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1 45º Encontro Anual da Anpocs GT41 Teoria sociológica e crítica contemporânea Revisitando a epistemologia “positivista”: método subjetivo, relativismo, interpretação e ciência para Augusto Comte Gustavo Biscaia de Lacerda (UFPR)

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45º Encontro Anual da Anpocs

GT41 – Teoria sociológica e crítica contemporânea

Revisitando a epistemologia “positivista”:

método subjetivo, relativismo, interpretação e ciência para Augusto Comte

Gustavo Biscaia de Lacerda (UFPR)

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Revisitando a epistemologia “positivista”

Método subjetivo, relativismo, interpretação e ciência para Augusto Comte

Gustavo Biscaia de Lacerda

Resumo: Embora A. Comte tenha fundado a Sociologia no âmbito do seu positivismo, o senso

comum acadêmico relega ao desconhecimento as efetivas concepções sobre ciência,

cientificidade e as ciências sociais do próprio Comte; ou, então, próximo ao sofisma do

espantalho, considera-se que Comte tinha pouco a falar sobre esses temas e de maneira rasa; por

fim, a tudo isso se soma a chacota contra a sua “Religião da Humanidade”. O presente artigo

pretende expor e indicar como se articulam entre si e com as ciências sociais alguns dos traços

mais profundos da epistemologia comtiana, a saber o relativismo, o historicismo, o subjetivismo

e até as “interpretações”, além da valorização das ciências humanas em relação às ciências

naturais. Dessa forma, o presente artigo é eminentemente teórico, utilizando-se de pesquisa

bibliográfica e de interpretação crítica para exame da obra comtiana, com consulta a literatura

secundária de apoio para entendimento, exposição e ilustração do pensamento de Augusto

Comte. Pelo menos duas conclusões principais apresentam-se: (1) a epistemologia comtiana é

radicalmente diversa da imagem difundida pelo “sofisma do espantalho”; ela valoriza a

subjetividade, além do relativismo de nossas concepções a partir de sua historicidade; (2) isso se

conjuga no humanismo da Religião da Humanidade, que erige a Sociologia e a Moral (as últimas

duas ciências na classificação de Comte) como as ciências “superiores”, ou “sagradas”, ao

tratarem especificamente do ser humano.

Palavras-chave: Augusto Comte; Positivismo; síntese subjetiva; relativismo; ciências humanas;

ciências naturais.

1. Introdução

Devido a inúmeros motivos, a obra epistemológica e sociológica do fundador da

Sociologia não é conhecida. Na verdade, mais que meramente desconhecida, podemos afirmar

que ela desempenha a triste função de servir de objeto de desprezo da comunidade acadêmica1.

Nesse sentido, a ignorância a seu respeito é uma política intelectual e institucional deliberada,

ainda que nunca expressa, cujo sentido é produzir um inimigo preferencial que possa com

facilidade ser criticado sempre que for necessário ter-se algum inimigo a ser criticado. Para

ficarmos apenas no âmbito do Brasil, enquanto as obras de Marx, Weber, Durkheim, Parsons,

Elias, Bourdieu e muitos outros são lidas e traduzidas, são interpretadas e reinterpretadas à

exaustão e nos mínimos detalhes, no caso de Comte ocorre justamente o oposto: ela é

1 O presente artigo é um resultado parcial de uma pesquisa de pós-doutorado realizada em 2020 junto ao

Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), sob a

supervisão do Prof. Antônio Augusto Passos Videira e intitulada “O método subjetivo positivista:

relativismo, interpretação e ciência para Augusto Comte”.

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desconhecida, pouco citada, muito menos traduzida e, na quase totalidade das vezes, as

referências a ela são superficiais, erradas e têm como objetivo identificá-lo como um inimigo. O

matemático inglês Alfred N. Whitehead pronunciou há muito tempo a frase segundo a qual para

uma ciência desenvolver-se não pode hesitar em repudiar seus fundadores: embora consideremos

de modo geral essa frase errada, o fato é que no caso das Ciências Sociais e de Comte o parricídio

é executado de maneira cruel, requintada e ritualística. Em suma, Augusto Comte é a verdadeira

Geni no âmbito da Sociologia2.

Os comentários acima têm como objetivo principal, mas nem de longe o único, indicar

que a obra de Comte no Brasil e no exterior é extremamente mal conhecida e, naquilo em que é

“conhecida”, sofre de grandes enviesamentos; assim, uma série de elementos que ela apresenta e

que podem contribuir efetivamente para o desenvolvimento teórico das Ciências Sociais – ainda

hoje! – é deixado de lado e inexplorado.

O presente artigo visa a expor alguns desses aspectos inexplorados, presentes em

algumas de suas últimas obras – não por acaso, as mais maduras –; o título que demos a este texto

é bastante descritivo do que desejamos tratar em específico: no âmbito da epistemologia

“positivista”, abordaremos o seu “método subjetivo”, o seu relativismo, a sua proposta de

interpretação e o conceito geral de ciência de Augusto Comte. Para isso, este artigo terá um

caráter teórico, a partir de uma investigação essencialmente bibliográfica; mergulharemos

diretamente nas obras de Comte, especialmente no v. I de seu Sistema de política positiva, de

1851 (Comte, 1929, v. I), e no volume único da Síntese subjetiva, de 1856 (Comte, 1856), além

de ao Catecismo positivista, de 1852 (Comte, 1934), e a outras obras; em termos de literatura

secundária, empregaremos em particular o brilhante As últimas concepções de Augusto Comte, de

Raimundo Teixeira Mendes (1898). Devemos notar, entretanto, que as limitações de espaço deste

artigo obrigam-nos a evitar as citações diretas.

O artigo está organizado em quatro seções bastante desiguais em tamanho. A primeira é

esta introdução; na seqüência, faremos uma longa exposição das concepções comtianas; o

método adotado é o esclarecimento do conteúdo semântico desses conceitos comtianos, a fim de,

progressivamente, as suas idéias apresentarem-se e elucidarem-se para o leitor. Em seguida,

dedicaremos uma seção ao exame das idéias de Weber à luz do Positivismo; por fim, a título de

comentários finais, ensaiaremos uma Sociologia da Sociologia por meio da crítica da obra de

Giddens.

2 A referência, aqui, é à figura da Geni, da música de Chico Buarque, Geni e o zepelim.

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2. As características do método subjetivo de Augusto Comte

Duas características da obra comtiana são (1) a linguagem cerrada e polivalente e (2) a

progressiva sobreposição de novas camadas de sentido aos termos que ele utiliza; é claro que

essas duas características andam juntas e, no fundo, são duas facetas do mesmo processo. Isso

torna a leitura dos textos de Comte bastante densa, exigindo uma atenção extremamente detida ao

que está escrito; no que se refere às palavras empregadas, por vezes os novos sentidos são

afirmados com clareza, por vezes esses acréscimos são implícitos; na excelente caracterização de

Angèle Kremer-Marietti (2007), trata-se de um procedimento “caleidoscópico” (que se associa ao

“telescópico”)3.

Essa observação é importante para termos clareza da intencional polissemia dos termos

empregados por Augusto Comte; essa polissemia vai-se constituindo em cada livro e também à

medida que as suas obras foram sendo publicados. Se os seis volumes do Sistema de filosofia

positiva (1830-1842) – que tinham até certo ponto uma natureza didática (basta considerar o seu

título original, Curso de filosofia positiva) – apresentam uma linguagem mais facilmente

compreensível, os quatro volumes da obra principal de Comte, o Sistema de política positiva

(1851-1854), exibem totalmente as características indicadas no parágrafo anterior; a última obra

do fundador da Religião da Humanidade, que aliás nos interessa mais diretamente aqui, a Síntese

subjetiva (1856), é ainda mais densa em seu linguajar e em suas idéias. É claro que a polissemia é

intencional, ficando a cargo do leitor apreciá-la; em alguns momentos Comte esclarece os

sentidos que assinala às palavras polissêmicas: em tais casos, sua intenção é, precisamente,

indicar as várias possibilidades conceituais, a fim de ampliar o escopo das idéias e/ou evitar

sentidos inadequados; em outros momentos, o contexto indica de que maneira a polissemia tem

que ser entendida; por fim, em outros momentos Comte deixa como que em aberto o sentido,

resultando que a polissemia verifica-se em sua plenitude.

As idéias correlatas de síntese e de unidade estão na base do “método subjetivo”; apesar

disso, com os fins didáticos próprios à presente exposição, adotaremos um viés mais analítico

que, se não corresponde à inspiração profunda do método subjetivo e que está longe de esgotar

todas as suas possibilidades intelectuais, morais e práticas, pelo menos serve como uma porta de

entrada no tema que nos interessa.

