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O

SIMBOLISMO

PRINCÍPIOS

Álvaro Cardoso Gomes

Professor-associado de Literatura Portuguesa na Universidade de

São Paulo

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Sumário

1. Origens

Marco inicial

Crise do fim do século Espírito da decadência Influências

românticas

2. Uma revolução poética

A teoria das correspondências _ O poeta, um vidente

O mistério, a sugestão, a evocação

O símbolo

O Simbolismo e a música

A busca do novo entre os simbolistas

3. Cronologia e expansão

Anos de grandes polêmicas

O fortalecimento do Simbolismo em seu berço, a França

O Simbolismo no resto da Europa e nas Américas

O Simbolismo nos países de língua portuguesa

4. Índice de autores simbolistas

5. Vocabulário crítico

6. Bibliografia comentada

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1

Origens

Marco inicial

O Simbolismo surge no fim do século XIX, mais precisamente em

1857, quando o poeta Charles Baudelaire publica sua obra As flores do

mal. Essa obra provocou o maior escândalo na época, porque não só

mexeu com temas-tabus em poesia, como também procurou criar um

novo tipo de poesia. Devido ao escândalo, Baudelaire chegou, inclusive,

a ser processado por obscenidade. Por que um título tão estranho para

uma obra poética? Num dos prefácios desse livro, Baudelaire assim o

explica:

Poetas ilustres tinham dividido há muito tempo as províncias floridas do

domínio poético. Pareceu-me prazeroso, e tanto mais agradável, porque a tarefa era

mais difícil, extrair a beleza do mal. (Les fleurs du mal. Paris, Garnier, 1961. p. 248.)

Com base nessa poesia, Baudelaire compõe um livro cheio de

imagens alucinantes. Tendo como pano de fundo a Paris do século XIX, o

poeta fala do tédio que os tempos modernos lhe inspiram, da solidão

existencial do homem, de amores fracassados e, sobretudo, de coisas

sórdidas, repugnantes, como acontece, por exemplo, no poema "Uma

carcaça":

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As moscas zumbiam sob este ventre pútrido,

De onde saíam negros batalhões

De larvas, que escorriam como um líquido espesso

Ao longo dos vivos rasgões.

("Une charogne", ibidem, p. 34)

Por que essa atração pelo mal, por aquilo que convencionalmente

não seria objeto de interesse para um poeta? Ainda: como extrair beleza

do mal? Na realidade, Baudelaire estava criando uma nova concepção

de poesia. No passado, durante as eras clássicas e românticas, a arte

era ligada, de modo geral, ao bem, e a beleza era entendida como algo

que fosse harmonioso, que provocasse sensações agradáveis nos

leitores. Baudelaire evidentemente se insurge contra esse conceito de

poesia e, por conseqüência, de belo; daí sua intenção de extrair beleza

também do que é sórdido, do que é feio. Com isso, o poeta francês

pretendia causar um choque no leitor passivo, acostumado com o

convencional:

Leitor pacífico e bucólico, Sóbrio e ingênuo homem de bem,

Joga fora este livro saturniano, Orgíaco e melancólico.

Se não aprendeste tua retórica Com Satã, o

astucioso deão, Joga-o! tu não compreenderás

nada, Ou acreditarás que sou histérico.

Mas se, sem se deixar encantar,

Teu olho souber mergulhar nos abismos,

Leia-me, para aprender a me amar;

Alma curiosa que sofres

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E vais procurando teu paraíso,

Lastima-me!... senão, te maldigo!

("Epígrafe para um livro condenado",

ibidem, p. 177.)

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Mas não é só com o sórdido, o feio, o repugnante, que Baudelaire

se propõe a modificar a atitude do leitor diante do mundo. A linguagem

também é trabalhada, para que se torne mais sugestiva, para que evite

o derramamento emotivo. Baudelaire procurará fazer com que as

palavras tenham um valor essencialmente musical e que sejam capazes

de evocar as mais diversas sensações.

Esse caráter revolucionário de As flores do mal, na realidade,

reflete a tentativa de Baudelaire de registrar ao nível poético um

descontentamento contra um modo de pensar o mundo e contra um

modo de conceber a poesia e a arte em geral. Baudelaire será, portanto,

o arauto desse desconforto com um estado de coisas e, com isso, dará

início ao Simbolismo.

Crise do fim do século

Tanto a obra de Baudelaire quanto o Simbolismo surgem dentro

da crise social, existencial e cultural do fim do século XIX. Para que a

entendamos, contudo, temos de regressar aos meados do século XIX,

quando houve, economicamente, grande desenvolvimento industrial e,

culturalmente, o homem buscou explicar os fenômenos através de uma

postura científica.

A Revolução Industrial inicia-se nos fins do século XVIII, mas só

atinge seu auge no século seguinte, com a produção em massa de

mercadorias e com a crescente automatização das indústrias. As

grandes cidades começam a crescer cada vez mais, e os camponeses

abandonam o campo, em busca de melhores salários nos centros

urbanos. A era moderna parece nascer aí: crescem a produção e o

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consumo dos bens manufaturados, e o homem cria a ilusão de que o

mundo se tornou menor, graças à velocidade dos meios de locomoção.

O resultado dessa obsessão com o progresso é a intensa euforia,

somada à crença na onipotência do homem, que se deixa guiar quase

que exclusivamente pela razão.

O intenso desenvolvimento industrial, por sua vez, está aliado ao

científico. Aliás, jamais poderíamos pensar em Revolução Industrial, se

não houvesse nesse período um desenvolvimento espetacular das

ciências, pois elas serão responsáveis pelos inventos que terão imediata

aplicação nas indústrias. Mas a relação entre a Revolução Industrial e as

ciências não se restringe tão-só à invenção por parte destas de um

melhor maquinado para o desenvolvimento das indústrias. O progresso

industrial, que trouxe inegáveis benefícios à humanidade, tem seu

paralelo numa concepção científica e materialista das coisas, que

procurava explicar o sentido do universo quase que exclusivamente

através da razão.

Durante a vigência da Revolução Industrial surge, portanto, uma

geração de intelectuais que despreza a metafísica, em nome do

conhecimento experimental da realidade. O mais importante deles foi

Auguste Comte, criador do Positivismo, teoria científica, baseada na

sociologia, que defendia a aproximação positiva, objetiva da realidade.

Seguindo os postulados de Comte, Taine, com o Determinismo, tenta

explicar o universo à luz de determinantes fixos (a raça, o meio e o

momento histórico). Cientistas como Darwin e Lamarck, por sua vez,

buscam conhecer o homem a partir das teorias evolucionistas. Como se

verifica, tanto Comte quanto Taine, Darwin e Lamarck se apóiam num

conhecimento eminentemente racionalista do real.

A euforia provocada pela crença no progresso, pelas grandes

descobertas científicas, paradoxalmente acabaria por levar a séria crise.

A Revolução Industrial, ao criar a fantasia do paraíso material do

consumismo, da produção em massa de objetos, em determinado

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instante, mostra o outro lado da moeda. Os centros urbanos tornam-se

mais agitados, mais ricos, contudo, expõem, ao mesmo tempo, a miséria

dos aglomerados humanos dos bairros de lata.

A automatização, que leva à produção de manufaturados em

série, transforma o operário numa engrenagem da máquina. A

obsessão pelo consumo, pela produção desenfreada de novidades,

leva ao modismo, ao princípio de que tudo é transitório, inclusive os

critérios de gosto e de arte. Os objetos artísticos, como as

mercadorias, passam a ser consumidos vorazmente e, por causa

disso, têm curta duração. Em conseqüência, o homem passa a ter a

sensação de que vive num mundo fragmentário e de valores

efêmeros. Quanto à geração da "Razão Triunfante", tem suas

certezas abaladas por novas concepções de mundo, que desprezam

os métodos de abordagem do real, fundados em pressupostos

experimentalistas. Arthur Schopenhauer, em sua obra O mundo

como vontade e representação (1819), concebe a realidade como

mera "representação", ilusão de nossos sentidos, portanto

inacessível à abordagem positiva e experimental. O ato de conhecer,

ao contrário do que acreditavam os positivistas, é algo impossível,

limitado e por isso mesmo acarretará sofrimento ao homem:

À medida que o conhecimento se torna mais claro e que a consciência

aumenta, o sofrimento cresce, chegando no homem ao grau supremo; e é neste

ponto tanto mais violento quanto melhor é o homem dotado de lucidez do

conhecimento, quanto mais excelsa a sua inteligência: aquele em que está o

gênio, é sempre aquele que maiormente sofre. (3. ed. São Paulo, Brasil Ed., 1963.

p. 77.).

Isto se dá pelo fato de a vontade (e não a razão, como queriam

os positivistas) impulsionar cegamente o homem à conquista do mundo.

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Mas como a realidade é mera ilusão, resulta daí que nada há que

conquistar:

Querer e aspirar, eis toda sua essência (do homem), estreita-mente igual a

uma sede que nada pode mitigar. Mas a base de cada querer é uma falta, é uma

indigência, é a dor. (Ibidem, p. 80).

Concebendo desse modo a realidade e o ser, Schopenhauer

rejeita a crença eufórica no progresso, nos procedimentos racionais e

sobrevaloriza a passividade, o abandono de qualquer ambição. O

pessimismo schopenhauriano fará escola dentro do Simbolismo,

principalmente no que diz respeito ao culto da dor e da atitude passiva

diante da vida.

Discípulo de Schopenhauer, Nicolau von Hartmann, em sua

Filosofia do in- nconsciente (1869), cria a idéia do Inconsciente, entidade

desconhecida que existe por detrás de tudo e que é totalmente

inacessível. Espécie de divindade oculta e indiferente ao destino do ser,

o Inconsciente, segundo Hartmann, daria explicação aos fenômenos,

mas essa explicação não chegaria ao conhecimento do homem. Desse

modo, o filósofo alemão contraria frontalmente a um Taine e a seus

princípios deterministas. O sentimento de impotência diante do enigma

do universo, de acordo com as teorias de Hartmann, será outro dos

tópicos fundamentais da poesia do fim do século XIX. Um poeta como o

português Antero de Quental, que começou sua carreira literária dentro

do Realismo, assim expressará seu pessimismo frente à incógnita em

que se transformou o universo, regido pela força desconhecida do

"inconsciente":

Junto do mar, que erguia gravemente

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A trágica voz rouca, enquanto o vento

Passava como o vôo dum pensamento

Que busca e hesita, inquieto e intermitente,

Junto do mar sentei-me tristemente,

Olhando o céu pesado e nevoento,

E interroguei, cismando, esse lamento

Que saía das cousas, vagamente...

Que inquieto desejo vos tortura,

Seres elementares, força obscura?

Em volta de que idéia gravitais?...

Mas na imensa extensão, onde se esconde

O inconsciente imortal, só me responde

Um bramido, um queixume, e nada mais...

(Oceano nox. Apud MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa

através dos textos. São Paulo, Cultrix, s.d. p. 320.).

Espírito da decadência

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Os malefícios advindos da Revolução Industrial (o inchamento das

grandes cidades, os bairros de lata, a obsessão com as modas),

somados à dúvida quanto à eficácia dos métodos científicos para

compreender o real, instauraram de vez a crise que estava latente no ar.

O homem que acreditava ter acesso aos segredos do universo, via razão

e via progresso, vê de repente que tudo não passa de ilusão, que o

universo é regido por forças incontroláveis que ele desconhece

completamente. Esse sentimento leva-o à descrença, ao desalento e faz

com que adote uma postura de desprezo em relação a tudo que lembra

o mundo burguês da luta, da operosidade, da conquista.

Refletindo o pessimismo do período, surge nessa época

um tipo de homem que volta às costas à sociedade

materialista e que procura cultivar dentro de si as sensações

mais refinadas. Esse homem, conhecido como decadente,

fecha-se em sua torre de marfim e só na orgulhosa solidão é

que parece encontrar conforto para o sofrimento proveniente

do desconforto com o mundo grosseiro e hostil. O simbolista

Verlaine, num poema como "Langor", expõe um sentimento de

decadência, um sentimento de prazer mórbido, doentio, como

se desejasse que os valores da civilização ocidental caíssem

por terra:

Eu sou o Império no fim da decadência, Que olha passar os grandes Bárbaros

brancos Compondo acrósticos indolentes Num estilo de ouro onde o langor do sol

dança.

A alma solitária sofre no coração de um denso tédio.

Além se diz que é por causa de grandes combates sangrentos

Oh não ser capaz disso, sendo tão frágil, de votos tão lentos,

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Oh não querer florir um pouco esta existência!

Oh não querer, oh não poder morrer um pouco! Ah! tudo foi bebido!

Bathylle, terminaste de rir? Ah! tudo foi bebido,

tudo foi comido! Nada mais a dizer!

Somente um poema um pouco simplório

que se lança ao fogo,

Somente um escravo um pouco libertino que vos negligencia,

Somente um tédio por não se saber o que vos aflige!

(O Euvres poétiques completes. Paris, Gallimard, 1965. p.

370-1.)

Dessa maneira, é possível dizer que o homem ativo, amante do

progresso, dos meados do século XIX, cede lugar ao homem de sentidos

refinados, um aristocrata, que cultiva prazeres extravagantes e que

manifesta o maior desprezo pela vida social.

