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Nas redes sociais, a influência de cada um vai muito além do que se pensava Uma equipa de cientistas portugueses mostrou que, nas redes online como o Facebook ou o Twitter, a influência das opiniões e atitudes dos utilizadores se faz sentir até aos amigos dos amigos dos seus amigos Basta uma convocatória por um punhado de pessoas no Facebook para milhares saírem à rua Matemática AnaGerschenfeltl Da mesma forma que o bater de asas de uma borboleta em Nova lorque pode desencadear uma tempestade em Tóquio, as opiniões que estamos constantemente a proclamar perante os nossos amigos nas redes sociais online podem repercutir-se, sem nunca o virmos a saber, nos compor- tamentos e opiniões de muitas pesso- as que não conhecemos nem nunca viremos a conhecer. Uma equipa de investigadores portugueses acaba, com efeito, de mostrar, simulando modelos matemáticos por computa- dor, que, de uma forma geral, o nos- so raio de influência social se estende até aos amigos dos amigos dos nossos amigos. Os seus resultados vão ser publicados nos próximos dias na re- vista Physical Review Letters. O efeito que a partilha de opiniões, emoções, modas, atitudes ou precon- ceitos de um ser humano pode ter so- bre as diversas escolhas feitas pelos seus familiares e amigos não é em si uma novidade. Mas o que é mais surpreendente é a existência de uma espécie de "influência social à dis- tância", capaz de surtir o seu efeito sobre um círculo muito maior de pes- soas, quer as conheçamos, quer não. alguns anos que diversos es- tudos têm vindo a sugerir que, nas sociedades humanas, a influência de cada um sobre os seus pares era muito mais extensa do que se po- deria imaginar. Mais precisamente, com base num estudo sobre saúde cardiovascular, realizado ao longo de décadas junto da população da localidade de Framingham, no Mas- sachusetts (EUA), dois cientistas norte-americanos, James Fowler e Nicholas Christakis, concluíam que existiam, entre os elementos da re- de de participantes no estudo, "três graus de influência" ao nível de as- pectos tão díspares como o consumo

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  • Nas redes sociais, a influncia de cadaum vai muito alm do que se pensavaUma equipa de cientistas portugueses mostrou que, nas redes online como o Facebook ou o Twitter, ainfluncia das opinies e atitudes dos utilizadores se faz sentir at aos amigos dos amigos dos seus amigos

    Basta uma convocatria por um punhado de pessoas no Facebook para milhares sarem rua

    MatemticaAnaGerschenfeltl

    Da mesma forma que o bater de asasde uma borboleta em Nova lorquepode desencadear uma tempestadeem Tquio, as opinies que estamosconstantemente a proclamar peranteos nossos amigos nas redes sociaisonline podem repercutir-se, semnunca o virmos a saber, nos compor-tamentos e opinies de muitas pesso-as que no conhecemos nem nuncaviremos a conhecer. Uma equipa deinvestigadores portugueses acaba,com efeito, de mostrar, simulandomodelos matemticos por computa-

    dor, que, de uma forma geral, o nos-so raio de influncia social se estendeat aos amigos dos amigos dos nossos

    amigos. Os seus resultados vo serpublicados nos prximos dias na re-vista Physical Review Letters.O efeito que a partilha de opinies,

    emoes, modas, atitudes ou precon-ceitos de um ser humano pode ter so-bre as diversas escolhas feitas pelosseus familiares e amigos no em siuma novidade. Mas o que j maissurpreendente a existncia de umaespcie de "influncia social dis-tncia", capaz de surtir o seu efeitosobre um crculo muito maior de pes-soas, quer as conheamos, quer no.

    H j alguns anos que diversos es-tudos tm vindo a sugerir que, nassociedades humanas, a influnciade cada um sobre os seus pares eramuito mais extensa do que se po-deria imaginar. Mais precisamente,com base num estudo sobre sadecardiovascular, realizado ao longode dcadas junto da populao dalocalidade de Framingham, no Mas-sachusetts (EUA), dois cientistasnorte-americanos, James Fowler eNicholas Christakis, concluam queexistiam, entre os elementos da re-de de participantes no estudo, "trs

    graus de influncia" ao nvel de as-pectos to dspares como o consumo

  • de tabaco ou de lcool, a obesidade,o esprito de cooperao, a solidoou a felicidade.Por exemplo, no caso da obesida-

