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O TABELÃO E A LUPA: TEORIA, MÉTODO GENERALIZANTE E IDIOGRAFIA NO “CONTEXTO BRASILEIRO” Fábio Wanderley Reis Seria provavelmente impróprio, num evento como este, pretender transformar as comunicações a serem debatidas em longas e abstratas discussões sistemáticas de questões de filosofia das ciências sociais. Tal como entendo nosso objetivo, porém, ele envolve alguma avaliação das conexões entre as práticas correntes das ciências sociais brasileiras da atualidade e fundamentais questões teórico-metodológicas. Seria igualmente impróprio, portanto, prescindir da referência insistente a estas últimas. Espero que a forma que acabei por dar a estas notas represente uma solução satisfatória do dilema: começando pela apresentação sucinta de traços que me parecem constituir características negativas de muito da produção brasileira do momento na área (seção I), seguida do exame de c ertas consequências qu e daí decorrem para a inserção internacional das ciências sociais brasileiras (seção II), discuto a seguir (seções III e IV) alguns problemas substantivos que correspondem a pontos de polêmica real na atualidade ou a questões que mereceriam debate mais extenso do que tendem efetivamente a receber, procurando indicar através deles a maneira pela qual uma postura teórico- metodológica adequada permite evidenciar os equívocos e deficiências envolvidos e eventuais possibilidades de avanço. Na seção V esboço breve conclusão. Na maior parte do texto (de acordo com certa idéia de divisão de trabalho que é bem clara na composição de nossa mesa), tenho em mente sobretudo a ciência política brasileira, e minhas formulações explícitas se dirigem antes de mais nada ao campo que recebe essa designação acadêmica. Creio, porém, que o que digo abaixo se aplica também ao campo da sociologia brasileira. Na verdade, pessoalmente sou muito pouco cioso da suposta fronteira entre as duas disciplinas, e entendo a ciência política como sociologia da política. Por outro lado, a exploração dos equívocos e dos eventuais pontos fecundos de contato que se dão nas relações entre as diversas disciplinas da área é certamente uma das importantes razõ es para a realização desta mesa redonda. Texto apresentado à mesa-redonda “Teoria e Método e as Ciências Sociais Brasileiras”, realizada no 14 o . Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), Caxambu (MG), outubro de 1990. Além de Fábio W. Reis (coordenador e expositor), Simon Schwartzman, Luiz Felipe de Alencastro e Mariza Peirano (expositores), a mesa-redonda contou com Vilmar Faria como debatedor. Publicado na Revista Brasileira de Ciências Sociais, no. 16, ano 6, julho de 1991. 1

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O TABELÃO E A LUPA: TEORIA, MÉTODO GENERALIZANTE EIDIOGRAFIA NO “CONTEXTO BRASILEIRO”∗

Fábio Wanderley Reis

Seria provavelmente impróprio, num evento como este, pretender transformar as comunicações a serem debatidas em longas e abstratasdiscussões sistemáticas de questões de filosofia das ciências sociais. Tal comoentendo nosso objetivo, porém, ele envolve alguma avaliação das conexõesentre as práticas correntes das ciências sociais brasileiras da atualidade efundamentais questões teórico-metodológicas. Seria igualmente impróprio,portanto, prescindir da referência insistente a estas últimas. Espero que aforma que acabei por dar a estas notas represente uma solução satisfatória dodilema: começando pela apresentação sucinta de traços que me parecem

constituir características negativas de muito da produção brasileira domomento na área (seção I), seguida do exame de certas consequências que daídecorrem para a inserção internacional das ciências sociais brasileiras (seçãoII), discuto a seguir (seções III e IV) alguns problemas substantivos quecorrespondem a pontos de polêmica real na atualidade ou a questões quemereceriam debate mais extenso do que tendem efetivamente a receber,procurando indicar através deles a maneira pela qual uma postura teórico-metodológica adequada permite evidenciar os equívocos e deficiênciasenvolvidos e eventuais possibilidades de avanço. Na seção V esboço breve

conclusão. Na maior parte do texto (de acordo com certa idéia de divisão detrabalho que é bem clara na composição de nossa mesa), tenho em mentesobretudo a ciência política brasileira, e minhas formulações explícitas sedirigem antes de mais nada ao campo que recebe essa designação acadêmica.Creio, porém, que o que digo abaixo se aplica também ao campo da sociologiabrasileira. Na verdade, pessoalmente sou muito pouco cioso da supostafronteira entre as duas disciplinas, e entendo a ciência política comosociologia da política. Por outro lado, a exploração dos equívocos e doseventuais pontos fecundos de contato que se dão nas relações entre as diversasdisciplinas da área é certamente uma das importantes razões para a realização

desta mesa redonda.

Texto apresentado à mesa-redonda “Teoria e Método e as Ciências Sociais Brasileiras”, realizadano 14o. Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais(Anpocs), Caxambu (MG), outubro de 1990. Além de Fábio W. Reis (coordenador e expositor),Simon Schwartzman, Luiz Felipe de Alencastro e Mariza Peirano (expositores), a mesa-redondacontou com Vilmar Faria como debatedor. Publicado na Revista Brasileira de Ciências Sociais, no.16, ano 6, julho de 1991.

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trabalhos são avaliados do ponto de vista de um especialista exigente. Aforaos trabalhos que se ocupam em narrar e reconstituir, numa perspectivadiretamente historiográfica, fatos do passado mais ou menos remoto, torna-sefrequente uma espécie de "historiografia do presente", ou uma posturaorientada pelo empenho de registro jornalístico dos eventos. Nos trabalhos depesquisa correspondentes, a perspectiva generalizante, ou a preocupação deapreensão sistemática de regularidades que sejam capazes propriamente deexplicar algum evento ou conjunto de eventos a qualquer título problemático,intrigante ou instigante (algum "grilo" ou problema analítico) se vê substituídapor uma orientação de pesquisa onde se define um "tema" recortado emtermos concretos (como que um "pedaço" da realidade: o PSD, os militares nopós-64, a política social da Nova República...) e se procura levantar "tudo" oque diga respeito a tal tema. As perguntas que normalmente orientam taistrabalhos são do tipo o que? ou como? ("o que aconteceu?" ou "como

aconteceu?"), nunca do tipo por que?, e o papel do pesquisador consiste emcontar o que lhe contaram, ou o que leu em jornais velhos ou documentos dequalquer natureza. A frequência de trabalhos cujos títulos contêm datas ounomes próprios é expressiva da perspectiva: eles se referem seja a eventosespecíficos situados no tempo e no espaço, seja mesmo a entidadesparticulares (este ou aquele partido, por exemplo). Pretende-se que aapreensão da "especificidade" dos eventos ou das entidades em questão é umobjetivo importante ou mesmo decisivo do esforço que se desenvolve – masnão se tem em conta que o específico não é senão a contracara do genérico eque, portanto, apreender apropriadamente o específico supõe comparação eteoria.

Nos casos em que se trata de temas da atualidade ou do passado recente(de certa forma mais "jornalísticos" na inspiração, portanto), tal perspectivatende a exibir a lógica da investigação detetivesca, onde se trata de desvendar o "oculto". Dois aspectos se podem assinalar em conexão com isso. Por umlado, do ponto de vista "substantivo" tal lógica tende a associar-se, por razõesbem óbvias, com uma visão conspiratória do processo político, e alguns doscasos de estudos de maior ressonância executados nessa óptica consistem em

revelar conspirações. Por outro lado, como a perspectiva geral de que falo éanaliticamente pobre, não é de admirar que a investigação jornalística oudetetivesca surja como modelo a ser seguido: nele, o fundamental não é oenquadramento analítico adequado de determinado fenômeno ou oesclarecimento de seu caráter de caso ou instância de uma regularidade quepode ser apreendida como tal, mas antes o acesso à fonte privilegiada (oinformante bem situado, muitas vezes secreto, que "conta tudo"...). A

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contrapartida é a de que, dada a pobreza analítica, o interesse da investigaçãodesenvolvida depende desproporcionalmente do interesse jornalístico oudetetivesco da "informação de cocheira" trazida. E é aqui, naturalmente, queeste modelo de investigação, quando executado por cientistas sociais, tende arevelar menor interesse do que a investigação propriamente jornalística:enquanto o jornalista se dedica profissionalmente a cultivar as suas fontes eusualmente tem acesso efetivo a fontes "quentes" de informação, o cientistasocial raramente conta com esse recurso. Claro, às vezes é possível encontrar o arquivo do IPES...