O melhor exemplo desse anti-herói do fim do século é Des

Esseintes, a personagem principal de Às avessas (1884), estranho

romance de Joris-Karl Huysmans. Essa obra, praticamente sem enredo,

trata de um nobre que resolve abandonar a sociedade burguesa

materialista e se refugia numa propriedade no campo. Lá, tranca-se,

isola-se e passa o tempo cultuando as coisas que mais ama: a leitora de

velhos livros do tempo da decadência latina, os poentas malditos

modernos, as sensações extravagantes, como o odor de especiarias e

perfumes, a visão de plantas exóticas, etc. Sua casa torna-se, desse

modo, o espaço reservado para o gozo de tudo que é artificial, tudo que

é contrário à opinião comum:

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Seu desprezo pela humanidade aumentou; compreendeu enfim que o mundo

se compõe, na maior parte, de sacripantas e imbecis. Decididamente, não tinha

nenhuma esperança de descobrir em outrem as mesmas aspirações e os mesmos

rancores, nenhuma esperança de acasalar-se com uma inteligência que se

comprazesse, como a sua, numa estudiosa decrepitude; nenhuma esperança de

associar-se a um espírito penetrante e torneado como o seu, de um escritor ou de um

letrado.

[.-]

A essa altura, já sonhava com uma refinada tebaida, num deserto confortável,

com uma arcada imóvel e tépida onde ele se refugiaria, longe do incessante dilúvio da

parvoíce humana. (São Paulo, Cia. das Letras, 1987. p. 36-7.).

O romance de Huysmans fez escola, de tal maneira que Des

Esseintes transformou-se no protótipo do homem do fim do século,

aquele que recusa a luta e a ação para se dedicar a uma vida artificial,

produto do delírio ou de uma imaginação exaltada.

Influências românticas

Esse homem típico do fim do século, o decadente, o dandy, na

realidade, tinha sido inventado durante a vigência do Romantismo, em

sua fase mais extremada. Como se sabe, a estética romântica teve um

momento em que os escritores procuraram levar às últimas

conseqüências o culto da noite, dos sentimentos, dos prazeres doentios.

É o que se convencionou chamar de "mal do século". Entre o poeta

transtornado do "mal do século", que ama a vida boêmia, que procura a

morte para aliviar a dor de viver, e o decadente do Simbolismo há

evidente parentesco. Mas há também diferenças flagrantes. O primeiro é

todo emotivo e, por vezes, procura na mulher, no suicídio, um lenitivo

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para a existência. Já o segundo é frio, racional e mesmo cínico: despreza

o amor e vive artificialmente.

As semelhanças que encontramos nos anti-heróis dos dois

movimentos literários talvez expliquem as relações mais profundas entre

Romantismo e Simbolismo. De fato, a estética simbolista tem íntima

relação com a romântica, ou ainda a estética simbolista tem raízes

dentro do movimento romântico, a começar que aquele movimento

recupera o idealismo, o espiritualismo deste. Não é à toa que muitos

simbolistas passam a criticar o Realismo, o Naturalismo e o

Parnasianismo, porque esses movimentos negavam o sentido de

mistério, muito caro aos românticos e aos simbolistas. Jean Moeras, um

poeta grego radicado na França, numa entrevista dada a Geles Bret,

assim se manifesta a respeito do assunto:

Pode-se notar com alguma razão que os poetas que nos antecederam

imediatamente, os parnasianos [...], num certo sentido, padeceram da falta de

símbolo: consideraram as idéias, os sentimentos, a História, o mítico, o fato

particular, como existente em si poeticamente. (Entrevista a Geles Bret, lixo de Paris,

1891. Apud Les premières armes du Symbo-lisme. Texte presente et annoté par

Michael Pakenham. University of Exeter, 1973. p. 68.).

Mallarmé também criticará nos parnasianos a mania de falar

diretamente das coisas, de desprezar o senso do mistério:

Os jovens estão mais próximos do ideal poético do que os parnasianos, que

ainda tratam seus temas à maneira dos velhos filósofos e dos velhos retóricos,

apresentando os objetos diretamente. (OEuvres completes. Paris, Gallimard, 1945. p.

868.).

Fundamentalmente, portanto, o Simbolismo tenta recuperar o

idealismo do movimento romântico. Durante o Romantismo, segundo

Ana Balakian, autora de O move-mento simbolista, "a poesia se

apropriou do terreno do místico como uma espécie de sucedâneo da

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religião: os românticos buscavam analogias ou imitações do infinito".

Esse idealismo romântico, por sua vez, apoiava-se nos princípios

esotéricos de Emmanuel Swedenborg. Esse escritor sueco, que viveu

durante o século XVIII (1688-1772), escreveu um livro que acabaria por

se tornar a Bíblia tanto dos ·românticos quanto dos simbolistas. De coelo

et de inferno (Sobre o céu e o inferno) (1758) é uma obra de caráter

místico que tenta explicar as complexas relações entre o mundo celeste

e os terrenos. A essas relações Swedenborg denominava

"correspondências". Apoiando-se no princípio das correspondências, o

romântico sonhava em pautar a vida terrestre pela celeste, a vida

material pela espiritual ou ainda tentava anular uma em detrimento da

outra, ao espiritualizar o concreto, o natural, para alcançar a plenitude

junto a Deus. Negando o cientificismo e procurando recuperar a essência

do Cristianismo, o romântico privilegiou o sujeito, o espírito, enquanto

recusava o mundo material. O simbolista, em princípio, seguiu por esse

mesmo caminho — em conseqüência disso, Swedenborg será

novamente retomado no fim do século XIX.

Também é preciso assinalar que o Simbolismo irá recuperar e

intensificar a idéia romântica de que a essência misteriosa das coisas só

é possível de ser captada pela palavra educadora, pela palavra que

supera a limitação da linguagem comumente utilizada pelos homens. O

mesmo se pode dizer do senso do mistério, tão caro aos simbolistas. O

romântico Novalis dizia:

A Noite tornou-se o portentoso âmago das revelações — para onde os deuses

retornaram e adormecem. (Hinos à noite. Trad. bras. São Paulo, Esfinge Ed., 1987.).

Ao dizer isso, o poeta alemão acreditava que a prática poética

tinha algo a ver com a prática mística, no sentido de que ajudaria a

traduzir o desconhecido, o misterioso, o invisível.

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Mas o poeta romântico que exercerá influência fundamental nos

simbolistas será sem dúvida nenhuma Edgar Allan Poe. Ao conceber

complexas teorias sobre o verso, através da manipulação dos efeitos

musicais e da criação de sugestivas atmosferas poéticas, capazes de

conduzir ao mundo do mistério, o poeta norte-americano revolucionou a

poesia romântica. Contudo, o que mais interessou os simbolistas na

poética de Poe foram a busca da poesia pura, o culto da música e da

beleza e a crença na construção do poema, no controle quase que

absoluto dos meios de expressão. Essas características causaram tanto

fascínio sobre Baudelaire e Mallarmé que ambos procuraram por todos

os meios divulgá-lo na França. O primeiro traduziu-lhe a obra; o segundo

dedicou-lhe um soneto "O túmulo de Edgar Allan Poe".

Mas por que tais características exercerão tanta influencia nos

dois principais poetas do Simbolismo francês? Em primeiro lugar, vale a

pena discutir a questão da poesia pura. Num tempo voltado para o

progresso, para o utilitarismo, Poe difundirá a idéia de que a poesia tem

um fim em si mesma, e que ela não visa a nenhum fim moral, como vem

expresso no seguinte fragmento:

Tem-se suposto tácita e manifestamente, direta e indireta-mente, que o

objetivo último de toda a poesia é a Verdade. Todo poema, diz-se, deveria inculcar

uma moral, e por esta moral é que deve ser julgado o mérito poético do trabalho. [...]

Metemos em nossas cabeças que escrever simplesmente um poema pelo poema e

confessar que tal foi o nosso desígnio seria confessar-nos radicalmente carentes de

verdadeira dignidade e força poéticas: mas o simples fato é que, se nos permitíssemos

olhar para dentro de nossas próprias almas, descobriríamos imediatamente ali que,

sob o sol, nem existe nem pode existir qualquer trabalho mais inteiramente

dignificado, mais supremamente nobre do que este mesmo poema, este poema de per

se, este poema que é um poema e nada mais, este poema escrito por ele mesmo. (O

princípio poético. In: Poemas e ensaios. 2. ed. Rio de Janeiro, Globo, 1987. p. 87.).

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Se a poesia, segundo Poe, não visa traduzir valor moral algum, qual seria

mais propriamente seu fim? Segundo ele, seria atingir a suprema beleza:

É na música, talvez, que mais de perto a alma atinge o grande fim pelo qual

luta, quando inspirada pelo Sentimento Poético — a criação da suprema beleza.

(Ibidem, p. 89.)

A conquista da beleza, por sua vez, só se dá através da música,

ou seja, através da poesia liberta de tudo que seja matéria narrativa, de

tudo que seja secundário. Essa atração pela arte musical será então

retomada pelos simbolistas, que, como veremos adiante, buscarão fazer

com que a linguagem poética se aproxime da linguagem vaga e

imprecisa da música.

Por fim, o último aspecto da teoria poética de Poe que interessará

aos simbolistas dirá respeito à paradoxal intenção do poeta norte-

americano de construir os poemas pelo controle da emoção. Paradoxal

porque, como se sabe, os românticos defendiam a arte espontânea,

natural, que jorrasse do coração, a ponto de Lamartine, um dos

expoentes máximos do Romantismo francês, dizer que os melhores

poemas eram "puros soluços". Poe acreditava firme-mente que se

deviam evitar as paixões do coração:

A Aspiração Humana pela beleza suprema, a manifestação do Princípio é

sempre encontrada em uma exalante emoção da alma, completamente

Independente daquela paixão que é a embriaguez do Coração, ou daquela verdade

que é a satisfação da Razão. Porque a respeito da paixão, ai. sua tendência é antes

para degradar que para elevar a Alma. (Ibidem, p. 105.).

O desprezo da paixão faz com que Poe leve às últimas

conseqüências o sistemático planejamento do poema. No ensaio

"Filosofia da composição", por exemplo, ele nos mostra rigorosamente

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como concebeu seu famoso poema "O corvo", desde a escolha do tema,

do metro, do refrão, etc. Talvez por isso é que Poe tenha causado tanta

admiração entre os simbolistas. Seu romantismo sui generis, além de

conter certos característicos fundamentais do Simbolismo — como a

sugestão do mistério, o culto da musicalidade e da poesia pura —, além

disso, evitou o exagero sentimental, o passionalismo.

Com base no que vimos até agora, verifica-se que o Simbolismo

aproveita do Romantismo algumas características fundamentais, como o

senso do mistério, o espiritualismo, mas rejeita o sentimentalismo, as

manifestações subjetivas exageradas e, sobretudo, as manifestações

poéticas grandiloqüentes. Devido a isso, o Simbolismo implicará uma

revolução poética em relação ao movimento romântico, na medida em

que aprofundará alguns aspectos desse movimento e, por conseqüência,

não cairá nas armadilhas das emoções superficiais. Mas, para tanto,

será necessário que reinvente a metáfora poética, através da prática do

que se convencionou chamar de "símbolo".

Uma revolução poética

A teoria das correspondências

Em síntese, eis as características simbolistas que alguns

românticos (e por vezes mesmo alguns parnasianos) anteciparam: a

capacidade sugestiva, a musicalidade da expressão e o idealismo de

origem platônica. Esta última, pedra de toque do Simbolismo, origina-se,

como vimos, de Emma-nuel Swedenborg. Para o místico sueco, tudo na

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natureza teria um sentido simbólico e tudo manteria estreita

correspondência com o mundo celeste, como se poderá verificar neste

fragmento de sua obra:

Todas as coisas que existem na natureza, desde o que há de menor ao que há

de maior, são correspondências. A razão para que sejam correspondências reside no

fato de que o mundo natural, com tudo o que contém, existe e subsiste graças ao

mundo espiritual, e ambos os mundos graças à Divindade. (Du ciel et de l'enfer. Paris,

E. Jung-Trenttel,1872.. pág. 64 )

Esses princípios esotéricos satisfizeram os românticos devido à

sua íntima relação com os princípios cristãos. Entre os simbolistas,

porém, este espiritualismo, que se insurgiu contra os pressupostos

materialistas e positivistas, circunscreveu-se aos limites da natureza

terrena. Aí uma distinção fundamental: enquanto o romântico sonhava

em ascender a um paraíso, o simbolista, embora também espiritualista,

via de regra, fazia do mundo terminal a sua morada. Quando o poeta

açoriano Roberto de Mesquita diz no poema "Universalidade II" que tudo

é animado por um ente invisível:

Enquanto se detém o vosso olhar

À tona dos aspectos, impotente,

No âmago de tudo, claramente,

Eu descubro um espírito a cismar.

(Almas cativas. Lisboa, Ática, 1973. p. 30.).

dá a entender, contudo, que esse espírito está agregado às

coisas e pertence ao plano de experiência do homem, que precisa

desenvolver sua capacidade de vidência para apreen-dê-lo. Assim,

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enquanto o romântico deseja abandonar a Terra para encobrir Deus, o

simbolista almeja encontrar a unidade do material e do espiritual aqui

na Terra mesmo, de modo a recuperar uma tonalidade perdida.

Essa temática, o "evangelho das correspondências", é pois o

núcleo da estética simbolista. Ao desprezar o aparente, o visível, o

simbolista parte em busca do que se oculta atrás das aparências,

daquilo que constitui a essência das coisas. Concebendo assim o

mundo, Swedenborg descarta a idéia de que os objetos do real tenham

um sentido em si; na realidade, não passam eles de símbolos do mundo

espiritual, da Divindade, como se pode ver na seguinte passagem:

Os animais da terra em geral correspondem às afeições; os que são dóceis e

úteis, às afeições boas; os que são selvagens e inúteis, às afeições más. (Du ciel et de

l'enfer, p. 67.)

