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A utilização pré-histórica da gruta de Porto Covo (Cascais) VICTOR S. GONÇALVES C T A COLECÇÃO CASCAIS TEMPOS ANTIGOS

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A colecção «CASCAIS, TEMPOS ANTIGOS» tem por objectivo a publicação de estudos monográficos sobre o passado mais remoto da área que é hoje o concelho de Cascais, e da sua envolvência imediata, das origens à emergência da nacionalidade. No entanto, o âmbito geográfico da colecção pode ser alargado, em situações concretas.

Entre 3000 e 2000 antes da nossa era, as Penínsulas de Lisboa e Setúbal compartilharam uma unidade cultural apreciável, designada por Savory como a «Cultura do Tejo». Os monu-mentos e sítios de esse período são o objecto das primeiras publicações de esta colecção, incluindo necrópoles como Porto Covo, Poço Velho, Alapraia e S. Pedro do Estoril, e povoados como a Parede, o Murtal ou o Estoril. Os materiais de antigas escavações serão assim objecto de publicações monográficas «defi-nitivas», tal como os que resultam de projectos que, em colaboração com a autarquia, estão neste momento a decorrer ou em curso de programação.A colecção «CASCAIS, TEMPOS ANTIGOS» é dirigida por Victor S. Gonçalves, professor catedrático da Universidade de Lisboa e Director da UNIARQ (o Centro de Arqueologia da U. L.), responsável pelo Projecto CASCA (Cascais: as antigas sociedades camponesas).

A Gruta de Porto Covo

A gruta de Porto Covo, tal como a de Poço Velho, fazia parte da estratégia de Carlos Ribeiro para o Congrés International d’Anthropologie et d’Archéologie Préhistoriques, IXème Session, que se realizou em Lisboa em 1880. A gruta foi escavada em Janeiro e Fevereiro de 1879 por Antó-nio Mendes, a mando de Carlos Ribeiro.A gruta foi objecto de duas publicações muito sumárias, em 1942 e 1954, e foi praticamente esquecida até à exposição «Cascais há 5000 anos», realizada pela Câmara Municipal de Cas-cais no Museu Nacional de Arqueologia, em Lisboa, e de que o Autor foi Comissário Científico. A exposição abria exactamente com a taça lisa, com pé, de Porto Covo.Publica-se agora um documento inédito, o relatório de António Mendes sobre a distribuição de tarefas pelos trabalhadores que escavaram a gruta, o que nos permite, pela primeira vez, ana-lisar o funcionamento e os ritmos de uma escavação do último quartel do século XIX em Por-tugal. A integralidade do espólio, incluindo os restos humanos, foi agora objecto de um estudo exaustivo, amplamente documentado e completado pelas datações pelo radiocarbono.

A gruta de Porto Covo foi uma pequena necrópole onde se depositaram sete indivíduos, segu-ramente três mulheres e duas crianças (com menos de cinco anos) e, quase certamente, dois homens.A sua pequena dimensão e situação isolada podem permitir a conclusão que se tratava de uma necrópole ocasional de um ou mais minúsculos núcleos de povoamento, nada estáveis, pela cronologia que os ossos revelaram.A ligação à terra de esses grupos lê-se através da simbólica, da importância dada ao machado, que corta as árvores, e à enxó, que limpa os troncos dos ramos adjacentes, os descasca e os prepara para funções antrópicas.Seis datações de radiocarbono permitiram identificar três momentos de utilização da gruta, dois no 4.º milénio, um no 3.º antes da nossa era. Os primeiros são atribuídos ao Neolítico médio e estas são as mais antigas datações absolutas obtidas, até agora, para Cascais. O último momento é atribuível ao Calcolítico, a Idade do Cobre, tão bem representada em Cascais.

C•T•ACOLECÇÃO

CASCAIST E M P O SANTIGOS

A utilização pré-histórica da gruta de Porto Covo (Cascais)VICTOR S. GONÇALVES

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CASCAIST E M P O SANTIGOS

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A UTILIZAÇÃO PRÉ-H

ISTÓRICA DA GRUTA DE PO

RTO COVO

(CASCAIS) VICTOR S. G

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A utilização pré-histórica da gruta de Porto Covo (Cascais)

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A utilização pré-histórica da gruta de Porto Covo (Cascais)Uma revisão e algumas novidades

TEXTO E FOTOGRAFIA

VICTOR S. GONÇALVES

COM UM ESTUDO DE ANTROPOLOGIA PORANA MARIA SILVA

CASCAIS, CÂMARA MUNICIPAL, 2008

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COLECÇÃO «CASCAIS TEMPOS ANTIGOS» EDITADA PELA CÂMARA MUNICIPAL DE CASCAISDIRIGIDA PELO PROF. VICTOR S. GONÇALVES

VOLUME 1Gonçalves, V. S. (2008) – A utilização pré-histórica da gruta de Porto Covo (Cascais). Uma revisão e algumas novidades

VOLUME 2Gonçalves, V. S.; Sousa, A. C., coordenadores (2008) – Transformação e Mudança no Centro e Sul de Portugal no 3.º milénio a.n.e. Actas do Colóquio Internacional

VOLUME 3Gonçalves, V. S. (2008) – A ocupação pré-histórica das furnas de Poço Velho (Cascais)

VOLUMES EM PREPARAÇÃOA morte e o mar: as grutas artifi ciais de S. Pedro do Estoril (3.º milénio a.n.e.)

As cerâmicas com entalhes ou impressões no bordo do povoado pré-histórico da Parede (Cascais)

Alapraia. Uma necrópole de grutas artifi ciais do 3.º milénio a.n.e. no seu espaço envolvente

F I C H A T É C N I C A

FOTOGRAFIA E TRATAMENTO DIGITAL DE IMAGEM Victor S. GonçalvesDESENHO DE MATERIAIS LÍTICOS Fernanda SousaDESENHO DE CERÂMICAS Guida CasellaANÁLISE DE METAL ITN, Grupo dirigido por Fátima AraújoTOPOGRAFIA Olímpio MartinsPESQUISA DE ARQUIVO Ana Ávila de MeloGESTÃO DE ARQUIVO Marisa Cardoso DESIGN GRÁFICO TVM DesignersIMPRESSÃO Gráfica MaiadouroTIRAGEM 2000 exemplaresISBN 978-972-637-185-4

DEPÓSITO LEGAL 283 722/08

Lisboa 2008

© do Autor e da Câmara Municipal de CascaisToda e qualquer reprodução de texto e imagem é interdita, sem a autorização escrita do Autor, ou dos seus representantes legais, nos termos da lei vigente, nomeadamente o Código do Direito de Autor e Direitos Conexos. Em powerpoints de carácter científico ou didáctico (e não comercial) a reprodução de imagens ou de partes do texto é permitida, com a condição de a origem e a autoria do texto ou das imagens serem expressamente indicadas no diaposi-tivo em que é feita a reprodução. Os direitos de autor da obra são extensíveis a todos os documentos, impressos ou manuscritos, com tratamento de imagem, nela publicados.

CASCA (Cascais: as antigas sociedades camponesas) é um Projecto de Investigação em curso no Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa (UNIARQ), no âmbito do «Grupo UM», a decorrer com o apoio da Câmara Municipal de Cascais e da FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia).

C•T•ACOLECÇÃO

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«…porque as coisas mais antigas se escondem no presente…»Introdução a Marketa Lazarová, de Frantisec Vlásil, 1967

«C’est dans la même zone de calcaire jurassique, sur le ver-sant méridional de la montagne de Cintra, que s’ouvre une autre grotte sépulcrale, celle de Porto Covo. Elle nous offrira les mêmes reliques d’un lointain passé, haches et herminettes en schiste argilo-siliceux, amphibolite, fibrolithe, etc. ; plusieurs vases entiers, bols à pied concave semblables aux nôtres, vases à fond hémisphérique et à ouverture évasée, caliciformes. Parmi les silex, il en est un qui rappelle exactement le type des amas de coquille (fig. 63), mais dans une dimension dou-ble. Enfin, il y avait une pointe en metal — cuivre ou bronze — ovale et à soie.»

Émile Cartailhac, 1886, p. 112-113

Dédié à un vieil ami, Jean Guilaine,dans l’année de sa jubilation du Collège de France

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Prefácio

Se há ciência que tem merecido a atenção dos investigadores que há mais de 100 anos traba-lham quase ininterruptamente em Cascais, essa disciplina científica é a Arqueologia. As razões para esta constatação são muito simples de enunciar. Em primeiro lugar, o estudo dos vestígios arqueológicos de Cascais tem tido, desde cerca de 1880, a atenção continuada e sistemática de alguns dos mais importantes investigadores nacionais.

Depois, porque os testemunhos dessas realidades passadas são muito significativos, tanto do ponto de vista da arquitectura dos monumentos como do espólio recolhido.

Por outro lado ainda, diversas foram as edições que, de forma muito ritmada, se publicaram sob variadas chancelas, o que criou, naturalmente, uma sadia habituação na forma como várias gerações de investigadores estudaram e publicaram, em diversas línguas, os resultados obtidos.

Desde a década de 60 do século XX, que a Câmara Municipal, na esteira da então Junta de Turismo de Cascais, tem dedicado muita atenção ao tema, liderando, a partir desta data, a investi-gação e a edição. Mais recentemente, em 2005, foi possível mostrar ao grande público no Museu Nacional de Arqueologia duas exposições simultâneas sobre um mesmo concelho, o que consti-tuiu – conforme referiu na ocasião o Director do Museu, Dr. Luís Raposo – um marco na história daquela instituição. Refiro-me às exposições: “Cascais há 5.000 anos” e “A Presença Romana em Cascais”.

A primeira dessas exposições foi comissariada pelo autor da presente monografia. Ali se incluiu uma apresentação dos testemunhos da ocupação humana na gruta de Porto Covo, loca-lizada nas faldas sul da Serra de Sintra. Esta gruta situa-se numa zona que, recentemente, tem também merecido a atenção da Agência Cascais-Natura, através da realização de vários progra-mas de valorização do património natural e histórico-cultural.

Na colecção que com este volume se inicia – Cascais, Tempos Antigos – iremos apresentar novas perspectivas sobre os espólios exumados nas grutas artificiais de Alapraia e de S. Pedro do Estoril, nas grutas naturais de Poço Velho, em Cascais, e no Povoado da Parede, bem como revelar dados inéditos sobre outros temas essenciais para o nosso conhecimento da Pré-história.

Ao iniciar a presente colecção com um volume sobre a gruta de Porto Covo evidencia-se a intenção de começar por aprofundar a investigação em sítios arqueológicos menos conhecidos.

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O estudo dos vestígios da ocupação humana da gruta de Porto Covo remonta ao final do século XIX, pelo geólogo Carlos Ribeiro, tendo sido aprofundado, já em meados do século XX, por Afonso do Paço e Maxime Vaultier. A considerável antiguidade destes trabalhos impli-cava, por isso, uma revisão e a publicação integral do espólio à luz dos conhecimentos actuais. Esse importante trabalho foi realizado pela mão do Prof. Doutor Victor S. Gonçalves, com a colabo-ração da Prof.ª Doutora Ana Maria Silva, que realizou a análise antropológica, e da Dr.ª Ana Ávila de Melo, que teve a seu cargo toda a pesquisa de arquivo no Instituto Geológico e Mineiro.

Mas permitam-me uma palavra mais demorada sobre o Prof. Doutor Victor S. Gonçalves. A atenção que este ilustre universitário tem dedicado à Pré-história recente do concelho de Cascais data do início dos anos 90, momento em que a partir de três estudos parcelares elaborou o livro Sítios, «Horizontes» e Artefactos. O seu interesse pela realidade arqueológica cascalense levou--o a sugerir a criação desta nova colecção de edições municipais, que agrupasse um conjunto de trabalhos da autoria de diversos investigadores, cuja primeira monografia é agora publicada.

Um estudo desta dimensão e alcance só foi, naturalmente, possível graças à colaboração de um conjunto de pessoas e instituições que estão referidas no volume, mas não será excessiva uma especial menção ao Instituto Geológico Mineiro, onde se conserva o arquivo dos inves-tigadores anteriores e parte das colecções arqueológicas, bem como ao seu actual Director, o Prof. Doutor Miguel Magalhães Ramalho, também ele um ilustre cidadão cascalense.

É, pois, com expectativa que aguardamos a publicação de outras monografias nesta colec-ção, agradecendo aos autores do presente estudo o magnífico trabalho que agora nos é dado a conhecer.

Cascais, 25 de Outubro de 2008

O Presidente da CâmaraANTÓNIO D’OREY CAPUCHO

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VICTOR S. GONÇALVES (1946.05.14) é professor catedrático da Universidade de Lisboa, onde criou e ensina as uni-dades lectivas Introdução à Arqueologia, Antigas Socie-dades Camponesas e Arqueologia da Morte. Fundou e dirige a UNIARQ (Centro de Arqueologia da Universi-dade de Lisboa), onde coordena o Grupo de Trabalho sobre as antigas Sociedades Camponesas. É respon-sável pelos três ciclos de ensino da Arqueologia na Faculdade de Letras de Lisboa (licenciatura, mestrado, doutoramento).Entre os seus livros, contam-se Megalitismo e Met-alurgia no Alto Algarve Oriental. Uma aproximação integrada (1989); Revendo as antas de Reguengos de Monsaraz (1992); Reguengos de Monsaraz, territórios megalíticos (1999); STAM-3, A anta 3 da Herdade de Santa Margarida (Reguengos de Monsaraz) (2003); Sítios, «Horizontes» e artefactos. Estudos sobre o 3.º milénio no Centro e Sul de Portugal (2.ª edição, 2003); Cascais há 5000 anos (2005); As placas de xisto gravadas dos monu-mentos colectivos de Aljezur (2005). Editou ainda Muitas antas, pouca gente? Actas do 1.º Colóquio Internacional sobre Megalitismo (2000) e Muita gente, poucas antas? Espaços, Origens e Contextos do Megalitismo. Actas do 2.º Colóquio internacional sobre Megalitismo (2003).

Assinou mais de 150 textos em Revistas da especiali-dade, em Portugal, Espanha, França e Bélgica. Salienta, nomeadamente, a série «Manifestações do sagrado na Pré-História do Ocidente Peninsular» (oito títulos publi-cados, tendo o autor especial afecto pelos n.os 4, 5, 7 e 8).Actualmente, prossegue o seu ciclo de investigação sobre as antigas sociedades camponesas em Cascais (Projecto CASCA), preparando a monografia sobre Alapraia e a revisão da necrópole de S. Pedro do Estoril. Coordena o Programa «PLACA NOSTRA», com o objec-tivo da publicação do Corpus impresso das placas de xisto gravadas (volumes em preparação sobre a Anta 1 do Paço de Aragão, o tholos do Escoural e a Anta Grande do Zambujeiro). A publicação da monografia sobre o complexo megalítico do Olival da Pega é também um dos seus objectivos a curto prazo. Escreve (e lê…), aliás, várias coisas ao mesmo tempo (um hábito antigo), hoje acompanhado por Pollini, Uchida e Argerich ao piano, e por uma das suas referências de infância, recente-mente reencontrada, Wilhelm Kempff. Com Darjeeling Brumas do Himalaia em copo japonês, um paradoxo histórico-cultural dos muitos que aprecia...

SHIU (UNIARQ «QUATRO»)

VSG, durante as escavações da gruta 3 de Alapraia, 2007.12.14. Foto Marisa Cardoso.

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T Á B U A

Abrindo o livro e contando a história 11

UM A LOCALIZAÇÃO, A DESCOBERTA, A ESCAVAÇÃO, A PRIMEIRA PUBLICAÇÃO 21

1. Localização e descrição sumária 232. A história do sítio. António Mendes e Carlos Ribeiro 36 2.1. O papel dos trabalhadores 46 2.2. A acção dos colectores 473. Afonso do Paço e Maxime Vaultier, 1942 624. Afonso do Paço e Maxime Vaultier, 1954 71

DOIS PORTO COVO: UMA REVISÃO 79

5. Os artefactos de pedra lascada 816. Os artefactos de pedra polida 86 6.1. As enxós 88 6.2. Os machados e o machadinho 89 6.3. Algumas considerações sobre a pedra polida de Porto Covo 917. Artefactos cerâmicos 128 7.1. A cerâmica pré-histórica 128 7.2. Artefactos cerâmicos da Idade do Ferro: os cossoiros ou pesos de fuso 1298. A ponta de projéctil «tipo Palmela» 1409. A fauna mamalógica 14310. A fauna malacológica 14511. Os ossos humanos (por Ana Maria Silva) 148 11.1. Em geral 148 11.2. Perfil demográfico da amostra 148 11.3. Análise morfológica 149 11.4. Os «males» dos indivíduos do Porto Covo: as patologias detectadas 149 11.5. Considerações finais 150

TRÊS PORTO COVO NOS SEUS TEMPOS 159

12. A cronologia absoluta: duas ocupações distintas no 4.º milénio, uma no 3.º 161 12.1. A cronologia disponível 161 12.2. Os agrupamentos de datações e o seu significado 16313. Porto Covo e o mundo de Poço Velho e S. Pedro do Estoril.

O caso da gruta 2 de S. Pedro do Estoril: a mesma história ou uma curiosa coincidência? 167 13.1. As cronologias 167 13.2. Os ritos da morte 168 13.3. Enxós e machados: da economia ao subsistema mágico-religioso 173 13.4. As cerâmicas campaniformes lisas…e as decoradas 179 13.5. A Grande Ausência: as cerâmicas caneladas 184 13.6. A concluir, se lugar há para conclusões: Porto Covo, o que foi 186

Referências 189 Agradecimentos 191 Anexos 193 Datações de radiocarbono, os Relatórios do Laboratório Beta Analytic 194 Abstract 202

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A UTILIZAÇÃO PRÉ-HISTÓRICA DA GRUTA DE PORTO COVO (CASCAIS). UMA REVISÃO E ALGUMAS NOVIDADES VICTOR S. GONÇALVES 11

Abrindo o livro e contando a história

A gruta de Porto Covo é uma cavidade cársica em si totalmente desinteressante, escavada em Janeiro e Fevereiro de 1879, a mando de Carlos Ribeiro, por uma equipa comandada por António Mendes.

Creio que esta escavação, tal como a de Poço Velho, fazia parte da estratégia de Carlos Ribeiro para o Congrés International d’Anthropologie et d’Archéologie Préhistoriques, IXème Session, que se realizaria em Lisboa no ano seguinte. Para além da discussão sobre a antiguidade do Homem e dos sílices da Ota, Carlos Ribeiro tiraria assim outros coelhos da cartola. Infelizmente, a sua doença, já visível nas fotografias de 1880, impediria projectos mais ambiciosos e a sua morte, dois anos depois, deixaria Porto Covo e Poço Velho por estudar, ainda que ambas tenham sido apresentadas aos congressistas através dos seus espólios, parte dos quais Émile Cartailhac repro-duziria no seu volume Les Âges Préhistoriques de l’Espagne et du Portugal (1886).

Alfredo Bensaúde, um pioneiro dos estudos de arqueometalurgia em Portugal, publicaria em 1888-1892, no segundo volume das Comunicações da Comissão dos Trabalhos Geológicos de Portu-gal, a sua «Notice sur quelques objets préhistoriques fabriqués en cuivre», onde comenta, entre outros, os resultados da análise da «ponta de seta» tipo Palmela recolhida em Cascais. Hesitei entre ser uma peça de Poço Velho ou esta de Porto Covo o objecto da análise, mas verificou-se que a primeira hipótese era a acertada.

Afonso do Paço e Maxime Vaultier apresentariam, em 18 de Junho de 1942, A gruta de Pôrto--Covo, uma comunicação ao Congresso da Associação Portuguesa para o Progresso das Ciências. O pequeno texto seria editado em volume no ano seguinte e uma «Separata» seria impressa pela Imprensa Portuguesa.

Os mesmos autores, doze anos depois, em 1954, levam ao IV Congreso Internacional de Ciências Prehistóricas e Protohistóricas (Madrid) uma adenda, de algum modo uma errata, na medida em que, graças aos trabalhos em S. Pedro do Estoril, tinham finalmente percebido, com alguma ajuda, que duas das três «taças» que tinham publicado eram afinal uma só, uma taça com pé, não deco-rada. As Actas do Congresso viriam a ser publicadas em Saragoça, dois anos depois.

Porto Covo acaba aqui, e assim continuaria, até que a autarquia de Cascais me encarrega, em 1993, de observar a gruta, no sentido de identificar possíveis áreas por escavar. Apenas alguns ossos de Cervus elaphus, com toda a probabilidade modernos, jaziam ainda no interior da gruta e só um trabalho de escavação – destruição – remoção das rochas laterais poderia contribuir para esclarecer a existência de outras salas, para além das identificadas por António Mendes, actual-mente de outro modo inacessíveis. Com os meios de então, não se justificava qualquer trabalho arqueológico. Mas o espólio das antigas escavações continuava por estudar.

Em 2004, ao planear para a Câmara de Cascais a Exposição «Cascais há 5000 anos», que teve lugar no Museu Nacional de Arqueologia, escolhi como peça de referência a taça com pé, lisa,

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VICTOR S. GONÇALVES A UTILIZAÇÃO PRÉ-HISTÓRICA DA GRUTA DE PORTO COVO (CASCAIS). UMA REVISÃO E ALGUMAS NOVIDADES12

FIG. 0-1. Caricatura de Carlos Ribeiro, que mandou escavar Porto Covo (e Poço Velho), por Rafael Bordallo Pinheiro, aquando do Congresso de Lisboa de 1880. É curioso verificar que a forte ironia e frequente acidez do excelente caricaturista focam aqui outros alvos e Carlos Ribeiro é claramente tratado com consideração e apreço.Legenda da caricatura: CARLOS RIBEIRO, O DESCOBRIDOR do homem terciario portuguez. — Quando alguns dos sabios nacionaes viram posta em duvida a authenticidade d’este descobrimento elles jubilaram muito, porque não ha coisa que mais alegre um sabio ambiguo do que encontrar um outro que lhe parece mais ambiguo ainda. Não obstante isso, o nome d’este forte e honrado trabalhador ficará gloriosamente ligado para todo e sempre a um dos mais importantes factos da sciencia europeia n’este seculo.

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A UTILIZAÇÃO PRÉ-HISTÓRICA DA GRUTA DE PORTO COVO (CASCAIS). UMA REVISÃO E ALGUMAS NOVIDADES VICTOR S. GONÇALVES 13

FIG. 0-2. Página de rosto da notável obra de Émile Cartailhac, Les Ages Préhistoriques de L’ Espagne et du Portugal, Paris, 1886, que inclui uma curta referência a Porto Covo.

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VICTOR S. GONÇALVES A UTILIZAÇÃO PRÉ-HISTÓRICA DA GRUTA DE PORTO COVO (CASCAIS). UMA REVISÃO E ALGUMAS NOVIDADES14

FIG. 0-3. Legendas em etiquetas antigas, coladas nos artefactos de Porto Covo, muito provavelmente em Março de 1879, e outras marcações, recentes:1: «Quinta de Porto Covo junto ao forno de ca[l] (Serra de Cintra)». Colada ao machado GPC-8. 2: Na etiqueta, legenda antiga, «Quinta de Por[to] Covo [junto ao forno d[a] cal. Serra de Cintra». Em baixo, legenda recente com GPC (Gruta de Porto Covo) 11, número de inventário para o machadinho de fibrolite. 3: Etiquetas com numerações codificadas impossíveis de identificar. Em cima, «28-2/ Porto Covo». Em baixo, «177». 4: Marcação recente com o nome do sítio e o código de referência da peça, a enxó GPC-16.

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A UTILIZAÇÃO PRÉ-HISTÓRICA DA GRUTA DE PORTO COVO (CASCAIS). UMA REVISÃO E ALGUMAS NOVIDADES VICTOR S. GONÇALVES 15

FIG. 0-4. Legendas soltas, hoje não conectadas aos ossos humanos a que originalmente se referiam. A segunda e a terceira deverão ser transcrições das etiquetas de campo, uma vez datadas de Março, com a escavação já terminada.1: «Por baixo da Lousa». Uma referência enigmática, não existindo xisto no local. 2: «Março de [19]79/ 300 m N 60 E da Caverna g[ran]de/ juntos à lança». Com a desetiquetização de estes ossos, perdeu-se uma boa oportunidade de datar as pontas de projéctil tipo Palmela…3: «Março de [19]79/ 300 m a N 60 E da Caverna g[rande]/ Na frente ao lado esquerdo a 0,50 de / profu[n]didade 1 metro». 4: Etiqueta moderna, referenciando uma caixa com ossos humanos não classificados.

