-lo no ensino médio. Eu tive que aprender a
fazer essa transposição à medida que adquiria experiência, errando e
acertando, sem orientação de um professor”. (Entrevistado 13).
O que vemos em mais duas falas também:
“Os clássicos. E abordagens sobre temas contemporâneos de modo
dinâmico sem ser simplista voltados para alunos/as de ensino médio.”
(Entrevistada 12)
“A Sociologia, de modo geral, não elabora a transição entre sua forma
acadêmica e sua forma pensada na linguagem de ensino médio. Portanto,
todas as temáticas”. (Entrevistado 24)
A maioria dos professores pesquisados afirmam utilizar recursos tecnológicos
audiovisuais para auxílio didático em suas aulas. Oito afirmaram utilizar principalmente de
aulas expositivas e outros seis admitiram dificuldades quanto à introdução de técnicas
didáticas. Ainda, doze dos entrevistados utilizam regularmente o livro didático em suas aulas.
Percebe-se a busca por metodologias alternativas de trabalho que são realizadas na prática
escolar, a partir de tentativa e erro, mas que tem também como barreira a falta de recursos,
conforme alguns relatos, a começar pela utilização do recurso da oralidade, em rodas de
conversas temáticas:
“Lousa, livro e, principalmente, muita conversa. Minhas aulas são
conversas sobre os conteúdos, buscando sempre os relacionar com as
experiências cotidianas dos e das alunas.” (Entrevistada 15)
“Apesar dos recursos serem escassos (internet, projetor, carteira,
cadeira, ventilador, janela...), tento utilizar rodas de conversa, da
biblioteca para potencializar as aulas expositivas.” (Entrevistada 23)
Outros relatos trazem a questão da utilização de recursos audiovisuais e oficinas de
maneira a complementar as aulas expositivas:
“Gosto muito de trabalhar com audiovisual. Porém tenho
dificuldade devido a estrutura física da escola.” Entrevistada 2
“Acredito que sim. Utilizo uma metodologia muito eficiente dentro da
sociologia: Oficinas Pedagógicas.” Entrevistado 22
Por fim, há um relato mais completo com relação à utilização de múltiplos recursos
complementares às aulas:
“Não uso muitos recursos didáticos, mas já melhorou muito em relação
ao início da carreira. Como recurso didático uso: aula invertida, estímulo
a participação dos alunos a todo momento, filmes, documentários, uso
da Internet em sala de aula como ferramenta de pesquisa, rodas de
conversa, seminários, apresentação de trabalhos em grupo,
exemplificação dos temas a partir da realidade dos alunos, excursões,
passeios, aulas ao ar livre.” Entrevistada 13
A BNCC e o livro didático servem como guias estruturais, como aponta Meucci (2014),
é uma maneira de padronizar o currículo e primar por autores cânones e saberes já sacralizados
dentro da sociologia para a composição das aulas. Já as formas de lecionar são construídas e
aprimoradas a partir de troca com pares, vivências, pesquisas em geral, contato com a
universidade e condições da escola, além das especificidades de cada turma.
Um dos grandes desafios apontados pela maioria dos entrevistados se relaciona com o
tempo e número de aulas. São avaliados negativamente pois já que cada turma possui apenas
uma aula por semana, os professores são levados a assumirem muitas turmas para obterem o
cargo completo, e por conseguinte, também avaliam negativamente o número de turmas em
que trabalham, pois tem grande trabalho burocrático com os registros diários em geral e a
dificuldade de formar laços com os alunos, o que afeta o ensino. De maneira geral vemos uma
avaliação negativa do tempo das aulas, mais de 74% dos docentes que responderam ao
questionário classifica o tempo de aula como “Muito Ruim” ou “Ruim” como se apresenta no
gráfico a seguir:
De acordo com um entrevistado:
“A questão do tempo de aula leva a dois debates – a dificuldade para
consolidar a disciplina junto aos estudantes e no Estado (rede estadual
de ensino), tem uma aula semanal, leva a pegar muitas aulas para ter
melhor salários, e cresce o tempo gasto com burocracias, tipo os diários.”