Cabe, portanto, ao homem decifrar os símbolos da realidade

terrena, para que possa descobrir as "correspondências" entre as coisas,

a perfeita unidade entre tudo o que existe. Charles Baudelaire poetizou

esse tema, com um soneto sintomaticamente intitulado

"Correspondências":

A Natureza é um templo onde vivos pilares

Deixam às vezes sair confusas palavras;

O homem aí passa através das florestas de símbolos

Que o observam com olhares familiares.

Como os longos ecos que de longe se confundem

Numa tenebrosa e profunda unidade,

Vasta como a noite e a claridade,

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Os perfumes, as cores e os sons se correspondem.

Há perfumes frescos como carnes de crianças,

Doces como os oboés, verdes como as pradarias, — E outros

corrompidos, ricos e triunfantes,

Tendo a expansão das coisas infinitas,

Como o âmbar, o almíscar, o benjoim e o incenso,

Que cantam os transportes do espírito e dos sentidos.

(Les fleurs du mal, p. 13.).

A imagem inicial do templo é bem significativa, no sentido de que

simboliza um local sagrado, ponto de encontro e de integração de todos

os seres. O templo é uma construção diferente das demais; sua função é

a de unir o profano ao sagrado, ou mesmo de ser um sinal de uma

realidade misteriosa, inacessível. Na natureza tudo é animado: as

árvores transfiguram-se, assemelhando-se a pilares vivos, por onde, às

vezes, escapam confusas palavras. Confusas, porque o homem que

passa não as entende. Esse passante involuntário é o ser alienado, que

não tem acesso à realidade mágica; por isso, a linguagem da natureza

soa a seus ouvidos como um conjunto de signos estranhos. Contudo, se

para o homem a linguagem da natureza é indecifrável, o mesmo não se

dá com o mundo natural. As florestas de símbolos observam o homem

"com olhares familiares", o que implica o reconhecimento amoroso do

homem por parte da natureza, pois, no templo natural, tudo o que existe

é regido por uma harmonia universal, tudo se corresponde.

Se os objetos do mundo sensível se correspondem e se o mundo

natural corresponde ao espiritual, de que precisa o homem para intuir

tais relações? A resposta a tal questão está nos tercetos do poema.

Neles se fala das correspondência e/ou fusão dos diferentes sentidos.

Page 23: 7024737 Alvaro Cardoso Gomes O SIMBOLISMO

Assim, o perfume que é captado pelo olfato torna-se táctil como a carne

fresca das crianças; também é auditivo, lembrando o tom grave dos

oboés; e visual, porque remete ao verdor das pradarias. Ressalta-se,

porém, que a fusão dos sentidos não se dá em cadeia, numa seqüência

temporal; pelo contrario, realiza-se num só instante, como se o perfume

fosse, a um só tempo, oloroso, táctil, auditivo e visual. Além disso, vale a

pena assinalar que o mundo espiritual também é convocado, pois os

perfumes despertam sensações de corrupção, de riqueza e de triunfo.

O primeiro terceto, portanto, faz referências à fusão das

diferentes sensações físicas e das sensações físicas com as espirituais.

Ora, Baudelaire deseja esta totalidade do "espírito e dos sentidos",

visando a um estado ideal para o homem. Em outras palavras, somente

poderá ter acesso ao sentido das "confusas palavras" aquele que

mostrar em si a unidade entre os sentidos e entre os sentidos e o

espírito. O homem deveria, assim, alcançar a totalidade em seu exterior

e interior, para poder participar do ritual no templo da natureza, depois

de compreender e decifrar a esotérica linguagem que lhe é oferecida.

O Poeta, um Vidente.

A esse indivíduo capaz de decifrar o enigma da natureza, o

segredo das correspondências, Baudelaire chama de "decifrador" e,

dessa perspectiva, concebe um novo papel para o poeta:

Sabemos que os símbolos só são obscuros de um modo relativo, ou seja,

conforme a pureza, a boa vontade ou a clarividência nativa das almas. Ora, o que é

um poeta (tomo esta palavra na acepção mais ampla) senão um tradutor, um

decifrador? (OEuvres complètes. Paris, Gallimard, 1951. p. 1077.).

Page 24: 7024737 Alvaro Cardoso Gomes O SIMBOLISMO

Algo equivalente expressará Rimbaud, o discípulo de Baudelaire,

em sua famosa Carta ao vidente":

Eu quero dizer que é preciso ser vidente, fazer-se vidente. O Poeta se faz

vidente através de um longo, imenso e racional desregramento de todos os sentidos.

Todas as formas de amor, de sofrimento, de loucura; ele procura a si próprio, extrai

de si todos os venenos para guardar apenas as quintessências. Inefável tortura,

contra a qual necessita de toda a fé, de toda a força sobre-humana, através da qual

se torna, dentre todos, o grande enfermo, o grande criminoso, o grande mal-dito —

e o supremo Sábio! — Pois atinge o desconhecido! (OEuvres complètes. Paris,

Gallimard, 1951. p. 254-5.).

Dentro do Simbolismo, portanto, a figura do poeta sofre uma

alteração fundamental. Mais do que simples ser inspirado, como entre os

românticos, ele se torna agora um visionário, que procura decifrar o

sentido simbólico do mundo, para, em seguida, revelá-lo aos homens

comuns através da palavra poética. O português pré-simbolista Gomes

Leal assim expressa essa idéia do poeta visionário em "O visionário ou

som e cor":

Eu sou um visionário, um sábio apedrejado,

Passo a vida a fazer e a desfazer quimeras,

Enquanto o mar produz o monstro azulejado

E Deus, em cima, faz as verdes Primaveras.

Sobre o mundo onde estou encontro-me isolado,

E erro como estrangeiro ou homem de outras eras,

Talvez por um contrato irônico lavrado

Que fiz e já não sei noutras sutis esferas.

Page 25: 7024737 Alvaro Cardoso Gomes O SIMBOLISMO

A espada da Teoria, o austero Pensamento,

Não mataram em mim o antigo sentimento,

Embriagam-me o Sol e os cânticos do dia...

E obedecendo ainda a meus velhos amores,

Procuro em toda a parte a música das cores,

— E nas tintas da flor achei a Melodia.

(Apud MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa através dos textos, p. 301-2.).

O mistério, a sugestão, a evocação

O princípio de que há um mistério oculto sob as aparências, o

ponto de chegada para toda a especulação poética, será caracterizado

dessa maneira por Mallarmé:

A poesia é a expressão, pela linguagem humana que retoma seu ritmo

essencial, do sentido misterioso dos aspectos da existência; ela doa assim

autenticidade à nossa vida na terra e constitui a única tarefa espiritual. (La Vogue,

18 de abril de 1886. Apud MICHAUD, Guy. Message poétique du Symbolisme.

Paris, Nizet, 1945. p. 715.)

É isso que leva os poetas simbolistas a rejeitar o mundo dos

fenômenos, mero apêndice do da essência, ou a utilizar o mundo dos

fenômenos como um meio de chegar ao espírito, ao mistério.

Page 26: 7024737 Alvaro Cardoso Gomes O SIMBOLISMO

Mas, afinal, qual seria o mistério a que se referiam os

simbolistas? Na realidade, o mistério é a designação de algo

indecifrável, fim último da poesia que, dependendo do poeta, pode

assumir diferentes caracterizações. Num poeta como Camilo Pessanha,

é um estado de alma indefinível, como vem expresso no poema

"Crepuscular":

Há no ambiente um murmúrio de queixume,

De desejos de amor, d'ais comprimidos...

Uma ternura esparsa de balidos,

Sente-se esmorecer como um perfume.

As madressilvas murcham nos silvados

E o aroma que exalam pelo espaço,

Tem delíquios de gozo e de cansaço,

Nervosos, femininos, delicados.

Sentem-se espasmos, agonias d'ave,

Inapreensíveis, mínimas, serenas...

— Tenho entre as mãos as tuas mãos pequenas,

O meu olhar no teu olhar suave.

As tuas mãos tão brancas d'anemia...

Os teus olhos tão meigos de tristeza...

— É este enlanguescer da natureza,

Este vago sofrer do fim do dia.

(Clepsidra e outros poemas. Lisboa, Ática, 1965.

p. 213-4.)

O sentimento do poeta é provocado por uma dor espiritual

desconhecida, suscitada pelo crepúsculo que se manifesta não só no ser

humano, mas também em toda a atmosfera ambiente.

Page 27: 7024737 Alvaro Cardoso Gomes O SIMBOLISMO

Em Cruz e Sousa, o mistério é representado por entidades vagas,

que inspiram a criação do poema:

Ó Formas alvas, brancas, Formas claras

De luares, de neve, de neblinas!...

Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas...

Incensos dos turíbulos das aras...

Formas do Amor, constelarmente puras,

De Virgens e de Santas vaporosas...

Brilhos errantes, mádidas frescuras

E dolências de lírios e de rosas...

(Antífona. In: Poesia. Rio de Janeiro, Agir, 1975. p. 16-8.)

Em Verlaine, é o sentimento provocado pela audição de um

instrumento musical que o leva a compor um poema em que a

sonoridade é tão importante que se torna quase impossível traduzi-

lo:

Les sanglots longs

Des violons

De l'automne

Blessent mon caeur

D'une langueur

Monotonne.

Tout suffocant Et

blême, quand Sonne

l'heure, Je me

Page 28: 7024737 Alvaro Cardoso Gomes O SIMBOLISMO

souviens Des jours

anciens Et je pleure;

Et je m'en vais Au

vent mauvais Qui

m'emporte Deçà,

delà, Pareil à Ia

Feuille morte.

(Canção do outono, OEuvres poétiques complètes, p.

72-3.)

[Os soluços/Longos dos violinos/Do outono/Ferem meu

coração/De um langor/Monótono//Todo sufocado/E pálido,

quando/Soa a hora,/Eu me lembro/Dos dias antigos/E eu choro

;//E eu vou/Ao vento mau/Que me carrega/ Daqui, dali/

Parecido com/ Uma folha morta.]

Por fim, o mistério, em casos mais extremos, como na

poesia complexa de Mallarmé, é representado por uma idéia,

um problema metafísico relativo ao vazio da existência, à

esterilidade criativa, etc. É o que vem expresso nos versos de

"Brisa marinha":

A carne é triste, ai!, e eu li todos os livros.

Fugir! para o além fugir! Sinto que os pássaros são ébrios

De estar no meio da espuma desconhecida e dos céus!

Nada, nem os velhos jardins refletidos pelos olhos

Page 29: 7024737 Alvaro Cardoso Gomes O SIMBOLISMO

Não reterá este coração que no mar se umedece

Ó Noites! nem a claridade deserta de minha lâmpada

Sobre o papel vazio que a brancura protege.

(OEuvres complètes, p. 38.)

Neste caso, o sentimento vago, indefinido, refere-se ao anseio de

absoluto (representado pelo desejo de voar como os pássaros para o

desconhecido) e à esterilidade da criação poética (representada pela

negatividade, pela imagem da lâmpada deserta e pela brancura do

papel).

Mas seja qual for a imagem do fim último da poesia simbolista, o

seu mistério, parece que, nos mais diferentes poetas, se traduz como

algo que não pode ser expresso por si mesmo, sob pena de perder sua

contingência de mistério. A conseqüência disso é que esse algo nunca

deverá ser dito ou revelado, mas apenas sugerido, evocado. É o que

Mallarmé expõe no seguinte fragmento:

Creio [...] que, no fundo, os jovens estão mais próximos do ideal poético

do que os parnasianos, que ainda tratam seus temas à maneira dos velhos filósofos

e dos velhos retóricos, apresentando os objetos diretamente. Penso ser preciso, ao

contrário, que haja somente alusão. A contemplação dos objetos, a imagem

alçando vôo dos sonhos por eles mesmos suscitados, são o canto; já os parnasianos

tomam a coisa e mostram-na inteiramente: com isso, carecem de mistério; tiram

dos espíritos essa alegria deliciosa de acreditar que estão criando. Nomear um

objeto é suprimir três quartos do prazer do poema, que consiste em ir adivinhando

pouco a pouco: sugerir, eis o sonho. É a perfeita utilização desse mistério que

constitui o símbolo: evocar pouco a pouco um objeto pra mostrar um estado de

alma, ou inversamente, escolher um objeto e extrair dele um estado de alma,

através de uma série de adivinhas.

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{OEuvres complètes, p. 868.)

Page 31: 7024737 Alvaro Cardoso Gomes O SIMBOLISMO

Fazer poesia implica, assim, aludir, sugerir e não mostrar os

objetos diretamente como era o costume dos parnasianos, que eram

pobres em mistério. Com isso, Mallarmé dá a entender que a pobreza da

poesia sem mistério corres-ponde a uma limitação do trabalho do leitor

que, num poema altamente sugestivo, cria a ilusão de que também

participa do processo criativo. Para os simbolistas, portanto, fazer poesia

implica a tentativa de expressar a sensação fugidia, que merece

necessariamente uma forma de expressão condizente com ela, também

vaga, indecisa. É por isso que eles provocam uma revolução na

linguagem poética. Traduzir as sensações absolutamente originais,

recuperar a essência do poético, recusar o anedótico, a descrição dos

objetos, a clareza, os estados de espírito perfeitamente identificáveis, as

paixões excessivas e as formas banais do lirismo amoroso foram os

traços marcantes da geração simbolista.