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de Porto Covo, com a qual sempre tive uma curiosa relação de empatia. Abria, como a decoração da quilha de um veleiro, o grande expositor central. E, como não podia deixar de acontecer, des-pertou forte curiosidade pelo seu putativo contexto. Nada de mais natural, se considerarmos a relativa complexidade da forma e até mesmo, para alguns, eu à cabeça, o encanto daquela forma mal colada, sem o equilíbrio e o charme das taças com pé campaniformes de S. Pedro do Estoril. Tal motivação levou António Carvalho a interrogar-me se não valeria a pena reestudar o conjunto de forma autónoma, não o publicando em associação a Poço Velho. Como sempre, e tal como um velho amigo, há muito desaparecido, resisto a tudo, menos a (algumas) tentações…

Em 2007, foi confirmada a publicação independente dos materiais de Porto Covo, decorria então já a escrita da monografia sobre as furnas de Poço Velho.

Em vão procurei os ossos humanos, que buscava desde 2005, mas a descoberta, nos arquivos do IGM, do manuscrito de António Mendes sobre o pessoal alocado à escavação veio tornar ainda mais interessante essa tarefa e transformá-la, também, numa nova contribuição para a história da Arqueologia em Portugal no último quartel do séc. XIX. Finalmente, em Maio de 2008, apare-ceu uma caixa de cartão com os restos humanos e, ao lado!, as etiquetas que lhes tinham estado associadas.

E agora se apresenta o resultado das opções de trabalho então assumidas.Das facilidades nunca se fala, habitualmente, subentendidas que são a um processo estabi-

lizado de estudo e descrição dos materiais. Mas as dificuldades evocam-se quase sempre, nor-malmente como auto-justificação. No entanto, aqui, não foram muitas, basicamente a já referida dissociação de várias etiquetas das peças a que se referiam, uma situação resultante de um infe-liz inventário recente. Tal, no caso de Porto Covo, afectou sobretudo a fauna e os restos humanos, situação desgraçadamente irresolúvel.

Também o facto de a dimensão da amostra ser pequena veio permitir que maior atenção gráfica viesse a ser dada a numerosos detalhes, habitualmente, por falta de espaço, minimizados ou omi-tidos. Os grupos intuitivos de dimensão, para machados e enxós, ensaiados em Poço Velho, foram aqui cuidadosamente ponderados, o mesmo acontecendo a uma «novidade» tecnológica, o estudo, em primeira mão, do «golpe de enxó», que viria a conduzir a uma revisão do conjunto de Poço Velho, aliás numericamente bem mais representativo (49 enxós contra as cinco de Porto Covo).

A fotografia foi integralmente digital, usando-se uma Nikon D2X com objectivas micro Nikkor 60 mm e macro VR 100 mm.

A digitalização do «Mappa» dos trabalhos de António Mendes foi feita num scanner EPSON Expression A3. Devido à necessidade de preservar um manuscrito em estado problemático, não se forçou a paralelização das páginas com o plano ideal de captação de imagem. Tal originou, em algumas poucas páginas, alguma distorção. Mas antes isso que arriscar a deterioração do estado do documento original.

No tratamento de imagem, suprimi alguns pontos de oxidação mais óbvios, mas não alterei os valores de resolução ou aumentei o contraste.

OCR da Abby foi usado para a recuperação dos textos de Paço e Vaultier.

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FIG. 0-5. Etiqueta infelizmente totalmente aderente à ponta de projéctil de tipo Palmela, actualmente quase ilegível (reconhecem-se, no entanto, as referências «a E[ste] da Caverna g[rande]» e «Lança de cobre junto a pedra…». Esta etiqueta, tal como duas da figura anterior, indica «Março de 79». É esta a origem da confusão de Afonso do Paço e Maxime Vaultier que supunham ter sido este o mês da escavação. Na realidade, «Março» é o mês de entrada dos materiais da gruta na então Comissão dos Serviços Geológicos.

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Para as medições e o peso, usaram-se uma craveira digital Mitutoyo e uma balança de precisão Kern.

A reprodução de imagens seguiu normas fixas: escala 1:1 para quase todos os desenhos de artefactos (pelo seu tamanho, o desenho da grande taça com pé, lisa, teve que ser reduzido a 2:3, mas a escala gráfica esclarece a dimensão da redução). Escalas de 2:1 e 3:1 para as fotografias de artefactos líticos (a reprodução maior para os geométricos) e de 1:1 para as enxós e os machados, ainda que os detalhes sejam reproduzidos a escalas diferentes, não assinaladas (confrontar com os originais).

Informação complementar sobre as cerâmicas e a fauna, quando necessária, encontra-se no texto ou nas respectivas legendas.

Nas transcrições, mantive a escrita da época, não corrigindo nem acentuando, mas, no manus-crito de António Mendes, desdobrei as abreviaturas, usando [ ] para as letras que completaram as palavras.

A flexibilidade do junco não se opõe à firmeza do ginkgo biloba, desde 1972, junto ao Sena, uma das árvores das minhas várias vidas…

Cascais, Primavera de 2008VICTOR S. GONÇALVES

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1. Localização e descrição sumária

A gruta de Porto Covo localiza-se no Concelho de Cascais, freguesia de Alcabideche, próximo do limite com o Concelho de Sintra. Situa-se na vertente oriental de uma elevação rochosa, cerca de uma linha de água. Foi assim descrita «Ao Norte do Concelho de Cascais, no calcário jurássico da vertente meridional da serra de Sintra, fica situada uma gruta natural denominada de Pôrto-Covo, pela sua localização dentro da propriedade e margem (direita) da ribeira do mesmo nome, que vai desaguar a Cascais, com o apelativo de ribeira das Vinhas, depois de passar em frente das notáveis grutas pré-históricas do Poço-Velho.» (Paço e Vaultier, 1943, p. 5).

De acordo com as diversas possibilidades de referenciação, as suas coordenadas são as seguintes:

Datum 73 mx = -112224.149y = -100658.15

Datum Lisboa mx = -112224.202y = -100660.257

WGS84 latitude/longitude38° 45’ 15.84’’ N Lat09° 25’ 26.76’’ W Long

WGS84 UTM 29 mx = 463149.648y = 4289612.992

Carta militar 429 (1992).

Actualmente, consta basicamente de uma Sala, com duas derivações, não sendo impossível que outras se encontrem ocultas por derrocadas. A descrição dos trabalhos de 1879, por António Mendes, evidencia grandes acções de quebrar pedra, que certamente contribuíram para o aspecto actual da cavidade.

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FIG. 1-1. Localização da gruta de Porto Covo no actual território português (base cartográfica «PLACA NOSTRA»). Localização da gruta segundo Paço e Vaultier, 1943. Detalhe da área onde se implanta a gruta, Carta militar 429 (1992).

� FIG. 1-2. Localização da gruta na CMP 429 (1992), sendo visível os graus de afastamento da linha de costa para Sul e para Oeste.

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Concelho de Sintra

FIG. 1-3. Fotografia aérea da região onde se encontra a Gruta de Porto Covo (área densamente arborizada). Serviços Cartográficos da Câmara Municipal de Cascais.

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FIG. 1-4. (em cima) Acesso à gruta, actualmente escondido pela densa arborização. (em baixo) O vale da Ribeira de Porto Covo, hoje completamente seca.

� � FIG. 1-5. A actual entrada da Gruta.

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FIG. 1-7. Vegetação arbórea e arbustiva preenche a área em que se implanta a gruta.

�� FIG. 1-6. Vista para o exterior a partir da entrada da Gruta.

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FIG. 1-8. A visibilidade de e para o local é hoje muito limitada pela vegetação. A mesma situação pode perfeitamente ter-se verificado no 4.º e no 3.º milénios.

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FIG. 1-9. Imagens do interior da gruta, com áreas barradas por desabamentos. Não é improvável, bem pelo contrário, que haja ainda áreas por escavar sob as placas caídas. E, portanto, mais deposições funerárias da fase antiga. É porém difícil decidir sobre se o custo do investimento é justificado pelas expectativas científicas.

� FIG. 1-10. Aspecto das formações calcíticas da grande chaminé da actual única Sala da gruta.

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FIG. 1-11. (em cima) Acesso à gruta, após recente roubo da grade que protegia a entrada. A construção de este sector deve ter resultado dos esforços de Carlos Ribeiro para proteger a cavidade (carta de António Mendes, de 1879). (em baixo) Detalhe da parede da sala da gruta.

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FIG. 1-12. Levantamento topográfico da área actualmente acessível. Planta em escala 1:200.

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2. A história do sítio. António Mendes e Carlos Ribeiro

EM 29 DE JANEIRO DE 1879, o melhor colector que trabalhava com Carlos Ribeiro, o mesmo que che-fiaria a intervenção em Poço Velho, é enviado para a gruta de Porto Covo. Não possuímos outros textos sobre esta escavação, demorada para a época (30 dias), consideradas as suas reduzidas dimensões, salvo as notações em tabela que se transcrevem a seguir a este comentário. A par-tir de esse fascinante documento, podemos, de algum modo, reconstituir como funcionava uma escavação «institucional» no último quartel do século XIX.

Mappa diario do trabalho em que se empregão os Collectores e trabalhadores na exploração das Cavernas na Quinta d’ Porto Covo, Janeiro de [18]79

Meses Dias Purfi ção Nomes Em que se empregão

Jan[ei]ro 29 Collectores Ant[oni]o Mendes Derigindo os trabalhos e ajudando a encher cuvos

“ “ “ Joaq[ui]m Scola Faser comer até ao 1/2 dia depoiz vai p[ar]a o trabalho

“ “ “ José Carreira Encher cuvos

“ “ “ Mig[u]el Pedrozo A puchar

“ “ Trabalhadores Mig[u]el do Pendão A puchar

“ “ “ Pedro Augusto A puchar

“ 30 Collectores Ant[oni]o Mendes Ajudando a encher cuvos

“ “ “ Joaq[ui]m Scola Faser comer até ao 1/2 dia depois vai para o trabalho

“ “ “ José Carreira Encher cuvos

“ “ “ Mig[u]el Pedrozo Faser o caminho p[ar]a o carrinho

“ “ Trabalhadores Mig[u]el do Pendão Puchar

“ “ “ Pedro Augusto “ “

“ 31 Collectores Ant[oni]o MendesExplorar a caverna 300m a N e a E da C[aver]na g[ran]de apparecerão bucados de craneo

“ “ “ Joaq[ui]m Scola Faser comer até 1/2 dia depoiz vai p[ar]a o trabalho

“ “ “ José Carreira Encher cuvos

“ “ “ Mig[u]el Pedrozo A cavar dentro da caverna e ajudando a encher

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“ “ Trabalhadores Mig[u]el do Pendão Puchar

“ “ “ Pedro Augusto “ “ Neste dia foi p[ar]a Valle Fª as 3 da tarde

Fev[erei]ro 1 Collectores Ant[oni]o Mendes Na caverna g[ran]de ajudar a encher cuvos

“ “ “ Joaq[ui]m Scola Faser comer até ao 1/2 dia depoiz vai p[ar]a o trabalho

“ “ “ José Carreira Encher cuvos

“ “ “ Mig[u]el Pedrozo Puchar

“ “ Trabalhadores Mig[u]el do Pendão Puchar

“ “ “ Franc[isc]o da Cruz Dentro da caverna cavar com o picarete

“ 2 Collectores Ant[oni]o Mendes No desintulho 50m a NE da Caverna g[ran]de

“ “ “ Joaq[ui]m Scola Faser comer

“ “ “ José Carreira Encher cuvos

“ “ “ Mig[u]el Pedrozo Puchar

“ “ Trabalhadores Mig[u]el do Pendão Puchar

“ 3 Collectores Ant[oni]o Mendes Continuando no desintulho 50m a NE da Caverna g[ran]de

“ “ “ Ant[oni]o Monteiro idem Veio neste dia

“ “ “ Joaq[ui]m Scola Faser comer

“ “ “ José Carreira Encher cuvos

“ “ “ Mig[u]el Pedrozo Dentro da caverna a partir pedra

“ “ Trabalhadores Mig[u]el do Pendão Puchar

“ 4 Collectores Ant[oni]o Mendes Chigando pedra p[ar]a o pé dos cuvos

“ “ “ Ant[oni]o Monteiro idem

“ “ “ Joaq[ui]m Scola Faser comer

“ “ “ José Carreira Enchendo cuvos

“ “ “ Mig[u]el Pedrozo Cavar com o picarete

“ “ Trabalhadores Mig[u]el do Pendão Puchar

“ “ “ Florindo Duarte idem

“ 5 Collectores Ant[oni]o Mendes Desintulhando o corredor da caverna grande

“ “ “ Ant[oni]o Monteiro idem

“ “ “ Joaq[ui]m Scola Faser comer

“ “ “ José Carreira Enchendo cuvos

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“ “ “ Mig[u]el Pedrozo Cavar com o picarete

“ “ Trabalhadores Mig[u]el do Pendão Puchar

“ “ “ Florindo Duarte idem

“ 6 Collectores Ant[oni]o Mendes Continuando chigando pedra

“ “ “ Ant[oni]o Monteiro idem

“ “ “ Joaq[ui]m Scola Faser comer

“ “ “ José Carreira Enchendo cuvos

“ “ “ Mig[u]el Pedrozo Cavando e ajudando a encher

“ “ Trabalhadores Mig[u]el do Pendão Puchar

“ “ “ Florindo Duarte idem

“ 7 Collectores Ant[oni]o Mendes A faser furos

“ “ “ Ant[oni]o Monteiro Ajudando ao mesmo

“ “ “ Joaq[ui]m Scola Faser comer

“ “ “ José Carreira Enchendo cuvos

“ “ “ Mig[u]el Pedrozo Cavar com o picarete

“ “ Trabalhadores Mig[u]el do Pendão Puchar

“ “ “ Florindo Duarte idem

“ 8 Collectores Ant[oni]o Mendes Chigando pedra para o pé dos cuvos

“ “ “ Ant[oni]o Monteiro idem

“ “ “ Joaq[ui]m Scola Faser comer

“ “ “ José Carreira Enchendo cuvos

“ “ “ Mig[u]el Pedrozo Cavar e encher cuvos

“ “ Trabalhadores Mig[u]el do Pendão Puchar

“ “ “ Florindo Duarte idem

“ “ “ Franc[isc]o da Cruz Cavar com o picarete dentro da caverna g[ran]de

“ 9 Collectores Ant[oni]o Mendes Desintulhando

“ “ “ Ant[oni]o Monteiro Neste dia retirou para Bellas

“ “ “ Joaq[ui]m Scola Faser comer

“ “ “ José Carreira Enchendo cuvos

“ “ “ Mig[u]el Pedrozo Puchar revesando com o Florindo

“ “ Trabalhadores Mig[u]el do Pendão Puchar

“ “ “ Florindo Duarte idem A 1 hora foi com o Monteiro para traser cuvos g[ran]des

“ 10 Collectores Ant[oni]o Mendes Chigando pedra pa o pé dos cuvos

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“ “ “ Joaq[ui]m Scola Faser comer

“ “ “ José Carreira Enchendo cuvos

“ “ “ Mig[u]el Pedrozo Cavando

“ “ “ Ant[oni]o Fonteireira Ajudando a encher Veio neste dia

“ “ Trabalhadores Mig[u]el do Pendão Puchar Neste dia principiou a at[i]lhar o cuvo g[ran]de

“ “ “ Florindo Duarte “ “

“ “ “ Aug[us]to Mendes “ “ Veio neste dia

“ 11 Collectores Ant[oni]o Mendes Faser furos

“ “ “ Joaq[ui]m Scola Faser comer

“ “ “ José Carreira Enchendo cuvos

“ “ “ Mig[u]el Pedrozo Cavando

“ “ “ Ant[oni]o Fonteireira Ajudando a encher cuvos

“ “ Trabalhadores Mig[u]el do Pendão Puchar

“ “ “ Florindo Duarte “ “

“ “ “ Aug[us]to Mendes “ “

“ “ “ Franc[isc]o da Cruz Partir pedras dentro da caverna

“ 12 Collectores Ant[oni]o Mendes Chigando terra e pedras

“ “ “ Joaq[ui]m Scola Faser comer

“ “ “ José Carreira Enchendo cuvos

“ “ “ Mig[u]el Pedrozo Cavando e enchendo

“ “ “ Ant[oni]o Fonteireira idem

“ “ Trabalhadores Mig[u]el do Pendão Puchar

“ “ “ Florindo Duarte “ “

“ “ “ Aug[us]to Mendes “ “

“ “ “ Franc[isc]o da Cruz Cavar com o picarete

“ 13 Collectores Ant[oni]o Mendes Desintulhando uma caverna piquena no fundo da g[ran]de

“ “ “ Ant[oni]o Monteiro idem

“ “ “ Joaq[ui]m Scola Faser comer

“ “ “ José Carreira Enchendo cuvos

“ “ “ Mig[u]el Pedrozo Cavar com o picarete

“ “ “ Ant[oni]o Fonteireira Ajudando a encher

“ “ Trabalhadores Mig[u]el do Pendão Puchar

“ “ “ Florindo Duarte “ “

“ “ “ Aug[us]to Mendes “ “

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“ 14 Collectores Ant[oni]o Mendes No desintulho da mesma caverna piquena

“ “ “ Ant[oni]o Monteiro idem

“ “ “ Joaq[ui]m Scola Faser comer

“ “ “ José Carreira Enchendo cuvos

“ “ “ Mig[u]el Pedrozo Cavar e encher

“ “ “ Ant[oni]o Fonteireira idem

“ “ Trabalhadores Mig[u]el do Pendão Puchar

“ “ “ Florindo Duarte “ “

“ “ “ Aug[us]to Mendes “ “

“ “ “ Manuel Barruncho “ “ Chigou neste dia a noite

“ “ “ José Isidorio Faser comer Também chigou neste dia a noite

“ 15 Collectores Ant[oni]o Mendes Desintulhando a entrada da 2ª calla

“ “ “ Ant[oni]o Monteiro idem

“ “ “ Joaq[ui]m Scola Cavar com o picarete

“ “ “ José Carreira Enchendo cuvos

“ “ “ Mig[u]el Pedrozo Puchar

“ “ “ Ant[oni]o Fonteireira Ajudando a encher

“ “ Trabalhadores Mig[u]el do Pendão Puchar

“ “ “ Aug[us]to Mendes “ “

“ “ “ M[anu]el Barruncho “ “

“ “ “ José Isidorio Faser comer

“ 16 Collectores Ant[oni]o Mendes Ajudando a faser furos

“ “ “ Ant[oni]o Monteiro idem

“ “ “ Joaq[ui]m Scola Cavar com o picarete

“ “ “ José Carreira Encher cuvos

“ “ “ Mig[u]el Pedrozo Puchar

“ “ “ Ant[oni]o Fonteireira Ajudando a encher

“ “ Trabalhadores Mig[u]el do Pendão Puchar

“ “ “ Aug[us]to Mendes “ “

“ “ “ M[anu]el Barruncho “ “

“ “ “ José Isidorio Faser comer

“ 17 Collectores Ant[oni]o Mendes Chigando pedra para o pé dos cuvos

“ “ “ Ant[oni]o Monteiro Passando as a formiga

“ “ “ Joaq[ui]m Scola Cavando

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A UTILIZAÇÃO PRÉ-HISTÓRICA DA GRUTA DE PORTO COVO (CASCAIS). UMA REVISÃO E ALGUMAS NOVIDADES VICTOR S. GONÇALVES 41

“ “ “ José Carreira Encher cuvos

“ “ “ Mig[u]el Pedrozo Puchar

“ “ “ Ant[oni]o Fonteireira Ajudando a encher

“ “ Trabalhadores Mig[u]el do Pendão Puchar

“ “ “ Aug[us]to Mendes “ “

“ “ “ M[anu]el Barruncho “ “

“ “ “ José Isidorio Faser comer

“ 18 Collectores Ant[oni]o Mendes Duente

“ “ “ Ant[oni]o Monteiro Derigindo o trabalho

“ “ “ Joaq[ui]m Scola Cavar dentro da caverna

“ “ “ José Carreira Encher cuvos

“ “ “ Mig[u]el Pedrozo Puchar

“ “ “ Ant[oni]o Fonteireira Ajudando a encher

“ “ Trabalhadores Mig[u]el do Pendão Puchar

“ “ “ Aug[us]to Mendes “ “

“ “ “ M[anu]el Barruncho “ “

“ “ “ José Isidorio Faser comer

“ 19 Collectores Ant[oni]o Mendes Duente

“ “ “ Ant[oni]o Monteiro Derigindo o trabalho

“ “ “ Joaq[ui]m Scola Cavar com o picarete

“ “ “ José Carreira Enchendo cuvos

“ “ “ Mig[u]el Pedrozo Puchar

“ “ “ Ant[oni]o Fonteireira Encher cuvos

“ “ Trabalhadores Mig[u]el do Pendão Puchar

“ “ “ Aug[us]to Mendes “ “

“ “ “ M[anu]el Barruncho “ “

“ “ “ José Isidorio Faser comer

“ 20 Collectores Ant[oni]o Mendes Duente

“ “ “ Ant[oni]o Monteiro Derigindo o trabalho

“ “ “ Joaq[ui]m Scola Cavar com o picarete

“ “ “ José Carreira Encher cuvos

“ “ “ Mig[u]el Pedrozo Puchar

“ “ “ Ant[oni]o Fonteireira Ajudar a encher

“ “ Trabalhadores Mig[u]el do Pendão Puchar

“ “ “ Aug[us]to Mendes “ “

“ “ “ M[anu]el Barruncho “ “

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VICTOR S. GONÇALVES A UTILIZAÇÃO PRÉ-HISTÓRICA DA GRUTA DE PORTO COVO (CASCAIS). UMA REVISÃO E ALGUMAS NOVIDADES42

“ “ “ José Isidorio Faser comer

“ 21 Collectores Ant[oni]o Mendes Duente

“ “ “ Ant[oni]o Monteiro Derigindo o trabalho

“ “ “ Joaq[ui]m Scola Enchendo cuvos

“ “ “ José Carreira Cavar

“ “ “ Mig[u]el Pedrozo Puchar

“ “ “ Ant[oni]o Fonteireira Ajudando a encher

“ “ Trabalhadores Mig[u]el do Pendão Puchar

“ “ “ Aug[us]to Mendes “ “

“ “ “ M[anu]el Barruncho “ “

“ “ “ Franc[isc]o da Cruz Cavar com o picarete

“ “ “ José Isidorio Faser comer

“ 22 Collectores Ant[oni]o Mendes Duente

“ “ “ Ant[oni]o Monteiro Derigindo o trabalho

“ “ “ Joaq[ui]m Scola Encher cuvos

“ “ “ José Carreira Cavar

“ “ “ Mig[u]el Pedrozo Puchar

“ “ “ Ant[oni]o Fonteireira Encher cuvos

“ “ Trabalhadores Mig[u]el do Pendão Puchar

“ “ “ M[anu]el Barruncho “ “

“ “ “ Aug[us]to Mendes “ “

“ “ “ M[anu]el Franc[isc]o Cavar dentro da caverna

“ “ “ José Isidorio Faser comer

“ 23 Collectores Ant[oni]o Mendes Dirigindo o trabalho

“ “ “ Ant[oni]o Monteiro Chigando pedra p[ar]a o pé dos cuvos

“ “ “ Joaq[ui]m Scola Cavar com picarete

“ “ “ Mig[u]el Pedrozo Encher cuvos

“ “ “ Mig[u]el Pedrozo Puchar ao 1/2 dia foi para casa passar o entrudo

“ “ “ Ant[oni]o Fonteireira Ajudar a encher ao 1/2 dia foi passar o entrudo a terra

“ “ Trabalhadores Mig[u]el do Pendão Puchar ao 1/2 dia foi passar o entrudo a terra

“ “ “ M[anu]el Barruncho Puchar ao 1/2 dia foi passar o entrudo a terra

“ “ “ Aug[us]to Mendes Puchar ao 1/2 dia foi passar o entrudo a terra

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“ 24 Collectores Ant[oni]o Mendes Discançar

“ “ “ Ant[oni]o Monteiro idem

“ “ “ Joaq[ui]m Scola idem

“ “ “ José Carreira idem

“ “ “ Mig[u]el Pedrozo Na terra com licença

“ “ “ Ant[oni]o Fonteireira Na terra com licença

“ “ Trabalhadores Mig[u]el do Pendão Na terra com licença

“ “ “ M[anu]el Barruncho idem

“ “ “ Aug[us]to Mendes idem

“ “ “ José Isidorio idem

“ 25 Collectores Antonio Mendes A discançar

“ “ “ Ant[oni]o Monteiro idem

“ “ “ Joaq[ui]m Scola idem

“ “ “ José Carreira idem

“ “ “ Mig[u]el Pedrozo Na terra com licença

“ “ “ Ant[oni]o Fonteireira Na terra com licença

“ “ Trabalhadores Mig[u]el do Pendão Licença na terra

“ “ “ M[anu]el Barruncho idem

“ “ “ Aug[us]to Mendes idem

“ “ “ José Isidorio idem

“ 26 Collectores Ant[oni]o Mendes Procurar ossos no desentulho 50m a SE da C[aver]na g[ran]de

“ “ “ Ant[oni]o Monteiro idem

“ “ “ Joaq[ui]m Scola idem

“ “ “ José Carreira idem

“ “ “ Mig[u]el Pedrozo idem

“ “ Trabalhadores Mig[u]el do Pendão Abrindo a galeria

“ “ “ Aug[us]to Mendes idem

“ “ “ M[anu]el Francisco idem

“ 27 Collectores Ant[oni]o Mendes No de[s]entulho da mesma galeria

“ “ “ Ant[oni]o Monteiro Retirou com ordem do Exmo S[enho]r Carlos R[ibei]ro

“ “ “ Joaq[ui]m Scola idem

“ “ “ José Carreira idem

“ “ “ Mig[u]el Pedrozo idem

Retirou tambem Jose Isidorio e M[anu]el Barruncho

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Em Porto Covo, a escavação decorre assim, quase ininterruptamente, em 29, 30 e 31 de Janeiro, e de 1 de Fevereiro a 27 de esse mês, 30 dias, só interrompidos por um período de dois dias de des-canso, a 24 e 25 de Fevereiro, quando os trabalhadores vão de licença para as respectivas terras de origem, passar o Entrudo, e os colectores ficam a descansar ou (no caso de Miguel Pedroso e António Fonteireira) vão também para suas casas.

