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    QUANDO A PAUTA A RUA

    Suzana Rozendo1

    Resumen:

    Este artigo tem por objetivo traar uma relao dialtica entre a casa e a rua, utilizandocomo objetos de trabalhos textos produzidos por pessoas em situao de rua e

    publicados emstreet papers, jornais e revistas vendidos por 12 mil desabrigados em 40pases do mundo, com foco na Amrica Latina. Ainda, faz um paralelo com algunsartigos da Declarao Universal dos Direitos do Homem e fala da importncia destesveculos de comunicao para a melhora da qualidade de vida de um pblico poucoconhecido e, muitas vezes, discriminado pela sociedade. O trabalho ser composto porlevantamento bibliogrfico e reflexo terica transdisciplinar, com intelectuais daComunicao, da Antropologia e da Psicologia Social.

    Palavra chave:

    Casa; rua; pessoas em situao de rua;street papers, Declarao Universal dos Direitosdo Homem.

    Abstract:

    This article aims to make a dialectical relationship between the house and the street,using as works objects texts produced by homeless published in street papers-newspapers and magazines sold for 12,000 homeless people in 40 countries worldwide,

    with focus in Latin America. The text makes a parallel with some articles of theUniversal Declaration of Human Rights and talks about the importance of these mediato improve quality of life of an audience unfamiliar and often discriminated by society.The work will consist of theoretical literature and interdisciplinary reflection, withresearchers of Communication, Anthropology and Social Psychology.

    Keywords:

    house, street, homeless, street papers, Universal Declaration of Human Rights.

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    Introduo

    Quando o comrcio se fecha, as luzes das casas se apagam e as pessoas esto

    protegidas no conforto de seus lares e no aconchego de seus familiares, alguns

    indivduos dormem em camas de concreto forradas com papelo, expostos a frio, chuvae vento, nos becos subtrreos ou em seus mocs, apelido dado ao canto escolhido

    para as suas privacidades. comum estarem cobertos dos ps a cabea com

    cobertores acinzentados feitos de um material que pertence ao grupo dos tecidos no

    tecidos (TNTs), uma mistura de fibras txteis, elsticos e linhas de costura recicladas de

    empresas de confeces. So homens e mulheres de todas as idades, que foram parar

    nas ruas por motivos diversos (vcios, perda de emprego, rompimento de laos

    familiares, catstrofes, etc) e sobrevivem realizando trabalhos informais, mendigando,com auxlio de ajudas de caridade ou do Estado ou, at mesmo, cometendo pequenos

    furtos.

    Com frequncia tm dificuldades para conseguir um local seguro para dormir e

    dispensam o usufruto de albergues pblicos porque considerarem as regras rgidas ou

    pelas condies insalubres de muitas instituies. As rotinas de sobrevivncia da

    populao de rua vo de encontro ao texto do Artigo XXV da Declarao Universal dos

    Direitos do Homem, proclamada pela Assemblia Geral das Naes Unidas em 10 dedezembro de 1948:

    Toda pessoa tem direito a um padro de vida capaz de

    assegurar a si e a sua famlia sade e bem estar, inclusive

    alimentao, vesturio, habitao, cuidados mdicos e os

    servios sociais indispensveis, e direito segurana em

    caso de desemprego, doena, invalidez, viuvez, velhice ou

    outros casos de perda dos meios de subsistncia fora de

    seu controle2.

    So pessoas de diferentes ndoles, que fazem parte de um grupo heterogneo,

    mas, geralmente so tachadas pelo senso comum por seus comportamentos desviantes,

    como se fossem uma patologia social. Sobre isso, escreve Gilberto Velho (2003, p.11):

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    Tradicionalmente, o indivduo desviante tem sido

    encarado a partir de uma perspectiva mdica preocupada

    em distinguir o so do no so ou do insano. Assim,

    certas pessoas apresentariam caractersticas de

    comportamento anormais, sintomas ou expresso de

    desequilbrio e doena.

    Quantos de ns, ao nos deparamos com um sem-teto caminhando em nossa

    direo, apressamos o passo ou cerramos as janelas dos carros com receio de um

    assalto? No estamos querendo dizer que no preciso tomar esses cuidados, como j

    foi dito, nem todos que esto nas ruas so mocinhos e nem todos so viles, mas

    para ilustrar a proposio e entender a ideia preconcebida que temos sobre esses

    indivduos, no raro assimilamos as pessoas de rua com ps descalos, quando a maioria

    delas no tem este atributo. Sobre isso, Frangella (2010, p.805) apresenta uma

    explicao: essa etnografia se inicia pelos ps, a marca mais evidente da situao de

    rua, da exposio corporal e da subtrao material e social que caracteriza suas vidas.