A capacidade de sugerir, por sua vez, está diretamente ligada à

capacidade de evocar, ou seja, os seres e objetos do mundo sensível,

como constituem apenas a vestimenta da idéia ou do mistério, não

interessam à poesia senão como elementos que servem para trazer à

mente a imagem do mistério ou da idéia. Dessa perspectiva, os seres e

objetos devem permanecer à distância, de maneira que se extraia deles

a essência, algo abstrato, velado, que não seria jamais enunciado, sob

pena de perder sua condição de coisa misteriosa. Esse tipo de evocação

é bem evidente num poeta como Antônio Nobre:

— Ó poentes verde-mar! ó pôr-do-sol de azeite! Ó longe de trovoadas! ó céu dos

ventos suis! Vaca no ar, a mugir crepúsculos de leite E roxos cardeais e amarelos e

azuis!

(Poentes de França. In Só. Lisboa,

Tavares Martins, 1968. p. 107.)

Page 32: 7024737 Alvaro Cardoso Gomes O SIMBOLISMO

Os dados concretos da realidade, o poente, a trovoada, o céu

comparecem no poema não para compor uma paisagem, mas para

suscitar determinado estado de espírito, ou mesmo para auxiliar na

composição das sensações visuais e auditivas, que criam imagens

poéticas alucinadas.

O símbolo

Da sugestão e da evocação chegamos finalmente ao símbolo que

constitui o núcleo da linguagem poética idealizada pelos simbolistas. O

símbolo, na sua denominação mais simples, pode ser confundido com o

signo, com uma coisa que representa a outra. Por exemplo: a palavra

"mesa", que designa o objeto mesa; o sinal vermelho que significa

"pare". Mas neste caso a relação entre uma coisa e outra é sempre

arbitrária; o objeto mesa, por exemplo, em outras línguas, é

representado por um conjunto diferente de sinais (por exemplo, table,

em inglês). Para evitar a confusão entre signo e símbolo, o lingüista

Saussure os distinguiu com base na arbitrariedade do primeiro e na

motivação (ou não arbitrariedade) do segundo:

O símbolo tem como característica não ser jamais completamente arbitrário; ele

não está vazio, existe um rudimento de vínculo natural entre o significante e o

significado. O símbolo da justiça, a balança, não poderia ser substituído por um

objeto qualquer, um carro por exemplo. (Curso de lingüística geral. São Paulo,

Cultrix, 1969. p. 82.)

A base na distinção entre símbolo e signo reside, portanto, na motivação e, por

conseqüência, na conotação. O signo, por não possuir motivação alguma, é

essencialmente denotativo ("mesa" representa mesa e nada mais); o símbolo, sendo

motivado, caracteriza-se pela conotação ("cruz", por exemplo, se refere ao objeto

de madeira cruz e à religião que inspirou, com o sacrifício de Cristo).

Page 33: 7024737 Alvaro Cardoso Gomes O SIMBOLISMO

Contudo, ainda não é a esse tipo de símbolo que os simbolistas se referiam, na

medida em que é unívoco, na medida em que permite uma decifração muito fácil,

direta. Para o crítico Edmundo Wilson, o símbolo é muito mais do que isso:

Os símbolos do Simbolismo têm de ser definidos de maneira algo diversa do

sentido dos símbolos comuns — o sentido de que a Cruz é o símbolo da

Cristandade ou as Estrelas e as Listras o símbolo dos Estados Unidos. Esse

simbolismo difere inclusive de um simbolismo como o de Dante. Pois o tipo

familiar do simbolismo é convencional e fixo; o simbolismo da Divina Comédia é

convencional, lógico, preciso. Mas os símbolos da escola simbolista são, via de

regra, arbitrariamente escolhidos pelo poeta para representar suas idéias; são uma

espécie de disfarce de tais idéias. (O castelo de Axel, p. 21.)

Concebendo o símbolo como um "disfarce das idéias", os

simbolistas pretendiam encontrar as perfeitas correspondências entre o

mundo sensível e o mundo abstrato. Desse modo, o símbolo deixa de ser

apenas uma palavra ou uma coisa significando outra; mais que isso, é

uma palavra ou um conjunto de palavras que serve para evocar um

estado de espírito indefinido e cuja tradução jamais é imediata.

Em muitos casos, o símbolo é elaborado com vistas a imitar a

continuidade e a infinitude de movimentos que existem na alma de um

ser. O poema não procura, através de palavras isoladas, representar

indiretamente uma outra coisa; pelo contrário, as palavras nada valem

quando vistas isoladamente — na realidade, elas se aglutinam,

formando uma rede complexa de sons e significados, como acontece

neste poema de Verlaine:

Vossa alma é uma paisagem escolhida

Que as máscaras e as bergamáscaras vão encantando

Tocando o alaúde e dançando e quase

Tristes sob seus mascaramentos fantásticos,

Cantando tudo no modo menor

Page 34: 7024737 Alvaro Cardoso Gomes O SIMBOLISMO

O amor vencedor e a vida oportuna,

Parecem não acreditar em sua felicidade

E sua canção se mescla ao luar,

Ao calmo luar triste e belo,

Que faz sonhar os pássaros nas árvores

E soluçar de êxtase os chafarizes,

Os grandes chafarizes esbeltos no meio dos mármores.

(Luar, OEuvres poétiques complètes, p. 107.)

O sentimento que o poeta quer expressar no poema é um

sentimento agridoce, misto de ternura e sofrimento frente à hora difusa,

banhada pelo clarão da lua. Mas o sentimento não é jamais dito

diretamente. A expressão do estado de alma é sugerida pelo uso da

comparação: "vossa alma é uma paisagem", ou seja, para falar dos

sentimentos e sensações, o poeta descreve uma paisagem noturna. As

danças, o alaúde, o luar, os pássaros, os chafarizes, objetos do mundo

concreto, evocados no poema, não têm valor simbólico em si. Esses

objetos somente são evocados para que a emoção do poeta (que não é

explicita) se prolongue ao máximo. Por outro lado, eles têm às vezes o

peso equivalente ao da sonoridade que também é muito importante —

no original francês, o verso "qui fait rêver les oiseaux dans les arbres"

chama a atenção pelo acúmulo de sibilantes.

Ao compor a paisagem simbolicamente, o poeta provoca no leitor

um sentimento difuso, de triste nostalgia, sem que, em nenhum

momento, diga o que lhe vai dentro da alma. A vantagem desse

processo é que a sensação, tornada difusa, tem a capacidade de durar

por mais tempo, no instante em que exige do leitor um envolvimento

maior com o poema.

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O Simbolismo e a música

A busca do impreciso, do vago, do indizível fez com que os

simbolistas procurassem renovar essencialmente a linguagem poética.

Com o Simbolismo, a poesia torna-se mais fechada, às vezes até

incomunicável. Nos casos mais extremos, ela se transforma num espaço

em que o poeta trabalha com a sonoridade pura, como acontece nestes

versos de Eugênio de Castro:

Na messe, que enlourece, estremece a quermesse. O

sol, celestial girassol, esmorece... E as cantilenas de serenos

sons amenos Fogem fluidas, fluindo à fina flor dos fenos...

As estrelas em seus halos Brilham com brilhos sinistros... Cornamusas e

crotalos, Cítolas, cítaras, sistros,

Soam suaves, sonolentos,

Sonolentos e suaves,

Em suaves,

Suaves, lentos lamentos

De acentos

Graves,

Suaves...

(Oaristos, obras poéticas. Lisboa, Parceria A. M. Pereira,

1968. v. I, p. 58.)

Ou mesmo nestes, de Cruz e Sousa:

Vozes veladas, veludosas vozes,

Volúpia dos violões, vozes veladas,

Vagam nos velhos vórtices velozes Dos ventos, vivos, vãos, vulcanizadas.

(Violões que choram, Poesia, p. 38.)

Page 36: 7024737 Alvaro Cardoso Gomes O SIMBOLISMO

O acúmulo da vibrante "vê" junto à sibilante e a alternância das

vogais "a" e "o" criam a ilusão de uma continuidade sonora, de maneira

que ao leitor interessa mais o som que o sentido. O poeta imita o som

de um violão ou de um conjunto de notas musicais, como se o poema

devesse se dirigir mais aos ouvidos que à mente. Conseqüentemente, o

poema atinge um grau máximo de subjetividade, não no sentido de que

o poema precisa provocar, como na música, em cada ouvinte/leitor,

sensações diferentes, a partir dos estímulos sonoros.

É possível dizer, portanto, que o Simbolismo foi um movimento

literário em que os poetas sonharam em elevar a poesia à condição de

música. Mas por que tal aproximação entre artes aparentemente tão

distintas? A música, na realidade, é a mais subjetiva das artes, porque

não visa jamais representar imitativamente os objetos; a música visa

sempre atingir o espírito. Daí sua universalidade. Explica-se assim a

grande obsessão dos simbolistas com a música, tanto na referência

explícita a instrumentos musicais — a flauta, o violino, o violoncelo, a

viola — como também na apropriação de recursos tipicamente musicais.

Contudo, é preciso refletir sobre o seguinte: assim como o

símbolo, em que houve variedade de interpretações quanto a seu

conceito, de modo idêntico, as relações entre a poesia.e a música

mereceram diferentes interpretações. Reduzindo o problema a seus

denominadores mais comuns, distinguem-se duas linhas fundamentais

dentro do move-mento simbolista. A primeira delas, explorada por

Verlaine e seguidores, é a que revela uma aproximação entre poesia e

música de modo mais literal, como foi possível verificar tanto no poema

de Eugênio de Castro quanto no de Cruz e Sousa. Os fonemas imitam

sons musicais; a agrupação de fonemas, frases musicais; o poema todo,

uma melodia. Para tanto, além de recorrerem ao uso da aliteração, do

eco, da assonância, etc, os poetas dessa corrente simbolista fazem da

repetição um recurso estilístico dos mais eficazes.

Page 37: 7024737 Alvaro Cardoso Gomes O SIMBOLISMO

É o caso de Camilo Pessanha, que, em "Ao longe

os barcos de flores", imita os movimentos de uma

melodia, com a repetição de um mesmo tema e de suas

variações:

Só, incessante, um som de flauta chora, Viúva, grácil, na escuridão tranqüila,

— Perdida voz que de entre as mais se exila,

— Festões de som dissimulando a hora.

Na orgia, ao longe, que em clarões cintila E os lábios, branca, do

carmim desflora... Só, incessante, um som de flauta chora, Viúva,

grácil, na escuridão tranqüila.

E a orquestra? E os beijos? Tudo a noite, fora, Cauta, detém. Só modulada

trila A flauta flébil... Quem há-de remi-la? Quem sabe a dor que sem razão

deplora?

Só, incessante, um som de flauta chora...

(Clepsidra e outros poemas, p. 239-40.)

Essa relação entre a poesia e a música, ou seja, a busca da pura

sonoridade, tornou-se quase um lugar-comum entre os simbolistas, o

que levou um poeta como Mallarmé a pensar numa relação mais

complexa entre ambos. Desprezando a sonoridade pura, ele procurou

organizar os fonemas como as notas numa pauta, dispondo as palavras

de acordo com a lógica das sensações ou da idéia motriz de todo o

poema. Com isso, conseguiu maior liberdade para os teremos que se

libertam dos nexos lógicos e sintáticos. Em seu experimento mais

radical, "Um lance de dados jamais eliminará o acaso", o poeta encontra

similaridade entre a estrutura do poema e uma sinfonia. Dispondo o

verso "Un coup de dés n'abolira jamais l'hasard" em fragmentos ao

longo de todo o texto, o poeta o concebe como um núcleo, ou um tema

musical, de onde surgirão as variações, palavras soltas, que se dispõem

Page 38: 7024737 Alvaro Cardoso Gomes O SIMBOLISMO

na folha de modo idêntico aos segmentos musicais, como no fragmento

abaixo, em que a variação gráfica, a disposição das palavras e o espaço

em branco adquirem também sentido:

SOIT

que

1'Abime blanchi étale

furieux

sons une inclinaison

plane désespérément

d'aile

(OEuvres complètes, p.

35.)

[Seja/que/o Abismo/embranquecido/se revele/furioso/sob uma

inclinação/plana desesperadamente/ de asa]

A busca do novo entre os simbolistas

Toda essa discussão em torno das correspondências, da sugestão,

da evocação, do símbolo e da musicalidade visou explicitar o caráter

específico da poesia simbolista. Conclui-se disso tudo que o Simbolismo

representou um esforço, nos fins do século XIX, de recuperar a essência

da poesia, perdida ao longo dos tempos. Os simbolistas assim se tornam

inimigos da revelação direta dos sentimentos, da declamação, dos

conteúdos filosóficos. A revelação dos sentimentos e sensações

privadas, íntimas, que se tornam universais graças às correspondências,

dá-se somente através do símbolo, que, como vimos, assume diferentes

aspectos.