A distribuição dos colectores e dos trabalhadores mostra a meticulosa organização de António Mendes e a estrutura por ele montada para a escavação.

Os colectores são, para além dele próprio, António Monteiro, Joaquim Scola, José Carreira, Miguel Pedroso e António Fonteireira. Este último, porém, só reforça o grupo mais qualificado a 10 de Fevereiro, retira-se de licença a 24 e já não regressa.

Um quadro distributivo de tarefas ajuda-nos a compreender a mecânica do trabalho orques-trado por António Mendes.

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QUADRO 1 – DISTRIBUIÇÃO DAS PRESENÇAS DE COLECTORES E TRABALHADORES EM PORTO COVO (1879)

Nome C294.ª

305.ª

316.ª

1S

2D

32.ª

43.ª

54.ª

65.ª

76.ª

8S

9D

102.ª

113.ª

124.ª

135.ª

146.ª

15S

16D

172.ª

183.ª

194.ª

205.ª

216.ª

22S

23D

242.ª

253.ª

264.ª

275.ª

TDT

António Mendes C � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � L L L L L � K K � � 23+5

António Fonteireira C — — — — — — — — — — — — � � � � � � � � � � � � � �J J J — — 13,5

António Monteiro C — — — — — � � � � � � � — — — � � � � � � � � � � � K K � R 19

Joaquim Scola C � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � K K � R 27

José Carreira C � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � K K � R 27

Miguel Pedroso C � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � �J J J � R 26,5

Miguel do Pendão T � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � �J J J � — 26,5

Augusto Mendes T — — — — — — — — — — — — � � � � � � � � � � � � � �J J J � — 14,5

Florindo Duarte T — — — — — � � � � � � � � � � � � — — — — — — — — — — — — — 12

Francisco da Cruz T — — — � — — — — — — � — — � � — — — — — — — — � — — — — — — 5

José Isidoro T — — — — — — — — — — — — — — — — � � � � � � � � � — J J — R 9

Manuel Barruncho T — — — — — — — — — — — — — — — — � � � � � � � � � �J J J — R 9,5

Manuel Francisco T — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — � — — — � — 2

Pedro Augusto T � � � — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — 3

� Presença. — Ausência. L Doença, mas não é claro se continuou no campo. K A descansar. �J Presença de manhã, início de férias depois do almoço. J Férias (Carnaval). R Retira, por ordem de Carlos Ribeiro. TDT Total de dias de trabalho.

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2.1. O papel dos trabalhadores

Os trabalhadores variam na duração da sua participação dos trabalhos.De todos eles, Miguel do Pendão é o que regista maior número de dias de trabalho: 26,5. Com

apenas dois dias e meio de férias, por altura do Entrudo, e uma dispensa no último dia, 27 de Fevereiro, quinta-feira, em que só António Mendes parece ter permanecido activo. O que menos tempo esteve em campo foi indiscutivelmente Manuel Francisco (dois dias), logo seguido por Pedro Augusto, com três. Reforçaram possivelmente a equipa, ajudando os colectores, o primeiro quase no fim dos trabalhos, o segundo no arranque.

Augusto Mendes trabalha a partir de 10 de Fevereiro até ao meio dia de 23, quando vai «…passar o Entrudo à terra». Volta a 26, para ajudar Miguel do Pendão e Manuel Francisco na conclusão da abertura da galeria.

Florindo Duarte e Manuel Barruncho são os que se seguem em dias de trabalho, o primeiro com 12 efectivos, o segundo com nove e meio de trabalho e dois dias e meio de férias de Entrudo.

José Isidoro trabalha nove dias e tem dois de férias de Entrudo.Francisco da Cruz trabalha cinco dias, irregularmente, 1+1+2+1, respectivamente a 1, 8, 11-12 e

21 de Fevereiro.Manuel Francisco trabalha apenas dois dias e Pedro Augusto três.Em nenhum dos dias de escavação se registou o pleno de trabalhadores, ao contrário do que

aconteceu com os colectores. No máximo, houve cinco trabalhadores em campo em simultâneo, a 14, a 21 e a 22 de Fevereiro. Quatro apenas a 11-12 e de 15 a 20 de Fevereiro. Três a 8, 10, 13, 23 e 26 de Fevereiro, ainda que apenas meio dia a 23. Apenas dois trabalhadores estiveram no terreno em todo o início da escavação, onde teoricamente seriam mais necessários, de 29 de Janeiro, quarta-feira, até 7 de Fevereiro, uma sexta-feira. Dois trabalhadores estariam em campo domingo, 9 de Fevereiro.

Não temos nenhum dado que nos permita esclarecer estes calendários. O documento inédito de António Mendes regista que Pedro Augusto «…Neste dia [31 de Janeiro] foi p[ar]a Valle Fª as 3 da tarde», como regista que a 9 de Fevereiro o colector António Monteiro «retirou para Bellas».

Os trabalhadores estão sobretudo ocupados a puxar os baldes com terra e pedras, no desentu-lho e escavação da gruta. Nos 26,5 dias de trabalho efectivo de Miguel do Pendão, surge por 24,5 vezes tendo como tarefa «a puchar [baldes]», num dia, para além de puxar baldes «atilha o cuvo grande» e, noutro, trabalha na abertura da galeria. Para 26,5 dias de trabalho, tem dois dias e meio de descanso…

Augusto Mendes não tem outra actividade registada senão «Puchar», a não ser no último dia, tempo de acabar a abertura da galeria.

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2.2. A acção dos colectores

As funções dos colectores são de extrema versatilidade: se António Mendes dirige os trabalhos, também ajuda a encher os baldes de terra da escavação. No início, Joaquim Scola cozinha para todos, de manhã, mas à tarde já está na gruta. José Carreira enche baldes (cuvos, por cubos, como no castelhano actual) e Miguel Pedroso puxa-os (transporta-os), naturalmente para fora da gruta.

António Mendes é o indiscutível chefe da operação, mas surgem trabalhos específicos cla-ramente indicados, de que se ocupa, e percalços, como uma doença inesperada, que o afasta da gruta por cinco dias (de 18 a 22 de Fevereiro) e o mantém a descansar outros dois (24 e 25 de Fevereiro). Dos 23 dias restantes, um é passado exclusivamente na direcção dos trabalhos, três são passados a ajudar a encher os baldes com terra, um a explorar a gruta, 15 a desentulhar, três «furando» (provavelmente retirando terra para escavar os sedimentos), e um a procurar ossos nas terras removidas do interior da gruta.

Os outros colectores têm diferentes funções.Joaquim Scola cozinha para o grupo de manhã e trabalha à tarde, de 29 de Janeiro a 1 de Feve-

reiro, mas deve ter protestado pela acumulação de serviços (ou sido mais necessário no terreno) e se de 2 a 14 de Fevereiro apenas está registada a sua participação culinária, a seguir, e até ao fim, passa a escavar e nenhuma referência à sua anterior actividade na cozinha é feita no quadro. Passa dois dias a escavar, sem outra especificação (17 e 18 de Fevereiro), cinco a escavar com pica-reta (15, 16, 19, 20 e 23 de Fevereiro), dois a encher baldes (21 e 22 de Fevereiro) e finalmente, já no fim da sua participação, passa um dia a procurar ossos (26 de Fevereiro), retirando de seguida por ordem de Carlos Ribeiro. A menção de «faser comer» é atribuída a um dos trabalhadores do grupo menos qualificado (José Isidoro) de 14 a 22 de Fevereiro. Vai então «passar o Entrudo à terra» e não torna a ser referido, a não ser a 27, por cessação efectiva de serviço.

José Carreira é o colector mais constante nas suas actividades: de 29 de Janeiro a 20 de Feve-reiro apenas enche os baldes, a 21 e 22 escava mesmo e a 23 torna a encher baldes para entrar de repouso até ao fim dos trabalhos.

Miguel Pedroso puxa baldes durante 12 dias, abre um caminho para o carrinho de mão passar durante um dia, escava e enche baldes durante quatro dias, parte pedra durante um dia, cava com picareta durante quatro, procura ossos durante um.

António Monteiro, que chega à escavação a 3 de Fevereiro, retira-se a 9 para Belas, para voltar a 13. Substitui na direcção dos trabalhos António Mendes, quando este adoece. As suas actividades são muitas vezes idênticas às de António Mendes, de quem parece ser o segundo em comando. Em Fevereiro, de 3 a 8, as suas actividades são exactamente as mesmas que as de António Men-des. De 13 a 16, de novo se repete a mesma situação. A 17, está na «formiga» humana que trans-porta pedra para o exterior. De 18 a 22, substitui António Mendes, doente, «derigindo o trabalho». Quando ele regressa, a 23, encontramo-lo a transportar pedra para junto dos baldes. A 24 e 25 descansa, tal como António Mendes, e a 26, de novo como António Mendes, procura «…ossos no desentulho 50m a SE da C[aver]na g[ran]de».

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� FIGS. 1-13 a 1-25. Mapa diário, inédito, referindo a distribuição de serviço dos colectores e trabalhadores afectos à escavação de Porto Covo, redigido por António Mendes (Arquivo IGM).

António Fonteireira chega a Porto Covo a 10 de Fevereiro e começa por ajudar a encher os bal-des, tarefa que continuará no dia seguinte. A 12, escava e enche baldes, e as suas ocupações são praticamente as mesmas até 22, sendo admissível pouca diferença haver entre «escavar e encher baldes» e «ajudar a encher baldes»…Ao princípio da tarde de 23 «…ao meio dia foi passar o Entrudo à terra» e já não regressa.

Podemos resumir a assiduidade de campo da seguinte forma, à parte 24 e 25 de Fevereiro, em que descansam ou vão de férias de Entrudo, os colectores registam um muito elevado grau de assiduidade no campo.

António Mendes está presente 23+5 dias (estes últimos doente) e dois a descansar, logo seguido por Joaquim Scola e José Carreira, com 27, Miguel Pedroso, com 26,5, António Monteiro, com 19 e, finalmente, António Fonteireira com 13,5. De 13 a 17 de Fevereiro, a equipa está mesmo em campo no seu pleno, tal como na manhã de 23.

O mínimo de presenças em campo, não contando a confusa fase final, com férias de Entrudo e encerramento dos trabalhos, nunca tem menos de quatro colectores, e localiza-se nos cinco primeiros dias de trabalho.

Basicamente, os «colectores» dirigem os trabalhos (como vimos, António Monteiro substitui António Mendes quando este adoece), cozinham (um deles), exploram a gruta, alargam as passa-gens («partir pedra»), transportam as pedras de entulho «em formiga» para o exterior, escavam com picareta, enchem ou ajudam a encher os baldes, puxam-nos para o exterior, «fazem furos», procuram ossos entre as terras escavadas.

Os «trabalhadores» puxam os baldes, cavam com picareta, transportam equipamento, partem pedra, e um deles cozinha após o abandono dessa actividade por Scola. São sobretudo trabalhos não especializados aqueles de que são incumbidos.

Que fiabilidade tem este documento? Alguma, sem dúvida, bastante, mesmo. Mas, céptico como sou por natureza, não queria deixar de salientar que se trata de um Quadro, um «Mappa», onde se compreenderia a tendência para mecanizar a escrita e encontrar fórmulas repetitivas, de algum modo normalizadas e burocratizadas. Não regista a totalidade e a diversidade das acções realmente efectuadas, mas assinala os pontos principais, de referência. Não é um Caderno de Campo, aproximando-se mais de um formulário. Mas sendo o que nos resta, não é legítimo ocul-tar o nosso contentamento por dele podermos dispor…

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3. Afonso do Paço e Maxime Vaultier, 1942

A gruta de Porto Covo, com espólio reduzido, mas «bastante curiosa», para usar a expressão de Paço e Vaultier, foi objecto de uma formal primeira apresentação pública em 18 de Junho de 1942, no Congresso da Associação Portuguesa para o Progresso das Ciências (Paço e Vaultier, 1943).

No primeiro dos dois textos dedicados a Porto Covo, Afonso do Paço e Maxime Vaultier come-çam por descrever rapidamente a localização da gruta, referindo que ela se encontra na margem direita da Ribeira de Porto Covo, que, entretanto, e em final de curso, passando pelas grutas de Poço Velho, se passaria a chamar Ribeira das Vinhas.

A razão porque ambos autores atribuem a data da escavação a Março de 1879 começou por me intrigar, uma vez que as folhas de campo de António Mendes a localizavam nos três últimos dias de Janeiro e durante Fevereiro de 1879. Creio porém ter encontrado a solução do «mistério», ao recuperar as etiquetas da época que acompanhavam os ossos humanos recolhidos na Gruta. Com efeito, algumas de estas etiquetas registam «Março de 1879», o que levou Paço e Vaultier a atribuírem essa data à escavação. Porém, a data das etiquetas deve ser aquela em que, na sequên-cia da escavação, os materiais deram entrada no Museu da Comissão dos Serviços Geológicos, isto é: o mês seguinte ao seu termo.

De uma maneira de algum modo clássica para a época, os autores referem o interesse de vários investigadores pelo monumento, registando, no entanto, a pouca importância que lhe atribuíram Paula e Oliveira, Leite de Vasconcellos, Vergílio Correia, Manuel Heleno e eles próprios. Apenas Cartailhac e Nils Åberg se referiram à gruta com algum, ainda que pouco, detalhe.

Paço e Vaultier enumeram o espólio e algumas particularidades algo curiosas, referindo o elevado número de enxós em relação ao número de machados recolhidos, os geométricos, que consideram «sobrevivências do paleolítico superior», mas reservam o seu espanto pelo escasso número da cerâmica, toda ela sem decoração.

Não reconhecem os dois fragmentos da taça com pé como sendo parte de um mesmo vaso, interpretando mesmo o ponto de encaixe do pé da taça como sendo similar à cerâmica argárica do Sudeste ou à dos «campos de urnas» de Alpiarça.

Registam também, com alguma surpresa, o facto de o vaso campaniforme não estar decorado, recordando paralelos desta situação na Boémia e na Morávia (informação respigada do livro clássico de Alberto del Castillo sobre o vaso campaniforme) e no dolmen de Tuchen-ar-Hroëk, na Bretanha.

Paço e Vaultier referem naturalmente a ponta tipo Palmela, supondo que seria de cobre, o que não deixa de ser estranho, estando disponível, desde a publicação de Bensaúde, a composição metálica normal de estas pontas de projéctil.

Sobre os ossos humanos, referem a existência de fragmentos de «crânio, de maxilares, de vér-tebras, de dentes, de metatarsos, úmeros, fémures e tíbias». Quanto à fauna terrestre, são citados

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ossos de «hiena, lince, lobo, boi, veado, javali, coelho e tartaruga», classificados pelo Abade Breuil, e de que poucos restos sobrevivem hoje no IGM. As espécies marinhas são todas provenientes da linha de costa, nomeadamente berbigão, a púrpura e o Cassis saburon. Após o enumerar de estas singularidades, os autores afirmam que o «conjunto arqueológico coloca-a dentro da chamada cultura do vaso campaniforme», que para eles teria sido aqui introduzida, por via marítima, na primeira metade do 3.º milénio a.n.e.

O texto da comunicação é o seguinte (na transcrição, [/8], por exemplo, indica que estamos a transcrever, a partir daí, a página 8 da publicação original. As notas infrapaginais foram aqui grupadas no fim. Mantive a grafia e acentuação originais).

PAÇO, A.; VAULTIER, M. (1943) – A gruta de Pôrto-Covo. Associação Portuguesa para o Progresso das Ciências. 18 de Junho de 1942. Imprensa Portuguesa.

[/5] «Ao Norte do Concelho de Cascais, no calcário jurássico da vertente meridional da serra de Sintra (l), fica situada uma gruta natural denominada de Pôrto-Covo, pela sua localização dentro da propriedade e margem (direita) da ribeira do mesmo nome, que vai desaguar a Cas-cais, com o apelativo de ribeira das Vinhas, depois de passar em frente das notáveis grutas pré-históricas do Poço-Velho.A exploração dêste monumento foi realizada por Carlos Ribeiro, em Março de 1879, e arreca-dado o produto no Museu da Comissão dos Serviços Geológicos, juntamente com o de tantas outras escavações que levou a cabo (2).A primeira referência, e mais longa, ao seu espólio, deve-se a Cartailhac que, ao estudar as colecções pré-históricas da nossa península, não deixou no olvido a de Pôrto-Covo (3), a quem dedicou uma dúzia de linhas.Paula e Oliveira, em trabalho publicado após a sua morte, apenas refere esta gruta, adiantando que tôda a região ao Sul da serra de Sintra tinha sido minuciosamente percorrida sob o ponto de vista arqueológico em 1879 (4).J. Leite de Vasconcelos nas «Religiões», nada mais [/6] nos dá do que o seu nome (1), o mesmo acontecendo posteriormente a Vergílio Correia (2), a Manuel Heleno (3) e a um de nós, quer em trabalho seu (4) quer de colaboração com o P.e Eugénio Jalhay (5).Nils Aberg foi, depois de Cartailhac, quem mais longamente aludiu ao seu espólio (6).Além de tôdas estas referências à gruta pré-histórica perfeitamente localizada, outra se encon-tra na «Sintra pinturesca» a «grutas de cristalização» daquelas imediações: «A pouca distância dêste mosteiro (Convento da Penha Longa), está uma gruta de cristalização, que antigamente foi fechada e que foi descoberta, segundo me afirmam (por constar de memórias antigas) por um monge dêste convento no reinado de el-rei Dom João III» (7).[/7] Fica a gruta situada na borda da estrada que vem de Cascais, ao lado esquerdo, um pouco antes de chegar ao cruzamento a Sul da barragem do rio da Mula (fig. 1).

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O seu acesso é muitíssimo cómodo, pois não sabemos que mãos beneméritas dotaram a entrada de uma escada e firmaram as terras laterais com um muro de suporte que evita qual-quer desmoronamento.Depois da entrada topa-se uma espécie de sala larga, com uma cúpula bastante alta. Lateral-mente há algumas galerias, uma das quais mais extensa.O espólio arqueológico, que não é muito numeroso, consta de machados, enxós, alguns sílex, quatro vasos de barro [dois colariam entre si, vindo a constituir a taça com pé, lisa, pelo que o número de vasos cerâmicos era efectivamente de três…], uma ponta de cobre, além de vários fragmentos ósseos, de homens e animais.Machados de anfibolite e xisto silicioso; foram recolhidos seis exemplares, dos quais quatro de secção rectangular, um redondo, e outro, pôsto que também arredondado, de secção um tanto irregular. A juntar a êstes há mais um fragmento de machadinho, de anfibolite, de pequenas dimensões, gume acerado e secção elíptica (fig. 2).Enxós, também da mesma substância dos machados grandes, encontraram-se quatro exem-plares (fig. 3).Esta abundância de enxós em tão reduzida quantidade de machados, faz-nos aproximar esta gruta das de Cascais, que também contém um elevado número de tais objectos.Passando aos artefactos de sílex notamos:Dois micrólitos trapezoidais, sobrevivência do paleolítico [/8] superior que se nota também nas grutas vizinhas de Cascais, Alapraia e Ribeira-da-Lage. Uma lâmina de sílex que se encontra partida e fragmentos de mais duas, além de um pedaço de forma indefinida (fig. 4, n.os 1 e 6).[/9] A cerâmica é diminuta e apresenta particularidades bastante curiosas, entre elas a de nenhuma das peças ser provida de decoração.Em primeiro lugar referiremos um vasito de fundo redondo, paredes espêssas e pequena altura, fig. 4, n.º 10, idêntico a muitos outros do Poço-Velho e Alapraia, para não fazer alusão senão a estações do concelho de Cascais.[/10] O recipiente da fig. 4, n.º 12, mede 125 mm. de largura na parte superior e 65 de altura. É também de paredes bastante espêssas, tendo na base uma espécie de pé, um pouco no género de algumas vasilhas dos nossos dias.O exemplar da fig. 4, n.º 11 é uma elegante taça, de [/11] 200 milímetros de largura na bôca, com a particularidade de também estar provida de um pequeno suporte, como nas tigelas de hoje, que lhe permite excelente estabilidade e por certo apresenta um avanço de técnica na arte de oleiro dêstes tempos.É curioso notar que êstes pés ou suportes, incipientes nos vasos desta gruta, aparecem-nos posteriormente mais ou menos desenvolvidos na cerâmica argárica do levante espanhol (1) ou nos «Urnenfelder» de Alpiarça (2).Êstes dois vasos não estão ornamentados.Por último referiremos um campaniforme, fig. 4, n.º 13, com 112 milímetros de abertura por 80 de alto, de aspecto elegante, mas apresentando como a restante cerâmica desta gruta a parti-

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cularidade de não conter desenho algum. São raros os vasos dêste tipo com tais características, e Alberto del Castillo, apenas nos apresenta alguns exemplares da Boémia e da Morávia (3) e Bosch Gimpera dois provenientes do dólmen de Tuchen-ar-Hroëk (Morbihan) que se encon-tram no Museu de Saint-Germain (4).Ainda de barro existe um cossoiro de secção tronco-cónica (fig. 4, n.os 8 e 9). Êstes objectos seriam usados nos [/12] fusos para torcer fios de fibras vegetais (1), não parecendo de admitir a hipótese de J. Maranõn que os julga simples botões (2)Se a cerâmica ou instrumentos líticos desta gruta não são numerosos, os objectos metálicos ainda escasseiam mais, pois dêles só conhecemos um exemplar de pequena lança, no género de fôlha vegetal (fig. 4, n.º 7), semelhante a algumas de Palmela, e que deve ser de cobre como muitas outras (3) que se recolheram em Vila-Nova-de-São-Pedro, Serra das Mutelas, São--Martinho-de-Sintra, Chibanes, etc.Estudadas assim as indústrias de Pôrto-Covo digamos algumas palavras àcêrca do seu espólio antropológico e fauna.O primeiro é constituído por escassos restos de ossos humanos em que se podem distinguir fragmentos de abóboda craniana, maxilares, vértebras, dentes, metatarsos, úmeros e cúbitos, fémures e tíbias.A fauna não é mais abundante, mas nela se encontram vários fragmentos de hiena, lince, lôbo, boi, veado, javali, coelho e tartaruga, segundo classificação feita ùltimamente pelo Prof. Breuil.Como espécies marinhas há elementos de Purpura hoemastona [sic], Cassis Saburon e Cardium.Para terminar diremos que a estação de Pôrto-Covo é bastante curiosa, apesar do seu reduzido espólio.Já salientamos que a abundância de enxós a faziam aproximar de Cascais, o que nos leva a supor que os seres que ali viviam ou estavam inumados teriam executado bastantes trabalhos de madeira.Não enterrariam estas gentes os seus mortos com rica cerâmica decorada como em Alapraia, Ribeira-da-Lage ou mesmo Cascais? Não o sabemos, mas não podemos asse[/13]verar que o seu espólio estivesse intacto quando da exploração. Sendo conhecida pelo menos desde o reinado de D. João III, como atrás se disse, é muito natural que tivesse sofrido mutilações.O seu conjunto arqueológico coloca-a dentro da chamada cultura do vaso campaniforme (mantendo portanto estreitas afinidades com as estações eneolíticas da vizinhança: Cascais, Alapraia, Ribeira-da-Lage, Estoril e mesmo Monge), introduzida no nosso país talvez por via marítima, num período que se presume distar de nós 4.500 a 5.000 anos(1)».

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Notas dos autores

À PÁGINA 5

(1) EMILE CARTAILHAC: Les âges préhistoriques de l’Espagne et du Portugal. — Paris, 1886, pág. 112.(2) À Ex.ma Direcção dos Serviços Geológicos, que nos deu tôdas as facilidades para o estudo dêste espólio e prestou auxílio esclarecido, patenteamos os nossos maiores agradecimentos.(3) Les âges... Págs. 112-113.(4) F. PAULA E OLIVEIRA: Antiquités préhistoriques et romaines des environs de Cascais. — «Comunicações da Comissão dos Trabalhos Geológicos». — Tômo II, Fasc. 1 — Lisboa, 1889.