(Entrevistado 10)
Outra consequência dessa carga horário semanal reduzida é a dificuldade de se firmar
junto aos estudantes, estabelecer conexões significativas e duradouras para possibilitar o
desenvolvimento do trabalho de maneira mais próxima, com relação à essa esfera vemos os
seguintes depoimentos muito enfáticos nesse sentido de colocarem essa dimensão do tempo
reduzido como dos principais desafios da disciplina de Sociologia no Ensino Médio em Minas
Gerais:
“Ter uma aula de 50 minutos por turma, a ausência de equipamentos e
ferramentas, tais como: (xerox, Datashow, sala de informática,
excursões), indisciplina e salas lotadas.” Entrevistado 10
“Muitos! Vou me ater a um deles, que tenho visto como o maior: o tempo
reduzidíssimo que temos em sala de aula. Conseguir lidar com o tempo
que temos é, para mim, o maior desafio e o maior inimigo. Além de
impossibilitar um bom trabalho faz com que sejamos obrigados/as a
assumir muitas turmas, o que nos sobrecarrega demasiado.” Entrevistada
15
“O pouco tempo para alcançar o máximo de conteúdos e práticas
importantes que colaboram no processo de ensino aprendizagem.”
Entrevistada 9
“Primeiramente, os desafios no Estado de Minas Gerais são referentes
ao número de aulas por semana para a disciplina de Sociologia o que não
permite um aprofundamento na relação com os(as) alunos(as) e também
enraizamento do conteúdo de uma aula para a outra. É necessário
retomar constantemente assuntos que os(as) alunos(as) não
aprofundaram entre uma aula semanal e outra.” Entrevistada 25
Além da dificuldade com relação ao estabelecimento de uma conexão com os
estudantes explicitado nos depoimentos acima outra questão acarretada com esse número
reduzidos de aulas é a necessidade de busca por cargos extensos, o que gera uma precarização
do trabalho docente pelo em busca de melhores salários pelo número elevado de turmas, o
depoimento abaixo ilustra bem isso:
“O número limitado de aulas, que dificulta a conexão com os
estudantes, já que é necessário procurar por muitas aulas para
completarmos a carga horária e possuirmos um melhor salário.”
Entrevistado 11
Questões estruturais de condições da estrutura da educação do país assim como a
incerteza da permanência da disciplina de Sociologia no ensino médio são desafios que parte
dos professores colocam como importantes que afetam o ensino de sociologia, assim como
questões específicas de infraestrutura da escola.
Sobre a forma como lidam com a questão da bagunça e da indisciplina em suas aulas,
dezesseis dos professores pesquisados optam pelo diálogo e aproximação do aluno para
conscientização sobre postura e necessidade de mudança de atitude, e de outro lado, outros
onze optam por medidas de repressão institucional como retirada de pontos, ocorrências
administrativas ou suspensões. Consentem sobre o tempo perdido com falta de ambiente de
ensino e como isso afeta o ensino de sociologia, sacrificando o pouco de tempo de aula que se
tem.
Sobre como percebem a diferença entre os cientistas sociais como pesquisadores
acadêmicos e cientistas sociais como professores do ensino médio, os pesquisados afirmaram
sobre o desdém e a desvalorização da profissão de professor da educação básica e também que
o professor se torna pesquisador da escola. Alguns afirmaram sobre serem objetivos e
universos de trabalho diferentes, que gera a diferença de prestígio e de estímulo à pesquisa. Foi
apontada também a necessidade de diálogo entre escola e universidade, pois são trabalhos
complementares. Um entrevistado aponta a diferença de prestígio das duas profissões, o que
serve como impulso para desvalorização da carreira da licenciatura na educação básica,
segundo ele “Ainda falta legitimidade e reconhecimento da profissão. Mas eu vejo isso em
muitas disciplinas, o professor da educação básica no geral (sobretudo pública estadual) não
goza nem de perto do mesmo prestígio que o pesquisador professor das universidades”
(Entrevistada 7).