    Segundo a autora, a fronteira entre os ps e o asfalto como se fosse uma etiquetada

    realidade sem-nada destes indivduos:

    Desprovidos de bens materiais, sem casa, absolutamente

    fora das prticas de consumo, envelhecendo na rua, o

    corpo o nico suporte que lhes resta e que lhes

    irredutvel... Mas tambm a partir do corpo que surgem

    as possibilidades de resistncia do morador de rua

    excluso (Frangella, 2010, p.804).

    Sendo o corpo o nico bem que possuem, comum observamos nos

    depoimentos de pessoas que pertencem a este pblico o medo que tm de morrer

    queimados enquanto dormem 3 . O temor se agrava quando so noticiados fatos

    recorrentes como o de trs jovens, que em fevereiro de 2012, incendiaram um sof onde

    dormiam dois sem-teto em Santa Maria, no Distrito Federal, causando a morte de um

    deles, que teve 63% do corpo queimado4.

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    A casa versus a rua

    Para a maioria das pessoas a rua um lugar de passagem. Na cultura ocidental, o

    que se espera que os seres humanos tenham um espao fsico prprio, onde dispem

    mveis, equipamentos e utenslios que caracterizam uma casa:

    O morar humano cultural. A forma de morar define o

    status, a classe a que se pertence. Na privacidade do lar

    nos banhamos, mantemos relaes sexuais, comemos

    como temos vontade, brigamos e nos alegramos sem

    interferncias de terceiros e ainda organizamos a nossa

    ordem e a nossa desordem como queremos. Morar umaextenso do nosso prprio jeito de ser. Os Homens de Rua,

    do nada fazem tudo. No privatizar o espao pblico

    reconstroem na rua a casa que no conseguem ter (Alves,

    1994, p. 59).

    Mattos (2006) salienta que as variadas denominaes existentes para tratar os

    homens de rua esto relacionadas tambm com a variedade de formas de vivenciar ouso do espao pblico. Assim, o autor defende o uso de pessoas em situao de rua e

    explica o porqu estratificando as palavras, a comear por pessoas, no plural, de

    maneira a destacar no s aquilo que as iguala, mas tambm o que as diferencia. O

    segundo termo analisado situao, que evidencia o carter transitrio e passageiro

    da situao de rua como condio social (p.41) em detrimento de substantivos como

    morador de rua, que nos passa a impresso de algo arraigado. Por fim, Mattos (2006)

    compreende o termo rua como um lugar em um todo, numa relao dialtica com a

    casa (p.41), que se configura com local onde no h estabilidade, no h certa

    disposio de objetos e no h segurana.

    DaMatta (2003) nos sugere observar o vaivm das pessoas que vo do trabalho

    para casa e de casa para o trabalho: os espaos se interagem e se complementam num

    ciclo dirio:

    A rua o local do trabalho, do Estado, das leis e tambm

    da surpresa, da tentao e do lazer. igualmente o lugar

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    do movimento, em contraste com a calma e a tranquilidade

    do lar onde nos refazemos da chamada luta pela vida.

    Casas so habitadas por famlias cujo ncleo constitudo

    de pessoas que possuem a mesma substncia. A mesma

    carne e o mesmo sangue que legitimam um nome comum

    e sugerem interesses, tendncias, bem como um destino

    compartilhado, respeitadas e preservadas. Mesmo quando

    uma casa pobre, essas tradies se manifestam em

    mveis, receitas culinrias ou hbitos, ajudando a

    distinguir aquela gente das outras, o que conduz a uma

    percepo do grupo familiar como tendo uma

    personalidade comum (DaMatta, 2003, p.11-2).

    O autor vai alm e afirma que cada casa brasileira uma pessoa moral, ou

    seja, um grupo com a capacidade de reagir em conjunto caso um dos seus membros

    seja atingido por algum infortnio ou problema (DaMatta, 2003, p. 12). A ideia refora

    a tese de que casa no apenas sinnimo de residncia, mas um espao dotado de

    emoo, sentimento, histria e personalidade. Em casa somos marcados por um

    supremo reconhecimento pessoal. Uma espcie de supercidadania que contrasta com a

    ausncia de reconhecimento que existe na rua (p.14). Alm disso, quem tem casa,

    participa, em famlia, de alguns rituais de celebrao, como por exemplo, os

    aniversrios, as festas de formatura e os casamentos.