À PÁGINA 6

(1) Religiões da Lusitânia. — Vol. I, pág. 215.(2) No concelho de Sintra. Escavações e excursões... II — Umas voltas pela Serra de Olelas — «O Archeologo Portuguez».— Vol. XIX, pág. 205.(3) Cartailhac e a arqueologia portuguesa — «O Archeologo Portuguez».— Vol. XXV.(4) AFONSO DO PAÇO: As grutas do Poço-Velho ou de Cascais — «Comunicações dos Serviços Geológicos. — Vol. XXII, Lisboa, 1942.(5) EUGÉNIO JALHAY e AFONSO DO PAÇO: A gruta II da necrópole de Alapraia — Academia Portuguesa da História. — Anais, vol. IV, Lisboa, 1941.— AFONSO DO PAÇO e EUGÉNIO JALHAY: A póvoa eneolítica de Vila-Nova-de-S.-Pedro. — (Notas sôbre a 3.ª, 4.ª e 5.ª campanhas — 1939, 1940 e 1941) — «Brotéria». — Vol. XXXIV, Lisboa, 1942.(6) NILS ABERG: La civilisation énéolithique dans la péninsule ibérique. — Halle, 1921, pág. 82. — No guia Collections de préhistoire du Service Géologique de Portugal, editado em 1930 quando da visita dos membros do XV Congresso Internacional de Antropologia e Arqueologia Pré-histórica, vem uma notícia sumária da situação desta gruta e seu espólio, pág. 18.(7) ANTÓNIO A. R. DE CARVALHO: Sintra pinturesca. — Lisboa, 1905, págs. 126-127. Em nota ao texto acima transcrito acrescenta êste autor: «Esta gruta está situada no concelho de Cascais, na propriedade denominada de Pôrto-Covo, e pertence actualmente ao Dr. Feliciano Gabriel de Freitas. Próximo, na tapada que foi de Francisco Isidoro Viana, formosíssima propriedade que hoje pertence ao Conde de Vale-Flor, foi ùltimamente descoberta uma outra gruta, bem mais formosa e do mais fácil acesso, que muitos visitantes julgam ser a de Pôrto-Covo, hoje parece que esquecida». A quinta passou depois por diversas mãos e hoje pertence ao Estado que nela tem instalado um asilo. (Obsequiosa informação bibliográfica do Dr. Fausto de Figueiredo).

À PÁGINA 11

(1) G. BONSOR : Les colonies agricoles preromaines de la vallée du Bétis. «Revue Archeologique».— Paris, 1899, pág. 127.— L. SIRET: Orientaux e Occidentaux en Espagne aux temps prehistoriques — «Revue des questions scientifiques».— Bruxelas, 1907. Estampas X e XI.— NILS ABERG : La civilisation eneolithique dans la peninsule iberique — Halle, 1921, pág. 124.— P. BOSCH-GIMPERA: Etnologia de la península ibérica. — Barcelona, 1932, pág. 172, etc.(2) A. A. MENDES CORRÊA: Urnenfelder de Alpiarça — «Anuário de Pré-história Madrilena —Vols. IV, V e VI, Lámina II, fig. 4. — Idem — A Lusitânia pré-romana — «História de Portugal».—Vol. I, Barcelos, 1928, pág. 147.

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(3) ALBERTO DEL CASTILLO YURRITA : La cultura del vaso campaniforme.— Barcelona, 1928, pág. 152, Lâminas, CXLIII, CXLIV, CXLVI.(4) P. BOSCH-GIMPERA— Relations préhistoriques entre l’Irlande et l’Ouest de la Peninsula Ibérica — «Préhistoire». — Tômo II, fasc. II, Paris, 1933, fig. 20 b.

À PÁGINA 12

(1) G. GOURY: L’Homme des cités lacustres.— Vol. II, Paris, 1932, pág. 428.(2) Una interpretación acerca de los fusaiolos— «Boletin del Seminário de Estudios de Arte y Arqueologia». — Fasc. VIII, Valladolid, 1935, pág. 436.(3) Não possuímos uma análise que nos garanta em absoluto esta, suposição.

À PÁGINA 13

(1) Desenho do Ex.mo Sr. José Luís de Castro e Sola e fotografias obsequiosas dos Serviços Geológicos.

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FIG. 1-26. Página de rosto da primeira publicação sobre a Gruta de Porto Covo, de Afonso do Paço e Maxime Vaultier, 1943.

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FIG. 1-27. Dedicatória da separata da publicação ao Eng.º Abreu Nunes, o todo-poderoso Presidente da Comissão de Turismo da Costa do Sol, por Afonso do Paço. Abreu Nunes foi sempre um grande interessado pela Arqueologia e, de algum modo, mecenas de Afonso do Paço.

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FIG. 1-28. Fotografias dos artefactos de Porto Covo na publicação de 1943. Ao lado, fora da mancha original, juntei os dois fragmentos da taça lisa com pé, publicados inicialmente como se de dois vasos se tratasse. O n.º 12 foi originalmente publicado de cabeça para baixo, uma vez que parecia um vaso troncocónico com uma base abrindo para o exterior (uma base aliás muito bizarra, se o tivesse sido…).

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4. Afonso do Paço e Maxime Vaultier, 1954

Em 1954, Paço e Vaultier recuperam a comunicação apresentada 12 anos antes, basicamente com a finalidade exclusiva de corrigir a classificação das duas peças cerâmicas distintas para uma taça com pé lisa.

Na verdade, em Junho de 1951, de passagem em Lisboa, o arqueólogo inglês John Evans repa-rara no óbvio: a similitude formal das taças com pé campaniformes de S. Pedro do Estoril 1 e dos dois fragmentos interpretados como vasos distintos de Porto Covo (Ver Figs. 1-28 e 2-38). George Zbyszewsky removeu então o gesso do restauro das duas peças e verificou que elas, afinal, cola-vam perfeitamente uma com a outra.

Estava assim oficialmente renascida a taça com pé de Porto Covo.As escavações das duas grutas artificias de São Pedro do Estoril tinham trazido dois contribu-

tos importantes, desigualmente desaproveitados por aqueles autores, sendo o primeiro, natural-mente, as taças campaniformes com pé de S. Pedro do Estoril 1. No entanto, a situação das enxós de Porto Covo, que intrigara os autores, é agora recuperada à luz do intrigante conjunto de S. Pedro do Estoril 2.

Também a situação detectada na Gruta 2 de Alapraia faz com que os autores pareçam reflectir sobre as incongruências do registo arqueológico e da dificuldade em o entender, com os contex-tos conhecidos à época.

Sublinhando, como sempre, a proximidade com o mar de S. Pedro do Estoril e Alapraia, consi-derada como uma prova de uma penetração marítima campaniforme, os autores afirmam que o afastamento de Porto Covo da linha da costa poderia explicar a ausência de decoração nas cerâ-micas, sendo os seus putativos utilizadores «populações mais pobres».

A segunda publicação sobre Porto Covo (Paço e Vaultier, 1956) não é assim outra coisa senão uma correcção à primeira, verificada a situação referente aos dois fragmentos cerâmicos, con-siderados inicialmente como dois vasos diferentes e agora como partes de uma única taça com pé. Data de 1954, do IV Congreso Internacional de Ciências Prehistóricas e Protohistóricas (Madrid, 1954).

O texto da comunicação, publicado em Zaragoza dois anos depois, é o seguinte (na transcrição, [/8], por exemplo, indica que estamos a transcrever, a partir daí, a página 8 da publicação origi-nal. As notas infrapaginais foram aqui grupadas no fim. Mantive a grafia e acentuação originais, inclusive os erros de francês).

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FIG. 1-29. A página de rosto da «errata» de 1956, onde Paço e Vaultier publicam a reconstituição da taça com pé lisa.

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PAÇO, A.; VAULTIER, M. (1956) – La coupe de la Grotte de Porto Covo (Prés de Cascais –Portugal). Tirada a parte de la Crónica del IV Congreso Internacional de Ciências Prehistóricas e Protohistóricas (Madrid, 1954). Zaragoza, p. 561-565.

[/561] «En 1942 nous avons présenté au Congrés Luso-Espagnol pour le Progrés des Sciences, qui a réuni à Porto, une communication sous le titre : «A gruta de Porto Côvo»1.En nous référant au mobilier trouvé dans cette grotte sépulcrale que Carlos Ribeiro avait exploré en 1879 et qui se trouve conservé dans le Musée des Services Géologiques, à Lisbonne, nous avons décrit «une élégante coupe… avec Ia particularité de posséder un petit pied pareil aux bols actuels ce qui lui donne une stabilité excellente».Nous avons également fait allusion à «un récipient… de paroix assez épaisses ayant à sa base une espèce de pied dans le genre de celui de quelques recipients actuels».Les deux pièces en céramique se trouvaient parfaitement réconstituées «les bouts de pied» avaient été complétés avec du plâtre et tout indiquait que nous trouvions devant deux veses [sic] différents.En 1879, lors des excavations, les «deux objets» se trouvant certainement séparés et ignorant qu’ils pouvaient faire partie de la même pièce, on les a recueillis séparément et, après reconstitution de leurs bases, ils furent présentés aux membres du IX Congrés International d’Anthropologie et D’Archeologie Préhistoriqnes, réunis à Lisbonne du 20 au 29 septembre 1880, et après à Cartaillac, Aoberg, Obermaier et beaucoup d’autres qui examinerent depuis cette date jusqu’à nos jours.[/562] II n’y avait dans notre pays rien de comparable et les exemplaires de coupes a pied qui, plus tarde, ont ete trouvées a Acebuchal (Carmona)2 et emmenés en Amerique, n’ont pas eu beaucoup de repercussion parmi nous.En 1944, lors des fouilles effectuées dans les grottes de S. Pedro do Estoril3 découvertes cette année-là par le Prof. Dr. Leonel Ribeiro, on a trouvés deux beaux exemplaires de coupes à pied qui se trouvent maintenant dans la salle d’ Archéologie du Musée de Castro Guimarães à Cascais4.À mi-juin 1951, se trouvait à Lisbonne l’archéologue anglais J. Evans qui a visité notre pays pour étudier des relations existantes entre les préhistoires portugaise et britannique au temps énéolotique [sic]. Il est parti plus tard au Proche Orient avec l’intention de travailler à l’Institut Britannique d’ Archéologie, à Ankara, pour chercher dans la Méditerranée Orientale et ses alentours les origines des civilisations qui, plus tard, se sont répandues dans la partie occidentale de cette mer et de la côte atlantique.Désirant bien fixer ces pièces archéologiques, notre jeune ami les observa longuement remar-quant spécialement, au Musée de Cascais, les deux coupes à pied provenant de la grotte I de S. Pedro do Estoril.En étudiant avec la même attention les objets de Porto Côvo il a été impressionné par le vase que nous avons cité en 1942, avec le No. 12, et encore par le pied en plâtre de la coupe qui, dans le même travail avait le No. 11, toutes les deux dans la figure No. 4.

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L’examen de ces deux pièces lui donnaient l’impression qu’elles devraient constituer en [sic] seul objet.Le Dr. Georges Zbyszewski des Services Géologiques qui, plus tard, a libéré ces pièces du revê-tement de plâtre, arrivait à la conclusion que, vraiment, les deux pièces se réunissaient admi-rablement point par point constituant un seul vase.[/563] Cette reconstitution, faite un peu par hasard, nous mène aujourd’ hui avec beaucoup de plaisir à rectifier ce que nous avons écrit en 1942 et publier comme nous l’avons dejá dit, la premiere coupe à pied qui a été trouvée dans notre péninsule et dont les éléments consti-tuants sont restés comme «divorcés» pendant 72 ans sans avoir jamais suggéré aux généra-tions consécutives d’archéologues qui les ont observeés, l’idée de les joindre, ce qui est arrivé seulement dans l’après-midi du 16 juin 1951 après une analyse minutieuse des vases sembla-bles de S. Pedro do Estoril.La coupe à pied de la grotte de Porto Côvo est une pièce sans aucun dessin, identique au vase style caliciforme trouvé en même temps dans la même grotte sépulcrale.Nous n’allons pas la rajeunir jusqu’aux «argariques» du levant espagnol dont Siret5 parle ou à celles du «Urnenfelder» de Alpiarça étudiées par le Prof. Mendes Corrêa6.L’emsemble [sic] archéologique qui l’accompagne est très caractéristique de l’Énéolitique où Bronze Méditerranéen I comme il y déjà été observé dans la publication antérieure, il ne dif-fère des autres de la «Costa do Sol» que par le manque total de dessins.À S. Pedro do Estoril, Alapraia et Palmela on a également trouvé des vases sans dessin du même genre de ceux décorés7.Les dimensions du vase que nous étudions actuellement sont les suivantes :

diamètre maximum d’ouverture 235 mm.8

hauteur maximum de la coupe avec le pied 162 mm. épaisseur du bord 15 mm. hauteur de la coupe sans le pied 81 mm. hauteur du pied 81 mm. diamètre du point de jonction du pied à la coupe 92 mm. diamètre maximum de la base du pied 149 mm.

II ne faut pas croire que ces dimensions sont rigoureusement exactes dans toutes les par-ties du vase, bien au contraire. L’ouverture est imperceptiblement ovalisée et l’épaisseur du bord est variable suivant les endroits. Lors du soudage de la coupe au pied on [/564] n’ a pas maintenu dans une position rigoureusement horizontale des deux pièces ce qui a motivé une légére inclination de l’ensemble.Le soudage du pied à la base de la coupe est si bien faite que, lors de la séparation des deux éléments par fracture, la base a conservé un morceau du fond qui est en général peu épais. C’est ce qui a motivé la supposition qu’il s’agissait d’éléments de vases différents lorsqu’on a

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complété avec du plâtre les bouts qui manquaient à chacune des deux parties. La cuisson de la coupe est bonne et l’argile a une tonalité brunâtre.Comme nous l’avons dit dans notre premier travail, nous ne savons pas si l’ensemble archéo-logique de cette grotte se trouvait intact ou s’il y avait eu quelques mutilations. Il se peut qu’étant si souvent citée, comme nous l’avons alors remarqué, elle est été sacagée.Nous avons également dit que par l’abondance de hâches polies et d’herminettes elle se rap-prochait de celles de Cascais9. Aujourd’hui nous ajouterons qu’on a également trouvé des her-minettes semblables dans la grotte II de S. Pedro do Estoril, où il n’y avait pas de céramique10.Après avoir vérifié l’unité d’ensemble et pourtant l’époque contemporaine des objets trou-vés à Porto Côvo, Cascais et S. Pedro do Estoril, nous appelons votre attention sur le mobi-lier archéologique des péninsules de Lisbonne et de Setubal et leurs rapports avec certaines régions méridionales de l’Espagne.Le fait que ces localités se trouvent toutes sur le litoral, nous a fait admettre, par suite des fouilles de la grotte II de Alapraia, l’existance d’une voie maritime pour le vase caliciforme11, car aucune trace n’a été relevée justifiant une arrivée par voie terrestre aux embouchures du Tage et du Sado.Aux alentours de Porto Côvo, localité quelque peu éloignée des estuaires de ces fleuves, ont certainement vécu des populations plus pauvres, possédant peut-être une civilisation que les dernières fouil-[/565]les de Vila Nova de S. Pedro nous ont révélée comme existant à son extrait inférieur12.Ces mêmes populations n’ont toutefois pas manqué de souffrir l’influence des peuples qui, par voie maritime, nous ont apporté la riche civilisation du vase caliciforme dont la décoration doit ses origines à la vallée du Nil13.»

Notas dos autores

À PÁGINA 561

(1) AFONSO DE PAÇO E MAXIME VAULTIER: «A gruta de Porto Côvo». Associação Portuguesa para o Progresso das Ciências. Tomo VIII. Porto. 1943.

À PÁGINA 562

(2) G. BONSOR : «Les colonies agricoles pré-romaines de la Vallée du Betis». Revue Archéologique, tomme XXXV, Paris 1899, pág. 127.— NILS AOBERG : «La civilisation énéolithique dans la péninsule ibérique», Halle 1921, pag. 124.(3) Les excavations des grottes de S. Pedro do Estoril ont été subsidiées par la Junta de Turismo de Cascais.(4) «Alapraia e S. Pedro-Curiosidades Arqueologicas do Concelho de Cascais». Junta de Turismo de Cascais, 2ème édition, 1946.— JULIO MARTINEZ SANTA-OLLALA : «Obras maestras hispanicas de la cerâmica de estilo campaniforme». Cuadernos de Historia Primitiva. Año II, no. 2, Madrid 1947.

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À PÁGINA 563

(5) L. SIRET : «Orientaux et Occidentaux en Espagne aux temps pré-historiques». Revue des Questions Scientifiques, Bruxelles 1907.(6) A. A. MENDES CORREA : «Urnenfelder de Alpiarça». Anuario de Préhistoria Madrileña, vol. IV-V-VI, Madrid 1936.(7) AFONSO DE PAÇO : «Necropole de Alapraia». Academia Portuguesa da Historia.Anais vol. VI, Lisboa 1955.(8) Les différences constatées entre les chiffres ci-dessus et ceux de notre publication antérieure proviennent du fait que nos premières mesures sont intérieures tandis que les actuelles sont extérieures.

À PÁGINA 564

(9) AFONSO DO PAÇO : «As grutas do Poço Velho ou de Cascais». Comunicações dos serviços Geológicos de Portugal, tomo XXII, Lisboa 1942.(10) «Alapraia e S. Pedro. Curiosidades...».(11) AFONSO DO PAÇO ET EUGÉNIO JALHAY : «As grutas de Alapraia». Brotéria,vol. XX, Lisboa 1935.— EUGÉNIO JALHAY ET AFONSO DO PAÇO; «A gruta II da necropole de Alapraia». Academia Portuguesa da História, Anais vol. IV, Lisboa 1941.

À PÁGINA 565

(12) AFONSO DO PAÇO E MARIA DE LOURDES ARTHUR : «Castro de Vila Nova de S. Pedro: I – 15.ª campanha de escavações (1951)». Brotéria, vol. LIV, Lisboa 1952.(13) MAXIME VAULTIER : «Influencia egipcia no Bronze mediterrâneo». XIII Congrés Luso-espagnol pour le Progrés des Sciences, Tomme VIII. Lisboa 1950.

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Considerada a dimensão da amostra, muito reduzida para todas as categorias, não faria sentido organizá-la em quadros. Assim, apenas a pedra polida será apresentada dessa forma. Os restantes artefactos foram descritos em corrido. Para detalhes sobre critérios descritivos, ver a monografia sobre Poço Velho.

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5. Os artefactos de pedra lascada [Figs. 2-1 a 2-4]

Os seis registos de pedra lascada provenientes de Porto Covo incluem três lâminas, uma lasca e dois geométricos, ambos trapézios, ainda que de diferente tipologia.

Nenhum destes artefactos apresenta aparentemente qualquer sinal de uso, sendo portanto a sua função exclusivamente simbólica.

IGM-GPC-18, LÂMINAPeso: 4,44* g. Estado: extremidade proximal e mesial; secção: triangular - trapezoidal; bolbo de percussão: bem definido; retoque: inexistente; EMA (encurvamento máximo do artefacto):1,84 mm; altura: 47,26* mm; largura: 18,32 mm; espessura: 4,22 mm; MP (matéria prima): sílex.

IGM-GPC-19, LÂMINAPeso: 1,34* g. Estado: extremidade proximal; secção: triangular sobre reserva, por se tratar de um pequeno fragmento; bolbo de percussão: bem definido; retoque: inexistente; EMA: 1,38 mm; altura: no eixo central 23,30 mm; largura: 13,51 mm; espessura: 3,13 mm; MP: sílex.

IGM-GPC-20, TRAPÉZIO ASSIMÉTRICOPeso: 1,16 g. Dimensão da truncatura inferior: 15,33 mm; dimensão da truncatura superior: 23,14 mm; altura do lado esquerdo: 7,99 mm; altura do lado direito: 41,31 mm; largura máxima: 13,40 mm; espessura: 2,05 mm; retoque: nítido nas duas truncaturas e no lado esquerdo; MP: sílex.

IGM-GPC-21, LASCAPeso: 1,30 g. Estado: completa; bolbo de percussão: bem definido; retoque: inexistente; altura: 25,86 mm; largura: 16,99 mm; espessura: 2,75 mm; MP: sílex.

IGM-GPC-22, TRAPÉZIO ASSIMÉTRICO, TENDENDO PARA O RECTÂNGULOPeso: 0,84 g. Dimensão da truncatura inferior: 11,15 mm; dimensão da truncatura superior: 15,84 mm; altura do lado esquerdo: 12,61 mm; altura do lado direito: 25,84 mm; largura máxima: 12,85 mm; espessura: 2,17 mm; retoque: nítido nas duas truncaturas, especialmente na superior; MP: sílex.

IGM-GPC-27+26+17, LÂMINAPeso: 4,69* g. Estado: todas as medidas possíveis, apesar de ligeiras perdas de massa concentradas nas áreas de fractura; secção: trapezoidal; bolbo de percussão: bem definido; retoque: inexistente; EMA: não mensurável; altura: 80,02 mm; largura: 14,72 mm; espessura: 3,28 mm; MP: sílex.

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FIG. 2-1. Material lítico da gruta de Porto Covo, pequenas lâminas e lasca.

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FIG. 2-2. Os dois trapézios de Porto Covo, o da esquerda um trapézio assimétrico de base ligeiramente côncava e truncaturas retocadas, o segundo um trapézio com as truncaturas e o lado menor retocado. Desenhos em 1:1.

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FIG. 2-3. Exemplos de encabamentos de artefactos líticos de pequena dimensão como pontas de projéctil. Em cima, geométrico com traços de impacto do sítio neolítico de Muldbjerg (microfotografia com um aumento de 40x), segundo Fisher, 1990, fig. 5 e fig. 1 (remontada).

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FIG. 2-4. Um dos usos dos geométricos. Arqueiro, arco e ponta de seta transversal egípcios, usados no Pré-Dinástico (e depois), na caça e na guerra. Segundo Donatelli, 1988, fig. 238. Pontas de projéctil do Neolítico antigo e arqueiro disparando baixo. Segundo Marti Oliver e Juan Cabanilles, 1987, p. 64, fig. 37.

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6. Os artefactos de pedra polida [Figs. 2-5 a 2-37]

Para a descrição dos artefactos de pedra polida provenientes de Porto Covo segui, em termos genéricos, os descritores que avancei em 2008 para Poço Velho. O primeiro campo, Ref. (referên-cia) indica o número de inventário do artefacto no Museu do IGM, a seguir à sigla do sítio (GPC por Gruta de Porto Covo).

O estado geral do artefacto é descrito de acordo com três possibilidades: 2: corresponde à extre-midade proximal ou talão; 3: à área mesial; 4: à área distal, que contém os planos de gume e o fio.

1 é a designação para uma peça completa. Um asterisco (*) a seguir a cada componente indica que ele perdeu massa (2*3*4*, no caso de haver perdas em todas as áreas). 23+4* significa uma peça com a extremidade proximal e área mesial presentes, mas que apresenta a extremidade distal danificada. 2*34 uma extremidade proximal danificada mas uma área mesial e distal con-servadas.

O peso foi medido aos centésimos de grama, com um asterisco indicando que o artefacto se encontra fragmentado e que o seu peso actual não corresponde ao de origem.

A altura (Alt) é medida no eixo central vertical do artefacto.Por «Grupo de dimensão» (GDm) entende-se o resultado de uma leitura empírica de duas

categorias diferentes de artefactos de pedra polida, as enxós e os machados. A leitura dos grupos foi feita para a pedra polida das grutas de Poço Velho a partir da comparação directa das dimen-sões, com base na altura, ensaiada sobre a colecção do IGM e depois verificada e adaptada em confronto com os artefactos do CCG. Foram então reconhecidos os seguintes 5 grupos para as enxós:

Grupo 1 – altura < 6,35 cm;Grupo 2 – altura entre 6,83 e 8,40 cm;Grupo 3 – altura entre 8,86 e 10,88 cm; Grupo 4 – altura entre 11,09 e 13,70 cm;Grupo 5 – altura entre 13,96 e 18 cm.

Para os machados, definiram-se 6 grupos:Grupo 1 – altura < 5,90 cm. Neste conjunto, corresponde à categoria “machadinho”;Grupo 2 – altura entre 6,55 e 6,93 cm;Grupo 3 – altura entre 7,50 e 8,75 cm;Grupo 4 – altura entre 8,98 e 9,94 cm;Grupo 5 – altura entre 10,03 e 11,60 cm;Grupo 6 – altura entre 13,72 e 14,70 cm.