Quando perguntados sobre militância, a maioria se considerou militante ou defensor de
causas como o feminismo e das questões de gênero, questão racial, ambiental ou direitos
humanos. Segundo eles, essas questões aparecem nas aulas como temáticas e debates, sendo
parte do debate democrático e de forma construtiva para suas aulas. Três entrevistados falaram
sobre a dificuldade de se posicionar politicamente dentro de sala de aula, relegando esses
assuntos para fora das aulas. Segundo um entrevistado “a vantagem de se trabalhar temas
específicos tem se tornado um risco no atual cenário político e educacional, é um desafio hoje
para a Sociologia o cuidado que o professor deve ter ao falar sobre determinados temas sem
ser acusado ou vigiado” (Entrevistado 11).
Os respondentes avaliaram positivamente sua relação com professores de outras áreas
na escola, assim como sua relação com a diretoria e outros membros da comunidade escolar.
O que corrobora para superar dificuldades no ambiente escolar, como a questão do tempo
apontada acima.
O cenário de instabilidade da disciplina de Sociologia no currículo do ensino médio
aparece como um dos problemas que afetam a prática docente, conforme já situamos no início
do artigo abordando a questão do histórico da disciplina no ensino médio e sua intermitência.
De acordo com entrevistados quando perguntados dos principais desafios da disciplina de
Sociologia, as respostas apontam para:
“A manutenção do seu lugar na escola como uma disciplina, uma vez
que com a reforma do ensino médio e a BNCC a presença dessa
disciplina ainda é incerta…” (Entrevistada 3).
“Por fim, uma espécie de instabilidade da disciplina no currículo: uma
disciplina relativamente recente nas grades curriculares e sempre
ameaçada de ser retirada.” (Entrevistado 11).
“No momento, manter a sociologia como uma disciplina no Ensino
Médio.” (Entrevistado 24).
“Desafio de ordem legal: a discussão sobre obrigatoriedade do ensino de
Sociologia, que ressoa no reconhecimento do profissional.”
(Entrevistado 24).
Contudo, foi consenso entre os entrevistados a grande importância da Sociologia no
Ensino Médio, de acordo com alguns depoimentos dos entrevistados essas são as principais
atribuições positivas da disciplina:
“A sociologia tem muito pra contribuir com organização da escola, no
sentido de repensar as próprias relações estabelecidas dentro dela. E com
as vidas dos alunos por ser um espaço de questionamento e reflexão
sobre a realidade deles.” (Entrevistada 5).
“As aulas de sociologia são momentos maravilhosos de reflexão sobre
temas importantes. Além disso, muitas vezes é por meio da sociologia
que os alunos do ensino médio desenvolvem mais intensamente a
capacidade de argumentação, diálogo, escuta, respeito à opinião do
outro.” (Entrevistada 13).
“A sociologia tem como característica de propiciar reflexões críticas
sobre a realidade que os estudantes vivenciam, principalmente com o
mercado de trabalho que eles estão sendo inseridos.” (Entrevistado 6).
“A Sociologia é importante enquanto disciplina que proporciona uma
lógica de investigação aos alunos(as), tornando-os(as) grandes argumentadores sobre sua realidade. A Sociologia também possibilita
um diálogo entre disciplinas como Português, Matemática, História,
Geografia e Filosofia promovendo uma curiosidade quanto a relação que
estas disciplinas podem ter com os aspectos da vida cotidiana de cada
um dos alunos(as), além disso a prática investigativa que a sociologia
desperta em cada um dos estudantes possibilita a eles(as) a construção
de uma escrita mais atenta e argumentativa, objetiva e questionadora.”
(Entrevistada 25).
No contexto do ensino de Sociologia, a teoria e a realidade empírica devem ser
articulados, sendo que tanto se pode partir da teoria para se chegar à realidade, ao menos em
termos de abstração, mas também se pode partir da realidade em direção às formulações
teóricas. É nesta articulação, entre a realidade e a teoria, que reside a necessidade de se realizar
um salto epistemológico, no sentido de tornar as categorias sociológicas palatáveis ao Ensino
Médio. Sendo que o processo teórico não vale por si mesmo se não possuir um potencial
heurístico explicativo sobre a realidade social, a teoria precisa dizer algo sobre a realidade do
aluno. Ao lidar diretamente com uma realidade que constitui e ao mesmo tempo é constituída
pelo sujeito, deve-se problematizar a construção do objeto sociológico como algo dado,
destacando o seu caráter também político e ideológico, não sendo uma simples descrição
refinada da realidade. Estes elementos imbricam-se com a contextualização da situação
didática, ou seja, em que contexto o ato educacional ocorre, e a forma como este deve perpassar
a teoria, bem como ser perpassado pela mesma, sendo ao mesmo tempo explicado e explicativo.