Comecemos com “objetivo”, a que se associa “subjetivo”. Derivado de “objetivo” há

também “objetividade” e ambas relacionam-se também à noção de “exterior”. A objetividade

3 O caleidoscópio é um brinquedo em que pedras coloridas estão inseridas em um cone; dentro do cone, ao

redor das pedras, há três, quatro ou mesmo mais espelhos: à medida que viramos o cone, as pedras

rearranjam-se e surgem novos padrões. O telescópio, por outro lado, é um instrumento que permite que

vejamos mais longe.

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refere-se ao conhecimento daquilo que existe fora do ser humano; para Comte, esse “fora do ser

humano”, por sua vez, deve ser entendido tanto fora da sociedade humana quanto fora de cada

indivíduo. Na verdade, não se trata somente do conhecimento sobre o que existe fora do homem,

mas também da realidade que existe independentemente da vontade humana. Assim foi possível

ao ser humano, ao longo da história, passar do conhecimento sobre a realidade externa para o

conhecimento sobre a sua realidade interna, buscando transferir a objetividade desenvolvida no

primeiro âmbito para o segundo âmbito. Essa passagem corresponde ao desenvolvimento da

escala enciclopédica, em que as várias ciências, começando pela Matemática e terminando na

Moral4, foram aumentando os graus de complicação e de “empiricidade”, ao mesmo tempo que

se aproximando gradativamente do ser humano; assim, essa marcha corresponde também a um

progressivo controle da pretensão humana de interferir na realidade e de atribuir ao mundo as

características que são próprias ao ser humano: em outras palavras, o desenvolvimento da

objetividade na escala enciclopédica corresponde também ao progressivo controle do

antropocentrismo e do antropomorfismo. Contudo, o método subjetivo consiste largamente na

proposta de um novo antropocentrismo, no qual o ser humano ocupa o centro da existência, mas

não é livre para fazer o que deseja a seu bel-prazer; da mesma forma, o método subjetivo também

consiste em um renovado subjetivismo, no qual o ser humano atribui ao conjunto da realidade

alguns atributos da natureza humana, mas tendo clareza de que essa atribuição é fictícia e que não

corresponde à realidade em si mesma.

A importância do “objetivo” para o ser humano não se limita ao conhecimento, ao seu

sentido termos cognitivo: ele tem uma importância moral, a partir de várias propriedades. Em

primeiro lugar, como o conhecimento efetivo sobre a realidade iniciou-se nas ciências inferiores,

que são as mais abstratas e que se a fenômenos mais afastados do ser humano e de nossas

vontades, o desenvolvimento das ciências começou a ensinar que o ser humano vive em um

mundo regido por leis naturais que independem da nossa vontade e às quais devemos submeter-

nos. Isso, por si só, tem um efeito importante sobre o orgulho humano e sobre a tendência infantil

de querermos que tudo dobre-se à nossa vontade, por mais desregrada e arbitrária que seja tal

vontade (como também é característico das divindades). À medida que novas ciências foram

surgindo – ao longo dos milênios, é bem verdade, mas com velocidade crescente nos últimos

séculos –, o fatalismo próprio às primeiras concepções científicas foi sendo modificado,

evidenciando-se cada vez mais que a subordinação humana às leis naturais (objetivas) anda de

mãos dadas com a modificação da realidade, a partir do conhecimento e da manipulação das

variáveis identificadas nas leis naturais. Em outras palavras, o reconhecimento da objetividade

4 As sete ciências abstratas fundamentais são: Matemática, Astronomia, Física, Química, Biologia,

Sociologia e Moral.

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das leis naturais permite ao ser humano disciplinar o egoísmo (por meio da compressão do

orgulho e da vaidade), desenvolver a esperança (por meio das leis naturais é possível prever o

que ocorrerá) e agir em termos concretos, estimulando a indústria.

O segundo conjunto de propriedades morais da objetividade generaliza os efeitos

indicados acima, em três sentidos diversos e complementares: ela alimenta, estimula e regula o

interior (isto é, a subjetividade) (Comte, 1934). Ela alimenta no sentido de que fornece

continuamente materiais para o interior (sejam materiais intelectuais ou morais, sejam nutritivos),

necessários para a nossa manutenção; ela estimula ao oferecer continuamente desafios, de

aspectos que exigem reações de nós; por fim, ela regula o interior ao impor limites que temos que

respeitar e enfrentar.

Das considerações acima se evidencia uma distinção no conceito de objetividade: a

abstrata e a concreta. Como nas demais distinções, cada uma dessas variedades estão

relacionadas, mas são diferentes o suficiente para serem indicadas em separado. A objetividade

concreta consiste no que chamamos propriamente de “realidade”, isto é, no mundo no qual

existimos e com o qual temos que lidar e relacionar-nos continuamente. Já a objetividade abstrata

refere-se à noção intelectual de que existe uma realidade externa ao ser humano; essa realidade

pode ser entendida de maneira analítica ou sintética: no primeiro caso, estudando-a por meio de

sucessivos graus de abstração, cada qual permitindo o estudo de relações específicas (e, portanto,

cada qual permitindo a constituição de cada uma das ciências fundamentais). O entendimento

sintético da objetividade abstrata permite duas concepções, uma que antecede o entendimento

analítico e outra que o sucede; em ambos os casos o que se tem é uma visão de conjunto; mas,

enquanto o entendimento abstrato sintético prévio à análise provê uma imagem mental do

espetáculo concreto que a realidade oferece-nos, com características infindáveis e mais ou menos

caóticas (cf. Teixeira Mendes, 1898), o entendimento abstrato sintético posterior à análise provê

uma imagem estruturada da realidade, na qual essa “estrutura” baseia-se na conjugação das várias

relações obtidas a partir da conjugação das várias leis naturais.

Passemos à noção de “subjetivo”. A sua importância no âmbito do Positivismo não

parece evidente à primeira vista, pois perante o senso comum o início dessa doutrina liga-se ao

estudo das ciências inferiores; a própria etimologia da palavra “positivo” ou pode sugerir um

objetivismo antissubjetivista: “positivo” é aquilo que é dado, que está posto, que teria uma

realidade evidente. Ora, se a positividade realmente começa nas ciências inferiores, mas sendo

estendida paulatinamente às ciências superiores, por que o reconhecimento da realidade nas

ciências superiores impediria o reconhecimento elementar de que as ciências superiores

constituem-se também, e principalmente, de elementos subjetivos? A constituição das ciências

superiores evidencia que a subjetividade integra de pleno direito a realidade humana e, assim,

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deve ser integrada pelas próprias ciências e por todas as doutrinas que desejam regular o ser

humano.

A noção de subjetivo, refere-se ao que é interior ao ser humano, abrangendo tanto o que é

próprio ao ser humano quanto ao que é próprio à mente humana. Podemos estabelecer a

homologia entre subjetivo-subjetividade-interior e objetivo-objetividade-exterior. A partir do

sentido de “subjetivo” como próprio ao ser humano, Augusto Comte estabelece uma outra

distinção homóloga: homem versus mundo. Na verdade, a dicotomia homem-mundo é entendida

como a grande dicotomia própria ao ser humano; com essa distinção, ele distingue também as

ciências humanas, ou melhor, as ciências superiores ou sagradas (nomeadas coletivamente como

Moral, cujo centro é a Sociologia e seu preâmbulo, a Biologia) das ciências inferiores (nomeadas

coletivamente como Lógica – no caso da Matemática – e Física – nos casos da Astronomia, da

Física e da Química). Em qualquer caso, no âmbito do subjetivo Comte distingue os três âmbitos

da natureza humana: os sentimentos, a inteligência e a atividade. Os dois primeiros elementos

integram propriamente a mente humana; ao fornecerem as motivações e a orientação, eles

permitem a atividade.

Uma das mais importantes ambigüidades comtianas corresponde ao que podemos chamar

de “subjetividade social” a que se opõe a subjetividade individual. A subjetividade social baseia-

se na grande dicotomia entre o homem e o mundo; evidentemente, o “homem” aí é entendido

como sinônimo de Humanidade. Tudo aquilo que se refere ao ser humano, nesse sentido, é

subjetivo, na medida em que se refere ao sujeito, ao interior. Tal subjetividade “social”, referente

à Humanidade, é o critério que funda a moral positiva, no sentido de um conjunto de regras e

prescrições para os sentimentos, para as idéias e para a conduta prática (sejam individuais, sejam

coletivos). É nesse sentido “social” que o fundador do Positivismo fala em “síntese subjetiva”: a

subjetividade aí refere-se à coletividade, ou melhor, à Humanidade, em que o Grão-Ser é visto

como o verdadeiro sujeito da história, do conhecimento e da moralidade. A subjetividade

“individual”, em contraposição, corresponde ao sentido habitual de subjetividade e refere-se aos

sentimentos e às idéias de cada pessoa.