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• A largura da extremidade proximal, o talão (Lep), é medida entre os pontos de inflexão que assinalam o início da extremidade proximal. A largura num ponto médio (Lpm) é o eixo hori-zontal a meia altura do artefacto. A largura do gume (Lgm) é medida na horizontal na área do gume, sendo portanto superior à extensão da linha de fio. A largura máxima (Lmx) é a largura máxima lida no artefacto.

• A espessura num ponto médio (Epm) é medida a meio da largura Lpm.• A extremidade proximal (Ep): 1: truncada (corte abrupto, vertical ou oblíquo); 2: arredondada;

3: pontiaguda (31 – pontiagudo «verdadeiro», 32 – ponta boleada); 4: aplanada; 5: convexa; 6: côncava.

• A caracterização das faces (Fcs) inclui as seguintes possibilidades: 1: planas; 2: convexas; 3: côncavas; 4: irregulares.

No caso das enxós, o primeiro número caracteriza a face superior, o segundo a face inferior, mesmo nos raros casos em que esta não apresenta o «golpe de enxó». 12 indica faces plano-con-vexas com encurvamento apenas no gume.

• A geometria dos bordos (Gb) lê-se com a peça com a extremidade distal orientada para cima e compreende sete possibilidades: 1: paralelos; 2: divergentes; 3: rectilíneos; 4: convexos; 5: côn-cavos; 6: sinuosos; 7: convergentes.

As designações são, em algumas situações, cumulativas: bordos convergentes podem ser conve-xos, uma situação 47. Uma classificação de bordos de diferentes tipologias é indicada por dois valores separados por um +.

• A secção (Sc) é lida a meio da peça e regista as seguintes possibilidades: 1: rectangular; 2: subrectangular; 3: elipsoidal; 4: circular; 5: subcircular; 6: trapezoidal (mesmo que irregular); 7: quadrangular; 8: subquadrangular, mesmo que em alguns casos se aproxime do trapezoidal e subtrapezoidal.

• A extremidade distal (ED) é lida pelo perfil: 1: bisel duplo simétrico; 2: bisel duplo assimétrico. A segunda forma, quando bem definida, é normalmente típica das enxós.• A geometria do gume (Ggm) diz respeito às seguintes possibilidades: 1: rectilíneo; 2: convexo. Associados a uma indicação complementar: S: simétrico; A: assimétrico. Assim, um gume 2-A é um gume convexo assimétrico.• O estado do gume (Egm) indica se a peça foi usada (2) ou não (1). Não se considera como uma situação que justifique alteração de categoria os pequenos danos

provocados por fenómenos pós-deposicionais.• O acabamento (Acb) regista o grau de polimento do artefacto: 1: polimento integral (ou regis-

tado, mesmo que parcialmente, em todas as áreas do artefacto). Quando acrescentado por um A leia-se excelente polimento; 2: polimento na extremidade distal; 6: picotado; 8: superfí-cies irregulares, conservando negativos da lascagem anterior ao polimento e não eliminados por ele.

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6.1. As enxós [Figs. 2-7 a 2-21]

Foram recolhidas cinco enxós, GPC-12 a 16.

QUADRO 2 – ENXÓS DE PORTO COVORef Figura Estado Peso Alt GDm Lep Lpm Epm Lgm Lmx Ep Fcs Gb Sc Ed Ggm Egm Acb MP

GPC-12

2-7, 2-8, 2-9

1 169,02 11,33 E-12,70

5,00 1,59 4,31 5,24 1 2+3 47 2 2 2-A 1 1 A

GPC-13

2-7, 2-8, 2-10

2*34 115,20* 10,62 E-1 2,76* 4,17 1,26 4,60 4,87 1 2+3 47 2 2 2-S 1 1 XA?

GPC-14

2-11, 2-12, 2-13

1 108,07 10,43 E-1 2,48 3,93 1,22 4,48 4,54 5 2+1 3+32 1 2 2-A 1 1 XA?

GPC-15

2-11, 2-12, 2-14, 2-15, 2-16, 2-17

1 223,47 16,00 E-2 2,78 4,42 1,80 4,82* 5,55 1 14 1+4 2 2 1 1 18 BFA

GPC-16

2-18, 2-19, 2-20, 2-21

1 195,65 14,55 E-2 2,10 4,73 1,61 4,86 5,24 5 2+2 47 2 2 2-S 1 18 BFA

NOTA: todas as medidas referentes às enxós foram expressas em centímetros, o peso em gramas.Ref. (referência) indica o número de registo actual do artefacto (toda a série no Museu do Instituto Geológico e Mineiro); peso medido aos centésimos de grama, com um asterisco (*) indicando que o artefacto se encontra fragmentado e que o seu peso actual não corresponde ao de origem; Alt: altura; GDm: «Grupo de dimensão» ; Lep: largura da extremidade proximal, o talão; Lpm: largura num ponto médio; Lgm: largura do gume; Lmx: largura máxima; Epm: espessura num ponto médio; Ep: extremidade proximal; Fcs: caracterização das faces; Gb: geometria dos bordos; Sc: secção ; Ed: extremidade distal; Ggm: geometria do gume; Egm: estado do gume; Acb: acabamento.

Observações anexas ao quadro supraGPC-12 – ENXÓ – trata-se de uma enxó integralmente polida com bordos bem regularizados que só difere das restantes por um gume assimétrico.GPC-13 – ENXÓ – excelente polimento no fino golpe de enxó.GPC-14 – ENXÓ – uma enxó também com gume assimétrico mas por todas as outras caracterís-ticas claramente justificando a descrição.GPC-15 – ENXÓ – no conjunto das cinco enxós de Porto Covo, esta é a única que se aproxima dos modelos frequentes em Poço Velho, com o polimento cobrindo irregularmente uma superfície com amplos negativos de lascagem. O gume foi considerado rectilíneo, apesar do seu muito ligeiro encurvamento.GPC-16 – ENXÓ – mais uma vez registando-se o facto de se tratar de uma peça votiva, e não funcional, deve referir-se que, de acordo com o assentamento de faces próprias das enxós, esta peça estaria «ao contrário», com o golpe de enxó para cima.

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6.2. Os machados e o machadinho [Figs. 2-22 a 2-37]

QUADRO 3 – MACHADOS DE PORTO COVORef Designação Figura Estado Peso Alt GDm Lep Lpm Epm Lgm Lmx Ep Fcs Gb Sc Ed Ggm Egm Acb MP

GPC-5

Machado2-22, 2-23, 2-24

1 502,76 14,97 M-4 1,26 3,97 5,16 3,19 4,05 32 2+2 47 2 1 2-S 1 18 A

GPC-6

Machado2-25, 2-26, 2-27

2*34 333,17* 13,24 M-4 NO 4,07 3,00 4,39 4,69 32* 12 2 2 1 2-S 1 18 A

GPC-7

Machado2-28, 2-29

1 198,19 8,71 M-2 1,78 3,83 3,10 4,27 4,41 2 2+2 47 2 1 2-A 1 18 A

GPC-8

Machado2-30, 2-31

1 233,74 9,42 M-2 2,52 4,32 3,11 4,69 4,85 5 2+2 23* 6 1 2-S 1 1 A

GPC-9

Machado2-32, 2-33,2-34

1 273,42 11,44 M-3 1,44 3,44 3,61 3,64 4,12 4 3+1 47 7* 1* 2-S 1 18 A

GPC-10

Machado2-35, 2-36

23+4* 241,62* 9,62* M-2 1,90 3,89 3,94 3,06* 4,29 32 2+2 47 3 1 NO 2* 26 A

GPC-11

Machadinho 2-37 1 25,90 3,00 M-1 3,22 3,67 1,27 3,57 3,68 1* 2+2 47 2 1 2-S 1 1A FBR

Nota: todas as medidas referentes aos machados foram expressas em centímetros, o peso em gramas.Ref. (referência) indica o número de registo actual do artefacto (toda a série no Museu do Instituto Geológico e Mineiro); peso medido aos centésimos de grama, com um asterisco (*) indicando que o artefacto se encontra fragmentado e que o seu peso actual não corresponde ao de origem; Alt: altura; GDm: «Grupo de dimensão» ; Lep: largura da extremidade proximal, o talão; Lpm: largura num ponto médio; Lgm: largura do gume; Lmx: largura máxima; Epm: espessura num ponto médio; Ep: extremidade proximal; Fcs: caracterização das faces; Gb: geometria dos bordos; Sc: secção ; Ed: extremidade distal; Ggm: geometria do gume; Egm: estado do gume; Acb: acabamento.

Observações anexas ao quadro supraGPC-5 – MACHADO – este machado, que para além da marcação tem ainda escrito a tinta da china negra «Porto Covo GPC-5», com grafia moderna, oferece muito interessantes paralelos com o machado de Poço Velho IGM-247 e CCG-218. Basicamente, trata-se de uma forma bem conhecida no Alto Alentejo, sendo exemplo a Anta dos Penedos de São Miguel, Crato. A forma geral caracteriza-se por faces alongadas com larguras máximas em torno aos quatro centíme-tros, mas uma espessura no ponto central que ultrapassa os cinco, produzindo assim uma secção subrectangular vertical e não horizontal como é costume. Tratando-se de uma peça simbólica, e conhecendo-se mal o seu correspondente no mundo real, deveríamos analisar cautelosamente estes dados, mas nunca se verificaram grandes diferenças entre os machados votivos e os do mundo real. É uma peça extremamente robusta, com o acabamento dos bordos, da área mesial e da proximal, incompleto, o que permitiria um encabamento mais seguro. Este tipo de arte-factos, em consequência das suas dimensões, apresenta normalmente pesos elevados. Toda a extremidade distal é cuidadosamente polida, sendo a proximal polida de forma incompleta ou algo tosca. Lida de uma forma tradicional, a extremidade proximal é claramente um 32 mas se a lêssemos de perfil, com qualquer dos bordos como plano, teríamos um 5 indiscutível.

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GPC-6 – MACHADO – um típico machado de secção rectangular, comum em contextos do 3.º milé-nio. O polimento dos bordos não eliminou as irregularidades do talhe, mas, quando processado sobre as antigas arestas, produziu um boleamento elevado. Ambas faces foram trabalhadas no sentido de provocar depressões rugosas para facilitar o encabamento. Numa delas a área afectada tem 5,56 cm de altura e na outra 7,04, o que a coloca numa área que quase atinge a extre-midade proximal. O esquirolamento de um dos lados do gume foi atribuído a fenómenos pós-deposicionais. Apesar de parte do talão ter sido suprimida, observa-se ainda uma área sobre-vivente da sua forma original, pelo que na altura da peça não se indicou asterisco de reserva.GPC-7 – MACHADO – este pequeno machado suscita apenas um comentário quanto à ligeira depressão numa das faces que configura uma situação similar à de GPC-9, ainda que em muito menor escala.GPC-8 – MACHADO – conserva ainda uma etiqueta que diz «Quinta do Porto Covo, /junto ao forno de cal/(Serra de Cintra)». Uma das faces apresenta-se muito concrecionada, mas parece em tudo similar à outra.GPC-9 – MACHADO – nesta peça verifica-se uma situação aparentemente contraditória: é um machado e não uma enxó, mas uma das superfícies é aplanada e outra convexa. Se se tratasse de uma peça funcional, ou o seu encabamento seria idêntico ao de uma enxó ou o negativo da área de topo do encabamento teria um plano assimétrico, idêntico ao de um quadrado com um dos lados abrindo em arco para o exterior. Muito significativamente, em apoio da primeira hipótese, na face inferior deste machado foi «escavada» uma área deprimida rugosa que lhe dá alguma concavidade. GPC-10 – MACHADO – apesar de se tratar de um típico machado de gume polido e corpo pico-tado, há que registar neste artefacto um encurvamento que o torna assimétrico. Estando ausente o gume de que se conserva apenas uma parte milimétrica (1,5 mm) numa das extre-midades, muito provavelmente tratar-se-ia de um gume convexo tornado assimétrico pelo eixo vertical da peça. O picotamento está presente praticamente por todo o lado nas duas faces, ainda que mais reduzido na área proximal de uma delas, e apenas numa delas na extre-midade proximal está ausente. O talão está ligeiramente fracturado. A fractura do gume pode resultar de um fenómeno pós-deposicional, até mesmo de um acidente de escavação.GPC-11 – MACHADINHO – existem várias características curiosas em relação a este artefacto. Em primeiro lugar, a classificação como machado resulta da convexidade convergente das faces e da consequente leitura da extremidade distal como sendo um bisel duplo simétrico. Mas o polimento integral, com o elevado nível técnico permitido pela fibrolite, poderia justifi-car a ausência da aresta definidora do golpe de enxó. Poderia ainda tratar-se de uma peça fragmentada, sendo o que restaria actualmente do artefacto talvez correspondente a um terço da sua dimensão original. No entanto, o polimento das duas faces prolonga-se nitidamente em contínuo pelo talão, sem que seja visível qualquer indício de se tratar de um repolimento. Fica-nos assim a convicção de se tratar de um machadinho obtido a partir de uma pequena lasca de fibrolite.

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6.3. Algumas considerações sobre a pedra polida de Porto Covo

Em termos gerais, o estado dos artefactos de pedra polida da Gruta de Porto Covo pode ser considerado muito bom. Quatro das cinco enxós estão completas, quatro dos seis machados estão em excelente estado de conservação, tal como o machadinho GPC-11. Tal produz, para os doze artefactos, uma relação de 9\12 com a categoria 1. Os outros artefactos registam perdas menores, quer no gume (um deles), quer na extremidade proximal, o talão. Este facto tem naturalmente que ver com a situação isolada da necrópole, afastada de qualquer centro urbano, e de, algum modo, também com a natureza das matérias-primas, como se verá adiante.

Quando observamos o peso dos artefactos, verificamos que ele oscila entre os 25,90 gramas do machadinho, ou se quisermos apertar as categorias, os 108,07 gramas da enxó GPC-14 e os 502,76 g. do machado GPC-5. Estes valores genéricos podem ser corrigidos, se observarmos sepa-radamente as duas categorias, a dos machados e a das enxós. No que diz respeito às enxós, os pesos variam, concretamente, entre os 108,07 g. da enxó GPC-14 e os 223,47 g. de GPC-15. Quanto aos machados, o seu peso varia entre os 198,19 g. de GPC-7 e os 502,76 g. de GPC-5.

A totalidade do peso dos machados, considerando à partida que a ligeira fragmentação de alguns torna este número impreciso, é de 2620,21 g. o que significa que mais de 2 quilos e meio de rochas duras foram importados para a produção destes artefactos. Estes números devem ser cor-rigidos com a natureza das matérias-primas actualizada, sendo o xisto anfibólico menos denso que o anfibolito, e o basalto filoniano alterado ainda menos denso. Se quisermos fazer ainda a comparação entre o peso das enxós e o dos machados, deixando de fora da contagem o machadi-nho, por razões óbvias, observaríamos o seguinte:

1. que o peso das enxós é de 811,59 g. o que dá uma média por artefacto de cerca de 162 g.; 2. que o peso dos machados é de 1782,9 g. o que dá uma média por artefacto de 297,15 g.;3. que a diferença de pesos evidente entre as duas categorias de artefactos se explica basica-mente não só pelo seu eixo vertical, mas sobretudo pela espessura e pela geometria diferen-ciada de ambos.

Ao analisarmos a altura destes artefactos, e mais uma vez excluindo o machadinho, temos dimensões que, nas enxós, variam de 10,43 a 16 cm e nos machados de 8,71 a 14,97 cm. As propor-ções entre estes números e a largura no ponto médio explicam também esta situação. A espes-sura própria das duas categorias é também muito diferente, oscilando num ponto médio das enxós entre 1,22 e 1,80 cm. Quanto aos machados, a oscilação vai de 3,00 a 5,16 cm.

Foram criados para as enxós dois grupos de dimensão e quatro para os machados.Para as enxós, o Grupo 1 engloba GPC-14, -13 e -12, com alturas num ponto central entre 10,43 e

11,33 cm. O Grupo 2 (GPC-16 e -15) regista alturas entre 14,55 e 16,00 cm.Para os machados, o Grupo 1 corresponde ao machadinho GPC-11, com uma altura de 3 cm. O Grupo 2 engloba GPC-7, -8 e -10, com alturas entre 8,71 e 9,62 cm.

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O Grupo 3 corresponde a GPC-9, com 11,44 cm de altura.O Grupo 4 engloba GPC-6 e -5, com alturas de 13,24 e 14,97 cm, respectivamente.

Estes Grupos, correspondem, em termos gerais:

1. no caso das enxós, o Grupo 1 aos Grupos 3 e 4 de Poço Velho e o Grupo 2 ao Grupo PCV-E-5;2. no que se refere aos machados, o Grupo 1 corresponde ao Grupo 1 de Poço Velho; o Grupo 2 aos Grupos PCV-M-3 e 4; o Grupo 3 ao Grupo 5 de Poço Velho e o Grupo 4 genericamente ao Grupo PCV-M-6.

Para as enxós de Poço Velho, tinham sido reconhecidos os seguintes 5 grupos:

Grupo 1 – altura < 6,35 cm, sem correspondência em GPC;Grupo 2 – altura entre 6,83 e 8,40 cm, sem correspondência em GPC;Grupo 3 – altura entre 8,86 e 10,88 cm, Grupo 1 de GPC; Grupo 4 – altura entre 11,09 e 13,70 cm, Grupo 1 de GPC;Grupo 5 – altura entre 13,96 e 18 cm, Grupo 2 de GPC.

Para os machados de Poço Velho, tinham sido definidos 6 grupos:

Grupo 1 – altura < 5,90 cm, Grupo 1 de GPC;Grupo 2 – altura entre 6,55 e 6,93 cm, sem correspondência em GPC;Grupo 3 – altura entre 7,50 e 8,75 cm, Grupo 2 de GPC;Grupo 4 – altura entre 8,98 e 9,94 cm, Grupo 2 de GPC;Grupo 5 – altura entre 10,03 e 11,60 cm, Grupo 3 de GPC;Grupo 6 – altura entre 13,72 e 14,70 cm, Grupo 4 de GPC se alargarmos ligeiramente os parâme-tros inferior e superior.

As conclusões possíveis, e os comentários a esta situação, foram avançadas na monografia de Poço Velho.

A extremidade proximal das enxós divide-se em três de tipo 1 (truncada) e duas de tipo 5 (convexa). Quanto aos machados, a situação é um pouco mais diversificada, registando-se dois de tipo 32 (ponta boleada), um de tipo 32* (ponta boleada fragmentada) e um exemplar para cada uma das categorias 2 (arredondada), 5 (convexa) e 4 (aplanada). A geometria dos bordos abrange uma categoria maioritária para machados e enxós, a 47 (bordos convexos, convergen-tes), de que se registaram oito ocorrências, sendo as restantes, nas enxós, 3+32 (e 1+4 e nos machados 2,23*).

As secções são habitualmente usadas para caracterizar as «fases evolutivas» dos machados, uma vez que, no caso das enxós, a sua secção é normalmente, ou rectangular alongada, ou elipsoidal.

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Para os machados, temos, no que respeita à secção, uma sua distribuição por categorias diver-sas: três machados têm uma secção de tipo 2 (subrectangular), um de tipo 3 (elipsoidal), um de tipo 6 (trapezoidal), um de tipo 7 (quadrangular). Isto permite concluir, para os machados, um escasso domínio das secções subrectangulares, mas pouco mais que isso.

Quanto à geografia dos gumes, ela mostra-nos uma situação muito curiosa: no caso das enxós, temos dois 2-A (gume convexo assimétrico), dois 2-S (gume convexo simétrico), e um 1 (rectilíneo, ainda que com ligeiro encurvamento). Já no que se refere aos machados, temos quatro 2-S, um 2-A (um dos artefactos tem o gume destruído, impossibilitando a leitura).

Os acabamentos são, para as enxós, três com polimento integral e dois também de polimento integral, ainda que mantendo superfícies irregulares. No caso dos machados, temos quatro de categoria 18 (polimento integral, ainda que com superfícies irregulares) e um para cada uma das outras categorias, polimento integral e polimento na extremidade distal e corpo picotado.

A matéria-prima das enxós é o anfibolito num dos casos, o xisto anfibólico em dois, o basalto filoniano alterado em dois. Quanto aos machados, são todos de anfibolito.

Na conclusão das análises da pedra polida, não é possível passar em claro uma das caracterís-ticas distintivas das enxós: o golpe de enxó, um plano de polimento especial, intencionalmente destinado a preparar a área de gume e a melhor diferenciá-la do corpo da enxó, ou melhor: da sua face inferior. Com efeito, se os perfis das enxós acabam por variar, ainda que ligeiramente, a morfologia dos golpes de enxó traduzem ou uma deliberada vontade do artesão ou decorrem de uma técnica específica, que corrige a morfologia da peça graças a um super-polimento. Assim, teremos, em Porto Covo, de acordo com as enxós, diferentes morfologias dessa área considerada a sua linha inferior de definição, uma vez que a superior corresponde à geometria do gume:

QUADRO 4 – COMPARAÇÃO ENTRE OS TIPOS DE FIOS DE GUME (GEOMETRIA DO GUME) E OS GOLPES DE ENXÓ

Registo Geometria do gume Golpe de enxó Imagem

GPC-12 Gume convexo assimétrico Côncavo assimétrico Fig. 2-5, em baixo, 1

GPC-13 Gume convexo simétrico Convexo assimétrico Fig. 2-5, em baixo, 2

GPC-14 Gume convexo assimétrico Rectilíneo assimétrico Fig. 2-5, em baixo, 3

GPC-15 Gume com fi o rectilíneo Côncavo simétrico Fig. 2-5, em baixo, 4

GPC-16 Gume convexo simétrico Convexo simétrico Fig. 2-5, em baixo, 5

Apenas na enxó GPC-16 se verifica coincidência entre a geometria do gume e o golpe de enxó.

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FIG. 2-5. (em cima) Grupos intuitivos de dimensão das enxós e dos machados de Porto Covo. São visíveis duas categorias de entre as enxós (1 e 2) e quatro entre os machados (sendo a primeira um machadinho). (em baixo) Morfologias dos golpes de enxó dos artefactos de Porto Covo (1 a 5), definidas pela linha inferior. 1: côncava assimétrica. 2: convexa assimétrica. 3: rectilínea oblíqua. 4: côncava simétrica. 5: convexa simétrica.

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FIG. 2-6. Matérias-primas (pedra verde e quartzito) para obtenção de artefactos de pedra polida, encontradas na aldeia lacustre de Charavines, no lago de Paladru (Alpes franceses), com uma vénia de passagem a uma actriz estimada, Agnès Jaoui. Tecnologia e função de enxós e machados encabados (desenhos de André Houot, em Bocquet, 1994, p. 47 e 51, imagens remontadas). Observar as duas técnicas de redução do bloco inicial, o bojardamento e picotagem (3) e a «serragem», com recurso a areia e a uma tábua de madeira (4). Em baixo, machados e enxós em acção.

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FIG. 2-7. As enxós GPC-12 e 13.

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FIG. 2-8. As enxós GPC-12 e 13.

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FIG. 2-9. (em cima) Detalhe do golpe de enxó de GPC-12, um golpe côncavo assimétrico. Observa-se ainda um forte polimento oblíquo na face da enxó. (em baixo) Polimento cerrado no bordo direito da enxó GPC-12.

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FIG. 2-10. (em cima) Golpe de enxó ligeiramente convexo de GPC-13. Observa-se polimento oblíquo e quase vertical. (em baixo) Polimento com diversas orientações no bordo da enxó GPC-13.

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FIG. 2-11. Enxós GPC-14 e 15.

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FIG. 2-12. Enxós GPC-14 e 15.

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FIG. 2-13. (em cima) Enxó GPC-14: aspectos do polimento cerrado do bordo e traços posteriores caóticos, quase na vertical. (em baixo) Enxó GPC-14: polimento irregular da face com traços de polimento horizontais, oblíquos e quase verticais na parte polida. A perda de massa registada e observável numa área da face pode resultar de um fenómeno pós-deposicional e não de um polimento incompleto.

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FIG. 2-14. Enxó GPC-15: vista da outra face e bordo. Esta enxó regista, com particularidade, um polimento em todas as áreas do artefacto, mas que não cobre a sua totalidade, sendo observáveis áreas com negativos da lascagem inicial.

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FIG. 2-15. Enxó GPC-15. (em cima) Junto ao golpe de enxó, observa-se um polimento que deve ter reduzido consideravelmente os negativos de lascagem inicial. (em baixo) Bordo da enxó.

� FIG. 2-16. Enxó GPC-15. Amplos negativos de lascagem inicial, contrastando com o polimento subsequente.

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� FIG. 2-17. Enxó GPC-15. Amplos negativos de lascagem inicial, contrastando com o polimento subsequente.

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FIG. 2-18. Enxó GPC-16.

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FIG. 2-19. Vista de bordo, com o perfil do golpe da enxó, e de face de GPC-16.

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FIG. 2-20. (em cima) Golpe de enxó convexo simétrico de GPC-16, também simétrico ao fio de gume. (em baixo) Bordo com o perfil do fio de gume da enxó GPC-16, sendo visível toda a arquitectura da extremidade distal de uma enxó típica, bem desenhada e bem polida.

