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ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 2006
O Graal brasileiro: A busca por nossa cultura e nossa identidade
“... A cultura popular é plural, seria talvez mais adequado falarmos em culturas populares” 1
“A identidade nacional é uma entidade abstrata e como tal não pode ser apreendida em sua essência” 2
Desde a colonização do Brasil (leiam colonização com ressalvas), busca-se
uma imagem do que de fato seria o “brasileiro”. O debate é, então, antigo. Brasileiro,
brasiliense, brasiliano. Qual deles nós seríamos? Ou será que todos eles? O que nos
definiria? Nossa cultura é claro. É claro? As diversas versões do que seria nossa cultura,
se misturam com o que seria a nossa identidade, ou seja, nossa identidade nacional, que
nos torna parte do Brasil e nos difere (ou insere) no mundo que nos cerca.
Neste caminho tortuoso, Renato Ortiz se aventura a desenvolver algumas
respostas para tais questionamentos. O autor não toma para si, tarefa de responder
definitivamente. Porém, busca iniciar pensamentos em direção do que ele acredita ser o
caminho mais correto.
Inicia então o livro “Cultura brasileira & Identidade nacional” com um assunto
muito discutido, mas que ainda detém recursos o suficiente para manter essa discussão
por muito tempo: a identidade nacional. Para tal, o autor usa os primórdios das Ciências
Sociais. Nomes como Silvio Romero, Nina Rodrigues e Euclides da Cunha figuram ao
longo do livro, sempre usados para confrontar as diversas versões sobre o tema através
do tempo. Renato Ortiz cita também os pensamentos que influenciaram esses
pensadores do século XIX, tais como o construtivismo, o darwinismo e o
evolucionismo. Este último usado extensivamente pelo “mundo ocidental” para
justificar sua superioridade cultural (que se confundia com o seu avanço técnico-
1 ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 2006. p. 134.2 Ibdem, p. 138.
1
científico) sobre outros povos e em onde inseriam os pensadores nacionais a cultura
brasileira, justificando assim nosso “atraso”, mas não o explicando.
Como esse pensamento generalizava um assunto onde buscavam
especificidades, os grandes da época, no Brasil, acrescentaram os ideários de “meio e
raça” para detalhar o tema, torná-lo “solo epistemológico dos intelectuais brasileiros” 3.
Para “meio”, estudavam as questões geográficas brasileiras num determinismo para a
formação de nosso povo. Consideraram a natureza regional “o principal fator que teria
influenciado a legislação industrial e o sistema de impostos...” 4
A “raça” veio como complemento, ao ser a definição do que a geografia local
influenciava. “A apatia do mameluco” 5. Esse binômio “meio e raça” explicava a
indolência do brasileiro para os intelectuais do fim do XIX. Não sendo o brasileiro uma
mera cópia do europeu, mas encerrando em si especificidades próprias.
Contrário a essa linha, o autor coloca Manuel Bonfim em início do século XX.
Para esse, o Brasil deveria ser visto no contexto mais restrito da América Latina e em
uma visão biológica de parasitismo colonial que teria se perpetuado no país mesmo com
a independência. Com isso, Bonfim enxerga a identidade brasileira como resultado
desse parasitismo que legou para o país, assim como para a América Latina “lutas
contínuas, trabalho escravo, Estado tirânico e espoliador (...) perversão moral, horror ao
trabalho livre (...) ódio ao governo (e) desconfiança das autoridades...” 6
Porém, coloca a mestiçagem brasileira como um fator a favor do Brasil. Ao
contrário do que pensavam os intelectuais anteriores a ele e que viam o sincretismo
como um fator que denegria o povo, Manuel Bonfim acreditava que ele diluía as
características ruins e renovava o espírito europeu, ou seja, “tenderia a reequilibrar os
elementos negativos herdados do colonizador.” 7. Mas como bom positivista, Bonfim
não desvia do pensamento de que a cultura européia, apesar de necessitar de um sopro
renovador, ainda era superior por excelência.