Uma forma especial de se manifestarem problemas semelhantescorresponde a certa vertente mais "antropológica" do que propriamentehistoriográfica ou jornalística na inspiração. Trata-se aqui não de desvendar a"mão oculta", como no caso mais exemplar da vertente anterior, mas antes de

registrar e recolher "os fatos mesmos" em toda a sua riqueza – em particular de recolher a riqueza do "cotidiano" tal como ele se apresenta à observaçãodesarmada e acrítica do participante. Em vez de "mão oculta", seria possíveldizer que, em muitos casos, aqui se trata de apontar a "mão invisível",havendo a inclinação a apreciar positivamente o jogo cego e "dado" de forçassociais.3 Um aspecto correlato é o de que, enquanto a vertente jornalísticatende a privilegiar os atores políticos de "elite" – é a elite que conspira e agecomo sinistra mão oculta –, a vertente "antropológica" valoriza antes o planodo popular, e certa sensibilidade para a "sabedoria popular" é um traçofrequentemente revelado (e reivindicado) pelos trabalhos desse tipo. E tomelongos depoimentos em estado bruto de mulheres da periferia urbana ou sejaqual for a categoria que se esteja estudando...

Naturalmente, apesar dos rótulos utilizados para caracterizar a práticacorrente de muitos cientistas políticos, no que digo não vai qualquer intuito denegar o interesse e a possível importância do que tipicamente fazem ohistoriador, o jornalista e o antropólogo como tais. Mas sustento que adisposição nomológica, sistemática, generalizante e teoricamente orientada éuma característica da ciência política da qual não cabe abrir mão – em parte

precisamente porque dispomos de jornalistas, historiadores e antropólogosprofissionais. E creio que muito da tendência do trabalho dos cientistaspolíticos brasileiros a derivar na direção de um arremedo não raro precário dospadrões de atividade próprios dessas outras especialidades se deve menos auma opção metodológica deliberada e lúcida do que a carências no

3 A distinção entre modelos explicativos de tipo “mão invisível” e “mão oculta” é elaborada emRobert Nozick (1974).

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treinamento dos profissionais de ciência política. Não só não se chega adominar apropriadamente o instrumental técnico da pesquisa orientada por preocupações generalizantes, como também isso está com frequênciaassociado a uma deficiência mais básica: nossos profissionais de ciênciassociais muitas vezes carecem de um domínio adequado da simples lógica, semmais. Donde a atração de voltar-se para a narrativa ou o relato, por contrastecom certo padrão, logicamente mais exigente, de estruturação analítica maisou menos complexa.

Por certo, seria possível considerar a respeito a possibilidade do estudodiretamente da lógica como disciplina especial, e talvez a inclusão de cursosque dela se ocupem no currículo dos programas. Esta me parece, porém, umaestratégia duvidosa para o objetivo de aprimorar a acuidade de nossoscientistas políticos desse ponto de vista: a aquisição da real capacidade de

raciocínio lógico está longe de ser equivalente, naturalmente, à obtenção dequalificação como especialista em lógica, e aquela é antes uma condiçãodesta, como de muitas outras coisas no campo da atividade científica. Mascreio que cabe certamente esperar o aprimoramento em questão comoresultado de certo tipo de prática adequada – e nesse sentido julgoespecialmente lamentável o abandono da ênfase no treinamento em técnicasde pesquisa e análise de dados de survey como parte do abandono, em geral,da ênfase no estudo de metodologia e técnicas de pesquisa, pois a realfamiliarização com a lógica da análise multivariacional que o estudo dosproblemas da análise de surveys facilita é, acredito, um instrumentoextremamente útil de treinamento lógico tout  court , à parte o que representade assimilação de uma técnica específica. É provavelmente desnecessárioassinalar o que ela pode representar também como meio de sensibilizar oestudante para a importância da teoria e de treiná-lo para o raciocínio teóricoem que se articulam múltiplas dimensões analiticamente relevantes.

Justamente o que aí se insinua quanto ao caráter eminentementeinstrumental da teoria e seu acoplamento necessário com os problemasmetodológicos que a análise enfrenta permite tocar em outra face das

deficiências gerais de que falo. Com efeito, o ensino de teoria também deixa, ameu ver, muito a desejar. Creio que as deficiências neste aspecto sãocertamente responsáveis pelo caráter de algo "etéreo", negativamente"abstrato" e descolado da realidade que a dimensão teórica da atividade docientista social muitas vezes adquire aos olhos dos profissionais supostamentede maior sentido empírico, como o historiador de que se falou acima.Manifestação tradicional desse "descolamento" é a feição ritualística e

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desligada das cogitações empíricas do pesquisador frequentemente exibidapelo famoso "marco teórico" dos projetos de pesquisa.

Mas há uma face do ritualismo quanto à teoria que me parece de certamaneira nova. Refiro-me ao fato de que o ensino de teoria em alguns denossos centros de pós-graduação tem manifestado a tendência a reproduzir oestilo de certa tradição de "teoria política" que já mereceu o sarcasmo deautores como Brian Barry e Robert Dahl: o estilo do comentário eruditoperenemente renovado dos clássicos da longa tradição de pensamento político,pronto a remontar à Antiguidade grega e latina ou aos séculos XVI e XVII doocidente europeu a propósito de qualquer problema – e inclinado, em algumamedida, a satisfazer-se com isso.4 Entendo ser supérfluo dizer que tambémacho necessário estudar Platão, Maquiavel, Hobbes, Locke etc. Mas éindispensável reconhecer que, precisamente pela importância da contribuição

desses pensadores, suas idéias integram o acervo de que presentemente separte, e que as análises contemporâneas dos problemas substantivos a que sedirigem não podem senão beneficiar-se da longa elaboração a que tais idéiasjá foram submetidas. Afinal, o número de pessoas vivas dedicadas a refletir sobre política é provavelmente maior do que o das que se dedicaram a essatarefa ao longo dos séculos – e, ainda que se reserve amplo espaço para amediocridade dos contemporâneos, a presunção tem forçosamente que ser favorável, em termos das ênfases relativas, à análise política moderna. Sejacomo for, creio que não há como negar o caráter lúdico e estéril, mesmo seocasionalmente atraente do ponto de vista literário, de certos jogos de armar edesarmar ligados ao ensino de teoria política entendida nos termos indicados,e não acredito que se deva encorajá-los além de certo limite moderado – oqual, a meu ver, vem sendo certamente ultrapassado.

Tudo somado, não admira que, na área dos problemas de autoritarismo edemocracia, onde se trata dos problemas práticos mais importantes naperspectiva de nossa disciplina e com respeito aos quais caberia esperar que orefinamento teórico e metodológico viesse a justificar a expectativa de algumacontribuição não trivial por parte dela, encontremos a perseguição meio míope

aos eventos que caracteriza a maior parte da literatura pertinente – na qual"modelos" sucessivos nos descrevem o colapso das democracias, depois adinâmica dos regimes autoritários, em seguida os processos de abertura, a4 “No mundo de língua inglesa, (...) a teoria política está morta. (...) No Ocidente, esta é a era dacrítica textual e da análise histórica, quando o estudante de teoria política abre seu caminho pelaredescoberta de algum texto merecidamente esquecido ou a reinterpretação de textos familiares.”(Robert Dahl, 1978, p. 89.) Observe-se que com esse estilo tende a estar associada a figura, a meuver negativa, do “especialista em teoria”.

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transição a um novo regime democrático, a consolidação (será?) dademocracia... Nem que a melhor forma de ilustrar a postura de nossoscientistas políticos provavelmente seja a atitude que encontrei, alguns anosatrás, num estudante que apresentava ao comitê de bolsas de doutorado daFundação Inter-Americana, do qual eu era membro, o relatório parcial dassuas atividades de pesquisa relacionadas com o processo político no Uruguai:ele se encontrava então, segundo suas palavras, sentado a esperar que as coisasacabassem de acontecer naquele país para poder concluir sua tese.Naturalmente, contando a história.