A afirmação da perspectiva social é uma constante da obra de Comte; mesmo nas suas

obras de juventude (cf. Comte, 1972c; 1972d), ao criticar o egoísmo e o individualismo

celebrados pela teologia e pela metafísica, ele defendia a moralidade altruísta, social. Entretanto,

para ele isso nunca equivaleu a negar o indivíduo como pessoa autônoma, capaz de sentir, de ter

idéias e de agir. A relevância e a importância de estudar cada ser humano individualmente, de

respeitar e dignificar cada indivíduo só ficaram patentes após Augusto Comte ter fundado a

Sociologia e após ele ter desenvolvido largamente as concepções básicas da lógica positiva (no

cap. 1 do v. I do Sistema de política positiva); na verdade, mesmo a profunda atuação de Clotilde

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de Vaux sobre o coração e o espírito de Comte – que o levou a fundar afinal a Religião da

Humanidade – e o desenvolvimento sistemático da Estática Social (v. II do Sistema de política

positiva) também devem ter exercido papéis relevantes na fundação da Moral Positiva, anunciada

no final do v. II da Política e reafirmada no v. III dessa obra. Disso tudo o que importa notar é

que, por um lado, só faria sentido fundar a Moral Positiva (entendida esta como a ciência que

estuda o ser humano individualmente tomado) após a constituição da Sociologia, de modo a

evidenciar que cada pessoa só existe em sociedade e que, inversamente, é necessário

contextualizar socialmente cada indivíduo como etapa prévia e indispensável, mas insuficiente,

para que este seja compreendido; por outro lado, no que se refere ao tema presente, a atuação de

Clotilde de Vaux correspondeu a evidenciar para Comte que a verdadeira lógica humana consiste

em pensar com o coração (e, inversamente, em rejeitar a presunção ao mesmo tempo

intelectualista, cientificista e academicista segundo a qual o bom pensamento é aquele que se

realiza só com o cérebro e sem o coração).

Um outro âmbito da subjetividade relaciona-se à própria noção de história e de

historicidade. Todo ser humano, assim como toda sociedade, em um momento qualquer, vive

concreta e objetivamente, relacionando-se com o mundo, com a sociedade e mantendo seus

próprios sentimentos e idéias; dessa forma, a vida é tanto objetiva quanto subjetiva. Entretanto, a

historicidade humana acarreta um peso crescente sobre a vida subjetiva; a memória dos

antepassados aumenta cada vez mais, à medida que aumentam as gerações que precedem a

geração viva: o peso e a influência da história tornam-se cada vez maiores. Aliás, assim como a

vida subjetiva para trás aumenta sem cessar, a vida subjetiva para frente também aumenta:

embora seja menos preciso e definido que o passado, o futuro também pode e deve ser

vislumbrado, a fim de evidenciar sem cessar para o ser humano que a vida subjetiva impõe-se a

todo instante e que acima de tudo o ser humano é, afinal, um ser histórico.

Nesses termos, se o passado e o futuro são necessariamente subjetivos, por oposição o

presente define-se pela objetividade. Para que as gerações anteriores e posteriores vivam e atuem,

elas necessitam de uma existência concreta, objetiva; nesse sentido, o presente é o liame entre o

passado e o futuro. Mas, ao mesmo tempo, é claro que é na objetividade do presente que o ser

humano tem que lidar concretamente com o mundo real, com os desafios impostos pela realidade.

Esse enfrentamento do ser humano com o mundo atualiza as concepções herdadas do passado e

põe-nas à prova, modifica tanto as concepções quanto o próprio mundo e, dessa forma, preparam

o futuro.

Passando para a noção de “interior”: ele pode referir-se ao indivíduo ou à coletividade

humana; no caso de dirigir-se ao indivíduo, abarca tanto o ser humano como um corpo quanto

como uma subjetividade; no caso de referir-se à coletividade, o interior é entendido como o que é

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próprio ao ser humano, em oposição ao mundo. O sentido do interior-como-corpo está na moda

atualmente, haja vista, por um lado, as idéias de Michel Foucault e, por outro lado, as políticas

identitárias, que, umas e outras, concedem extraordinária mas injustificada importância ao

aspecto físico do ser humano; entretanto, no esquema geral de Comte, o corpo físico tem uma

importância relativamente secundária. Para o fundador da Religião da Humanidade, na medida

em que o corpo é a base do cérebro e é por meio dele que se pode agir, é necessário cuidar e

preservar do corpo; além disso, a vida objetiva corresponde às trocas permanentes ocorridas entre

o corpo (o interior) e o mundo (o exterior): quando o corpo torna-se incapaz de manter e realizar

tais trocas, cessa a vida e o indivíduo morre. Assim, o cuidado com o corpo é necessário, seja em

termos de higiene, seja em termos de cuidados gerais com a saúde. Todavia, em si mesmo o

cuidado com o corpo é uma concessão necessária do altruísmo ao egoísmo mais elementar; essa

concessão tem que ser disciplinada e regulada, a fim de que ela não se torne um fim em si

mesmo: o hedonismo, que se revela no culto à forma física e/ou no prazer sensual e que com

facilidade enorme transforma-se em niilismo (quando não é estimulado pelo niilismo), tem que

ser evitado.

O ser humano como corpo é o objeto de estudos da Biologia; nesse sentido, o ser humano

é visto como um animal, não como um ser social; em última análise, é um pedaço de carne viva.

A Biologia, então, não é a ciência adequada para o estudo do ser humano, na medida em que o

ser humano é um ser social; por certo que a Biologia é a base do estudo da sociabilidade humana,

mas há uma diferença profunda entre ser a base e ser o estudo autônomo e específico

propriamente dito. Aliás, é por esses motivos que a ordem das ciências superiores é Biologia-

Sociologia-Moral: estuda-se aí o ser humano como um ser vivo, para então estudar como um ser

social (naquilo que ele tem de mais específico) e, por fim, chegar ao estudo de cada indivíduo.

Tal seqüência rejeita o biologicismo no estudo da sociedade e dos indivíduos, assim como evita a

sociologização no estudo dos indivíduos, ao mesmo tempo que afirma o que há de específico no

ser humano – seu caráter social, isto é, histórico – e afirma os indivíduos sem que estes sejam

transformados nas mônadas autossuficientes propostas pela teologia e pela metafísica.

Ao afirmar que o corpo é a base do cérebro e, daí, da subjetividade humana, Augusto

Comte baseia-se nas investigações feitas por anatomistas e biólogos do início do século XIX,

como Joseph Gall e Xavier Bichat. O sentido dessa elaboração é que a subjetividade humana

reside no cérebro; inversamente, é possível dizer que a subjetividade tem uma sede física

objetiva, que é, precisamente, o cérebro. Nesse sentido, Comte observava que todas as aptidões

morais e intelectuais humanas têm sedes específicas em porções do cérebro e que, portanto, não é

possível falar em atributos humanos sem tais sedes específicas. Com o avanço empírico e

analítico das chamadas “neurociências” e de sua popularização a partir dos anos 1990, a

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afirmação de que o cérebro é a base física necessária das funções subjetivas tornou-se quase um

lugar-comum; todavia, até há pouco tempo isso não era bem visto, na medida em que era

entendido como uma biologização do ser humano. A teologia cristã é muito clara a respeito, ao

atribuir os atributos humanos superiores à “alma” e ao entender esta como uma entidade

indescritível criada pela divindade, que permitiria a cada ser humano ter a sua própria

individualidade (podendo ou não a “alma” transmigrar); daí, por exemplo, os teológicos falarem

em saúde física, mental e “espiritual”. A rejeição da base cerebral dos atributos humanos

superiores pela metafísica e a concomitante aderência à noção de “alma” pode ser exemplarmente

entendida na divisão que filósofos alemães do século XIX elaboraram entre as “ciências naturais”

e as supostas “ciências do Espírito”, como houvesse um eflúvio, um fantasminha chamado

“Espírito” (Geist) responsável pelas grandes elaborações humanas, com isso rejeitando a

dignidade humana às ciências naturais. O fato de que entre as “ciências do Espírito” incluir-se a

Teologia indica o quanto esse conjunto de filosofias entende mal o que seria uma ciência; mas,

enfim, o que importa notar é o quanto essa concepção metafísica é radicalmente incapaz de ter

uma visão geral e integrada das elaborações humanas ao recusar, entre outras coisas, a base

cerebral dos atributos mentais humanos.