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FIG. 2-21. Enxó GPC-16. Detalhes do polimento das áreas mesial e proximal.

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FIG. 2-22. Machado GPC-5.

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FIG. 2-23. Machado GPC-5.

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FIG. 2-24. Machado GPC-5. Vista de bordo-gume, com a construção simétrica convergente das faces.

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FIG. 2-25. Machado GPC-6.

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FIG. 2-26. Machado GPC-6, face, bordos mostrando o polimento pesado mas que não cobre a totalidade dos planos de lascagem, visíveis quer no bordo, quer na área proximal. Em baixo, imagem de perfeita arquitectura de um gume simétrico de machado.

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FIG. 2-27. Machado GPC-6, com a construção simétrica convergente das faces.

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FIG. 2-28. Machado GPC-7.

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FIG. 2-29. Machado GPC-7. (em cima) Área do plano inicial do bordo da extremidade proximal não completamente corrigida pelo polimento.

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FIG. 2-30. Machado GPC-8.

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FIG. 2-31. Machado GPC-8, com uma das faces cheia de concreções aderentes.

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FIG. 2-32. Machado GPC-9.

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FIG. 2-33. Machado GPC-9, sendo visíveis, em baixo, e na figura seguinte, o polimento que não recobre completamente as superfícies de lascagem iniciais.

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FIG. 2-34. Detalhe do bordo esquerdo do machado GPC-9, sendo visíveis, em baixo, o polimento que não recobre completamente as superfícies de lascagem iniciais.

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FIG. 2-35. Machado GPC-10.

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FIG. 2-36. Aspectos do machado de secção circular e corpo picotado GPC-10. Basicamente, só as duas faces do gume apresentam polimento, aliás excelente. Tanto o corpo, como três quartos da extremidade proximal apresentam um picotamento cerrado.

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FIG. 2-37. Machadinho de fibrolite GPC-11.

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7. Artefactos cerâmicos

7.1. A cerâmica pré-histórica

Apenas três recipientes pré-históricos de cerâmica foram identificados na gruta de Porto Covo: a taça com pé lisa GPC-1, o vaso campaniforme liso GPC-2 e a pequena taça GPC-3.

Exceptuando GPC-3, pelos sinais de uso do ocre vermelho, este conjunto integra-se perfeita-mente nos contextos atribuíveis a meados e aos dois últimos séculos do 3.º milénio, contrastando com a indústria lítica, de pedra lascada e polida, aparentemente anterior. Estas cerâmicas são coerentes, numa perspectiva cronológico-cultural, com a ponta de projéctil tipo Palmela.

Existem ainda dois outros artefactos cerâmicos claramente pertencentes à Idade do Ferro: os cossoiros GPC-23 e -25.

IGM-GPC-1 [Figs. 2-38 a 2-41]A taça GPC-1 resulta da colagem, em fresco, de uma taça de bordo aplanado e de um troncocó-nico. A colagem deste troncocónico foi reforçada interna e externamente de forma a, no exterior, se produzir um ponto de inflexão, e não uma ruptura de planos na área visível. No interior, a colagem do troncocónico foi reforçada e corrigida pela massa do fundo da taça, acrescentada por mais argila. No entanto, a colagem dos dois componentes originais foi efectuada com algum desequilíbrio para a taça, o que produziu uma altura máxima de 16,7 cm contra uma mínima de 15,50. O próprio bordo da taça tem uma largura de lábio irregular, que oscila entre 15,43 e 9,48 mm, o que mostra uma constante irregularidade na concepção morfológica de esta peça.Para comodidade de análise, vamos separar, para descrição, os 2 componentes deste notável recipiente.O pé: com uma altura média de cerca de 80 mm, e um diâmetro externo da base de 150 mm, e interno, no mesmo ponto, de 130 mm, a altura interna chega a atingir os 90 mm. O bordo da base sobressai ligeiramente para o interior e a sua espessura oscila entre 13,47 e 8,30 mm. O ponto de junção entre o troncocónico que serve de base e a taça está grosseiramente alisado, mas a leitura é perturbada pelo restauro.A taça: apresenta uma altura interna que ronda os 85 mm. O diâmetro externo é num dado ponto de 235 mm e o interno no mesmo ponto de 21,5 mm.A taça com pé, enquanto um só artefacto: na totalidade desta peça, é de sublinhar uma cozedura mais oxidante que redutora , com a redução concentrada no fundo da parte superior da peça. São visíveis numerosos componentes não plásticos, de pequena e média dimensão, constituídos por calcário e quartzo. Estes componentes não plásticos encontram-se uniformemente distribuídos por toda a peça, pelo que a pasta de argila deve ter sido muito bem misturada antes da moldagem.

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IGM-GPC-2 [Figs. 2-42, em baixo, e 2-43]Este vaso campaniforme liso, de cozedura fortemente oxidante, e com algumas manchas de arrefecimento redutor, tem uma altura total de 125 mm. A abertura da boca tem externa-mente a dimensão de 119 mm e interna, no mesmo ponto, de 105. A espessura no bordo oscila entre os 6,73 e os 4,72 mm. Os componentes não plásticos são os mesmos de GPC-1, mas estão muito mais irregularmente distribuídos. Algumas áreas da superfície externa ainda preser-vam engobe e apresentam traços de polimento. Alguns componentes não plásticos, de cor castanho-escuro, contrastam com a uniformidade encontrada em GPC-1, mas é bom não nos esquecermos da localização da gruta, muito mais perto das fontes de matéria-prima da Serra de Sintra que qualquer um dos sítios com campaniformes do actual concelho de Cascais.

IGM-GPC-3 [Figs. 2-42, em cima, e 2-44]Pequena taça espessa (quase uma taça de beber). Com uma altura máxima de apenas 30,46 mm e com um diâmetro de boca externo de 96,93 e interno no mesmo sítio de 79,91, é uma taça grosseira e mal acabada, com componentes não plásticos de calcário de dimensões pequenas e médias. A cozedura é redutora nas paredes externas do recipiente e oxidante no interior, mas não é impossível que a peça tenha estado sujeita ao fogo. O diâmetro do bordo oscila entre os 9,94 e os 7,63 mm. Nenhum traço de engobe, apenas aguada. Sinais de ocre vermelho do interior.

7.2. Artefactos cerâmicos da Idade do Ferro: os cossoiros ou pesos de fuso

Tal como no Poço Velho, recolheram-se cossoiros da Idade do Ferro, pesos para fuso atribuíveis a curto episódio de permanência no local (de uma pastora, na vigilância do rebanho?).

IGM-GPC-23 [Figs. 2-45, à direita, e 2-46]

Com a forma geral de um pequeno vulcão, com a base ligeiramente côncava, a sua altura é de 19,39 mm, o diâmetro de 47,49 e a perfuração mede no topo 8,43 e na base 12,29. Cozedura redutora. Peso: 36,80 g.

IGM-GPC-25 [Figs. 2-45, à esquerda, e 2-46]A altura é de 16,29 mm, o diâmetro 43,47, a perfuração no topo é de 8,74, sendo sensivelmente igual na base, onde está ligeiramente descentrada em relação à grande depressão que ela inclui. O seu aspecto é muito mais regular e a secção plano-convexa, contrastando com o «vul-canismo» do anterior cossoiro. Peso: 32,72 g.

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FIG. 2-38. Taça com pé, lisa, GPC-1.

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FIG. 2-39. Taça com pé, lisa, GPC-1.

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FIG. 2-40. Taça com pé, lisa, GPC-1.

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FIG. 2-41. Taça com pé, lisa, GPC-1.

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FIG. 2-42. (em cima) Taça baixa GPC-3. (em baixo) Vaso campaniforme liso GPC-2.

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FIG. 2-43. Vaso campaniforme liso GPC-2.

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FIG. 2-44. Taça baixa GPC-3. No interior, traços de ocre vermelho, sendo possivelmente dentro deste recipiente que se processou a mistura corante utilizada nos rituais fúnebres.

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FIG. 2-45. Cossoiros da Idade do Ferro GPC-23 e 25.

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FIG. 2-46. Cossoiros da Idade do Ferro GPC-23 e 25, vistos de cima (à esquerda) e de baixo (à direita).

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8. A ponta de projéctil «tipo Palmela»

IGM-GPC-24, PONTA «TIPO PALMELA» [Fig. 2-47]Peso: 12,55 g. Altura: 89,30 mm; largura num ponto médio do espigão: 4,03 mm; largura máxima da lâmina: 24,69 mm; espessura: 1,81 mm.

Alfredo Bensaúde (1888-1892) efectuou uma análise de tipo destrutivo a «Nº 5. Pointe de lance de la Grotte de Cascaes [Poço Velho].» (p. 120). A sua composição era então comparada com outra ponta de projéctil proveniente de Palmela (Grutas artificiais do Casal do Pardo?). Apesar das dife-renças de tecnologia, acrescentei uma coluna com os resultados obtidos para a ponta de Porto Covo na recente análise por XRF, efectuada, a meu pedido, por Fátima Araújo (ITN).

QUADRO 5 – ANÁLISES METÁLICAS POR BENSAÚDE E ARAÚJO

Componente Poço Velho Palmela Porto Covo

Cobre 88,87 96,16 98,3

Estanho 0,50 0,49 0,5

Chumbo 0,33 0,35 NI

Zinco 0,21 0,19 NI

Ferro 1,22 0,43 0,1

Arsénio 0,0 0,0 1

Insolúvel 7,31* 0,53 NA

Diferença e elementos não doseados 1,56 1,70** NA

TOTAL 100,00 100,00 99,9

* areia** «Les éléments reconnus et non dosés sont: l’acide carbonique, l’eau, l’oxygène et la silice.», nota à p. 120.NI não identificado.NA não aplicável.

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FIG. 2-47. Ponta de metal tipo Palmela GPC-24.

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Bensaúde comenta, de seguida: «Ces chiffres indiquent bien qu’a l’exception de la 6ème analyse et peut être de la 7ème toutes les autres [portanto, Porto Covo e Palmela] manifestent la présence de cuivres impurs, l’impureté s’explique probablement par l’imperfection des procedes metallurgi-ques qui ne permettaient pás alors une séparation complete des métaux étrangers contenus dans le cuivre natif ou peut être dans les minerais de cuivre.» (p. 121).

Esta leitura, datada de 1889, está ainda marcada pela ressaca do Congresso de 80 e Ben-saúde discorda claramente (e com razão, como sabemos hoje) da interpretação de Cartailhac nas «Âges…», defendendo a importação de um cobre, segundo o sábio francês, inexistente ou quase na Península. Aí Bensaúde é taxativo e refere as jazidas cupríferas do Alentejo central e as do Baixo Alentejo, bem conhecidas suas.

A análise recentemente efectuada, a meu pedido, por Fátima Araújo e incluída no Quadro acima, é a expectável, sendo muito curiosa a sua similitude com a do Casal do Pardo.

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9. A fauna mamalógica [Fig. 2-48]

Paço e Vaultier, desconhecedores dos detalhes da paleofauna, referem que os ossos de animais provenientes de Porto Covo teriam sido classificados por Henri Breuil: «…vários fragmentos de hiena, lince, lobo, boi, veado, javali, coelho e tartaruga, segundo classificação feita ultimamente pelo Prof. Breuil.» (Paço e Vaultier, 1943, p. 12). O Prof. João Luís Cardoso examinou os ossos de animal existentes no IGM, num tabuleiro assinalado «Porto Covo», e identificou uma diáfise de osso longo de bovídeo e um úmero de lobo. Nenhum traço dos restantes representantes da fauna mamalógica, e muito menos do quelónio, restos provavelmente perdidos ou arrumados em parte incerta durante a rearrumação do museu. Mas a identificação por Breuil valida o conjunto.

Hiena, lince, lobo, boi, veado, javali e coelho são espécies selvagens comuns no putativo ecos-sistema do 4.º e do 3.º milénios da vertente sul da Serra de Sintra e nada de especialmente sim-bólico pode, à partida, atribuir-se a este conjunto. O que não quer dizer que não tenha havido qualquer deposição ritual de estes animais, inteiros ou esquartejados, mas apenas que não temos actualmente qualquer possibilidade de saber se assim foi.Mas a tartaruga, aqui «associada» aos mamíferos, não cresce nas árvores nem pasta nos vales, pelo que se coloca, em relação a ela, o mesmo que se irá referir já adiante sobre a fauna malaco-lógica.

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FIG. 2-48. (à esquerda) Diáfise de osso longo de bovídeo, (à direita) úmero de lobo.

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10. A fauna malacológica [Figs. 2-49 e 2-50]

Na primeira publicação sobre Porto Covo (Paço e Vaultier, 1943, p. 12), referia-se a existência de espécies marinhas que os autores identificavam como «elementos de Purpura hoemastona [sic], Cassis Saburon e Cardium.». Não estou seguro que todas essas conchas tenham chegado até nós. As que sobreviveram mereceram alguns comentários, a meu pedido, a Carlos Tavares da Silva e são as seguintes:

1. Cassis saburon (Bruguière), «que habita fundos móveis dos andares infralitoral e circalitoral»;2. Thais haemastoma (L.), «que vive no andar infralitoral»; 3. Acanthocardia echinata (L.): «parece-me ter possuído tubérculos ou espinhos sobre as cane-luras radiais, os quais teriam desaparecido por ablação intencional ou por erosão natural. Se tal aconteceu, trata-se provavelmente do Acanthocardia echinata (L.) que vive sobre fundos móveis circalitorais.»;4. Ostrea edulis, (L.), «…o seu aparente estado de erosão cria-me algumas dúvidas. Penso, con-tudo, tratar-se da espécie Ostrea edulis L., que ocorre num andar médio-litoral de ambientes estuarinos.».

Estas conchas não foram recolhidas para alimentação, estando já mortas quando foram recu-peradas. Temos assim, no seu transporte para Porto Covo, uma finalidade claramente ritual, par-ticularmente significativa em populações em cuja dieta a presença de alimentos de origem mari-nha parece ser minoritária.

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FIG. 2-49. (em cima) Cassis saburon, Bruguière, (em baixo) Thais Haemastoma (L.). Respectivamente, 4 e 7,5 cm de largura.

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FIG. 2-50. (em cima) Achantochardia echinata (L.), (em baixo) Ostrea edulis (L.). Respectivamente, 4,3 e 10 cm de largura.

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11. Os ossos humanos [Figs. 2-51 a 2-56]

ANA MARIA SILVA

11.1. Em geralO espólio ósseo humano proveniente da gruta natural do Porto Covo é constituído por aproxi-

madamente 64 peças ósseas e 25 dentes (dos quais 21 soltos). Estão representadas peças ósseas do esqueleto craniano e pós-craniano (apendicular e axial) de indivíduos adultos e não adultos.

Os ossos encontram-se muito incompletos e com várias alterações da sua superfície óssea como impregnações de raízes, acção de fungos e de água. Após a sua limpeza superficial, foi pos-sível verificar que algumas peças ósseas (cranianas e pós-cranianas) apresentavam pequenas manchas de ocre. Outra alteração observada, de interpretação difícil, foi a superfície de fractura irregular de uma metade escapular de clavícula direita (Fig. 2-51).

11.2. Perfil demográfico da amostra

O número mínimo de indivíduos desta amostra é de seis: quatro adultos (pela contagem dos úmeros esquerdos) e dois não adultos (pelos fémures). Dos quatro adultos, dois são do sexo femi-nino, diagnóstico realizado com base na extremidade distal de dois úmeros esquerdos (recor-rendo à metodologia de Wasterlain, 2000), que são particularmente gráceis (Fig. 2-55). Os restan-tes fragmentos ósseos recuperados não permitiram uma diagnose sexual.

No que diz respeito à idade à morte dos adultos, não há quaisquer indicadores etários directos. Porém, o registo de patologia degenerativa articular, incluindo um caso já de alguma severidade e o desgaste dentário muito elevado de vários dentes, permite sugerir a presença de indivíduos com uma idade à morte superior a 40 anos. Os dois não adultos foram contabilizados pelos fému-res, que pertencem a indivíduos com uma idade à morte inferior a 5 anos (Fig. 2-56). A presença de não adultos é ainda atestada por um pequeno fragmento de diáfise de úmero esquerdo e parte de uma calote craniana, constituída pela metade direita do osso frontal, um pequeno fragmento da região esquerda do osso frontal e pelo osso parietal esquerdo. Esta calote apresenta ainda a sutura metópica aberta. Com base no comprimento do osso frontal, é possível avançar uma idade à morte entre os 1 e 2 anos (Scheuer e Black, 2000), ainda que esta estimativa deva ser encarada com alguma prudência face à deformação pós-mortem da referida peça óssea.

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11.3. Análise morfológicaA análise morfológica ficou muito comprometida pela escassez e fraca preservação dos restos

ósseos. Em termos métricos, apenas um metatársico direito, pertencente a um adulto de sexo indeterminado, permitiu estimar uma estatura de 1,53 m (Santos, 2002). Em termos não métri-cos, alguns caracteres discretos foram observados: dois úmeros esquerdos apresentam abertura septal (2/2) e num fémur esquerdo foi observada fossa hipotrocanteriana (1/3). Um pequeno frag-mento esquerdo da região posterior de mandíbula, não apresenta ponte mielohióide (1/1). Nos restos odontológicos dos dentes posteriores inferiores apenas foi possível registar os dados para um 2.º molar inferior direito, que apresenta 4 cúspides, padrão X e ausência de cúspides supranu-merárias (C6 e C7, segundo a metodologia de Turner e Scott, 1991).

11.4. Os «males» dos indivíduos do Porto Covo: as patologias detectadas

Ainda que a amostra seja de tamanho reduzido, e com uma representatividade muito dife-rencial das peças ósseas, foram detectadas evidências de patologia oral, degenerativa articular, infecciosa e traumática.

Nas articulações de um talus (osso do pé) direito, foram registadas alterações degenerativas de grau mínimo. Numa vértebra cervical inferior (Fig. 2-53), os dois processos articulares esquerdos (superior e inferior) apresentam alterações degenerativas de grau médio (2) e de grau mínimo (1).

Ainda que não seja fácil observar a superfície óssea destes ossos, em cinco fragmentos foram registados sinais ténues de infecção do periósteo (periostite): um fragmento de fémur esquerdo, dois fragmentos de tíbia esquerdas e dois de tíbia direita (Fig. 2-54).

Na metade esternal da diáfise de uma clavícula esquerda, a região da fossa rombóide apre-senta-se muito achatada, em sentido supero-inferior (Fig. 2-51). A peça encontra-se fragmentada nessa região, dificultando uma interpretação precisa, mas provavelmente trata-se de uma patolo-gia de natureza traumática, ainda que não se possa excluir tratar-se de uma variação anatómica ou outro tipo de patologia.

Os restos dentários desta amostra são constituídos por 25 peças (10 superiores e 15 inferiores), todas pertencentes à dentição definitiva. Estão representados os quatro tipos de dentes. O des-gaste dentário observado varia entre ausente/mínimo a um grau quase máximo (7), na escala de Smith (1984, modificada por Silva, 1996, oito graus de desgaste dentário). Considerando a totali-dade da amostra, o desgaste dentário médio é de 3,84 (n=25 dentes), ou seja, de severidade média. Uma análise por arcada dentária revela que o desgaste médio é superior nos dentes inferiores, de 4,47 (n=15 dentes) que superiores, 2,9 (n=10). Esta média é um pouco mais elevada que a obtida para a maioria das séries portuguesas coevas estudadas por Silva (2002), mas há que ter em con-sideração que a presente amostra é pequena. Apenas foi detectada uma lesão cariogénica, num 2.º pré-molar inferior direito, de grau médio, e na superfície de contacto distal (Fig. 2-52).

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A frequência de cáries obtida (4%) é um valor que se enquadra nos valores estimados para outras séries portuguesas similares (ver Silva, 2003). Depósitos de tártaro foram observados nalguns dentes (n=3). Porém, vários dentes encontravam-se parcialmente cobertos por depósitos relacio-nados com o ambiente da gruta, o que inviabiliza uma análise correcta deste parâmetro.

Nestes restos odontológicos, não foram detectadas hipoplasias do esmalte dentário, um indi-cador de stress fisiológico.

11.5. Considerações finais

Os escassos vestígios ósseos humanos preservados da gruta natural de Porto Covo pertencem a um mínimo de seis indivíduos, quatro adultos (dois dos quais do sexo feminino e bastante grá-ceis) e dois não adultos (com uma idade à morte inferior a 5 anos de idade). A natureza da amos-tra não permite retirar grandes ilações acerca dos indivíduos a quem pertenceram estes restos ósseos. Contudo, alguns aspectos são de realçar: estão representadas todas as partes do esqueleto humano, incluindo ossos de pequenas dimensões, como fragmentos de corpos de costelas e uma falange proximal da mão, ossos pertencentes a adultos e não adultos. Entre os restos odontoló-gicos, todos os tipos de dentes de ambas arcadas estão representados. Inclusivamente, alguns dentes parecem simétricos (dois incisivos centrais superiores, dois primeiros molares superiores e dois incisivos centrais inferiores). Os ossos longos preservados são predominantemente gráceis. Foram observados sinais de patologia oral, degenerativa articular, infecciosa e traumática.

A ausência de dados sobre a disposição dos restos ósseos humanos na gruta inviabiliza uma análise sobre o tipo de inumação (primária versus secundária), ainda que a presença de ossos de todas as regiões do esqueleto humano venha de encontro à primeira hipótese.

[7 de Maio de 2008]

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FIG. 2-51. (à esquerda) Metade esternal de clavícula esquerda de adulto, (à direita) metade escapular de clavícula direita de adulto, com plano de corte bizarro.

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FIG. 2-52. 1: Dois fragmentos da metade esquerda de duas mandíbulas. 2: pré-molar direito inferior de adulto, com cárie. 3: plano de corte da metade escapular de adulto da Figura anterior, com corte bizarro (intencional?).

1

2 3

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FIG. 2-53. 1: Vértebra cervical com artrose. 2: (em cima) diáfise de fémur direito de não adulto, (em baixo) diáfise de fémur esquerdo de não adulto.

1

2

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FIG. 2-54. Diáfise de tíbia de adulto, com sinais de periostite.

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FIG. 2-55. Dois úmeros esquerdos femininos, o da esquerda (1) em norma anterior e o da direita (2) em norma posterior (1:1).

1 2

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A UTILIZAÇÃO PRÉ-HISTÓRICA DA GRUTA DE PORTO COVO (CASCAIS). UMA REVISÃO E ALGUMAS NOVIDADES VICTOR S. GONÇALVES 157

FIG. 2-56. (à esquerda) Diáfise de fémur direito, norma posterior e (à direita) diáfise de outro fémur direito, norma anterior.

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TRÊS

PORT

O C

OVO

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S SE

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POS

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A UTILIZAÇÃO PRÉ-HISTÓRICA DA GRUTA DE PORTO COVO (CASCAIS). UMA REVISÃO E ALGUMAS NOVIDADES VICTOR S. GONÇALVES 161

12. A cronologia absoluta: duas ocupações distintas no 4.º milénio, uma no 3.º [Quadro 6 e Fig. 3-1]

12.1. A cronologia disponível

Tal como se fará para Poço Velho, cabe aqui uma comparação entre as datações actualmente disponíveis para os dois conjuntos, ambos referentes à utilização de grutas naturais como luga-res funerários. Naturalmente, comentarei aqui detalhadamente as de Porto Covo, deixando as de Poço Velho apenas como referência.

QUADRO 6 – A CRONOLOGIA ABSOLUTA DE PORTO COVO E POÇO VELHO

Origem Tipologia Natureza da amostra # Ref.delta

13C/12C 0/00

DataConvencional

BP

Cal BC1 σ

IntercpCal BC

Cal BC2 σ

Porto Covo Gruta

Diáfi se de fémur direito ( ), com manchas de

ocre vermelho, Fig. 2-56, dª.

GPC-A-3 Beta-245134 -18,9 4870±40 3660-3640 3650 3710-3630

Porto Covo Gruta

Diáfi se de fémur direito ( ), com manchas de ocre

vermelho, Fig. 2-56,eª e Fig. 3-3.

GPC-A-5 Beta-245136 -18,9 4790±40 3640-3530 3630 3650-3510

Porto Covo Gruta

Diáfi se de fémur direito, Fig. 2-53, 2, osso de cima.

Mesmo indivíduo que Beta-245133.

GPC-A-6 Beta-244819 -18,0 4660±40 3510-33703490,3460,3380

3620-3360

Porto Covo Gruta Úmero esquerdo

( ) <, Fig. 2-55, 2. GPC-A-1 Beta-245133 -18,8 4650±40 3510-3360 3490, 3460, 3370 3610-3360

Porto Covo Gruta Úmero esquerdo

( ) >, Fig. 2-55, 1. GPC-A-2 Beta-244818 -19,5 4580±40 3370-3340 3360 3490-3120

Porto Covo Gruta

Diáfi se de tíbia de adulto ( ?), com sinais

de periostite. Fig. 2-54.