3 Ibdem, p. 15.4 Ibdem, p. 16.5 Idem.6 Ibdem. p. 25.7 Ibdem, p. 26.
2
Apesar dos pesares, um ponto levantado no livro mostra melhor, essa
diferença entre os intelectuais do século XIX dos do XX: O debate sobre a influência
estrangeira na cultura brasileira. Imitação ou não? Bonfim contradiz os que acreditavam
na tese da imitação ao colocar que se certas idéias no Brasil da época (como a
raciológica) permaneciam mesmo quando já estavam em franco declínio na Europa
(onde surgiram), não poderiam se confirmar como “cópia da última moda” 8. E que se
apropriavam do que realmente achavam conveniente para explicar a realidade nacional,
onde “... O processo de importação pressupõe, portanto escolhas da parte daqueles que
consomem os produtos culturais (...) Essas teorias são demandadas a partir das
necessidades internas brasileiras...” 9
E conclui que “... Na verdade as Ciências Sociais da época reproduzem, no
nível do discurso, as contradições reais da sociedade como um todo. A inferioridade
racial explica o porquê do atraso brasileiro, mas a noção de mestiçagem aponta para a
formação de uma possível unidade nacional...” 10
O livro também descreve as idéias de “Brasil - cadinho” 11, ou seja, das
diversas misturas entre as etnias indígena, negra e européia para melhor explicar a
mestiçagem. Os acontecimentos pós 1930 onde o governo usa da construção do
brasileiro-cidadão para enaltecer essa mistura são um exemplo. Pautando
intelectualmente em nomes da época, tais quais, Caio Prado Jr, Gilberto Freyre e Sérgio
Buarque de Holanda. A apropriação governamental da identidade nacional e sua
conversão no conceito de “cadinho” com as três raças, esvaziou (na visão do autor) as
especificidades de cor e encobriu as tensões sociais e étnicas, além do preconceito
racial.
O autor coloca, quando do aparecimento do Instituto Superior de Estudos
Brasileiro (ISEB), a mudança do foco para o debate da “ história por ser feita” 12 ao
invés de “os estudos históricos” 13 Durante seu esforço de unir o capitalista com o
trabalhador, o ISEB tenta construir uma identidade nacional que se contrapõe ao senso
8 Ibdem, p. 29.9 Ibdem, p. 30.10 Ibdem, p. 34.11 Ibdem, p. 38.12 Ibdem, p. 46.13 Idem.
3
comum historiográfico, garantindo assim o desenvolvimento da nação ao buscar não as
causas do nosso “atraso” mas sim o entendimento de nossa realidade. Como o
pensamento governamental da época, o desenvolvimento seria a resposta para restituir
ao brasileiro, sua essência e com isso construir um “Estado “verdadeiramente”
nacional” 14, sendo o Brasil um país em construção. E onde os isebianos seriam seus
ideólogos.
O livro então envereda pela cultura popular e a opinião da UNE através do
CPC (Centro Popular de Cultura). Para os estudantes da UNE deveria existir uma
vanguarda cultural, com o Centro á frente é claro. Politizada e focada na manifestação
popular, pois essa seria de caráter reformista e mostraria a realidade brasileira. Ou seja,
deveria existir um projeto político onde a cultura seria um elemento norteador do povo.
Porém, ao valorizarem apenas o aspecto político, ignoravam (segundo o autor)
os interesses populares em si e suas contribuições e edificações. Também avocavam
para si essa epifania sobre a cultura. Fora do CPC, não existia cultura popular.
Renato Ortiz cita Sebastião Uchoa mostrando que ao desconsiderarem os
fenômenos populares enquanto alienação, o próprio CPC se alienava. E divaga nesse
assunto ao dizer que o Centro não teve como resultado “desalienar” o povo, mas sim
reestruturar as “formas de dominação” 15 em um contexto hegemônico gramisciano.
A partir desse ponto, o livro entra no período de 1964 e do Governo Militar.
Como o Estado busca um maior controle sobre a cultura e suas manifestações dentro da
doutrina de segurança nacional. Porém, ressalta que apesar de ter controle direto, essas
manifestações culturais gozam de maior área de atuação do que no Período Vargas. O
governo via a cultura como um cimento social, cujo objetivo era o de formar e manter a
nação e “... coordenar as diferenças, submetendo-as aos chamados Objetivos
Nacionais...” 16. O Estado subordina e passa a usar a cultura como veículo para suas
atividades de construção de uma identidade nacional ao mesmo tempo em que se coloca
como seu dinamizador.
14 Ibdem, p. 60.15 Ibdem, p. 78.16 Ibdem, p. 82.
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Renato ao colocar o ponto da censura, que o Estado impõe dentro de sua
posição de normatizador da cultura, não a critica diretamente como um impedimento a
tudo e todos, mas apenas como um mecanismo seletivo que impediria a emergência de
temas e assuntos que o governo julgasse incômodos.
