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Dos griots aos Gris: a importncia
da oralidade para as tradies de
matrizes africanas e indgenas no Brasil
1Mestre Alcides de Lima*Ana Carolina
Francischette da Costa**2
* Mestre de capoeira do grupo Centro de Estudos e Aplicao da Capoeira (CEACA), integra a Comisso Nacional dos Mestres da Rede Ao Gri Nacional, engajada na discusso e elaborao de polticas pblicas de reconhecimento de Mestres Gris detentores dos saberes e fazeres de tradio oral no Brasil. Licenciado em Educao Fsica e Pedagogia com habilitao em Administrao Escolar e Orientao Educacional. H mais de 20 anos desenvolve projetos ligados cultura de tradio oral no interior de escolas pblicas, atualmente atravs da coordenao do Ponto de Cultura Amorim Rima/ CEACA Capoeira e Cultura Brasileira e do Projeto Expresse-se com conscincia Faa capoeira.
** Graduada em Histria pela Universidade de So Paulo e mestranda do PPG em His-tria Social da USP, com a pesquisa Dilo-gos entre educao e experincia: saberes tradicionais em instituies escolares, sob a orientao do Prof. Dr. Maurcio Cardoso. O interesse por tradies orais afro-bra-sileiras e afro-indgenas, motivou a par-ticipar de espaos como Ilu Ob de Min, Instituto Brincante e Associao Cultural Cachuera!
Este artigo tem o intuito
de discutir a temtica
da tradio oral, sua
funo e importncia
em grupos que trans-
mitem sua histria e memria
social atravs da oralidade. Neste
caso, trataremos especificamente
da figura do griot africano e, a par-
tir de ento, buscaremos delinear
a identidade dos Gris brasilei-
ros e de que maneira se d essa
apropriao em um processo de
Este artigo tem o intuito de discutir a temtica da tradio oral, sua funo e importncia em grupos que transmi-tem sua histria e memria social atravs da oralida-de. Neste caso, trataremos especificamente da figura do griot africano e, a partir de ento, buscaremos delinear a identidade dos Gris brasileiros e de que maneira se d essa apropriao, situando-a em um contexto de recria-o e reelaborao de prticas africanas no Brasil dian-te da colonizao e dispora. Nesse processo, a palavra Gri uma apropriao do termo existente em socieda-des africanas e sua justificativa, no Brasil, norteada tambm pelas contribuies culturais de razes indgenas.Palavras-chave: oralidade; ancestralidade; identidade
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ressignificao do griot africano nos territrios do novo
mundo.
Para realizar um esboo deste griot e seu papel nas
sociedades em que encontrado, nos apoiaremos prin-
cipalmente no livro Sundjata ou a Epopia Mandinga,
do historiador nigeriano Djibril Tamsir Niane, fruto do
contato deste autor com griots tradicionalistas1 da Guin.
Em nossa tentativa de recuperar a apropriao e trajetria
dos Gris brasileiros, nos apoiaremos em Olmyiw An-
thony Adky, antroplogo nigeriano, cujo livro Yorb:
tradio oral e histria traz contribuies importantes
no apenas para a compreenso do conceito de tradio
oral, como tambm para a compreenso da ressignificao
e de recriaes de prticas culturais africanas no Brasil.
Em linhas gerais, entendemos por tradio oral o universo
de vivncia dos saberes e fazeres da cultura de um povo,
etnia, comunidade ou territrio que criado e recriado,
transmitido e reconhecido coletivamente atravs da orali-
dade, de gerao em gerao. Este processo de transmisso
apresenta uma pedagogia prpria, bem como uma lingua-
1 Segundo Hampat B, aqueles considerados grandes depositrios da herana oral so chamados de tradicionalistas. Em algumas etnias como os bambaras e fulanis, o termo escolhido para expressar esta funo seria traduzido por conhecedor. Para aprofundamentos no tema, consultar HAMPAT B, Amadou. A tradio viva. In: KI-ZERBO, J. (coord.) Metodologia e Pr-Histria da frica, Histria Geral da frica. Braslia: Unesco, 2010. v.1.
gem especfica de elaborao, expresso e percepo2.
Antes da colonizao do continente africano pelos eu-
ropeus, no sculo XIX, a maioria dos povos utilizava a
oralidade como forma de registro e transmisso de conhe-
cimentos, dos legados dos antepassados, histrias, mitos
e cosmologias. A ausncia da escrita como forma hege-
mnica de registro em muitas sociedades africanas ser-
viu, inclusive, para que o Ocidente constatasse o atraso
daquele continente e a barbrie em que seu povo grafo
e sem histria estaria imerso. Interpretaes como essas,
realizadas e afirmadas por intelectuais como Hegel e Kant,
justificaram no s a dominao, mas todas as formas de
violncia desfechadas pelo Ocidente durante o processo
de colonizao dos reinos e comunidades africanas3.