A práxis educacional, em especial no contexto da Sociologia, não deve ser apartada do âmbito
teórico, bem como não deve distanciar do universo da experiência (OLIVEIRA, 2011).
Os avanços culturais, das técnicas, das ciências e das tecnologias vêm introduzindo
novos requerimentos de educação básica, tornando-a cada vez mais densa de conteúdos
culturais, tecnológicos e científicos, o que vai de encontro a proposta das ciências sociais. Cabe
à educação básica promover o ensino-aprendizagem dos conteúdos, métodos e relações
necessários à compreensão, à pesquisa e à aplicação críticas e criativas das bases científicas
dos processos e procedimentos técnicos, contextualizando-os e significando-os à luz das
necessidades humanas e sociais. A especificidade da sociologia, consiste também em ser um
dos elementos fundamentais à formação integral e à educação ao longo da vida do indivíduo
necessário à sua inserção crítica e criativa no contexto da atualidade, além de necessária ao
desenvolvimento da capacidade dos indivíduos de responder à mudança tecnológica contínua.
A educação tem também se tornado uma condição individual e social para o desfrute do
conforto e do bem-estar possibilitados pelas conquistas decorrentes do desenvolvimento
científico.
2.1 Sobre a importância da linguagem sociológica
A questão da linguagem sociológica aparece como análise importante nesse estudo,
pois de acordo com a pesquisa realizada, já que os professores de sociologia cotidianamente
realizam a adaptação de seus materiais visando uma forma mais didática da linguagem
sociológica. Assim, a linguagem é primordial para a construção do conhecimento escolar em
Sociologia e é uma das particularidades que a Sociologia apresenta enquanto disciplina da
educação básica. Na parte dos professores, interfere na forma como se elaboram os planos de
aula, as atividades, as explicações e traduções dos conceitos elaborados para um formato mais
didático e para os estudantes, trata-se de um processo de familiarização e assimilação.
A consciência dessa dimensão linguística do ensino e de como ela influencia nas
escolhas dos professores, torna os profissionais mais preparados para ensinar e para fazer um
uso da linguagem condizente e coerente com os objetivos do ensino de Sociologia na educação
básica e que também seja acessível para a diversidade da escola. No campo de estudos sobre o
ensino da disciplina e nas orientações curriculares, a proposta é de que o ensino de Sociologia
seja uma socialização dos recursos que as Ciências Sociais dispõem para compreensão da
realidade, que são conceitos, teorias e métodos que, ao serem apropriados, proporcionam aos
alunos, autonomia para seu uso e não apenas uma mera reprodução, na reelaboração das suas
interpretações da vida social.
Nesse sentido, o desenvolvimento de um olhar sociológico ou de um pensamento
sociológico, objetivo da Sociologia no ensino básico, perpassa inevitavelmente a questão da
linguagem utilizada para o ensino. Assim, a linguagem sociológica, pode ser entendida como
um problema sociológico em si mesmo, ou seja, uma questão para análise social. A linguagem
sociológica utilizada na sala de aula é baseada em um aprendizado que depende de práticas
linguísticas que permitem essa organização da experiência, algumas delas próprias do
conhecimento científico, outras específicas das Ciências Sociais, e também da habilidade
individual do professor, além de sua ênfase cultural.
A caracterização de uma linguagem sociológica perpassa os conceitos e categorias
próprias desse campo científico, mesmo que muitos desses termos e expressões sejam
compartilhados com a linguagem comum, contudo seu uso dentro da Sociologia, tem sentidos
específicos, podem variar em diferentes tradições teóricas, e como instrumentos teóricos
desenvolvidos para compor um sistema explicativo, estão sempre em relação com outros
conceitos e noções. Nesse sentido, de acordo com Souza (2016) para além dos conceitos, a
linguagem sociológica pode ser entendida como uma forma particular de discurso, cuja unidade
se deve ao sistema de regras segundo as quais o conhecimento sociológico é produzido e este,
não se refere a métodos e técnicas de pesquisa, mas mais propriamente a um modus operandi
das Ciências Sociais. Ainda, de acordo com a autora, quando nos referimos à linguagem
sociológica estamos, portanto, considerando tanto seus conceitos, categorias e teorias, que
compõem esquemas explicativos da vida social, como também um tipo de discurso ou forma
particular de uso da linguagem, que organiza com esses conceitos uma leitura do real própria
das Ciências Sociais.