Ora, esse mascaramento da expressão confere à poesia

simbolista uma dupla dimensão, se a pensarmos da perspectiva não do

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criador mas da do leitor. De um lado, como o poeta procura traduzir

estados indefiníveis da alma, mutáveis a cada instante, os símbolos

correspondentes devem ser totalmente diferentes daqueles utilizados

pela tradição poética; os símbolos caracterizar-se-ão, às vezes, pela

absoluta arbitrariedade, pela sua novidade, o que implicará o

hermetismo e a conseqüente dificuldade de o leitor penetrar num

mundo fechado, só acessível ao iniciado. De outro lado, independente do

hermetismo, os poemas, por recusarem os nexos mais claros, por

tentarem registrar instantâneos de duração, ou do caos do mundo

interior, tornam-se apenas o espaço onde se movimentam imagens

soltas, que se agregam não por nexos lógicos, mas por nexos pura-

mente emotivos. A conseqüência disso é que essa poesia abolirá o

discurso lógico e exigirá um leitor atento à melodia das palavras, que

deverá se entregar a um ritmo semelhante ao da música.

Cronologia e expansão

Anos de grandes polêmicas

Antes de o Simbolismo difundir-se pela Europa e pela América,

passou por fases de conflito, em que se travaram grandes polêmicas,

até poder-se firmar definitivamente como movimento literário

respeitável. Cronologicamente o Simbolismo se inicia, como já vimos,

com As flores do mal, de Charles Baudelaire, em 1857, atinge o auge em

1886, com as polêmicas travadas entre Jean Moréas e René Ghil, e

consolida-se em 1891, quando Mallarmé é homenageado num jantar a

que comparecem as figuras literárias mais importantes da época.

O aparecimento de As flores do mal, divisor de águas da poesia

francesa, é seguido da publicação de Parnasse contemporain, em 1866.

Apesar de o título se referir ao "Parnaso", a coletânea traz entre seus

colaboradores poetas que antecipam novidades simbolistas: Baudelaire

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com "Madrigal triste", Verlaine com "Mon rêve familier" [Meu sonho

familiar] e Mallarmé com "Les fenêtres" [As janelas].:

Em 1881, o crítico Paul Bourget publica um artigo intitulado

"Théorie de la décadence" e utiliza-se pela primeira vez do termo

"decadência" para designar a "situação da sociedade que produz um

grande número de indivíduos incapazes de achar seu próprio lugar na

faina do mundo". Em 1882, Verlaine publica "Art poétique", poema que

faz a apologia da musicalidade e da sugestão em poesia:

A Música antes de tudo,

E para isso prefere o Ímpar

Mais vago e solúvel no ar,

Sem nada nele que pese ou que pouse.

É preciso também que não vás Escolher tuas palavras sem algum desprezo:

Não há nada mais caro do que a canção cinzenta Onde o Indeciso ao Preciso

se une.

(OEuvres poétiques completes, p. 326.)

Verlaine também publica, em 1884, Poetes maudits, ensaios que

divulgam os poetas Tristan Corbière e Mallarmé. Por sua vez J.-K.

Huysmans publica A rebours [Às avessas], romance poético em que

esboça o perfil do decadente, Floressas Des Esseintes, que influenciará

toda uma geração. Neste mesmo ano, aparece na Bélgica a revista La

Wallonie, que divulga os principais escritores do Simbolismo desse país.

Já estabelecido como "moda", o movimento passa a sofrer críticas

da imprensa especializada. Dentre elas, talvez a mais importante tenha

sido a paródia Les déliquescences d'adoré Floupette (1885), de autoria

de Henri Beauclair e Gabriel Vicaire. Poetas medíocres, tiveram, porém,

o mérito de imaginar um poeta decadente, imitador de Veraine e

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Mallarmé, que não só foi comentado em artigos, como também chegou a

criar escola. No poema a seguir é possível detectar a paródia dos temas

e do estilo de alguns dos principais poetas da época:

Mas o iniciado apaixonado pela boa canção azul e cinza, de um cinza tão azul e

de um azul tão cinza, tão vagamente obscura e no entanto tão clara, o melífluo

decadente cuja íntima perversidade, como uma virgem enterrada na lama confina

ao milagre, aquele saberá bem, supõe-se, onde refrescar o ouro imaculado de suas

Dolências. (Apud CORNELL, Kenneth. The symbolist movement. New Haven, Yale

University Press, 1951. p. 37.)

No mesmo ano, Paul Bourde, inspirado pela sátira de Vicaire e

Beauclair, publica "Les décadents", utilizando-se do termo "decadentes"

para nomear os poetas dessa geração. Em resposta a Paul Bourde, Jean

Moréas, contestando-o, propõe a designação "simbolistas" em vez de

"decadentes", para evitar, entre outras coisas, que se confundissem os

poetas com simples neuróticos ou excêntricos.

Em 1886, as polêmicas em torno do Simbolismo chegam ao auge.

O poeta René Ghil publica o seu Tratado do verbo, em que propõe para a

poesia a curiosa relação entre os sons dos fonemas, o som de

instrumentos musicais, as cores e os sentimentos, criando a subescola

instrumenta-lista. Observe-se o seguinte exemplo:

Monotonia,

dúvida,

simplicidade,

— Instinto

de ser,

de viver.

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(Traité du verbe; états sucessifs. Textos

apresentados, anotados e comentados por

Tiziana Gorupi. Paris, Nizet, 1978. p. 172.)

Ainda em 1886, o crítico Anatole Baju polemiza em jornais,

negando que os decadentes cheguem a formar uma escola

propriamente dita. Mas o ensaio mais importante que surge nesse

ano é "Le symbolisme", de Jean Moréas, em que pela primeira vez se

procura determinar a essência do símbolo, da linguagem simbólica:

Inimiga do ensino, da declamação, da falsa sensibilidade, da

descrição objetiva, a poesia simbolista procura: revestir a Idéia de uma

forma sensível que não seja um fim em si mesma, mas que, ao servir

para exprimir a Idéia, a ela permaneça submissa. A Idéia, por sua vez,

não se deve se ver privada das suntuosas amarras das analogias

exteriores; pois o caráter essencial da arte simbólica consiste em nunca

conceber a Idéia em si. (Le Figaro. Apud MITCHEL, Bonner. Les

manifestes littéraires de Ia belle époque. 2. ed. Paris, Seghers, 1966. p.

27.)

Em 1888, logo após a efervescência dos anos anteriores, notam-

se os primeiros sinais de desgaste do movimento. O crítico Brunetière

escreve uma série de artigos comentando a notória influência de

Baudelaire nos novos poetas. Jean Moréas, que tanto batalhara pela

instauração do Simbolismo, publica o panfleto Les premières armes du

Symbo-lisme, em que reavalia os princípios do Simbolismo, chegando,

inclusive, a descrer de "muitas das coisas que pregava três anos antes".

Em 1891, os simbolistas se reúnem, para homenagear Mallarmé. Se, de

um lado, o encontro serviu para referendar o triunfo definitivo do

movimento, do outro, algumas deserções apontam para a exaustão da

escola simbolista. Neste mesmo ano, Jean Moréas, seu maior batalhador,

declara encerrado o Simbolismo e propõe a fundação da "Escola

Romana".

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O fortalecimento do Simbolismo em seu berço, a França

Enquanto se travavam as batalhas literárias, as polemicas, os

bate-bocas através dos periódicos, os grandes escritores travavam uma

batalha um pouco mais silenciosa com o texto. Durante a vigência do

Simbolismo na França, destacaram-se os seguintes poetas: Baudelaire,

Rimbaud, Verlaine e Mallarmé. O primeiro, como já vimos, abalou seus

contemporâneos com a poesia grotesca, sombria de As flores do mal, e,

desse modo, rompeu com a tradição poética francesa. Rimbaud, seu

discípulo, é o criador de uma poesia alucinada, feita a partir do

"desregramento de todos os sentidos" e voltada para a invenção de uma

nova linguagem que buscasse integrar os diversos tipos de sensações,

como no famoso poema "Vogais":

A negro, E branco, I vermelho, U verde, O azul: vogais, Eu falarei um dia de

suas florescências latentes: A, negro espartilho veludo das moscas ruidosas Que

voltejam ao redor de maus cheiros cruéis,

Golfos de sombra; E, canduras dos vapores e das tendas, Lanças de geleiras

orgulhosas, reis brancos, arrepios de

umbelas;

I, púrpuras, sangue cuspido, riso de lábios belos Em cólera ou bebedeiras

penitentes;

U, ciclos, vibrações divinas dos mares viridentes, Paz dos pastos semeados de

animais, paz das rugas Que a alquimia imprime a grandes frontes eruditas;

O, supremo Clarão pleno de insólitas estridências, Silêncios atravessados dos

Mundos e dos Anjos — O, Ômega, raio violeta de Seus Olhos!

(OEuvres complètes, p. 104.)

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Verlaine, diferentemente, é o poeta dos meios-tons, dos

sentimentos vagos, difusos, expressos numa linguagem sutil, altamente

melodiosa. Nele, tudo é sugestão, evocação de uma nostalgia indefinida,

misto de tristeza e preguiça sensual. Mais intelectualizado do que

ambos, Mallarmé levará às últimas conseqüências a exploração da

linguagem simbólica, criando uma poesia hermética, nem sempre

accessível ao leitor. Preocupado em atingir a essência do poético, o

poeta às vezes chega ao Nada, símbolo da esterilidade poética. Não é à

toa que Mallarmé se constituirá num dos mais importantes precursores

da poesia moderna.

No plano da prosa, vale a pena referir os nomes de J.-K.

Huysmans e Villiers de L'Isle-Adam. O primeiro é o autor de Às avessas,

romance que põe por terra o modelo da prosa narrativa dos realistas e

naturalistas, com a invenção da típica figura do decadente e de uma

linguagem plástica sugestiva. O segundo escreveu os Contos cruéis

(1883), dando impulso ao poético na narrativa curta. Também é digno de

nota seu drama estático Axel (1890), em que o autor expõe a filosofia

decadentista da inutilidade da ação.

O Simbolismo no resto da Europa e nas Américas

O Simbolismo inicia-se na Itália por volta de 1889, com o

romance poético Il piacere, de Gabriele D'Annunzio. Seu autor tenta

resgatar a poesia italiana do Classicismo, através da importação de

novidades decadentistas, criando um mundo aristocrático, onde se

manifestam sensações mórbidas e sensuais. Herdeiros de D'Annunzio,

mas já dentro do século XX, os "crepuscolari" (Sergio Corazzini, Guido

Page 45: 7024737 Alvaro Cardoso Gomes O SIMBOLISMO

Gozzano, etc.) expressam, em tons verlainianos, a dor de viver e a

melancolia frente à existência.

Na Espanha, verifica-se uma revolução espiritual e poética que se

funde à renovação política, no protesto da geração de 1898. Revelando,

através da temática simbolista, a decadência da pátria, Unamuno e

Valle-Inclán viriam, de um lado, manifestar a angústia frente à morte e,

de outro, um misticismo anarquista, sob influência dos decadentistas

franceses. Acima destes dois está Antonio Machado, uma das maiores

vozes líricas do pré-modernismo espanhol.

O Simbolismo acontece na Rússia somente no início do século XX

e termina abruptamente com a Revolução Comunista de 1917. Sua

figura mais importante é Alexander Blok, cuja simbologia mágica,

transformando-se mais tarde em arte revolucionária, nos dá a exata

medida do caminho percorrido pelos simbolistas russos.

A rigor, não houve um movimento simbolista perfeitamente

caracterizado na Inglaterra. Por volta de 1884, surge o grupo dos "pré-

rafaelistas", formado por Rossetti, Ruskin e Morris, que se apegaram ao

misticismo medieval, ao visionarismo utópico e ao culto da beleza.

Fortemente influenciado pelo Decadentismo francês, Oscar Wilde

escreve uma obra em que valoriza, sobretudo, o trabalho artístico em

detrimento da existência, considerada vazia, sem sentido. Sua obra mais

famosa é o romance The picture of Dorian Gray [O retrato de Dorian

Gray] (1891), em que o autor cria uma personagem decadente,

inspirada com certeza no Des Esseintes, de Huysmans.

A figura mais representativa do Simbolismo alemão é Stefan

George, seguidor da sutileza musical de Verlaine. Responsável pela

divulgação do Simbolismo na Alemanha, escreverá uma poesia rica de

nuanças. Já no início do Modernismo, surge Rilke, autor de Elegias de

Duíno (1923), que explora as relações íntimas entre o sonho e o

sentimento de morte. Na Áustria, que sempre sofreu forte influência

Page 46: 7024737 Alvaro Cardoso Gomes O SIMBOLISMO

alemã, salienta-se Hofmannsthal, cuja imensa obra se prende à tentativa

de recuperar o passado, criando um clima de decadência e morte.

Também nos Estados Unidos não houve um movimento

simbolista, embora tenhamos visto que Poe foi um dos precursores da

estética. Quando muito, pode-se falar na geração dos

"transcendentalistas", formada por escritores como Emerson, Melville,

Hawthorne, que receberam notória influência de Swedenborg. Nos

países da América Latina, diferentemente, o Simbolismo criou raízes e se

expandiu. Sua figura mais representativa talvez seja o nicaragüense

Rubén Darío. Além dele, há outros nomes dignos de nota: o cubano José

Martí, o argentino Leopoldo Lugones, o uruguaio Herrera y Reissig e a

chilena Gabriela Mistral.