II

Um aspecto de grande importância que se articula com o ritualismoperante a teoria e com a falta de ligação dela com os problemas reais

deparados no trabalho de pesquisa e suas exigências metodológicas tem a ver com o que se designou acima como a inserção internacional das ciênciassociais brasileiras. O traço mais óbvio aqui é certamente a difusa noção tácitade que o trabalho teórico é algo que compete aos cientistas sociais dos paísesdesenvolvidos. A contrapartida inevitável é a dependência intelectual daciência social produzida pelos especialistas nacionais, cuja participação nosgrandes debates teórico-metodológicos internacionais não se dá senão demaneira reflexa e na qualidade de público espectador ou consumidor – tendendo a assumir a forma de modismos que vêm e vão, já que oprocessamento e a eventual incorporação desta ou daquela "novidade" nãoestá condicionada por uma reflexão nacional própria de suficiente densidade esofisticação. Isso se ajusta bastante bem, por outro lado, a certo padrão decolaboração internacional estratificada, onde a expectativa dos teorizadores"centrais" é com frequência a de que sejamos os fornecedores de "matéria-prima" brasileira para suas elaborações de grande alcance (padrão este quetem contrapartida mesmo internamente ao país: na fórmula com que alguém osintetizou numa reunião – francesa... – em que procurei descrever suas facesinterna e externa, "Paris pensa o mundo, São Paulo pensa o Brasil, Recifepensa o Nordeste").

Naturalmente, não se trata aqui de estimular um "nacionalismo"sociocientífico à maneira, por exemplo, de certas propostas nascidas doInstituto Superior de Estudos Brasileiros décadas atrás. É claro que não vamoster ciência social de boa qualidade senão na medida em que ela esteja aberta àprodução e aos debates internacionais. Mas há uma série de traços perversos

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que se articulam com o provincianismo apontado e cuja consequência éintelectualmente negativa e esterilizante.

Acima de tudo, o provincianismo e a subordinação intelectual comfrequência formam uma liga especial com a imagem, de que se falou acima,da teoria como algo "etéreo", impropriamente "abstrato" ou "literário" e emúltima análise supérfluo: já que a reflexão teórica "verdadeira" é a querealizam europeus e americanos, passa-se a ter um critério crucial derelevância da produção sociocientífica desenvolvida no país no fato de que elaesteja diretamente referida à "realidade" – que é antes de mais nada a realidadebrasileira, naturalmente. Nessa óptica, boa ciência social é aquela que, comalguma reverência aos modelos ou abordagens “quentes” do momento, sedirige a problemas empíricos e práticos prementes, os quais vêm a ser osproblemas socialmente relevantes na sociedade em que vivemos. Omite-se,

assim, a ponderação crucial de que não saberemos sequer definir compropriedade nossos problemas empíricos e práticos se não tivermos condiçõesde refletir com sofisticação adequada a respeito deles, vale dizer, se nãoformos teoricamente sofisticados. E o critério antiteórico de relevância resultanuma contextualização prematura e torta do objeto de estudo, na qual o Brasilse torna o horizonte insuperável da reflexão e das atividades de pesquisadesenvolvidas.

Uma variante algo peculiar e muito comum das posturas associadas como provincianismo se mostra como uma espécie de contraface da que se acabade descrever, embora os resultados no plano intelectual sejam semelhantes. Aoinvés da reverência diante da produção dos cientistas sociais dos paísesdesenvolvidos, o que se tem aqui é propriamente um nacionalismo maisafirmativo: a ciência social internacional e os modelos, análises e teorias por ela elaborados (salvo certos casos especiais, como o de algum marxismo a quese adira) são desqualificados liminarmente como irrelevantes dadas as"peculiaridades" ou "especificidades" brasileiras (ou talvez latino-americanas,periféricas...), tudo redundando, de maneira confusa e pouco explícita, emrecomendar o esforço de apreensão de nossa realidade em termos que se

poderiam descrever talvez como "idiográficos".5 Naturalmente, tal variante5 Um exemplo dessa perspectiva se tem com o trabalho influente de Francisco Weffort (1978, cap.6, especialmente pp. 128 e seguintes e 136) sobre o populismo brasileiro, com a crítica às teorias damodernização e da mobilização que aí se faz – em última análise inconsistente, aliás, dado odesenvolvimento subsequente do argumento de Weffort. Alguns colegas provavelmente selembrarão da estridente crítica dirigida por Theotônio dos Santos, no encontro anual da própriaAnpocs em 1989, a minha tentativa de utilizar dados e análises relativos aos eleitores europeus eamericanos para compará-los com nossos próprios resultados sobre o eleitorado brasileiro, crítica

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teria dificuldade para explicar, de forma consistente com a desqualificaçãomencionada, como sabe que somos peculiares, ou como chega a separar o quenos é específico daquilo que, presumivelmente, compartilhamos com outrospovos.

Ao nacionalismo provinciano da referência eterna e imediatista aoBrasil, portanto, é possível contrapor a idéia de uma afirmação teórico-metodológica de nossa ciência social que tem como condição indispensável ade ser intelectualmente cosmopolita e aberta. Em tal postura cosmopolita,contudo, muito mais importante do que o fato de que estaremos lendo o que seproduz internacionalmente (coisa que, afinal, fazemos avidamente em nossoprovincianismo dependente) é o fato de que, de horizonte e contextoinsuperável de enquadramento de nossa reflexão, o Brasil se tornarápropriamente um caso – o qual, com toda a inevitável importância prática de

que se reveste para nós e impondo-se, como consequência, forçosamente anossa atenção, não poderá constituir-se como tal e ser apreendido mesmo emsua especificidade ou singularidade senão através de uma atividade que énecessariamente teórica, generalizante ou nomológica, analiticamenterequintada, comparativa... Em vez de "narrar" singelamente o Brasil, ou amultiplicidade infinita de aspectos da vida brasileira, e de erigir no trabalhocorrespondente a indigência analítica em virtude, o desafio consiste, por assimdizer, em transformar, nas diferentes áreas de problemas, nosso fatal"contexto" brasileiro em variável – ou seja, em explicitar as dimensõesanalíticas cuja articulação permitiria, no limite, dar conta de maneiraparcimoniosa tanto daquilo que o configura como caso particular quanto deoutros casos que dele se apartam por alguns aspectos e se aproximam por outros.6

Mas há ainda certo desdobramento de grande importância quanto aostatus da pesquisa ou reflexão sobre o Brasil em sua relação com asabordagens ou teorias elaboradas no plano internacional, especialmente nospaíses desenvolvidos. Refiro-me a uma forma particular que tende comfrequência a assumir o empenho de contrapor a realidade brasileira (ou latino-

americana) e seu estudo, por um lado, e os esforços analíticos realizados por cientistas sociais dos países ocidentais avançados, por outro. Aqui não se trataapenas de sustentar que somos especiais, como na variante indicada acima,

que se baseava justamente nas “especificidades” brasileiras e latino-americanas. Para a elaboraçãodo contraste entre o “idiográfico” e o nomotético ou nomológico, veja-se Przeworski e Teune(1970).6 O livro citado de Przeworski e Teune (1970) provavelmente segue sendo a mais lúcida discussãosistemática do problema geral aí envolvido.

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mas de dizer que somos especiais de maneira especial: somos sentimentais ouafetivos, a-racionais, provavelmente ignorantes, propensos a um "imaginário"particularmente vigoroso, mais aptos a ser representados por Caliban do quepor Ariel etc. etc. – com a consequência de que os modelos e abordagenselaborados nos países centrais devem ser substituídos por outros não apenasdistintos, mas supostamente mais capazes de apreender essa característicaespecífica e suas manifestações em áreas diversas de problemas.7 É oportunoassinalar que o postulado aí contido é de uso frequente também no campogeral da antropologia: como correção ao racionalismo ocidental, o apegoreiterado ao princípio que alguém chamou com ironia (não lembro quem, masnossos colegas antropólogos certamente nos poderão ajudar) de "princípio dePago-Pago": lá em Pago-Pago é diferente...