Passemos à concepção de “relativo”. O relativo pode ser entendido por uma via positiva e

outra negativa; as duas são complementares. Começando pela concepção negativa, o relativo é o

antiabsoluto: ele consiste na rejeição da perspectiva própria à teologia e, daí, à metafísica. Isso

nos leva a perguntar em que consiste o absoluto teológico-metafísico: é o desejo de obter-se

conhecimentos que existam por si sós, independentemente de o que quer que seja; um

conhecimento pura e totalmente atemporal, uma Verdade com “v” maiúsculo... esse

conhecimento corresponderia à “Verdade verdadeira” e seria por definição superior à verdade

que os seres humanos têm e podem obter, que é sempre limitada e relativa aos nossos sentidos e

às nossas condições sociais e mentais. O conhecimento absoluto, além disso, não tem

propriamente um objetivo instrumental; a sua realidade não é aquela que os seres humanos vivem

de fato, mas seria uma realidade transcendental, em algum sentido inexplicável (apenas

“intuitivo”) “superior” à realidade habitual. A utilidade desse conhecimento dá-se, não há dúvida,

com a sua possibilidade de síntese, ao oferecer um princípio explicativo para o universo e para a

existência humana. Além disso, a fonte ou a sede desse conhecimento absoluto seriam as

divindades, em particular as monoteístas, que existem em si e para si: a busca do absoluto, assim,

consiste na busca do que teria criado tudo o que existe, seja para saber quem, ou o quê, seria esse

criador, seja para saber quais seus desígnios (e, portanto, porque e para quê nos teria criado), seja

para tentar obter um certo conforto filial ao encontrar-se com uma figura paterna cósmica, seja,

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por fim, para tentar influenciar essa entidade criadora. Platão é o grande filósofo do absoluto e,

não por acaso, foi o seu pensamento que constituiu a base filosófica para a teologia católica.

O absoluto rejeita, pelo menos em princípio, os meios relativos para obter as suas

respostas; como o ser humano só pode conhecer as coisas de maneira relativa, o conhecimento

obtido dessa forma é considerado não propriamente secundário, mas desprezível; ainda assim,

isso é tudo o que conseguimos obter. Assim, para Comte, a persistência da busca do absoluto,

embora necessariamente inútil em si mesma e fadada ao fracasso, forneceu durante bastante

tempo ao ser humano o estímulo para a realização de pesquisas que nos esclareceram muitos

aspectos da realidade; ao mesmo tempo que obtínhamos apenas relações, cada vez mais ficava

evidente que o absoluto é inatingível e inútil. A súmula da pesquisa do absoluto são as causas

primeiras e as causas finais: “por que existimos?”, “qual o Sentido da existência?” etc. Em vez de

negar o absoluto, Comte afirma que tais questões têm que ser deixadas de lado, abandonadas, a

fim de concentrar nossos esforços naquilo que, com base em milênios de experiências, testes e

esforços, sabemos que podemos fazer e conhecer.

O entendimento negativo do relativo permite entrever elementos das definições positivas,

considerando o que apreendemos do mundo e como apreendemos o mundo. No que se refere ao

que apreendemos do mundo, o que importa indicar é que percebemos apenas relações entre os

fenômenos ou entre as coisas; uma outra forma de encarar isso é dizendo que conseguimos

apenas estabelecer comparações. Assim, uma coisa por si só, sozinha, sem se relacionar com

mais nada, é literalmente imperceptível. Essas relações, ou essas comparações, podem ser

abstratas ou concretas ou, então, podem ser analíticas ou sintéticas: observamos os espetáculos

existentes em suas totalidades ou consideramos apenas partes deles; mas, de qualquer maneira, só

conseguimos observar quando relacionamos o que observamos a alguma outra coisa, esteja essa

outra coisa implícita ou explícita. As comparações ou relações analíticas estabelecidas em um

único âmbito geral são o que se denominam de “leis naturais”; essas relações podem vincular

dois fenômenos que variam entre si concomitantemente ou podem vincular fenômenos que

variam ao longo do tempo. Como a matéria é entendida como naturalmente ativa, não precisando

de entidades extranaturais para forçar o mundo a agir, não há necessidade de causas, apenas da

busca das relações: assim, apenas de maneira muito pragmática mas também inadequada é que se

fala cientificamente em “causas” dos fenômenos.

A respeito de como apreendemos o mundo, isso se dá por meio das sensações, do que se

chama vulgarmente de “sentidos”; assim, apreendemos o mundo por meio dos contatos (das

relações) que estabelecemos com a realidade ao nosso redor. Comte estabelece em oito o número

de sentidos físicos do ser humano, em particular ao ampliar, interna e externamente, as

dimensões do que se chama de modo geral “tato”. É elementar a reflexão segundo a qual se

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tivéssemos outros sentidos, nosso entendimento do mundo seria maior; na verdade, não

precisaríamos de “outros” sentidos, mas apenas do desenvolvimento ampliado daqueles que já

possuímos; por exemplo, se pudéssemos ver em faixas adicionais do espectro luminoso, ou se

pudéssemos cheirar com a amplitude e a acurácia própria aos cachorros; ou se ouvíssemos

novamente como os cachorros ou muitas aves (as corujas, quem sabe), nossa apreensão do

mundo seria maior5.

As sensações, como base dos nossos conhecimentos, acabam limitando-se ao âmbito

individual: o caráter social do ser humano é fundamental no processamento das sensações no

sentido da criação das idéias, ao fixar sentidos em comum e ao transmitir esses sentidos para as

gerações seguintes. O caráter cumulativo, histórico, do ser humano é central para a nossa

capacidade de entender o mundo.

O caráter social do ser humano tem uma outra conseqüência importante para a apreensão

humana da realidade: cada sociedade define as perspectivas que julga mais corretas, os problemas

que serão enfrentados, as soluções que são possíveis; aliás, exatamente em função dos parâmetros

do que é certo e erro, isso acarreta da mesma forma que cada sociedade acaba definindo o que, ou

quem, é normal e quem é insano. Como se sabe, tal raciocínio está na base do sentido corrente da

expressão “relativismo”, isto é, aquele que indica que há apenas verdades “locais”, que são

histórica e socialmente contextualizadas e que, portanto, não apenas não existiria uma verdade

absoluta nem que é possível determinar qualquer tipo de “verdade”, havendo apenas “versões”,

“relatos” ou, para usar uma expressão cara à metafísica alemã do século XIX e à metafísica

inglesa do século XX, “interpretações”. Para Comte, o papel central que o ambiente social

desempenha na afirmação e na legitimação de concepções contextuais integra o conjunto de

argumentos que rejeitam o absoluto; entretanto, daí não se segue o passo seguinte dado pelos

“relativistas” contemporâneos. É certo que a sociedade molda a subjetividade humana (individual

e, claro, coletiva); mas, mesmo assim, essa moldagem submete-se sempre e continuamente às

pressões da realidade externa e/ou objetiva, seja a realidade cósmica, na forma das leis naturais

inferiores, seja a realidade social que Augusto Comte sintetizava na expressão “regime”. O

resultado disso é que se a sociedade exerce uma pressão subjetiva em determinada direção, essa

mesma sociedade, juntamente com o que podemos aqui chamar de “ambiente”, exerce uma

pressão prática; no final das contas, essas duas ordens de pressão constituem u’a modalidade da

dicotomia homem-mundo. Essas duas pressões podem ser concordantes ou discordantes entre si;

a pressão externa sempre força o ser humano a considerar a realidade em termos relativos, com

5 Não vem ao caso o fato de que as meras sensações não se convertem em idéias automaticamente e que,

portanto, é necessário que as sensações sejam objeto de exame e interpretação no cérebro, além do fato de

que o próprio cérebro tem seu funcionamento específico.

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vistas à satisfação de suas necessidades, que, como já vimos, são tanto objetivas como subjetivas;

dessa forma, a realidade externa ou objetiva não é somente um “quadro geral” em que o ser

humano está situado mas cuja influência efetiva seria no limite desprezível: o Positivismo, afinal

de contas, não é nem um idealismo nem um espiritualismo.

Por outro lado, o Positivismo também não é um materialismo: o ambiente exterior exerce

uma pressão contínua sobre o ser humano, conduzindo a modificações mais rápidas ou mais

profundas sobre as concepções subjetivas vigentes. Entretanto, como vimos, para Comte cada vez

mais a vida humana é mais subjetiva. Mais do que isso: as concepções subjetivas que estruturam

as visões de mundo correspondem a necessidades humanas que têm que ser satisfeitas e o

desenvolvimento histórico influencia poderosamente as concepções atuais por meio das

concepções passadas6. Por fim, essas grandes mudanças históricas, para Augusto Comte, não são

aleatórias, seguindo os parâmetros evidenciados pelas três leis dos três estados. O resultado disso

é que a influência social sobre as subjetividades atua em paralelo à influência que o “mundo”

exerce. As necessidades humanas têm que ser satisfeitas; as necessidades práticas impõem-se de

qualquer maneira, ao mesmo tempo em que as necessidades afetivas e intelectuais são mais ou

menos satisfeitas pelas concepções subjetivas prevalecentes em cada sociedade. Por vezes

determinadas concepções subjetivas podem resultar em desastres objetivos (fome, guerra, morte);

também não há porque considerar que toda concepção subjetiva prevalecente em uma sociedade

seja sempre acatada em sua inteireza e de maneira totalmente coerente pelos integrantes dessa

sociedade, mesmo por aqueles oficialmente responsáveis pela preservação dessas concepções

prevalecentes.