Através do Conselho Federal de Cultura (CFC) os militares retomam o
conceito de “Brasil – cadinho” e acrescentam a pluralidade de culturas como formador
do caráter do brasileiro, a “unidade na diversidade” 17. Buscam as idéias de Gilberto
Freyre, onde para esse a organização cultural deu-se harmonicamente no Brasil. Sem
antagonismos. Uma “Democracia Racial” 18.
Dissociaram a cultura da sociedade e das situações históricas, sendo para eles
uma cultura “espontânea, sincrética e plural (...) democrata por formação e espírito
cristão, amante da liberdade e da autonomia” 19
Ortiz mostra que os intelectuais da ditadura vincularam a cultura com o
desenvolvimento colocando-a como complemento deste, no espírito de preservação dos
valores nacionais para se erigir uma nação potência. Para tal, tornou técnica a cultura e a
ligaram com as questões econômicas. Para seus críticos, o governo da época
desumanizou o país ao tentar colocar os aparatos culturais em uma perspectiva das
massas.
O autor coloca então os esforços governamentais de “humanizar a técnica” 20·,
ao aceitar certas idéias, como a mestiçagem e ignorar outras como a organização de uma
política cultural. Para tal, o livro mostra, que se fez uso do Instituto Nacional de Cinema
(INC) que em 1966 já havia absorvido o Instituto Nacional de Cinema Educativo
(INCE).
O INC passa a ser o mecanismo de nacionalização da cultura. Os militares
passam a proteger o setor cinematográfico nacional, da competição estrangeira, com
mais verbas e leis de incentivo e limitação. Em pouco, Renato mostra que existiram
17 Ibdem, p. 93.18 Ibdem, p. 94.19 Ibdem, p. 96.20 Ibdem, p. 106.
5
vozes discordantes. Cineastas independentes buscam, através dos filmes, uma forma de
politizar a população enquanto a meta do INC era apenas a do entretenimento,
descompromisso e consumo.
À medida que esse discurso se desenrola, as visões sobre o papel do Estado na
promoção e manutenção da cultura, mudam. Um relatório do Ministério da Educação e
Cultura (MEC) induz o governo a se preocupar com os males imediatos da população e
somente depois com a cultura em si e sua divulgação, onde “um povo sem teatro, sem
arte, sem produção artística, sem vida noturna sofisticada é um povo sem dúvida pobre,
mas não há pobreza maior, a saber, a falta de condições básicas de estrita subsistência
material” 21
Então, o autor expõe a suas opiniões acerca do tema. Após um breve resumo
de todo do assunto em “Observações não conclusivas” 22, Renato Ortiz explora suas
percepções sobre cultura popular e identidade nacional. Coloca que os equívocos de
pensadores anteriores foram os de não pensar a “cultura popular (como) heterogênea
(...) não partilham de um mesmo traço comum, tampouco se inserem no interior de um
sistema único (...) a cultura popular é plural, e seria talvez mais adequado falarmos em
culturas populares.” 23
No tocante a identidade, Ortiz exprime que esta não pode ser particularizada
por nenhum grupo, sendo ela virtual e não concreta. Ao buscar um caráter único para
ela, peca-se por limitá-la. Assim, segundo o autor, “a identidade nacional é uma
entidade abstrata e como tal não pode ser apreendida em sua essência.” 24
Em seu entendimento a procura de uma identidade nacional seria um “falso
problema” 25. Dever-se-ia buscar quem a constrói e para que propósito. E não quais
modelos especificam melhor o ser brasileiro.
Por fim, Renato Ortiz apresenta um livro importante, com argumentos e
recursos amplos e cuja conclusão ainda está longe de agradar aos críticos empedernidos. 21 P.Demo, Indicadores Culturais, MEC, outubro 1978, p. 6. Apud: Ibdem, p. 120.22 ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 2006. p. 123.23 Idem, p. 134.24 Ibdem, p. 138.25 Ibdem, p. 139.
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Para tal, ele recorreu a fontes de diversos recortes da História do Brasil e do Mundo.
Porém, o autor pecou em sua forma específica de levar esse saber e trabalho ao leitor.
Com um vocabulário por demais prolixo, impede que esse tipo de informação, tão útil
em todos os tempos, saia dos círculos acadêmicos para a população em si, essa que de
fato cria e recria a cultura e a identidade da nação.
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