Não pretendo meter-me aqui no debate provocado pela publicação de O

Espelho de Próspero, de Richard Morse (1988), a mais recente reiteraçãodessa perspectiva geral, que nos chega ironicamente pelas mãos de um norte-americano. Por um lado, creio que a produção intelectual dessa espécie temseu lugar, com frequência representando leitura estilisticamente atraente e ricaem idéias de algum tipo – embora confesse minha impaciência com a tinta e otutano gastos, com o objetivo de caracterizar estruturas sociais de âmbitocontinental e de história multissecular, em torno de dois ou três personagensde certa confusa peça teatral de princípios do século XVII... Por outro lado,quanto ao conteúdo mesmo dos postulados centrais envolvidos, estouconvencido de que a contraposição entre uma esfera de racionalidadeinstrumental ou "técnica" e a "outra" esfera, como quer que se designe (aesfera do "prático", do dialógico, do comunicacional, do comunitário, do"identificante", do moral – ou talvez do motivacional ou "energético", dopassional, do supostamente "irracional" ou a-racional), não tem condições deservir consistentemente de fundamento seja à distinção entre diferentesâmbitos institucionais, planos ou níveis da vida social, seja, com mais razão, àdistinção entre povos ou sociedades. E creio que essa tese pode ser demonstrada convincentemente mesmo por referência aos esforços na direçãocontrária de autores da estatura intelectual de um Habermas.8 Acrescento aqui

apenas um breve lembrete sobre certo aspecto (frequentemente negligenciadoem sua importância) dos trabalhos de Weber com respeito ao tema geral da

7 Um aspecto especialmente curioso, ou mesmo perverso, ligado a essa postura foi destacada por Sérgio Paulo Rouanet (1990) em sátira publicada no Jornal do Brasil : o de que a valorização dostraços que supostamente nos caracterizariam (através de sua identificação com ideais pré-capitalistas e comunitários, a serem contrapostos ao racionalismo instrumental e predatório doOcidente) é ela própria, em boa medida, importada da Europa e dos Estados Unidos.8 Veja-se Fábio W. Reis (1984), onde as idéias de Habermas são discutidas de maneira extensa.

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racionalidade e do racionalismo ocidental, trabalhos estes que sempre setomam como referência em conexão com tais problemas: o de que, afinal, oesforço weberiano de diagnosticar e compreender o racionalismo ocidentalinclui não somente o estudo de temas como a burocracia e o capitalismo, mastambém toda a sociologia weberiana das religiões – e não porque estasapareçam como elemento de contraste, mas pela importância atribuída aodesenvolvimento religioso como parte intrínseca e mesmo crucial de umprocesso secular visto como de racionalização.9

III

Seja como for que se queira avaliar a contribuição de historiadores deinclinação literária à la Morse, o aspecto recém-indicado, em que a idéia deabordagens mais ou menos apropriadas à problemática brasileira se mescla

com a questão do maior ou menor apego a uma perspectiva fiel à tradiçãoracionalista e iluminista, se revelou presente, de maneira importante e algosurpreendente, em debates recentes de cientistas políticos brasileiros sobrequestões específicas de nossa atualidade. Vou deter-me um pouco sobre o queé talvez sua manifestação mais recente nesses termos, que se relaciona com ainterpretação da eleição presidencial de 1989. Creio que essa manifestaçãopode ser tomada, por mais de um traço, como especialmente instrutiva quantoa certas dificuldades com que continuam a defrontar-se as ciências sociais nopaís e quanto à conexão de tais dificuldades com o problema do status a ser atribuído ao instrumental teórico-metodológico. Um aspecto pelo qual elapode ser destacada é o da participação, que discuto em seguida, de umprofissional da ciência social brasileira, José Murilo de Carvalho, que vemfirmando merecida reputação de historiador sério e competente e cujo trabalhorepresenta, em geral, um exemplo de como o artificialismo de certas fronteirasdisciplinares pode ser rompido com proveito.

De qualquer forma, um ponto saliente dos debates relativos à eleição de1989, e especialmente do chamado "fenômeno Collor", girou em torno daacuidade com que os fatos observados seriam apreendidos por modelos de

explicação alternativos referidos seja à consideração racional de interesses,seja ao papel de fatores relativos ao "imaginário coletivo" de cunho a-racionalou propriamente irracional. Num texto exemplar de José Murilo de Carvalho9 Veja-se Wolfgang Schluchter (1981) para uma releitura de Weber feita com extraordináriacompetência e que destaca esse aspecto. Esse livro me parece de grande importância teórica,representando contribuição inestimável para a eventual correção de equívocos que prosperaminterminavelmente no largo espectro que vai – para ficar no lado “iluminista” do amplo debatesubjacente – de um Habermas aos adeptos da abordagem da rational choice.

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(1989, pp. 10-11) em que o problema é tomado explicitamente nesses termos,o confronto dos dois enfoques ou "tipos de análise" se faz acompanhar daproposição de que a abordagem da consideração racional de interesses "podefuncionar bem em democracias organizadas e estáveis, particularmente emmomentos de normalidade", onde se teria "um mundo de razão" e seriaportanto "mais fácil o cálculo racional da ação, a escolha dos meios adequadosaos fins". Mas, sustenta-se, "não é assim em sociedades como a nossa". Eapesar de que as análises pertinentes partam "sempre do suposto de que aspessoas tenham interesses bem claros e que formulem suas opções políticasem função desses interesses" (o que teria correspondência com "o arsenalnormalmente utilizado pelos analistas da política"), motivos vários levariam aque, no Brasil, se descerrem "as cortinas do mundo do sonho, dos desejos, dosmedos", isto é, de um mundo que "extravasa os limites do cálculo instrumentalque é suposto para o bom funcionamento do mecanismo ideológico-

partidário"; daí que tenhamos o predomínio das "paixões", ocasionalmente da"cólera".

Várias observações de interesse para nosso problema geral se podemfazer a respeito dessa análise.

1. Em primeiro lugar, ela está longe de fazer justiça à sofisticação noexame da questão da racionalidade entre os "analistas da política" na literaturageral (internacional) sobre o assunto, e as afirmações a respeito de um arsenal"normal" desses analistas ou de supostos de que se parte "sempre" servemapenas à conveniência de permitir contrapor-lhes um enfoque alternativosupostamente mais adequado ao... contexto brasileiro. Tais afirmaçõesignoram olimpicamente: (a) o vasto debate, relativamente à explicação docomportamento político em geral e do comportamento especificamenteeleitoral, entre os adeptos de uma perspectiva "sociológica" convencional, deum lado, e de uma orientação "econômica" propensa a destacar aracionalidade e os interesses, de outro; (b) os refinados estudos empiricamenteorientados que se realizam de longa data já na área de uma sociologiaeleitoral mais convencional e que se têm dedicado extensamente a aferir os

graus, matizes e correlatos da ocorrência de formas mais ou menos racionaisou intelectualmente sofisticadas de relacionamento dos eleitores com apolítica (vejam-se, por exemplo, os clássicos estudos de Phillip Converse ecolaboradores sobre o tema da ideological  constraint ); (c) a extraordináriasofisticação de muito da literatura produzida nas últimas duas décadas,aproximadamente, mesmo no campo estrito da abordagem da rational  choice,onde, embora se trate em princípio de defensores da racionalidade como

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categoria central das ciências sociais, os resultados até aqui obtidos têmlevado à elaboração profusa e ricamente matizada dos problemas pertinentes ea um trabalho de reformulação conceitual e metodológica que prometeredundar na redefinição da própria "fronteira" da ciência socialcontemporânea, para não falar das convencionais fronteiras interdisciplinares(para destacar um nome, veja-se a abundante produção de um Jon Elster).10

2. Em segundo lugar, a análise de José Murilo de Carvalho faz tambémcaso omisso da própria literatura brasileira dedicada ao estudo de nossoprocesso eleitoral, a qual há tempos tem tido na questão da racionalidade doeleitor um de seus temas centrais e, pelo menos em parte substancial dela, nãoapenas é muito mais sofisticada na consideração desse tema do que seesperaria com base no texto de José Murilo, mas também, cumpre dizer, estácertamente muito além, dada sua sofisticação, do simplismo que José Murilo

mesmo restaura.

Assim, talvez me seja permitido lembrar que em 1988, isto é, no anoanterior ao da eleição presidencial vencida por Collor, a Revista Brasileira de

Ciências Sociais publicava um artigo de minha autoria (F. W. Reis, 1988b)que se dirige justamente ao tema da racionalidade no campo da política e àsrelações que aí mantém com o tema da identidade, tema este que é pelo menosclaramente afim aos elementos do "imaginário" acima descritos em conexãocom o texto em questão. Preparado para um seminário internacional dedicadoa avaliar os méritos e dificuldades da abordagem da escolha racional, o artigoexplora com cuidado tanto a tensão quanto as articulações entre o fococaracterístico dessa abordagem, onde a racionalidade "instrumental" aparececomo categoria básica, e os temas "expressivos" ligados à identidade, quenormalmente são contrapostos à rational  choice e vistos como requerendo otratamento próprio da ciência social "convencional". A posição teórico-metodológica geral que nele é defendida parte da contraposição entre duasnoções de ideologia (a ideologia no sentido da sociologia do conhecimento,que envolve a referência a difusos elementos condicionantes da identidade esupostamente propensos a induzir distorções cognitivas, e a ideologia política,

que destaca, ao contrário, certa caracteristica marcadamente "instrumental"ligada à ação política e supõe a capacidade de "descentração" cognitiva e deestruturação racional do universo sociopolítico) para explorar as formas10 Em particular, um exemplo das vastas perspectivas abertas pela colaboração interdisciplinar naárea se tem com Jon Elster (1986), onde as discussões (que aliás se abrem com problemas relativosao comportamento eleitoral) de economistas, cientistas políticos, filósofos, psicólogos etc. tornamrealmente difícil manter diante dos olhos aquilo a que se referem contrastes simplistas como razão-imaginário.