GPC-A-4 Beta-245135 -20,0 4100±40 2850-2580 2630 2870-2500

Poço Velho F-3 Osso humano IGM-1913 Beta-244394 -19,1 4520±40 3350-3110

3340, 3210, 3190

3360-3090

Poço Velho F-2? F-3? Osso humano IGM-2703 Beta-245138 -19,1 4500±40 3340-3100

3320, 3220, 3180, 3160, 3120

3360-3030

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VICTOR S. GONÇALVES A UTILIZAÇÃO PRÉ-HISTÓRICA DA GRUTA DE PORTO COVO (CASCAIS). UMA REVISÃO E ALGUMAS NOVIDADES162

Origem Tipologia Natureza da amostra # Ref.delta

13C/12C 0/00

DataConvencional

BP

Cal BC1 σ

IntercpCal BC

Cal BC2 σ

Poço Velho SIF Mandíbula IGM-S/N OxA-5533 -19,4 4245±55 2910-2710 ND 2920-2630

Poço Velho SIF Tíbia humana CCG-PV.781 Beta-244393 -19,1 4160±50 2880-2630

2860, 2800, 2750, 2710

2890-2580

Poço Velho SIF Cabeça de fémur dª CCG-778 Beta-178464 -19,3 4150±40 2870-2630

2860, 2810, 2690

2880-2580

Poço Velho SIF Haste de alfi nete

de cabelo, de osso CCG-PV-147 Beta-244390 ND 4150±40 2870-2630

2850, 2810, 2750, 2720, 2700

2880-2580

Poço Velho SIF Mandíbula IGM-S/N OxA-5532 -19,6 4090±55 2860-2500 ND 2870-2470

Poço Velho F-2 Crânio humano IGM-2834 Beta-244396 -19,1 4090±40 2840-2570 2620 2860-2490

Poço Velho F-3 Osso humano IGM-2136 Beta-244395 -18,5 4030±40 2580-2480

2570, 2510, 2500

2830-2470

Poço Velho F-2 Osso humano IGM-2828 Beta-245137 -20,2 4030±40 2580-2480

2570, 2510, 2500

2830-2470

Poço Velho SIF Fémur humano CCG-PV-779 Beta-244392 -18,8 3970±40 2560-2460 2480 2570-2350

Poço Velho SIF Osso coxal CCG-750 Beta-178463 -19,7 3960±40 2490-2450 2470 2570-2340

Poço Velho F-2 Crânio humano IGM-2838 Beta-244397 -19,8 3920±40 2470-2340 2460 2550-2290

F-2, F-3: Ossos provenientes da Furna 2, ossos provenientes da Furna 3. SIF: Poço Velho, mas sem indicação de Furna.#: número de inventário do osso analisado.Ref.ª: número de referência de Laboratório.Intercp: intercepção da idade em anos de radiocarbono com a curva de calibração.

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A UTILIZAÇÃO PRÉ-HISTÓRICA DA GRUTA DE PORTO COVO (CASCAIS). UMA REVISÃO E ALGUMAS NOVIDADES VICTOR S. GONÇALVES 163

O primeiro comentário caberia naturalmente para os valores delta 13C/12C 0/00, situados entre os parâmetros habitualmente considerados como definidores de uma alimentação maioritaria-mente de origem terrestre, ou mista, o que quer dizer que, em Porto Covo, como em Poço Velho, os inumados não consumiram, de forma detectável nos seus ossos, uma alimentação maioritaria-mente de tipo marinho. O indivíduo «campaniforme» é justamente o único com um valor elevado indicativo de uma dieta quase exclusivamente terrestre. O que nos liberta dos problemas da dis-cussão em torno ao «efeito de reservatório», para a qual não tenho, aliás, qualquer competência que me permita tomar partido.

Vamos portanto às datações obtidas e aos problemas que elas colocam.

12.2. Os agrupamentos de datações e o seu significado

As datações disponíveis foram obtidas para os cinco indivíduos adultos, considerado o estado muito fragmentário dos ossos dos dois subadultos, mas tal parece irrelevante. Poderíamos, falando genericamente, afirmar que são detectáveis em Porto Covo dois momentos muito bem diferenciados para as deposições funerárias, o primeiro do 4.º milénio, o segundo do 3.º. Mas há precisões por definir, o que se fará já adiante.

Ao 3.º milénio refere-se a datação mais recente, Beta-245135 (4100±40 BP, 2870-2500 cal BC 2 sigmas), obtida sobre uma diáfise de tíbia de adulto, com sinais de periostite (Fig. 2-54).

Esta datação só pode corresponder ao conjunto dos dois vasos lisos, o vaso campaniforme e a taça com pé.

É certo que parece antiga demais para materiais campaniformes, mas é bom não esquecermos que nunca se esclareceu se os campaniformes lisos (taças com pé incluídas) são:

1. degenerações dos modelos decorados;2. artefactos contemporâneos;3. protótipos, localizáveis numa fase inicial das cerâmicas campaniformes, sendo assim os per-fis anteriores às decorações, tal como se verifica com as taças de bordo espessado.

Não é certamente a datação de Porto Covo que vai responder a esta questão, mas esta proble-mática não deve ser dela afastada.

As outras cinco datações disponíveis levantam uma série complexa de problemas.Estamos claramente perante um grupo (o 4.º milénio) e dois subgrupos:

1. um, da primeira metade do 4.º milénio, mais propriamente do seu segundo quartel, prova-velmente com duas inumações;2. outro, de meados do milénio até ao seu penúltimo século.

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1.º subgrupo (intervalos de tempo entre 3710 e 3630):

Beta-245134 (4870±40 BP, 3710-3630 cal BC 2 sigmas)Diáfise de fémur direito, Fig. 2-56, 2. GPC-A-3.

Beta-245136 (4790±40 BP, 3650-3510 cal BC 2 sigmas)Diáfise de fémur direito, Fig. 2-56,1. GPC-A-5.

Seriam estas as primeiras deposições funerárias na gruta, datáveis do segundo quartel do 4.º milénio.

As intercepções destas duas primeiras datações estão muito próximas (3650 e 3630), tratando--se concretamente de dois indivíduos, talvez um «casal». De qualquer forma, dada a natureza das evidências, não é viável avançar mais que isto.

2.º subgrupo (intervalos de tempo entre 3620 e 3120)

Beta-244819 (4660±40 BP, 3620-3360 cal BC 2 sigmas)Diáfise de fémur direito, Fig. 2-53, 2, osso de cima. GPC-A-6.

Beta-245133 (4650±40 BP, 3610-3360 cal BC 2 sigmas)Úmero esquerdo feminino <, Fig. 2-55, 2. GPC-A-1.

Estas duas datações correspondem a um único indivíduo, do sexo feminino.

Beta-244818 (4580±40 BP, 3490-3120 cal BC 2 sigmas)Úmero esquerdo feminino >, Fig. 2-55, 1. GPC-A-2.

Destacando-se das datações anteriores, Beta-244818 corresponde claramente à última deposi-ção efectuada no 4.º milénio (concretamente, de uma mulher), a que se seguiria um intervalo de 250 anos até ao parâmetro superior da datação referente à deposição com campaniformes lisos. Este intervalo, como sabemos, é o mínimo, podendo aumentar de forma impossível de calcular até ao limite inferior da datação Beta-245135 (2500 cal BC, a 2 sigmas).

Há assim claramente uma sequência dentro do 4.º milénio, um intervalo na utilização funerá-ria da gruta, provavelmente correspondendo a um vazio de povoamento, não quantificável com precisão, e depois uma deposição algures no 2.º quartel do 3.º milénio.

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A UTILIZAÇÃO PRÉ-HISTÓRICA DA GRUTA DE PORTO COVO (CASCAIS). UMA REVISÃO E ALGUMAS NOVIDADES VICTOR S. GONÇALVES 165

Ou seja:

4.º Milénio1.ª deposição funerária ( *).Muito provavelmente, um Homem e uma Mulher, cujos ossos apresentam sinais de ocre ver-melho.

2.ª deposição funerária ( )Certamente, duas mulheres.

3.º MilénioÚnica deposição funerária ( *)Um Homem.

Em termos de rotulagem «cultural», estaríamos, em Porto Covo, sem qualquer margem para dúvida, no que habitualmente se chama (sem se saber ainda muito bem o que o que foi) de Neo-lítico médio.

Nenhuma das datações aponta a transição do 4.º para o 3.º milénio, onde proliferaram cerâmicas tão facilmente reconhecíveis como as taças carenadas ou os bordos recortados ou entalhados.

Finalmente, uma datação refere-se ao Calcolítico, não à sua fase inicial, mas ao que, grossei-ramente, por falta de detalhes, com suporte da cronologia absoluta, designamos por Calcolítico médio. Talvez seja este um dos testemunhos do primeiro arranque das formas cerâmicas campa-niformes, algumas derivadas das antigas taças de bordo espessado, agora fundidas, por vezes, a suportes de vaso troncocónicos e não hiperbolóides ou cilindróides, como os recolhidos no Cerro do Castelo de Santa Justa, no Alto Algarve Oriental (Gonçalves, 1989).

No actual contexto, nada mais pode ser dito.

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FIG. 3-1. Gráfico mostrando a distribuição temporal das datas de radiocarbono calibradas a 2 sigmas.

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13. Porto Covo e o mundo de Poço Velho e S. Pedro do Estoril. O caso da gruta 2 de S. Pedro do Estoril: a mesma história ou uma curiosa coincidência?[Figs. 3-2 a 3-11]

13.1. As cronologias

Porto Covo é uma gruta natural a vários quilómetros do mar, quase quatro para Poente, quase sete para Sul, S. Pedro do Estoril 2 é um hipogeu escavado na falésia. Diferentes tipologias, muito diferentes implantações. O que justifica então esta comparação e a dúvida subsequente?

Comecemos pela cronologia absoluta (Quadro 7, p. 168).

As datas já obtidas para ossos humanos de S. Pedro do Estoril 2 (Gonçalves, 2005) cobrem um lapso de tempo possível bastante lato, de 3640 a 2140 a.n.e, segundo a calibração a dois sigmas. Na verdade, no caso de S. Pedro do Estoril, essas datas podem ser «arrumadas» de acordo com grupos «lógicos», do mais antigo para o mais recente:

1.º Grupo3640 a 3370 (Beta-188390) – é uma data difícil de comentar, até porque mesmo o seu parâme-

tro mais baixo (3370) é alto demais para o tipo de monumento. Mas a datação foi feita sobre uma tíbia em bom estado de conservação e tecnicamente a datação é inquestionável. No entanto, uma gruta artificial (ainda que pouco ortodoxa) a um mínimo de 370 anos do 3.ºmilénio? Parece-me largamente excessivo.

2.º Grupo2860 a 2490 (Beta-188389 e -178465) – dois intervalos de tempo idênticos para dois ossos

humanos também em bom estado e, desta vez, claramente da primeira metade do 3.º milénio, mais propriamente na altura da grande difusão arqueometalurgista para Ocidente, compatível com a densificação da ocupação calcolítica das Penínsulas de Lisboa e Setúbal (Gonçalves e Sousa, 2006).

3.º Grupo2460 a 2200, 2450 a 2140 e 2330 a 2060 (Beta-178466, -178467 e -178468) – três datações posicio-

nadas na segunda metade do 3.º milénio, perfeitamente compatíveis com o campaniforme.

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QUADRO 7 – CRONOLOGIA ABSOLUTA PARA A NECRÓPOLE DE S. PEDRO DO ESTORIL

Origem Tipologia Natureza da amostra # Ref.ª 13C/12C

0/00

DataConvencional

BP

Cal BC1 σ

Cal BC2 σ

S. Pedro do Estoril 1

Gruta artificial Tíbia CCG-1119 Beta-188390 -19.0 4720±40 3620-3380 3640-3370

S. Pedro do Estoril 2

Gruta artificial

Epífise proximal de fémur

direito

CCG-1278 Beta-188389 -19.8 4090±40 2850-2580 2860-2490

S. Pedro do Estoril 2

Gruta artificial Úmero CCG-869 Beta-178465 -19.8 4090±40 2850-2580 2860-2490

S. Pedro do Estoril 2

Gruta artificial

Fémur esquerdo CCG-1279 Beta-178466 -19.6 3850±40 2400-2220 2460-2200

S. Pedro do Estoril 1

Gruta artificial

Epífise superior de fémur esquerdo

CCG-1890 Beta-178467 -19.4 3830±40 2330-2210 2450-2140

S. Pedro do Estoril 1

Gruta artificial

Falange da mão

com espiral de ouro

CCG-1892 Beta-178468 -19.6 3790±40 2290-2140 2330-2060

Como vimos, as datações obtidas para Porto Covo correspondem a duas fases nítidas, a mais antiga subdivisível em dois momentos. A datação Beta-245133, de Porto Covo, 3610-3360 cal BC 2 sigmas é estatisticamente idêntica à de S. Pedro do Estoril 1 Beta 188390, 3640-3370. Teria a gente da serra descido do interior para o litoral e transportado restos ósseos dos seus antepassados como memória genético-simbólica?

Uma coisa seria a situação para Poço Velho, como Porto Covo, uma gruta natural. Para uma gruta artificial tipo coelheira a situação é, porém, mais complicada. A ela voltaremos na monogra-fia em preparação sobre a necrópole de S. Pedro do Estoril

Resta assim o (quase) essencial, os ritos fúnebres.

13.2. Os ritos da morte

Sobre Porto Covo, sabemos que uma população reduzida, incluindo duas crianças com menos de cinco anos (uma delas entre 1 e 2 anos), duas mulheres e, provavelmente, três homens foram aí depositados em primeira inumação. Uma de essas deposições corresponde a meados do 3.º milénio (vaso e taça com pé, lisos, «campaniformes»), mas as outras cinco são mais complexas de contextualizar.

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Fora tratar-se de deposições primárias, a seguir à morte, o que se sustenta nas informações da análise antropológica (nomeadamente a partir da diversidade dos ossos identificados), o dado mais significativo são os traços do ritual do ocre vermelho, ainda legível nos ossos longos dos dois primeiros indivíduos a ser sepultados na gruta, datados da primeira metade do 4.º milénio.

Quanto à gruta artificial S. Pedro do Estoril 2, com ritos funerários que se aproximam de Porto Covo, o menos que se pode dizer é que contrasta, pela escassez de informação disponível, com os dados registados para gruta 1 de S. Pedro do Estoril. O pouco que sabemos enumera-se, infeliz-mente, com demasiada rapidez para a complexidade dos problemas.

Sobre a antropologia, das conclusões recentemente avançadas por Ana Maria Silva, ressaltam:

1. número mínimo de 51 indivíduos, 41 adultos e 12 subadultos (Silva, 2005, p. 29);2. presentes «…todos os grupos etários nos não adultos, excepto o dos 1-4 anos (idem);3. 12 mulheres e oito homens;4. uma trepanação em adulto jovem, com sobrevivência entre 4 meses e 3 anos.

Mas estes dados têm naturalmente que ver com aspectos de número da população aí deposi-tada e com paleopatologia (e, menos, com os aspectos específicos do ritual fúnebre). Para chegar-mos a uma imagem mais concreta, temos que «escavar» no Relatório Original sobre a necrópole de S. Pedro do Estoril (e, por sorte, trata-se dos raros publicados naquela época e mesmo em deze-nas de anos antes e depois…) e procurar informação.

Sobre a situação da gruta, as deposições e os ritos funerários, seleccionei cinco passagens na monografia original (Leisner, Paço e Ribeiro, 1964):

1. «…o quadro cultural que surge dos relatórios e dos materiais revela uma cultura diferente daquela apresentada pela primeira gruta, criando problemas não apenas locais, mas de impor-tância para a pré-história do País.», p. 17;2. «Nesta gruta o número das inumações era muito inferior ao da gruta 1. Identificaram-se 20 crânios, que ocupavam cerca de dois terços da circunferência da câmara. Havia montes de ossadas, às vezes isoladas, todos junto da parede. Como consta da Est. B, os crânios encontra-ram-se, na maior parte, afastados 0,30 m-0,60 m da parede, enquanto as ossadas do corpo, sobretudo as dos membros inferiores, estavam no espaço entre o respectivo crânio e a parede. Esta disposição dos restos do esqueleto prova que os cadáveres foram postos de cócoras, sen-tados e que, na decomposição dos mesmos, os crânios teriam caído para a frente sobre o chão, onde a maior parte deles foram encontrados.», p. 18;3. «… as ossadas duma criança (LVI) muito nova, que tinha os ossos todos num monte, mas inteiros e em todas as direcções, incluindo o vertical. Estavam entrecruzados com o maxilar inferior, por exemplo, a cavalgar um fémur, donde parece poder inferir-se que, ou foram mexi-dos já ossos, ou que o corpo fora depositado «em monte». Junto a esses ossos encontraram-se pedaços de carvão e cinzas, mas não havia vestígios de incineração de ossos.», p. 18;

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4. «10.° DIA DA ESCAVAÇÃO (l de Agosto)Perto do fundo encontraram-se vestígios de ossadas. Tendo-se passado a escavação mais minuciosa e quanto possível cuidadosa, apareceu um crânio e depois várias ossadas. Foram retiradas neste dia e no seguinte. O aglomerado de ossos está assente no fundo da escavação e tem pelo meio e pela parte imediatamente superior grande número de seixos e de cara-cóis espiraliformes e helicoidais. Os ossos estão geralmente cobertos por uma argila amarela consistente e ainda maleável. O conjunto dá a impressão de que os cadáveres foram simples-mente depositados na cavidade sem terem sido cobertos ou apenas por ligeira camada de argila e de terem estado muito tempo expostos aos agentes atmosféricos, devendo a gruta ter tido vegetação e ter sido às vezes cheia de água das chuvas que deslocou a maior parte dos elementos ósseos.», p. 19;5. «Entre 3,20 m e 4,20 m da parede até 0,80 m para o interior está um grupo de ossadas, apre-sentando a cabeça meio esmagada e com a face para a parede (LIX) e a seguir algumas costelas, à direita ossos dos membros superiores e da bacia, à esquerda, prolongando-se até à parede, ossos dos membros inferiores, cabeça de fémur perto da parede e joelhos para o interior, com as respectivas rótulas. A posição inicial, embora muito alterada, parece ter sido a de decúbito direito com as pernas e os braços recolhidos sobre o peito e o ventre. Dois ossos — uma tíbia e um úmero — estavam paralelos 0,02 m o no sentido do raio da /20 gruta e com a extremidade superior e a cabeça a 0,l0 m da parede. Encostada a estas extremidades, ligeiramente oblíqua, e com o gume voltado a NW, estava a enxó N, 2 a 3,30 m e o machado N.° 3 a 4,10 m e 0,20 m da parede, rodeado de vértebras dorsais e a extremidade de outra tíbia e ossos da bacia. Esta tíbia não parece pertencer ao mesmo indivíduo.», p. 19-20.

Podemos extrair desta informação em bruto alguns elementos de grande interesse, que ela contém, e ainda outros, por omissão:

1. o número de inumações na gruta 2 de S. Pedro do Estoril, considerado muito inferior ao da Gruta 1, foi lido de uma forma diferenciada pelos autores da primeira monografia e por Ana Maria Silva. De acordo com o texto original, foram identificados 20 crânios, o que poderia indi-car um número mínimo de 20 indivíduos. Para Ana Maria Silva, que lidou com uma colecção já mutilada, o nmi seria de 51. Este último número, naturalmente mais fiável, peca mesmo por defeito, se confirmado o extravio de várias caixas de ossos;2. a disposição de alguns «restos do esqueleto» indicou a Leisner, Paço e Ribeiro que os corpos teriam sido colocados sentados, junto às paredes da câmara, tendo a decomposição implicado a queda dos crânios (e eventualmente, dos artefactos que teriam nas mãos);3. a deposição funerária de uma criança (LVI) é particularmente interessante pela informação registada pelos autores (supra, ponto 3). Surpreendeu-os o facto de os ossos se encontrarem «… todos num monte, mas inteiros e em todas as direcções, incluindo o vertical». Sem o saberem, estavam a descrever uma das típicas deposições «em estrela», decorrentes da decomposição

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de um corpo dentro de um saco fechado. Quando o saco se decompôs, os ossos abriram natu-ralmente, segundo o seu peso e a gravidade, em leque ou estrela. A precisão do registo de Leis-ner, Paço e Ribeiro permitem assim identificar a única situação deste tipo encontrada numa gruta artificial;4. uma das informações mais curiosas registadas pelos escavadores da gruta reside naquele que teria sido eventualmente o modo de efectuar as primeiras deposições funerárias. Uma delas (LIX) parece corresponder a uma posição do cadáver em «decúbito direito com as pernas e os braços recolhidos sob o peito e o ventre».

Um dos rituais, certamente tardio dentro da gruta vizinha, S. Pedro do Estoril-1, tem que ver com as deposições associadas a cerâmicas campaniformes, ponto que nos interessa particular-mente pela existência, em Porto Covo, de uma taça com pé e de um vaso campaniforme, ambos lisos.

Possuímos para a gruta 1 de S. Pedro do Estoril uma informação extraordinária, e praticamente única na época, em Portugal: a sequência de níveis, ainda que artificiais, registados na leitura do enchimento da gruta. As particularidades deste registo, que já tive oportunidade de sublinhar (Gonçalves, 2005, p. 117, Fig. 07.27), têm que ser encaradas com grande prudência, uma vez as per-turbações constantes numa necrópole colectiva produzirem efeitos devastadores nas sequências estratigráficas. Produzem, aliás, um efeito que podíamos chamar «síndrome do urso».

Com efeito, como já André Leroi-Gourhan alertou para o Paleolítico, ao prepararem o seu leito de hibernação, os ursos afastam tudo o que lhes perturbaria o sono, ou o tornaria mais desconfor-tável, para a periferia de um círculo onde irão dormir no Inverno. Na Fig. 3-2., a primeira coisa que se observa é o alinhamento mais antigo de artefactos, entre os quais vasos canelados, junto às paredes. As deposições campaniformes, de que nos ocuparemos de seguida, encontram-se locali-zadas ao meio da câmara, num espaço escavado em níveis anteriores e que foi reorganizado para a utilização funerária com campaniformes. Na verdade, aqui, os ursos são bem humanos e pro-curam ganhar espaço para os seus mortos…afastando os outros para a periferia ou não tocando nela, por estar já ocupada.

Considerando assim, com flexibilidade, as intermutações possíveis entre níveis artificiais con-tíguos registados pelos autores, podemos encontrar duas diferentes deposições campaniformes, a primeira registando uma associação entre a taça campaniforme com pé decorada 51 e o vaso campaniforme liso 52. A esta deposição corresponde, muito provavelmente, um ou os dois pun-ções de cobre (57 e 62), a fila de botões 68 a 68j e, certamente, a espiral de ouro 61. É esta a tipifica-ção do «enterramento do casaco».

Outro conjunto funerário associaria a taça com pé decorada 70, a espiral de ouro 82 e o botão tipo carrinho de linha 83. A não pertencer ao enterramento do casaco, o punção de cobre 62 inte-grar-se-ia neste conjunto, o que me parece o mais provável.

A fusão das deposições centradas na Câmara, de conjuntos de níveis contíguos, ajudaria a compreender melhor algumas situações deposicionais complexas, mas que desenvolvem uma

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FIG. 3-2. As prováveis associações das duas taças campaniformes com pé, decoradas, de S. Pedro do Estoril 1 (sobre as plantas de distribuição de Leisner, Paço e Ribeiro, remontadas). Uma delas, a 51, está claramente conectada ao vaso campaniforme liso 52. Ambas, na minha interpretação, pertencem ao «enterramento do casaco», tal como um dos (ou mesmo todos os) anéis-espiral de ouro.

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lógica própria compreensível, como se disse, devido a se tratar de uma necrópole colectiva utili-zada provavelmente durante mil anos.

O registo das condições deposicionais referentes ao fundo da gruta levanta também um inte-resse particular, porque contém fenómenos registados pela positiva, isto é, por existirem, e outros que não foram observados, o que não quer dizer que não tenham existido. É esse o fenómeno do ocre vermelho e da associação machado-enxó.

O ocre vermelho registado nos ossos de Porto Covo é um registo positivo, porque é obser-vável e passível de descrição. O ocre vermelho, não registado na gruta 1 de S. Pedro do Estoril, onde se poderia encontrar nos níveis inferiores, mas não necessariamente nos campaniformes, onde a prática parece estar já abandonada, pode ter sido lavado pelos fenómenos descritos pelos autores: «… os cadáveres foram simplesmente depositados na cavidade sem terem sido cobertos ou apenas por ligeira camada de argila e de terem estado muito tempo expostos aos agentes atmosféricos, devendo a gruta ter tido vegetação e ter sido às vezes cheia de água das chuvas…».