    No entanto, h excees entre as pessoas em situao de rua que compartilham

    das mesmas tradies. Este o caso de Geppe Coppini, o nico mendigo [do

    municpio] de Anta Gorda (Brum, 2006, p.42). Eliane Brum (2006) coloca em dvida

    se o italiano, nascido em 1908, realmente um mendigo, j que ele nunca precisou pediresmola a ningum. Ela conta que ainda menino, Coppini teria sido amaldioado por

    uma cigana que lhe rogou uma praga: Enquanto viver, esse guri nunca mais ter bem

    (p.43). Ento, o rapaz, aparentemente enlouquecido, foi internado vrias vezes em

    sanatrios, mas sempre fugia e peregrinava pelas hortas e pelos pomares da cidade,

    alimentando-se de verduras, frutas e legumes.

    A autora relata a popularidade do homem: Por quase todo esse sculo, Geppe

    no perdeu um casamento, um enterro, uma comemorao de santo. Depois que o vdeodesembarcou em Anta Gorda para registrar as festas, Geppe aparece em todas as fitas

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    (p.43). Apesar de o registro de Eliane Brum ter sido feito no interior do Rio Grande do

    Sul, tambm comum observar este tipo de situao em outras cidades, principalmente

    em bairros afastados, onde a concorrncia por um apadrinhamento sempre menor.

    Contrastando a afirmao de DaMatta (2003, p. 15) de que na rua no h amor,

    considerao, respeito ou amizade, um grupo de colaboradores do projetoBoca de Rua

    escreveu um ensaio de como fazer da rua uma casa. Eis o Hotel 1000 estrelas, que foi

    publicado na revista Ocasem maio de 2011:

    Os autores comeam o texto relatando que nem sempre quem tem uma casa, tem

    um lar. Afirmam que muitos sem-teto no tm casa, mas tm um lar, ou seja, um local

    onde se sentem protegidos:

    Como nossa casa no tem parede, se pode dizer que as

    portas esto sempre abertas. As quatro estaes do ano

    passam por l, s vezes numa nica semana. Mesmo sem

    tijolo nem tbuas, temos sala, cozinha, banheiro e quarto.

    Os sofs so caixotes; o fogo, tijolos empilhados; as

    panelas so latas. ... Para se protegerem da violncia, ossem-teto quase sempre andam em grupos. ... Para ns, a

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    famlia real a famlia da rua. Os irmos, os pais e os

    filhos so os amigos.

    Os desabrigados dizem ainda cada membro da famlia tem uma funo: o

    cozinheiro, o que l a bblia noite, o que busca a gua para o banho e para o preparo

    dos alimentos. Os ambientes so armados e desarmados todos os dias devido ao

    limpa da Guarda Municipal.

    Esses sem-teto fazem parte dos 12 mil desabrigados que comercializam street

    paperse colaboram com produes. So indivduos que resolveram utilizar uma forma

    de comunicao para transcender5 realidade social.

    Street Papers: uma voz contra a pobreza

    Street papers so jornais e revistas vendidos por 12 mil desabrigados em 40

    pases do mundo 6 . O movimento teve incio em 1989, em Nova Iorque, com o

    lanamento do jornal Street News, que surgiu como uma resposta para o problema de

    falta de moradia, que assolava os Estados Unidos, no sculo XX.

    Gordon Roddick, um empreendedor da The Body Shop Foudantion, do Reino

    Unido, ao observar a empreitada estadunidense, levou a ideia para a Europa e, em 1991,os primeiros 30 mil exemplares da revista The Big Issue circulavam em Londres e

    geravam renda para 50 desabrigados. Essa organizao- que se configura nos dias de

    hoje como um negcio social- cresceu, tornou-se a oposio das tradicionais polticas

    pblicas e nos tempos ureos chegou a circular 280 mil cpias semanalmente, alm de

    ganhar inmeros prmios jornalsticos.