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diversas de articulação entre os elementos de identidade e deinstrumentalidade/racionalidade em diferentes situações. Como suporte para aanálise, o artigo recorre extensamente a material empírico relativo ao processoeleitoral brasileiro, material este discutido em textos que tenho publicado pelomenos desde 1978 (F. W. Reis, 1978, 1983, 1985 e 1988c) e cujo focoprincipal foi desde o início precisamente o esforço de avaliar os matizesassociados com a presença diferenciada de opiniões e atitudes mais ou menospassíveis de serem descritas como racionais e as correlações que tais matizesapresentam com variáveis ou fatores diversos. Da análise assim conduzidaresultou, por exemplo, a idéia de uma forma especial de se combinarem, juntoaos estratos populares do eleitorado brasileiro (e em contraste com o que sepode eventualmente encontrar não apenas entre eleitores de outros países, mastambém de outros estratos sociais do próprio Brasil), os elementos "a-racionais", por um lado, ligados à articulação entre identidades pessoais e

coletivas, e, por outro, os elementos de instrumentalidade e cálculo – combinação esta que tenho designado como "a síndrome do Flamengo" e que(podendo ser posta em correspondência com outras "síndromes", do país ou defora dele, em termos analiticamente precisos que se referem às conjugaçõesvariadas dos elementos envolvidos) acredito habilitar-se a ser levada em contapara a explicação de ocorrências como o "fenômeno Collor" (em boa medida,diga-se, justamente por não pretender ser uma explicação "especificamente"do "fenômeno Collor"). Ressalte-se ainda que tal preocupação de apreensãoanaliticamente flexível dos temas ligados à racionalidade do eleitorado não serestringe ao caso isolado do meu próprio trabalho, mas pode ser encontradanos esforços de outros especialistas brasileiros que têm trabalhado na mesmaárea e com alguns dos quais colaborei em certas ocasiões, como Bolivar Lamounier, Olavo Brasil de Lima Junior, Marcus Figueiredo etc. (o que nãosignifica, naturalmente, que eu concorde com as análises específicasrealizadas por cada um deles em diferentes momentos). Não há, no texto deJosé Murilo, qualquer indício de que tenha tomado conhecimento dabibliografia correspondente.

3. Mas o que importa aqui não é a conhecida precariedade da

comunicação e do debate sociocientífico no país que mais uma vez se revela,com respeito ao texto em questão, na falta de atenção exibida por José Muriloaté mesmo para com o trabalho de amigos chegados relativamente ao temaque se propôs discutir. O que importa é antes o inequívoco empobrecimentoanalítico que daí resulta, e que tem diretamente a ver com o papel a ser cumprido, na atividade sociocientífica, por uma postura de preocupaçãoteórica, nomológica e generalizante.

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Assim, se se toma a ênfase que dá José Murilo ao papel do imaginário edos fatores "passionais" na sociedade brasileira, como acomodar essa ênfasecom o destaque que correntemente recebem os fatores relacionados com traçoscomo o "fisiologismo", o "clientelismo" e a vigência da chamada "lei deGerson", os quais seriam supostamente também característicos, em medidaimportante, da mesma sociedade brasileira? Naturalmente, a ênfase nessestraços aponta antes a presença do cálculo (racional...) de interesses, sendo arazão das reiteradas denúncias (incluídas as do próprio José Murilo, se bemme lembro) de uma "crise ética" brasileira. Além disso, tais traçosaproximariam nosso país do "pragmatismo" que muitos assinalam comocaracterístico da vida política das democracias ocidentais "organizadas eestáveis" de que fala José Murilo. É claro que o diagnóstico adequado dessarealidade multifacetada (que, aliás, não é singular quanto a isso) exigirá bem

mais do que o equipamento e a disposição resultantes da contraposição singelade enfoques ou "tipos de análise" da natureza dos que se acham em discussão.

Creio, porém, dada a crucialidade da questão geral para nosso debate,que vale a pena o esforço didático de apresentar a posição aqui defendidaatravés da referência direta à análise de alguns dos dados empíricosanteriormente citados.11 O fato de que se trate de dados de survey servirátambém para ilustrar e reforçar a recomendação feita acima de maior ênfaseno treinamento nessa técnica em nossos programas de ensino, bem como atese da sensibilização para a articulação plástica e fecunda entre teoria etrabalho empírico que se pode ter aí.

A análise mencionada se faz sobre dados coletados em Juiz de Fora por ocasião das eleições municipais de 1976. Um ponto central de interesse dapesquisa então executada tinha a ver com a correlação eventualmente existenteentre a preferência partidária ou a decisão de voto dos eleitores, por um lado,e, por outro, as opiniões por eles mantidas com respeito a questões diversas dodebate político corrente (desde a avaliação feita das agruras resultantes docusto de vida até a opinião sobre questões de natureza político-institucional

como o Ato Institucional no. 5 então em vigor). Tabulados os dados na formamais simples (com o cruzamento "bivariado" das respostas sobre voto oupreferência partidária, de um lado, e cada um dos diferentes itens de opinião,de outro, ou agregando-se a esse cruzamento simples apenas o controle daposição socioeconômica dos entrevistados), as distribuições observadas

11 A discussão minuciosa e os dados relevantes podem ser encontrados em meu “Classe Social eOpção Partidária” (F. W. Reis, 1978), especialmente pp. 264 e seguintes.

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frustravam a expectativa da existência de correlações, indicando que apreferˆncia por ARENA ou MDB (ou a decisão de votar pelos candidatos deum ou outro partido) pouco ou nada tinha a ver com a opinião manifestada arespeito não só de coisas como o AI-5 ou o voto direto ou indireto para aPresidência da República, mas também como a avaliação do custo de vida oudos resultados das políticas governamentais em diferentes áreas etc. Naverdade, as correlações da preferência partidária ou do comportamentoeleitoral com as opiniões dos eleitores estudados só se davam, em algumamedida, nos estratos socioeconômicos mais altos. Os dados se opunham,portanto, neste nível de aprofundamento da análise, a um "modelo" ouabordagem que pretendesse destacar a imagem de um eleitor racional cujasdecisões eleitorais estivessem orientadas pelo cálculo referido à defesa deinteresses, pois tal defesa naturalmente exigiria a avaliação da posição dospartidos perante o governo e das características do governo e de sua atuação

quanto a problemas diversos nos quais tais interesses estariam supostamenteem jogo.

Ocorre, porém, que a avaliação dos partidos e da atuação do própriogoverno passa, naturalmente, pelo plano da percepção dos eleitores. E umareflexão um pouco mais detida sobre as suposições envolvidas na expectativade que ocorressem as correlações mencionadas mostra que ela envolve umasuposição crucial – na verdade, crucial ao ponto da banalidade, com aconsequência de não ser explicitada: a de que os eleitores votariam neste ounaquele partido não simplesmente por terem esta ou aquela opinião sobredeterminado assunto, mas antes por perceberem a existência decorrespondência entre a sua própria posição sobre o assunto e a posição dopartido. Os dados disponíveis permitiam o teste da hipótese nessa forma maiselaborada e explícita, pois incluíam, a respeito de diversos itens específicos,não apenas informações sobre a opinião dos eleitores entrevistados, mastambém sobre a posição por eles atribuída aos partidos relativamente a cadaitem. Assim, recorrendo simultaneamente a informações sobre quatrovariáveis (renda familiar, voto, opinião do eleitor sobre determinado assunto eposição por ele atribuída a certo partido sobre o mesmo assunto), tabularam-se

os dados de forma a se ter, nos diferentes estratos socioeconômicos, adistribuição dos votos segundo as várias configurações (congruentes eincongruentes) formadas pela combinação da opinião do entrevistado sobrecada item com a opinião por ele atribuída aos partidos. Observadas as novastabelas assim produzidas, eureca! – lá estavam, claríssimas, as correlaçõesesperadas: em todos os níveis socioeconômicos, incluídos os n¡veis de maior pobreza, a tendência geral observada era inequivocamente a de se

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concentrarem os votos nas celas correspondentes aos casos de congruênciaentre as posições dos eleitores e as posições percebidas como sendo as dopartido em questão com respeito a cada item. Não apenas estaríamos, assim,diante de um verdadeiro ovo de Colombo (o de que a coerência a ser observada no comportamento do eleitor deve referir-se a suas própriaspercepções e informações, e não ao fato de ajustar-se a certo padrão "objetivo"que o analista bem informado tenha em mente); esse ovo de Colombo teria,ademais, um alcance especial, pois revelaria que os eleitores, afinal, mesmo osmais pobres e deseducados, são racionais. Ainda que possam ocasionalmentecarecer de informação adequada a respeito de assuntos diversos, aí incluídasas posições dos partidos sobre esta ou aquela questão, eles se mostrariamconsequentes e coerentes nas conexões estabelecidas entre posições e opiniõespolíticas, de um lado, e, de outro, a decisão de votar por um ou outrocandidato ou partido.