Para Boaventura de Sousa Santos, o processo de cons-
tituio da cincia moderna como nica forma de conhe-
cimento vlido, remonta do sculo XVII, na Europa. Aps
sua vitria a cincia moderna conquistou o privilgio de
definir no s o que cincia, mas muito mais do que
2 Esta definio que nos parece pertinente foi sistematizada por Lllian Pa-checo, idealizadora da Pedagogia Gri e coordenadora do Ponto de Cultura Gros de Luz e Gri, a partir da discusso coletiva de Gris e mestres da tradio oral e associaes culturais, os quais elaboraram um projeto de lei que disponha sobre a proteo e fomento transmisso dos saberes e fazeres de tradio oral no Brasil: o Projeto de Lei n 1.786, de 2011, tambm conhecido como Lei Gri.
3 HERNANDEZ, Leila Maria Gonalves Leite. A frica na sala de aula: visita histria contempornea. So Paulo: Selo Negro, 2005. p.13-23
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isso, o que conhecimento vlido 4.
Ao incidir sobre outras formas de conhecimento, a
cincia moderna teria se traduzido em epistemicdio,
liquidando conhecimentos alternativos e subalternizando
os grupos sociais, cujas prticas se assentavam em tais
conhecimentos.
Esse processo histrico teria sido ainda mais violento
nas reas do mundo vtimas do colonialismo europeu e
mesmo o fim do colonialismo poltico no teria rompido
com a colonialidade do poder e do saber.
A cincia moderna fomentou o surgimento da viso
ideolgica das relaes entre o conhecimento e a escrita,
criando percepes negativas das comunidades e socie-
dades que no utilizavam a escrita como forma de comu-
nicao e registro.
O linguista Louis-Jean Calvet, aponta que as noes
de analfabeto ou iletrado como aquele que no sabe ler
nem escrever so, em nossas sociedades, noes nega-
tivas, privativas, que situam, de um lado, a existncia de
um saber (o manejo da escrita e da leitura) e, de outro,
as pessoas que no tm esse saber (os analfabetos ou os
4 SANTOS, Boaventura de Sousa. Para ampliar o cnone da cincia: a diver-sidade epistemolgica do mundo. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (org.). Semear outras solues: os caminhos da biodiversidade e dos conhecimentos rivais. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2005. p.22.
iletrados), como se todo conhecimento passasse neces-
sariamente pela escrita (decodificada). O linguista ainda
discute como o manejo da escrita ocidental foi percebido
por pensadores iluministas como Jean-Jacques Rousseau
que considerava a existncia de trs maneiras de escrever
das sociedades e estabelecia uma hierarquia entre elas,
considerando os europeus organizadores da fala em al-
fabeto como o auge da civilizao5. Estas e outras ideias
iluministas teriam fundamentado um entendimento de
que o homem europeu e sua cultura seriam mais civili-
zadas em relao s demais, o que justificaria, assim, a
necessidade de sua universalizao.
Apesar da colonizao e das investidas vorazes do mo-
delo de globalizao capitalista, ainda so encontradas
diversas comunidades e formas de viver que utilizam
tradicionalmente a oralidade como forma de registro e
transmisso de conhecimentos, bem como sua histria e
memria social.
Segundo Dagoberto Jos Fonseca, as civilizaes afri-
canas saarianas e subsaarianas esto fortemente ligadas
palavra e tradio oral e por isso, a escrita seria um fator
secundrio para elas. O autor demonstra, no entanto, com
Jean Vansina que seria um erro reduzir a civilizao da
5 CALVET, Louis-Jean. Tradio Oral & Tradio Escrita. So Paulo: Parbola Editorial, 2011, p.08-09.
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palavra falada simplesmente a uma negativa, ausncia do
escrever, e perpetuar o desdm inato dos letrados pelos
iletrados.6
Fonseca afirma que seria um equvoco grosseiro afir-
mar que as civilizaes saarianas ou subsaarianas sejam,
simplesmente, iletradas ou grafas, pois elas:
tm na palavra falada um dos sustentculos do seu c-
digo social e cosmolgico. A palavra um mecanismo
de comunicao e expresso primordial, pela qual se
alcana o mais alto grau de unidade e identidade indivi-
dual e coletiva7.
Assim, Fonseca conclui que nessas sociedades da orali-
dade, a fala alm de ser um meio de comunicao cotidia-
na, tambm se apresenta como o meio de preservao da
sabedoria e de conhecimento dos antigos e dos ancestrais.