    de, essa regra dos trs graus de in-fluncia manifestava-se da forma se-guinte: no s o facto de uma pessoater um amigo obeso fazia aumentar oseu prprio risco de obesidade, co-mo tambm o facto de ter um amigode amigo obeso e mesmo um amigode amigo de amigo obeso (o tais trs

    graus de influncia). Claro que a in-tensidade do risco diminua medida

    que a "distncia social" entre as pes-soas aumentava, mas mesmo assim,a obesidade surgia como algo suscep-tvel de ser transmitido de forma re-mota entre desconhecidos, simples-mente pelo facto de estarem ligadosentre si por contactos sociais comuns.Hoje em dia, "estudos deste tipo

    j mostraram como as redes sociaisafectam a propagao das questesde sade, das ideias, dos comporta-mentos criminais, das decises eco-nmicas, dos nveis de desempenhoescolar ou de cooperao, entre ou-tros traos humanos", escrevem noseu artigo Flvio Pinheiro, Marta San-tos, Francisco Santos e Jorge Pache-

    co, numa colaborao do Instituto

    para a Investigao Multidisciplinarda Universidade de Lisboa, do Insti-tuto Superior Tcnico e das universi-dades de Aveiro e do Minho.Mais ainda: o estudo de uma co-

    munidade de caadores-recolectoresda Tanznia tambm revelou a pre-sena, embora mais limitada, deste

    tipo de influncia social distncia.

    Por estas razes, a equipa portu-guesa quis ir mais longe, tentandodeterminar se o fenmeno seria ouno omnipresente nas sociedadeshumanas e nas teias de relaes quese formam dentro delas.Fenmeno bquo"A regra [dos trs graus de influncia]foi proposta com base num resultado

    emprico e, no nosso entender, eraimportante saber at que ponto esteresultado era verdadeiramente ge-ral (ou no)", disse Jorge Pacheco aoPBLICO. "O que fizemos foi testarisso - e conclumos, com surpresa,que o resultado bem mais geral do

    que seria de esperar."Para isso, explica-nos ainda este

    investigador, simularam trs meca-nismos diferentes de propagaoda informao: o da propagao dedoenas (processo de contgio), o da

    propagao de escolhas eleitorais oude boatos; e o da propagao da coo-

    perao entre pares. Por outro lado,tambm estudaram redes com diver-sas estruturas, como por exemplo"redes sociais pequenas, do tipo redede emails de uma escola ou pequenauniversidade" ou ainda redes sociaismuito maiores "como o Facebook e oTwitter", diz Jorge Pacheco."Estudmos quatro classes de

    redes diferentes, que sabemos con-duzem a dinmicas bem diferentesquando servem de suporte aos trs

    processos de propagao de infor-mao que considermos", explicaainda. "Ou seja, acho que crimos,teoricamente, as condies maispropcias a testar a generalidade ou

    no da regra [dos trs graus de influ-ncia]. E depois, corremos durantemuito tempo as simulaes compu-tacionais e analismos os muitos gi-gabytes de dados."Concluso: independentemente

    do processo de propagao da in-formao e em grande parte inde-pendentemente da estrutura da redesocial, o grau de influncia individualsituava-se volta de trs. "A regra dostrs graus de influncia tem efectiva-

    mente o dom da biquidade", resu-me Jorge Pacheco."Se ns somos assim, isso ter cer-

    tamente muitas aplicaes - comosempre, para o bem e para o mal",acrescenta o cientista. "Por exem-plo, o trabalho da NSA [a agnciade segurana norte-americana] naera ps-Edward Snowden pode-r ser mais fcil do que pensva-mos". Porqu? Porque, ao saberonde procurar nas redes - e agora,at que distncia -, a NSA poderaumentar a eficcia dos seus algo-ritmos de vigilncia dos cidados.Por outro lado, "se estivermos

    procura do primeiro evento de umnovo surto epidmico, os padres de[influncia] talvez nos possam forne-cer informaes importantes que noslevem mais rapidamente origem da

    epidemia", permitindo um melhorcontrolo da sua propagao. "E narea do marketing ou nas campanhaspolticas, poder ser possvel dese-nhar processos mais eficazes" parainfluenciar o maior nmero de pesso-as possvel. Admirvel mundo novo.