    Devido grande aceitao do pblico e adeso de participantes, a revista

    impulsionou o surgimento de dezenas de street papers mundo afora, que tm como

    principal objetivo melhorar a qualidade de vida e elevar a autoestima de quem faz da

    rua seu local de moradia e trabalho. Todos eles so vinculados International Network

    of Street Papers (INSP), rede mundial que tem as funes de divulgar estas propostas

    editoriais, promover encontros anuais para fortalecer as instituies existentes e

    estimular a implantao de novos empreendimentos.

    A INSP associa pases desenvolvidos e em desenvolvimento, investindo na troca

    de conhecimentos e experincias entre as partes envolvidas no processo de produo,

    compra e venda destes peridicos (Walty, 2007). A pessoa em situao de rua compra,

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    com desconto, o produto da organizao responsvel e o revende pelo preo de capa. As

    publicaes s podem ser adquiridas diretamente com os vendedores cadastrados, que

    circulam em pontos de venda alternativos e tursticos. Como regra geral, os

    desabrigados devem ter idade mnima de dezoito anos e antes de comear com o

    trabalho, precisam receber treinamento, assinar um cdigo de conduta e portar crach.

    Dentre as exigncias comuns a todos os cdigos de conduta, destacam-se a proibio da

    venda do produto sob efeito de drogas ou para pedir esmolas, alm de ser vetado

    importunar os transeuntes.

    Quatro anos depois do surgimento da Big Issue, foi inaugurado o primeirostreet

    paper da Amrica Latina, o La Luciernaga, em Crdoba, na Argentina, pas que

    tambm conta com a revista Al Margen, de Barilochee a Hecho en Buenos Aires, da

    capital.

    No Brasil, o jornal Boca de Rua, de Porto Alegre, foi o primeiro veculo de

    comunicao alternativo vinculado INSP a dar voz s pessoas em situao de rua, em

    1999. Em 2002 foi concretizada a RevistaOcas, que circula em So Paulo e Rio de

    Janeiro e, por ltimo, em 2006, surgiu o jornal Aurora da Rua, de Salvador. O street

    paper do Rio Grande do Sul e o da Bahia se assemelham pela perspectiva participativa:

    nessas plataformas os desabrigados ajudam efetivamente na produo do jornal, atuam

    lado a lado da equipe multidisciplinar, sugerem pautas e apuram as notcias, que tm

    como foco a realidade das ruas.

    Alm dessas publicaes h aLa Calle, de Bogot, que tem como lema oslogan

    superando la limosna. A revista chegou Colmbia em 2007 e faz a divulgao de

    seu trabalho por diversos meios, entre eles, o Facebook. Tambm se configura como

    street paperatuante na Amrica Latina a revistaLa Callejera, do Uruguai, vendida por

    pessoas em situao de rua e desempregados, que ficam com 60% do lucro das vendas.

    Ao contrrio dos empreendimentos da Europa, estas organizaes no soautossustentveis e precisam angariar fundos, doaes e patrocnios para executar suas

    funes, alm de depender, quase sempre, de mo-de-obra voluntria para a produo

    dos jornais ou da revista.

    Comunicao em prosa e verso

    Em pases democrticos, pensar em jornalismo nos remete liberdade de

    expresso, que, por sua vez, fundamental para o exerccio da cidadania e para odesenvolvimento social e humano. Segundo Alves (1994), pessoas que vivem em

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    situao de rua, por terem seus direitos violados em nome de sua pobreza, no exercem

    plenamente sua cidadania e, por isso, no tm voz. Sendo assim, destacamos a

    importncia do surgimento dos street papers com destaque queles que abrem espao

    no apenas para a venda, mas tambm para a produo dos jornais ou das revistas. Estes

    veculos tm a possibilidade de cumprir o papel do jornalismo de informar, registrar,

    instruir, orientar, formar opinies, denunciar abusos, fiscalizar o poder e dar sentido

    realidade de uma forma alternativa, que foge aos padres dos grandes veculos de

    comunicao. Sobre este assunto, Jos Eduardo Faria (1979, p.7) pontua:

    No bastou um Gutenberg para que houvesse imprensa.

    Sim, porque a imprensa no um simples processo

    tecnolgico ou industrial. Pelo contrrio, vinculada s

    modernas revolues liberais, como a francesa ou a norte-

    americana, a imprensa fundamentalmente reflexo da

    livre manifestao de pensamento, sem a tutela do Estado.