Na regio do Mali e Guin, pases da frica Saariana,
pode ser encontrada a figura do griot, termo de origem
francesa8 que, segundo o historiador Djibril Tamsir Niane,
6 VANSINA, Jean. A tradio oral e sua metodologia. In: KI-ZERBO, J.(coord.) Metodologia e Pr-Histria da frica, Histria Geral da frica. So Paulo: tica/Unesco, 1982.v.1. p.157
7 FONSECA, Dagoberto Jos. As relaes Brasil- frica subsaariana: oralidade, escrita e analfabetismo. In: CHAVES, Rita. (org.) Brasil / frica: como se o mar fosse mentira. So Paulo:Editora UNESP; Luanda, Angola: Ch de Caxinde, 2006. p. 116.
8 Salientamos que existem outras interpretaes importantes sobre a tem-tica do termo griot. Neste caso, estamos nos atendo discusso e a prpria
recobre uma srie de funes no contexto das sociedades
africanas de tradio oral. Os griots teriam assumido uma
posio de destaque, pois lhes cabiam a funo de trans-
mitir a tradio histrica: eram os cronistas, genealogistas,
arautos, aqueles que dominavam a palavra, sendo, por
vezes, excelentes poetas; mais tarde passaram tambm
a ser msicos e a percorrer grandes distncias, visitando
povoaes onde tocavam e falavam do passado. Muitas
vezes eram confundidos com o feiticeiro, pois podiam
exercer a funo de adivinho, algo diferente9. Djibril
Niane conclui que o griot seria uma autntica biblioteca
pblica tal como o chamou Hampat B10.
Segundo o autor, no contexto da chamada frica Anti-
ga, anterior colonizao, em sociedades hierarquizadas,
os griots assumiam importantes funes junto aos reis e
imperadores, j que assumiam o papel no s de cronistas,
mas tambm de conselheiros desses chefes de estado:
cada famlia principesca contava com seu griot dedicado
conservao das tradies,(...) costumes e princpios dos
governos dos reis.11
Entretanto, aps a colonizao do continente, a convul-
definio do termo griot apresentada pelo livro de Niane.9 Niane, Djibril Tamsir. Sundjata: ou, a epopia mandinga. So Paulo: Atica,
1982, p.05.10 Ibidem. apud Hampat B, Hamadou. A tradio viva. In: Histria Geral da
frica. So Paulo, UNESCO / tica, 1982. p.209.11 Ibidem, p.06.
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so social de diversas sociedades africanas transformou
o papel do griot, em diferentes localidades.
Apesar destas transformaes, o historiador afirma que
ainda seria possvel, nos dias de hoje, encontrar o griot
quase que em seu antigo contexto, distanciando-se das
cidades, nas velhas aldeias do Mandinga, tais como Kba,
Djeliba Koro, Krina, entre outras. Seria possvel encon-
trar em cada uma dessas aldeias, ao menos, uma famlia
tradicional de griot que conserva a tradio histrica e a
transmite de gerao em gerao. Assim o autor aponta
os casos da aldeia de Fadama, na provncia de Hamana,
na Guin; na aldeia de Djela, na provncia de Droma, na
Guin; na aldeia de Keyla, no Mali; entre outros exemplos.
O livro de Djibril Niane Sundjata ou a Epopia Man-
dinga teria sido fruto do contato deste historiador com
griots tradicionalistas, mestres da palavra das aldeias de
Fadama e Djela, principalmente o djeli Mamadu Kuyat,
da aldeia de Djeliba Koro, na Guin. Neste caso, o histo-
riador teria se colocado como um tradutor, dos relatos
desses mestres a respeito da epopia de Sundjata, deste-
mido guerreiro que diante de vrios percalos cumpriu
seu destino tornando-se imperador do Imprio Mali, no
sculo XIII, aps vencer Sumaoro Kante, o rei feiticeiro.
A epopia de Sundjata comumente situada na pri-
meira metade do sculo XIII, durante o domnio Sosso da
regio do Sudo Ocidental. Acredita-se que o personagem
histrico retratado tenha governado o Imprio do Mali
entre 1230 e 1255, aps a guerra contra o rei de Sosso,
Sumaoro, que ocorrera entre 1220 e 1235. Sob seu coman-
do, o pequeno reino expandiu-se em um grande imprio,
assumindo uma hegemonia poltica sobre a regio que
perduraria at meados do sculo XV12.
Esta narrativa do griot, a respeito dos feitos de Sundjata
Keita nos traz elementos interessantes sobre uma parte
da frica Ocidental islamizada, ou seja, adepta da religio
islmica, a partir de apropriaes da cultura negra africana.