O Simbolismo nos países de língua portuguesa

O Simbolismo foi introduzido em Portugal em 1890, com Eugênio

de Castro. Voltando de uma viagem à França, o então jovem poeta

procurou difundir as novidades simbolistas francesas em seu país com

sua obra Oaristos. Mais importante que os poemas é o prefácio onde o

autor propõe os rumos da nova estética. Preocupado sobretudo com os

aspectos formais do movimento, Eugênio de Castro acabou por

enveredar por discussões sobre a rima, o ritmo e o vocabulário. Para

comprovar sua teoria, os poemas exploram à exaustão os principais

recursos da estética simbolista, tais como a aliteração, as palavras

Page 47: 7024737 Alvaro Cardoso Gomes O SIMBOLISMO

exóticas, as rimas estranhas, etc, com isso criando uma poesia

absolutamente artificial. Não é à toa que, no final de sua carreira,

Eugênio de Castro evoluiria para um não disfarçado parnasianismo.

Mais autêntico que Eugênio de Castro é o sensível poeta de Só

(1892), Antônio Nobre. Herdando o modo coloquial de falar dos

românticos, mas com os ouvidos atentos para a música das coisas, o

poeta liberta a poesia portuguesa do artificialismo, da

convencionalidade. Volitado quase que exclusivamente para a terra

natal, para o passado, Antônio Nobre canta os anos da infância perdida,

a beleza dos campos, a pureza das figuras femininas, das "virgens" que

passam "ao sol poente". Sua obra poética exalta em cores fortes as

sensações relativas a um tempo de totalidade, só recuperável pela

palavra evocativa, pelo verso musical, sinestésico.

Mas de todos os poetas simbolistas do período o mais importante foi

mesmo Camilo Pessanha, que, com sua única obra poética Clepsidra

(1920), chegou até a influenciar Fernando Pessoa. Isso porque, ao

contrário de Eugênio de Castro, por exemplo, soube como levar às

últimas conseqüências a revolução simbolista em Portugal. Assim, de um

lado, Pessanha é o legítimo herdeiro de Verlaine, com seus versos

musicais que exploram as íntimas relações entre as sonoridades e os

estados de alma mais íntimos, como vem expresso em seu poema

"Violoncelo":

Chorai, arcadas

Do violoncelo!

Convulsionadas

Pontes aladas

De pesadelo...

De que esvoaçam,

Page 48: 7024737 Alvaro Cardoso Gomes O SIMBOLISMO

Brancos, os arcos...

Por baixo passam,

Se despedaçam,

No rio, os barcos.

Fundas soluçam

Caudais de choro...

Que ruínas (ouçam)!

Se se debruçam,

Que sorvedouro...

Trêmulos astros...

Solidões lacustres...

— Lemes e mastros...

E os alabastros

Dos balaústres!

Urnas quebradas!

Blocos de gelo...

— Chorai, arcadas,

Despedaçadas,

Do violoncelo.

(Clepsidra e outros poemas, p. 237-8.)

Como se pode verificar, o poema equivale ao

violoncelo, no sentido de que cada estrofe, ou melhor,

cada imagem (o choro, o rio, os caudais de choro, o

lago, o gelo, etc.) sugere os diversos movimentos de

uma melodia que, por sua vez, evocam diferentes

estados de alma. Mas, do outro lado, Camilo Pessanha

é também o poeta que expressa o sofre-mento frente à

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brevidade da vida, a incapacidade do homem de

captar o que quer que seja da realidade circundante:

Imagens que passais pela retina Dos meus

olhos, por que não vos fixais? Que

passais como a água cristalina Por uma

fonte para nunca mais!...

Ou para o lago escuro onde termina

Vosso curso, silente de juncais, E o

vago medo angustioso domina,

— Por que ides sem mim, não me levais?

Sem vós o que são os meus olhos abertos?

— O espelho inútil, meus olhos pagãos!

Aridez de sucessivos desertos...

Fica sequer, sombra das minhas mãos,

Flexão casual de meus dedos incertos, E

Estranha sombra em movimentos vãos.

(Clepsidra e outros poemas, p. 207-8. )

Poeta refinado, manifestando em sua poesia o sentimento de

uma dor cósmica, Camilo Pessanha soube dar como ninguém intensa

força à palavra poética, explorada em todas as suas nuanças.

Quanto ao Simbolismo brasileiro, antes de tudo, precisamos

refletir sobre um problema que, em termos gerais, afetou a expansão

desse movimento por aqui (como certa-mente deve ter também afetado

nos países da América Lati-na). Acontece que o Simbolismo foi uma

Page 50: 7024737 Alvaro Cardoso Gomes O SIMBOLISMO

estética altamente refinada, oriunda dos países industrializados e frios.

Tanto é assim que seus membros mais ilustres não só fizeram a apologia

do artificial em arte, como também elegeram o Outono (de preferência)

e o Inverno como as estações preferidas para expressar os estados de

alma lânguidos, melancólicos. Como é então que o Simbolismo havia de

se fixar num país ainda agrícola e tropical?

Com efeito, não é à toa que, apesar de seus muitos poetas, o

Simbolismo brasileiro instalou-se timidamente aqui e teve curta duração.

Parece mesmo que o vago, o indeciso, os estados imprecisos de alma, as

evocações sutis de entidades misteriosas, não coadunavam muito bem

com o esplendor da terra tropical, com o sol a pino, com a paisagem

recortada nitidamente no horizonte. Talvez por isso mesmo é que o

poeta simbolista brasileiro mais importante, Cruz e Sousa, tenha nascido

no sul do país, mais precisa-mente em Santa Catarina, região fria, que

sofreu grande influência européia. Filho de escravos libertos, criado pelo

antigo amo, o poeta levou uma vida extremamente atribulada e curta

(1862-1898). Atormentado por dívidas, ainda viu a mulher morrer

tuberculosa. Apesar disso tudo, num espaço restrito de tempo, criou

uma obra que evolui das pesquisas formais de Broqueis para a

expressão do sentimento profundo de dor nos Últimos sonetos:

Almas ansiosas, trêmulas, inquietas,

Fugitivas abelhas delicadas Das colméias

de luz das alvoradas, Almas de

melancólicos poetas,

Que dor fatal e que emoções secretas

Vos tornam sempre assim desconsoladas,

Na pungência de todas as espadas,

Na dolência de todos os ascetas?!

Page 51: 7024737 Alvaro Cardoso Gomes O SIMBOLISMO

Nessa esfera em que andais, sempre indecisas,

Que tormento cruel vos nirvaniza,

Que agonias titânicas são essas?!

Por que não vindes, almas imprevistas,

Para a missão das límpidas conquistas

E das augustas, imortais Promessas?!

(Almas indecisas. Poesia,

p. 75.)

Mas o que marcou de maneira definitiva a poesia de Cruz e

Sousa, fazendo com que ele se transformasse no mais representativo

poeta simbolista brasileiro, foi a mescla de altos anseios espirituais ("as

virgens vaporosas") com uma forte sensualidade (presente numa

imagem como "tinhorão lascivo"). Essa mescla representará uma

adaptação do estilo, da temática do Simbolismo europeu às condições

da realidade brasileira. O curioso contraste entre a alta espiritualidade e

a forte sensualidade nos versos de Cruz e Sousa é responsável pela

novidade desse poeta que, dessa maneira, criou um simbolismo todo

seu, atento às pulsações da natureza tropical e quem sabe mesmo às da

própria raça.

Ainda importantes dentro do Simbolismo brasileiro são

Alphonsus de Guimaraens (pseudônimo de Afonso Henriques da

Costa Guimarães), Augusto dos Anjos e Pedro Kilkerry. O primeiro

deles procurou instalar ou mesmo transferir o Simbolismo europeu

para a realidade brasileira, o que fica bem patente com seu livro

Pauvre lire, total-mente escrito em francês e nos versos de poemas

como "Primeira dor de Nossa Senhora", em que a alta espiritualidade,

os anseios religiosos lhe dão um cunho eminente-mente universal:

Em teu louvor, Senhora, estes meus versos

Page 52: 7024737 Alvaro Cardoso Gomes O SIMBOLISMO

E a minha Alma aos teus pés para cantar-te:

E os meus olhos mortais, em dor imersos,

Para seguir-te o vulto em toda a parte.

(Apud MURICY, Andrade, sel., org. e int. Panorama do

movimento simbolista brasileiro. Brasília, Conselho Federal

de Cultura/INL, 1973. 2 v., p. 441-2.)

Poeta de fina sensibilidade, falando sempre em surdina,

Alphonsus de Guimaraens, mais do que Cruz e Sousa, conseguiu

transplantar de maneira bastante evidente o Simbolismo para as terras

brasileiras. Mas por isso mesmo é que sua poesia perde em tensão para

a do autor de Broqueis; monocórdica, cai num espiritualismo extremado,

de que "Ismália", seu mais conhecido poema, é o melhor exemplo.

Augusto dos Anjos e Pedro Kilkerry, por sua vez, criam um

simbolismo todo especial, já nos limites da modernidade. O primeiro

mistura princípios deterministas, evolucionistas com as tendências

espiritualistas da época e acaba por montar uma obra sincrética, que

chama a atenção às vezes pelo vocabulário esdrúxulo, mais próprio das

ciências exatas:

Eu, filho do carbono e do amoníaco,

Monstro de escuridão e rutilância,

Sofro, desde a epigênese da infância,

A influência má dos signos do zodíaco.

(Psicologia de um vencido. Apud MOISÉS, Massaud. A

literatura brasileira através dos textos. 16. ed. São

Paulo, Cultrix, 1991. p. 312.)

Utilizados de forma irônica, os vocábulos "carbono", "amoníaco" e

"epigênese" servem para denunciar a falibilidade da ciência frente ao

destino miserável do homem.

Page 53: 7024737 Alvaro Cardoso Gomes O SIMBOLISMO

Já Kilkerry escreveu muito pouco, mas seus estranhos versos

prenunciam a vinda do Modernismo, com suas bruscas rupturas

sintáticas.

Concluindo, podemos dizer que se o Simbolismo não teve tanta

importância no Brasil como o Romantismo, por exemplo, pelo menos

serviu para atenuar o impacto da instalação do Parnasianismo entre nós

e mesmo para tornar mais maleável, mais expressiva a obra de poetas

como Olavo Bilac e Raimundo Correia. Não bastasse isso, o Simbolismo

também teve uma influência expressiva nos poetas da geração

modernista, como Tasso da Silveira, Cecília Meireles, Manuel Bandeira e

Augusto Frederico Schmidt. Em Cecília Meireles, fica patente a herança

simbolista no seu gosto pela música, pelos símbolos, pela politização de

uma atmosfera rarefeita, que faz lembrar um Verlaine, por exemplo. Já

Bandeira, na primeira fase de sua carreira, mostra muita afinidade com

certa paisagem outoniça ou mesmo com a expressão de estados de

espírito indefinidos, típicos do Simbolismo.

Índice de autores simbolistas

ANJOS, Augusto dos (1884-1914). Poeta simbolista brasileiro,

autor de Eu (1912).

BAJU, Anatole. Crítico francês, ardente defensor do

Decadentismo. Autor de L'école décadente (1887).

BAUDELAIRE, Charles (1821-1867). O introdutor da poesia

simbolista na França e um dos mais importantes poetas da

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modernidade. Escreveu, entre outras obras, Les fleurs du mal (1857),

Les paradis artificieis (1860), etc.

BEAUCLAIR, Henri (1860-1900). Co-autor da mistificação Les

déliquescences d'adoré Floupette (1885).

BLOK, Alexander Alexandrovitch (1880-1921). O mais

importante simbolista russo, autor de Versos da bela dama (1905),

Poesias russas (1915), etc.

BOURGET, Paul (1852-1935). Ensaísta francês da época

simbolista, autor de Essais de psychologie contemporaine

(1883/1885).

BRUNETIÈRE, Ferdinand (1849-1906). Um dos mais ferozes

críticos do Simbolismo e, sobretudo, de Baudelaire, autor de Évolution

de Ia poésie lyrique (1894).

CASTRO, Eugênio de (1869-1944). Poeta português,

responsável pela introdução do Simbolismo em Portugal, com a obra

Oaristos (1890).

CORAZZINI, Sergio (1887-1907). Simbolista italiano,

pertencente à geração dos "crepuscolari" e autor de L'amaro cálice [O

cálice amargo] (1905).

CORBIÈRE, Tristan (1845-1875). Poeta decadente francês, autor

de Les amours jaunes [Os amores amarelos] (1873).

CRUZ E SOUSA, João da (1862-1898). O mais importante poeta

simbolista brasileiro, autor de Missal (1893), Broqueis (1893) e Últimos

sonetos (1905).

D'ANNUNZIO, Gabriele (pseudônimo de Gaetano Rapagnetta)

(1863-1938). O mais importante escritor do Simbolismo italiano, autor

de II piacere (1889), // triunfo de Ia morte (1894), etc.

DARÍO, Rubén (1867-1916). Poeta simbolista nicaragüense,

autor de Azul (1888).

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EMERSON, Ralph Waldo (1803-1882). Poeta e pensador norte-

americano, autor de Essays (1841).

GEORGE, Stefan (1868-1933). Simbolista alemão, autor de

Algabal (1890/1892), O sétimo anel (1907), etc.

GHIL, René (1862-1925). Poeta simbolista francês, autor de

Traité du verbe (1886).

GOZZANO, Guido (1883-1916). Simbolista italiano, também

pertencente à geração dos "crepuscolari", autor de La via dei refugio

(1906).

GUIMARAENS, Alphonsus de (pseudônimo de Afonso Henriques

da Costa Guimarães) (1870-1921). Simbolista brasileiro, autor de

Setenário das dores de Nossa Senhora (1899), Kyriale (1902), etc.