A digressão dos últimos parágrafos serviu para explicar como o relativismo, para o

Positivismo, também se baseia nos “contextos sociais”, sem que isso se degrade no

hipercontextualismo irracionalista e ultrassubjetivista que nega qualquer possibilidade de

conhecimento não absoluto. Essa digressão também deixa claro que problemas lógicos,

metodológicos e morais propostos por diversas abordagens sociológicas simplesmente não são

passíveis de solução sem o recurso a concepções sistemáticas sobre a realidade cósmica. Dito de

outra maneira, a concepção atualmente vulgar do relativismo como hipercontextualismo

ultrassubjetivista não tem como ser solucionada e não tem serventia real para o ser humano sem

que haja um entendimento geral e prévio sobre o mundo e sobre as relações humanas com esse

mesmo mundo. Mutatis mutandis, o mesmo aplica-se aos problemas criados pelo materialismo,

seja em suas versões mais vulgares, seja em suas versões mais elaboradas. A preocupação

6 Como vimos, esse é o peso da história; algumas correntes institucionalistas da Ciência Política chamam-

no de “path dependence”, embora esta concepção de modo geral seja demasiadamente marcada pelo

contextualismo.

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cuidadosa de Augusto Comte em examinar cada uma das ciências abstratas fundamentais,

relacioná-las e entender como elas contribuem para a ação humano sobre o planeta Terra não é

preciosismo; não se tratava somente de entender o que é a cientificidade, quais seus limites e suas

possibilidades a fim de criar, na seqüência, uma verdadeira ciência dedicada aos fenômenos da

sociedade. A Sociologia foi fundada como uma ciência autoconsciente, “reflexiva”: isso está

muito claro em toda a obra de Comte, especialmente ao examinar as ciências inferiores; essa

mesma reflexividade servia também para entender como é que o ser humano relaciona-se com o

mundo e quais são as possibilidades e os limites de sua atuação nesse mesmo mundo (aí incluída

a própria sociedade e por meio da Sociologia).

Uma conseqüência do relativismo e do antiabsolutismo consistem em que as concepções

humanas não precisam nunca atingir uma perfeição total e completa: se as nossas concepções,

sendo elas relativas, são sempre aproximadas, não faz sentido nenhum se perseguir padrões de

rigor (e/ou de precisão) que são inacessíveis. Se um rigor absoluto é inacessível, o parâmetro que

deve ser aplicado é o da utilidade, que deve ser aplicado de maneira sistemática vinculado à

realidade e que evita que essa mera realidade degrade-se em um critério absoluto. Se as

concepções humanas devem ser úteis, é importante que elas sejam-no não apenas para fins de

atividade prática ou até de pensamento, mas, antes de mais nada, elas devem ser úteis em termos

afetivos: na medida do possível, todas as concepções humanas devem elaboradas de maneira

artística, estimulando o altruísmo e comprimindo o egoísmo. Na verdade, Comte aprofunda

radicalmente esse preceito; em vez de o caráter afetivo e artístico das idéias serem um adereço

eventual das nossas idéias e concepções, ele inverte essa ordem e nota que as idéias servem para

conferir precisão e acuidade às concepções gerais que são inspiradas pelos sentimentos.

Reiteradamente Augusto Comte critica a pretensão academicista de raciocinar apenas com a

cabeça, como se não houvesse inspiração, orientação e impulsão afetiva nesses mesmos

raciocínios: os meios que ele identificou para realizar esse projeto foram, por um lado, a

renovação da lógica, com a instituição da lógica positiva e o entendimento de que essa lógica

procede dos sentimentos, passa para as imagens e chega aos sinais; por outro lado, tudo isso se dá

com a instituição do neofetichismo e o estabelecimento da Trindade Positiva. Esse conjunto de

elaborações alia rigorosamente a afetividade altruísta ao pensamento real e útil, a partir da síntese

positiva e como aplicação do método subjetivo.

Passemos, agora, para o entendimento do que seja a “síntese”. Para Comte, a síntese

opõe-se à análise. A análise é o conhecimento (ou até o entendimento) parcial da realidade, que é

estudada e conhecida abstratamente em um âmbito, ou “nível”, determinado. Como o sucesso em

geral da ciência evidencia, a análise oferece múltiplas vantagens e possibilidades, mas também

cria e estimula defeitos e resultados daninhos; em particular, a análise é por assim dizer um

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“fatiamento” da realidade. A perspectiva de mundo oferecida pela análise é sempre e cada vez

mais parcial da realidade. O academicismo consagra esse fatiamento da realidade, que resulta em

conhecer-se sempre cada vez mais sobre cada vez menos; embora conheça-se muito da realidade,

o resultado é incoerente e irracional, pois esse “muito” não faz sentido, isto é, não se apresenta

aos seres humanos como uma visão geral da realidade, que permita ao ser humano localizar-se no

mundo e na sociedade e, a partir daí, agir.

O procedimento analítico tem seu maior e melhor exemplo no âmbito das ciências; isso

não é pouco nem é secundário, na medida em que são justamente as várias ciências que fornecem

o conhecimento da realidade e que, assim, constituem a base do conhecimento positivo. De

qualquer maneira, se é nas ciências que se verifica com maior clareza a dispersão irracional da

visão de mundo, com certeza tal dispersão não se limita às ciências: imbuídos de um impulso

antigo, próprio à Antigüidade grega, os vários domínios da realidade humana separam-se

progressivamente, sem que haja um movimento consistente na direção contrária.

Vê-se então, com base no que foi dito acima, que a síntese não é um “resumo”; ela é uma

coordenação ao mesmo tempo moral, intelectual e prática da existência humana, a partir de

algum princípio coordenador e que indique as relações possíveis, desejáveis e até as indesejáveis

entre os vários elementos da existência humana. Nesse sentido, a síntese aproxima-se bastante da

idéia de religião; a diferença está em que a religião é, no Positivismo, o sistema geral que regula e

coordena a totalidade da existência humana, enquanto a síntese refere-se aos seus aspectos mais

intelectuais.

A síntese positiva caracteriza-se por vários dos traços que vimos indicando até o

momento: o relativismo e o subjetivismo “social”, a partir do conhecimento real e útil do mundo.

Rigorosamente seguindo a doutrina positivista, antes desses traços, em termos lógicos a síntese

subjetiva tem como princípio coordenador o altruísmo; isso quer dizer a preocupação com os

demais e os sentimentos generosos para com os demais (o apego, veneração e a bondade) são o

princípio fundante de todo esse sistema. Assim, o altruísmo constitui-se ao mesmo tempo no

elemento que estabelece a ética social básica, que disciplina moralmente cada indivíduo, que

inspira e até disciplina as idéias e, em função desses elementos prévios, também inspira e

disciplina as atividades práticas.

Como vimos há pouco, para Augusto Comte a análise está ligada às abstrações; em

contraposição, a síntese vincula-se à concretude. A síntese positiva reconstitui a totalidade

concreta após passar pela análise científica e ao integrar esta última na sistematização da

realidade proposta pelo Positivismo, considerando, como já indicamos, a origem e a destinação

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de nossa existência nos sentimentos, além das artes e a realização disso tudo nas atividades

práticas (isto é, nas relações sociais concretas).

A síntese subjetiva apresenta diversas propriedades e aplicações; sem nos determos nelas,

podemos citar o estabelecimento do neofetichismo, que consiste na incorporação do fetichismo

inicial ao Positivismo final (evidentemente, com adaptações intelectuais e morais), além do

estabelecimento conseqüente da Trindade Positiva (o Grão-Ser, ou Humanidade, o Grão-Fetiche,

ou o planeta Terra, e o Grão-Meio, ou o Espaço), cujo objetivo é sistematizar de maneira mais

completa e radical as concepções humanas, tendo em vista a inspiração e a destinação afetiva

dessas concepções.

O que, por uma questão de comodidade, chamamos acima de “contextualização” indica

também um outro aspecto importante da síntese positiva: a necessidade constante de que, ao

serem aplicadas na prática, as leis naturais sejam completadas pelo engenho humano. Comte

sumaria tal concepção na seguinte fórmula: “para completar as leis são necessárias vontades”. As

leis naturais são relações abstratas que existem naturalmente, independentemente da vontade

humana; mas, para serem apreendidas, o ser humano utiliza o conjunto de recursos que tem à sua

disposição (sensações, inteligência, historicidade etc.): dessa forma, como vimos antes, as leis

naturais são ao mesmo tempo objetivas e subjetivas. Dando um passo além, também vimos que

as leis têm que ser úteis; ora, as leis, por serem gerais e abstratas, são em si mesmas impassíveis

de serem aplicadas na realidade (exceto em casos muito gerais, como em cálculos puramente

matemáticos): dessa forma, é necessário completar as leis com a “contextualização” concreta.

Esse complemento, mais do que tudo, ocorre a partir da vontade humana, isto é, da intenção

humana de aplicar as leis para solucionar um problema (ou preveni-lo). Nesse sentido, para o

fundador da Sociologia, simplesmente não faz sentido criticar a busca de leis naturais porque elas

seriam “demasiadamente gerais” e impassíveis de explicar “tudo”: as leis naturais são a conditio

sine qua non de qualquer explicação, de qualquer investigação científica; entretanto, ao mesmo

tempo, se elas são a condição necessária, elas também são mais ou menos insuficientes.