De acordo com a narrativa, ainda que Sundjata reivindique
em sua linhagem um ancestral, Bilali Bunana, fiel servidor
do profeta Maom, ele demonstra crenas em divindades
como gnios ancestrais protetores de seu cl; alm
de demonstrar poderes mgicos e divinatrios, prprios
de seu cl de caadores. Isto poderia ser explicado, segun-
do Djibril Niane, pelo fato de que [...] Na frica antiga, a
magia era inseparvel de toda e qualquer ao.13 Dessa
forma, o triunfo de Sundjata Keita sobre Sumaoro Kante
teria contado alm de sua coragem e de seu exrcito, com
muitas magias e feitios. Niane afirma que embora essa
12 Para aprofundar os estudos sobre a gnese e expanso do Imprio Mali, bem como a histria de seu grande chefe Sundjata Keita, consultar: Niane, Djibril Tamsir. O Mali e a segunda expanso manden. In: NIANE, Djibril Tamsir (coord.). frica do sculo XII ao XVI, Histria Geral da frica. Braslia: Unesco, 2010. v.4. p. 133-150.
13 Idem, p.149.
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guerra de fetiches e magia tivesse garantido a hegemonia da
dinastia dos Keita, paradoxalmente foi o preldio da expan-
so do Isl, pois Sundiata fez-se protetor dos muulmanos14.
O relato de Mamadu Kuyat recupera o papel fun-
damental dos griots neste contexto histrico especfico,
retratando-os como importantes conselheiros tanto para
os reis como para seus prncipes sucessores:
No Mandinga, cada prncipe tem seu griot: o pai de Dua
foi o griot de meu pai; Dua o meu griot; o filho de Dua,
Bala Fassek, aqui presente, ser o teu. Sede a partir de
hoje, amigos inseparveis; por sua boca, tu aprenders
a histria de teus antepassados, tu aprenders a arte de
governar o mandinga de acordo com os princpios que
nossos antepassados nos legaram15.
Em relao funo de aconselhar os reis, a narrativa
tambm permite identificar que alguns griots so dotados
de conhecimentos mgicos e divinatrios que os auxiliam
nesse processo.
No livro da epopia de Sundjata, Djibril Tamsir Niane
deixa transparecer, em certo sentido, uma busca pelas
razes do griot tradicional, aquele que se manteve autn-
14 Idem, p.150.15 Idem, p.35.
tico e, de alguma forma, intacto em relao penetrao
da cultura Ocidental. O autor inclusive faz uma distino
entre este griot, do antigo contexto cronista, genea-
logista, conselheiro, mestre da palavra com o que
conhecido atualmente nos grandes centros. A palavra griot
quando mencionada em grandes cidades, traria a imagem
de pessoas ligadas a uma casta de msicos profissionais:
pensa-se nesses numerosos violonistas que povoam nos-
sas cidades e que vo vender sua msica nos estdios
de gravao de Dakar (Senegal) ou Abidjan (Costa do Mar-
fim)16. Nesse caso, o autor parece distinguir e legitimar a
funo que desempenhava o primeiro em detrimento do
segundo, j atingido pelas transformaes do processo de
globalizao capitalista.
Entretanto, julgamos pertinente a leitura deste fenme-
no a partir do conceito de hibridao proposto por Nstor
Canclini para a compreenso da realidade latinoame-
ricana justamente porque ambos continentes comun-
gam experincias ligadas aos processos de colonizao e
modernizao capitalistas. Neste caso, entende-se que
os processos de hibridao no pressupem fuso sem
contradio, ou seja, h tenses e conflitos diante dos
processos de interculturalidade17.
16 Idem, p.06.17 CANCLINI, Nstor Garca. Culturas hbridas: estratgias para entrar e sair
da modernidade. So Paulo: Edusp, 2013. p. XVIII.
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Segundo Canclini, nos processos de hibridao, pos-
svel encontrar exemplos em que a cultura dos setores
no-hegemnicos se apropria de tecnologias e benefcios
da modernidade para us-los em seu favor. Assim, so
criadas estratgia de reconverso, na qual um patrimnio
pode ser reconvertido para se reinserir em novas condi-
es de produo e mercado18. Neste caso, poderamos
dizer que o griot dos grandes centros, citado por Niane,
geralmente dotado de saberes e conhecimentos ligados
msica, mobiliza e reconverte seu patrimnio cultural e
simblico, buscando insero no mercado musical dessas
localidades, sem deixar de transmitir seu legado cultural
de tradio oral. Assim, verificamos uma ampliao da
funo e da significao da figura do griot, bem como uma
tentativa de resistncia e ressignificao cultural diante
das transformaes da realidade africana a partir dos pro-
cessos de colonizao e globalizao.
nesse sentido que podemos situar a apropriao
brasileira do griot africano: em um contexto de recriao
e reelaborao de prticas africanas no Brasil diante do
processo de colonizao e dispora. Ao longo das ltimas
dcadas, movimentos sociais de carter tnico e cultural se
reapropriaram de conceitos, valores e prticas de tradio
africana e indgena fortemente estruturados em torno da
18 Idem, p. XXII.
oralidade e dos saberes populares ligados cura, arte,
espiritualidade e celebrao para ressignificarem, no
contexto moderno, as culturas negras e tambm indge-
nas, com o intuito de realizar apropriaes propositivas a
servio da luta poltica, como instrumento de ao cultural
e educativa.