Essa leitura dos dados captura, sem dúvida, parte de sua real substância.Não há como negar a evidência gritante que eles representam da busca decoerência. Nova reflexão, porém, nos defronta com um problema decisivo,que diz respeito a como avaliar essa constatação do ponto de vista dosignificado a ser atribuído à preferência por determinado partido ou àidentificação com ele. Pois as observações recém-descritas podem ser interpretadas de duas maneiras antagônicas: seja como indicando que a opçãopartidária se estabelece em decorrência da posição assumida pelos eleitoresperante os problemas e da posterior avaliação da posição dos partidos diantedeles; seja como indicando, ao contrário, que, uma vez fixada a simpatiapartidária, talvez em função de uma imagem difusa onde entrariam fatores"espúrios" se considerados do ponto de vista do modelo de eleitor estritamente"racional", os eleitores atribuiriam simplesmente aos partidos (condicionadosdiferencialmente nisso pelos variados graus de informação de que dispõem) asposições que sua simpatia ou antipatia lhes dita como corretas ou adequadas.Ora, como os eleitores efetivamente dispõem (e nossos dados o mostravamfartamente) de níveis gerais muito diversos de informação, os quais variamainda amplamente de um assunto a outro, a própria estabilidade do padrão

"congruente" agora encontrado, isto é, o fato de que ele tende a ocorrer independentemente dos níveis de informação e da natureza dos assuntosenvolvidos, leva a supor que a segunda interpretação seja a correta na grandemaioria dos casos.

De novo, os dados disponíveis permitiam que se fosse além da meraconjectura a esse respeito e que se testassem as interpretações alternativas

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indicadas através de tabulações um pouco mais complexas. Com efeito, erapossível tomar em consideração a preferência partidária declarada peloseleitores entrevistados e tratar de ver como se comportavam as relações entreo voto e a congruência das configurações acima mencionadas quando mantidasob controle aquela preferência. Naturalmente, se a opção partidária estivessedeterminada pela percepção da correspondência entre a própria posição e aposição dos partidos perante os problemas, seria de esperar que a eventualpercepção, por parte dos eleitores estudados, de incongruências entre aposição de seu partido preferido e a sua própria – ou de congruências entreesta e a do partido adversário – afetasse de maneira significativa a decisão devoto. Feito o teste, vai de novo a pique o modelo do eleitor "racional", se estaexpressão é tomada em certo sentido mais estreito e mais exigente. Pois o quese vê, em síntese, é que, naqueles casos em que os entrevistados declaramidentificar-se com (ou ter preferência por) um partido ou outro, a congruência

ou incongruência percebida entre as próprias posições e as dos partidos équase inteiramente irrelevante no condicionamento do voto, o qual tende a ser totalmente determinado pela identificação partidária. Quer atribuam àARENA, por exemplo, posição contrária ou a favor do voto direto, quer talposição corresponda ou não à sua própria, quer simplesmente não saibam qualé a posição do partido a respeito, os eleitores estudados tendem a concentrar maciçamente seus votos no partido de sua preferência, seja MDB ou ARENA– e só entre os que não têm preferência partidária é que se nota dispersão nadecisão de voto, deixando patente a maior importância de que aí se reveste aopinião dos próprios eleitores quanto a problemas específicos e sua relaçãocom a posição dos partidos.

Do ponto de vista de nossa discussão, o significado de tudo isso é,acredito, evidente: o contraste, tido como transcendental, entre o modelo doeleitor "racional" e o do eleitor "não-racional" ("identificante", solidário...)reduz-se em boa medida, no exame cuidadoso do assunto, a uma questão decomo se tabulam os dados. É, portanto, algo a ser estudado em seus matizes àluz dos dados e da teorização simultaneamente tão parcimoniosa quantopossível e tão complexa quanto necessário para dar conta de tais matizes, e

não algo a ser tomado como justificando postular que um modelo ou outroseja em princípio e de uma vez por todas o adequado a determinado“contexto”. Pois o esforço apropriado de teorização redundará precisamentena possibilidade de caracterizar parcimoniosamente uma multiplicidade de"contextos". Assim, não há por que tratar como "irracional" o desinformadoeleitor popular brasileiro de que se acaba de falar – mas é crucial darmo-nosconta de que o fator de coerência e racionalidade em seu comportamento

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político-eleitoral é justamente o sentido difuso e cognitivamente precário deuma identidade popular, a qual pode ser contraposta a identidades definidas demaneira intelectualmente mais complexa e refinada, com frequência atravésdo próprio envolvimento político. De outro ângulo, fica igualmente evidenteque a noção mesma de racionalidade, por fundamental e até indispensável queseja como instrumento analítico nas ciências humanas e sociais (e estoupessoalmente convencido de que o é), pode ser tomada quer no sentido de umatautologia em que qualquer ação como tal é necessariamente racional (desdeque nos disponhamos a "resgatar" apropriadamente a perspectiva do agente nasituação em que se encontra inserido e com as informações de que dispõe arespeito desta e de sua própria inserção nela);12 quer no sentido de uma açãoque seja ela própria cognitiva e intelectualmente sofisticada, necessariamentemanipulando um volume supostamente "adequado" de informações edecidindo com o "distanciamento" e a "descentração" necessários à obtenção e

ao apropriado processamento de tais informações.

A primeira dessas duas noções aparentadas mas distinguíveis deracionalidade se encontra subjacente a muito da literatura teórica altamenteabstrata da rational  choice, que faz dela um instrumento fecundo apesar (ouantes, por causa) de seu caráter tautológico. Ela claramente não pode bastar,porém, à perspectiva em que o esforço de teorização corresponda a umapreocupação mais diretamente prática ou "crítica", ou simplesmente que nãopretenda desconhecer que o interesse das abstrações teóricas reside em quesejam aplicáveis a circunstâncias e casos diversos. Aqui, não há como escapar da possibilidade (e da necessidade) de considerar graus de racionalidade emconexão com o volume de informações processadas e com a postura mais oumenos metódica ou ponderada no processamento delas, nem como deixar derecorrer à possibilidade de distinguir dois tipos de agente e de ação: emprimeiro lugar, o agente informado e lúcido, capaz (ao agir de maneira queterá sempre necessariamente um importante componente "instrumental" se for efetivamente informada e lúcida) de "descentrar-se" com respeito a suascondições dadas e estímulos imediatos e de ser fiel a objetivos maiores ou demais longo prazo (ou mesmo a certo ideal de vida ou a certo princípio moral,

vale dizer, a certa identidade que ele próprio escolhe em medida importante,tornando-se assim "o autor de si mesmo", como diria Hannah Arendt); e, por contraste, o agente que se pode ilustrar com o eleitor pobre e desinformado12 Lembro sempre neste contexto o aforismo de Chesterton: “Louco é aquele que perdeu tudomenos a razão”. Nessa óptica, mesmo o comportamento do louco revelará sua racionalidade se,contornando o que será talvez sua perda crucial, ou seja, a da conexão “realista” com o mundo, nosdispusermos a recuperar ou compreender a lógica de seu comportamento em termos das ilusões queo cercam.

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que emerge da discussão anterior e que é necessariamente míope, passível emprinc¡pio de ser manipulado quer "instrumentalmente" em razão de suaspremências "fisiológicas", em sentido bem estrito, quer, de maneira diversa,em razão de "imagens" através das quais se apela a sua identidadeindigentemente definida de "pobre" ou "descamisado" – e mesmo, semdúvida, de "trabalhador", "brasileiro" etc. Do ponto de vista do cidadão-eleitor e de suas "chances vitais", não há mais racionalidade na primeira forma demanipulaçã do que na segunda, ou mais irracionalidade nesta do que naquela.