Novamente: a alternativa à busca das leis naturais, “completadas pela vontade humana”, consiste

em um procedimento irracional, insatisfatório e, portanto, no fundo imoral, que é a coleção

descoordenada de infinitos casos concretos mais ou menos justapostos.

É claro que para que realizemos as nossas vontades temos que ter a intenção de realizá-

las; para simplificar o raciocínio, devemos considerar que essas nossas vontades são ou

conscientes ou tornadas habituais, a partir de uma consciência cada vez maior do que podemos

fazer; esse aumento da consciência é uma decorrência do aumento do conhecimento e do

entendimento que temos do mundo e das realidades humanas. Acima fizemos menção à Trindade

Positiva, composta pelo Grão-Ser, pelo Grão-Fetiche e pelo Grão-Meio; sem entrar em maiores

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detalhes sobre a constituição de cada um dos elementos da Trindade Positiva, nem sobre as suas

relações mútuas, para os nossos objetivos basta notar que Augusto Comte atribui diferentemente

os atributos humanos a cada um desses elementos da Trindade7. Dessa forma, o Grão-Meio (o

Espaço) é puramente afetivo, mas não tem nem atividade prática (não é capaz de agir) nem é

dotado de inteligência; o Grão-Fetiche (o planeta Terra) é dotado de afeto e de atividade, mas não

de inteligência; por fim, o Grão-Ser, a Humanidade, é dotada dos três atributos: afetividade,

atividade e inteligência. A primeira característica que chama a atenção nesse esquema é que a

afetividade – em particular, o altruísmo – é uma característica atribuída a cada um dos integrantes

da Trindade Positiva; com isso, encaramos o Espaço, a Terra e a Humanidade com maior

simpatia, o que, na prática, significa respeitá-los de fato e cada vez mais. A segunda característica

que nos interessa aqui é a exclusividade da inteligência na Humanidade; neste ponto em

particular, o fundador do Positivismo acrescenta um novo âmbito de entendimento a respeito da

inteligência. Até então – ou seja, nas várias obras escritas desde o Sistema de filosofia positiva

(1830-1842) até o v. III do Sistema de política positiva (1851-1853) – a inteligência referia-se

exclusivamente à capacidade de compreender o mundo; mas, com o estabelecimento da síntese

subjetiva, à inteligência é associada a volição, o que equivale vulgarmente à “intencionalidade”.

A afetividade por si mesma implica uma certa volição, na medida em que os instintos e buscam

satisfazer-se; entretanto, sem a capacidade de agir tal satisfação não ocorre; mas é com a

inteligência que os instintos, os sentimentos tornam-se conscientes de si mesmos, passam a ser

orientados, buscam os meios adequados para sua satisfação (ou sua mitigação) e atuam nesse

sentido. Repetindo: para Comte, no âmbito da Trindade Positiva, o que caracteriza o ser humano

é a inteligência e, portanto, a intencionalidade humana, capaz de conceber e realizar vontades.

Em definitivo, a busca de leis naturais não é contraditória com a investigação das intenções

humanas; na verdade, esta última é o complemento necessário daquela – embora, inversamente, a

investigação das intenções não faça nenhum sentido sem a busca de leis naturais.

3. Avaliando Weber à luz do Positivismo

Nesta seção faremos algumas considerações sobre a filosofia social de Max Weber;

evidentemente, tais considerações serão à luz do Positivismo – o que, por si só, já constitui uma

novidade, especialmente porque o que ocorre de modo geral é exatamente o contrário. Pode-se

questionar a escolha justamente de Weber e não, por exemplo, de Marx e do marxismo. Ora, por

um lado, por vezes se atribui a Weber a suposta fundação da “moderna Sociologia” (na

impossibilidade de atribuir-lhe o papel de fundador da Sociologia): embora isso tenha um mal

7 A constituição da Trindade Positiva encontra-se no v. IV da Política positiva (Comte, 1929, v. IV) e no

volume único da Síntese subjetiva (Comte, 1856); além disso, uma completa e belíssima exposição é a de

Teixeira Mendes (1898).

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disfarçado caráter provocativo e retórico, nem por isso deixa de ser um desafio que cumpre ser

examinado e, claro, criticado. Por outro lado, embora o marxismo não raro seja muito mais

acidamente crítico ao Positivismo, o conjunto dessas críticas reveste-se de um caráter mais

político que epistemológico ou mesmo teórico; em outras palavras, o exame positivista do

marxismo é relativamente mais simples e, de qualquer maneira, em virtude das urgências

políticas do século XX, já foi feito há muito tempo, mesmo por Augusto Comte (1899; cf.

também Severo, 1931; Paula Lopes, 1946). O caso de Weber é diferente: sua urgência política é

bem menor e seu caráter é propriamente acadêmico, de modo que, não por acaso, foi encarado

pelos positivistas como uma forma da metafísica alemã (no caso, da metafísica historicista),

resultando em que não foi objeto de análise positiva sistemática; entretanto, a recíproca não é

verdadeira e rios de tinta foram gastos na crítica de cunho weberiana a Comte e/ou ao

“positivismo”. Finalmente, muitos aspectos da filosofia social weberiana foram elaborados em

conformidade com a metafísica alemã e justamente em contraposição a Comte e/ou ao

“positivismo”. Assim, consideramos que vale a pena fazermos esse exame de Weber.

Comecemos pela distinção elementar dessa filosofia e que, aliás, indica à partida o seu

caráter metafísico: a divisão entre as “ciências da natureza” e as “ciências do Espírito”. O

“espírito” aí não significa a “mente humana”, mas corresponde à emanação fantasmagórica, de

origem teológica, da “alma”: as “ciências do Espírito”, portanto, correspondem às ciências do que

é produzido pelo “alma” – como se as “ciências da natureza” não fossem também produtos da

“alma”. A essa divisão é atribuída uma distinção em parte metodológica, em parte

epistemológica, em que as ciências naturais buscam as leis naturais (entendidas de maneira

estritamente mecânica, ou mecanicista) e, portanto, baseiam-se no relativismo e deixam de lado a

busca absoluta dos “porquês”, isto é, das causas, concentrando-se nos “comos”. As ciências do

espírito buscam os “porquês”, entendendo-os como produtos de vontades e de ações intencionais;

mas, eludindo a busca do absoluto que embasa essa investigação e sendo forçados a conferir uma

base empírica a tais investigações, a intencionalidade investigada é a humana (sem que, com isso,

seja deixada de lado a intencionalidade divina). A atribuição dicotômica das leis naturais para as

ciências da natureza e as “intenções” para as ciências do Espírito resulta em que se atribui ao ser

humano uma liberdade arbitrária e insubmetida a qualquer regularidade, da mesma forma que se

impede qualquer reflexão sobre o papel da intencionalidade nas ações humanas no âmbito das

ciências naturais; em outras palavras, estabelece-se uma dicotomia insuperável, uma verdadeira

aporia, entre o fatalismo absoluto das leis naturais e a liberdade absoluta própria ao ser humano.

Constituindo parte dos fundamentos histórico-sociológicos dessa distinção está, por

certo, a história da “Alemanha”, ou melhor, dos povos de língua alemã, que, até meados do

século XIX, conjugaram a extrema dispersão política e institucional (marcada, além disso, por

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disputas dinásticas e militares) com a unidade língüistica e cultural: não por acaso o poeta Goethe

é encarado como um dos grandes nomes da história alemã, na medida em que ele é um dos

grandes símbolos dessa unidade em meio à dispersão. Tal situação resultou no estabelecimento

de duas categorias resultantes do contraponto da situação alemã com a francesa, que desde muito

antes pôs em marcha um exitoso processo de unificação política e social: as categorias são,

respectivamente, Kultur e Zivilitation. Essas categorias tentam compensar a fraqueza nacional,

institucional, econômica, mas também social e cultural da Alemanha por meio da afirmação de

uma suposta superioridade espiritual alemã em contraposição à França; enquanto a Kultur

corresponde à “cultura”, aos “valores”, que seriam por definição superiores, mais nobres, mais

refinados, próprios ao Espírito, a Zivilitation corresponderia à grosseira materialidade da política,

das relações econômicas desenvolvidas etc.