Llian Pacheco e Mrcio Caires desenvolveram uma
apropriao do griot africano para o termo Gri e do con-
ceito de tradio oral, que atravs do Gros de Luz e Gri e
outras entidades, mobilizaram a criao de redes nacionais
de cultura voltadas s questes de valorizao dos saberes
tradicionais e as populaes detentoras desses conheci-
mentos. Entre outras consequncias desta mobilizao,
citamos o surgimento da Ao Gri Nacional 19, em 2006,
e o Projeto de Lei n 1.786, de 2011, em tramitao no
Congresso Nacional tambm conhecido como Lei Gri
que dispe sobre a proteo e fomento transmisso
dos saberes e fazeres de tradio oral no Brasil.
19 Convidado pelo Ministrio da Cultura, o Ponto de Cultura Gros de Luz e Gri, considerado referncia nacional por este rgo, desenvolveu e coor-denou a Ao Gri Nacional em gesto compartilhada com a Secretaria de Programas e Projetos Culturais, atual, Cidadania Cultural (SCC-MinC), lanado em setembro de 2006 no Encontro Sulamericano de Culturas Populares. A Ao surgiu apresentando a misso de criar e instituir uma poltica pblica de estado que promovesse a valorizao, sociocultural e econmica dos chamados Gris e mestres de tradio oral brasileiros na educao das crianas e jovens, e o atrelamento dessa proposta com o espao de educao formal traduzia essa preocupao.
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No Brasil, tanto as populaes africanas em dispo-
ra, quanto as populaes indgenas locais apresentavam
formas de organizao em que a transmisso dos conhe-
cimentos e tcnicas, bem como cosmogonias e a prpria
histria e memria das comunidades eram transmitidas
de forma oral e se baseavam na experincia do mundo.
Ainda que o processo de colonizao tenha investido na
subalternizao dessas culturas, por meio de estratgias
de dominao do colonizado pelo colonizador, muitas
prticas foram recriadas no contexto colonial resistindo
a processos de etnocdio20.
Olmyiw Anthony Adky, em seu livro Yorb:
tradio oral e histria, se debrua sobre o que o autor
chama de continuidades e inovaes encontradas nos
mitos e ritos no culto divindade gn no candom-
bl dos Nags21 brasileiros resultantes desse processo de
transformao e/ou interpretaes das tradies Yorb
no Brasil22. O autor demonstra a importncia das palavras
na tradio Yorb, j que elas no apenas promovem o
encontro dos homens com o sagrado, mas agem como
construtoras da personalidade e como manifestaes das
20 BOSI, Alfredo. Dialtica da colonizao. So Paulo: Companhia das Letras, 1992. p.11-93.
21 Segundo o autor, Nag o termo utilizado para designar os Yorbs no Brasil.22 Adky, Olmyiw Anthony. Yorb: tradio oral e histria. So Paulo:
Terceira Margem, 1999. p.126.
foras vitais23. Assim, as palavras na cosmogonia Yorb
revelariam o mundo concreto e a identidade cultural do
grupo:
uma vez que, a voz e a respirao constituem importan-
tes instrumentos, tendo em vista que a oralidade das
palavras apreenso dos conhecimentos ao homem, a
fim de que este encontre seu respectivo lugar e funo
na vida social24.
A migrao forada desta etnia e muitas outras para o
Brasil, no contexto da colonizao e do trfico Atlntico
de escravizados, obrigou-os a enfrentar condies extre-
mamente adversas no novo territrio. Assim, os Yorbs
foram forados adaptao neste contexto, e segundo
Adky, neste processo histrico perderam grande par-
te de sua memria coletiva e do contedo significativo
das palavras sendo, por isso, observvel diferenas no
cerimonial dos rituais dos Nags brasileiros, ainda que as
referncias sejam as razes culturais africanas. Porm, o
autor conclui que mesmo a perda de elementos africanos
atravs do trfico no so capazes de destruir por comple-
to a memria coletiva desses africanos no novo mundo.
23 Idem, p.151.24 Idem, p.152.
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Assim, a reelaborao das tradies Yorbs expressam
formas de resistncia cultural que apresentam elementos
comungados tanto pelos Yorbs quanto pelos Nags:
imagens e smbolos que representam suas divindades,
pensamento, ao social e sentimentos comuns que se
tornam presentes na memria coletiva dos africanos e
afrodescendentes. Dessa forma:
A tradio e a reinterpretao se conjulgam no processo
dialtico, revelado na viso cosmognica expressa pelo
discurso da tradio oral, que traduz os fatos histricos25.