Nessa perspectiva, é necessário que o professor ao explicar conceitos, relações de
sentido entre as palavras, sendo que a apropriação dos conceitos é um processo, que pode
começar no ensino de categorias, mas não se encerra nele. Para Souza (2016), a apropriação da
linguagem sociológica, ou seja, passar de um estado de não ter essa linguagem, ao estado de
“ter a linguagem” implica na possibilidade de fazer uso dela, para além daqueles contextos em
que nos foi inicialmente apresentada. O desenvolvimento da linguagem sociológica envolve o
exercício, o treino para que os professores ensinem da melhor forma os conhecimentos de
Sociologia assim como, para que o professor possa orientar e mediar o processo de
familiarização dos alunos com os usos da linguagem próprios das Ciências Sociais.
Para Souza (2016), o domínio dessas formas de linguagem não pode ser
compreendido como um pré-requisito para a apropriação dos conhecimentos sociológicos.
Muito pelo contrário, esse domínio é o que devemos promover através do ensino. O contato
com os textos e teorias sociológicas não garante que se aprenderá a pensar
sociologicamente. Com eles se apresentam modelos, se mostra uma forma de operar com
a linguagem, mas a construção do olhar sociológico envolve interações complexas entre saber
que e saber como.
Bernstein (1998) também chama a atenção para o que o autor traz enquanto noções de
classificação e de enquadramento que podemos aplicar aqui à esse conhecimento sociológico,
pois segundo esse autor, a classificação seria a relação existente entre categorias, discursos,
práticas ou instâncias e a fronteira estabelecida entre o que é passível de lecionar ou não. Se a
classificação é forte, significa que existe uma separação nítida entre as categorias causando
pouca vazão do que pode ser lecionado, caso contrário da Sociologia enquanto disciplina, pois
como trata-se de uma disciplina que passou por diversos tensionamentos dentro da educação
básica, vemos uma dificuldade de estabelecimento, e com isso uma noção de classificação
fraca, o que traz uma abertura de fronteiras para o que é passível de ser lecionado. O
enquadramento regula as relações dentro do contexto do que é lecionado e o legitima, sempre
examinando a maneira de controle dessa relação pedagógica, os critérios adotados para ensinar,
o ritmo e a previsão de aprendizagem. Sendo assim, a classificação então, se refere ao que é
ensinado dentro da disciplina de Sociologia, o enquadramento se refere ao como é ensinado,
ou seja, à forma como os significados são unidos e traduzidos como uma mensagem, em um
texto legítimo para a comunicação pedagógica.
Sobre os projetos curriculares, observa-se que são permanentemente questionados a
responder desafios científicos cada vez mais dinâmicos e de legítimas inserções sociais. Os
currículos, além das dimensões formais de ordenamento de áreas específicas de saberes e das
questões pedagógicas próprias derivadas de sua implementação, possuem dimensões políticas
mais amplas e complexas. Nesse sentido, as atividades envolvidas na construção do
conhecimento sociológico precisam ser experimentadas, tensionadas e exercitadas. Jogar os
jogos que compõe a Sociologia, conhecer e vivenciar o repertório das práticas que
viabilizam esse conhecimento é condição para apropriar-se dele. Muitos fatores influenciam
as escolhas docentes, como os tempos e ritmos da organização escolar, a pressão das
avaliações externas, a estrutura e o espaço em que se dão as atividades, as avaliações
internas e a dinâmica em torno de uma construção de currículo que vá ao encontro com os
anseios da comunidade escolar.