O relato acima foi exposto por Norbert Elias (1994), mas, de modo geral, não se tiram as

conseqüências plenas do que ele chamou de “sociogênese” das categorias Kultur e Zivilitation:

afinal de contas, é fácil ver que a dicotomia entre “ciências da natureza” e “ciências do Espírito”

correspondem à transposição, ou à adaptação, das categorias culturais anteriores para o âmbito

das ciências. Entretanto, em seu relato Norbert Elias deixou de lado um aspecto importante, que

também deveria integrar a “sociogênese de categorias”: o misticismo alemão, em que também se

deve incluir o reforço teológico antissecularista realizado por Lutero e seus êmulos (como

Calvino). Vale notar que, à parte as disputas teológicas e políticas, Lutero realizou o serviço de

fixação e unificação da língua alemã, o que, por si só, já lhe garantiria um papel de relevo na

cultura alemã; entretanto, para além disso, ele reverteu o impulso secularizante e humanista que

vinha desde o fim da Idade Média, reforçando o misticismo já presente desde muito antes entre

os alemães (como exemplificado pela obra de Tomás de Kempis). Ainda mais: fosse por meio da

crítica ao papel mediador da igreja, fosse por meio do reforço do misticismo, Lutero e, de modo

geral, o protestantismo estimulou fortemente o individualismo, ao afirmar que a divindade seria

passível de ser atingida diretamente pelo crente, por meio da introspecção: o caráter

constitutivamente social do ser humano (e também do conhecimento) foi posto de lado; quando a

necessária sociabilidade humana foi afirmada, ela associou-se ao particularismo alemão expresso

na Kultur e teve expressão em uma concepção histórica (e historiográfica) que afirma que toda

cultura (em vez de dizer-se toda sociedade) é única e seu trajeto histórico é igualmente único e,

com isso, rejeitando-se as comparações e, mais do que isso, as abstrações sobre as culturas e, daí,

as generalizações sobre as sociedades.

Ora, todos esses traços estão claramente presentes em Weber. Por certo que ele não é

místico (embora ele não recusasse o misticismo nem o protestantismo); mas verifica-se o elogio

da particularidade superior da cultura alemã bem como, de modo mais importante, todo o

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conjunto moral e epistemológico da dicotomia entre “ciências da natureza” e “ciências do

Espírito”. O individualismo é um dos traços mais importantes da metodologia weberiana – que,

nesse caso em particular, associa-se à sua profissão, que era de economista – e tem como

conseqüência também a rejeição de qualquer generalização. Por certo que ele aceita comparações

sistemáticas entre sociedades e culturas, mas essas comparações visam apenas a iluminar

aspectos diferentes das sociedades comparadas; no final das contas, portanto, tais comparações

constituem apenas uma coleção cada vez maior de traços comparados, recusando-se o passo

seguinte, que seria o das generalizações; bem vistas as coisas, isso resulta em um forte

empiricismo, embora de caráter qualitativo. A metodologia afinal desenvolvida por Weber – a

investigação dos sentidos das ações – é plenamente coerente com e reforça por definição

antissocial.

No final das contas, para Weber não existe algo chamado “sociedade”, mesmo que ela

seja entendida em termos subjetivos; o que existe apenas e tão-somente são indivíduos que têm

valores parecidos em um certo espaço e em um certo momento. A fórmula empregada por Weber

de que os indivíduos seriam “portadores de valores” (em vez de os indivíduos professarem

valores) indica o quanto o caráter constitutivo dos valores, ou melhor, o caráter constitutivamente

social dos “indivíduos”, realizado entre outros elementos pelos valores, é desconsiderado por esse

autor. No final das contas, a recusa mantida quase até o final de sua vida de chamar-se

“sociólogo” (preferindo economista e/ou historiador) deveria ser levada mais a sério, no sentido

de indicar que, de fato, ele não queria ser chamado de sociólogo porque não era mesmo

sociólogo.

Além desses problemas todos, a perspectiva weberiana torna completamente irracional as

atividades humanas. Por um lado, porque no âmbito das “ciências do Espírito” incluem-se

disciplinas acadêmicas que não têm nada de científicas ou que são, por definição, anticientíficas,

como a “Jurisprudência” e a Teologia. Por outro lado, porque a divisão entre “ciências da

natureza” e “ciências do Espírito”, com os correlatos pressupostos de que às primeiras cabem as

investigações sobre as leis naturais e de que as segundas definem-se pela atribuição de “sentido”,

tornam irracionais e incoerentes os enormes empreendimentos humanos que são as ciências de

modo geral e as ciências naturais em particular; a atuação da “intencionalidade” nas ciências da

natureza é rejeitado e a concepção de liberdade é falseada ou deturpada.

A exclusividade que Weber atribui à “compreensão” como procedimento próprio e

específico às “ciências do Espírito” reitera sua ignorância a respeito das leis naturais intelectuais,

morais e sociológicas, ao confundir – ou negligenciar ou, o que é pior, ao pura e simplesmente

ignorar – a distinção entre o âmbito intelectual das leis “objetivas” e o âmbito prático das

motivações subjetivas. O alemão também demonstra completa incapacidade de entender (ou –

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novamente – ele revela ignorância sobre isto) como é que funciona a ciência de modo geral, no

sentido de que toda concepção humana tem elementos de subjetividade, de motivação e, portanto,

de interpretação: as ciências naturais são tão “interpretativas” quanto as “ciências do Espírito”,

embora, claro, o suposto fundamento metafísico da interpretação seja errado e desnecessário. O

problema vai além, pois Weber é incapaz de acompanhar mesmo as limitadas concepções de

Kant, quem já reconhecia que o cérebro segue leis próprias, que assim influenciam as elaborações

humanas. Nas poucas referências que Weber fez a Augusto Comte, o tom sempre foi pejorativo,

de desprezo e de enfado: em face do que vimos comentando, parece-nos que isso não é casual,

haja vista os defeitos, os erros e as limitações esposadas por Weber; para ultrapassar todos esses

problemas, Weber teria que abandonar suas indecisões e rejeitar tanto a teologia quanto a

metafísica – e mesmo o cientificismo –, todos próprios ao seu meio. Assim, o desprezo

manifestado por Weber contra Comte revela, na verdade, a incapacidade de uma metafísica

niilista deixar de ser o que é e tornar-se positiva, relativa e humanista.

O único aspecto da oposição “explicação”-“interpretação” que pode ser salvo da

metafísica é a sua motivação em preservar e afirmar a dignidade das ciências humanas,

especialmente em contraposição às ciências naturais e sob o problemático âmbito das “ciências

do Espírito”. Entretanto, mesmo essa intenção fracassa, pois, baseada na metafísica, ela cinde de

maneira dura, brutal e arbitrária as elaborações humanas (às ciências naturais é rejeitado in limine

o estatuto de “elaboração humana”); além disso, ao realizar tal cisão, a metafísica alemã é

incapaz de ter uma visão unitária e orgânica das ciências, isto é, sintética (por meio de uma

síntese humanista) e, assim, é incapaz de ordenar e coordenar entre si as várias ciências: há

apenas oposição, no máximo justaposição. Mais uma vez, a metafísica: para Weber, seguem leis

apenas os fenômenos naturais; o ser humano vive em uma espécie de vazio, que só não é

completo porque submetido a constrangimentos geográficos e históricos; mas a concepção

elementar, fundamental e óbvia de que há leis naturais próprias ao ser humano – nada! Com isso,

o conceito de “liberdade” que Weber esposa é ao mesmo tempo irracional e imoral: irracional

porque não tem nenhuma base racional e empírica efetiva, imoral porque o ser humano não tem

nenhum parâmetro para regular sua conduta... é a própria concepção metafísica de liberdade,

herdeira parricida da concepção teológica: se o jugo divino era arbitrário e todo-opressor, a

liberdade metafísica é a negação da divindade e o arbitrário passa da divindade para o ser

humano.

Como as ciências não são integradas (e, de acordo com sua concepção, não é possível

realizar tal integração, apenas uma relativa justaposição), Weber é incapaz de verdadeiramente as

relacionar, de um ponto de vista intelectual, isto é, de descrever como é que a ordem humana

integra-se à ordem natural e como é que a ordem natural pode ser modificada e compreendida

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pela ordem humana; como para ele há apenas cisão, ele consegue apenas vislumbrar, mais ou

menos de relance mas com imprecisão e vagueza, uma certa subordinação do homem ao mundo –

sempre vazada em termos dramáticos –; a relação inversa, em que o ser humano modifica e

abarca o mundo, escapa-lhe totalmente. Mesmo a fórmula baconiana, que é simples e elucidativa

– “o homem só modifica a natureza submetendo-se a ela” –, é estranha ao pensamento de Weber.

Mas, enfim, já observamos que a grande cisão operada pela metafísica alemã é incapaz de

reconhecer que as ciências naturais são preparatórias para a Sociologia e a Moral e, ainda mais,

que estas duas são, em conjunto com a transição decisiva operada pela Biologia, as ciências

superiores, as ciências sagradas, que devem regular e normatizar as ciências inferiores.