HAWTHORNE, Nathaniel (1804-1864). Transcendentalista

americano, autor de The scarlet letter (1850), The house of seven

gables [A casa dos sete patamares] (1851), etc.

HERRERA Y REISSIG, Júlio (1875-1910). Poeta simbolista

uruguaio, autor de Los pianos crepusculares (1910).

HOFMANNSTHAL, Hugo von (1874-1929). Poeta e dramaturgo

austríaco, autor de O cavaleiro e a rosa (1911).

HUYSMANS, Joris-Karl (1848-1907). Romancista francês, autor

de A rebours (1884), Là-Bas [Além] (1891), etc.

KILKERRY, Pedro Militão (1885-1917). Simbolista brasileiro, cuja

obra esparsa foi reunida por Augusto de Campos em Revisão de

Kilkerry (1970).

LUGONES, Leopoldo (1874-1938). Simbolista argentino, autor

de Lunario sentimental (1909).

MAETERLINCK, Maurice (1862-1949). Poeta e dramaturgo

belga, autor de Pélleas et Mélisande (1892), L'oiseau bleu (1909), etc.

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MALLARMÉ, Stéphane (1842-1898). Um dos mais importantes

poetas simbolistas, precursor das modernas tendências poéticas.

Escreveu L'après-midi d'un faune [A sesta de um fauno] (1897), etc.

MARTÍ, José (1853-1895). Simbolista cubano, autor de Versos

sencillos [Versos sinceros] (1891), etc.

MELVILLE, Herman (1819-1891). Romancista americano,

pertencente à geração dos transcendentalistas. Escreveu Moby Dick

(1851).

MESQUITA, Roberto de (1871-1923). Poeta simbolista açoriano,

autor de Almas cativas (1931).

MISTRAL, Gabriela (pseudônimo de Lucila Godoy) (1889-1957).

Poeta simbolista chilena, autora de Desolación (1922).

MORÉAS, Jean (pseudônimo de Joannis Papadiamantopoulos)

(1856-1910). Poeta simbolista grego, radicado na França, um dos mais

importantes divulgadores do moviento. Escreveu Les certes (1884).

MORRIS, William (1834-1896). Poeta pré-rafaelita inglês, autor

de Defense of Guenever and other poems (1858).

NOBRE, Antônio (1867-1900). Poeta simbolista português, autor

de Só (1892).

PESSANHA, Camilo d'Almeida (1867-1926). O mais importante

poeta simbolista de língua portuguesa. Escreveu Clepsidra (1920).

RILKE, Rainer Maria (1875-1926). Poeta simbolista alemão,

autor de Sonetos a Orfeu (1923), Elegias de Duíno (1923), etc.

RIMBAUD, Arthur (1854-1891). Poeta simbolista francês, autor

de Une saison en enfer (1873), Les illuminations (1886).

RODENBACH, Georges (1855-1898). Poeta e romancista do

Simbolismo belga, autor de Bruges-la-Morte (1892).

ROSSETTI, Dante Gabriel (1828-1882). Poeta pré-rafaelita

inglês, autor de Ballads and sonnets (1881).

Page 57: 7024737 Alvaro Cardoso Gomes O SIMBOLISMO

RUSKIN, John (1819-1900). Esteta inglês ligado aos pré-

rafaelitas, autor de The seven lamps of architecture (1849).

UNAMUNO, Miguel de (1864-1937). Poeta, romancista e filósofo

espanhol, autor de Del sentimiento trágico de Ia vida (1913).

VALLE-INCLÁN, Ramón Maria del (1869-1936). Poeta e

romancista do Simbolismo espanhol, autor de Tirano Banderas (1926).

VERHAEREN, Émile (1855-1916). Simbolista belga, autor de Les

moines [Os monges] (1886).

VERLAINE, Paul (1844-1896). Um dos mais importantes poetas

do Simbolismo francês, autor de Fêtes galantes (1869), La bonne

chanson (1870), Romance sans parole (1874), etc.

VICAIRE, Gabriel (1849-1900). Poeta simbolista francês, co-

autor da mistificação Les déliquescences d'adoré Floupette.

VILLIERS DE L'ISLE-ADAM, Philippe Auguste (1840-1889).

Prosador simbolista francês e dramaturgo, autor de Contes cruels

(1883) e Axel (1890).

WILDE, Oscar (1856-1900). Dramaturgo, romancista e poeta

inglês, autor de The picture of Dorian Gray (1891), Salomé (1894), etc.

YEATS, William Butler (1865-1939). Poeta simbolista irlandês,

autor de The Wind among the reeds [O vento entre os caniços] (1899),

etc.

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Vocabulário crítico

Aliteração: recurso estilístico que se caracteriza pela repetição

de uma consoante no início de cada palavra de um mesmo verso,

como, por exemplo, neste poema de Eugênio de Castro: "Fogem

fluidas, fluindo à fina flor dos fenos" (Oaristos).

Analogia: no sentido comum, refere-se a alguma coisa que tem

semelhança com outra. Entre os simbolistas, contudo, refere-se ao

princípio das correspondências.

Correspondências: termo que se origina da filosofia mística de

Emmanuel Swedenborg (1688-1772), autor de De coelo et de inferno

(1758). Segundo o escritor sueco, as chamadas "correspondências"

seriam as relações existentes entre as coisas do mundo natural e as

do mundo espiritual: "assim, cada coisa que, no Mundo natural, existe

em conformidade com uma coisa espiritual, é chamada

Correspondente". Essa concepção de que tudo que existe sobre a

Terra corresponde a algo espiritual servirá de base para a estética

Page 59: 7024737 Alvaro Cardoso Gomes O SIMBOLISMO

simbolista, a partir mesmo de Baudelaire que compôs seu famoso

soneto intitulado ' 'Correspondências “, tendo como ponto de partida a

teoria esotérica de Swedenborg.

Crepúsculo: momento do dia preferido pelos simbolistas, devido

a seu caráter difuso.

Dandy: palavra de origem inglesa que designa o decadente, o

homem refinado do fim do século, que se compraz em cultivar

prazeres extravagantes, em distanciar-se da vulgaridade do mundo

burguês.

Decadência: termo com que se designam vários estágios da

história da humanidade (a do Império Romano, por exemplo),

marcados pela anarquia moral e social. Mais especificamente, designa

o estado da sociedade européia nos fins do século XIX.

Decadente: designa o artista típico do fim do século, que se

caracteriza pelos nervos superexcitados, pela passividade frente à

vida ativa e pelo culto de prazeres refinados, de sensações mórbidas,

doentias. São exemplares típicos do decadente as personagens Des

Esseintes, do romance A rebours, de J.-K. Huysmans e Dorian Gray, do

romance O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde.

Decadentismo: denominação de movimento literário que

antecede ao Simbolismo e que tem como características básicas a

criação de um mundo artificial, onde vivem seres que se entregam a

prazeres mórbidos.

Decifrador: termo através do qual Baudelaire designava o

poeta: "ora o que é um poeta [...] senão um decifrador" (L'art

romantique, p. 267), no sentido de que cabia a ele "decifrar" o sentido

das correspondências.

Desregramento: o termo surge de modo específico na famosa

"Carta ao vidente", que Rimbaud escreveu ao amigo Paul Demeny, em

Page 60: 7024737 Alvaro Cardoso Gomes O SIMBOLISMO

1871, e refere-se à provocada anarquização dos sentidos, para se

atingir a vidência, a capacidade de interpretar os símbolos da

realidade ("O Poeta se faz vidente através de um longo, imenso e

racional desregramento de todos os sentidos").

Determinismo: doutrina influenciada pelo Positivismo de

Auguste Comte e desenvolvida por Hippolyte Taine. Baseado em

princípios históricos, sociológicos e antropológicos, o Determinismo se

dispunha a conhecer o homem através dos determinantes fixos da

raça, do meio e do momento histórico. Assim concebida, essa doutrina

exerceu grande influência na época, sobretudo no chamado romance

realista/naturalista.

Eco: recurso estilístico que tem como princípio a repetição de

sílabas no final das palavras de um mesmo verso. Por exemplo: "na

messe que enlourece, estremece a quermesse" (Eugênio de Castro,

Oaristos).

Escola Romana: subescola criada por Jean Moréas, que

propunha um retorno aos valores poéticos greco-latinos.

Evangelho das correspondências: metáfora com que se

designava o conjunto de preceitos das chamadas "correspondências".

Evocação: de evocar, chamar. Entre os simbolistas, diz respeito

à capacidade de suscitar um estado de espírito através da referência a

um determinado objeto ("Evocar pouco a pouco um objeto, para

liberar dele um estado de espírito", observa Mallarmé numa entrevista

concedida a Jules Huret.

Fim do século: final do século XIX. Devido ao caráter peculiar

desse período de tempo, além de seu sentido histórico, tem também

um sentido mais propriamente social e estético.

Idealismo: corrente filosófica que predomina durante o fim do

século e que tem como base a valorização da Idéia sobre a matéria.

Page 61: 7024737 Alvaro Cardoso Gomes O SIMBOLISMO

Idéia: termo genérico com o qual se denominava o fim último de

toda a poesia simbolista, algo abstrato que não podia ser revelado, sob

pena de perder sua aura de mistério.

Inconsciente: parte da mente humana não controlada pela

consciência e que, por isso mesmo, segundo alguns simbolistas, como

Rimbaud, por exemplo, deveria ser a fonte da criação poética. Num

sentido mais restrito (e acrescido do adjetivo "imortal"), o termo está

direta-mente relacionado com a entidade que governa o universo e

que é inacessível ao homem, segundo a teoria filosófica de Hartmann.

Mal do século: submovimento do século XIX que leva às últimas

conseqüências certas características básicas do Romantismo, como a

subjetividade, os excessos sentimentais, o culto da morte, etc.

Mistério: junto com a Idéia, o fim último da poesia simbolista,

algo que devia ser decifrado pelo poeta vidente, mas não revelado.

Para Mallarmé, expressar o mistério seria a tarefa de todo poeta: "a

poesia é a expressão, pela linguagem humana que retoma seu ritmo

essencial, do sentido misterioso dos aspectos da existência; ela doa

assim autenticidade à nossa vida na terra e constitui a única tarefa

espiritual".

Motivação: na teoria lingüística de Saussure, diz-se do signo

que possui uma relação natural entre significante e significado, como

no sinal t, que representa o Cristianismo. Entre a representação e a

religião que representa há um sentido natural: o Cristianismo é

representado pela cruz, porque a cruz foi o instrumento de suplício de

Jesus Cristo.

Música: devido ao fato de os simbolistas darem tanta

importância à expressão vaga, sutil dos sentimentos e sensações,

acabaram por ter como parâmetro a linguagem musical (a música é a

mais subjetiva das artes). As aproximações entre a linguagem poética

e a musical podem ser entendidas de duas maneiras. Uma, direta, que

Page 62: 7024737 Alvaro Cardoso Gomes O SIMBOLISMO

supõe que os fonemas devam imitar as notas numa pauta ("Vozes

veladas, veludosas vozes", de Cruz e Sousa, por exemplo); outra,

indireta, que supõe que as palavras tenham a mesma liberdade que as

notas musicais. Essa última compreensão das relações entre poesia e

música, levada a cabo principalmente por Mallarmé, supunha que as

palavras deveriam se organizar no verso de uma forma menos rígida.

Naturalismo: movimento literário do século XIX, que se baseia

em pressupostos científicos, tais como a hereditariedade, a força do

meio social, etc. Mais próprio da prosa do que da poesia, o

Naturalismo teve como seu expoente máximo na França o escritor

Émile Zola (A besta humana) e, no Brasil, Aluísio Azevedo (O cortiço) e

Júlio Ribeiro (A carne).

Outono: a estação predileta dos simbolistas, por sua

indefinição, por seu caráter vago.

Parnasianismo: movimento poético do século XIX,

contemporâneo do Realismo, caracterizado por uma poesia fria,

impessoal e que propõe um retorno ao mundo clássico, greco-latino. A

palavra parnasianismo vem de Parnaso, região da Grécia onde viviam

os pastores cuidando de seu rebanho.

Pessimismo: sentimento geral do artista do fim do século,

suscitado pela descrença no progresso e no otimismo nascidos da

Revolução Industrial e da valorização das ciências nos meados do

século XIX. Tal sentimento foi divulgado principalmente pela obra de

Arthur Schopenhauer, O mundo como vontade e representação.

Poesia pura: expressão com que se designa um tipo de poesia

que não visa a nenhum fim senão o culto da beleza. Essa concepção

poética foi cultivada principalmente pelos românticos (Coleridge e

Edgar Allan Poe), pelos parnasianos e sobretudo pelos simbolistas

(Baudelaire, Mallarmé e Valéry).

Page 63: 7024737 Alvaro Cardoso Gomes O SIMBOLISMO

Positivismo: doutrina de base sociológica, desenvolvida por

Auguste Comte e que tem por base a crença numa aproximação

positiva, objetiva da realidade. O Positivismo influenciou

decididamente o movimento realista.

Razão triunfante: expressão com que se designa a supremacia

da razão no século XVIII e nos meados do século XIX.

Realismo: no sentido geral, implica o interesse pelo real

objetivo, exterior; no sentido específico, refere-se ao movimento

literário do século XIX, que, sob influência do Positivismo, se propunha

a captar o real, através da observação e da análise.

Representação: segundo termo do título da obra de

Schopenhauer (O mundo como vontade e representação). Com essa

palavra, o escritor alemão dava a entender que a realidade não existe

em si, que ela é mera "representação", ilusão de nossos sentidos. Ao

conceber a idéia da "representação", Schopenhauer acabou por

desmistificar os positivistas e deterministas, que acreditavam ser

possível captar o real.