IV

De maneira independente do contraste entre modelos "racionais" e "não-racionais" (embora talvez não inteiramente independente da tendência avincular o nacional com certo padrão geral que contrasta negativamente e um

tanto prontamente com o padrão "ocidental"), problemas análogos aos queacabo de tentar ilustrar e discutir por referência ao texto recente de JoséMurilo de Carvalho ocorrem com frequência, a meu ver, no trabalho deimportantes cientistas sociais brasileiros, para não falar do feijão-com-arrozque normalmente se produz em nossos programas de mestrado e doutorado.Cito duas conhecidas análises que me parecem ilustrar deficiências deinvestimento teórico e das quais me ocupei diretamente em textos epublicações anteriores. Refiro-me a análises realizadas há tempos por SimonSchwartzman (1970) e Wanderley Guilherme dos Santos (1979) e ao uso nelasfeito do contraste entre "representação" e "cooptação", em um caso, e danoção de "cidadania regulada", em outro.

Não se trata, naturalmente, de cometer a evidente impropriedade dedizer que sempre que tenhamos a cunhagem de qualquer categoria com a qualse procure indicar sinteticamente as características (talvez "essenciais") de umcaso particular ou de um conjunto ou tipo de casos particulares estejamosdiante de algo criticável. Tal exagero seria claramente inconsistente com arecomendação metodológica, explicitada anteriormente, com respeito àreconstituição analítica de "casos" ou instâncias do fenômeno que se trata de

conceitualizar, reconstituição esta a ser feita através do esclarecimento damaneira pela qual se conjugam as variáveis ou dimensões pertinentes e queredundará justamente nessa tipificação ou especificação (correspondendo, por exemplo, ao meu próprio recurso à idéia de uma "síndrome" especial paracaracterizar o eleitorado popular brasileiro). O ponto problemático consisteantes em que o trabalho analítico requerido para a caracterização dos casospode ser impropriamente abreviado ou tomado com excessiva ligeireza – e, no

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limite, suprimido na consagração de modelos apriorísticos que se tornam elesmesmos, não o resultado da análise, mas instrumentos supostamenteadequados ou requeridos para a explicação deste ou daquele "contexto", com atendência a que tudo que diga respeito a este último passe a ser visto sob a luzespecial do modelo.

Os trabalhos mencionados de Simon e Wanderley me parecem merecer reparos diferentes desse ponto de vista. Simon e eu nos envolvemos anos atrásnum debate que teve alguma ressonância,13 de maneira que aqui bastaráressaltar duas ou três observações. O ponto central de minha críticacorresponde ao fato de que, no uso feito da distinção entre representação ecooptação, Simon claramente oscila entre, por um lado, certa perspectiva emque aquela distinção se refere a formas de participação política cuja ocorrênciacaberia (ou cumpriria) explicar e, por outro lado, uma perspectiva alternativa

em que as categorias em questão se tornam modelos explicativos elas próprias.A segunda perspectiva predomina inequivocamente, e Simon pretende quecada uma das categorias seja a que se tem de aplicar para caracterizar osprocessos sociopolíticos correspondentes a partes específicas do Brasil(representação em São Paulo, cooptação no "eixo Minas-Rio"). Aconsequência geral é que se torna imposs¡vel – de maneira análoga àsdificuldades encontradas na proposta de José Murilo acima examinada – dar conta adequadamente de uma série de complexidades e matizes que osprocessos pertinentes envolvem em cada um dos "contextos" assimprecariamente definidos, complexidades estas que um instrumental analíticode maior ambição teórica poderia pretender processar de maneira"econômica".

Quanto ao trabalho de Wanderley, que discuti numa publicação recente(F. W. Reis, 1989),14 o problema é certamente diferente. Trata-se aí de umesforço de mobilização mais flexível de categorias teóricas para o diagnósticode um caso particular. Creio, porém, que vale a pena tomá-lo a propósito dadefesa que aqui se faz da importância do investimento em teoria por exemplificar um esforço que fica bem aquém da complexidade envolvida no

assunto tratado e cujo resultado é em seguida apropriado por outros e utilizadode maneira rombuda e algo "mágica". Com efeito, o tema geral da políticasocial me parece representar uma das áreas mais carregadas de equívocos e

13 Vejam-se especialmente Fábio W. Reis (1974 e 1977) e Simon Schwartzman (1977).14 Aproveito a oportunidade para registrar o calamitoso trabalho realizado pelos responsáveis (nãoidentificados) pela edição do volume, com a profunda adulteração (que às vezes se torna mesmoridícula) do como consequência da revisão feita por algum revisor presumido e semi-analfabeto.

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noção de cidadania, elemento este que inevitavelmente se liga com a idéia deum disciplinamento legal da conduta dos cidadãos e que se mostra relevante,naturalmente, em qualquer das esferas ou dimensões da cidadania.15 Mas,mesmo se reduzimos o exame do problema apenas ao lado dos direitos docidadão, é bem claro que a expansão de tais direitos de uma esfera a outra(civil, política, social) envolve a necessidade de consagrá-los legalmente e detrazer o estado a respaldá-los, o que vai bem além do aspecto mais óbvio dosencargos de natureza nova que a dimensão social da cidadania tende aacarretar para o estado como agente direto na produção de certos bens eserviços. Ainda que cada passo contenha sempre um elemento de regulaçãodo estado, que adquire ele próprio obrigações com o enriquecimentodemocrático da cidadania, cada passo significará também necessariamente oincremento da regulação pelo estado no cumprimento de tais obrigações.

Resta, então, quanto à noção de cidadania "regulada", o aspecto depossível controle ou manipulação por um estado concebido comopropriamente autoritário. Mas as dificuldades continuam. Em primeiro lugar,dá-se o fato de que, pelo menos desde a experiência bismarckista naAlemanha, iniciativas que resultaram bem-sucedidas e de grande alcance naárea da política social com frequência ocorreram no quadro de regimespoliticamente autoritários – e poder-se-ia falar aqui até da expansão da própriaprevidência social brasileira no pós-64. Além disso, é preciso questionar aligação estabelecida por Wanderley entre o aspecto de manipulaçãoautoritária, por um lado, e, por outro, os traços de corporativismo na formaque assumem na caracterização reproduzida, com suas consequências"estratificantes" do ponto de vista ocupacional.

Note-se que aí se encontra envolvido o fundamento mesmo da distinçãousualmente estabelecida entre certas categorias de política de proteção social,especialmente seguro social, previdência e assistência. Ora, duas ponderaçõessão necessárias a respeito. Por um lado, o mecanismo ocupacionalmenteestratificante destacado por Wanderley corresponde claramente à categoria doseguro social, onde os benefícios são proporcionais à contribuição paga pelo

segurado, categoria esta que continua a existir como uma forma de proteçãosocial entre outras mesmo em sociedades democráticas. É difícil perceber por que, a rigor, o fato de que comece por aí a atuação de um estado que passa aatuar na área da proteção social deva merecer avaliação negativa,

15 Veja-se, por exemplo, George Armstrong Kelly (1979), onde a dimensão “civil” da cidadania écontraposta à dimensão “cívica”, a qual é vista em correspondência com o sentido deresponsabilidade perante a coletividade.

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isso com recursos oriundos de sua inserção no mercado: naturalmente, issoredunda em privilegiar os mecanismos de mercado para a própria definição dacidadania. 

Finalmente, oscilações análogas e interpretações igualmente equívocaspodem ser encontradas em análises da política social brasileira realizadas por Sônia Fleury Teixeira (1984). Por um lado, distinguindo entre "assistênciasocial", "seguro social" e "estado de bem-estar social" como modalidades deproteção social, a autora começa por atribuir caráter marcadamente negativo àassistência social, vista em termos semelhantes à caracterização que dela fazIsuani; em seguida, porém, a prestação de assistência social é incluída entre ostraços próprios da modalidade correspondente ao estado de bem-estar social,onde se dá a "cidadania plena". Por outro lado, o seguro social, se é vistonegativamente, à maneira de Wanderley, como "cidadania regulada", é

também descrito em tom claramente positivo como correspondendo àquelacondição na qual "a classe operária é reconhecida como ator qualificado naordem política e econômica" (p. 341).