Aqui destacamos como se dá essa produção de um currículo em uma perspectiva de
movimentos de memória e esquecimento (NOGUEIRA, 2020), onde a escola elege quais
conteúdos são passíveis de serem transmitidos e quais conteúdos são esquecidos nesse
processo, e disso o conhecimento e a linguagem sociológica não saem ilesos. Serão os
professores de sociologia em seu trabalho cotidiano, mediado por hierarquias de prioridades
educativas diferenciadas que farão as suas escolhas do que lecionar.
A disciplina de Sociologia é um campo ainda em construção e tensionamento, como
vimos no início do artigo, assim para que seus conhecimentos sejam passíveis de serem
lecionados percorre-se toda uma dinâmica de classificação e enquadramento de seus saberes
para que configurem um dispositivo pedagógico (BERNSTEIN; 1996, 1998) que transforme o
conhecimento, no nosso caso falamos especificamente do conhecimento sociológico, em uma
construção teórica capaz de fornecer uma gramática de transformação do conhecimento no
ambiente escolar, ou seja, uma linguagem sociológica. O currículo da Sociologia pode ser
entendido como um campo de embates, e Nogueira (2020) atribui o sentido de cultura
dominante aos saberes eruditos, populares, de massa, do senso comum ou da ciência, o que
dota o sentido de dominação para a autora é a classe que a legitima.
3. Considerações
Os resultados iniciais dessa pesquisa evidenciam a importância da disciplina da
Sociologia e apontam problemáticas importantes na sua aplicação em sala de aula na escola de
ensino básico. Nesse sentido a pesquisa com 27 professores de Sociologia do ensino médio da
cidade de Belo Horizonte e região metropolitana, que apresentaram elevado nível de formação,
contando, em sua maioria, com pós graduação e equivalentes e a licenciatura apareceu como
principal forma de entrada no mercado de trabalho da área. O tempo e número das aulas foi
colocado como um dos principais empecilhos ao ensino de Sociologia no Ensino Médio, assim
como a inconsistência da permanência da disciplina de sociologia no currículo e a indisciplina
dos alunos que impossibilita o ambiente didático na escola.
Os professores entrevistados avaliaram positivamente seus cursos de licenciatura de
forma geral, mas informaram que a prática docente gerou a necessidade do estudo de várias
temáticas que não foram aprofundadas em seus cursos de graduação, levando os próprios a
elaborarem seus materiais didáticos, por muitas vezes e isso ocorre devido ao processo de
consolidação da Sociologia dentro da educação básica que enfrentou grandes dificuldades,
existentes até a atualidade e que tem como consequência uma noção de classificação fraca
(BERNSTEIN, 1998), com relação a conteúdos e currículos. Nesse sentido, um dos principais
apontamentos encontrados se liga à questão da importância da linguagem sociológica
(SOUZA, 2016) que deve ser pensada como um problema sociológico, de forma que foi
observada uma grande dificuldade com as formas didáticas para o ensino de sociologia.
Assim, a sociologia pode muito contribuir para a construção das interações entre
ciência, educação e sociedade. O conhecimento proveniente dessa área possibilita a
identificação de aspectos da ciência, como sua estrutura epistemológica, dinâmica interna e
externa, papel social, assim como interações entre ciência e sociedade, nos seus aspectos
políticos, econômicos, mercadológicos, ideológicos e de representação científica no imaginário
social (AMORIM, 2014).
Por meio da Sociologia, obtemos um conhecimento científico sobre a realidade social.
Assim, esses atributos intrínsecos a Sociologia que remetem ao seu aspecto reflexivo, são de
grande relevância para a formação humana e social dos estudantes. Visando o contexto
sociopolítico brasileiro atual em que mudanças na legislação aconteceram de forma pouco
democrática causando prejuízo para o ensino da disciplina, torna-se de grande importância o
debate sobre a as contribuições insubstituíveis dessa ciência. O ensino e a pesquisa de
Sociologia podem contribuir para uma apreensão crítica da vida social da atualidade e para o
desvendamento de singularidades e contradições que marcam um mundo cindido por uma
precarização social sem precedentes da educação. Buscamos assim, uma contribuição para a
consolidação da disciplina escolar, além do fomento de discussões e demais pesquisas sobre
conteúdos escolares, práticas pedagógicas em Sociologia, assim como reflexões sobre
formação de professores.
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