    Justamente por depender da livre iniciativa dos homens,

    ela tem um valor inestimvel na vida de um pas, no

    sentido de estabelecer os canais de comunicao que

    garantem o equilbrio institucional dos regimes abertos.

    Nos dias de hoje, no preciso ser jornalista para saber

    que, nas grandes e estveis democracias, os meios de

    comunicao no se limitam a veicular um volume

    incalculvel de informaes, mas trabalham como

    verdadeiros instrumentos de correo e de realimentao

    das relaes humanas e sociais.

    Ao oferecer uma oportunidade de trabalho para pessoas, que, muitas vezes so

    iletradas, sequer possuem documentos ou experincia profissional, os empreendimentos

    responsveis pelos street papers vo ao encontro do Artigo XXIII da Declarao

    Universal dos Direitos do Homem, que diz: Toda pessoa tem direito ao trabalho,

    livre escolha de emprego, a condies justas e favorveis de trabalho e proteo contra

    o desemprego. Alm disso, quando publicam a produo dos vendedores, favorecem o

    Artigo XIX: Todo ser humano tem direito liberdade de opinio e expresso; este

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    direito inclui a liberdade de, sem interferncia, ter opinies e de procurar, receber e

    transmitir informaes e idias por quaisquer meios e independentemente de fronteira.

    A revista Hecho en Buenos Aires um dos street papers que possuem um

    espao reservado produo da populao de rua. Trata-se da coluna Prensa del

    Asfalto, na qual, em novembro de 2010, teve o poema Voltar a serde Fabin Tanferno

    publicado. Os versos falam sobre os medos e os fantasmas das ruas escuras e do perigo

    de se acostumar a eles:

    Na edio de dezembro 2010, essa coluna elencou algumas declaraes dos

    vendedores sobre o balano dos melhores acontecimentos do ano. No total, as citaes

    de 22 vendedores destacaram situaes pessoais variadas: ter adotado um coabandonado, voltado a ter esperana, estar com a famlia por perto, ter conseguido

    comprar cartuchos para a impressora, ter dinheiro para pagar uma penso etc. Muitos

    deles atriburam s conquistas ao trabalho com a revistaHecho en Buenos Aires: Susana

    aprendeu a fazer poemas graas s oficinas de texto e Javier voltou a estudar e a morar

    em uma casa com apoio do servio social da instituio:

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    O espao destinado publicao de desabrigados na revista Ocas a coluna

    Cabea sem Teto, que em setembro de 2010 publicou um documento que vai de

    encontro ao Artigo V da Declarao Universal dos Direitos do Homem, que em seu

    texto diz que ningum ser submetido tortura, nem a tratamento ou castigo cruel,

    desumano ou degradante. Eis o Relato do descaso:

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    O texto foi produzido por desabrigados do Frum Permanente sobre a populao

    Adulta em Situao de Rua do Rio de Janeiro. Eles explicam j no pargrafo inicial que

    precisaram buscar ajuda da prefeitura do Rio de Janeiro para conseguir vagas em um

    albergue. A narrativa se d atravs do testemunho dos sem-teto sobre a calamidade do

    abrigo pblico: superlotado, com os banheiros contaminados e sem condies de uso.

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    Houve denncias graves sobre o uso de drogas e prostituio, prticas proibidas dentro

    destes estabelecimentos, alm da ineficcia dos profissionais com medo de represlia. A

    importncia desta produo que ela traz tona denncias pouco exploradas pelos

    grandes meios de comunicao. Com o efeito desejado, a publicao j serviu como

    ferramenta para que o Ministrio Pblico fiscalizasse estes problemas. Outro ponto

    positivo que destacamos que o pblico que tiver contato com esta leitura passar a

    entender porque muitos sem-teto preferem dormir nas ruas a ir para um abrigo pblico.

    Consideraes finais

    Os street papers surgiram como uma oposio ao modelo tradicional de

    jornalismo e, com essa perspectiva, reproduzem a idia de que as pessoas em situaode rua tm condies de lutar por uma sociedade mais participativa. As desigualdades

    existem desde quando se possvel pensar em pessoas vivendo em coletividade, o que

    no significa dizer que apenas os indivduos que possuem casa tm o direito universal

    de exercer sua cidadania. Por meio de uma ferramenta de comunicao, estes

    empreendimentos ajudam a mudar, mesmo que sutilmente, alguns paradigmas, como

    por exemplo, de que as pessoas que vivem nas ruas no podem escrever para uma

    revista. Como sublinha Diaz Bordenave (2003, p. 100): A transformao de umasociedade liberal representativa numa sociedade participativa passa forosamente pela

    participao pessoal, e esta passa forosamente pela comunicao.