Em todos esses casos, vê-se claramente que defrontamos certaambivalência fundamental, a qual na verdade é inerente à idéia mesma decidadania tal como circula na literatura sociocientífica e de filosofia política.Cidadania real é, por um lado, aquela condição à qual se incorpora comoelemento crucial o elemento correspondente à perspectiva moderna do "civil"(ou "liberal") e na qual os membros da coletividade se afirmam por si mesmos(elemento este que, na verdade, já se mostra presente mesmo no mundoclássico se se tem em mente a perspectiva aristotélica-arendtiana em que ocidadão se qualifica como tal antes de mais nada por ser um "monarca" ou"tirano" na esfera privada ou do oikos, isto é, por controlar a família e osescravos e estar consequentemente livre para os assuntos da pólis). Por outrolado, contudo, a necessidade de lidar com o caso dos que não podem afirmar-se por si mesmos leva a que a noção seja reformulada para incluir uminevitável ingrediente paternalista, que seria inerente à própria idéia da"proteção social" e à dimensão social, como tal, da cidadania. Nesta segunda

acepção, a idéia da proteção que seria devida por corresponder a um direitodecorrente da inserção igualitária na comunidade recorre de maneira equívocaao solidarismo das virtudes "cívicas" tradicionais, no qual o cidadão éconvidado, no extremo heróico de tais virtudes, a dar a vida pela comunidade:dulce et decorum est pro patria mori, diz a máxima lembrada por G. A. Kelly(1979) a propósito do ethos próprio do civismo clássico. E o cidadão por excelência, se é inicialmente o titular de direitos que são exercitados na

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atuação privada e que, se necessário, são afirmados contra o estado (e contraos demais), torna-se em seguida aquele que reconhece suas responsabilidadesperante a coletividade (em particular perante os membros destituídos dacoletividade) e que se dispõe a outorgar ao estado os recursos e a autoridadenecessários para que possa agir no interesse da coletividade. Mas a literaturaem exame não se coloca a questão de se e como as implicações contraditóriasque derivam dos pressupostos contrastantes envolvidos (e que remetem adifíceis polêmicas, relacionadas, por exemplo, ao contraste entre asperspectivas doutrinárias do contratualismo e do utilitarismo) podemefetivamente conciliar-se. Daí que se confunda na avaliação de situaçõesconcretas que procura examinar, e se entregue a denúncias de significaçãoequívoca.16 Se voltamos a Wanderley e à "cidadania regulada", por um lado sepretende, naturalmente, que a cidadania venha a ser não regulada; por outro,contudo, se critica que as disposições instauradas pelo estado simplesmente

consagrem diferenças que vêm do mercado, ou seja, pede-se mais regulação...

V

Num momento de relaxamento em certo trabalho que executávamos emcolaboração anos atrás, com a participação de outras pessoas, Bolivar Lamounier, com a verve conhecida, se dedicou bem-humoradamente acaricaturar o estilo intelectual de cada um. Lembro que o meu próprio estiloapareceu, sob risada geral, como o do absorto observador, munido de lupa, aexaminar atentamente determinada extremidade de uma tabela hipercomplexa,onde se combinariam muitas variáveis, cada uma com múltiplos valores.

Quero declarar que me reconheço na caricatura, e a reivindico comoilustração aproximadamente adequada da postura que procuro defender, e emúltima análise da forma em que me parece necessário tratar de acoplar teoria ereferência empírica. Acrescento que essa reivindicação supõe, naturalmente,que o momento do exame daquela extremidade particular seja um momentoentre muitos outros, em que o restante da grande tabela seja apropriadamentesubmetido à lupa e a visão de conjunto se recupere – e em que a própria tabela

se veja substituída por outras, talvez mais complexas, com novas variáveis,todas culminando eventualmente numa bela tabela simples e sintética. Seposso avançar na tentativa de substituir a caricatura por uma representação16 Como aliás se dá também, com frequência, na literatura “central” relacionada com a políticasocial. Exemplos se têm em certos diagnósticos relativos ao welfare state, a propósito do qualKelly, no artigo citado, fala de “cidadania negativa”, enquanto Habermas (1975) denuncia a posturade “cliente”, por contraste com a de cidadão. A discussão feita em meu artigo anteriormente citado(F. W. Reis, 1989) dirige-se também a essa literatura teórica.

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mais adequada do trabalho, ela certamente envolve o reconhecimento de que omomento de olhar tabelas é, ele próprio, apenas um momento especial – masque boa parte dos outros momentos, de reflexão tanto quanto possívelimaginosa e rica, estarão sem dúvida guiados por indagações relacionadascom as formas possíveis de decomposição analítica e eventual reconstruçãosintética dos problemas em exame; vale dizer, pela indagação de se não seriapossível dispor tudo em tabelas, não necessariamente numéricas, mas semprepiagetianamente plásticas e operacionais em sua complexidade variável.17

Creio que essa postura, bem entendida, não tem por que ser vista comoantagônica à melhor inspiração universalista da antropologia, de que nos falaMariza Peirano em sua arejada contribuição ao presente debate. Para tomar algumas das fórmulas por ela utilizadas, "desafiar os conceitos estabelecidos"e "refinar problemas e conceitos" (ou, em particular, relativizar e refinar os

conceitos e proposições cunhados por referência a um particular contextoocidental e talvez "racionalista", se tal refinamento não quiser reduzir-se aoque enuncia o princípio de Pago-Pago) são coisas que correspondemperfeitamente à atitude acima descrita, onde a disposição teórica e a vocaçãonomológica (que a antropologia compartilha em correspondência com seuuniversalismo, quer Mariza e outros o reconheçam ou não) não são mais que acontraface e a expressão da capacidade de "descentração" cognitiva. Contudo,ressalvada a legitimidade do recurso a técnicas específicas variadas, a posturaque me parece recomendável seguramente se opõe a um suposto "pluralismo"que, valendo-se de certas ressonâncias que essa expressão apresenta emcomum com a tolerância e a abertura requeridas pelo debate intelectual, na

17 Isso enseja uma referência proveitosa a certa passagem do texto preparado por Mariza Peiranopara esta reunião (“Os Antropólogos e Suas Linhagens”, também publicado na Revista Brasileirade Ciências Sociais, no. 16, ano 6, julho de 1991). Acolhendo minha própria menção irônica aos“longos depoimentos em estado bruto de mulheres da periferia urbana” e tomando o recursoexagerado a eles como expressão de falta de talento, Mariza assinala que talvez equivalham, na áreada antropologia, às “necessárias mas não menos enfadonhas descrições de tabelas estatísticas, por exemplo”. Creio que isso é sustentável se se trata de destacar propriamente as descrições de tabelasestatísticas e o efeito que elas podem ter sobre o caráter mais ou menos ameno ou agradável daleitura que um texto, como tal, propicia. É importante ter presente, porém, que, no caso da

manipulação e tabulação de dados acima descrita, bem longe da expectativa de que os dados e oobjeto de estudo falem por si mesmos, entre os dados brutos e o leitor se interpõem o analista e osprocedimentos por ele adotados no processamento que é necessariamente teórico dos dados – procedimentos estes que são passíveis de ser controlados em sua acuidade precisamente emconexão com sua referência às articulações previstas pela teoria entre diferentes aspectos dos dados.O método compartilha, portanto, de maneira explícita e intencional, do caráter reflexivo que Piagetaponta nos procedimentos lógicos como tal, onde não se trata da abstração referida diretamente aosobjetos, mas de uma abstração de “segundo grau” referida às próprias operações do sujeito. Veja-se,por exemplo, Jean Piaget (1973, pp. 17 e seguintes).

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verdade redunda em pretender consagrar o convívio supostamente tolerante eigualitário de posições, perspectivas ou "abordagens" que em muitos casosquerem dispensar -se do debate. O que tende a resultar de tal "pluralismo" éuma pirueta claramente afim à "proeza paradoxal das ideologias" queHabermas assinala, na qual as barreiras à comunicação que transformam emficção a presunção de que cada um é capaz de autojustificar-se "sustentam aomesmo tempo a crença legitimadora em que se baseia a ficção e que a impedede ser desvendada".18 Daí que cada iniciativa no sentido de estabelecer odebate autêntico possa sempre ser tratada, pelo cientista social "pluralista",como apenas nova exibição do ponto de vista "peculiar" de quem toma ainiciativa – ou talvez de seu pathos, para usar a expressão com que eu própriofui simpaticamente brindado, no ano passado, por nossa querida ManuelaCunha.

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18 Jürgen Habermas, “Vorbereitende Bemerkungen zu einer Theorie der KommunikativenKompetenz”, citado conforme Thomas McCarthy, “Translator’s Introduction”, em JürgenHabermas (1975, p. xv).

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