Para Fonseca, a presena das influncias das tradies
culturais africanas e indgenas, alm do alto ndice de
analfabetismo e semianalfabetismo, no Brasil, que remon-
tariam desde o perodo colonial em que a maioria da
populao, inclusive a portuguesa (reinol), era destituda
da escrita imprimiram traos na sociedade brasileira que
a configurariam como profundamente oral26.
Porm, o autor aponta que as tradies africanas e ind-
genas desenvolveram de maneira distinta e, quase oposta
25 Idem, p.156.26 FONSECA, Dagoberto Jos. As relaes Brasil- frica subsaariana: oralidade,
escrita e analfabetismo. In: CHAVES, Rita. (org.) Brasil / frica: como se o mar fosse mentira. So Paulo: Editora UNESP; Luanda, Angola: Ch de Caxinde, 2006. p. 111-127.
tradio vigente na Europa Ocidental, o uso que fazem
da linguagem, da palavra falada. Ainda que a linguagem
teria a palavra oral como fator primordial de expresso e
comunicao, as apropriaes que as diferentes culturas
fizeram dela seria algo bastante significativo. Assim, Fon-
seca aponta com Starobinski que a palavra e a linguagem
no Ocidente teriam sido utilizadas como mecanismos
ideolgicos e de obteno do poder, alm de haver nestas
sociedades, uma supremacia da palavra escrita pela palavra
falada, transformando os manuscritos em difusores da
verdade. Desta forma,
Os segmentos sociais letrados e dominantes hegemoni-
zam o papel de serem difusores da verdade histrica e
cientfica por meio desses registros27.
Tierno Bokar critica, na sociedade Ocidental, essa pre-
ponderncia da escrita at mesmo sobre o saber, afir-
mando que:
A escrita uma coisa, e o saber, outra. A escrita a fo-
tografia do saber, mas no o saber em si. O saber uma
luz que existe no homem. A herana de tudo aquilo que
nossos ancestrais vieram a conhecer e que se encontra
27 Idem, p.113.
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latente em tudo o que nos transmitiram, assim como o
baob j existe em potencial em sua semente28.
possvel perceber que as palavras faladas nessas so-
ciedades ligadas tradio oral no apenas seriam depo-
sitrias da memria do grupo, mas apresentariam um pro-
fundo valor moral e sagrado, estando vinculadas origem
divina e s foras vitais que regem todo o cotidiano social.
Hampat B, escritor malins, mestre da tradio oral
africana, afirma que a fala, na tradio africana, pelo fato
de retirar do sagrado o seu poder criador e operativo,
encontra-se em relao direta com a conservao ou
com a ruptura da harmonia no homem e no mundo que
o cerca e que por esse motivo a maior parte das socieda-
des orais tradicionais considera a mentira uma verdadeira
lepra moral29.
Na sociedade brasileira, as influncias materiais e sim-
blicas das tradies orais africanas e indgenas se fizeram
presentes, sobretudo, nos meios rurais, no mundo mais
28 Segundo Hampat B, Tierno Bokar Salif foi um Grande Mestre da ordem muulmana de Tijaniyya, igualmente tradicionalista em assuntos africanos, tendo passado toda a sua vida em Bandiagara (Mali). Hampat B, Amadou. A tradio viva. In: KI-ZERBO, J. (coord.) Metodologia e Pr-Histria da frica, Histria Geral da frica. Braslia: Unesco, 2010. v.1. p.167.
29 Hampat B, Amadou.A tradio viva. In: KI-ZERBO, J. (coord.) Metodologia e Pr-Histria da frica, Histria Geral da frica. Braslia: Unesco, 2010. v.1. p.174.
eletivo da reciprocidade comunitria30 e, entre os estratos
mais pobres da populao: indgenas, mestios, negros
escravizados, alforriados, mestios suburbanos, subpro-
letrios. Nesse contexto, estes estratos conformariam a
cultura popular brasileira, que segundo, Alfredo Bosi, para ter
sua complexidade compreendida, deve ter considerada a
indivisibilidade da esfera material da existncia com a esfera
simblica ou espiritual. Bosi afirma que a:
Cultura popular implica modos de viver: o alimento, o
vesturio, a relao homem-mulher, a habitao,[...]as
prticas de cura[...]a diviso de tarefas durante a jornada
[...], os cantos, as danas[...]31.
Portanto, Bosi aponta que no possvel compreend-
la fora dessa indivisibilidade de corpo e alma, de neces-
sidades orgnicas e necessidades morais. No geral, esta
indivisibilidade seria difcil de ser apreendida pelo observa-
dor letrado que por no viv-la subjetivamente, procura
recortar em partes ou tpicos a experincia popular, fazen-
do dela um elenco de itens separados, dos quais alguns
30 APPIAH, Kwame A. Na casa de meu pai: a frica na filosofia da cultura. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. p. 223.