O entendimento weberiano da ciência também se baseia em uma visão superficial do

empreendimento científico. Além do que já argumentamos antes, devemos ainda notar que

Weber não reconhecia na ciência uma importância maior que a mera “racionalização” do mundo;

essa concepção é adequada ao seu niilismo, que destrói, ou seja, que é “crítico” sem construir,

sem entender como é que a ciência integra-se de maneira mais ampla na vida humana, seja em

termos estáticos, como descrição e explicação – ou “interpretação” – da realidade, seja em termos

dinâmicos, como procedimentos e observações que evoluem ao longo do tempo, de maneira

adequada a cada fase histórica, de tal modo que é possível integrar a própria teologia no

movimento histórico da ciência e a ver estas duas no movimento geral da religião (cf. Comte,

1929, v. II, cap. I). A visão estreita que Weber tem da ciência é paralela e provavelmente

resultante da sua concepção estreita da “religião”, que, para ele, no fundo é sinônima de

protestantismo. Seus eruditos estudos de “Sociologia da religião” enfatizam a institucionalização

das teologias e os sentimentos que elas despertam nos crentes, mas escapa-lhe totalmente integrar

a teologia nos movimentos da ciência e da religião.

É importante dizermos que não é que consideremos que as pesquisas desenvolvidas por

esse autor sejam inúteis ou desprovidas de interesse. As comparações que ele fez a respeito das

“religiões mundiais”, a classificação dos tipos de ação, o exame das conseqüências econômicas

das crenças religiosas: essas e muitas outras pesquisas são muito interessantes e ajudam-nos a

entender a realidade humana. Entretanto, como vimos argumentando, a utilidade e o interesse

dessas pesquisas dão-se a despeito da epistemologia weberiana e mesmo passando por cima dela,

não devido a ela. Não é por acaso que ele dizia abordar temas epistemológicos somente quando

era obrigado a isso e de má vontade: o exame aprofundado de suas próprias concepções exigiria

que ele encarasse suas incoerências e suas inúmeras limitações, resultando ou no aprofundamento

de sua metafísica (o que, convenhamos, seria a hipótese mais provável) ou na sua aproximação

do Positivismo (o que seria mais difícil, em face do caráter decididamente alemão de Weber).

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4. Comentários finais

A exposição feita neste artigo foi longa, o que, por si só, suscita algumas reflexões. Em

primeiro lugar, cabe reafirmarmos uma consideração feita logo no início de nosso trajeto: a

vigorosa polissemia do vocabulário comtiano, ou, o que dá na mesma, a “multidimensionalidade”

de seu pensamento; a esse traço junta-se o aspecto sistêmico e sistemático do Positivismo.

Enquanto este último aspecto é apontado repetidas vezes pela literatura secundária que comenta

ou, na maior parte das vezes, cita Augusto Comte, a polissemia de modo geral é uma

característica ignorada, ou melhor, desprezada. O conjunto dessas reflexões sociológicas,

históricas, filosóficas e morais deve ser entendido no quadro de uma abordagem ao mesmo tempo

“caleidoscópica” e “telescópica” (Angèle Kremer-Marietti), apresenta um caráter “chinês”

(Emmanuel Lazinier) e no qual é necessário o recurso ao esquema mental do “englobamento de

contrários”, que, por sua vez, foi teorizado a partir do estudo da sociedade indiana (Louis

Dumont) – tudo isso em um autor que fazia questão de enfatizar o legado que milênios de história

concedem ao Ocidente. Isso tudo indica que o pensamento de Augusto Comte é qualquer coisa

menos “simples”, “fácil”. Se considerarmos os cursos de Ciências Sociais, o fundador da

Sociologia é abordado de maneira rápida, limitada a comentários superficiais e esquemáticos a

partir dos dois primeiros capítulos do Sistema de filosofia positiva, em que Comte apresentava o

objetivo da obra e as leis dos três estados intelectual e da classificação das ciências:

evidentemente isso se deve aos oceanos de tinta gastos na transformação de Comte no bode

expiatório fundamental das Ciências Sociais, cuja única função é ser criticado, é ser o alvo do

desprezo público; mas, ao mesmo tempo, podemos também considerar que a superficialidade

com que o pensamento do fundador da Sociologia é tratado deve-se também à incompetência

implícita e não admitida dos comentadores em entender esse mesmo pensamento.

Em segundo lugar, em parte associado à observação acima, mas em parte distinto dela,

vários dos elaboradores de “sínteses” teóricas no âmbito das Ciências Sociais atuaram ao mesmo

tempo, por um lado, como criadores e repetidores de mitos e, por outro lado, como sistemáticos

parricidas intelectuais, a fim de poderem legitimar-se a si mesmos. Consideremos o inglês

Anthony Giddens: nos anos 1970 ele participou do movimento geral de revisão teórica,

epistemológica e filosófica das Ciências Sociais, que, àquela altura, mais uma vez encarava uma

crise periódica de identidade, em parte devido à crise de consciência por que passava o Ocidente,

em parte devido aos numerosos becos sem saída teóricos criados pelo aprofundamento de

dicotomias forçadas. Em tal esforço, Giddens elaborou revisões da literatura sociológica

(Giddens, 1996; 2017), contribuindo para reforçar esquemas propostos por outros autores (como

Talcott Parsons), em particular ao restabelecer a concepção de que os três fundadores da

Sociologia seriam Marx, Weber e Durkheim. Esse esquema, além de ter a imensa vantagem

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retórica de ser, precisamente, esquemático (isto é, de simplificar extremamente a visão que se

tem da realidade), também permite que se una a idéia intelectual, sociológica e historicamente

errada de confundir a fundação de uma disciplina científica com a sua institucionalização

acadêmica à diversidade epistemológica e teórica de cada um dos autores considerados. E, claro,

fazer a revisão “crítica” desses autores também permitiu a Giddens afirmar a sua pretensão a

constituir-se como um grande renovador, ou refundador, das Ciências Sociais. Ao mesmo tempo,

Giddens (cf. Giddens, 1998) valeu-se dos mitos criados por John Stuart Mill contra Augusto

Comte – em particular, o mito da loucura – para não ter que se dar ao trabalho de ler e entender

Comte, desconsiderando-o sumariamente. Os casos de Nietzsche, Althusser e mesmo Weber, no

âmbito das Ciências Sociais, deveriam ser suficientes para indicar o quanto a “loucura” é um

critério irrelevante para o estudo da obra de um autor. Dessa forma, o conjunto dos

procedimentos adotados por Giddens torna difícil entender o seu comportamento relativamente a

Augusto Comte – o fundador da Sociologia – sem apelarmos para a má-fé; afinal, a preocupação

do inglês não era ser justo nem rigoroso com o filósofo e sociólogo francês, mas estabelecer um

esquema que permitisse valorizar-se a si mesmo e que tivesse um pé (na verdade, bem mais que

apenas um pé) no academicismo.

Deixando de lado a necessária, mas cansativa, denúncia desse escandaloso ponto cego na

reflexividade das Ciências Sociais, vale a pena indicar o breve contraponto que fizemos de

concepções filosóficas e sociológicas fundamentais de Max Weber – que, aliás, por vezes é

chamado de “fundador da moderna Sociologia”, expressão cujo sentido parricida também é

bastante claro e que se atribui logo a um autor que sempre, exceto no final de sua vida, rejeitou o

rótulo de “Sociólogo” e que na prática aplicou à Sociologia a metodologia da microeconomia,

ainda que inspirado pelo historicismo metafísico alemão. Parece-nos que o resultado dessa

contraposição é surpreendente: inúmeros aspectos que são considerados vulgarmente como

específicos das idéias weberianas (e da metafísica historicista alemã), que as distinguiriam

radicalmente das perspectivas comtianas e que, supostamente, torná-las-iam superiores ao próprio

fundador da Sociologia, foram antes propostas por Augusto Comte com todas as letras, de modo

plenamente coerente e consciente. Não se trata aí de “interpretação” casuística, mas de

concepções que foram elaboradas e desenvolvidas com o passar do tempo, à medida que o

fundador da Sociologia realizava e aprofundava o seu projeto intelectual. Ainda que a discussão

deste artigo tenha sido breve, passemos diretamente ao ponto: nossa exposição sugere que a

apregoada particularidade da metodologia weberiana sobre Comte é mais ou menos um exagero;

além disso, não nos parece que a metafísica historicista alemã seja necessária para fundamentar

uma metodologia que aceite a “interpretação” das ações nem a agência humana.

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A busca de novidades teóricas a todo custo produz, então, pontos cegos na autopercepção

das Ciências Sociais; tais pontos cegos baseiam-se em pretensões políticas, intelectuais e

academicistas, em que o parricídio ritual é o procedimento-padrão. Comte elaborou

compreensões mais aprofundadas do ser humano e de seus empreendimentos, bem como sobre o

desenvolvimento e a aplicação de metodologias de pesquisa apropriadas; mas essas elaborações

permanecem ainda hoje inéditas, o que chega ao nível do escandaloso. A reversão desse quadro

implica abandonar-se profundos vícios morais, intelectuais e institucionais: não há dúvida de que,

embora certamente difícil, tal empreendimento é possível, necessário e recompensador.

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