Revolução Industrial: expressão que designa o espetacular

desenvolvimento das indústrias, nos fins do século XVIII e nos meados

do século XIX, principalmente na Inglaterra.

Romantismo: movimento literário que marca o início da

modernidade e que teve origem no final do século XVIII na Inglaterra e

na Alemanha. Entrando século XIX adentro, o Romantismo, ao fazer a

apologia da liberdade artística, da supremacia da emoção sobre a

razão, da valorização do subjetivo, influenciou muitos dos movimentos

literários da modernidade, notadamente o Simbolismo e o Surrealismo.

Signo: uma coisa que representa a outra, o resultado de uma

convenção instituída pelo homem (a palavra "cadeira" que representa

Page 64: 7024737 Alvaro Cardoso Gomes O SIMBOLISMO

um determinado objeto). Quando naturais, os signos são conhecidos

como "índices" (por exemplo, a fumaça é índice do fogo).

Signo motivado: diz-se do signo em que a relação entre o

significante e o significado não é totalmente arbitrária, na medida em

que existe algum tipo de motivação entre ambos.

Simbolismo: movimento literário do fim do século XIX, que se

originou na França e cujas raízes se encontram no Romantismo. O

Simbolismo tem como princípio, entre outras coisas, o uso do símbolo,

da expressão indireta dos estados de espírito e das correspondências,

para expressar complexas intuições de uma realidade oculta,

inacessível.

Simbolista: diz-se do poeta ou prosador que pertence ao

movimento simbolista.

Símbolo: no sentido mais restrito, o mesmo que signo

motivado; no sentido mais amplo, uma forma de expressão que visa

sugerir estados de alma ou que visa expressar o mistério ou a Idéia

sem revelá-los. O símbolo caracteriza-se pela plurissignificação,

enquanto o signo, pela denotação.

Sinestesia: espécie de metáfora que se caracteriza pela fusão

de duas ou mais sensações, como nessa imagem de Antonio Nobre

"canção ardente" (o poeta funde as sensações auditiva, visual e táctil).

As sinestesias foram celebrizadas por Baudelaire em seu soneto

"Correspondências", como o meio mais adequado do poeta para poder

atingir as correspondências entre os sentidos: "Há perfumes frescos

como carnes de crianças,/Doces como os oboés, verdes como as

pradarias".

Sugestão: como a evocação, a sugestão foi bastante praticada

pelos simbolistas, que procuravam, através dela, uma forma indireta

de dizer as coisas. É o que Mallarmé propõe, ao fazer referência ao

Page 65: 7024737 Alvaro Cardoso Gomes O SIMBOLISMO

procedimento alusivo, neste fragmento: "penso ser preciso [...] que

haja somente alusão".

Teorias evolucionistas: teorias científicas em voga no século

XIX, fruto das especulações de Darwin e Lamarck. Tais teorias tinham

como pressuposto que o homem era o resultado de longa evolução

desde os primórdios de sua existência na Terra.

Torre de marfim: expressão metafórica que designa o

recolhimento do poeta simbolista num espaço físico ou mental,

distanciado da realidade brutal, do cotidiano. A torre de marfim, desse

modo, tanto pode ser a casa real em que Des Esseintes se recolhe em

Fontenay, para fugir do bulício de Paris, quanto o mundo espiritual

criado por Mallarmé, para onde sua alma exilada tenta fugir.

Vidente: é como Rimbaud chama o poeta, ao se inspirar na

imagem do decifrador, inventada por Baudelaire. Assim, o poeta se

torna vidente pelo "desregramento de todos os sentidos".

Vontade: um dos termos cunhados por Schopenhauer em sua

famosa obra O mundo como vontade e representação, para designar a

força cega instintiva, primária, que impele os seres à conquista. Devido

a isso, tal força, ainda segundo o filósofo alemão, é a responsável pelo

sofrimento, pelo sentimento de dor.

Page 66: 7024737 Alvaro Cardoso Gomes O SIMBOLISMO

Bibliografia comentada

BALAKIAN, Ana. El movimiento simbolista. Trad. esp. Madrid,

Guadarrama, 1969.

Estudo que detecta as raízes místicas do movimento na linha

esotérica do sueco Emmanuel Swedenborg e que tenta explicitar as

diferenças essenciais entre o idealismo romântico e o simbolista. Há

também na obra estudos acerca dos estilemas e tópicos simbolistas,

além de um panorama da herança do movimento na modernidade.

Fundamental este estudo não só pelas informações concernentes ao

Simbolismo, como também por explorar a idéia de ruptura com a

tradição que o movimento instaurou.

BOWRA, C.M. The heritage of Symbolism. London, Macmillan,

1943.

Depois de breve introdução acerca do Simbolismo, a obra

debruça-se entre os autores da geração seguinte: Valéry, Rilke, Stefan

George, Blok e Yeats.

CARPEAUX, Otto Maria. História da literatura ocidental. Rio de

Janeiro, O Cruzeiro, 1959. 8 v., v. 6, p. 2573-758. Amplo panorama do

Page 67: 7024737 Alvaro Cardoso Gomes O SIMBOLISMO

movimento simbolista, compreendendo suas ramificações na Europa e

nas Américas. Valioso o estudo pela interpretação da obra dos principais

escritores do Simbolismo.

CHADWICK, Charles. O Simbolismo. Trad. port. Lisboa, Lysia,

1975.

Breve estudo centrado no idealismo do movimento, procurando

estabelecer a ponte entre os aspectos pessoais e os transcendentais

da estética. A obra apresenta bibliografia comentada no final.

CHIARI, Joseph. Symbolism, from Poe to Mallarmé. Lon-don,

Rocklift Pub. Corp., 1956.

Partindo do pressuposto de que Mallarmé é a "conclusão e

coroamento do movimento simbolista" e de que Poe constitui o

embasamento do Simbolismo, o Autor busca determinar a relação

entre ambos os poetas. Na "Introdução", Chiari rastreia as origens

místicas e/ou idealistas da estética finissecular.

CORNELL, Kenneth. The symbolist movement. New Haven, Yale

University Press, 1951.

Talvez a mais bem documentada obra acerca do Simbolismo,

com seu levantamento minucioso de periódicos e obras que

provocaram as grandes polêmicas e trans-formações do movimento

na França. Em breves pinceladas, também o Autor se refere à

expansão do Simbolismo em países como Alemanha, Bélgica e

Portugal. No final, há uma lista das revistas e periódicos, com seus

colaboradores.

GOMES, Álvaro Cardoso. A estética simbolista. São Paulo,

Cultrix, 1985.

A obra reúne e estuda os textos teóricos do movimento. Na

"Introdução", o Autor trata das origens do Simbolismo, de suas

características, de sua cronologia e de sua divulgação na Europa e nas

Américas. No final, há bibliografia comentada.

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HAUSER, Arnold. Historia social de Ia literatura y el arte. Trad.

esp. Madrid, Guadarrama, 1969. 3 v., v. 3, p. 200-69.

Estudo de cunho sociológico, que compreende o Simbolismo

dentro de um fenômeno muito mais amplo denominado

"Impressionismo". Da perspectiva do Autor, a tentativa de apreensão

do instantâneo, o culto do vago e a busca da poesia pura são o

resultado de um "mal-estar da cultura", em parte provocado pela

Revolução Industrial. Fundamental o estudo no que concerne à

compreensão das amplas forças sociais que colaboraram para a

eclosão das tendências culturais na Europa.

LEHMANN, A. G. The symbolist aesthetic in France (1885-1895).

Oxford, Basil Blackwell, 1950. A. G. Lehmann trata, nesta obra, das

raízes do Simbolismo europeu, mais precisamente das da primeira

geração simbolista. Considerando o "clima da intensa discussão,

incerteza e relativa incoerência" da época, o Autor manipula grande

massa informativa e procura aclarar preconceitos e determinar a

ideologia dessa geração.

LOTE, Georges. La poétique du Symbolisme. Revue des Caeurs

et Conférences, Paris, 55: 385-408, 503-13, 679-87, 108-26, 357-71,

708-29, 30 avr. 1934. Série de ensaios sobre o Simbolismo francês,

compreendendo os seguintes tópicos: "As tendências gerais", "O

problema do conhecimento e da verdade mística", "A intuição e o

símbolo", "Poesia e música", "O valor sinestésico dos timbres vocais de

René Ghil" e "A sensibilidade verbal e o estilo". Fundamental pelo

levantamento dos recursos estilísticos próprios do Simbolismo no

último capítulo da série.

MICHAUD, Guy. Message poétique du Symbolisme. Paris, Nizet,

1969.

Obra clássica do gênero, dividida em três partes ("L'aventure

poétique", "La révolution poétique", "L'univers poétique"), que estuda

Page 69: 7024737 Alvaro Cardoso Gomes O SIMBOLISMO

os temas e os métodos expressivos do movimento. A compreensão

global e ampla do Simbolismo, bem como a transcrição dos

documentos fundamentais da estética simbolista recomendam

bastante a obra.

MOCKEL, Albert. Propos de littérature. Bruxelas, Palais des

Académies, 1962. Precedido de um estudo sobre A. Mockel por Michel

Otten.

Publicada originariamente em 1894, esta obra é fundamental

para o estudo do Simbolismo, principalmente no que concerne à

compreensão de aspectos formais do movimento, como o símbolo, a

sugestão, os aspectos plásticos da poesia, a musicalidade, etc.

Também indispensáveis os estudos finais acerca de poesia e

idealidade e poesia e música.

MOISÉS, Massaud. O Simbolismo. São Paulo, Cultrix, 1967.

Minucioso estudo do Simbolismo brasileiro, com "Introdução" dividida

em cinco partes, tratando das características da estética e seus limites

cronológicos em geral e no Brasil. Imprescindível pela visão teórica e

crítica do movimento simbolista e pelas informações concernentes às

suas principais figuras.

MORETTO, Fúlvia M. L. Caminhos do Decadentismo francês. São

Paulo, Perspectiva, 1989.

A obra tem uma breve introdução sobre o Decadentismo e

reúne material iconográfico e textos doutrinários sobre o movimento

decadentista.

MURICY, Andrade. Panorama do movimento simbolista

brasileiro. 2. ed. Brasília, INL, 1962. Levantamento minucioso do que

se produziu durante a fase do Simbolismo em nosso país. Além dos

textos antologiados, este panorama conta também com uma

introdução que investiga os traços fundamentais, a crítica e os

gêneros do Simbolismo.

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PEREIRA, José Carlos Seabra. Decadentismo e Simbolismo na

poesia portuguesa. Coimbra, Coimbra Ed., 1975. Obra que procura, em

primeira instância, estabelecer a diferença fundamental entre

Decadentismo e Simbolismo e, em seguida, situá-los em Portugal.

Neste particular, estuda os antecedentes de ambos os "ismos" e seu

ulterior desenvolvimento. Obra fundamental pelas achegas

bibliográficas e pelo levantamento de temas da poesia decadente e

simbolista em Portugal.

PEYRE, Henri. Qu'est-ce que le Symbolisme? Paris, PUF, 1974.

Partindo de uma "Introdução" em que caracteriza a palavra

símbolo, o Autor passa pelas quatro grandes figuras do movimento

simbolista: Baudelaire, Rimbaud, Verlaine e Mallarmé até chegar à

herança do Simbolismo dentro e fora da França. No final, a obra traz

minuciosa bibliografia comentada, capítulo a capítulo.

SCHMIDT, A.-M. La littérature symboliste. Paris, PUF, 1969.

Estudo introdutório do Simbolismo, prejudicado pela concepção de que

Baudelaire, Rimbaud, Verlaine e Mallarmé são precursores. Por isso, a

obra acaba por dar excessivo destaque a figuras de segunda plana do

movimento simbolista.

VAN TIEGHEN, Philippe. "Baudelaire, théoricien de l'art", "Les

théories symbolistes: Mallarmé, Moréas, Ghil,

Khan", "Claudel e Valéry doctrinaires". In: Les grandes

doctrines littéraires en France. Paris, PUF, 1974. p. 243-64.

Sucinta, porém pertinente, interpretação do Simbolismo, dentro

de uma perspectiva histórica da literatura francesa, na qual o autor

procura detectar os "grandes cumes do pensamento crítico na França".

WILSON, Edmund. O castelo de Axel. Trad. bras. São Paulo,

Cultrix, 1967.

Percuciente estudo do Simbolismo, constituído por uma

Introdução geral e ensaios sobre Yeats, Valéry, Eliot, Proust, Joyce,

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Gertrude Stein, Villiers de L'Isle-Adam e Rimbaud. Tomando de

empréstimo o título da obra de Villiers de L'Isle-Adam (Axel), porque

nela aparecem de maneira evidente os traços do que se convencionou

chamar de espírito decadente, o Autor procura esboçar as

características fundamentais do Simbolismo. Encontram-se nesta obra

também sugestivas idéias acerca das fontes do movimento e da

interpretação da palavra "símbolo".

WIMSATT, William K. & BROOKS, Cleanth. Crítica literária. Trad.

port. Lisboa, Fundação Gulbenkian, 1971. p. 692-723.

Obra que situa o Simbolismo, dentro da história da critica, como

forma de idealismo cujas raízes se encontram nos românticos ingleses,

como Coleridge, e americanos, como Emerson, Melville e Poe.