A questão da associação machados-enxós foi pela primeira vez registada na Anta 1 do Poço da Gateira (Leisner e Leisner, 1951). Cada cadáver teria, numa das mãos, um machado, e na outra, uma enxó, permutável com uma goiva. Chamei a atenção (Gonçalves, 1999, p. 41 a 47) para o facto de este ritual ter uma carga simbólica considerável para a fixação das antigas sociedades campo-nesas, e não se limitar a esta anta alentejana. Verifica-se em monumentos bem distantes, entre os quais a gruta 2 de S. Pedro do Estoril (ver Fig. 3-4, para a gruta 2 de S. Pedro do Estoril, e 3-5 para Poço da Gateira 1). E, agora, muito provavelmente, em Porto Covo. Trata-se de um ritual perten-cente a um complexo mágico-religioso anterior à emergência das placas de xisto gravadas ou a um momento do mesmo complexo mágico-religioso em que elas não teriam ainda aparecido? Não o sabemos.

13.3. Enxós e machados: da economia ao subsistema mágico-religioso

Na Gruta de Porto Covo, identificaram-se cinco enxós, um machadinho e seis machados. Nada nos diz que qualquer um deles se associasse à deposição campaniforme, ainda que natural-mente tal não seja impossível. Basicamente, estamos perante seis pares, cinco com a associação machado-enxó, um machado avulso e um machadinho. Pelas características específicas deste, e se o encararmos como uma substituição de enxó, teríamos seis pares perfeitos, mas tal não é possível de confirmar por perda do contexto dos materiais arqueológicos.

Na gruta 2 de S. Pedro do Estoril, não conhecemos exactamente a associação entre machados e enxós, uma vez que se trata de um conjunto singularmente mal registado no contexto de uma escavação no entanto altamente elogiável a este nível. Mas, temos quatro machados, duas goivas e quatro enxós (Leisner, Paço e Ribeiro, 1964, Estampa D, neste volume, Fig. 3-4). Entre estas últi-

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FIG. 3-3. Área de uma diáfise de tíbia de um dos cinco adultos, apresentando traços de ocre vermelho (em baixo, detalhe com escala em mm). O ocre vermelho detectado num esqueleto poderia traduzir uma inumação secundária, com repetição dos rituais funerários que implicam o uso daquele corante, tal como parece ter sido o caso da «camada vermelha» da Lapa do Fumo (Sesimbra). Mas pode tratar-se, mais provavelmente, aqui, em que a análise antropológica parece indicar primeiras inumações, de uma contaminação dos ossos por corantes salpicados sobre o inumado, antes da sua decomposição. As manchas de ocre foram identificadas nas duas deposições mais antigas, datadas pelo radiocarbono da primeira metade do 4.º milénio.

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FIG. 3-4. Machados, enxós e goivas da Gruta Artificial de S. Pedro do Estoril 2, com semelhanças de grau elevado com os de Porto Covo. Goivas, da gruta 2 de S. Pedro do Estoril, sem paralelos em Porto Covo.

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FIG. 3-5. Enxós, machados e goiva da Anta 1 do Poço da Gateira (Reguengos de Monsaraz), onde foi identificado o rito da associação machado + enxó (ou goiva). No entanto, este monumento, «antigo» no conjunto de Reguengos de Monsaraz, tem ainda, no pacote artefactual votivo, pedra lascada (incluindo geométricos) e cerâmica, esta última ausente dos contextos da primeira fase de Porto Covo. Segundo Leisner e Leisner, 1951, Estampas II, II, IV, remontadas.

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mas, apenas duas correspondem às morfologias clássicas registadas em Porto Covo e Poço Velho. Poderíamos estar, assim, em dificuldades para proceder a emparelhamentos. Se as goivas ficas-sem de fora, ficaríamos com quatro pares…

O rito registado no Poço da Gateira 1, onde se recolheram, no total, 13 machados, 12 enxós e uma goiva, admissível com algumas reservas para Porto Covo, é assim de avançar com precau-ção para o conjunto da gruta 2 de S. Pedro do Estoril. Mas também deve ser dito que, na Câmara, a proporção é de 11 machados para 11 enxós, sendo a goiva supletiva. No entanto, em Poço da Gateira 1, os conjuntos de machados e enxós aparecem claramente associados a cerâmicas, nor-malmente grandes taças hemisféricas (e a um conjunto de artefactos de sílex). Ora, a cerâmica está praticamente ausente da gruta 2 de S. Pedro do Estoril, o que é um fenómeno estranhís-simo, só registado nas grutas do Maciço Calcário ocupadas com fins funerários durante todo o 4.º milénio.

Mas para que servem, na vida quotidiana, machados, enxós e goivas?Os machados constituem um grupo à parte: ninguém duvida que serviam para abater árvores

e cortar madeira, a não ser alguns adoradores do simbólico que questionam economia e socieda-des, categorias ou níveis demasiado baixos para as suas portentosas elucubrações teóricas. Mas, para além da razão perdida nos povoados, não acertam também nos espaços da morte, onde estes artefactos não são verdadeiramente utensílios, mas imagens de utensílios. Mas imagens que tra-duzem funções, mesmo que agora no espaço das representações mágico-religiosas, de um outro subsistema, sem perderem necessariamente as raízes de origem.

A presença, ou a ausência, de artefactos de pedra polida nos «pacotes» funerários dos últimos séculos do 4.º milénio, e sobretudo em todo o 3.º, é um facto extremamente interessante.

No conjunto fechado da Anta 3 da Herdade de Santa Margarida, apenas um fragmento de um artefacto de pedra polida, uma enxó de jaspe, foi identificado. E isto num monumento que conti-nha cerca de 40 indivíduos.

No tholos OP-2b, o único artefacto de pedra polida encontrava-se nos níveis superficiais e a sua presença pode mesmo ter resultado de remoções de terra do exterior, ou de migrações arte-factuais a partir da ocupação mais antiga do corredor da anta a que se acopla o monumento de falsa cúpula.

Na Cova das Lapas, uma pequena gruta funerária junto a Alcobaça, existia apenas um ins-trumento de pedra polida, aliás incompletamente polido e conservando ainda grande parte do aspecto de lascagem inicial.

Há, portanto, um conjunto de ritos funerários do 3.º milénio de onde estão praticamente ausentes os artefactos de pedra polida, no entanto frequentes nos conjuntos habitacionais coevos.

É sabido que, na Península de Lisboa, e no Centro de Portugal, dois complexos mágico-religio-sos, ambos lidos sobretudo a partir dos espaços da morte, são identificáveis em finais do 4.º milé-nio e na primeira metade do 3.º. O primeiro, mais antigo, refere um conjunto de práticas mágico--religiosas «indígenas». Habitualmente, associamo-lo às placas de xisto gravadas, mas na ver-

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FIG. 3-6. Imagens do Antigo Egipto mostrando (em cima) o uso da enxó e (em baixo) do machado (segundo Donatelli, 1998).

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dade, estas podem ter aparecido na fase terminal, associadas a outros rituais e sofrendo a influência da penetração para Ocidente dos arqueometalurgistas.

O outro complexo mágico-religioso é detectável pela forte componente de artefactos votivos de calcário, também associados ao ocre vermelho (Gonçalves 2008b).

O único ponto que parece ligar, ou ser comum, a estes dois complexos é, justamente, o uso, ainda que em quantidades diversificadas, do ocre vermelho e dos artefactos necessários à sua moenda. Em Porto Covo, o fundo interno da pequena taça baixa apresenta sinais de ocre verme-lho no seu interior. Poderíamos associá-la, por isso, às duas primeiras deposições funerárias em Porto Covo?

Nos tholoi da necrópole de Alcalar, por exemplo, o fundo dos almofarizes regista os impactos do pilão e a cor vermelha do ocre aí pulverizado.

Na anta 1 da Herdade do Xarez (Reguengos de Monsaraz), cuja monografia redigi e está para publicação, o que parece ter sido uma bigorna sobre seixo está cheio de manchas vermelhas e impactos do esmagamento do ocre.

Poderá tratar-se do mesmo ritual, ou de simples coincidência, sabendo nós que o ocre verme-lho associado ao sangue, símbolo da vida, está presente em épocas muito distintas e sem sequên-cia cultural herdada de uma para outra.

Uma outra informação sobre o simbólico reside no facto de a fauna mamalógica ser muito possivelmente de habitat local, mas a fauna malacológica, recolhida na costa atlântica, ter sido transportada morta, como já se disse, para a gruta. Até mesmo a tartaruga perdida, mas referida por Paço e Vaultier, o poderia ter sido, a menos que se tratasse de um cágado, e aí a Ribeira de Porto Covo poderia ter sido o seu habitat natural…

Temos assim conchas recolhidas com uma finalidade específica, a de acompanharem os mor-tos. Mas, estranhamente, não há aqui nenhum pectinídeo, uma das espécies marinhas com um simbolismo a tal ponto permanente que o registamos já no Paleolítico e, hoje, no Caminho de Santiago… aquele que, como quase todos os outros, se faz caminhando

13.4. As cerâmicas campaniformes lisas…e as decoradas

Defini uma vez o campaniforme como uma conjugação de formas, decorações, acabamentos, esti-los… e nunca me afastei muito de esta perspectiva. Conjugação total, muitas vezes, parcial outras.

Na verdade, em Porto Covo, temos dois vasos cerâmicos da família «campaniforme» em possí-vel associação, um vaso com a forma dos «marítimos» e uma taça com pé, ambos lisos.

Mas, em S. Pedro do Estoril 1, temos uma taça campaniforme com pé, decorada, associada a um vaso «marítimo» liso.

E se quisermos ir mais longe, um pouco menos de 200 km para Oriente, temos um vaso cam-paniforme liso no Corredor da Anta 2 do Olival da Pega (OP-2), que não parece estar associado a nada de muito específico.

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FIG. 3-7. Vaso campaniforme liso de S. Pedro do Estoril 1.

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FIG. 3-8. Vaso campaniforme liso de Monte do Outeiro e caçoila acampanada lisa da Pedra Branca (Montum, Melides).

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FIG. 3-9. Vasos campaniformes decorados e liso de S. Pedro do Estoril 1 (Leisner, Paço e Ribeiro, 1964, p. 45, Estampa J, remontada) comparados com o de Porto Covo (este, o último da Figura).

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FIG. 3-10. A taça com pé lisa de Porto Covo (em cima), comparada com as taças campaniformes de S. Pedro do Estoril 1, estas últimas segundo Leisner, Paço e Ribeiro, 1964, Estampas K e L. 1:3.

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Em que ficamos então? As formas lisas são coevas das decoradas ou encontramo-las após elas? Ou são imitações, copy-cats, de quem viu a forma e a decoração, mas só é capaz de reproduzir a primeira, o que é, objectivamente, muito mais simples?

Não é esta a situação ideal para discutir esta questão, a que voltarei em breve, mas deve salien-tar-se que está longe de ser um contexto de inocência, envolvendo questões que têm que ver com os difusionismos em pequena e média escala, com o comércio de bens utilitários e simbólicos e a adopção de essas imagens por comunidades que, eventualmente, tanto as adquirem como as copiam.

Porto Covo é uma pequena necrópole, longe dos «caminhos campaniformes». O que não quer dizer que se não trate de uma cerâmica importada da linha de costa. Não se excluindo também o seu fabrico local…

13.5. A Grande Ausência: as cerâmicas caneladas

As cerâmicas caneladas, ou melhor: as taças caneladas, sofreram, desde o início, uma grave síndrome de identidade, uma vez coincidirem com outra classe, a dos copos com decoração bru-nida ou incisa. Ambos não têm qualquer semelhança com decorações anteriores e ambos pare-cem coincidir cronologicamente, lato sensu, com a primeira metade do 3.º milénio a.n.e.

Mas que quer isto realmente dizer e como chegamos aqui?Para já, não parece haver qualquer associação entre cerâmicas campaniformes e cerâmicas

caneladas, o que afasta a 2ª metade do 3.º milénio como o tempo das últimas.Depois, não há qualquer associação registada com as taças carenadas ou as cerâmicas com

bordos denteados ou entalhados, o que nos afasta da transição do 4.º para o 3.º milénio e dos primeiros dois séculos deste.

Em seguida, também com os copos canelados se criou a ideia de uma curta duração efectiva. Como forma, desaparecem depressa e não me parece de reter qualquer semelhança morfológica com os vasos campaniformes, como se tem avançado recentemente. A sua decoração brunida desa-parece literalmente e a adopção de uma técnica semelhante só se repete na Idade do Bronze.

Na linha de costa, nas Penínsulas de Lisboa e Setúbal, as taças caneladas copiam um motivo da decoração dos copos ou são uma breve moda decorativa aplicada a uma forma antiga?

Bem representadas em S. Pedro do Estoril, as taças caneladas não existem em Porto Covo, terri-tório afastado. O que também nada tem que ver com a sua cronologia ou contexto cultural.

� FIG. 3-11. Uma das grandes ausências de Porto Covo, as taças caneladas de fabrico «indígena», comuns no litoral sul de Cascais. Presumivelmente, estariam presentes se tivesse havido ocupação funerária da primeira metade do 3.º milénio, o que, como se sabe, não aconteceu. Na Figura, exemplares de S. Pedro do Estoril 1. Segundo, Leisner, Paço e Ribeiro, 1964, remontados a partir da Estampa H. (1:2). As taças caneladas representam um dos mais interessantes indicadores do que poderíamos talvez designar por uma fase avançada dentro do processo de instalação das sociedades arqueometalúrgicas. Situam-se cronologicamente na primeira metade do 3.º milénio, talvez no seu segundo quartel.

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13.6. A concluir, se lugar há para conclusões: Porto Covo, o que foi

Bem, certamente, e sem qualquer dúvida, uma necrópole… uma pequena necrópole onde se depositaram sete indivíduos, seguramente três mulheres e duas crianças (com menos de cinco anos) e quase certamente dois homens.

A sua pequena dimensão e situação isolada podem permitir a conclusão que se tratava da necrópole ocasional de um minúsculo núcleo de povoamento pouco estável, pela cronologia que os ossos revelaram.

A ligação à terra de esses grupos lê-se através da simbólica, da importância dada ao machado deflorestador e à enxó, que limpa os troncos dos ramos adjacentes, os liberta das cascas e os pre-para para funções antrópicas.

A «presença campaniforme», a taça com pé e o vaso, estariam associadas à deposição funerá-ria de meados do 3.º milénio.

Os dois pesos de fuso, os cossoiros, seriam restos fossilizados de um episódio bucólico da Idade do Ferro?

No actual estado dos nossos conhecimentos, não vejo outra alternativa.

Lisboa – Cascais, Primavera de 2007, Verão de 2008 Revisão final: Sliema, Setembro de 2008

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Agradecimentos

Em fim de jornada, registam-se agradecimentos a quem os merece. Aqui, deliberadamente, não a instituições, mas apenas a pessoas concretas, listadas alfabeticamente.

Ana Clara Justino, vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Cascais, deu-me as condições necessárias para concluir este projecto. Várias vénias.

Ana Maria Silva voou, quase literalmente, de Coimbra para o IGM, mal foram finalmente iden-tificados os ossos humanos de Porto Covo. Continuação de um trabalho comum, mas em diferen-tes abordagens, sobre a transição do 4.º para o 3.º milénio (e sobre todo este). É bom contar com colaboradores assim, que acorrem sem reservas quando deles precisamos.

António Carvalho, que decidiu a publicação de Porto Covo como um projecto autónomo de Poço Velho, acompanhou sempre os trabalhos e dispensou-lhes caloroso apoio. Desbloqueou a edição e garantiu as datações de radiocarbono, de algum modo indispensáveis. Como sempre.

António Monge Soares acelerou a determinação do colagénio nos ossos humanos disponíveis e, com a simpatia habitual, leu criticamente as passagens sobre cronologia absoluta e elaborou a expressão gráfica das datas.

Carlos Tavares da Silva, desde a juventude um conhecido especialista em marisco e maris-cadores, esclareceu dúvidas na classificação da malacofauna. A quase irmãos não se agradece, espera-se sempre deles que estejam lá e aqui (e, quase sempre, estão).

Darden Hood, do Beta Analytic, respondeu, no campo das datações radiocarbónicas, com a eficácia e respeito pelos prazos que eu gostaria de ver no meu próprio País. Sou cliente.

Diana Nukushina participou nos momentos finais do que foi uma pequena odisseia dentro de outra bem maior (a de Poço Velho). De olhar atento, como o flautista de Hamelin. Mas certamente com melhor destino. Arigatou.

João Luís Cardoso classificou prontamente os ossos de bovídeo e lobo, dos raros sobreviventes das recolhas na gruta, identificados então por Henri Breuil. Podemos dizer, justificadamente, que, nesta situação, um sábio sucedeu a outro sábio…

José António Anacleto encontrou nos sótãos do IGM, após anos de buscas infrutíferas, alguns dos ossos humanos em falta. Reconhecimento meu, e de Ana Maria Silva, tem-no garantido.

Luís Araújo caçou uma imagem que eu tinha encontrado e depois perdido, a do caçador niló-tico, com arco e uma ponta de seta transversal. Não sei como se diz obrigado em egípcio, mas ele sabe que em português quer dizer o mesmo.

Marisa Cardoso esvoaçou no horizonte das coisas desarrumadas e contribuiu para que uma ordem passageira reinasse na UNIARQ. Esperemos que continue, em Alapraia e S. Pedro do Estoril, a organizar o caos.

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Miguel Magalhães Ramalho deu-nos todas as condições de trabalho no IGM e facultou as amostras para datação radiocarbónica. Um comportamento exemplar.

Severino Rodrigues acompanhou-nos pelos maus caminhos da Serra e, sem ele, ainda hoje andaria à procura de acessos para fotografar Porto Covo. Com ele por perto, dispenso GPS e aumentam as minhas probabilidades de regressar a casa a tempo do jantar.

TVM designers ocuparam-se da maquetagem do livro, condicionados pela minha pré-pagina-ção. Há quem pense que exagero na minúcia, mas ela é justificada por objectivos de precisão e equilíbrio, compreensíveis em quem, como eu, leva horas a limpar imagens digitalizadas e tanto apreço tem pelo trabalho gráfico. Confesso que não nasci numa tipografia, sobre uma prensa Heidelberg, mas a verdade é que passei boa parte da minha infância junto de uma, vendo tex-tos (alguns meus) a crescer, caracteres após caracteres, enquadrando as zincogravuras montadas sobre suportes de madeira…

A todos e, sobretudo, a cada um, muito obrigado.

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ANEX

OS

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Relatórios sobre as datações, Beta Analytic Inc., Florida, USA

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Abstract

The Porto Covo and the Poço Velho prehistoric caves (Cascais County), were excavated in January and February 1879, both part of the Portuguese strategy for the Congrès International d’Anthropologie et d’Archéologie Préhistoriques, IXème Session, which was to be held in Lisbon the following year. It was excavated by António Mendes, by order of Carlos Ribeiro.

In this book we will show not only bones and pottery, but also an extraordinary document, previously unknown: António Mendes’ report on the distribution of tasks among the workers, allowing us, for the first time, to understand how an archaeological excavation was carried out in Portugal in the last quarter of the 19th century. The Porto Covo cave was the subject of one very summary publication, with an addenda (1942 and 1954), and was practically forgotten until the «Cascais há 5000 anos» exhibition (Cascais, 5000 years ago), held by the Cascais County in the Museu Nacional de Arqueologia, in Lisbon, under my supervision (2004). The exhibition opened precisely with the Porto Covo non-decorated «fruit stand», also used as the main motif on the big way in.

The Porto Covo cave was certainly, and without a shadow of a doubt, a burial chamber... a small burial chamber containing seven individuals. It is certain that there were three women and two children (both less than five years of age) and almost certainly two men.

Its small size and its isolation might permit the conclusion that this was an occasional burial chamber for very small and unstable communities, as revealed by the chronology of the bones.

The connection of these groups to the land can also be read through the symbology – the importance given to the axe, which cuts the trees, and to the adze, which cleans the branches from the trunks, removes the bark and prepares them for various functions, for construction or preparation of the wood for combustion.

Radiocarbon dating of six samples permitted the identification of three different periods of occupation, two in the 4th millennium and one in the 3rd , cal BC.

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A UTILIZAÇÃO PRÉ-HISTÓRICA DA GRUTA DE PORTO COVO (CASCAIS). UMA REVISÃO E ALGUMAS NOVIDADES VICTOR S. GONÇALVES 203

4th millennium1st burial ( ).Very probably, a man and a woman, whose bones show signs of the ritual of red ochre.

2nd burial ( )Definitively two women.

3rd millennium One «beaker» burial ( )One man.

In terms of «cultural labelling», we are, at Porto Covo, in what is usually called (without yet knowing very well what it was in Portugal) the middle Neolithic.

Obviously none of the dates points to the transition from the 4th to the 3rd millennium, where there was, on the Lisbon Peninsula, a proliferation of very easily recognisable pottery, including cups with indented or carved rims or ringed ceramics. This gap has a significance which we do not yet know how to explain.

Finally, one date refers to the Copper Age, not to the initial phase but to what is loosely called, for lack of details with absolute chronological support, the Middle Copper Age. This was perhaps the beginning of the bell-shaped pottery, the beaker ceramics, some derived from the old thick-rimmed cups, now joined, sometimes, to truncated conical stems rather than hyperboloid or cylindrical. The hyperboloid shapes corresponded to individualised pieces such as those found at the fortified farm of Cerro do Castelo de Santa Justa, in the upper East Algarve (Gonçalves, 1989).

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A colecção «CASCAIS, TEMPOS ANTIGOS» tem por objectivo a publicação de estudos monográficos sobre o passado mais remoto da área que é hoje o concelho de Cascais, e da sua envolvência imediata, das origens à emergência da nacionalidade. No entanto, o âmbito geográfico da colecção pode ser alargado, em situações concretas.

Entre 3000 e 2000 antes da nossa era, as Penínsulas de Lisboa e Setúbal compartilharam uma unidade cultural apreciável, designada por Savory como a «Cultura do Tejo». Os monu-mentos e sítios de esse período são o objecto das primeiras publicações de esta colecção, incluindo necrópoles como Porto Covo, Poço Velho, Alapraia e S. Pedro do Estoril, e povoados como a Parede, o Murtal ou o Estoril. Os materiais de antigas escavações serão assim objecto de publicações monográficas «defi-nitivas», tal como os que resultam de projectos que, em colaboração com a autarquia, estão neste momento a decorrer ou em curso de programação.A colecção «CASCAIS, TEMPOS ANTIGOS» é dirigida por Victor S. Gonçalves, professor catedrático da Universidade de Lisboa e Director da UNIARQ (o Centro de Arqueologia da U. L.), responsável pelo Projecto CASCA (Cascais: as antigas sociedades camponesas).

A Gruta de Porto Covo

A gruta de Porto Covo, tal como a de Poço Velho, fazia parte da estratégia de Carlos Ribeiro para o Congrés International d’Anthropologie et d’Archéologie Préhistoriques, IXème Session, que se realizou em Lisboa em 1880. A gruta foi escavada em Janeiro e Fevereiro de 1879 por Antó-nio Mendes, a mando de Carlos Ribeiro.A gruta foi objecto de duas publicações muito sumárias, em 1942 e 1954, e foi praticamente esquecida até à exposição «Cascais há 5000 anos», realizada pela Câmara Municipal de Cas-cais no Museu Nacional de Arqueologia, em Lisboa, e de que o Autor foi Comissário Científico. A exposição abria exactamente com a taça lisa, com pé, de Porto Covo.Publica-se agora um documento inédito, o relatório de António Mendes sobre a distribuição de tarefas pelos trabalhadores que escavaram a gruta, o que nos permite, pela primeira vez, ana-lisar o funcionamento e os ritmos de uma escavação do último quartel do século XIX em Por-tugal. A integralidade do espólio, incluindo os restos humanos, foi agora objecto de um estudo exaustivo, amplamente documentado e completado pelas datações pelo radiocarbono.

A gruta de Porto Covo foi uma pequena necrópole onde se depositaram sete indivíduos, segu-ramente três mulheres e duas crianças (com menos de cinco anos) e, quase certamente, dois homens.A sua pequena dimensão e situação isolada podem permitir a conclusão que se tratava de uma necrópole ocasional de um ou mais minúsculos núcleos de povoamento, nada estáveis, pela cronologia que os ossos revelaram.A ligação à terra de esses grupos lê-se através da simbólica, da importância dada ao machado, que corta as árvores, e à enxó, que limpa os troncos dos ramos adjacentes, os descasca e os prepara para funções antrópicas.Seis datações de radiocarbono permitiram identificar três momentos de utilização da gruta, dois no 4.º milénio, um no 3.º antes da nossa era. Os primeiros são atribuídos ao Neolítico médio e estas são as mais antigas datações absolutas obtidas, até agora, para Cascais. O último momento é atribuível ao Calcolítico, a Idade do Cobre, tão bem representada em Cascais.

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A utilização pré-histórica da gruta de Porto Covo (Cascais)VICTOR S. GONÇALVES

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A UTILIZAÇÃO PRÉ-H

ISTÓRICA DA GRUTA DE PO

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