31 BOSI, Alfredo. Dialtica da colonizao. So Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 324.
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seriam materiais, outros no32.
Essa cultura formada pelas camadas mais pobres da
populao se desenvolveu, segundo Bosi, no limiar da
escrita e sobre o ferrete da dominao, a partir do fe-
nmeno da reinterpretao por meio do qual:
toda cultura dominante absorvida e descodificada pela
cultura dominada, de tal modo que nesta ltima, j no
fica da cultura superior nada a no ser, talvez, o desejo
que tm os dominados de apreender os dons e os pode-
res dos seus patres33.
Nessa acepo de cultura popular proposta por Bosi, en-
contramos correspondncias com a tradio oral africana
exposta por Hampat B:
A tradio oral a grande escola da vida, e dela recupera
e relaciona todos os aspectos. Pode parecer catica que-
les que no lhe descortinam o segredo e desconcertar a
mentalidade cartesiana acostumada a separar tudo em
categorias bem definidas. Dentro da tradio oral, na ver-
dade, o espiritual e o material no esto dissociados [...]
Ela ao mesmo tempo religio, conhecimento, cincia
32 Idem, ibidem.33 Idem, p.337. Para discorrer sobre o fenmeno da reinterpretao, Bosi cita
o antroplogo M. Herskovits.
natural, iniciao arte, histria, divertimento e recrea-
o, uma vez que todo pormenor sempre nos permite
remontar Unidade primordial. Fundada na iniciao e
na experincia, a tradio oral conduz o homem sua
totalidade [...]34.
nesse contexto cultural que podemos situar a apro-
priao do griot africano pelo Gri brasileiro. A partir des-
sas matrizes culturais africanas e indgenas desenvolvem-
se diversos grupos que tm na tradio oral a transmisso
de seus conhecimentos e saberes advindos da vivncia e
experincia do mundo. Segundo Lllian Pacheco e Mrcio
Caires, os Gris seriam as pessoas responsveis pelos
ensinamentos e transmisso de conhecimentos tradicio-
nais, ligados oralidade e a saberes referentes ao mundo
sagrado e profano. Assim poderamos identificar como
Gris as rendeiras, as mes e pais-de-santo, as reiseiras,
os mestres de capoeira, os mestres de samba-de-roda, as
rezadeiras e curadores, as parteiras e muitos outros per-
sonagens representantes da sabedoria da tradio oral35.
34 Hampat B, Amadou. A tradio viva. In: KI-ZERBO, J. (coord.) Metodologia e Pr-Histria da frica, Histria Geral da frica. So Paulo: tica/Unesco, 1982. v.1. p.182-183.
35 PACHECO, Lllian. Pedagogia Gri: a reinveno da Roda da Vida. Gros de Luz e Gri: Lenis-BA, 2006. PACHECO, Lllian. CAIRES, Mrcio. (org.) Nao Gri: o parto mtico da identidade do povo brasileiro. Gros de Luz e Gri: Lenis-BA, 2009.
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Assim, ao falar de Gris brasileiros, podemos citar ins-
tituies religiosas tradicionais cuja importncia inegvel
na formao da identidade cultural brasileira que so os
terreiros e grande parte das manifestaes de matrizes
africanas como os congados, reisados, a capoeira, os ba-
tuques com suas cosmologias, linhagens, formas de orga-
nizao e transmisso de seus saberes e fazeres atravs da
tradio oral. Tanto os pajs das comunidades indgenas
quanto os zeladores de santos (babalorix e yalorix),
mestres de capoeira, capites de congado apresentam
correspondncias com as formas de transmisso e apren-
dizagem da palavra que conforma o lugar de cada um deles
na vida social das comunidades em que esto inseridos.
Essas pessoas so reconhecidas pelas suas comunidades
como referncias, como mestres, conhecedores em seus
saberes e fazeres.
Alguns autores que buscaram compreender as razes de
manifestaes culturais brasileiras demonstram corres-
pondncias e reelaboraes de prticas culturais africanas
e indgenas. o caso de Lus da Cmara Cascudo, que re-
lata a presena africana nos contos orais aproximando a
me negra brasileira36 contadora de histrias na casa grande
36 Alm de Lus da Cmara Cascudo, diversos escritores brasileiros como Gilberto Freyre, tambm se debruaram sobre a arte de contar histrias das mulheres negras no Brasil. Consultar: FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala. Rio de Janeiro: Record, 2002.
dos engenhos coloniais com os griots africanos:
Toda frica ainda mantm seus escritores verbais, ora-
dores das crnicas antigas, cantores das glrias guer-
reiras e sociais, antigas e modernas, proclamadores das
genealogias ilustres. So os akpal kpatita, ologbo, griotes.