    E como afirma Lorenzo Gomis (1991) no livro Teorias del periodismo: o

    jornalismo interpreta a realidade social para que a sociedade possa entend-la e

    modific-la. O autor diz que o jornalismo est impregnado em nosso dia-a-dia e

    ouvindo rdio, vendo TV ou lendo jornais, o ser humano entra em comunho com a

    realidade. Dessa forma, osstreet papersse configuram como outra opo para entrar em

    contato com uma realidade pouco referenciada, a da vida de pessoas em situao de rua.

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    Referncias

    Alves, M. (1994). Viagem ao mundo dos homens de rua. Dissertao de Mestrado,Programa de Estudos Ps-Graduados em Servio Social, PUC-SP, Brasil.Brum, E. (2006). A vida que ningum v. Porto Alegre, Brasil: Arquiplago Editorial.

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    1 Suzana da Silva Rozendo, mestranda da linha Processos e Produtos Jornalsticos da UniversidadeFederal de Santa Catarina, Brasil, estuda a populao de rua e os street papers desde 2008. E-mail:[email protected]

    2 MINISTRIO DA JUSTIA Declarao Universal dos Direitos do Homem (2012, fevereiro).Disponvel em:http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm

    3 Alguns depoimentos podem ser visualizados no documentrio Droga de Rua (2012, fevereiro),disponvel em:http://www.suzanarozendo.blogspot.com/2009_09_01_archive.html.Trata-se do trabalhode concluso de curso de Jornalismo da autora, realizado em 2008, para a Universidade Federal de Mato

    Grosso do Sul. Tambm h depoimentos no documentrio margem da imagem, de Evaldo SrgioMocarzel.4 G1 Morre morador de rua (2012, fevereiro). Disponvel em: http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2012/02/morre-um-dos-moradores-de-rua-que-teve-corpo-queimado-em-brasilia.html.5Entendemos o termo a partir de Heidegger (1983), para quem transcender significa ultrapassar barreiras.Um exemplo de transcendncia que podemos citar o do ex-sem-teto que virou empresrio e, em janeirode 2012, faturava 100 mil reais ao ms. G1 Morador de rua vira empresrio. Disponvel em:http://classificados.folha.uol.com.br/negocios/1037507-ex-morador-de-rua-vira-empresario-e-fatura-r-100-mil-ao-mes.shtml.6INSP (2012, fevereiro). Disponvel emhttp://www.street-papers.org/.

    RAZN Y PALABRAPrimera Revista Electrnica en Amrica Latina Especializada en Comunicacin

    www.razonypalabra.org.mx

    mailto:[email protected]://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htmhttp://www.suzanarozendo.blogspot.com/2009_09_01_archive.htmlhttp://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2012/02/morre-um-dos-moradores-de-rua-que-teve-corpo-queimado-em-brasilia.htmlhttp://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2012/02/morre-um-dos-moradores-de-rua-que-teve-corpo-queimado-em-brasilia.htmlhttp://classificados.folha.uol.com.br/negocios/1037507-ex-morador-de-rua-vira-empresario-e-fatura-r-100-mil-ao-mes.shtmlhttp://classificados.folha.uol.com.br/negocios/1037507-ex-morador-de-rua-vira-empresario-e-fatura-r-100-mil-ao-mes.shtmlhttp://www.street-papers.org/http://www.street-papers.org/http://classificados.folha.uol.com.br/negocios/1037507-ex-morador-de-rua-vira-empresario-e-fatura-r-100-mil-ao-mes.shtmlhttp://classificados.folha.uol.com.br/negocios/1037507-ex-morador-de-rua-vira-empresario-e-fatura-r-100-mil-ao-mes.shtmlhttp://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2012/02/morre-um-dos-moradores-de-rua-que-teve-corpo-queimado-em-brasilia.htmlhttp://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2012/02/morre-um-dos-moradores-de-rua-que-teve-corpo-queimado-em-brasilia.htmlhttp://www.suzanarozendo.blogspot.com/2009_09_01_archive.htmlhttp://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htmmailto:[email protected]