Constituem castas, com regras, direitos deveres, interditos,
privilgios. De gerao em gerao, mudando de lbios,
persiste a voz evocadora, ressuscitando o que no deve
morrer no esquecimento37.
Nos ternos do congado, Catup Cacund38 de Estrela do
Sul, Minas Gerais, o Capito Gri Chico Man como
conhecido Francisco Valentim faz um cntico para sau-
dar So Benedito e nesse cntico ele conta a histria do
percurso da zona rural para a cidade grande, talvez no
processo de migrao dos negros escravizados que antes
viviam no meio rural e agora seriam escravos de ganho
nas cidades. Nesse cntico (ponto) ele introduz termos
em lnguas de origens africanas, como reescreveremos
nesse trecho:
37 CASCUDO, Lus da Cmara. Literatura Oral no Brasil. Belo Horizonte / So Paulo: Editora Itatiaia / Editora da Universidade de So Paulo, 1984. p. 143.
38 Para aprofundar os estudos sobre o Catup Cacund e a autoidentificao como Gri e Mestre, consultar a entrevista feita com Mestre Alcides que se encontra nesta mesma edio da Revista Diversitas.
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Quando eu fui para cumbara grande, (quando fui para cidade
grande)
eu passei no inj de jamb, (passei na igreja)
o nnganga tava no artar, (nnganga um ttulo de poder, pode
ser uma imagem do santo daquela igreja)
eu com meu tipunga na mo, ( eu fiquei com meu chapu na mo)
marunga joelha no cho (ajoelha no cho),
cro: marunga joelha no cho
O Catup Cacund uma manifestao cultural religio-
sa de razes africanas de devoo a So Benedito, Nossa
Senhora do Rosrio e ao Divino Esprito Santo que vai
alm da dana nos dias sagrados. Os laos que unem
o grupo vo alm do parentesco consanguneo, pois os
integrantes conformam um vnculo familiar sem terem,
de fato, o mesmo sangue. Porm, este vnculo cria laos
profundos de solidariedade que motivam os mutires
para construo de casas, auxlio nos trabalhos agrcolas,
partilha dos alimentos, alm da transmisso de saberes
relacionados a prticas de cura. O grupo comandado
pelo capito do terno, Chico Man, que se identifica como
Gri deste grupo o mestre de tradio oral que transmite
seus conhecimentos para o segundo capito, seu aprendiz,
eleito e iniciado por ele para dar continuidade aos seus
ensinamentos.
importante observar neste caso do congado e em
outros, como os terreiros de matrizes africanas, que h
uma ressignificao do griot no contexto brasileiro, j que
as comunidades em que ele se insere nem sempre apre-
sentam laos de parentesco consanguneo, sua genealogia
vem de sua iniciao dentro daquela prtica.
Podemos afirmar que a busca por esboar a identidade
do Gri brasileiro, proposta poltica central da Ao Gri
Nacional, se justifica pelas razes africanas e indgenas
calcadas na tradio oral, no contexto da colonizao bra-
sileira e da dispora. Percebemos que nessa busca se faz
necessrio pautar o processo de ressignificao e reelabo-
rao de prticas culturais, historicamente subalternizadas
pelos colonizadores. Neste processo, tanto os africanos
escravizados quanto os indgenas sofreram violncias
materiais e simblicas que, contudo, no foram suficien-
tes para desfazer o vnculo com suas tradies. Estas se
assentavam em uma apropriao da palavra oral como
algo sagrado, profundamente decisivo na determinao
da harmonia e vida social da comunidade. Por meio dela,
os conhecimentos calcados na vivncia de mundo, regido
pela indivisibilidade entre o plano material e simblico,
eram transmitidos queles que deveriam ser iniciados em
tais conhecimentos.
No Brasil, esta forma de transmisso dos legados cul-
turais dos antepassados se desenvolveu principalmente
nos estratos mais pobres da populao, sobretudo, com
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ascendncia africana e indgena. Ainda hoje, essas caracte-
rsticas podem ser encontradas em diversas comunidades
cujas prticas so perpetuadas por meio da oralidade e
ancestralidade.
Percebemos que a temtica da tradio oral, bem como
a construo da figura do Gri no Brasil ainda so dis-
cusses que necessitam de um olhar mais profundo que
possa atentar para sua complexidade. Neste artigo, nosso
intuito foi apenas de apresentar algumas discusses sobre
os griots africanos na tentativa de esboar a identidade dos
Gris brasileiros. Esta discusso se faz ainda mais urgente
em um pas onde a diversidade de culturas assentadas em
formas no hegemnicas de conhecimento ainda tm que
lutar por reconhecimento e valorizao.
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